SeLecT nº 3

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LUCAS ARRUDA


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FOTOGRAFIA

Apagamentos Artistas registram imagens da mem贸ria que se esvai




cartas

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Adorei as matérias envolvendo a América Latina. Fellipe Abreu, repórter da Globo Rio

Um browser automático e aleatório, com páginas múltiplas e textos excelentes. Imagens lindas. Perfeita para viagens espaciais. Julio Costa, leitor

Amigos, parabéns! Tomei conhecimento na reunião da Associação Internacional dos Críticos de Arte, em Curitiba, da excelente revista lançada por vocês. Manoel Inacio, leitor Gostaria de dar parabéns à seLecT. É uma ótima revista, conteúdo relevante e de altíssimo nível. Estava faltando uma revista dessas. Parabéns! Tom Veiga, designer

Há não muito tempo, eu me perguntava: quais são as revistas legais no Brasil hoje? Que dureza. A seLecT era o que estava faltando. Finalmente uma revista de qualidade. Adorei a capa, super up-to-date. Extremamente importante a escolha da foto de capa para esse tipo de revista, porque é o que captura o olhar de quem tem gosto e entende. Uma foto menos aggior-

nata espanta na hora. A seLecT é pra colecionar. O projeto gráfico é bem atual: gosto do ritmo, da valorização consciente dos brancos, dos títulos “respirados”, com divisões desiguais entre as linhas, a escolha das fontes, inteligente sem ser esnobe. Adorei a seção de reviews. Podese voltar a levar uma revista a sério e esperar a dica da próxima edição. O logo funciona, é ao mesmo tempo industrial, artesanal, tecnológico, tudo misturado. Pergunta que não quer calar: como ninguém fez uma revista de arte assim antes? Parabéns! Juliana Lopes, jornalista residente em Milão

O Twitter da seLecT é sensacional! Parabéns pela criatividade. Meise Halabi, assessora de imprensa

Leitura superproveitosa sobre temas instigantes que não habitam as páginas dos demais veículos deste mar de mesmices. Parabéns a toda equipe Fabio Ulhoa Coelho, jurista e professor titular da PUC-SP

A seLecT está uma belezura: o visual, a diagramação, a impressão. Quanto ao conteúdo, estou receosa. Se essa moda do portunhol pega, vou ficar desempregada. Eugenia Flavian, tradutora

A segunda edição da seLecT abriu-se com muita sensibilidade à diversidade brasileira. Foi a primeira vez que a estética do frio e a movimentação musical do extremo Sul do Brasil e do continente sul-americano apareceram juntas e em circulação nacional, em um recorte tão específico e significativo. O contexto não poderia ser mais apropriado. Os olhares de Angélica de Moraes e Juarez Fonseca são breves, mas certeiros. As fotografias falam por

si. Como as palmeiras na planície uruguaia, fazem uma bela síntese entre frialdade e tropicalidade. Longa vida à seLecT! Vitor Ramil, cantor, compositor e escritor

O samba é angolano, o futebol é inglês, a banana é chinesa. A seLecT acertou na constatação: O Brasil Não É Daqui Fausto Sposito, leitor

espaço que merece.

Felipe Dmab, Galeria Mendes Wood

O Marcelo Gleiser é formidável; ele nos aproxima da poética da ciência... Lininha Stümer, via Facebook

A seLecT foi minha leitura no voo de Bogotá ao Chile. Parabéns, muito boa!!! Alexia Tala, curadora

Parabéns pelo nº2 da seLecT. Muito boa essa amostra latino americana. O artigo “Habla-se portunhol” prova de que a língua é viva. Estou levando um exemplar para meus professores de estudos da língua portuguesa na USP.

adjunta da 8a Bienal do Mercosul

Depois de NYT, Le Monde etc. a excelente revista de arte seLecT se rende ao portunhol ... Joca Terron,

Galeria Central

Dominique Girard, leitora

escritor, via Twitter

Adorei o que vocês escreveram no site da seLecT sobre a exposição da Fernanda Trevellin na Central. Há mesmo uma fratura entre o trabalho da aluna e o do mestre (Olafur Eliasson). Wagner Lungov, Agradeço às pessoas que estão fazendo a revista pro iPad, está de primeira! Douglas Negrisolli, via Twitter

Estava na banca folheando uma revista, quando vi a capa hiperatrativa da seLecT. Larguei a outra revista, comprei, li e adorei! Carolina Capucelli,

A seLecT acre-dita no potencial da nova música brasileira produzida no Pará! Obrigada pelo carinho. Gaby Amarantos,

estudante

musa do tecnobrega

Um mercado forte e de qualidade se constrói com artistas, galerias, instituições, curadores, críticos e imprensa. Faltava no Brasil uma mídia com a qualidade da seLecT. Que a revista amadureça, cresça e ganhe o

escreva-nos rua itaquera, 423, pacaembu, são paulo - SP cep 01246-030 revistaselect revistaselect www.select.art.br faleconosco@select.art.br



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marcos chaves

pieces

19.11.2011 > 23.12.2011 avenida europa 655 s達o paulo sp brasil t 55 (11) 3063 2344 info@nararoesler.com.br www.nararoesler.com.br


NOTÍCIAS + TENDÊNCIAS + TRANSCENDÊNCIAS

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ARTE

OBRA COMPLETA Maurizio Cattelan pendura todos os trabalhos produzidos desde 1989 na rotunda do Guggenheim e anuncia fim da carreira

Esta é uma maneira original de produzir um catalogue raisoneé, com a íntegra de sua produção artística. Convidado a fazer a primeira retrospectiva de sua carreira no Guggenheim de Nova York, Maurizio Cattelan deixou vazios os espaços expositivos ao longo das rampas do edifício de Frank Lloyd Wright e decidiu expor seus trabalhos em uma instalação site specific, na rotunda. O resultado são 130 esculturas – representativas de sua obra completa, produzida desde 1989 –, penduradas como roupas para secar no varal, ou como enfeites de uma grande árvore de Natal. E não apenas isso. O artista de 52 anos aproveitou o ensejo e, na abertura, ainda anunFOTO: DAVID HEALD - SOLOMON GUGGENHEIM FOUNDATION NEW YORK

ciou sua retirada do mundo da arte. Difícil acreditar, em se tratando do autor de algumas das mais icônicas imagens da arte contemporânea, como a escultura do papa João Paulo II atingido por um meteorito, de 1999. “A carreira de Cattelan resiste a qualquer formato tradicional de exibição”, afirma a curadora-chefe do museu, Nancy Spector, em texto curatorial. “Mas muitas de suas ações e meditações são impossíveis de ser reconstruídas.” A exposição conta ainda com app para celular – o primeiro jamais produzido pelo museu nova-iorquino – que propicia uma experiência expandida, com imagens, textos e vídeos. PA

A INSTALAÇÃO SITE SPECIFIC ALL REÚNE 130 ESCULTURAS DE CATTELAN

M a u r i z i o C a tt e l a n : All, até 22 de janeiro, Solomon R. Guggenheim M u s e u m , N o v a Yo r k www.guggenheim.org


alexandre mury 12 dez > 21 jan.12

galeria laura marsiaj

rua teixeira de melo, 31c ipanema 22410-010 rio de janeiro rj brasil t/f [5521] 2513 2074 terรงas a sextas 10h-19h sรกbados 11h-16h www.lauramarsiaj.com.br


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À ESQUERDA, O DRUZHBA HOLIDAY CENTER HALL, NA UCRÂNIA, UMA JOINT VENTURE ENTRE A RÚSSIA E A TCHECOSLOVÁQUIA. ABAIXO, PALÁCIO DE CERIMÔNIAS, NA GEÓRGIO

LIVROS

ARQUITETURA BRUTALISTA-ESPACIAL SOVIÉTICA Livro da Taschen expõe a estética caótica e monumental que emergiu de um sistema em decadência

Em CCCP – Cosmic Communist Constructions Photographed, o fotógrafo Frédéric Chaubin documenta 90 edificações localizadas em 14 antigas repúblicas soviéticas. São exuberantes exemplares da “quarta era da arquitetura soviética” que parecem querer anunciar a queda do sistema. Produzidas entre 1970 e 1990, essas construções não seguem escolas nem manifestam tendências dominantes. Entre elas há magníficas aberrações, como o Druzhba Holiday Center Hall, na Ucrânia, construído à prova de terremoto. “Esse edifício foi uma joint venture entre russos e tchecos. A Tchecoslováquia foi o único país que mandou um homem para o espaço em um lançador russo. Então, o edifício tem um estilo espacial. Quando foi construído, o Departamento de Defesa dos EUA pensou que era algum tipo de lançador de foguetes. Mas, de fato, era apenas um campo de veraneio”, diz Chaubin, que também é editor-chefe da revista francesa Citizen K. PA FOTO: DIVULGAÇÃO

CCCP – Cosmic Communist Constructions Photographed, Taschen, US$ 59,99

w w w.t a sc h e n .co m /ccc p



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MODA

O CHAPÉU FAZ O HOMEM Design Museum de Londres publica no Brasil dois livros que contam como 50 bolsas e 50 sapatos mudaram o mundo do design

Bolsas e chapéus ganham um capítulo à parte na história do design com a chegada de duas publicações organizadas pelo Design Museum de Londres, uma das mais tradicionais instituições dedicadas a esse segmento. Em 50 Chapéus Que Mudaram o Mundo, a história desse acessório é contada desde as coroas reais – como a famosa coroa de Vladimir Monômaco, príncipe ucraniano do século 11 d.C., que antes já havia sido usada pelos reis bizantinos por quatro séculos – até os chapéus mais famosos do cinema, presentes em filmes como My Fair Lady e Expresso de Xangai. Já em 50 Bolsas Que Mudaram o Mundo, o objeto vai muito além do sonho de consumo feminino. As bolsas Louis Vuitton, muito antes de serem reinventadas pelo estilista Marc Jacobs, eram baús e malotes imponentes, que transportavam cargas em navios e trens a vapor, no século 19. Curiosa também é a história das Budget Boxes, mais conhecidas como Red Boxes, as famosas pastas vermelhas em que parlamentares ingleses carregam aqueles documentos que até hoje decidem o futuro da nação. NG

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50 Chapéus Que Mudaram o Mundo/ 50 Bolsas Que Mudaram o M u n d o A CARTOLA, ENTRE OS 50 CHAPÉUS QUE MUDARAM O MUNDO

E d i t o ra Autêntica 112 págs., R$ 34 (cada)

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TECNOLOGIA

CULTURA LIVRE.BR 3º Festival Internacional de Cultura Digital acontece no Rio de Janeiro

PAULO COELHO DECLARA-SE A FAVOR DO COPYLEFT FOTOS: DIVULGAÇÃO; DESIGN MUSEUM/ 20TH C FOX/ EVERETTE/ REX FEATURES

O Festival Internacional Cultura Digital.br invade pela primeira vez a Cidade Maravilhosa, com uma agenda intensa de palestras, debates, laboratórios e performances artísticas ligadas à filosofia do compartilhamento, com temáticas como a propriedade intelectual na era do conhecimento e os avanços do movimento Software Livre. A agenda que ocupou o MAM-RJ e o Cine Odeon de 2 a 4 de dezembro foi composta a partir de 358 propostas apresentadas por coletivos, ativistas e organizações, corroborando o CulturaDigital.Br como foro privilegiado para a construção colaborativa de propostas sobre as articulações entre arte, tecnologia, política pública e cultura livre. Entre os palestrantes convidados, Kenneth Goldsmith, criador do UbuWeb e entrevistado na edição inaugural de seLecT, em agosto passado, Yochai Benkler, professor de Direito em Harvard e autor de A Riqueza das Redes, Hugues Sweeney, do National Film Board of Canada, Helloisa Buarque de Hollanda, ensaísta e pesquisadora, e o escritor Paulo Coelho, que declara abertamente sua postura a favor do “copyleft”, alinhada com a cultura do compartilhamento e do remix. Mariel Zasso www.culturadigital.org.br



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FUTURO

COMO EDUCAR O FOTÓGRAFO DO SÉCULO 21? Museu e revista Foam fazem exposição e edição especial sobre o futuro da fotografia

Como será um museu de fotografia daqui a 30 anos? Os museus vão colecionar arquivos digitais em vez de prints? A fotografia química vai sobreviver? O que o futuro reserva para fotógrafos, instituições, publicações, colecionadores? Para comemorar seus dez anos de atividades, a instituição Foam Amsterdam, dedicada à fotografia contemporânea, lançou estas e outras perguntas à comunidade artística e aos internautas usuários do site www. foam.org/whatsnext. Os resultados do projeto What’s Next estão publicados na edição número 29 da revista Foam. O projeto What’s Next também ganhou a forma de uma exposição, intitulada The Future of the Photography Museum. Durante FOTO: GIJS VAN DEN BERG/ FOAM E DIVULGAÇÃO

o mês de novembro, a instituição holandesa foi ocupada por mostras assinadas por quatro curadores internacionais, convidados a repensar as formas de expor fotografia. Entre eles, Lauren Cornell, do New Museum, de Nova York, tratou da fotografia multimidiática, exposta no formato de vídeo, internet e instalações, e Erik Kessels, do KesselsKramer, de Amsterdam, trabalhou com a noção de “fotografia em abundância”. O curador imprimiu todas as imagens que foram postadas no Flickr num período de 24 horas e despejou tudo no espaço expositivo, criando um ambiente em que o visitante é afogado em 1 milhão de imagens alheias. PA

ACIMA, INSTALAÇÃO 24 HRS, DE ERIK KESSELS, EM EXPOSIÇÃO NO MUSEU FOAM



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EXPOSIÇÃO

ENGAJAMENTO CROMÁTICO Obra colaborativa da artista Mônica Nador e de integrantes do Jardim Miriam Arte Clube ocupa a galeria Luciana Brito

DESIGN

OS PRÊMIOS ESCANDINAVOS

THE SEALPELT (2005), ROUPAS-COBERTORES DO COLETIVO ISLANDÊS DE DESIGN VÍK PRJÓNSDÓTTIR

A estética relacional é a principal marca da produção de Mônica Nador desde o fim dos anos 1990, quando começou a realizar projetos em parceria com comunidades de regiões desfavorecidas no Brasil e no mundo. Na exposição individual da artista que a galeria Luciana Brito apresenta até o fim de janeiro, painéis, paredes e a fachada do espaço são recobertos por pinturas de padronagens desenvolvidas com integrantes do projeto Jamac, na zona sul de São Paulo. O estêncil é a base dessas pinturas e também dos 13 trabalhos Cubo Cor – Mônica em tela e papel reunidos na Nador (Autoria exposição, e o resultado é Compartilhada), uma impressionante transaté 28 de janeiro. Luciana formação do cubo branco Brito Galeria, Rua Gomes em uma capela cromática, de Carvalho, 842, São Paulo à la Mark Rothko. JM

