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MONTEZ MAGNO GABRIEL MASCARO damien hirst FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ a r t e E C U LT U RA C O N TE M P O R â n e A

OCUPE ESTELITA

A Coruja (2012), Marepe

Dureza, densidade, contradições, paisagem e conflitos sociais da região alimentam a obra de artistas e intelectuais

N O R D E S T E




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dez/jan 2015



Assista no seu celular à história real de Kiko e Bia. O Ourocard convida você a realizar tudo que deseja.

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dez/jan 2015


O Kiko fez um casamento surpresa para a Bia. E você também pode realizar tudo o que deseja. Porque quem tem Ourocard tem tudo.

Ourocard é um cartão pra tudo. Para você realizar seus planos e viver seus sonhos. Para comprar com segurança na internet e para personalizar com a foto de um momento inesquecível. Porque para ser um cartão completo precisa oferecer tudo o que você deseja.

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Ourocard.

Quem tem, tem tudo.

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dez/jan 2015



MINISTÉRIO DA CULTURA, INHOTIM, ITAÚ E FUNDAÇÃO CLÓVIS SALGADO APRESENTAM

Abraham Cruzvillegas, André Cadere, Artur Barrio, Channa Horwitz, Chris Burden, Cildo Meireles, Cinthia Marcelle, Daniel Steegmann Mangrané, David Lamelas, Décio Noviello, Ernesto Neto, Gabriel Sierra, Hélio Oiticica, Hitoshi Nomura, Iran do Espírito Santo, Jac Leirner, Jorge Macchi, Jose Dávila, Juan Araujo, Kiyoji Otsuji, Lygia Clark, Lygia Pape, Mauro Restiffe, Melanie Smith, Pipilotti Rist, Raquel Garbelotti, Rivane Neuenschwander, Thomas Hirschhorn, Tsuruko Yamazaki

Apresentação

Patrocínio Master

Promoção

Realização Realização

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dez/jan 2015

Patrocínio

Apoio

Parceria


12 de dezembro de 2014 a 8 de março de 2015 Palácio das artes centro de arte contemPorânea e FotograFia

Belo Horizonte

1 de abril a 31 de maio de 2015 itaÚ cUltUral

São Paulo entrada gratUita

doobjetoparaomundo.org.br


Índex

36

44

60

84

98

COLUNA MÓVEL

ARQUITETURA

PORTFÓLIO

PAGANISMO

PLATAFORMA

OCUPE ESTELITA

MARGEM LESTE

MAREPE CRIA SEU “ISMO”

ARTE SOBRE O OCULTO

SITE-SPECIFIC DIGITAL

Movimento social inovador

Modernismos soviético

Estética da feira e da vida

Patrocinadores se

Curadoria veicula

defende o que resta dos

e do Nordeste brasileiro

ambulante impregna

assustam, mas artistas

arte em espaço

armazéns do cais no Recife

revelam utopias esquecidas

a obra do artista baiano

se engajam na pesquisa

dedicado à publicidade

80 CINEMA

Cinema em ÊXTASE Pernambuco lidera o movimento de qualificação estética e técnica cinematográfica

Fra me d e Ventos de Agosto, novo fi lm e de Ga briel Mascaro SELECT.ART.BR

DEZ/JAN 2015

foto: cortesia gabriel mascaro


54

seções

14 20 42 100 106

Editorial

TECNOLOGIA

DA LAMA À TEORIA DO CAOS

Selects / Agenda Mundo Codificado

Porto Digital ajuda a recuperar o velho Recife,

Reviews

além de fomentar indústria

Em Construção

68

74

CURADORIA

COLEÇÃO

VOCABULÁRIO EXPANDIDO

FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ

Arte Correio e Poema/Processo interligaram

Família do Ceará cria uma das melhores

o Nordeste com o mundo

coleções de arte do País fotoS: à esq., Letícia Parente, Série Mulher, cortesia da artista; No alto à DIR., bárbara wagner; abaixo à dir., cortesia fundação edson queiroz


ed i tor i al

14

Eu vi o mundo, ele começava no Nordeste

Paula Alzugaray

Ricardo van Steen

O mundo de Cícero Dias começava no Recife.

isolamento político, econômico e cultural de

Ele inteiro coube no painel de 12 metros pin-

suas regiões (em relação aos “centros”), mas

tado sobre rolo de papel craft, entre 1926 e

ambos orientados para o futuro.

1929. Couberam o carro de boi, a procissão, os

O Nordeste é um território que aponta para o

navegantes. O aviador, a tecnologia, a arquite-

futuro, já dizia Falves Silva, artista paraibano

tura antiga, as vistas cariocas de Santa Tere-

expoente da Arte Correio, movimento que in-

sa, a morte, o jogo, a capital francesa e ainda

terligou a região com o mundo. Terreno duro,

todos os países que o artista viria a visitar. Na

mas rico e cheio de contradições, diz Jona-

seLecT nº 21, o mundo começa no Nordeste

thas de Andrade no Fogo Cruzado.

brasileiro. Em toda sua metragem, descor-

O Nordeste está no centro quando faz cine-

tinada ao longo de 108 páginas editoriais, a

ma e quando fomenta dois polos de criati-

revista toma o caminho da desconstrução de

vidade e tecnologia pioneiros no Brasil. É

mitos e da revisão de ultrapassados clichês

centro quando conhecemos a coleção da

de centro e periferia (ou de polarização políti-

Fundação Edson Queiroz, que faz de Forta-

ca), e faz do Nordeste o seu centro.

leza destino obrigatório para quem quer ter

No trajeto descobrimos uma paisagem que

vivo contato com a história da arte moderna

não se esgota em nove estados, mas se es-

brasileira. Visitada pela repórter Luciana Pa-

praia por um território muito mais vasto,

reja Norbiato, a Fundação está hoje entre as

sempre atravessado e magnetizado pelos

principais instituições doadoras para os mu-

quatro pontos cardeais. De largada, na se-

seus do Sudeste brasileiro, como o MAM-SP,

ção Mundo Codificado, a editora convidada

o MAR e o Masp.

Cristiana Tejo aponta algumas matrizes nor-

Precisamos mesmo rever nossas coordenadas!

Giselle Beiguelman

Márion Strecker

Luciana Pareja Norbiato

Hassan Ayoub

Luciana Fernandes

Pedro Botton

destinas do pensamento brasileiro: quem são os intelectuais, os artistas, movimentos

Roseli Romagnoli

e invenções que conferem ao País inteiro a sua nordestinidade. Na sequência, Giselle Beiguelman nos faz entender as relações

Guilherme Kujawski

entre a arquitetura modernista soviética e o modernismo brasileiro, que, como o mundo de Cícero Dias, começou no Recife, nos anos

Paula Alzugaray

1930. Ambos movimentos marcados pelo

Diretora de Redação

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Ilustrações: Ricardo van Steen, a partir do aplicativo face your mangá



colaboradores

Diego Inglez De Souza

16

Arquiteto e urbanista, mestre e doutor pela FAU-USP e pela Université Paris 1. Autor de Reconstruindo Cajueiro Seco: Arquitetura, Política Social e Cultura Popular em Pernambuco (1960-64) (2010) - coluna móvel P 36

Cristiana Tejo Curadora independente, doutoranda em Sociologia (UFPE) e cofundadora do Espaço Fonte – Centro de Investigação em Arte. Foi diretora do MAMAM, no Recife, e curadora de artes visuais da Fundaj. Foi cocuradora do 32º Panorama de Arte Brasileira do MAM-SP. Vive e trabalha no Recife - editora convidada P 68

Barbara Wagner A fotógrafa explora o “corpo popular” e suas estratégias de visibilidade no campo das culturas tradicional e pop. Mestre em artes visuais pelo Dutch Art Institute, realizou trabalhos na cidade do Recife, como os ensaios Brasília Teimosa (2007) e Estrela Brilhante (2010) - tecnologia P 54

Ida Yang

Ramon Vitral

Crítica de arte e curadora independente baseada em Taipé. É mestre em gestão de arte pelo Institut d’Etudes Supérieures des Arts, em Paris. Colabora em publicações de arte e cinema, incluindo a Artco Monthly Magazine - reviews P 100

É jornalista e dono do site Vitralizado (www.oesquema. com.br/vitralizado). Trabalhou na redação do jornal O Estado de S. Paulo e, de Londres, para O Globo, Estadão, Folha de S. Paulo e revista Galileu - reviews P 100

Thiago Carrapatoso Pesquisador e curador, é mestre pelo Center for Curatorial Studies (CCS) no Bard College (NY) e autor de A Arte do Cibridismo, pesquisa ganhadora do prêmio de estudos sobre arte no Brasil pela Fundação Bienal de São Paulo entrevista P 94

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Ana Maria Maia Jornalista e mestre em História da Arte. Foi curadora-assistente do 33º Panorama da Arte Brasileira do MAM-SP - curadoria plataforma P 98

Marcelo Rezende

Tiago Mesquita

É diretor do Museu de Arte Moderna da Bahia. Foi diretor artístico da 3a Bienal da Bahia (2014). Curador e escritor, é autor do ensaio Ciência do Sonho: A Imaginação Sem Fim, do diretor Michel Gondry (2005) - paganismo P 84

Crítico de arte e professor de História da Arte. É autor do livro Resistência da Matéria, sobre Rodrigo Andrade, e doutorando no Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo - Vernissage P 90


BTG Pactual: The world’s Private Bank with the Best Growth Strategy and the most complete range of services in Latam.

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Source: PWM/The Banker Magazine - Global Private Banking Awards 2014

BRAZIL | CHILE | COLOMBIA | PERU | MEXICO | NEW YORK | LONDON | HONG KONG


expediente

EDITOR E DIRETOR RESPONSÁVEL: Domingo Alzugaray EDITORA: Cátia Alzugaray PRESIDENTE-executivo: Carlos Alzugaray

18

diretora De redação: Paula Alzugaray editora-Chefe: Giselle beiguelman direção de arte: ricardo van steen editorA convidada: MáRION Strecker EDITOR Mídias digitais: GUILHERME KUJAwSKI editora de arte: luciana fernandes repórter: LUCIANA PAREJA norbiato COLABORADORES

Ana Maria Maia, Barbara Wagner, Cristiana Tejo, Diego Inglez De Souza, Ida Yang, Marcelo Rezende, Ramon Vitral, Thiago Carrapatoso e Tiago Mesquita

projeto gráfico

Ricardo van Steen e Cassio Leitão

DIAGRAMAÇÃO secretária de redacão

Pedro Botton Roseli Romagnoli

PESQUISA de fotografia

Letícia Palaria

copy-desk e revisão

Hassan Ayoub

pré-impressão

Retrato Falado

contato Serviços Gráficos mercado leitor assinaturas

faleconosco@select.art.br Gerente Industrial: Fernando Rodrigues diretor: Edgardo A. Zabala Diretor de Vendas Pessoais: Wanderlei Quirino Diretor de Telemarketing: Anderson Lima GERENTE-ADMINISTRATIVA de Vendas: Rosana Paal Gerente de Atendimento ao Assinante: Elaine Basílio Gerente de ASSINATURAS (Sudeste) pablo Pizzutiello Gerente de ASSINATURAS (SUL): Sidnei Domingues Caetano Gerente-Geral de Planejamento e Operações: Reginaldo Marques Gerente de Operações e Assinaturas: Carlos Eduardo Panhoni GERENTE ONLINE W PARCERIAS Solange Chiarioni Gerente de Telemarketing: Renata Andrea Gerente de Call Center: Ana Cristina Teen Central de Atendimento ao Assinante: (11) 3618.4566. De 2ª a 6ª feira das 09h00 às 20h30 Outras Capitais: 4002.7334 Demais localidades: 0800-888 2111(Exceto ligações de celulares) assine www.assine3.com.br EXEMPLAR AVULSO www.shopping3.com.br

vendas avulsas

Gerente: Luciano Sinhorini Coordenadores: Alexander Cruz e Jorge Burgatti ANALISTA: Juliana Pelizzon CONSULTORES DE VAREJO: Alessandra Silva e Caio Novaes PROMOTORES: Fagner Garcia, Patrícia Leon e Tiago Morais ASSISTENTE: Samantha Dimiciano Assistentes: Ricardo Souza e Gislaine Aparecida Peixoto

operaçÕES

Diretor: Gregorio França. GERENTE: Renan Balieiro. SECRETÁRIA DE DIRETORIA: Mirian Peretiatko. Coordenador de Processos Gráficos: Marcelo Buzzo. analista jr.: Fábio Rodrigo COORDENADORES DE OPERAÇÕES: Luiz Massa e Regina Maria. Analista PLENO: Denys Ferreira. ASSISTENTES: César William e Indianara Andrade AUXILIAR: Jario Pereira. Líder estoque: Paulo Henrique Paulino