Museu da Casa Brasileira comemora 25 anos do seu prestigiado prêmio de design com seleta dos países nórdicos

A apresentação do júri do Danish Design Prize 2010/2011 afirma que os fones de ouvido da AIAIAI ApS, vencedores da categoria Estilo de Vida, são exemplos de um “design não nonsense com uma expressão low-tech”. O produto é simples e realista, reunindo funcionalidade e preço acessível, além de divertido, ao oferecer às pessoas a oportunidade de customizar seus fones. O produto também sintetiza a visão do curador da mostra Prêmios do Design Nórdico, Kari Korkman, sobre as principais características do design dos países escandinavos: simplicidade, minimalismo e funcionalidade. A exposição em cartaz no Museu da Casa Brasileira, que acontece em paralelo à 25ª edição do Prêmio Design MCB, reúne 18 objetos que venceram concursos de design importantes na Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia em anos recentes. Em comemoração aos 25 anos, o MCB lança um site dedicado ao prêmio e uma instalação interativa que apresenta ao público a memória do evento. JM FOTO: GULLI MÁR/DIVULGAÇÃO

Pr ê m i o s d o D es i g n Nórdico e 25º Prêmio Design, até 15 de janeiro, Museu da Casa Brasileira, Av. Brig. Faria Lima, 2.705, São Paulo VISTA DA SALA PRINCIPAL DA EXPOSIÇÃO CUBO COR NA LUCIANA BRITO



tribos do design

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Visionários Etéreo e aerodinâmico, o estilo desta tribo se alimenta da estética Minority Report. Design de antecipação dos futuros possíveis para quem a virtualidade é aqui e o futuro é agora

FOTOS: DIVULGAÇÃO





arqueologia midiática

MÁQUINA S

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de L E ITURA

Muito antes da

rnet,

inte

cientistas e escritores projetaram

dispositivos de acesso integrado e universal ao conhecimento

NINA GAZIRE

I L U S T R A Ç Ã O G U TO L AC A Z

A BIBLIOTECA DE BABEL, CONTO DE JORGE LUIS BORGES ESCRITO EM 1939, TEM COMO PANO DE FUNDO A LENDÁRIA CIDADELA DA BABILÔNIA, fundada em, aproximadamente, 1950 a.C., e onde foram encontradas as tábuas de argila, conhecidas como o suporte do primeiro sistema de escrita de que se tem registro. Babel, em hebraico, quer dizer confusão e o nome está diretamente relacionado à Torre que os babilônios teriam construído para chegar ao céu e escapar do dilúvio. Por desafiar a autoridade de Deus, segundo o Antigo Testamento, a cidade foi destruída e os homens foram castigados com a introdução de várias línguas para impedir a sua comunicação. Na versão do escritor argentino, a Torre de Babel teria sido uma gigantesca biblioteca. Com o funcionamento parecido ao de uma enorme máquina, cujas salas hexagonais se moviam constantemente, nessa cidadebiblioteca os moradores buscavam incessantemente por

textos míticos que conteriam toda a sabedoria do universo, bem como as ideias que ainda estariam por vir. Porém, a busca nunca se completava já que a biblioteca, de tamanho e conteúdo ilimitados, possuía em grande parte textos completamente aleatórios e sem sentido para seus habitantes. Borges talvez tenha criado uma das imagens mais próximas do que é viver em tempos de Google. A busca por uma simples palavra ou termo se torna um torvelinho infinito diante da efusão de resultados que nos é mostrada na tela do computador. Seria a Biblioteca de Babel uma espécie de internet primordial? Anacronismos e confabulações à parte, fato é que muito antes da rede mundial de computadores ou dos tablets, a humanidade já vinha pesquisando diferentes maneiras de facilitar a busca nos seus milhares de anos de conhecimentos produzidos. Conheça algumas máquinas imaginadas – algumas até chegaram a ser confeccionadas por seus criadores –, dignas de um bom conto borgeano.



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Teatro da Memória: precursor do cinema Giulio Camillo (1530)

O ARQUITETO DANIEL LIBESKIND RECONSTRUIU, EM 1985, O TEATRO DA MEMÓRIA (ACIMA) DE GIULIU CAMILLO E A RODA DE LEITURA DE AGOSTINO RAMELLI (ABAIXO)

Camillo (1480-1544) é considerado um dos filósofos mais controvertidos e misteriosos do Renascimento. Foi contemporâneo e amigo de outros sábios como o filósofo Erasmo de Roterdã, que o considerava excessivamente estranho, devido às suas ideias holísticas. Ao contrário desses pensadores, que viam no texto escrito a fonte de apreensão para o conhecimento, Camillo via no teatro e na cenografia uma nova maneira de aprendizado e registro da memória. Segundo suas próprias palavras, “desde o mais antigo e mais sábio dos escritores, fomos acostumados a registrar os segredos de Deus apenas em escritos”. Em 1530, ele pensou uma máquina que mudaria essa concepção, chamada inicialmente de Theatro della Sapientia, ou Teatro da Memória, em português. O filósofo chegou a construir o mecanismo e, segundo relatos, o exibiu em apresentções no ano de 1532. Tratava-se de uma enorme estrutura de madeira que permitiria um ou dois

indivíduos de cada vez no seu interior. Dentro havia uma grande variedade de textos e imagens. O conteúdo estaria dentro de pequenas caixas dispostas em ordens e graus variados. Ao entrar nesse “teatro maquínico”, o usuário era capaz de pesquisar sobre qualquer assunto, porém não seria o único a usufruir do conhecimento buscado. À medida que o conteúdo no interior da máquina era manipulado, o público do lado de fora e presente em um auditório onde o invento deveria ser disposto teria acesso às imagens e textos que apareciam em sete pilares dispostos no exterior da máquina. Afinal de contas, segundo o inventor, o texto escrito não seria suficiente, devido ao seu caráter intimista, e o conhecimento deveria ser compartilhado coletivamente de acordo com as leis de Deus. Não seria o Teatro da Memória de Camillo precursor do cinema ou dos recursos multimídia tão comuns hoje em dia?

Roda de Leitura: protótipo do hipertexto Agostino Ramelli (1588)

O engenheiro italiano Agostino Ramelli (1531-1600) viveu no fim do período ápice do Renascimento. Inventor de inúmeros mecanismos de uso militar, foi na França que ele criou a “obra” que lhe deu fama até os dias de hoje: a Roda de Leitura. Essa máquina tinha como proposta a consulta simultânea de vários livros. Em 1985, o arquiteto Daniel Libeskind reconstruiu essa e outras máquinas de leitura, incluindo parte do mecanismo do Teatro da Memória de Giulio Camillo, em um projeto apresentado na Bienal de Arquitetura de À ESQUERDA: PARTES DA INSTALAÇÃO TRÊS LIÇÕES DE ARQUITETURA, DANIEL LIBESKIND, 1985 (REPRODUÇÃO). À DIREITA, WHS ARCHIVE IMAGE

Veneza. Teoricamente, o mecanismo seria simples: trata-se de uma grande roda de madeira na qual os livros a ser consultados são dispostos em plataformas parecidas com as pás da roda de um moinho. Semelhante a uma escrivaninha rotatória, o consulente se sentaria diante da máquina, girando-a de acordo com a necessidade da consulta. A Roda de Leitura de Agostino Ramelli é considerada por inúmeros estudiosos um protótipo do hipertexto, termo que hoje remete a um texto em formato digital, no qual se agregam outros conjuntos de textos.


Mesa Mecânica: predecessora do Kindle John Muir (1861)

A MESA MECÂNICA POSSUÍA ENGRENAGEM SIMILAR À DO RELÓGIO, QUE FOLHEAVA O LIVRO DURANTE A LEITURA RETRATO DE JOHN MUIR, PRECURSOR DA ECOLOGIA E INVENTOR DA MESA MECÂNICA DETALHE DO PROJETO DE JOHN MUIR, REALIZADO EM AQUARELA, EM 1960 COMPONENTES DA MESA MECÂNICA, DE MUIR

John Muir (1838-1914) foi um escritor e naturalista norte-americano e pioneiro da ecologia. Mas, além de viajar pela América e registrar em seus diários as belezas e riquezas da natureza, Muir estava preocupado em criar um recurso que facilitasse a consulta aos inúmeros manuscritos produzidos durante seus anos de pesquisa. Entre 1861 e 1863, ele trabalhou na sua Mesa Mecânica (Clockwork Desk), mecanismo que organizaria o seu material de consulta enquanto trabalhava nas pesquisas. “Eu inventei uma mesa na qual os livros que eu tinha de estudar eram dispostos em ordem e no início de cada assunto que

eu estava pesquisando”, detalha ele em um dos relatos sobre a invenção. Semelhante à Roda da Leitura de Agostino Ramelli, porém consideravelmente menor, na Mesa Mecânica um livro era disposto no centro de uma roda dentada. Funcionando como uma espécie de relógio, na medida em que se ia folheando o texto, a roda substituiria por outro livro assim que a consulta tivesse sido terminada. Recentemente, a jornalista do New York Times Jennifer Schuessler referiu-se à criação de Muir como uma espécie de “predecessora do Kindle” – o e-book reader criado pela Amazon em 2007.

Memex: o conceito do hiperlink Vanevar Bush (1945) No período entre guerras, quando se deu o boom do desenvolvimento das tecnologias militares, foi quando o cientista norteamericano Vanevar Bush (1890-1974) consolidou sua carreira. Assim como Agostino Ramelli, que trabalhava para as tropas francesas criando engenhos militares, Bush é tido como uma figura de liderança no desenvolvimento do complexo militar-industrial dos Estados Unidos. O cientista estava preocupado em criar um mecanismo que armazenasse e facilitasse a pesquisa de toda essa produção tecnocientífica que crescia em ritmo acelerado. Em 1945, ele escreveu o artigo As We May Think (Como Podemos Pensar), que é interpretado por alguns como a referência daquilo que viria ser a internet atual. Nesse artigo, Bush descreve sua invenção chamada Memex, um dispositivo que nunca chegou a ser construído. Ao usá-lo, profissionais poderiam consultar

seus pares e buscar pareceres e processos semelhantes aos seus. Nesse prodigioso invento – cujo nome seria uma junção entre as palavras Memória e Index – as pesquisas se dariam pela semelhança e associação dos termos buscados. Além da pesquisa associativa, que é muito semelhante ao modo como o pensamento humano funciona, o conteúdo estaria disposto pela similaridade por meio de elos que ligariam os assuntos uns aos outros. Assim nasceu também o conceito de hiperlink, que atualmente é imprescindível para se “navegar”pela internet. Além dessas propostas visionárias, a máquina ainda possibilitaria a edição e modificação do conteúdo pelo usuário. Em vez de serem guardadas em bancos de dados, como as da internet, as informações do Memex estariam gravadas em microfilmes e fotografias que seriam manipulados diretamente pelo usuário.


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arqueologia midiática

EM do

LIVRO

BUSCA

S E M M A RGENS

O livro eletrônico abrirá um novo capítulo na

GISELLE BEIGUELMAN

hist ó r

ia

d a e s c r i t a,

I L U S T R A Ç Ã O G U TO L AC A Z

A INTERNET TRANSFORMOU O COMPUTADOR EM UMA MÁQUINA DE LER, ESCREVER E PUBLICAR. É INÉDITO NA HISTÓRIA DA HUMA NIDADE UM DISPOSITIVO QUE ARTICULE TANTAS ETAPAS DO PRO CESSO EDITORIAL. No âmago dessa cadeia reina soberano “Sua Excelência, o Livro” e toda uma gama de velhas e novas discussões sobre a possível extinção de seu formato impresso e substituição pelo modelo eletrônico. Esse debate, contudo, é paradoxal, pois, enquanto se alardeia o esgotamento do livro impresso, o que se testemunha é uma sucessão de experiências frustradas de emplacar a versão eletrônica. O lançamento do Kindle, pela Amazon, em 2007, marcou um primeiro movimento de real sucesso do livro eletrônico em relação ao impresso. As vendas nesse formato crescem em velocidade impressionante, mas o mercado literário ainda é dominado pelo impresso. Isso indica uma maior necessidade de avaliação de dados sobre produção e consumo. Indica que há ainda muito a investigar sobre os processos de leitura e suas transformações na passagem de um formato para o outro. Afinal, não se fala de um mundo da leitura sem pressupor uma leitura de mundo, como já assinalou uma das principais estudiosas da história da leitura e do livro no Brasil, a crítica literária e professora Marisa Lajolo. As perguntas que parecem não querer calar são: a despeito dos inegáveis sucessos de venda dos novos e-readers e dos tablets, o que tanto fascina no livro impresso? E o que queremos do livro eletrônico?

quando permitir a leitura compartilhada e em rede para além da moldura da página


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Mortes e ressurreições do e-book O livro impresso é, provavelmente, o mais estável produto cultural que conhecemos. Do ponto de vista do design, mudou quase nada ao longo de seus mais de 550 anos de história, incorporando, basicamente, os princípios estruturais dos códices medievais: formato retangular, capa, contracapa, miolo (composto de folhas dobradas em quatro) e lombada. Tamanha longevidade, em uma cultura do descarte como a nossa, surpreende. Por um lado, prevalece entre nós a obsolescência programada. Por outro, o lançamento de produtos antes de estarem realmente prontos é tão comum que já nos acostumamos com o súbito desaparecimento de um deles. De uma forma ou de outra, o que sobra são artefatos passageiros. Basta pensar em quantas vezes, nos últimos dez anos, você trocou de aparelho de TV, som, computador e celular. O mesmo raciocínio não vale, do ponto de vista funcional, para a quantidade de vezes que foi necessário trocar suas estantes. Como design, o livro impresso, pelo menos diante dos outros produtos com os quais convivemos, é perfeito. Tanto que nunca precisou mudar. Do ponto de vista técnico e da usabilidade, é ainda o único dispositivo totalmente wireless e que funciona com o mínimo de requisitos adicionais. À estabilidade do livro impresso contrapõem-se as inúmeras mortes e ressurreições do livro eletrônico. Anunciado desde meados dos anos 1990 como produto revolucionário, enfrentou ao longo dos anos uma história de sequenciais fracassos. FOTO: GRENKBLOG.COM/GREEN-ELECTRONICS-YEAR


Entre as mortes e do

e-‐book

s

rreiçõe

ressu

pulularam mais discursos

escatológicos sobre a iminência do fim do livro impresso

do que estudos sobre os diversos insucessos do similar eletrônico Uma anedota corrente no ano 2000, em palestras sobre e-books e o futuro da leitura, costumava encenar uma situação no futuro em que alguém diria sobre nós e nosso presente: eles viviam em uma época em que as bibliotecas continham livros que não “conversavam” entre si. Esse comentário, disse o especialista no tema Clifford Lynch, traduzia a expectativa de que o livro, no formato eletrônico, se transformaria em uma estrutura de conhecimento ativa. Projetava-se aí, portanto, algo além de uma evolução no suporte: a expectativa era por um novo capítulo na história da leitura. Entre meados dos anos 1990 e começo dos 2000, presenciamos o lançamento de livros em disquete, CD-ROM, e-readers e programas para criação de narrativas eletrônicas. Todos foram lançados com estardalhaço. Poucos sobreviveram (na lembrança e nas implicações históricas). Disquetes – que tiveram, inclusive, um formato específico para livros, o DBF – acabaram sem deixar poeira, saudade ou rastro. E-readers, como o Rocket e o SoftBook, faliram, mas programas leitores, como o Adobe Reader (definitivamente o campeão), tornaram-se parte do nosso cotidiano. Softwares para criação de literatura hipertextual, como o Storyspace, não conseguiram muitos frutos importantes, mas estão diretamente ligados à história da e-literatura, a partir de “clássicos” como Afternoon, a Story, de Michael Joyce (1987) e Grammatron, de Mark Amerika (1995). Ficou, como referência ainda a ser mais bem aproveitada nos iPads e tablets, a excelência dos livros multimídia da Voyager, de Bob Stein, que depois fundou o Institute for the Future of the Book e hoje dirige um projeto de rede social inteiramente devotado à leitura. Seu conceito de livro expandido é cada vez mais pertinente. No Brasil, também houve uma experiência interessante, a revista NEO Interativa, de Ricardo Anderáos, Silvio Gianinni e Luis Henrique Moraes, que circulou de 1994 a 1997. Foi de fato a partir das possibilidades abertas pela web, que

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Curiosamente, o

o-‐papão

bich

q u e e n g o l i u a i n d ú s t r i a d o e -‐ b o o k

nos seus primeiros anos foi também a varinha de condão que o ressuscitou com força invejável: a internet

levaram ao limite essas primeiras experiências radicais como as da Voyager e Storyspace, que ficou clara a timidez da primeira onda dos e-readers. Eles pareciam pretender posar de revolução na leitura, quando nem sequer indicavam uma grande evolução em relação ao livro impresso. A história das máquinas de leitura sonhadas pela humanidade desde o aparecimento do livro impresso na Renascença mostra que o que perseguimos é um livro sem margens e sem fronteiras, capaz de permitir a costura (ou a linkagem) de passagens dispersas, que relativizem o limite imposto pelo volume dos textos. É nessa direção que caminha toda a pesquisa contemporânea de tecnologia de telas e conexão, cada vez mais orientadas para a fruição compartilhada entre monitores de diferentes portes e não nos monitores em si. Tudo indica que os próximos capítulos da história da leitura e do livro devem desenrolar-se para além dos limites das molduras definidas pelas bordas das telas ou das margens dos livros. Eles devem romper com o imaginário clássico do mundo enquadrado para aderir à experiência da leitura mediada pelas redes.

A PERSPECTIVA, SISTEMATIZADA NO EXPERIMENTO DE BRUNELESCHI, É REFERÊNCIA DE UMA LEITURA DE MUNDO QUE DEMANDA O ENQUADRAMENTO COMO PRESSUPOSTO DA COMPREENSÃO



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portfólio

Ele já fez (quase) tudo o que é possível fazer com o livro entendido como suporte para a arte: escultura, colagem, descolagem, escarificação, camuflagem, esfoliação, todo tipo de recorte e incisão, molhou, derreteu vela em cima, apagou, serpentinou, vestiu, virou do avesso, embaralhou (muitos dos termos desta lista são derivados de técnicas inventadas por ele). As obras de Odires Mlászho começam e/ou terminam com um livro, invariavelmente. No início de sua trajetória artística, nos anos 1990, o processamento dos livros era menos aparente, porque o resultado eram

sempre trabalhos fotográficos. Na série Cavo um Fóssil Repleto de Anzóis (1995-1996) – que pertence à prestigiada Coleção Pirelli de Fotografia –, os olhos de políticos alemães de um livro de retratos da década de 1960 enxertados em bustos romanos espreitam da superfície brilhante e impecável do papel fotográfico. Filósofos e poetas, como Kant e Schiller, são sepultados sob pétalas secas e parafina na série Animal Farejando o Teu Sono (2002); em obras feitas com a técnica da escarificação – um aparato de transferência de imagens criado pelo artista para


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O LIV RO É O CO MEÇ O E, MU I TAS V E Z ES , TA M BÉ M O FIM DAS OB RAS D O ART I STA produzir sulcos verticais com milímetros de distância entre um e outro na superfície inteira de folhas de um livro antigo –, o manual com posições corretas para realizar exercícios físicos (Atletas, 2001) e interiores arquitetônicos (Monumental Man, 2001) ganham ares fantasmagóricos. Alguns trabalhos desse período surgem também das folhas soltas do mundo editorial: pôsteres de celebridades são submetidos à técnica da “serpentina”, corpos de revistas eróticas são retalhados para dar origem aos Butchers (série Mestres Açougueiros e

J U L I A N A M O N AC H E S I

MORFOLOGIA REUMATOLÓGICA A SCANNING (2008), LIVRO ALTERADO (CORTE E TORÇÃO); NAS PÁGINAS ANTERIORES, LEVOCA (2011), DA SÉRIE TRABALHOS CASEIROS DE ESCALPOS

Aprendizes, 2004), rostos femininos têm os olhos vazados e são recobertos por guardanapos molhados (Antecâmara da Máscara, 2001). Uma série emblemática ganha ampla divulgação na mídia no início dos anos 2000: as silhuetas de bebês que emergem quando o artista apaga tudo ao seu redor em páginas da revista de HQ Spawn. Em 2002, a Galeria Vermelho, em São Paulo, é inaugurada com fotografias em grande formato de Odires Mlászho. Elas integram uma mostra coletiva, mas ganham lugar de destaque, como indícios do futuro da imagem fotográfica (a Galeria Vermelho, em FOTOS: EDOUARD FRAIPONT/CORTESIA GALERIA VERMELHO


portfólio

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BOX DE CHUMBO (2004), OBRA FEITA COM A TÉCNICA DE ESCARIFICAÇÃO, UM APARATO DE TRANSFERÊNCIA DE IMAGENS CRIADO PELO ARTISTA PARA PRODUZIR SULCOS VERTICAIS COM MILÍMETROS DE DISTÂNCIA ENTRE UM E OUTRO NA SUPERFÍCIE INTEIRA DE FOLHAS DE UM LIVRO ANTIGO. À DIREITA HOMEM COM OLHO DE PÁSSARO, FOTOGRAFIA DA SÉRIE ROLLEIFLEX SERPENTINA (2002)

MLÁSZ HO RECO RTA U M R ET RATO A NTI GO E M U M A Ú NI CA T IRA ES PIRAL ADA D E PAP EL , “ S E R P E NTI NA” QU E TOR NA A FOTO TRID I MEN SI O N AL

seu projeto inicial, destinava-se à comercialização de fotografias apenas, com o intuito de estabelecer parâmetros de colecionismo privado e institucional dessa modalidade artística). A primeira exposição individual que a Vermelho realiza em sua sala principal (em agosto de 2002) é, não por acaso, do próprio Mlászho. Caminhando, entretanto, na contramão das tendências de mercado, o artista decide conceder autonomia a suas matrizes e, na segunda mostra individual na galeria, intitulada O.D.I.R.E.S (2006), expõe esculturas feitas com os 60 volumes das enciclopédias Britannica e Americana (Livros Alterados). Na mesma ocasião, em que também mostrou ampliações fotográficas da série Mestres FOTOS: CORTESIA DO ARTISTA E GALERIA VERMELHO


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Açougueiros, expôs colagens cuja técnica batizou de “flaps”: livros inteiros recortados em faixas que foram abertas como um baralho e deixavam entrever 2 milímetros de cada página, possibilitando a visualização de seu conteúdo integral como uma imagem única. Entre eles, Atlas – Hardenability of Carburized Steels, de 2005; NSK – Rolamentos de Esferas e de Rolos, de 2005; Sandvik, de 2006; e SKF, de 2006. Mais recentemente, o artista vem se dedicando, na série Paisagens Cambiantes (1999-2007), a submeter livros inteiros às técnicas de esfoliação e recaligrafia, e também a criar livros vestíveis: adaptou uma coleção de cintos e tiras de couro à estrutura de luxuosos livros corporativos, que podem ser carregados como uma mochila. A portabilidade leve dos objetos antes desconfortáveis para carregar aponta mais uma vez para o futuro e localiza outra vez o artista nas discussões de ponta da arte. À ESQUERDA, BUTCHER, AMPLIAÇÃO DIGITAL DA SÉRIE MESTRES AÇOUGUEIROS E APRENDIZES (2005). AO LADO, LIVROS ALTERADOS DA SÉRIE BRITANNICA (2006). ABAIXO, LIVRO CEGO (2010)

PUDAE NONSENDUS MOLORIO. ITASPERE ES NUM INT FUGA. UT QUAMENIANT LIT EX ET ESCIPSA CON EAQUAT HARUPTI ONEST, ASIT ETUR? PARITIO S

FOTOS: CORTESIA DO ARTISTA E GALERIA VERMELHO


fotografia

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DA N I E L A B O U S S O

OSC A R M U ÑOZ

À ESQUERDA, CORTESIA DO ARTISTA E DA GALERIA LA FABRICA (MADRI); À DIREITA, CORTESIA DA GALERIA NARA ROESLER


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BR ÍG I DA BA LTA R


fotografia

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C A E TA NO DI A S


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A L IC E M IC E L I

À ESQUERDA, CORTESIA DO ARTISTA; À DIREITA, CORTESIA DA GALERIA NARA ROESLER


fotografia

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LU I Z Z E R BI N I

À ESQUERDA, CORTESIA DA GALERIA FORTES VILAÇA; À DIREITA, CORTESIA DA ARTISTA


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E S SI L A PA R A Í SO


exclusivo

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VOO

PLANO DE

ANGÉLICA DE MORAES

F OTO S R I C A R D O VA N S T E E N

Vai decolar um dos projetos de maior envergadura da cena artística atual no País: o novo Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo O ESPAÇO É IMPACTANTE. UM DOS MELHORES PRÉDIOS DA MELHOR FASE DA CRIAÇÃO DE OSCAR NIEMEYER (ANOS 1950), POSSUI GRANDES VÃOS LIVRES, PONTUADOS DE COLUNAS DE FORMAS ESSENCIAIS E ÁREAS ENVIDRAÇADAS IMENSAS, QUE FAZEM A PAISAGEM DA CIDADE PENETRAR NA ESTRUTURA, INTEGRANDO-A AO SKYLINE DA METRÓPOLE E AO VERDE DO PARQUE DO IBIRAPUERA. Em março de 2012, confirma Tadeu Chiarelli, diretor do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), esses espaços, revitalizados e ampliados para abrigar a nova sede do MAC, serão inaugurados com um conjunto de exposições que ocupará seis de seus sete andares.


exclusivo

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Entraves administrativos de toda ordem já foram superados, garante ele. Em dezembro de 2011, uma cerimônia oficial assinala a transferência da propriedade do prédio da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo para a USP. O litígio sobre a ocupação do terreno vizinho também já foi solucionado, resgatando 16 mil metros quadrados para o jardim de esculturas do museu. Conforme esclarece o assessor de obras da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, Angelo Mellios, “as características construtivas de fachada, estrutura e volumetria foram mantidas”. Paradoxalmente, essas históricas características já correram risco de ser alteradas em nome do próprio autor do projeto. Em 2007, o prefeito José Serra solicitou a Oscar Niemeyer uma adaptação do edifício. Embora o local fosse tombado pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e pelo Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo), o escritório de Niemeyer apresentou projeto que alterava radicalmente as características da fachada. AGRADECIMENTOS: ENGENHEIRO OSWALDO PADILHA; ASSISTENTE DE FOTOGRAFIA: ADRIANO VANNI


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Como recorda Mellios, a fachada “presumia a substituição dos caixilhos por vidros ininterruptos pretos e ainda uma parede escultórica em vermelho, solta da edificação”. Iphan e Conpresp não aprovaram, “por entenderem que a proposta descaracterizava o bem tombado”. Com isso, garantiu-se não só a integridade da construção como sua harmonia com os prédios de igual época e autoria, que fazem do Parque do Ibirapuera um dos mais importantes conjuntos de obras de Niemeyer no país. O total da área expositiva do novo MAC (incluídos os anexos, mas não os jardins) é de 12 mil metros quadrados. Isso significa quase metade dos 25 mil metros quadrados do Pavilhão do Ibirapuera, sede da Bienal de São Paulo, outra joia niemeyeriana. O agora novo MAC, há décadas ocupado pelo Departamento de Trânsito paulista (Detran), livrou-se dos dédalos de madeira do funcionalismo público e recuperou a beleza. Cada andar tem 1,6 mil metros quadrados para exposições, ampliado por duas alas anexas. Quatro andares (do sétimo ao quarto) são para expor o acervo. Nos anexos menores de cada andar serão alojadas exposições monográficas de artistas de presença importante no acervo, como Julio Plaza, Leon Ferrari e Rafael França. Dois andares (terceiro e segundo) terão exposição de obras recentes (últimos 15 anos), “que não pertencem ao museu, mas dialogam de modo muito vivo com ele”, diz Chiarelli, que faz a curadoria geral. O anexo original (mezanino) será ocupado com uma exposição de 16 fotos de grande formato de Mauro Restiffe, sobre a reforma do prédio. Todas as exposições terão longa duração: um ano para acervo e seis meses para as demais. Chiarelli: “Não acredito que se possa fazer um bom trabalho de formação do público com exposições que duram um mês ou algumas semanas”.