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SELECT (ISSN 2236-3939) é uma publicação da EDITORA BRASIL 21 LTDA., Rua William Speers, 1.000, conj. 120, São Paulo - SP, CEP: 05067-900, Tel.: (11) 3618-4200 / Fax: (11) 3618-4100. Comercialização: Três Comércio de Publicações Ltda.: Rua William Speers, 1.212, São Paulo - SP; Distribuição Exclusiva em bancas para todo o Brasil: FC Comercial e Distribuidora S.A., Rua Dr. Kenkiti Shimomoto, 1678, Sala A, Osasco - SP. Fone: (11) 3789-3000 Impressão: Log & print Gráfica e Logística S.A.: Rua Joana Foresto Storani, 676, Distrito Industrial, Vinhedo - SP, CEP: 13.280-000 www.select.art.br

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melanie smith -- fordlandia, 2014 -- still de vídeo -- 29’43”

lucia koch -- dupla - dupla (la217 + az544 + vl713 + ma204), 2014 -- acrílico sobre alumínio -- 60 x 120 x 4,7 cm

são paulo 18.11.2014 > 01.02.2015

melanie smith -- fordlandia

rio de janeiro 29.11.2014 > 31.01.2015

art basel miami beach 03.12 > 07.12.2014 stand - B29

lucia koch -- duplas


agenda

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E n t r e v i sta

O mundo, segundo Damien Hirst Inevitável reconhecer em Damien Hirst o tubarão em posição de ataque, pronto para devorar o mundo. Mas até os tubarões no formol envelhecem. Em 2015, Hirst

São Paulo para a abertura da individual Black Scalpel Cityscapes, na galeria White Cube. Os trabalhos inéditos expostos são vistas aéreas de cidades, feitos com objetos cortantes e instrumentos cirúrgicos, a partir de aplicativos de mapas. “No momento que os mapas passam a existir é quando a violência começa”, diz Hirst. “Antes, as pessoas viviam em paz, conhecendo seus limites. Uma vez que você desenha fronteiras, as pessoas passam a lutar por elas.” O mapa-múndi de Damien Hirst tem 17 cidades. Desde Leeds, cidade

completa 50 anos. O ano comemorativo

natal, até São Paulo, cidade desconhecida. Em vistas cirúrgicas o artista

prevê a inauguração de um museu para

desenha a própria trajetória e mira novos alvos. Talvez para se reorientar?

exibir a coleção pessoal de 2 mil obras de arte

Alguns diriam que mantém acesa a chama punk dos 20 anos. Mas o

contemporânea e o lançamento de uma biografia

tubarão Hirst hoje está mais para um gentleman, de conversa gentil e

autorizada. Antes de o ano virar, a fera esteve em

compenetrada, como mostra na entrevista à seLecT. PA

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DEZ/JAN 2015


Quando chega a uma nova cidade, você usa

comprá-lo. O dinheiro te segue, o mercado te segue.

mapas ou prefere se perder?

Se nós tentássemos fazer dinheiro, não acho que

Prefiro usar pessoas em vez de mapas. Se você

faríamos. Ninguém ganhava dinheiro no início. Não

encontra alguém que conhece a cidade, ele pode

estávamos nem aí. Fazíamos grandes pinturas. Eu me

te dizer os bons lugares para ver. Quando eu era mais

lembro de um galerista que me disse bem no começo

jovem, antes da internet, a gente tinha de encontrar

dos anos 90, quando eu queria fazer esculturas com

nosso próprio caminho... Ambos são emocionantes

tubarões: “Ninguém vai gastar mais de 10 mil libras

de maneiras diferentes. Qualquer tipo de exploração

em uma recessão”. E eu dizia: “Não me importo, é o

é bom. Acontece em muitos níveis. Você sempre tem

que eu quero fazer”. Ignorávamos tudo. Você só tem

de encontrar uma maneira de chegar a um acordo

de acreditar. Eu amo Banksy, por exemplo. Porque ele

com um lugar desconhecido.

não precisa de uma galeria. Você pode ir para as ruas e fazer grandes pinturas e obter uma reação a elas,

Quanto a parceria com Charles Saatchi

tornar-se famoso, como Banksy fez. Isso é incrível.

contribuiu para a sua carreira?

Gosto de iniciativas que mudam o mundo, ou pelo

Cem por cento. Eu devo tudo a Saatchi. A galeria na

menos queiram fazê-lo.

Boundary Road foi o primeiro espaço incrível que vi na vida. Pensei: quero fazer pintura para esse lugar!

E quanto aos artistas mais velhos, como Gerhard

Aquele espaço me transformou e a todos os meus

Richter, ou Michael Craig-Martin, seu orientador

amigos. Não nos importávamos se poderíamos

no Goldsmith College?

exibir ali ou não. Nós, simplesmente, começamos a

Aprendi com eles a pensar grande. Lembro-me de

fazer pinturas daquele tamanho. E acho que por isso

achar muito difícil ter de ser original. Lembro-me

fomos bem-sucedidos: porque trabalhamos em um

de olhar para a cabeça de touro de Picasso, criada

nível internacional. Antes, a pintura britânica tinha

com um assento de bicicleta e um guidom, e pensar:

dimensões muito pequenas. Na Cork Street, onde

Eu gostaria de ter tido essa ideia. E então pensava:

ficava Waddington Gallery, atrás da Royal Academy,

tenho de inventar coisas assim. Mas, quando fui

as pinturas tinham dimensão para quartos. Na minha

para o Goldsmith, percebi que não tinha de fazer

geração, nós percebemos que talvez três artistas

isso, porque o mundo havia mudado muito.

poderiam se tornar bem-sucedidos, talvez menos. Então decidimos: foda-se! Vamos fazer nós mesmos.

Então você descobriu que não precisava

Não precisamos dessas galerias, por isso decidimos

ser original.

alugar um armazém para fazer a Freeze (primeira

Isso me libertou, libertou toda a minha geração. Ouvi

coletiva da geração Young British Artists,

de meus tutores: se você não tomar emprestadas

em 1988, que teve curadoria de Damien Hirst).

ideias, pode roubá-las. Uou! Oh meu Deus! Naqueles tempos, a ideia de roubar caiu muito bem. E então

Como sua geração mudou o mercado de arte?

nós começamos a pegar referências de todo mundo.

O mercado sempre tem de seguir os acontecimentos.

Eu, definitivamente, roubei minhas Spot Paintings

Quando fiz a Freeze, as pinturas eram vendidas por

dos Colour Charts de Richter, que adoro. Você não

400 libras. E nós não vendemos muitas. Mas nos

deve ter medo das ideias dos outros. Senão, vai

sentíamos confiantes, nos sentíamos inspirados,

ficar imobilizado porque alguém sempre pode ter

entusiasmados, e queríamos celebrar isso...

feito aquilo antes. Michael sempre dizia esse tipo

estávamos sempre vendo e conversando sobre a

de coisa. Se você quer pintar um Twombly, pinte um

pintura que fazíamos, visitando estúdios, fazendo um

Twombly. Se quiser fazer um Pollock, simplesmente

monte de exposições por conta própria. Nós meio

faça-o. O que eu faço sempre vai ser um Damien

que ignorávamos o mundo da arte. Eu acho que em

Hirst. Porque eu sou Damien Hirst. O que eu faço

qualquer lugar do mundo, se você tem um grupo de

em uma pintura? Me expresso. Tudo que você faz é

amigos entusiasmados, celebrando, acreditando

se expressar. Tente não se expressar e você ainda

no que vocês estão fazendo, então as pessoas vão

estará se expressando. foTO: PAULO D’ ALESSANDRO

21


agenda N ata l

Movimento artístico praiano Arte Praia, junho de 2015, Casa da Ribeira, Praias de Natal (RN) 22

Seria um ouriço gigante? Um mangue seco? Ou um porcoespinho enterrado na areia? Nenhuma das anteriores! As 1.350 boias de espuma colorida que apareceram na Praia do Forte, em Natal (RN), em junho de 2014, foram “plantadas” pelo artista catarinense Joelson Bugila. A instalação Plantação da Forma do Vento integrou a terceira edição do Arte Praia, iniciativa da Casa da Ribeira, instituição independente com sedes em Natal e São Paulo, para promover a arte e o convívio social nas praias e espaços públicos urbanos. Enquanto isso, o coletivo Praias do Capibaribe (foto) (PE) realizou uma vivência lúdica sobre as águas do Rio Potengi, com uma bolha inflável de plástico penetrável. Em novembro último, o

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DEZ/JAN 2015

paulistano Nuno Ramos encerrou a temporada do Arte Praia 2014 com uma intervenção monumental, uma espécie de tsunami simbólico: um cubo de gelo feito com 15 mil litros de água do mar, deslocado para a cidade. Em 2015, o evento prevê intervenções de Rochelle Costi, Cao Guimarães, Eduardo Coimbra e outros seis artistas selecionados em Edital Nacional. Em 2013, manifestação parecida coloriu a Praia de Boa Viagem, no Recife. Convocados por Aslan Cabral, artistas recifenses se engajaram ao Charque Attack, movimento “artístico-praiano-social” com intuito de chamar atenção da sociedade para os ataques de tubarão. PA

foto: edson silva


foto: edgar césar

JOSÉ RUFINO

CENTRAL GALERIA DE ARTE são paulo - sp - brasil | www.centralgaleriadearte.com art basel miami beach | positions booth P04


agenda

24

S Ã O PA U LO

PREMIÉRE PÓSTUMA Thomaz Farkas - Memórias e Descobertas, até 9/1/15, Luciana Brito Galeria, Rua Gomes de Carvalho, 842, São Paulo Pioneiro da fotografia experimental no Brasil ao lado de Geraldo de Barros e German Lorca, o húngaro naturalizado brasileiro Thomaz Farkas (1924-2011) nunca realizou em vida uma individual em galeria comercial. Agora ganha ampla exibição que inclui conjuntos icônicos (como as imagens de Brasília e a série Recortes, de acentuado caráter experimental ressaltado pelo jogo de luz e sombra) e material inédito dos últimos anos de vida, como a série de imagens de bailarinas. A mostra é resultado do aprofundamento de um trabalho iniciado pelo Instituto Moreira Salles na catalogação e exibição de sua obra. Os curadores Sergio Burgi e João Farkas, filho do artista, reuniram um amplo conjunto de quase cem fotografias, além de assinarem textos críticos do livro homônimo, lançado simultaneamente à exposição. Entre as fotos, destaca-se a série colorida clicada nos anos 1970 no Nordeste, primeira investida a cores do fotógrafo. Na época, Farkas passou a se interessar pelos grotões inexplorados do País e pela Sétima Arte, produzindo, fotografando e mesmo dirigindo diversos documentários, além de incentivar nomes como Eduardo Escorel, Maurice Capovilla e Paulo Gil Soares. Durante a empreitada, batizada com o nome significativo de Caravana Farkas, foi registrando os cenários onde os filmes se passavam. Uma das locações privilegiadas foi a cidade de Salvador (acima, Salvador, década de 1970), seus personagens e paisagens. LPN SELECT.ART.BR