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E SC R I TURAS Fotos Z E E N U N E S , edição de moda M A U R I C Í O I A N Ê S

No início era o vazio, o silêncio, a luz. O futuro, como página em branco, abrindo-‐se ao grafismo da letra em preto. Uniram-‐se e deram corpo a uma linguagem ainda não definida. E fez-‐se a paz


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PÁGINA AO LADO, VESTIDO GESSO, SAAD - R$ 1.880. NESTA PÁGINA, CAMISA BRANCA, HUGO BOSS - R$ 628. CALÇA BRANCA, ERMENEGILDO ZEGNA - R$ 1.140


moda

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NESTA PÁGINA, VESTIDO SPAZZI SAAD - R$ 2.150. PULSEIRA PRETA, NEON - ACERVO NEON. PÁGINA AO LADO, VESTIDO BRANCO DO ESTILISTA, ACERVO MARCELO SOMMER. PULSEIRA PRETA MARC JACOBS - R$ 260 GOLA PRETA, REINALDO LOURENÇO - R$ 460


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moda

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NESTA PÁGINA, PALETÓ BRANCO, ERMENEGILDO ZEGNA - R$ 3.035. CAMISA BRANCA, HUGO BOSS - $ 678. CALÇA BRANCA RICHARDS R$ 220. GORRO PRETO MARC JACOBS - R$ 490. CINTO PRETO, ELLUS - R$ 129 PÁGINA AO LADO, CAMISA BRANCA GLORIA COELHO R$ 650. GOLA PRETA REINALDO LOURENÇO - R$ 460


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moda

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PALETÓ BRANCO, ERMENEGILDO ZEGNA - R$ 3.035. CAMISA BRANCA, HUGO BOSS - R$ 628. CALÇA BRANCA, AMERICAN APPAREL - R$ 211. CINTO PRETO OSKLEN - R$ 197,00. COLAR PRETO, GLORIA COELHO - R$ 1.812,00


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CAPA BRANCA, NEON - ACERVO NEON. LUVA PRETA ELLUS - R$ 429 ASSISTENTE DE FOTOGRAFIA - SÁNDOR KISS TRATAMENTO DE IMAGEM - THIAGO AUGE ASSISTENTE DE MODA - PALOMA VILLAS BOAS. BELEZA - HELDER RODRIGUES ASSISTENTE DE BELEZA - VIRGINIA PIMENTA PRODUÇÃO - ANNA GUIRRO. MODELOS - EDUARDA STARKE / FRANCIELE ZEMBRUSKI / AMANDA PASQUALLE / JOÃO ESPIRES / CHARLES WILHELM (WAY MODEL)


artes visuais

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A arte que nasce do papel ANGÉLICA DE MORAES

Há extensa e importante produção contemporânea que surge da tradição das artes gráficas. A seguir, alguns artistas com esse DNA


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QUANDO EDITH DERDYK REALIZOU A INSTA LAÇÃO METRAGEM, EXIBIDA DE AGOSTO A OUTUBRO DE 2011 NA NOVA SEDE DO SESC, NO BAIRRO PAULISTANO DO BOM RETIRO (reduto da confecção popular e do vestuário acessível), ela tratou de aproximar dois mundos aparentemente diversos: o mundo têxtil e o mundo do livro. Como a artista produziu essa síntese? Buscando a origem da palavra texto. A palavra vem do verbo latino texere, que significa tecer. Portanto, as atividades de tecer e escrever estão intimamente ligadas. Derdyk celebrou essa união em uma bela peça: a instalação/escultura, que ilustra estas páginas de seLecT em plano geral e close. A obra possui a mesma natureza fluida e tensa que habita a linha, seja ela o fio que vai configurar tramas para nos vestir, a linha que sai da caneta da escrita cursiva para construir as palavras. Ou a linha impressa na página de papel, como esta que agora você lê. Ou, ainda, a linha feita de pixels no computador onde este texto foi escrito e pode migrar para ser lida nos tablets. Em diver-

sos panos, planos e superfícies, tudo isso é linha tecida e bordada, criando dimensões de viver e refletir. Em Metragem, a linha parece escapar do plano do papel para projetar-se no espaço. Há também a noção de seriação, de repetição, e acúmulo de linha sobre linha. Novamente, uma natureza compartilhada tanto pelo tecido quanto pelo texto. “Penso também na sobreposição dos tempos, no futuro cheio de sobreposições, como uma arqueologia ao contrário”, comenta a artista, em seu amplo ateliê lotado de projetos em criação ou execução acelerada. Como uma sensibilíssima máquina de fiar conceitos, Derdyk não para. É uma das artistas mais prolíficas do cenário artístico atual. Em sua agenda se sobrepõem tanto exposições no País e no exterior como a atividade docente. Escreve e organiza livros teóricos (como o ótimo Disegno Desenho Desígnio, Ed. Senac, 2007) e cria deliciosos livros de artista, peças únicas ou de pequena tiragem. Tudo ao mesmo tempo, agora.

FOTOS: CORTESIA DA ARTISTA


artes visuais

Palatnik recorta no papel ângulos

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NESTA PÁGINA, CORTESIA EDITH DERDYK. AO LADO, CORTESIA GALERIA NARA ROESLER


que criam sombras e percepções cromáticas voláteis

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Em breve, sua imaginação industriosa vai levá-la a Jerusalém, onde pretende desenvolver Dia Um, projeto sobre a primeira página da Bíblia, aquela que narra a criação do mundo. Derdyk vai buscar essa página em todas as línguas possíveis, dessacralizando o discurso institucionalizado da religião e, principalmente, investigando o momento inaugural do uso da palavra na história da humanidade. Em Metragem, Derdyk usa ao mesmo tempo a linha e o papel, que já frequentavam isoladamente boa parte de sua produção. “Creio que consegui uma síntese de opostos: a linha é a suspensão e o papel é o peso. O papel dá apoio para a linha ficar suspensa.” Ao mesmo tempo, acredita ela, há outras dualidades possíveis na leitura da peça: “Trata da potência da folha em branco do papel e da impotência de preenchê-la, da crispação que acompanha todo ato criativo da escrita”. Serenidades recortadas O mundo de Abraham Palatnik instala-se e gira em outro diapasão do uso do papel. É um mundo mais contemplativo e sereno, sem tensões aparentes, embora seja, paradoxalmente, feito do recorte cirúrgico de linhas para animar movimentos na espessura do papel. Mas não há dramaticidade nessa dissecação da carne do papel. Ela resulta em ondas e ritmos melódicos que tanto podem nos remeter à natureza intangível da música quanto a um fragmento da pele imensa dos mares. Ou, sempre, a formas abstratas que o autor cultiva com predileção. Pioneiro da arte cinética no mundo, o carioca por adoção Palatnik (1928) integrou o histórico Grupo Frente de arte neoconcreta juntamente com nomes como Lygia Pape, Ivan Serpa e Franz Weissmann. Suas peças reunindo luz e movimento são inarredáveis da genealogia e do fluxo principal da arte contemporânea. Algumas delas são feitas com hastes metálicas que giram e movimentam pequenas formas coloridas, com auxílio de delicados mecanismos de relógio ou caixinhas de música. As obras sobre papel de Palatnik são tão propiciatórias à contemplação e harmonia quanto o eterno jogo infantil de inventar formas para a inconstância das nuvens. Nelas, permanece a pesquisa cromática que o artista explorava com luz artificial (elétrica). Mas, desta vez, as formas e cores se revelam e organizam pela movimentação do espectador diante delas, com ângulos e sombras instaurando percepções cromáticas voláteis. A volatilidade também está presente nos trabalhos da dupla Detanico Lain, assinatura conjunta de Angela Detanico e Rafael Lain, artistas nascidos em Caxias do Sul (RS), em 1973, que vivem entre São Paulo e Paris. A dupla teve uma ascensão veloz no circuito internacio-

NA PÁGINA À ESQUERDA, DUAS INSTALAÇÕES DE EDITH DERDYK. NO ALTO, TABULEIRO, 2010. ABAIXO, ONDA SECA, 2007. NESTA PÁGINA, OBRA DE PALATNIK: RELEVO PROGRESSIVO C-89, 2007, CARTÃO SOBRE MADEIRA


artes visuais

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nal. Pouco tempo se passou desde que foram selecionados para um programa de residência no Palais de Tokyo (Paris, 2002) até ganharem o prestigioso prêmio Nam June Paik (2004) e conquistarem visibilidade internacional. A dupla de artistas, que representou o Brasil no pavilhão brasileiro da Bienal de Veneza de 2007, cultiva extrema concisão de meios expressivos, que nascem do universo do design gráfico e invadem com potência o mundo da poesia visual. Estabelecem um sutil tratamento gráfico à linguagem, criando alfabetos e famílias de tipos, hibridizando-as com meios eletrônicos (inclusive animação em vídeo) na construção de imagens que cumprem a dupla tarefa de ser vistas e lidas. Em Dispersion (2010) está presente a característica essencial da dupla: o uso de fontes tipográfias como imagens. Algo cuja genealogia remonta à tradição do poema visual concreto e dos livros de artista desenvolvidos por Augusto de Campos e Julio Plaza a partir do fim dos anos 1960. Algo que, em Campos e Plaza, significou a produção de livros antológicos como Caixa Preta e Poemóbiles (este relançado pela Editora Demônio Negro, em janeiro de 2011). O escultor colombiano Miler Lagos, por sua vez, desenvolveu uma série de obras em sintonia com a mais

NO ALTO, DISPERSION, 2010, VINIL ADESIVO DE DETANICO LAIN. AO LADO, ESCULTURAS DE MILER LAGOS, DA SÉRIE CIMIENTOS, 2007 NO ALTO, CORTESIA DETANICO LAIN; ACIMA, FOTOMONTAGEM LUIZA DE CARLI


LIV RO CO MO FO RMA D E ARTE

Julio Plaza é nome fundamental tanto na criação como na reflexão teórica sobre o livro de artista. Aqui, algumas de suas ideias

antiga tradição da arte sobre papel: a xilogravura. Esse tipo de gravura é feito pela transferência de uma imagem por meio da pressão de uma folha de papel sobre a superfície entintada de uma matriz de madeira, onde foi escavada a imagem a ser copiada. Na série Cimientos, iniciada em 2007, Lagos cria esculturas em formato de árvore que podem ser folheadas como se fossem livros. Trata-se de um acúmulo de folhas de papel, esculpidas na sua espessura. Em um desses trabalhos, ele empilhou e esculpiu centenas de cópias da xilogravura Apocalipse, feita por Albrecht Dürer em 1480. As gravuras podiam ser destacadas do topo do tronco/escultura pelo público, tornando ainda mais direta e eficaz a apropriação contemporânea da tradição da gravura. Como se sabe, o surgimento da gravura democratizou o acesso ao conhecimento, até então encerrado nos espaços elitizados das bibliotecas da Igreja e da realeza medieval. E, não por acaso, as detalhadíssimas xilogravuras de Dürer foram feitas com madeira de topo, ou seja, com matrizes que resultam de um tipo de corte feito contra as fibras da madeira. No mesmo sentido em que o público retirava as cópias de Dürer da escultura/ gravura de Lagos. Uma homenagem, enfim, à própria natureza primeira do papel.

O livro é um volume no espaço. Livro é uma sequência de espaços (planos) em que cada um é percebido como um momento diferente. O livro é, portanto, uma sequência de momentos. O livro é signo, é linguagem espaço-temporal. O texto verbal contido em um livro ignora o fato de que o livro é uma estrutura autônoma espaço-temporal em sequência. Uma série de textos, poemas ou outros signos distribuídos através do livro, seguindo uma ordem particular e sequencial, revela a natureza do livro como estrutura espaço-temporal. Essa disposição revela a sequência, mas não a incorpora, não a assimila. O livro é um sintagma sobre o qual se projeta o paradigma página. (...) Se o livro impõe limites físicos, formais e técnicos fixados pela tradição, também impõe uma leitura e uma lógica do discurso em linguagem escrita e discreta que pode, no entanto, ser substituída pela analogia da montagem. Como já o viu Apollinaire: “É preciso que nossa inteligência se habitue a compreender sintático-ideogramicamente em vez de analítico-discursivamente”. Essa substituição que Apollinaire defende codifica precisamente o processo acelerado das mutações de linguagem na nossa época. A leitura do mundo cotidiano já há tempo se afastou da reduzida gama de métodos tradicionais fixados há séculos pelo livro: a influência dos grandes cartazes da imagem e textos espalhados pela cidade e, sobretudo, os meios massivos de comunicação fornecem-nos dados culturais que correspondem aos módulos de nossa época, criando, por outro lado, inter-relações não somente intermídia como também interlínguas. (...) O “livro de artista” é criado como um objeto de design, visto que o autor se preocupa tanto com o “conteúdo” quanto com a forma e faz desta uma forma-significante. Enquanto o autor de textos tem uma atitude passiva em relação ao livro, o artista de livros tem uma atitude ativa, já que ele é responsável pelo processo total de produção porque não cria na dicotomia “continente-conteúdo”, “significante-significado”. Fragmentos escolhidos do texto O Livro como Forma de Arte (I),de Julio Plaza, publicado originalmente na revista Arte em São Paulo, no 6, abril de 1982 http://bit.ly/uHtbbk

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A REVISTA NºE CELEBRA O “PETIT MONDE” DA MARCA DE MODA VIKTOR & ROLF, APRESENTANDO UMA DÉCADA DE COBERTURA DE MUITAS DAS >>

Dupla holandesa cria narrativas visuais em sínteses gráficas R I C A R D O VA N S T E E N

Um designer gráfico é um criador de identidades. Desenhar uma identidade visual significa definir, em poucas e bem traçadas linhas, os ideais e objetivos de uma empresa, instituição ou cidade. Com essa tarefa, a dupla de designers holandeses Armand Mevis e Linda van Deursen criaram os contornos identitários do Stedelijk Museum of Modern Art, do Netherlands Architecture Institute, da grife de moda Viktor & Rolf e da cidade de Roterdã. Em outubro passado, eles estiveram em São Paulo para coordenar – ao lado de três designers brasileiros – um workshop para a definição da identidade visual da 30ª Bienal Internacional de São Paulo, que acontecerá em 2012.

MONOGRAFIA SOBRE O TRABALHO DE CARLOS AMORALES DE FOTOGRAFIAS, VÍDEOS, INSTALAÇÕES E PERFORMANCE BASEADAS NO MUNDO DO TEATRO DE WRESTLING


design gráfico

MEVIS & VAN DEURSEN PUBLICAÇÕES MAIS PRESTIGIADAS DO MUNDO

RECOLLECTED WORK REAPRESENTA OS ÚLTIMOS 15 ANOS DE PRODUÇÃO DA DUPLA MEVIS & VAN DEURSEN E USA RECURSOS DE COLAGEM DE SEUS LIVROS E CARTAZES

PROFISSIONAL NO MÉXICO. AMORALES CRIA O SEU PRÓPRIO ALTER EGO: UM LUTADOR QUE LUTA SOB O NOME AMORALES E USA UMA MÁSCARA DESENHADA PELO ARTISTA

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A EXPOSIÇÃO DO FOTOJORNALISTA HOLANDÊS GEERT VAN KESTEREN ABORDA A COMPLEXIDADE ASSUSTADORA DA GUERRA DO IRAQUE PELA PERSPECTIVA DO INDIVÍDUO.

Conceito e informação Já o design de publicações, na obra gráfica da dupla, é brindado como um trabalho criativo, mais do que um trabalho de síntese e representação de uma marca. Os catálogos que eles criaram para artistas como Carlos Amorales, Mechac Gaba e Gabriel Orozco, por exemplo, foram concebidos como projetos colaborativos. Em publicações sobre arte, moda ou arquitetura, o design editorial de Mevis & Van Deursen aprecia o livro por sua condição de objeto, por sua materialidade e por sua temporalidade, pela possibilidade, afinal, de criar narrativas visuais.

“OPEN CITY: DESIGNING COEXISTENCE” ACOMPANHOU A QUARTA BIENAL INTERNACIONAL DE ARQUITETURA DE ROTTERDAM, .O LIVRO DEMONSTRA O PAPEL CRUCIAL


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ESTA APRESENTAÇÃO FOI DESENVOLVIDA PARA A GALERIA DE ARTE BARBICAN, EM LONDRES.

QUE O DESIGN DE ARQUITETURA PODE DESEMPENHAR PARA PERMITIR O ACESSO E FACITAR A COEXISTÊNCIA PARA ESTIMULAR AS CONDIÇÕES PARA UMA CIDADE ABERTA.


arquitetura

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Quatro projetos arquitetônicos de excelência elaboram os papéis que as bibliotecas devem desempenhar no futuro

J U L I A N A M O N AC H E S I

A ESPIRAL DOS LIVROS

O FUTURO DA ARQUITETURA E O FUTURO DAS BIBLIOTECAS SE MISTURAM COM FREQUÊNCIA. EM NOVÍSSIMOS PROJETOS ARQUITETÔNICOS, CONCEBIDOS PARA CATALOGAR TANTO LIVROS QUANTO E-BOOKS, PROCURA-SE CORRESPONDER AO PAPEL QUE AS BIBLIOTECAS DEVEM DESEMPENHAR HOJE: ÁREAS COM ACESSO LIVRE E IGUAL À INFORMAÇÃO, LIBERDADE DE EXPRESSÃO E CRIAÇÃO, TROCA E DISTRIBUIÇÃO DE CONHECIMENTO, PRESERVAÇÃO DE PATRIMÔNIO CULTURAL E PROMOÇÃO DA INFORMATIZAÇÃO. Conheça quatro desses cenários do futuro, que propõem a biblioteca como entidade inclusiva, centro aberto de aprendizagem ou centro comunitário. A cidade de Seattle, nos Estados Unidos, realizou um referendo em 1998 para aprovar um ambicioso plano de revitalização do seu sistema de bibliotecas públicas, o que resultou na reforma e adaptação para a era digital de suas 22 instituições, na construção de quatro novas unidades e de uma nova Biblioteca Central. O projeto do Office for Metropolitan Architecture (OMA/Rem Koolhaas) foi escolhido em um concurso público de arquitetura para a criação da nova sede. A articulação estética de um espaço social, quando fica a cargo do arquiteto holandês Rem Koolhaas, costuma subverter o lugar convencionalmente destinado para cada coisa, além de integrar completamente forma e função. No prédio da Biblioteca Central de Seattle (2004), ele deslocou a área de atendimento para o terceiro piso, a Mixing Chamber, e criou uma FOTO: RAIMUND KOCH/CORBIS


arquitetura

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INTERIOR DA BIBLIOTECA CENTRAL DE SEATTLE, PROJETO DE REM KOOLHAAS/OMA

estrutura em espiral para armazenar os livros, a Books Spiral, de modo que não haja interrupção na sequência linear da catalogação. “A Biblioteca Central vai atrair aqueles que suspeitam que o subconsciente pode ser mais exato – mais racional, de fato – do que a faculdade do raciocínio consciente. Se você já acordou alguma vez com a solução para um problema que havia te derrotado na noite anterior, você vai se sentir em casa neste prédio. Assim como qualquer um que queira saber para onde está indo a arquitetura”, escreveu o crítico Herbert Muschamp no New York Times, em maio de 2004, às vésperas da inauguração da biblioteca. Em um artigo entusiasmado, que começava afirmando que, “se uma cidade americana pode erigir um projeto cívico corajoso como este, o sol ainda não se pôs no Oeste”, Muschamp (1947–2007) – um dos mais influentes críticos de arquitetura de sua geração – notou ainda que o aspecto cintilante de vidro e aço da fachada multifacetada da biblioteca de Seattle sugeria que Koolhaas a havia transformado em uma “discoteca do avesso”. Já a New Yorker classificou-a como “a mais importante biblioteca a ser construída em uma geração, e a mais arrebatadora”. Segundo o crítico de arquitetura da revista, Paul Goldberger, o edifício de Seattle seria uma reinterpretação da monumentalidade tradicional que celebra a cultura do livro tão apaixonadamente quanto a New York Public Library. No entanto, Seattle resolve a segmentação das coleções em andares diferentes com a Books Spiral e transforma o ambiente de interação entre bibliotecários e público em uma sala hightech cheia de computadores, a Mixing Chamber. E a digitalização não termina aí. Desde outubro último, qualquer usuário cadastrado na Biblioteca Pública de Seattle pode baixar livros digitais da coleção em seu Kindle. A biblioteca já disponibilizava diversos itens para empréstimo digital em seu website (para PC, Mac, celular etc.), mas o recente acordo com a Amazon sinaliza uma mudança de protocolo: o futuro da leitura como a conhecemos depende de intrincadas negociações entre autores, editoras, governos e as todo-poderosas pontocom que comercializam livros. Resultado: a circulação de mídia para download no sistema de bibliotecas públicas de Seattle aumentou quase 160% em outubro, comparada ao mesmo mês de 2010. Cidadão como fator-chave Na cidade dinamarquesa de Aarhus – que tem um dos sistemas públicos de biblioteca mais avançados do mundo –, um projeto de construção iniciado em junho último vai desembocar, no fim de 2014, na mais nova


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BIBLIOTECA DE SÃO PAULO, NO PARQUE DA JUVENTUDE, PROJETADA PELA AFLALO & GASPERINI

biblioteca do futuro, o Urban MediaSpace Aarhus, da firma Schmidt Hammer Lassen Architects. “A ideia do Urban MediaSpace Aarhus foi gerada em um grande processo de engajamento cidadão, resultando em um conjunto de sete valores. O edifício deveria ter o Cidadão como Fator-chave (1), promover Aprendizagem e Diversidade Permanentes (2), Cooperação e Rede (3), Cultura e Experiência (4), ligando Cidadão, Tecnologia e Conhecimento (5), ser uma Organização Flexível e Profissional (6), e um Ícone Sustentável para Aarhus (7). “Haverá livros e tecnologia no prédio, é claro, mas a visão que embasou a sua concepção trata de realizar objetivos e planos maiores, refletidos também nos valores do edifício”, explica o diretor do sistema de bibliotecas públicas de Aarhus, Rolf Hapel, em entrevista à seLecT. Desde meados dos anos 1990, as bibliotecas públicas da Dinamarca oferecem acesso a bancos de dados e inúmeras publicações disponíveis na internet a seus usuários, tanto no espaço físico da biblioteca quanto, conforme os recursos para pagar as licenças necessárias, no local de trabalho ou residência dos usuários. No país, já no fim dos anos 1980, foi implementado um sistema de automação em todas as bibliotecas públicas, um pioneirismo tecnológico que possibilitou que surgissem, dez anos depois, bibliotecas virtuais e portais temáticos que funcionam como serviços cooperativos coordenados pelos próprios bibliotecários.

OS PROJETOS DAS NOVAS BIBLIOTECAS DE SEATTLE, AARHUS E SÃO PAULO APONTAM PARA UMA MUDANÇA DE FOCO, DOS LIVROS PARA AS PESSOAS

À ESQUERDA, JAMES LEYNSE/CORBIS E KEVIN P. CASEY/CORBIS; À DIREITA, FILIPE REDONDO/FOLHAPRESS E MONALISA LINS/DIVULGAÇÃO


arquitetura

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PROJETO DO URBAN MEDIASPACE AARHUS, ASSINADO PELA SCHMIDT HAMMER LASSEN ARCHITECTS

O PIONEIRISMO TECNOLÓGICO DA DINAMARCA PERMITIU QUE SURGISSEM, JÁ NOS ANOS 1990, BIBLIOTECAS VIRTUAIS COOPERATIVAS COORDENADAS PELOS BIBLIOTECÁRIOS

A mais popular entre as bibliotecas virtuais da Dinamarca, a Biblioteksvagten.dk, é um serviço de perguntas e respostas operado por bibliotecários de 71 instituições públicas, que permite contato direto com os funcionários para obter respostas a questões sobre qualquer tópico que seja encontrado nas coleções e recursos eletrônicos do sistema dinamarquês de bibliotecas. Biblioteca mash-up Tornar uma biblioteca mais inclusiva passa pela incorporação às suas funções tradicionais – armazenamento e democratização do acesso a material de estudo, pesquisa e lazer – de outros serviços que podem, inclusive, ser fornecidos por terceiros, à maneira de uma prática comum hoje na internet: a importação para um site pessoal de scripts fornecidos por outros sites. Blogs disponibilizando conteúdo do YouTube, por exemplo, sem a necessiFOTOS: CORTESIA SCHMIDT HAMMER LASSEN ARCHITECTS

dade de importação desse conteúdo, são a forma mais conhecida dessa prática. O termo mash-up, originalmente aplicado à música, define hoje uma série de rotinas de colagem de programas e aplicativos dentro de um site e que rodam de forma independente. A grande vantagem é que existem outras pessoas mantendo aquela parte de conteúdo em seus websites originais e com isso assegurando que também o (mesmo) conteúdo que está visível no seu website está atualizado e funcionando bem. “Nós adotamos esse termo para a biblioteca física, trazendo parceiros para fornecer serviços. Por exemplo, arquivos históricos locais enviam voluntários para ajudar os usuários, ou um serviço municipal de busca de emprego, oferecido por outros agentes desse serviço dentro da biblioteca”, conta Rolf Hapel. A opção por agregar programas e scripts fornecidos por quem tem experiência com eles e de incluir acervos de videogame, música e filmes às opções de itens para consulta e empréstimo no sistema de Bibliotecas Públicas de Aarhus aumentou o número de visitantes às 19 unidades municipais. “O que podemos ver ao longo dos últimos cinco ou seis anos é que o número de empréstimos de material físico tem diminuído um pouco (o índice em 2010 foi de 4,9 milhões de empréstimos para uma população de 300 mil


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PERSPECTIVA DO INTERIOR DA BIBLIOTECA INFANTIL DO URBAN MEDIASPACE AARHUS

habitantes em Aarhus) e o número de downloads está aumentando”, diz Hapel. O número de visitantes à biblioteca também está aumentando, segundo ele, e isso se deve ao fato de que as bibliotecas estão ampliando sua programação e atividades educacionais. “Temos muitas atividades de ensino, principalmente de uso de internet, com uma gama variada, também uma grande quantidade de atividades culturais, que muitas vezes são organizadas por outros, daí a ideia de uma biblioteca mash-up”, diz. Em São Paulo, uma iniciativa recente demonstra que também por aqui estamos enfrentando os desafios da era digital: o projeto piloto de uma “biblioteca viva” – em que acervos de livros e audiovisual coabitam um espaço de convivência e inclusão social – está em andamento na Biblioteca de São Paulo, instituição-modelo instalada no Parque da Juventude, onde se situava o presídio do Carandiru, na zona

norte da cidade. A ideia de uma biblioteca viva – com prateleiras baixas para que os visitantes não dependam da ajuda de um bibliotecário e onde não há necessidade de fazer silêncio – pode ser vivenciada no pavilhão de 4 mil m2: crianças jogam games on-line com os colegas, ao lado de usuários assistindo a filmes e outros navegando em redes sociais e no YouTube nos cem computadores com conexão rápida que a biblioteca oferece. “A Biblioteca de São Paulo foi pensada para reunir os principais concorrentes da leitura – a música, o cinema, a internet e os jogos eletrônicos, tudo num mesmo espaço. A ideia é utilizar os concorrentes como atrativos para o público e assim apresentar a leitura como uma atividade prazerosa, não apenas associada ao estudo. Além disso, ela oferece uma programação diversificada, com oficinas, cursos, seminários sobre os mais variados temas: peças e intervenções teatrais, saraus, música e toda uma gama de atividades. A Biblioteca foi projetada pensando principalmente em quem ainda não é leitor”, explica o secretário de Estado da Cultura, Andrea Matarazzo. O projeto da BSP que recebeu o prêmio 2010 (categoria Edifício Institucional) do Instituto de Arquitetos do Brasil de São Paulo, é assinado pelo escritório Aflalo & Gasperini Arquitetos, que concebeu o projeto do Parque da Juventude. Originalmente, o edifício que abriga a biblioteca seria um pavilhão de tecnologia, que estava sem uso


arquitetura

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INTERIOR DA BIBLIOTECA VIRGILIO BARCO, EM BOGOTÁ, PROJETO DO COLOMBIANO ROGELIO SALMONA

desde a inauguração do parque, em 2007. Quando o setor de bibliotecas do estado saiu em busca de um espaço para implementar o projeto piloto, o prédio foi adaptado pelo escritório, em parceria com os arquitetos Marcelo Aflalo e Dante Della Manna. Na opinião de Matarazzo, a biblioteca do século 21 deve colocar a pessoa, e não o acervo, no centro das atenções: “A função da biblioteca pública como guardiã de acervos deve ser superada. Ela deve ser proativa e estar inserida em sua comunidade; ser convidativa e moderna. Isso significa, também, oferecer uma variedade grande de produtos, sem preconceitos: do livro clássico à revista popular”. Arquitetura passeante Uma biblioteca do futuro não tem de, apenas, oferecer a midiateca e a videoteca mais atualizadas do planeta, nem tão somente ser um “edifício inteligente”. O conceito de futuro, na Biblioteca Virgilio Barco, de Bogotá, na Colômbia, está em uma arquitetura que apela tanto para os sentidos quanto para a inteligência. FOTOS: RICARDO VAN STEEN

Inaugurada em 2001, a biblioteca é um dos últimos projetos do célebre arquiteto colombiano Rogelio Salmona (1929–2007), notável por seu sistema construtivo que valoriza luz natural e águas. Formado por três grandes corpos – a grande sala de leitura, o auditório e o anfiteatro ao ar livre –, o edifício é uma das joias da cultura colombiana. A grande sala de leitura é um espaço semicircular de três níveis, conectados por rampas e circundados por canais e espelhos d’água, que criam uma condição de iluminação e sonoridade especiais ao ambiente do estudo. Graças ao seu engenhoso sistema de iluminação – formado por grandes janelas, abóbadas e espelhos d’água que funcionam como refletores de luz –,


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LUZ NATURAL, REFERÊNCIAS À CULTURA INCA E AO MODERNISMO LATINO-AMERICANO, FORMALIZADAS EM CONCRETO DE TONS TERROSOS, SEDUZEM NA BIBLIOTECA COLOMBIANA

o edifício pode prescindir de iluminação artificial durante a maior parte do dia. A fluidez da circulação é outro ponto alto da arquitetura. O edifício tem três níveis com espaços comunicados por rampas internas e externas, que se prolongam em jardins, pontes e passeios elevados, concebidos “para ver o céu mutante de Bogotá”, segundo Salmona. Esses generosos corredores, tanto internos quanto externos, permitem a visão do céu, mas também da panorâmica da cidade, do parque e da cordilheira de montanhas andinas que margeia Bogotá. Permitem, mais que tudo, que o usuário experimente uma “arquitetura passeante”. (Colaborou Paula Alzugaray)


panorâmica

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O ARTISTA VENEZUELANO PEDRO MORALES COMBINA ARTESANATO E TECNOLOGIA EM TAPEÇARIAS COM QR-CODE FOTO: PEDRO MORALES


Códigos de barras lidos pelo celular dão dimensão interativa à intimidade e às cidades

O USO DE QRCODES NO COTIDIANO É CADA VEZ MAIS INTENSO. LITER AL MENTE, QRCODE QUER DIZER CÓDIGO DE RES POSTA R ÁPIDA QUICK RESPONSE CODE. Trata-se

de um código de barras que pode ser lido pelo celular e carregar uma variedade de tipos de informações, como endereços de sites, textos e números de telefone. Sua saída gráfica, como um mosaico, lhe confere um charme estético especial. A facilidade de produzi-lo e sua versatilidade – adere a praticamente qualquer superfície, de papel a tecidos, passando por cimento e até comida – estão associados à sua disseminação. Outro motivo de sucesso é o fato de nos liberar da tarefa tediosa de digitar nas minúsculas teclas dos celulares. Basta apontar o celular e capturar informações sobre prédios históricos, legendas de quadros, procedência de alimentos nos supermercados, endereços, URLs etc. Tudo isso enquanto estamos em deslocamento pelas ruas ou envolvidos em outras

atividades. Os QR-Codes, nesse sentido, podem ser entendidos, portanto, como a primeira forma de escrita desenvolvida para leitores nômades. Isso explica, talvez, por que, aos poucos, esse tipo de código se converte numa espécie de tatuagem das cidades do século 21, transformando o celular em um scanner portátil de informações invisíveis. Alguns usos surpreendem. Confira aqui. >>

GISELLE BEIGUELMAN

INFOTATUAGENS

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VIDA E MORTE 2.0 No Japão, onde a tecnologia do QR-Code foi inventada em 1996, criou-se também uma das possibilidades mais inusitadas de uso desse código de barras. Uma empresa de túmulos oferece aos clientes lápides com QR-Codes. Eles permitem aos entes queridos do falecido linkar para sempre fotos, vídeos e biografia à sua alma e à curiosidade dos que ficam. Outro uso bem inusitado e que vem ganhando o público é destinado àqueles com fome de viver: bolos e biscoitos com mensagens a ser decifradas pelos gulosos. Seria o fim dos famosos biscoitinhos chineses da sorte?