DEZ/JAN 2015

foto:THOMAZ FARKAS/LUCIANA BRITO GALERIA


GALERIA ESTAÇÃO Cícero Alves dos Santos [Véio] Esculturas curadoria Rodrigo Naves

Outsider Art Fair 29 jan/01 fev Center 548 West 22nd Street Chelsea New York

14

20

10 GALERIA

ano

ESTAÇÃO

rua Ferreira de Araujo 625 Pinheiros SP 05428001 fone 11 3813 7253 www.galeriaestacao.com.br


agenda

26

RI O D E J AN E IR O

O MARANHÃO É AQUI Maranhão, até 24/1/15, Galeria A Gentil Carioca, Rua Gonçalves Ledo, 17, Rio de Janeiro A principal mídia de suporte de Guga Ferraz, artista conhecido por suas intervenções urbanas, é a rua. Em sua segunda individual na galeria A Gentil Carioca, no Rio, Ferraz mostra suas novas crônicas sobre violência e manifestações políticas. Maranhão, título da mostra, integra dezenas de esculturas em forma de cabeças, todas feitas de poliuretano e isopor, mesmo material usado nas peças dispostas sobre os carros alegóricos. Já esculturas feitas de madeira e metal ocupam a “piscina”, como é carinhosamente chamada uma das salas da galeria (na foto, Black Blocs, 2014).

P ARA Í B A - S Ã O P A U L O

NOVA CASA José Rufino, previsão 4/15, Central Galeria, Rua Mourato Coelho, 751, São Paulo centralgaleriadearte.com O paraibano José Rufino (na foto, Permanere,

No v a Y o r k

DAMAS CONCRETAS Judith Lauand: Brazilian Modernist 1950-2000, até 20/12/14, Driscoll Babcock Galleries, 525 West 25th Street, Nova York Carmen Herrera, a partir de 5/15, Lisson Gallery, sob a High Line entre 23 rd e 24 th Streets, Nova York

2014) está de casa nova para cuidar de seu trabalho em São Paulo. Ele é o mais novo representado da Central Galeria, espaço de Wagner Lungov na Vila Madalena, que deve sediar a primeira individual do

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DEZ/JAN 2015

Damas concretistas latinoamericanas estão em

artista, em abril de 2015.

voga na Big Apple. Precursora do movimento

Rufino, paleontólogo de

no Brasil e única mulher a integrar o Grupo

formação, utiliza em seus

Ruptura, além de ter integrado a exposição

trabalhos o processo

inaugural de arte concreta em 1956, Judith

inverso ao de seus estudos

Lauand (na foto, obras sem título de 1957)

científicos: em vez de

tem sua primeira retrospectiva em NY até o fim

buscar sinais de vida nos

de dezembro. Em 2015, outra dama concretista,

ambientes, ele faz uma

a cubana Carmen Herrera, é a escolhida para

remissão aos seres vivos

a estreia do novo endereço da Lisson no artsy

em assemblages com

Chelsea, comemorando o centenário da galeria.

mobiliários, madeira e afins.

FOTOS: DE CIMA PARA BAIXO, cortesia central galeria; cortesia a gentil carioca; cortesia driscoll babcock galleries



agenda

S Ã O PA U LO

CLUBE DOS CEM 28

f.marquespenteado, Florian Meisenberg e Maria Loboda, até 20/12/2014, Mendes Wood DM, Rua da Consolação, 3.358 e Rua Marco Aurélio, 311, São Paulo O trio de galeristas da Mendes Wood DM tem motivo para festejar neste fim de ano: foi incluído na lista das cem pessoas mais influentes da ArtReview, bíblia norteamericana de visuais, na 99a posição. Para comemorar, traz mostras em dose tripla: f.marquespenteado apresenta Três Novelas, em que um narrador fictício revela três ex-amantes por meio de desenhos e objetos (na foto, Enraizar Jonas nos Bolsos, 2011/2014); o alemão Florian Meisenberg exibe pinturas e vídeos criados em residência em SP; e a polonesa Maria Loboda ocupa a Vila Romana com instalações.

S Ã O PA U LO

P U NTA D E L E ST E

DANÇA VISUAL

FERIA AL SUR

Museu Dançante, 26/1/15 a 20/3/15, Museu de Arte Moderna de São Paulo, Parque do Ibirapuera, Avenida Pedro Alvares Cabral, s/n°, São Paulo

ESTE Arte, 3 a 6/1/2015, Punta del Este Polo & Country Club, Ruta Nº 10, km 172, Punta del Este

As artes cênicas e visuais mantêm um

Se Punta del Este é um dos destinos

cortejo de longa data. Tal relação é

privilegiados do jet set da América

examinada mais detidamente na exposição

do Sul, em especial do Brasil, nada

Museu Dançante, com obras do acervo do

mais natural que realizar uma feira

Museu de Arte Moderna de São Paulo (na

de arte por lá. A novidade da ESTE

foto, Copulônia, 1989/91, de Ernesto

Arte é seu caráter internacional, o

Neto), todas ligadas à dança. Faz sentido,

que a torna a primeira do gênero

portanto, o convite feito à bailarina Inês

no Uruguai. Há 30 galerias na lista,

Bogéa para compartilhar a curadoria da

entre elas G alería Xippas (Paris,

mostra com Felipe Chaimovich, curador do

Atenas, Genebra, Punta del Este),

MAM. Como complemento, uma residência

Carroll/Fletcher (Londres), Galería

da São Paulo Companhia de Dança, dirigida

Sur (Montevidéu), Galería del Paseo

por Inês, acontece na Sala Paulo Figueiredo,

(Punta del Este), Rincon Projects

com ensaios ao vivo e abertos ao público.

(Bogotá) e Emmanuel Hervé (Paris).

S Ã O PA U LO

ORIGENS DO BRASIL Espaço Olavo Setubal - Coleção Brasiliana Itaú, a partir de 13/12, Itaú Cultural, Av. Paulista, 149, São Paulo A história do Brasil ganha nova versão no Espaço Olavo Setubal, que vai abrigar 1,3 mil peças das coleções Brasiliana Itaú e Itaú Numismática. Expostas permanentemente no Itaú Cultural, abrangem desde a iconografia dos artistas vindos com as missões estrangeiras no Brasil Colônia até o dinheiro. O percurso histórico é dividido em nove núcleos temáticos. Um deles, dedicado ao Nordeste pelo viés do Brasil Holandês de que recebe o nome, traz obras da missão de Maurício de Nassau, como a pintura raríssima Paisagem de Pernambuco (foto, circa 1640), de Frans Post. SELECT.ART.BR

DEZ/JAN 2015

FOTOS: DE CIMA PARA BAIXO, cortesia mendes wood, ROMULO FIALDINI/mam;edouard fraipont/ itaú cultural



agenda

RECIFE

30

lenhardt e a lógica indígena Matéria Superordinária Abundante, até 30/12/14, Avenida Domingos Ferreira, 92 A, Recife | www.amparo60.com.br Rauschenberg, Oiticica e arte povera são alguns dos ingredientes conhecidos na obra de Cristiano Lenhardt, artista gaúcho (natural de Itaara) radicado no Recife. Sua individual apresenta trabalhos inéditos (na foto, Tudo o Observa e

SALVA D O R

se Transforma ,2014) e

GEOMETRIA ETÉREA

engrossa o caldo com um

Sérvulo Esmeraldo, 4/12/2014 a 10/1/2015, Paulo Darzé Galeria, Rua Dr. Chrysippo de Aguiar, 8, Salvador

novo item: a lógica de nossos índios, principalmente sua forma de organização social.

O cearense Sérvulo Esmeraldo confere delicada fluidez a esculturas de

O recolhimento de resíduos

sólidos geométricos (na foto, obra sem título, 2013), que dão sequência

no Centro do Recife, os quais

à sua pesquisa cinética e concretista. Enunciadas por seus contornos,

servem de suporte artístico,

de metal esmaltado em branco e preto, as formas vazadas parecem

também aponta para um

desafiar a gravidade e brincam com o olhar do espectador nas perspectivas

hábito familiar aos povos

que ganham outras dimensões por meio do jogo de luz e sombra.

indígenas: a coleta.

S Ã O PA U LO

40 ANOS, UMA VIDA Exposição coletiva, até 14/2/15, Galeria Luisa Strina, Rua Padre João Manuel, 755, São Paulo Luisa Strina é uma das cem personalidades mais influentes da arte internacional, segundo a ArtReview. Sua galeria celebra 40 anos com mostra coletiva, curada por Fernanda Arruda. Nela figuram artistas como Cildo Meireles, Antoní Muntadas, Edgard de Souza (na foto, Coelhinhos, 1997) e Marepe. SELECT.ART.BR

DEZ/JAN 2015

FOTOS: DE CIMA PARA BAIXO, edouard frapoint; andrew kemp/galeria luisa strina E Ramonn Vieitez/amparo 60



livros

32

design

BÍBLIA DO CONSUMO Mateus, Marcos, Lucas e João, de Gustavo Piqueira, Edusp, 264 páginas, R$ 120

monografia

E se o milagre que estivéssemos

VÉIO REVISITADO

esperando fosse um creme anticelulite

Cícero Alves dos Santos: Véio, de Rodrigo Naves, WMF Martins Fontes Editora e Galeria Estação, 200 páginas, R$ 89

em vez de um novo Messias? Partindo

O sergipano Cícero Alves dos Santos, conhecido como Véio, começa nos últimos

Gustavo Piqueira criou seu livro

anos a angariar reconhecimento fora do circuito de arte primitiva. Agora ganha

(acima), que retoma a linguagem das

livro dedicado à sua obra, no qual Rodrigo Naves analisa as esculturas em madeira

iluminuras para fazer uma crítica bem-

com intervenções a canivete ou apenas pintadas (acima, Dois em Um, 2014).

humorada à sociedade de consumo.

dessa premissa, o designer gráfico

I n fa n toj u v e n i l

AMOR PARA CRIANÇAS O Paraíso São os Outros, texto de Valter Hugo Mãe, ilustrações de Nino Cais, Cosac Naify, 32 páginas, R$ 36,90 De uma visita ao ateliê de Nino Cais o escritor português Valter Hugo Mãe tirou inspiração para falar de amor para crianças. No livro, uma menina indaga por que os animais e o ser humano vivem

fotografia

em dupla, seja ela formada por homem e mulher

SAMBA PRA RUSSO VER

ou pessoas do mesmo sexo. As obras inspiradoras, fotos de casais com rostos cobertos por pedras de bijuteria (à esquerda), são as ilustrações.

monografia

JUNGLE SINTÉTICO

Pagode Russo, de Iatã Cannabrava, Estúdio Madalena e Terceiro Nome, 60 páginas, R$ 50 No auge da Guerra Fria, em 1985, Iatã Cannabrava, então com 23

Videofotopoesia, de Tadeu Jungle, Coleção Arte & Tecnologia Oi Futuro, 388 páginas, R$ 60

anos, foi à União Soviética participar

No fim de 2013, uma megaexposição no Oi Futuro

Democrática. Preferiu sair por Moscou

comemorou os 30 anos de carreira de Tadeu Jungle,

clicando cenas do cotidiano. Trinta

multiartista que usa irreverentemente videoarte,

anos depois, um mergulho no baú

performance, Arte-Correio, grafite, fotografia e poesia

gerou a seleção de imagens (acima,

visual. Agora a instituição lança um livro bilíngue (à direita)

foto sem título), que mostram um

que faz a síntese da exposição e, assim, da carreira do artista.

povo mais alegre que o esperado.