QR-CODE BOTÂNICO DA PRAÇA STANISLAS (NANCY, FRANÇA) DÁ ACESSO A AUDIOTOUR SOBRE O LOCAL

MODELO PARTICIPA DE PROJETO MULTIMÍDIA DO DESIGNER MICHAEL HARDT

CIDADES EXPANDIDAS Geralmente associados aos formatos de pequeno porte, os QR-Codes são também projetados para grandes escalas, chegando a medir 10 mil m2. O objetivo é não só entrar para o Guiness, mas também disputar um lugar ao sol no Google Maps, sendo visível nas imagens que chegam via satélite às nossas telas e telinhas. Sem apelar para o gigantismo, um jardim público francês acaba de implantar um QR-Code botânico. Difícil assegurar se é o primeiro ou o único desse tipo no mundo. É, certamente, um dos mais bonitos. Ele dá acesso a um site mobile que contém um audiotur pelo parque. Menos saudável, uma marca de cigarros eslovena lançou uma embalagem com QR-Codes. Ao ser lido pelo celular, leva a um site que mostra onde é permitido fumar nas redondezas. FOTOS: DIVULGAÇÃO; À DIREITA: PER ZENNSTROM


QR-Code é uma forma de escrita para leitores nômades, que amplia a quantidade de informação disponível no espaço urbano

SKANZ, O BRACELETE INTERATIVO QUE DÁ ACESSO AO PERFIL DE SEUS PORTADORES NAS REDES

QR-ARTES QR-Codes e street art parecem linguagens tão bem casadas que acabaram inspirando uma das campanhas publicitárias mais interessantes dos últimos tempos. Desenvolvida pela agência Leo Burnett de Hong Kong para a loja on-line de música Zoo, espalhou pelas ruas stencils e stickers de bichos montados com QR-Codes. Conforme se decodificam as partes dos animais, acessam-se faixas musicais. Valeu à agência o Leão de Ouro no festival de publicidade de Cannes deste ano. Mas, se a publicidade apropria-se das linguagens da arte, também os artistas têm demonstrado capacidade de repropor os usos publicitários do QR-Code. Projetos como Sensitive Rose, de Martha Gabriel, que mapeia os desejos do público a partir de uma rosa-dos-ventos desenhada com QR-Codes, ou a composição musical interativa Suite para Mobile Tags (de minha autoria e de Mauricio Fleury), são alguns exemplos. Mas a diversidade é muito grande. Originais e instigantes são as tapeçarias do venezuelano Pedro Morales, que trazem frases politizadas entre as delicadas pétalas brancas e pretas dos desenhos. Mais, “para não dizer que não falei das flores”, impossível.

CAMPANHA DA LEO BURNETT PARA SELO DE MÚSICA INDEPENDENTE ZOO COMBINA STREET ART COM PUBLICIDADE

SCAN ME QR-Codes em camisetas e aplicados em acessórios tornam-se cada vez mais comuns, atiçando a curiosidade dos passantes sobre o que dizem. Mas esse jogo de mistério ganha ares mais intrigantes com etiquetas adesivas, tatuagens e desenhos feitos com hena. Para decifrar o que se esconde aí é preciso mirar as partes do corpo que estão codificadas. O sucesso desse tipo de interação está por trás do tipo de aposta de um site de relacionamento que mescla moda e redes sociais, o Skanz, que vende pulseiras de silicone com QR-Codes. Cada pessoa cadastrada no site monta um perfil com seus dados pessoais, Facebook, Twitter etc. O código de acesso a esse perfil é distribuído nas pulseiras. Ao ser escaneado por outro celular, disponibiliza na sua tela o perfil do empulseirado. Para sentir-se literalmente nas mãos do outro ou, no mínimo, um banco de dados ambulante.

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Augusto de Campos fez da poesia uma arte de pactos com a performance, a música, as artes visuais, a arquitetura. O resultado é uma arte intermídia praticada, segundo o poeta, por “indisciplinados interdisciplinares”

PA U L A A L Z U G A R AY

POESIA CONCRETA, SEGUNDO SEU PLANO PILOTO: “TENSÃO DE PALAVRAS-COISAS NO ESPAÇO-TEMPO”. ESSA FRASE, DE CERTO MODO ANUNCIA, LÁ EM 1958, QUE A PALAVRA, ALVO DA SENSIBILIDADE VISUAL E SONORA, PASSARÁ A SER TAMBÉM ALVO DE UMA SENSIBILIDADE TÁTIL. Que a poesia concreta se fará presente na música (arte do tempo), nas artes visuais (artes do espaço) e, embora isso não esteja dito textualmente, fará também pactos com o cinema, o vídeo, a arte digital (artes do espaço-tempo). Poetas concretos sempre buscaram uma arte ligada ao avanço tecnológico e, em 60 anos de atividade poética, Augusto de Campos fez da poesia uma arte do futuro. Do cartão-postal a projeções em espaços expositivos, sua poesia flanou por toda a sorte de mídia: luminosos, videotexto, holografia, néon, laser, computação gráfica, clip-poemas, CD-livro, animação digital. Entre todos esses ambientes, muitos instáveis e perenes, ganhou impressão em livros eternos, entre eles, Viva Vaia (1970), Despoesia (1994) e Poètemoins (2011), antologia bilíngue lançada em novembro passado em Bruxelas. Hoje, aos 80 anos e disponibilizado no YouTube e no UbuWeb, Augusto de Campos diz que as tecnologias digitais favorecem e inspiram novas estratégias para atingir “um estado poético impactante, uma ‘iluminação’”. Em entrevista a seLecT, ele reflete sobre todas as formas de migração do mundo verbal – do papel para tantos outros espaços. INTERVENÇÃO DO ESTÚDIO SELECT SOBRE FOTO DE JUAN ESTEVES

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FALE-NOS SOBRE O PACTO ENTRE A SUA POESIA E A PERFORMANCE. A poesia concreta, desde o início, se propôs “verbivocovisual”, ou seja, queria pôr em relevo a materialidade da palavra em todas as suas dimensões – semântica, sonora e visual. Nisso se distinguia de outros experimentos que se fixavam ora no sonorismo, ora no grafismo, desprezando o significado das palavras. Na poesia concreta, o significado permanece, embora considerado com autonomia poética, desamarrado de suas convenções normativas e estruturado com distanciamento da armadura lógico-discursiva contratual. A questão da performance concentrou-se inicialmente no problema de encontrar novas estratégias para produzir vocalmente os poemas em função de sua organização visual. Já em 1955, no Teatro de Arena, dois espetáculos produzidos pelo grupo Ars Nova, sob a direção musical de Diogo Pacheco, incluíam poemas da série colorida Poetamenos, sob o título Poesia e Música Concreta, com vocábulos, sílabas, fonemas distribuídos entre quatro vozes e projeção em diapositivos. O poema TENSÃO tematiza tanto a visualidade quanto a sonoridade molecular da sua estrutura, entre som e silêncio. BEBA COCA-COLA (1957), de Décio Pignatari, além de desconstruir a frase publicitária a partir de cruzamentos de palavras e sílabas, logo inspirou o moteto que celebrizou o músico Gilberto Mendes, num coral de vozes “bebacocacólicas” - um antianúncio crítico e político sem discurso e sem retoricidades. FALE SOBRE OS PACTOS ENTRE A SUA POESIA

LUXO (1965) FOI COMPOSTO COMO UM POEMA ENGAJADO, A PARTIR DE UM ANÚNCIO DE APARTAMENTOS CAROS, QUE UTILIZAVA UMA TIPOLOGIA ROCOCÓ-KITSCH

o publicou completo, com a paginação desdobrada atravessando a prega central, em meio à eclosão das vanguardas históricas (futuristas, cubistas, Apollinaire). Considero-me, nesse sentido, um seguidor do poeta.

E O HIPERTEXTO (NOS POEMAS POETAMENOS, DE 1953, QUE SE OFERECEM PARA SER PERCORRIDOS PELOS OLHOS EM DIREÇÕES ENTRECRUZADAS, SUGERINDO UMA LEITURA EM REDE).

Eu pensava em luminosos ou cineletras, quando idealizei essa série de poemas. Mas, para mim, o primeiro poema que sugere uma topologia hipertextual é UN COUP DE DÉS (Um Lance de Dados), de 1897, de Mallarmé, com suas “subdivisões prismáticas da ideia”. Lembrar que o poema foi construído na iminência do século 20 – na verdade, entre dois séculos –, considerando-se que ele só apareceu de acordo com as prescrições do poeta em 1914, quando a NRF (La Nouvelle Revue Française)

...SOBRE O PACTO COM A MÚSICA (PULSAR, COM CAETANO VELOSO, 1979 + POESIA É RISCO, COM CID CAMPOS, 1994 + OUTROS).

Quando a poesia concreta surgiu, apesar da evidência sonora de poemas como TENSÃO, ela impressionou mais pela dimensão visual. No entanto, os músicos contemporâneos, ligados a práticas experimentais, logo entenderam o desafio sonoro que os poemas propunham. Além de BEBA COCA-COLA, belas transposições como NASCEMORRE (de Haroldo) e VAIVÉM, de José Lino Grünewald, compostas pelo mesmo Gilberto Mendes, ou MOVIMENTO, de Pignatari, por Willy Correa de Oliveira, responderam às novas estruturas poéticas em composições capazes de corresponder em linguagem musical a essas propostas. Mais adiante, Caetano, com sua inata musicalidade, criou admiráveis construções musicais para assimilar poemas complexos como DIAS DIAS DIAS, da série POETAMENOS, e PULSAR, rompendo as limitações da chamada “música popular”. Mais adiante, vários outros compositores, da FOTO: FERNANDO LASZLO


“Não me preocupo em fazer poesia tecnológica, uso a tecnologia para fazer poesia, que é tudo que sei fazer. Saudades mesmo só da juventude incipiente, excessiva e produtiva que os 80 distópicos não trazem mais”

música erudita moderna ou da música popular, se animaram a fazê-lo. Mas o diálogo musical com Cid foi, para mim, o mais produtivo, gerando o CD POESIA É RISCO, agora reeditado, e ainda participações poéticas em discos subsequentes como NO LAGO DO OLHO, OUVINDO OSWALD, PROFETAS FALA DA PALAVRA, CRIANÇAS CRIONÇAS, nos quais o projeto da poesia “verbivocovisual” pôde encontrar uma expansão extraordinária. Era algo que já estava embutido nas propostas iniciais da poesia concreta, mas que só pôde ter um desenvolvimento mais pontual com a chegada dos estúdios pessoais de computação, ao mesmo tempo profissionais e livres de imposições comerciais, o que ocorreu entre nós a partir da década de 90. Daí para os espetáculos multimídia, como o próprio POESIA É RISCO, que abrangeu a videoarte com a participação de Walter Silveira na edição de um tríptico de vídeo e diapositivos. Foi então possível estabelecer um “triálogo” enriquecedor, que deu vida às propostas “verbivocovisuais”. S O B R E U M P O S S Í V E L PAC TO C O M A A R Q U I T E T U R A ( Q UA N D O A P O E S I A C O N C R E TA S E D E F I N E C O M O R E J E I Ç Ã O D E E ST R U T U R A O R G Â N I CA , E M P R O L DA RAC I O N A L I DA D E C O N ST R U T I VA ) . C O M P O R U M P O E M A É A R Q U I T E TA R ?

Colocada dentro do quadro maior das artes visuais, a arquitetura moderna é talvez mais um impacto do que um pacto. A poesia lida com sensações profundas, com emotividades recônditas. A arquitetação do poema, mais que a sua arquitetura, funciona no sentido do domínio de técnicas verbais capazes de juntar os impulsos sensoriais e traduzi-los em palavras, numa composição verbal duradoura, que ultrapasse o mero jorro confuso-confessional de emoções e associações. “Matemática inspirada”, era como Pound definia a poesia. “Racionalidade do caos”, propôs Waldemar Cordeiro. POR OUTRO LADO, HÁ UM GESTO ANTIMONUMENTAL NA ESCOLHA DE UMA VISUALIDADE SIMPLES QUE, SEGUNDO DÉCIO PIGNATARI, “PODERIA SER ENCONTRADA NUMA PORTA DE TINTURARIA”?