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dez/jan 2015

do Encontro Mundial da Juventude

fOTOS: cortesia das editoras e dos artistas


Laura Vinci Full Half Hour IV vidro soprado, areia e latão Medidas variáveis Ed. de 10

EDIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Seg a Sex, 10 ~ 19h Sab 11 ~ 15h

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design M i am i

RELAÇÕES INTERNACIONAIS Ornare - nova coleção, Miami Design District 4040 NE 2nd Avenue Suite 103, Miami 34

Além de seus oito endereços no Brasil, a Ornare tem showrooms em Dallas e Miami. Por esta, a rede de design faz a ponte com arquitetos brasileiros na costa norte-americana, levando-os para a Art Basel Miami, que acontece entre 4 e 7 de dezembro, e a Design Miami, realizada paralelamente. Com isso, atrai

S Ã O PA U LO

público para sua coleção, lançada simultaneamente

COM AS PRÓPRIAS MÃOS

aos eventos. As novas peças são desenhadas por

Etel, Al. Gabriel Monteiro da Silva, 1.834, São Paulo e Rimowa, Rua Vitório Fasano, 37, São Paulo www.rimowashop.com.br

Patricia Anastassiadis, Marcelo Rosenbaum, Guto

Símbolos do design no Brasil e no exterior, os móveis

sob a direção de arte de Ricardo Bello Dias.

Índio da Costa, Ruy Ohtake (abaixo, estante da linha Entre Parênteses), Zanini e Estudio Ornare,

da Etel e as malas da alemã Rimowa não seriam nada sem seus fundadores, que criaram produtos únicos e viraram referência em seus segmentos. Etel Carmona tornou-se designer por sua pesquisa com restauro de movelaria em madeira (acima, banquetas Suchus, de sua autoria, para a nova coleção), matéria-prima que elevou a um nível tal que ela designa como joia. Criando peças de acento modernista, abriu sua primeira fábrica em 1988. Hoje conta com a colaboração de nomes estelares do design, como Claudia Moreira Salles, Isay Weinfeld e Jorge Zalszupin. Além de seu showroom em São Paulo, tem representações no Rio, BH, NY, LA, Londres, Toronto e Lisboa. A substituição da madeira por alumínio, em 1937, por Richard Morszeck (filho do fundador Paul Morszeck), deu fama internacional à Rimowa (abaixo, modelo

S Ã O PA U LO

Bossa Nova), fabricante de malas desde 1898. Em

CLÁSSICO CONTEMPORÂNEO

1976, Dieter Morszeck criou a versão impermeável, para levar equipamentos de foto e filmagem. Desde então, a grife é sinônimo de funcionalidade e leveza, aliadas aos frisos que são sua marca.

Perrier-Jouet Belle Époque Rosé by Vik Muniz, edição limitada (240 unidades), R$ 1.650 A safra 2005 do champagne Perrier-Jouet Belle Époque Rosé surpreendeu tanto no sabor que ganhou comemoração à altura: Vik Muniz foi convidado a fazer uma intervenção na garrafa. Ela ganhou o aplique de um beija-flor (à direita), que casou perfeitamente com a pintura de flores, dando a impressão de estar em pleno voo, sorvendo néctar. Desde que foi desenhada à mão pelo vitralista art nouveau Emile Gallé, a garrafa do Perrier-Jouet Belle Époque só havia sido modificada uma única vez, há dois anos, em sua versão tradicional, pelo top floricultor japonês Makoto Azuma.

SELECT.ART.BR

DEZ/JAN 2015

fotos: de cima para baixo, FOTOS: DE CIMA PARA BAIXO, cortesia etel, ruy teixeira/ornare, cortesia rimowa (esquerda) e cortesia perrier-jouet (direita)



co lu n a m ó v e l

O que há por trás do Ocupe Estelita? Diego Inglez de Souza

Ocupe Estelita é um dos mais consistentes e ino-

vadores movimentos sociais que atuam na luta pelo direito à cidade no Brasil, para além da massa crítica, da tarifa zero e do passe livre, envolvendo a classe média, universidades e a população para pensar alternativas para o projeto de transformar o que resta dos armazéns do Cais José Estelita, no Recife, em uma dúzia de torres de apartamentos de alto padrão. A reivindicação parece tão justa quanto simples: criar canais de participação popular nas dinâmicas de construção da cidade, usualmente monopolizadas pelas grandes construtoras, por vezes associadas ao poder público por meio de convenientes derrogações e artimanhas. Ao promover a presença física com acampamentos inspirados nos movimentos “Occupy” estrangeiros, trazendo vida e atividades para esse particular pedaço do Centro da cidade, essas ocupações efêmeras, organizadas a partir de 2012 para impedir as demolições dos galpões, sorrateiramente iniciadas durante uma madrugada em 2014, acabaram por construir situações ímpares de encontro entre os poucos e empobrecidos habitantes permanentes dessas plagas e os novos ocupantes efêmeros que organizaram aulas abertas, debates, oficinas e dinâmicas relacionais entre todos em espaços residuais pouco presentes no cotidiano da cidade, esporadicamente invadidos por uma multidão no carnaval, durante o Galo da Madrugada. A produção crítica nos mais diversos campos acerca da inviabilidade desse “Novo” Recife, hoje disponível online por meio da plataforma Direitos Urbanos, impressiona pela consistência, produzida por diversos professores, ativistas e intelectuais envolvidos com o urbanismo em seu mais amplo sentido. O exemplo concreto mais evidente do modelo de construção que o movimento repudia está perto dali: as famigeradas “Torres Gêmeas”, abruptamente erguidas em um processo cheio de irregularidades e passagens nebulosas. SELECT.ART.BR

dez/jan 2015

Ocupe Estelita mostra que a manguetown dos anos 1990, hoje Hellcife, ainda é o epicentro de uma produção cultural múltipla, que irradia expressões significativas não só para a Região Nordeste, mas para o País e o mundo

Há outras como novos espigões no entorno da Rua da Aurora, além dos diversos projetos para a outrora favela de Brasília Teimosa, a outra margem do estuário que banha o Cais José Estelita, onde há também uma torre empresarial prismática revestida de vidro e alumínio. Todos esses novos “empreendimentos” são símbolos da força do “setor” da construção civil na capital pernambucana, que convive há décadas com uma crise habitacional crônica, que lhe valeu nos anos 1970 o apelido de Mucambópolis. A manguetown dos anos 1990, hoje Hellcife, continua sendo epicentro de uma produção cultural tão rica quanto múltipla, irradiando e acolhendo expressões significativas não só para a Região Nordeste, mas para o País e o mundo, lidando diariamente com as tensões e os conflitos urbanos presentes nas demais cidades brasileiras ali cristalizadas. Filmes recentes da mais nova geração de diretores pernambucanos, como O Som ao Redor (2012), de Kléber Mendonça, e Avenida Brasília Formosa (2010), de Gabriel Mascaro, nutrem-se precisamente desses embates que exprimem lutas de classe e visões de mundo dissonantes. São episódios de uma incrível saga dos homens-caranguejo contra os tubarões da especulação imobiliária, história que opõe distintos projetos de cidade e leituras antagônicas da paisagem e do que seja o “patrimônio” histórico e natural, conflito que hoje atinge o centro geográfico e político, mobilizando questões fundiárias, econômicas e urbanísticas. No que há de dar? Certamente, em menos do que sonharam os ativistas e em mais do que gostariam os especuladores. Não resta dúvida de que a simpatia amealhada pelo movimento de ocupação ativa, circunstanciada e propositiva traz algo de novo e de utópico no panorama de uma das mais interessantes metrópoles brasileiras. Mais sobre o movimento em http://bit.ly/1xqxGWD Fotos: mídia ninja



fogo cruzado

Por que viver

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no Nordeste? MÁRION STRECKER

Ninguém escolhe onde nasce, mas pode escolher onde vive. Ainda mais se forem artistas com projeção internacional, pesquisadores com formação no exterior e curadores requisitados. A dureza, a riqueza, as contradições e as dificuldades da região desafiam a mente e estimulam a criatividade de profissionais, como se verá nesta enquete feita por seLecT

Jonathas de Andrade Artista, trabalha com instalações, vídeos e fotopesquisa. Vive no Recife, Pernambuco

Nasci em Maceió e tenho relação forte com o jeito com que as pessoas, o pensamento e as relações se movem aqui. Escolhi Recife para morar há 12 anos porque é uma cidade caótica, densa culturalmente, desafiadora. A memória transborda por todos os lados, mas nem sempre é reconhecida como tal. Muitas vezes a ruína e o esquecimento são os melhores cenários para a sua preservação, pois muito frequentemente são alvo do governo, há um bom tempo aliado às construtoras, pilhando a cidade para a construção de uma cidade elitista, higienizada, segregadora. Tudo que não for carnaval, maracatu e a cultura popular – cartão-postal da região – fica fora de um espectro de reconhecimento oficial e acaba marginalizado, podendo não resistir a essa higienização. É um terreno duro, mas muito rico e cheio de contradições. Meus projetos têm respondido a esse contexto e por isso tem feito sentido estar aqui. SELECT.ART.BR

dez/jan 2015

foto: esdras bezerra de andrade



fogo cruzado

Moacir dos Anjos 40

Curador de artes visuais e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco. Vive no Recife, Pernambuco

Menos do que viver no Nordeste do Brasil, vivo numa cidade, Recife. Mas ao mesmo tempo vivo além da região. Como viajo bastante a trabalho, costumo pensar que vivo em vários pedaços de cidades, situadas em várias partes do mundo e articuladas por uma geografia do afeto. Mas é a partir do Recife que faço as articulações entre elas. É com o sotaque daqui que pronuncio seus nomes e os invoco. É claro que poderia ser outro esse ponto de ancoragem, e mudar-me “de vez” para outra região, para outra cidade. Convites sedutores vez por outra desorganizam o meu sentido de orientação e pertencimento. Mas há razões para manter-me no Recife, algumas de ordem pessoal, outras ancoradas na convicção de que, para além de ser sempre possível “mudar de cidade”, é preciso também entregar-se à tarefa de “mudar a cidade” em que se vive. Se até que o mundo acabe ou somente por mais algum tempo, não sei dizer. E acho que não me interessa tanto saber.

Jarbas Jácome

André Lemos

Músico, artista eletrônico e professor da UFRB. Vive em Cachoeira, Bahia

Pesquisador de mídia digital e professor da UFBA. Vive em Salvador, Bahia

Porque é no Nordeste que fica a Bahia, e é na Bahia que fica o Recôncavo. O Recôncavo expõe as feridas não cicatrizadas de nossa colonização. Quem estiver a fim e tiver condições mínimas de lutar e encarar esse problema de frente será muito bem-vindo nesta terra. É como me sinto aqui, muito bem-vindo.

Boa pergunta. Nunca decidi de fato. Nasci no Rio, de pais baianos. Foram eles que me trouxeram para Salvador. Voltei ao Rio na segunda metade da década de 1980 para estudar, mas retornei pela comodidade do trabalho e pelo amor. Depois, no começo dos anos 1990, fui para Paris e voltei pelo convite para lecionar na universidade. Nunca optei exatamente, fui levado sempre. Nunca fui exatamente o senhor da ação. Será que somos em algum momento? Portanto, nunca decidi exatamente viver no Nordeste. Aliás, nunca pensei em “Nordeste”. Essas escalas são incompreensíveis e completamente artificiosas. Só há o lugar construído pouco a pouco. Não há Nordeste para mim.

José rufino Artista visual. Vive em João Pessoa, Paraíba

Porque faz parte do meu trabalho, de uma decisão política e de uma poética que pede doses de isolamento geográfico dos polos hegemônicos do sistema da arte. No ateliê, crio meu centro irradiador e me mantenho circundado por campos de silêncio. O Nordeste é um lugar fértil para cultivar processos com especificidades, mistérios, estranhezas. Porém, como não há muros, posso escutar parte das vozes vindas das bordas e, vez por outra, enviar meus emissários (obras) ansiosos por burburinhos. SELECT.ART.BR

dez/jan 2015

fotos: À DIR, ACIMA, divulgação; à esq. acima, divulgação; à esq abaixo, Adriano Franco e à dir. abaixo, Mari Fiorelli



mundo codificado

M A T R I Z E S N o r d estinas d o P E N S A M E N T O b rasi l eir o cr i st iana tejo

Quem são os intelectuais, artistas, movimentos e invenções que conferem ao País inteiro sua nordestinidade

Glauber Rocha

clarice lispector

Pai do Cinema Novo, com uma câmera na mão e muitas ideias na cabeça, mostrou que a Revolução é uma “Eztetyka”.

A escritora considerava-se pernambucana, pois aprendeu a ler e a escrever no Recife, cidade onde viveu até os 15 anos. Sempre relatava a influência que sofreu do entorno no qual cresceu.

gilberto freYre

vicente do rego monteiro

jomard muniz de brito

mário pedrosa

Pernambucano que não apenas participou da Semana de Arte de 22, como foi o único artista brasileiro a realmente ter reconhecimento nos ciclos modernistas de Paris.

Filósofo, agitador cultural, escritor e performer, foi, juntamente com Celso Marconi, a liderança na escrita do Manifesto Tropicalista, assinado por Caetano Veloso e Gilberto Gil.

Considerado um dos mais influentes críticos de arte do Brasil, nasceu em Timbaúba (PE) e foi grande mentor de vários artistas, entre eles o grupo Neoconcreto.

O sociólogo converteu a nossa mestiçagem num aspecto positivo em sua interpretação do Brasil e buscou fundamentar uma ciência social a partir dos trópicos, a Tropicologia.

cobogó

joão cabral de melo neto

manifesto tropicalista

movimento armorial

Elemento construtivo vazado, idealizado por três engenheiros que trabalharam no Recife no início do século 20. Seu nome deriva das iniciais de seus sobrenomes: Coimbra, Boeckmann e Góis.

Poeta pernambucano, autor de O Cão Sem Plumas (1950) e Morte e Vida Severina (1966). Da infância em engenhos de açúcar à carreira diplomática, foi um interlocutor da vida do homem do interior do Brasil para o mundo.

Movimento de ruptura musical que influenciou outras áreas culturais, gerado entre Salvador e Recife, com artistas de vários estados do Nordeste.

Ação que valorizava a cultura popular do Nordeste, ressaltando seu aspecto erudito. Um dos fundadores foi o escritor Ariano Suassuna, sendo Gilvan Samico seu representante nas artes plásticas.


mario scheNberg

manifesto regionalista

poema processo

paulo freire

Físico de renome internacional, o pernambucano foi também um influente crítico de arte, tendo atuado na polêmica Bienal do Boicote (1969).

O manifesto foi uma reação ao Manifesto Modernista. Para Gilberto Freyre, o Brasil deveria conciliar a visão do futuro com as tradições regionais do País.

Movimento liderado pelos poetas Álvaro de Sá, Neide Sá, Moacy Cirne e Wlademir DiasPino, buscava o desmonte nas formas estabelecidas de criação de um poema.

O educador pernambucano influenciou a pedagogia mundial com seu método de ensino não tecnicista e alienante que contribuísse para que o educando lesse não apenas textos, mas o mundo.

manuel bandeira

nelson rodrigues

câmara cascudo

ferreira gullar

Um dos grandes nomes da literatura modernista brasileira. Seu poema Os Sapos abriu a Semana de Arte Moderna de 22.

O mais influente dramaturgo nasceu no Recife e destacouse ainda no jornalismo e na crônica esportiva.

Historiador e antropólogo potiguar, foi um grande pesquisador das manifestações culturais brasileiras, tendo legado diversas obras importantes, como o Dicionário do Folclore Brasileiro.

Autor do artigo Poesia Concreta: Experiência Fenomenológica, como resposta ao grupo concretista de São Paulo. Escreveu o Manifesto Neo-Concreto e a Teoria do Não Objeto.

aloísio magalhães

artur bispo do rosário

cícero dias

lina bo bardi

Nascido em Sergipe, utilizou seus conhecimentos adquiridos com as bordadeiras locais para levar adiante sua tarefa de reproduzir o mundo que seria salvo após o Apocalipse.

Artista modernista que se radicou em Paris. A pintura Eu Vi o Mundo, Ele Começava no Recife evidencia seu compromisso em elevar o local ao internacional.

Conhecer o Nordeste impactou a obra e o pensamento de Lina, que passou a investigar os objetos vernaculares produzidos pelos artesãos da região. Foi a primeira diretora do MAM-BA.

exposição escola de paris

movimento de cultura popular

o gráfico amador

roberto burle marx

Em 1930, obras de Picasso, Vlaminck, Braque, Miró, Gris e Leger itineraram pelo Brasil pela primeira vez. A mostra, trazida por Vicente do Rego Monteiro, iniciou-se no Recife e percorreu Rio e SP.

Ação comunitária de educação popular capitaneada por intelectuais, artistas e universitários que tinha como propósito formar uma consciência política e social nos trabalhadores. Foi programa do governo Miguel Arraes.

Editora fundada por jovens intelectuais pernambucanos que fazia tiragens limitadas com forte preocupação estética. Seus experimentos estão nas origens da moderna tipografia brasileira.

O Nordeste foi território de experimentação para o ainda jovem paisagista Burle Marx, já nos anos 1930. Foram cerca de 124 projetos em cidades como Recife, Fortaleza, Salvador e Teresina.

Um dos mais importantes designers gráficos brasileiros do século 20. Pioneiro na introdução do design moderno no Brasil, ajudou também a fundar a primeira escola do gênero no País, a Esdi.

ilustração: equipe select a partir de fragmentos da obra sem título, s.d., de emmanuel nassar


Arquitetura

Modernismos do Nordeste brasileiro e da URSS revelam uma história da cultura que não cabe nos clichês das relações entre centro e periferia

44

Margem Leste Nenhum ponto cardeal tem a magnitude

do Leste. É lá que o Sol nasce no equinócio e é isso o que o constitui como Levante, Nascente e Oriente. Ideias de insurreição, emergência e manifestação se confundem com sua expressão geográfica e cultural. Não por acaso, a maior parte das religiões reza olhando para o Oriente. Era comum entre povos antigos a crença de que o berço da humanidade ficava nesse lado do mundo. Muitos milhares de milhões de anos foram necessários para que o Leste adquirisse outras dimensões simbólicas. Durante a Guerra Fria, que dominou o mundo dos anos 1950 ao início dos 90 por meio do confronto entre as superpotências URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) e Estados Unidos, tornou-se o território difuso do Leste comunista.

Curiosamente, foi a partir da consolidação da “Cortina de Ferro”, logo após a morte de Stalin (1953), que se propagou uma das ondas criativas mais interessantes da arquitetura modernista. A “Cortina” designava o bloco de países do Leste Europeu e marcava seu isolamento político, econômico e cultural em relação ao Ocidente. Hoje, percebe-se que um dos principais frutos desse

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dez/jan 2015

Giselle Beiguelman


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Retiro dos Escritores da Armênia, projeto do arquiteto Gevorg Kochar, construído entre 1965 e 1969, em cartaz até dezembro em Uma Modernidade Paralela no Centro Cultural São Paulo

Foto: Arquivo Nacional da Armênia


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isolamento é a ignorância que temos da sua história. Entre os anos 1950 e 70, a expansão do espaço urbanizado nas antigas repúblicas soviéticas deu vazão a um modernismo que cruzava as projeções de utopias ainda não frustradas que visavam a invenção de um futuro sem precedentes históricos, enfatizando o arrebatamento técnico, a subversão estética, as grandes escalas e, dos anos 1970 em diante, a circulação massiva. É iluminando esse capítulo desconhecido para nós da história da arquitetura mundial e colocando em questão os parâmetros da historiografia europeia sobre o modernismo em particular que trabalha a exposição Uma Modernidade Paralela, em cartaz no Centro Cultural São Paulo até 21 de dezembro. Com curadoria de Georg Schöllhammer e Ruben Arevshatyan Yerevan, a mostra está na sua terceira montagem, tendo já sido apresentada em Istambul e na última Bienal de Arquitetura de Veneza (Pavilhão da Armênia). Obras como o Retiro dos Escritores da Armênia e seu incrível terraço com vista para o mar, de autoria do arquiteto Gevorg Kochar, mais próximo de um disco voador que broSELECT.ART.BR

dez/jan 2015

tou das rochas, construído entre 1965 e 1969, ou o alucinado projeto do Café Zhemchuzhina, em Baku, no Azerbaijão, uma espécie de tenda de concreto construída também nos anos 1960, dão o tom da exposição e de uma arquitetura que ignoramos. Do fim dos anos 1970 em diante, esse panorama inquietante vai sendo domesticado, em resposta ao tipo de ocidentalização promovida por Brejnev e suas políticas de industrialização. No plano urbanístico, essas políticas resultaram em projetos megalomaníacos e monótonos para 100 mil pessoas ou mais, e de criação de monumentos para preencher o espaço público com referências soviéticas. Tudo, rapidamente, distanciava-se da radicalidade de projetos como o Ministério das Estradas de George Chakhava (1975), marco do que o modernismo soviético almejou e realizou em seus momentos mais contundentes. Interessante notar que um dos nossos arquitetos mais inovadores, João Filgueiras, o Lelé, estudou no Leste Europeu e foi responsável por um visonário projeto de passarelas e sistema de bondes que marca até hoje a paisagem urbana de Salvador.