As portas de tinturaria com suas fachadas geométricas, indiciais da profissão, eram muito admiradas pelos artistas concretos nos anos 50, quando ainda eram frequentes na paisagem urbana. Não sei se podemos falar em gesto antimonumental. Eu diria, antes, um gesto antirretórico, acintosamente minimalista. Quando compus o poema VIVA VAIA, eu o pensei como um “monumento à vaia” (com esse título foi publicado pela primeira vez na revista NAVILOUCA, em 1973). Na exposição POESIA CONCRETA: O PROJETO VERBIVOCOVISUAL, no Instituto Tomie Ohtake, em 2007, ele foi projetado em grandes dimensões. Isso já havia acontecido com o poema CIDADECITYCITÉ, transcrito em letras murais de 50 metros na fachada de um prédio da Bienal por Julio Plaza, nos anos 80, e hoje pintado nas paredes da Biennale de Lyon. DEPOIS DE TODOS ESSES PACTOS, O POEMA CONCRETO AINDA MIGRA PARA OUTRAS POÉTICAS – DE CONTEMPORÂNEOS COMO REGINA VATER, QUE FEZ A SÉRIE FOTOGRÁFICA LUXO LIXO (197 3-76) INSPIRADA EM LUXO (1965); OU DE GERAÇÕES SEGUINTES, COMO LENORA DE BARROS E ARNALDO ANTUNES.

LUXO foi composto, em 1965, como um poema engajado, a partir de um anúncio de apartamentos caros que utilizava uma tipologia rococó-kitsch. Depois de publicado o poema, os mesmos tipos reapareceram na fachada de uma empresa comercial, que vendia

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perfil

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móveis usados, o LIXÃO. Regina, Lenora e Arnaldo são companheiros de viagem artística envolvidos com poéticas interdisciplinares que abrangem o verbal e o não verbal. É gratificante o fato de que artistas como eles dialoguem com o meu trabalho. SOBRE O PACTO DO POEMA CONCRETO COM O OBJETO. OS POEMÓBILES (1968-1974), PARCERIA COM JULIO PLAZA, ESTÃO ENTRE OS PIONEIROS DA POESIA LEVADA AO OBJETO?

Os poemas-objetos e/ou objetos-poemas têm uma história longa, na qual entramos em algum ponto do caminho. Talvez possamos ser considerados pioneiros em nosso ambiente, e mesmo em termos internacionais, se consideramos que se trata de prática marginal, com poucos exemplos consistentes no domínio da poesia. Uma arte “intermídia”, mais praticada por indisciplinados interdisciplinares como Duchamp do que propriamente por poetas, em geral restritos aos livros ilustrados, onde não há uma relação estrutural entre texto e objeto. Mas há muitos precursores. Ainda há pouco, visitando a casa-museu de Mallarmé, em Valvins, vi exposto um dos leques em que ele inscreveu o poema para a sua filha. Sem dúvida, uma antecipação da ideologia do poema-objeto. Em nosso caso, o poema-objeto ou objeto-poema foi uma decorrência direta das propostas da poesia concreta, que já previa a interlocução com outros suportes e veículos que não fossem o livro. A própria exposição nacional de arte concreta já inovara ao inserir poemas visuais entre quadros e esculturas. Nessa mostra, Décio Pignatari tinha um livro-objeto pendurado na parede – o seu poema SEMI DI ZUCCA. No que me diz respeito, o encontro com Plaza foi fundamental para dar corpo a esse tipo de projeto, que se distingue do livro-de-artista decorativo. VOCÊ TERMINA O LIVRO “POESIA 1979-2009” COM O POEMA TUDO ESTÁ DITO (1979). NO ENTANTO, ALI COMEÇA OUTRO CAPÍTULO. FALE-NOS SOBRE O PACTO COM O FUTURO.

TUDO ESTÁ DITO foi a princípio bastante incompreendido. Como, depois, o poema PÓSTUDO. “Contemporâneos não sabem ler”, dizia Mallarmé. É verdade que eram poemas provocativos. Mas TUDO ESTÁ DITO era respondido por TUDO É INFINITO, no próprio texto. E PÓS-TUDO terminava com MUDO (de ficar mudo, mas também de mudar). Fechavam e abriam. São momentos deautorreflexão, FOTO: FERNANDO LASZLO

VIVA VAIA (1972) SINTETIZA OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA POESIA CONCRETA. MAIS TARDE, O POEMA NOMEARIA A PRIMEIRA COLETÂNEA DE AUGUSTO DE CAMPOS

em que tento questionar-me e pôr em questão os procedimentos da arte e da poesia, para colocar o artista contra a parede, que é o seu melhor lugar. “Consciência da consciência”, diriam Mallarmé, Valéry e Fernando Pessoa. Quanto ao futuro, há sempre alguma luz no fundo do túnel. Agora, quem estiver contente com o que faz, que durma eternamente nos seus supostos louros, sem “nostalgia do futuro”. SENTE SAUDADE DE ALGUMA TECNOLOGIA QUE USOU ANTES DE MIGRAR PARA O COMPUTADOR?

Sempre que amigos meus, artistas mais jovens, versados em novas tecnologias, como Julio Plaza ou Wagner Garcia, me chamaram para projetos envolvendo novos processos informativos, me senti provocado e animado. E os trabalhos que fiz com materiais plásticos, videotexto, holografia, laser foram sempre bemvindos. Deixam, sim, alguma saudade. O sonho holográfico, por exemplo, acabou quando Moyses Baumstein faleceu prematuramente. E justo quando ele já estava produzindo hologramas de projeção, de 1 x 1 metro. Por sinal, alguns dos nossos hologramas estão em museus da Europa e dos Estados Unidos. No Brasil, mal conseguimos imprimir um cartaz-catálogo para uma das nossas exposições dos anos 80, TRILUZ e IDEHOLOGIA. Hoje, o computador já me proporciona, basicamente, tudo o que preciso. Inclusive para os projetos de livro, de cuja produção gráfica gosto de participar, desde as capas. Comecei transpondo alguns poemas concretos para a linguagem da animação digital. Por fim, passei a pensar meus poemas a partir da tecnologia computadorizada. Mas não me preocupo em fazer poesia tecnológica, uso a tecnologia para fazer poesia, que é tudo que sei fazer. Saudades mesmo só da juventude incipiente, excessiva e produtiva que os 80 distópicos não trazem mais. A poesia concreta já não vai salvar o mundo. Mas suponho que estarei partindo em breve para outros.


POEMA PÓS-TUDO, 1984 DO LIVRO DESPOESIA


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A L B E R TO S A R A I VA


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ANGÉLICA DE MORAES


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Q UA N T O P E S A A L E I T U R A?

Bytes 1

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Uma Uma letra palavra

Uma lauda

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100.000.000

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Um livro de 100 pĂĄginas

Um romance mĂŠdio

Obras Completas de Shakespeare

Um metro de estante de livros

Um CD-ROM


BITS DA DISCÓRDIA A CRÍTICA TANIA RÖSING, O E-POETA JEAN-PIERRE BALPE E O EDITOR CASSIANO ELEK MACHADO DISCUTEM AS TRANSFORMAÇÕES DA L I T E R AT U R A D E P O I S DA I N T E R N E T E A

P O S S I B I L I DA D E D E U M

T E X TO S E M AU TO R A HISTÓRIA DA LITER ATUR A MOSTR A QUE TRANSFORMAÇÕES TECNOLÓGICAS NAS FORMAS DE PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO DA ESCRITA IMPLICARAM A POSSIBILIDADE DE NOVOS FORMATOS TEXTUAIS E NARRATIVOS. Com a popularização dos tablets, a disseminação dos e-books e as possibilidades de automação do texto, passamos a ser testemunhas oculares de um furacão de tendências e incertezas no campo da literatura. Para discutir as implicações críticas, afetivas e criativas do processo de digitalização da literatura, seLecT convidou Tania Rösing, criadora e diretora da Jornada Literária de Passo Fundo (RS), maior e mais antigo evento dedicado a autores e livros do País, Jean-Pierre Balpe, poeta multimídia e professor emérito da Universidade de Paris 8, onde fundou o Departamento de Hipermídia, e Cassiano Elek Machado, ex-curador da Flip, jornalista e editor de alguns dos principais veículos do jornalismo cultural brasileiro e atual diretor editorial da Cosac & Naify. Bibliófilos de toda vida, afirmam que largariam sem grandes crises suas bibliotecas pessoais e as trocariam por um bom computador. É o único ponto de concordância entre eles. No resto, divergem sobre os campos da criação mais afetados pelo surgimento do texto eletrônico e a possibilidade de uma literatura sem autor humano, entre outros assuntos. Nas suas dissonâncias, apontam as várias direções imbricadas às transformações do nosso presente. G I S E L L E B E I G U E L M A N

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Um caminhão de livros

Um Kindle = 3.000 livros

Um computador

A Biblioteca do Congresso Americano


curto-circuito

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QUAL FOI A INVENÇÃO RESPONSÁVEL PELAS MAIORES TRANSFORMAÇÕES NAS FORMAS DE FAZER LITERATURA?

TA N I A R Ö S I N G A internet. Ela foi responsável pela emergência de novos formatos textuais e narrativos. A linearidade dos textos impressos em livros foi substituída pela hipertextualidade, que propicia intermináveis caminhos de leitura. Acrescente-se a isso o uso da multimídia e as possibilidades infinitas de interatividade entre autor e leitor, que estimulam as criações colaborativas, mudando conceitos tradicionais de autoria. Mais recentemente, nos tablets, tem-se acesso aos aplicativos de literatura infantil e juvenil e a proposta de um novo jeito de ler. C A S S I A N O E L E K M A C H A D O É muito difícil quantificar qual invenção teve maior impacto. A invenção do papel, da escrita cuneiforme, a criação dos tipos móveis e tantas outras grandes revoluções tecnológicas deixaram suas marcas na maneira como o homem pensa, cria, registra suas ideias e as difunde. Temos o privilégio de ver um novo capítulo dessa história sendo escrito. E podemos acompanhar isso on-line. J E A N - P I E R R E B A L P E As primeiras manifestações da literatura eram orais. Mas, para ter uma literatura não oral, era necessário inventar a escrita e um suporte adequado a ela. Por isso, o papel foi uma grande invenção. A prensa também foi muito importante para criar literatura e, depois, o computador. A literatura é resultado de um longo processo de mudanças técnicas. SE VOCÊ TIVESSE DE IR PARA UMA ILHA, COM DIREITO A LEVAR TUDO E QUEM QUISESSE, O QUE ESCOLHERIA: A B I B L I O T E C A P E S S O A L O U S E U C O M P U TA D O R C O M C O N E X Ã O À INTERNET? POR QUÊ?

R Ö S I N G É claro que levaria o computador ou meu tablet. Por sua portabilidade, pela riqueza interminável de conteúdo em todas as áreas do conhecimento, pelas possibilidades de estar na ilha, mas não ficar ilhada. E L E K M A C H A D O Por maior que seja o meu apego pelo livro impresso, e ainda prefira ler no papel, o computador seria imbatível, sem contar que, com internet, eu poderia facilmente pedir que me resgatassem.

TA N I A R Ö S I N G

JEAN-PIERRE BALPE

A LITERATURA É RESULTADO DE UM LONGO PROCESSO DE MUDANÇAS TÉCNICAS

B A L P E Eu levaria só o meu computador, porque ele contém uma biblioteca maior que a minha de livros. Com o meu computador eu estou no centro de todas as bibliotecas do mundo. E mesmo se não tiver conexão à internet, há livros suficientes guardados nele para ler durante a vida inteira. COMPARANDO A PROSA À POESIA DOS ÚLTIMOS 20 ANOS, VOCÊ CONCORDA QUE A POESIA SOFREU IMPACTOS MAIS SUBSTANCIAIS DIANTE DA EMERGÊNCIA DO COMPUTADOR?

RÖSING Aparentemente, é a poesia digital o gênero literário que mais fala a linguagem das novas tecnologias. Na poesia, há manifestações dessas inovações criativas desde o fim dos anos 1950. A narrativa em meio digital, por sua vez, é um problema a ser estudado, já que nem sempre pode ter literariedade. Na ordem de um mundo sem início, meio e fim, a linha narrativa de múltiplas possibilidades parece intrigar o texto literário na razão ou nas razões de uma infinidade de planos, como uma Babel de Borges, ou como os performáticos jogos de amarelinha de Cortázar. ELEK MACHADO No meu entender, a prosa e a poesia sofreram transformações semelhantes. Acredito que na poesia as mudanças sejam mais aparentes, pela própria natureza poética de lidar com a carne viva da linguagem. É muito mais simples encontrar poemas que façam uso mais ostensivo dos recursos da informática do que romances ou contos. Já no fim dos anos 1960, por exemplo, o artista Waldemar Cordeiro criava poesia com um computador IBM. Sem ser estudioso dessas questões, eu diria que a prosa pós-informática passou a ser muito mais asséptica e entrecortada do que era nos tempos da


pena, da esferográfica ou da máquina de escrever. B A L P E Eu não concordo. O impacto do computador na prosa literária não é tão evidente, mas é mais profundo. Na França, a editora Publie. net publica livros só em formatos digitais, e eles têm uma coleção de novos autores que estão escrevendo uma nova forma de literatura, baseada no que é legível nas telas. É POSSÍVEL , HOJE, FALAR EM UMA E-LITERATURA, OU LITERATURA NATIVAMENTE D I G I TA L , CO N F O R M E E V I D E N C I A M F E ST I VA I S I N T E R N AC I O N A I S . A E L A , CO N T U D O, N Ã O CORRESPONDE UMA CRÍTICA ESPECIALIZADA. O QUE UM CRÍTICO ESPECIALIZADO EM E - L I T E R AT U R A D E V E S A B E R ?

RÖSING Além de ser leitor proficiente, conhe-cedor e apreciador da natureza da linguagem literária e da perspectiva estética dos conteúdos, é imprescindível que esse crítico tenha domínio da diversidade peculiar a essa linguagem, entendendo a multiplicidade do hipertexto e da hipermídia e seus significados junto ao texto verbal. Isso, contudo, não parece ser de todo novo. Crítico literário que conhece apenas literatura nunca foi bom crítico.

A SOFISTICAÇÃO DOS PROGRAMAS E A CAPACIDADE DE PROCESSAMENTO DOS COMPUTADORES PERMITEM A REALIZAÇÃO DE TAREFAS E AÇÕES ANTES EXCLUSIVAS DO HOMEM. É POSSÍVEL PENSAR QUE EXISTIRÁ UMA LITERATURA SEM AUTOR HUMANO?

R Ö S I N G A subjetividade é que determina a participação humana na criação literária, independentemente do suporte em que a literatura vai ser apresentada. É ela que permite ao ser humano manifestar-se pela linguagem e revelar, por meio dela, visões de mundo real ou reinventado, permitindo que o outro possa também se manifestar. E L E K M A C H A D O Não creio que exista qualquer impeditivo técnico para uma literatura a-humana. Mas é impossível falar em extinção da literatura humana por conta de qualquer avanço tecnológico. Por mais que o Deep Blue tenha vencido Garry Kasparov há quase 15 anos, não me parece que os homens tenham deixado de jogar xadrez. B A L P E A literatura é uma tarefa fundamentalmente humana. A boa literatura muda as regras da escrita vigentes. Um autômato é capaz apenas de aplicar essas regras. Somente um escritor pode, por ora, alterar as regras da escrita e, eventualmente, dar novas regras ao computador. Se a literatura fosse qualquer tipo de texto, seria possível uma literatura generativa sem condução humana. Mas, para que seja uma forma de literatura, é preciso que alguém ordene esse processo e afirme que aquele texto é literário. Se um autor decide que um texto é literatura e se algum leitor o aceita como literatura, então é literatura. A literatura é um conceito humano de alto nível. Portanto, o lugar do autor humano pode ser pequeno, mas existe.