Ministério dos Transportes da Geórgia. Construído em Tbilisi nos anos 1970, é uma das últimas e mais radicais obras soviéticas, Está hoje abandonado, como outros edifícios monumentais da época


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Um dos traços marcantes da arquitetura modernista do Leste Europeu é o seu flerte com o imaginário da ficção científica. Abaixo, edifício polonês dos anos 1950. Ao lado, projeto de residências móveis russas dos anos 1980

Fotos: Divulgação


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Cobogós e orixás

As primeiras obras modernas são implantadas no Recife nos anos 1930. Em sua maioria, dizem as pesquisadoras Sonia Marques e Guilah Naslavsky, autoras de um estudo sobre o tema, “eram obras públicas de cunho social, para atenuar as carências infra-estruturais de educação, abastecimento, saúde e lazer”. Elas destacam, entre esses projetos, o pioneirismo e a presença de Luis Nunes (1909-1939), responsável, entre muitos outros, por obras como a Usina Higienizadora de Leite (1934), o Reservatório de Água de Olinda (1936) e o Pavilhão de Verificação de Óbitos da Faculdade de Medicina (1937). Nesses projetos nota-se a capacidade de incorporação da linguagem modernista europeia em diálogo com uma sintaxe muito particular, fazendo uso da refrigeração por cobogós, invenção arquitetônica também pernambucana, lembre-se. Essa combinação entre elementos locais e internacionais não

implica um suposto endosso de uma escola regionalista para Marques e Naslavsky. Ao contrário, aponta para a complexidade de uma revisão historiográfica que começa agora a ser feita para dar conta da compreensão de modernidades que não cabem em clichês de centro e periferia, ou de relações entre vanguarda e seguidores. Nesse contexto, tornam-se legíveis processos, como as particularidades da Bahia, por exemplo, que não se explicam pelas grandes linhas mestras genéricas de um Brasil bossa nova pré-Brasília. Ali, as contaminações entre arte, arquitetura e política educacional criaram um conjunto de obras implantadas entre os anos 1940 e 50 que se confunde com a história cultural do estado. O professor da UFBA Nivaldo Vieira de Andrade Junior, que dedicou ao tema um longo doutorado, mostrou, nesse sentido, a relevância dos projetos concebidos por O Reservatório de Água de Olinda (1936), projeto de Luis Nunes, um dos primeiros edifícios modernistas do País

Foto: Carlos lemos/ arquigrafia

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Diógenes Rebouças à frente do Escritório do Plano de Urbanismo da Cidade do Salvador (Epucs), para concretizar as escolas integradas idealizadas pelo educador Anísio Teixeira. Nesse período, entre os anos 1940 e 50, são projetadas na Bahia obras como a Escola-Parque, o Hotel Bahia (atualmente Sheraton de Salvador), a Usina de Paulo Afonso, o Teatro Castro Alves e o Estádio da Fonte Nova. Todas essas obras emulam, como assinala Andrade, uma série de princípios gerais da arquitetura modernista herdeira de Le Corbusier, como seu fascínio pelos aviões, patente nas linhas do Hotel Bahia, o uso das rampas e o desenho construtivo voltado para a continuidade espacial. Mas a interpenetração com as artes é um elemento particular, especialmente quando não adquire função decorativa ou de adorno, seja pela contun-

dência simbólica, ou pela força como uma espécie de antecipação do design contemporâneo. Dois exemplos, coincidentemente, assinados por Carybé aqui bastam. As grades em volta do Largo do Campo Grande, muito semelhantes, aliás, às do Hotel Bahia, e os painéis de madeira feitos para a sede do antigo Banco do Nordeste. Atualmente no Museu Afro-Brasileiro da UFBA (Mafro), os painéis têm 2 x 3 metros de altura e, como diz irônica e sabiamente o artista e curador Ayrson Heráclito, “são a nossa Capela Sistina!” Ainda que expostos em condições que não fazem jus à sua grandeza, são uma das chaves de leitura desse modernismo alternativo e de suas temporalidades plurais. Veja na Select iPad uma galeria de imagens dos orixás de Carybé que atualmente fazem parte do acervo do museu

Os painéis de madeira de Carybé foram criados especialmente para a sede do antigo Banco do Nordeste. Hoje no acervo do Museu Afro-Brasileiro, medem 2 x 3 metros e retratam todos os orixás SELECT.ART.BR

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Fotos: Alfredo mascarenhas



Fala RENATO cYMBALISTA

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A exposição Uma Modernidade Paralela serviu de “canteiro” didático para o arquiteto e professor da FAU-USP, Renato Cymbalista. A partir de uma série de visitas, sua classe executou uma nova legendagem para a mostra em cartaz no Centro Cultural São Paulo. O processo valeu uma reabertura da mostra, que ganha, assim, montagem inédita. Em entrevista à seLecT, Cymbalista fala sobre as relações entre o modernismo soviético e o brasileiro.

É possível dizer que há uma certa semelhança estética e “retórica” na arquitetura exposta em Uma Modernidade Paralela, em obras como a FAU, em São Paulo, e a Escola Parque de Salvador? Por quê? Renato Cymbalista: Um dos mitos que a exposição derruba é o de a arquitetura soviética equivaler a padronização e homogeneização. Na verdade, a arquitetura soviética pós-stalinista foi muito variada e diversificada, foram possíveis experimentações de várias ordens, houve a ressignificação de linguagens tradicionais. Mas é possível, sim, identificar relações entre a versão brasileira do modernismo brutalista e algumas das vertentes da arquitetura soviética do pós-Segunda Guerra Mundial. A valorização dos elementos pré-fabricados e a busca pela industrialização da construção são dois elementos muito presentes, isso se verifica no Brasil e também na URSS. Muitos dos arquitetos modernistas brasileiros eram também comunistas ou simpatizantes. É o caso do Villanova Artigas, do Lelé (João da Gama Filgueiras) e do próprio Niemeyer. Todos esses arquitetos visitaram a União Soviética, conheciam essa arquitetura. Todos eles depositavam no Estado as expectativas de viabilização da produção arquitetônica sofisticada que eles queriam produzir, e essa é outra semelhança.

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O que há de mais parecido entre a arquitetura soviética dos anos 1950/1970 e a brasileira? Não há só uma arquitetura soviética, assim como não há só uma arquitetura brasileira nesse período. O que é interessante são interfaces entre correntes de produção arquitetônica que buscavam as mesmas coisas. A pré-fabricação era uma das obsessões de Lelé, e aparece por todos os lados na URSS como resposta à necessidade de produção massiva de habitação. A busca de continuidade dos pressupostos do modernismo europeu pré-Segunda Guerra Mundial aparece na escola paulista de arquitetura e também no trabalho de arquitetos que são nossos desconhecidos (mas são celebridades do lado de lá), como Eduard Bilski, da Ucrânia, ou Ivan Bovt, de Minsk, na Bielorrússia. O que há de mais diferente entre elas? Na URSS, entre os anos 1950 e 1990, praticamente inexiste a noção de cliente privado do arquiteto. Todos trabalham para o Estado, ou para o partido, que são os vocalizadores das demandas da sociedade para os arquitetos. Isso não significa que os consumidores finais da arquitetura foram anulados em todas as situações, mas que o Estado aparece como o grande mediador, de forma muito mais onipresente que no Brasil.

Foto: divulgação


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t e c n o lo g i a

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Da lama à teoria do caos Porto Digital, no Recife, mescla preser vação arquitetônica com fomento à criatividade tecnológica Giselle Beiguelman

f o t o s b á r b a r a wag n e r

No início dos anos 1990, o Manguebit de Chico Science, Nação Zumbi

e Mundo Livre S/A marcou a cena musical, reinventando Recife na paisagem cultural brasileira. Combinando ritmos regionais com hip-hop, funk, música eletrônica e os primórdios da cultura digital, um bando de vorazes “caranguejos com cérebro” – título do manifesto assinado por um de seus pioneiros, Fred Zero Quatro – apostava na emergência como potencial inequívoco do ecossistema da cidade. Tempos mais tarde, no ano 2000, essa hipótese seria revisitada no projeto do Porto Digital. Congregando recursos públicos, privados e laços com universidades, o Porto Digital ocupa o Bairro do Recife e, desde 2011, com seu novo braço, o Porto Mídia, também o bairro de Santo Amaro. Enquanto o primeiro concentra as áreas de Tecnologia da Informação, o segundo está voltado para as indústrias criativas (como games e design). A combinação entre tecnologias de ponta e ações de recuperação de patrimônio arquitetônico é o grande diferencial do projeto. Via de regra, ações urbanísticas relacionadas à TI culminam em torres espelhadas de gosto duvidoso. Já as relacionadas ao patrimônio histórico tendem ao uso em formato de centros culturais. O resultado desse processo, ainda em curso, foi um complexo de 200 empresas, agora expandido no Porto Mídia com laboratórios de impressão 3D e pós-produção cinematográfica. Esse conjunto constitui um dos polos de criatividade mais interessantes da atua­ lidade. Em torno dele gravita um incalculável capital humano de massa crítica, não vinculado integralmente ao Porto, mas que aponta, a partir dele ou de sua crítica, possibilidades de apropriação construtiva e coletiva das mídias e das tecnologias. seLecT conversou com alguns personagens desse caldeirão atômico que faz a alquimia da lama à teoria do caos.

Acima, prédio histórico no centro do Recife, onde fica o Porto Digital. Ao lado, Silvio Meira, um dos idealizadores do projeto

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O f unda dor S i lv i o M e i r a , E n g e n h e i r o e c i e n t i s ta d a c o m p u ta ç ã o

Eu fui um dos caras que estavam lá na concepção do que hoje é o Porto Digital, mas minha ideia inicial era a de um cluster de tecnologia ao redor da Universidade Federal de Pernambuco. Quem nos convenceu da ida para o Centro, dos desafios e oportunidades que havia para ocupar, renovar e reviver o Centro do Recife, na ilha onde a cidade foi fundada e que estava, na época, em estado de grave desmantelamento urbano foi Cláudio Marinho, secretário de Ciência e Tecnologia de Pernambuco naquele tempo. Cláudio é um pensador, humanista e um grande urbanista e já enxergava, lá atrás, coisas que nós só conseguimos ver muito tempo depois. Antes do Porto Digital, o Bairro do Recife, que foi onde começamos o esforço de “reinvadir” o Centro da cidade, à revelia do governo municipal à época, estava a caminho de se tornar algo parecido com o que se chama, pejorativamente, de “Cracolândia” paulista. Quase todas as características já estavam no lugar. Nós chegamos como uma espécie de guerrilha urbana não violenta, tentando articular todos os atores, literalmente todos, para ver se era possível retomar o Recife Antigo para a cidade, para a cidadania... e, sim, era possível. Hoje o Recife Antigo é palco das principais experiências de renovação, informatização, mudança de modelos de negócios da cidade e aponta para o futuro, em vez de ser apenas uma triste memória do passado. Eu aprendi muito com tudo o que aconteceu até aqui... Se minha ideia original tivesse ido em frente, o que hoje é o Porto Digital seriam alguns arranha-céus gigantes ao lado do campus da UFPE. Torres de aço, vidro, elevadores, heliportos... ainda bem que alguém me disse que havia uma forma muito mais urbana, bem mais humana e equilibrada de fazer quase a mesma coisa, de uma maneira muito mais dinâmica e com um potencial de impacto bem maior para a cidade. Foi aí que tecnologia se encontrou com história, arquitetura, urbanismo, arte, e se deu o enredo que hoje a gente chama de Porto Digital. Ainda bem... ainda bem.

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O au todidata H . D . M a b u s e , d e s i g n e r d o C . E . S . A . R ( u m c e n t r o p r i va d o d e i n o va ç ã o)

Ser artista, designer, ativista e pioneiro da era do manguebit que foi parar no Porto Digital, trabalhando num de seus polos de pesquisa mais importantes – o C.E.S.A.R – sem ter nenhuma formação acadêmica, nem técnica, não é a cara do Porto Digital, mas uma característica do Recife! Em grande escala esse fenômeno acontece desde os anos 1990, mas não exclusivamente. Na nossa história temos nomes como Daniel Santiago, Aloisio Magalhães e Paulo Bruscky, entre outros, que sempre flertaram com a produção artística híbrida. Hoje, essa diversidade é o DNA do C.E.S.A.R. O mais gratificante desse processo é perceber a mudança de uma imagem da cidade e a possibilidade de com isso gerar projetos como o N.A.V.E, de ensinar cultura digital por meio da produção de games, formando jovens. E hoje eles estão trabalhando com a gente, lado a lado... Acreditava que haveria um barateamento induzido dos imóveis e um “desinvestimento” nos automóveis. Isso nunca aconteceu. Mas essa relação entre cultura de ponta (tecnologia) e história (patrimônio arquitetônico) é uma matéria-prima fantástica para escrever o futuro.


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a 2 a ger aç ão do p or to Maria Duda , coordenador a de projetos do porto mídia

O Porto Mídia é a área de ação mais nova do Porto Digital. Está funcionando há um ano. É uma OS (Organização Social) e todo o seu dinheiro é público (seja ele municipal, estadual ou federal). Suas bases são a capacitação técnica, o fomento aos novos negócios (por meio de uma incubadora no Porto Digital), o estímulo à experimentação (com salas de equipamentos de ponta a que as pessoas não teriam acesso) e espaço expositivo. Mas todas as atividades são fruto de políticas públicas. Ainda que estejamos definindo muitas coisas, os cursos seguem diretrizes que são dadas a partir de uma visão de políticas públicas orientadas para o melhor. Por exemplo, acabamos de trazer uma colorista superimportante, a Vanessa Taylor. Ela trabalhou no Harry Potter, no Grande Gatsby, é uma das mais destacadas da sua área, e veio dar um curso aqui por um preço que é 15% do que custaria em qualquer lugar do mundo. Enfim, é o critério do melhor, mas sempre relacionado ao fomento do mercado da economia criativa.

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N at ur a l men t e digi ta l F I l i p e C a l i g á r i o , D o u t o r a d o d o C e n t r o d e I n f o r m át i c a – U F PE

Espaços como o Porto Mídia são importantes para a formação de uma nova cultura de inovação, pois são locais de integração entre as tecnologias digitais e as teias criativas. É na interseção de onde saem as melhores ideias. Mas acredito que é preciso um certo nível de liberdade de experimentação. É preciso que o ambiente permita que aconteçam erros, ou até que encoraje os erros. É necessária uma atmosfera de geração, prototipação, maturação, combinação, transformação, descarte e desenvolvimento de ideias. A exigência de resultados imediatos talvez faça com que as ideias superficiais e lineares sejam escolhidas em primeiro lugar e ideias mais poderosas, mas que não têm uma aplicação direta no mercado, sejam deixadas de lado. Existe a necessidade de uma meiqueofagia, uma deglutição do movimento maker, inspirada na Gambiologia, que tem o intuito de criar uma identidade local, combinando (e confrontando) o certinho e o perfeito com a imperfeição, a praticidade e a estética da gambiarra. A ideia é de não esperar para fazer. É descobrir fazendo, tentando e errando.

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portfólio

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Marepe Fusionismo baiano Pa u l a A l z u g a r ay

Miscigenações do Recôncavo embebem o “ismo” criado pelo próprio artista

Berço do samba-de-roda e da capo-

eira, destino maior da diáspora africana, o Recôncavo Baiano é a fonte criativa de Marepe. Natural de Santo Antônio de Jesus, conhecida pela melhor Festa de São João da Bahia, polo de comércio e geração de serviços, Marcos Reis Peixoto obtém da terra que ainda hoje habita, do convívio com seus habitantes, vizinhos e familiares, o extrato de sua atividade artística. Do vigor comercial da cidade, Marepe talhou uma estética da feira, do mercado, da vida ambulante. Tudo o que está à venda nas lojas de Santo Antônio pode ter sua função pervertida, reorientada e virar trabalho. Assadeiras, bacias, carrinhos de obra, todo e qualquer tipo de utilitário doméstico e matéria pré-fabricada são transformados em personagens de uma iconografia pessoal, quase fantástica. À direita, Museu, da série Instituições (2014), apresentada na 3 a Bienal da Bahia, composto de display com miniaturas de obras e objetos de fontes e naturezas diversas SELECT.ART.BR

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fotos: gillian villa


A instalação Notícias da Lagoa (2014) é uma alegoria do Brasil e ao mesmo tempo uma paisagem espacial, em homenagem a tela impressionista de Manet fotos: Cortesia galeria Max Hetzler / Galeria Luisa Strina



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Do vigor comercial de Santo Antônio de Jesus Marepe talhou sua estética. Todo e qualquer utilitário doméstico pode se tornar matéria-prima de uma iconografia fantástica

Sistema M (2013), instalação feita com mesas de passar roupa, ferros de passar e vassouras

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Como um escultor que extrai o excesso da matéria bruta até chegar na forma, Marepe diz que suas obras estão prontas, em cada um dos objetos apropriados do mundo, mas são invisíveis para as pessoas. “O excesso no meu trabalho é a poluição visual em que o objeto estava inserido. É preciso um olhar para recortá-lo”, diz Marepe à seLecT. Em cada objeto que escolhe recortar, ele identifica uma relação com um artista ou movimento da história da arte: a arte pop, Lygia Clark, a arte povera, conceitual, o cubismo. Exercitando, assim, seu lado curador e historiador, Marepe cria o seu próprio ismo, o “fusionismo”, embebido das miscigenações que historicamente compõem o Recôncavo. O impressionismo ganha citação em Notícias da Lagoa (2014), obra apresentada em individual na Galerie Max Hetzler, em Berlim, de setembro a outubro último. A instalação é uma releitura da pintura Impressão, Nascer do Sol (1872), de Claude Monet, obra inaugural do impressionismo, que emprestou seu título ao movimento e anunciou a reviravolta que a arte moderna produziria sobre a paisagem bucólica europeia. Traduzido por Marepe, esse momento de virada da arte ocidental torna-se uma alegoria do Brasil, em forma de paisagem artificial. A lagoa é composta de duas banheiras de fiberglass azul, encaixadas. A água – ou o caldo de cultura – é representada por

foto: Edouard Fraipont / Cortesia do artista / Galeria Luisa Strina

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um tecido impresso com notícias de jornal sobre a Copa do Mundo e a economia brasileira. O pêndulo amarelo que recai sobre a banheira representa o sol. O mesmo ímpeto de agitação e desestruturação de certezas está presente em Renovação do Ar (2014), instalação produzida com exaustores e ventiladores de ar, numa reflexão do artista sobre as trocas e influências entre norte e sul, calor e frio, e em homenagem a Air de Paris (1919), de Marcel Duchamp. Duchamp é também presença indireta na série Instituições, recentemente apresentada na 3ª Bienal da Bahia. Definidas pelo artista como exercícios de montagem, as duas obras são instituições portáteis, como as malas e as caixas que circulavam com reproduções das obras de Duchamp. Compostos de estantes compactas, os displays de Marepe contêm um repertório variado – de brinquedos a miniaturas das próprias obras. São, portanto, sínteses de seu processo criativo. “Vejo nesses minidisplays uma possibilidade de ação social”, diz Marepe. “Eles podem ser montados em escolas ou em lugares com pouco espaço e funcionar como uma introdução às artes plásticas para jovens e estudantes.” Completa a série a obra A Casa do Colecionador, em processo de realização.

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No alto, A Coruja (2012), realizada com carrinhos de mão, pás e parafusos; acima, Renovação do Ar (2014), feito com exaustores e pneus, em referência à obra Air de Paris, de Duchamp

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fotos: Edouard Fraipont / Cortesia do artista / Galeria Luisa Strina


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curadoria

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Pensamento impresso Movimentos experimentais como o Poema/Processo e a Arte Correio interligaram o Nordeste com o mundo

Cristiana Tejo

A experimentação com novos meios e

a expansão do vocabulário artístico marcaram a produção da arte do Nordeste no século 20, fortalecendo-se a partir dos anos 1960. A rizomática e transnacional rede de Arte Correio, por exemplo, teve nessa região a maior participação de artistas do Brasil. O Poema/Processo, importante movimento de poesia de vanguarda brasileira, interligou o Rio de Janeiro com o Rio Grande do Norte, redefinindo conceitualmente o poema como um fenômeno que possibilita experimentar as muitas formas de linguagens, inclusive a visual. Esses e outros movimentos experimentais eram anticomerciais e antissistema e criaram sua própria forma de circulação, não baseada na parte institucionalizada da ecologia da arte. Ao usar o papel, por exemplo, um dos suportes mais desvalorizados, esses artistas apostavam em outra maneira de fazer e de pensar a arte. SELECT.ART.BR

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Mon t e z M agno (PE ) Montez transita entre várias linguagens, tais como a pintura, a ilustração, a poesia e a escultura, tendo como norte a experimentação formal e a expansão das questões da arte moderna. A arquitetura ocupa um lugar significativo em suas pesquisas, assim como a poesia visual.

NOTASSONS, Sonata Mobile (1976), de Montez Magno


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Da ilor Va rel a (RN) A poesia stricto sensu foi a grande formação de Dailor Varela, sendo João Cabral de Melo Neto sua primeira grande influência. O Poema/Processo propiciou uma virada em suas experimentações com a linguagem, passando a radicalizar tanto os signos verbais quanto os visuais. 70

Poema/Processo Porno-Gráfico (1969) de Dailor Varela

Unh a ndei ja r a L i sboa (PB) Unhandeijara pode ser considerado um multiartista. Sua atuação compreende uma dinâmica participação no movimento de Arte Correio, sendo o responsável pela capa da publicação Karimbada, e na aposta da xilogravura como uma maneira de fazer convergir tradição e experimentação.

Livro de Artista (1984) de Unhandeijara Lisboa SELECT.ART.BR

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Arte Correio Eu sou um Artista (anos 1970) de Leonhard Frank Duch

L eonh a rd Fr a nk Duch ( Al em a nh a / PE ) Alemão, mudou-se com a família inicialmente para São Paulo e estabeleceu-se no Recife, onde se formou em jornalismo. Integrou-se à fervilhante cena cultural de Pernambuco e foi um ativo membro da rede da Arte Correio. Seus trabalhos abordavam o sistema político e o próprio estatuto da arte num mundo em transição. Voltou a morar na Alemanha em 1994.


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Obra da série Mulher- Alfinete (1976) de Letícia Parente

L e t íci a Pa ren t e (BA ) Apesar de sua obra em vídeo ser a mais reconhecida, o desenho, o xerox e a Arte Correio também ocuparam papel de destaque no universo artístico de Letícia Parente. Devemos ressaltar a complexidade de seu pensamento – que perpassa ainda a química, sua área de formação, sendo autora do livro Bachelard e a Química – no ensino e na pesquisa. Costumava dizer que seu trabalho tinha uma dinâmica mais ramificada do que linear. SELECT.ART.BR

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Da niel S a n t i ago (PE ) Muito conhecido por sua atuação na Arte Correio e na dupla Bruscky & Santiago, Daniel construiu um corpo de trabalho que não se limita às contestações estéticas dos anos 1970. Foi designer gráfico e professor de arte. Sobressaem em suas obras a exploração poética do cotidiano, os questionamentos filosóficos sobre a solidão, a vida e a liberdade e a aliança com a literatura e o teatro.

Desenho da série Educação da Mão e da Vista (1962-1967) de Daniel Santiago

Fa lv e s Silva (PB) Falves conectou-se muito cedo com o sentimento de vanguarda que busca romper com paradigmas e forjar torções semânticas. Para ele, o Nordeste é um território que aponta para o futuro, um lugar profícuo para novos horizontes, talvez por estar longe demais das capitais. Além de participante do Poema/Processo, Falves também foi integrante da Arte Correio.