ELEK MACHADO Não sendo eu mesmo um e-crítico, teria dificuldade de receitar de que maneira o intérprete da literatura nativamente digital deveria se aparelhar para avaliá-la. Mas me parece fundamental que os estudiosos da e-ficção conseguissem abrir espaços fora do “e-”, para que a difusão dessas narrativas não fosse tão endógena.

NÃO EXISTE

BALPE Acho que realmente há uma e-literatura e que de fato ainda não existe uma forma de crítica adaptada. É por isso que uma parte do meu trabalho é mais apresentada como instalação artística e outra (novelas na internet, por exemplo) é citada, mas raramente criticada. É difícil falar sobre um conteúdo em constante mutação ou de uma história em que o papel do leitor é fundamental. Tudo isso é tão diferente de nossa tradição crítica baseada na literatura de livros fixos… Um crítico especializado em e-literatura tem de ver, ler, explorar o campo da literatura eletrônica. Assim, descobrirá por si mesmo como construir uma nova forma de crítica, estabelecendo os aspectos originais dessa literatura.

IMPOSSÍVEL FALAR

QUALQUER IMPEDITIVO TÉCNICO PARA UMA LITERATURA A-HUMANA. MAS É EM EXTINÇÃO DA LITERATURA HUMANA POR CONTA DE QUALQUER AVANÇO TECNOLÓGICO CASSIANO ELEK MACHADO

FOTOS: ARQUIVO PESSOAL

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Fel ipe Me res

A Anual de Arte expõe, todos os anos, desde 1964, a produção artística de alunos da Faculdade de Artes Plásticas da FAAP, com o objetivo de revelar novos artistas e criar um espaço de reflexão a partir de novas ideias e percepções sobre a arte, inovando os conceitos de arte contemporânea e criatividade.

Rua Alagoas, 903

Higienópolis www.faap.br

São Paulo, SP

Museu de Arte Brasileira da FAAP – Salão Cultural De 8 de novembro de 2011 a 8 de janeiro de 2012 De terça a sexta-feira, das 10h às 20h. Sábados, domingos e feriados, das 13h às 17h (fechado às segundas-feiras, inclusive quando feriado). Informações: (11) 3662-7198 Entrada gratuita.


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ARTE

EU SOU UMA RETÍCULA JULIANA MONACHESI

SAIA DO LABORATÓRIO E ENTRE NO ESCRITÓRIO (1980-1991), IMPRESSÃO EM OFF-SET SOBRE PAPEL TRANSPARENTE, OBRA DE SIGMAR POLKE EXPOSTA NO MASP QUE DEMONSTRA A RADICALIDADE DA INTERVENÇÃO DO ARTISTA SOBRE O PAPEL

O Masp reúne mais de 200 obras gráficas do artista que, ao lado de Richter e Kiefer, é o pintor alemão mais importante do século 20

“Eu amo todo tipo de retícula. Sou casado com elas. Quero que todas as retículas sejam felizes. Eu sou uma retícula eu mesmo.” Uma das poucas declarações conhecidas do evasivo e recluso Sigmar Polke (19412010) fala alto sobre seu legado. As retículas de clichê (matriz de prensa tipográfica) estão presentes em suas pinturas e gravuras tanto como técnica de transferência de imagens fotográficas quanto como assunto. Porém, diferentemente de Roy Lichtenstein, que fez da grade de pontos sua sintaxe, Polke criou uma versão informe do grid de impressão, antecipando o vazio da reprodutibilidade ad nauseam dos nossos dias.

Sigmar Polke – Re a l i s m o Capitalista e O u t ra s H i s t ó r i a s Ilustradas, até 29 de janeiro, Museu de Arte de São Paulo, (Masp), Av. Paulista, 1.578, São Paulo

Na exposição Sigmar Polke – Realismo Capitalista e Outras Histórias Ilustradas, estampas, serigrafias e colagens do artista revelam a radicalidade da intuição de Polke e da subversão dos cânones das artes gráficas. Ele não seguia nenhuma cartilha purista sobre tiragem ou função: cartazes de exposição e impressões únicas têm o mesmo estatuto; cópias idênticas são submetidas a tratamentos finais diferentes em uma antecipação da pós-produção midiática. As obras da série Imagem de Televisão (Futebol), de 1971, ou as cinco impressões de Dança das Garças (1997), não são apenas diferentes entre si, mas dissociadas e independentes, tamanha a carga de intervenção sobre a reprodução de base. A exposição tem curadoria a quatro mãos, de Tereza Arruda e Teixeira Coelho, e as obras vêm da coleção de Axel Ciesielski (Vallendar, Alemanha), com exceção das 25 obras da série Day by Day (1975), que Polke desenvolveu para a 13a Bienal de São Paulo (pela qual recebeu o prêmio de pintura da edição de 1975 da mostra brasileira), cedidas à mostra por uma coleção privada. É interessante rever essa obra de juventude de Polke e perceber como sua visão estereotipada do Brasil ainda tem algo a nos ensinar. FOTO: DIVULGAÇÃO


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A ERA DA FOTOGRAFIA JUAN ESTEVES

À DIREITA, IMAGEM DO LIVRO A ERA CHANEL; ABAIXO, FOTOGRAFIA DO LIVRO GLAMOUR

Vreeland e Chanel são figuras-chave da construção da imagem moderna

Mais que um fio condutor recorrente, a fotografia é sempre a protagonista das afinidades eletivas, caso de duas publicações importantes na compreensão da imagem do século 20: Glamour, de Diana Vreeland, e A Era Chanel, de Edmonde Charles-Roux. Ambas são edições especiais que a editora CosacNaify colocou no mercado em novembro, trazendo, em conjunto, mais de 600 imagens. Diana Vreeland (1906-1989) foi a verdadeira essência do meio editorial que consagraria grandes fotógrafos como Richard Avedon e David Bayley, entre outros. Foi

Glamour, Diana Vreeland, Editora Cosac Naify, 208 págs., R$ 79 A Era Chanel, Edmonde Charles-Roux, Editora Cosac Naify, 384 págs., R$ 159

colunista e editora de moda da Harper’s Bazaar por 25 anos, editora-chefe da Vogue e curadora do Metropolitan Museum of Art Costume Institute. Coco Chanel (1883-1971), parafraseando o título, tornou-se mais que uma estilista, batizando toda uma época, na qual a fotografia surgiu como elemento fundamental. Com diferentes conteúdos, os livros são compilações de caráter antropológico em seus parentescos, leituras privilegiadas do desenvolvimento da sociedade paralela ao crescimento da fotografia. O fluxo narrativo e imagético de ambos é prazeroso, apesar de as duas merecerem reproduções melhores. Mesmo com papel de qualidade e impressão impecável, temos a sensação de que uma boa parte das imagens é de reproduções, principalmente em Glamour. Mas Glamour tem uma vantagem: seu texto é diretamente ligado à fotografia. São as memórias e comentários de Vreeland, suas impressões sobre imagens e suas funções. Na seleção, entre outros estão Barão de Meyer, Edward Steichen, Lartigue, Cecil Beaton e Horst P. Horst, que dominaram o cenário até meados do século 20, seguidos por Richard Avedon e Irving Penn, que posteriormente reinaram quase absolutos. Pérolas como “Ele nunca se preocupa com a técnica. Sempre trabalhava como um amateur – no sentido francês da palavra –, que é a única maneira que conheço de trabalhar” (sobre Beaton), são cativantes. Em A Era Chanel, a seleção é voltada para a estilista, no entanto a autora mapeia com erudição imagens icônicas que expressam bem o que foi esse tempo na arquitetura e nos costumes sociais, indo de imagens como a invasão nazista em Paris às cenas de teatro. Na evolução da lenda Chanel, as transformações físicas tanto da estilista quanto de toda uma geração de modelos, cuja ruptura estética seria iniciada pela década de 1960. Entre os grandes fotógrafos, George Hoyningen Huene, David Seymor, Henri Cartier-Bresson e Robert Doisneau.


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EXPOSIÇÃO

DESENHO SOBRE PAPEL IMPRESSO PAULA ALZUGARAY Coleção de Celia Birbragher, diretora da ArtNexus, é representativa do melhor da produção com papel e texto na arte contemporânea latino-americana

A obra ArtNexus (2010), esculpida pelo artista colombiano Miler Lagos a partir de uma pilha de revistas, é uma espécie de emblema da exposição Arte Con-texto. A obra foi produzida especialmente para a colecionadora Celia Birbragher, também diretora da revista Art Nexus, há 35 anos editada na Colômbia. Com todo esse tempo de dedicação ao meio artístico, essa pioneira da publicação de arte na América Latina formou uma importante coleção de arte contemporânea, que tem como forte eixo o texto e as referências literárias.

ACIMA, FOTOPERFORMANCE DO COLETIVO ANINAT & SWINBURN; À ESQUERDA, LIVRO DE WALTERCIO CALDAS

A r te C on- tex to, a t é dezembro. Espaço ArtNexus, Bogotá, Colômbia

A exposição Arte Con-texto traz 80 obras da coleção que trabalham sobre essa temática. A seleção, a cargo da historiadora da arte Francine Birbragher, membro do Conselho do Museum of Contemporary Art, (Moca), de Miami, revela uma coleção bem formada e abrangente. Reúne nomes importantes da cena local, como os colombianos Johanna Calle, Antonio Caro e María Teresa Hincapié; e grandes nomes da arte latino-americana, como Luis Camnitzer (Uruguai), Alfredo Jaar (Chile) e Hélio Oiticica (Brasil). Há obras obrigatórias em qualquer grande exposição que tenha a publicação como tema: o livro de artista Velázquez (1996), de Waltercio Caldas, um trabalho da série Sotheby’s (2003), de Nelson Leirner, e a instalação Diário Íntimo 3D (2007-2009), do argentino Adrian Villar Rojas, da mesma família da instalação Nunca Esquecerei Brasil (2009), mostrada no 31º Panorama da Arte Brasileira. São coleções de catálogos de arte e livros reescritos e resenhados pelo artista. Mas o texto, na coleção Birbragher, passeia por regiões e suportes bem mais insuspeitos e imprevisíveis do que o livro de artista: na categoria dos textos-esculturas, destaca-se uma gravura em zinco e veludo da série Arquivo Universal (2000/08), de Rosângela Rennó. Entre as fotoperformances, Álvaros Barrios (como Marcel Duchamp, 1980) e o coletivo chileno Aninat & Swinburn, com Art of Telling Tales (2010). Entre as quatro obras de fora do eixo AL se destacam Defesa de la Natura (1983), de Joseph Beuys, e um ótimo trabalho fotográfico da série Fear/Panic (2008), de Muntadas. Mas faltam vídeos à exposição. Um passeio pela extensa produção da poesia visual em meios eletrônicos seria um ponto a mais na coleção. FOTOS: DIVULGAÇÃO


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VIDA DOS ARTISTAS JULIANA MONACHESI Documento histórico do Renascimento, mesclado a anedotas e invenções, primeira edição da obra de Giorgio Vasari é lançada no Brasil

Primeiro crítico de arte da história, Giorgio Vasari (1511-1574) publicou pela primeira vez este seu Vida dos Artistas em 1550. Essa versão, conhecida como a edição “torrentiniana” (publicada pelo editor ducal Lorenzo Torrentino, em Florença), considerada mais artística e mais franca pelos comentadores da obra, ficou eclipsada pela segunda edição, a “giuntina”, de 1568, em que “Vasari acrescentou, integrou, corrigiu e normatizou muito, mas também empanou e banalizou”, segundo o historiador italiano da arte Giovanni Previtali (1934-1988), autor do prefácio. Indispensável para compreender o Renascimento, a obra de Vasari caiu em desuso pelo caráter engajado ou passional de posições que claramente são endereçadas ora aos artistas, ora aos patronos, ora a um pontífice em particular. Sua história da arte mescla biografia dos artistas a interpretações das obras e muitas fofocas, como as disputas entre Brunelleschi e Donatello, narradas em detalhe e com vivacidade de ficcionista, ou as preferências culinárias de Paolo Uccello, contadas entre uma análise e outra de sua proeza com o escorço e as demais complexas decomposições de perspectiva. Apesar de ser reconhecidamente a edição mais relevante, teve uma única reimpressão na Itália, enquanto a versão de 1568 foi reeditada 18 vezes e traduzida oito vezes em edições estrangeiras. No Brasil, é a primeira vez que a íntegra da obra de Vasari é publicada, em versão cuidadosamente anotada, que fornece não apenas o contexto histórico opaco - para os leitores hojeArtistas, - do CinVida dedos quecento, mas também infindáveis e atéMartins divertiEditora WMF das correções a afirmações Fdo o nautor. t e s , “O 2 0 1 trecho 1 , 8 5 6de Plínio foi mal interpretado”, exagera” ou p á “Vasari g s., R$ 125 “Aqui Vasari tem razão” são comentários consFOTOS: DIVULGAÇÃO

Vida dos Artistas, Editora WMF Martins Fontes, 2011, p á g s., R$ 125

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tantes nas notas feitas por uma equipe coordenada por Luciano Bellosi, que assina com Aldo Rossi a organização do livro. Na terceira parte do livro, Vasari, que foi também pintor e arquiteto, dedica-se aos artistas que cultivaram a “bela maneira” e atingiram uma excelência nas proporções, “o reto juízo, de tal modo que, sem que fossem medidas, as figuras tivessem nos diversos tamanhos em que eram feitas uma graça que excedesse a medida”, de Leonardo da Vinci a Michelangelo Buonarroti (1475-1564), único artista vivo que foi admitido na edição de 1550. A ele, amigo pessoal do autor, Vasari dedica uma das mais extensas biografias do livro, e ainda frisa que é Michelangelo, entre todos os 133 retratados nas Vidas, quem iria determinar o futuro da arte. Uma versão traduzida e anotada da Vida de Michelangelo Buonarroti pelo doutor em História da Arte Luiz Marques acaba de sair pela editora Unicamp (808 páginas, R$ 86). Marques se baseia na edição de 1568 da obra de Vasari, que coteja com outras fontes disponíveis do século 16, e com toda a bibliografia posterior, pesquisa que levou 20 anos.

LIVRO REÚNE BIOGRAFIAS COMENTADAS DE 133 ARTISTAS DO RENASCIMENTO


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Vera Bighetti Possui mestrado e doutorado em Mídias Digitais na PUC-SP. Desenvolve projetos em arte tecnológica e processos autogenerativos.


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