Poema Visual Liberdade (1982) de Falves Silva fotos: divulgação

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Coleção

O MECENAS DO CEARÁ

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L u c i a n a Pa r e j a N o r b i at o , d e F o r ta l e z a

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Dono de uma das dez maiores e melhores coleções particulares do País, Airton Queiroz dá continuidade à atuação do pai na divulgação da arte brasileira

Pastilhas (1981), de Waltércio Caldas, obra da coleção da Fundação Edson Queiroz

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O campus da Universidade de Fortaleza (Unifor),

instituição particular de ensino superior, é um oásis na capital cearense: em sua área arborizada abriga espécies variadas de plantas locais e orquídeas, além de animais silvestres que ali circulam livremente, de acordo com determinação do Ibama. “As emas chegam a roubar o lanche de alguns alunos, adoram pipoca”, diverte-se o vice-reitor da Unifor, Randal Martins Pompeu. Mas a “joia da coroa” não é do reino natural, e sim o acervo de pinturas e esculturas da Fundação Edson Queiroz. Instalada no prédio da reitoria, a coleção ocupa ostensivamente seus corredores e salas com um conjunto representativo da produção nacional, dos pré-modernistas aos contemporâneos. Nomes como os clássicos Pedro Américo e Benedito Calixto; os modernistas Candido Portinari, Tarsila do Amaral, Alfredo Volpi e Di Cavalcanti; os cearenses Antonio Bandeira, Sérvulo Esmeraldo e Raimundo Cela; os concretos e neoconcretos Hercules Barsotti, Lygia Clark, Lygia Pape e Hélio Oiticica; chegando a contemporâneos como Leonilson, Efraim Almeida, Vik Muniz e Adriana Varejão; além de uma breve incursão pelos estrangeiros que mapearam o Brasil, como Debret e Rugendas; compõem um percurso impressionante de obras que abrangem uma parcela respeitável da história da arte no Brasil. Como o nome entrega, foi o empresário Edson Queiroz (1925-1982) quem começou o acervo. Mais precisamente, sua viúva, dona Yolanda Queiroz, em meados dos anos 1960. Desde a morte do marido em um acidente aéreo da extinta Vasp, ainda hoje ela administra com os filhos o vasto grupo de empresas da família, que inclui as marcas de água mineral Minalba e Indaiá, uma distribuidora de gás atuante em vários estados (Nacional Gás), a Rede Verdes Mares (que inclui a TV afiliada da Rede Globo no Ceará, rádio e o jornal Diário do Nordeste) e uma empresa de exportação de castanha de caju, entre outros empreendimentos. Todos os seis filhos do casal Queiroz – Airton, Paula, Renata, Lenise, Edson e Maira – herdaram o gosto dos pais pelas artes, tendo cada um deles a sua coleção particular. Em especial o primogênito Airton, que começou muito cedo a compor seu acervo pessoal. “Comprei minha primeira obra no lugar de um Karmann Ghia (carro esporte), aos 16 anos”, conta Airton Queiroz. “Era um Antonio Bandeira”. De lá para cá, o atual chanceler da Fundação Edson Queiroz amealhou nada menos que dez óleos e 40 aquarelas do artista cearense, morto em 1967, aos 43 anos.

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De cima para baixo: Seresta (déc. 1930) de Di Cavalcanti; Figuras (s.d.), de Lasar Segall; e Construção Sobre Fundo Negro (1957), de Milton Dacosta

Quis eostrum as velibus dolupti anditatia vid uteCiasit, odis eos min coriorepro


“A arte é capaz de transpor qualquer distância, de romper qualquer barreira”, diz Airton Queiroz

Acima, Metaesquema (1957), de Hélio Oiticica; abaixo, Folha de Figo (2013), de Beatriz Milhazes

“Se estivesse vivo, Bandeira seria um dos artistas mais importantes do mundo.” Essa é apenas a ponta do iceberg. Seu acervo pessoal, de cerca de 800 obras, alastra-se pelas paredes, portas e até mesmo pelo teto do belíssimo casarão colonial em que mora, localizado no centro de Fortaleza. Chegou a quebrar o piso do espaço anexo à casa para fazer caber uma enorme tela de Beatriz Milhazes. Prataria sacra, tapeçaria e movelaria colonial também têm participação considerável no espólio – e na decoração, pois fazem parte da casa e são usadas pela família no dia a dia. “Com o tempo, a gente vai começando a gostar de arte de um jeito diferente”, reflete ele. Esse amadurecimento não fez com que reduzisse o ritmo de aquisições, pelo contrário. Hoje, sua coleção não se restringe à sua casa: já se espalha por sua fazenda, pelos escritórios e pelas moradias dos filhos, Edson e Patrícia. Herdeiros do amor pela arte, ambos se comprometeram com o pai: no futuro, a casa permanecerá intocada e será aberta à visitação, nos moldes de iniciativas como a Fundação Maria Luisa e Oscar Americano. Essa vontade de compartilhar as obras com o público se reflete na atuação de Airton junto à Fundação Edson Queiroz, que, além de incluir a coleção de, aproximadamente, 650 obras e o Espaço Cultural Unifor, tem uma escola de ensino fundamental gratuita para moradores das redondezas, entre outras atividades de cunho social. Partiu do chanceler a iniciativa de trazer crianças de outras cidades do estado para visitar o espaço expositivo nos 60 anos da Nacional Gás, do Grupo Edson Queiroz. “Com a educação, você consegue formar as pessoas, abrindo seus horizontes. E a viagem não foi uma experiência única só em relação à arte: havia criança ali que nunca tinha visto o mar.” Essa edição do projeto Caminhos da Arte teve participação de 10 mil alunos de escolas públicas dos 184 municípios do Ceará. Tudo pago (traslado, hospedagem e alimentação) pelo projeto. Visibilidade da coleção além fronteiras

As visitas distantes também aconteceram durante a exposição Trajetórias, comemorativa dos 40 anos da Fundação, de março a dezembro de 2013. Mas sua descontinuidade deve-se à falta de apoio do poder público, segundo Airton. “Já fui a outras cidades e estados oferecendo levar alguns ônibus e eles custeariam outros, mas ninguém quis. É uma iniciativa que, para ir adiante, precisava de muito mais que R$ 3 milhões”, diz, entregando o valor gasto para bancar a empreitada.

Fotos: cortesia fundação edson queiroz

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Uma estratégia recentemente adotada pelo empresário para difundir a coleção da Fundação além das fronteiras cearenses é realizar mostras em conjunto com outros acervos de ponta. É o caso de Abstrações, que investiga os elos abstracionistas entre a coleção local e a Coleção Roberto Marinho, em recorte do curador Lauro Cavalcanti, ex-Paço Imperial. Pelo conjunto exibido no Espaço Cultural Unifor até janeiro de 2015 nota-se que o grupo de trabalhos de posse da instituição cearense é tão vultoso quanto o de sua irmã carioca. O conjunto de 15 obras de Volpi expostas – metade do número total de Volpis na coleção cearense –, por exemplo, representa o ápice da produção de um dos maiores pintores nacionais. Depois de Fortaleza, a mostra segue para o Paço Imperial, no Rio. “Atualmente, estamos buscando exposições que possibilitem esses intercâmbios”, diz o vice-reitor Randal Martins Pompeu. Os planos para o futuro também passam pelo aprimoramento da sede da coleção, que hoje está abrigada de forma um tanto improvisada no edifício administrativo da Universidade. A reitoria será deslocada para outro prédio e o atual se tornará um imenso espaço cultural, aumentando em mais dois andares os atuais 1,2 mil metros quadrados expositivos, o que já não é pouco – a Grande Sala do Museu de Arte Moderna de São Paulo, por exemplo, tem cerca de mil metros quadrados. Essa mudança está prevista para 2015, ainda sem data definida. Permanecerá no prédio o acervo de arte e a recém-inaugurada Biblioteca Unifor Fundação Edson Queiroz – Sala Matarazzo, que abriga o conjunto completo de livros de Francisco Matarazzo Sobrinho, o Ciccillo. São cerca de 3 mil volumes raros, como livros com aquarelas originais, a exemplo de uma História Militar finamente ilustrada, e do Miserere, caixa com 58 litografias originais em grandes dimensões de autoria de Georges Rouault, expostas nos anos 1940 no MoMA (NY). Aberta ao público em geral, a biblioteca recebe consulentes por agendamento.

particular de fotos no Brasil. Para abrigar seu acervo, que começou a reunir em 2009, Frota deve construir em 2015 um espaço de estimados 2,5 mil metros quadrados na capital cearense, segundo anunciou em maio passado. Será o primeiro museu brasileiro destinado exclusivamente à fotografia. O filho de Frota, Rodrigo, segue de maneira diferente os passos do pai: é fotógrafo. A dedicação às artes da família Queiroz, em especial de Airton Queiroz, de Silvio Frota e de Igor Queiroz, filho de Maira, que desponta na terceira geração com uma coleção já digna de nota, aponta a vontade dos empresários em proporcionar formação artística na região. Esse caldo movimenta a cena local e aumenta a oferta de iniciativas públicas e privadas do gênero, como o Centro Dragão do Mar, a Caixa Cultural e o Centro Cultural Banco do Nordeste. Mas nem só da cena regional vivem os colecionadores cearenses: nos últimos anos, dentro das duas maiores feiras de arte do Brasil, SP-Arte e ArtRio, Airton doou dez obras a instituições como MAM-SP, MAR e Masp pela Fundação Edson Queiroz. Para ele, “a arte é capaz de transpor qualquer distância, de romper qualquer barreira”.

A maior coleção de fotografia

Outro membro da família Queiroz que pretende criar um museu para chamar de seu é o cunhado de Airton, Silvio Frota, casado com Paula. Sua paixão é a fotografia, técnica da qual possui cerca de 2 mil obras. Entre as raridades estão uma seleção de imagens do regime militar (cujo recorte a seLecT publicou em seu número 17) e a série do cangaço completa, clicada por Benjamin Abrahão, em meados dos anos 1930. Isso o torna o maior colecionador

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Amazonino (déc. 1990), de Lygia Pape

Fotos: cortesia fundação edson queiroz


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cinema

CINE MASSA

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L u c i a n a Pa r e j a N o r b i at o

Estratégias de realização, difusão e financiamento do cinema pernambucano em especial, e do Nordeste em geral, estão por trás do boom de visão crítica e experimental que invade as telas

O cinema do Nordeste vai muito bem, obrigado. Encabeçado por Pernambuco, traz em seu rastro as cenas de Ceará, Bahia e Paraíba. Equipara-se aos poucos ao eixo Rio-São Paulo quanto à infraestrutura e gira por um universo estético mais instigante que no Sudeste, aglutinado em grande parte no modelo mainstream. Já é possível finalizar filmes no Recife, graças ao laboratório criado no Porto Digital, centro de tecnologia pioneiro. O estado também já conta com câmeras de 35 mm e com formação universitária: desde 2008, a Federal de Pernambuco oferece o curso de Cinema e Audiovisual. As conquistas que se acumulam na atualidade (tanto quanto as premiações) devem-se ao pioneirismo da chamada primeira geração: Lírio Ferreira e Paulo Caldas, diretores de Baile Perfumado (1996) – marco inicial do movimento – CláuSELECT.ART.BR

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dio Assis, Marcelo Gomes, Karim Aïnouz (egresso da capital cearense), Adelina Pontual e Hilton Lacerda, entre outros. Nos anos 1990, a cena pernambucana inexistia. Sem verba e infra, num cenário incipiente mesmo em RJ e SP, a turma teve de inventar o cinema local. “Todo mundo juntava forças, era um participando do filme do outro, porque era algo novo, na raça. Foi bem na retomada do cinema nacional”, conta Cecília Araújo, ex-mulher de Cláudio Assis e continuísta de todos os seus filmes, incluindo o inédito Big Jato, baseado em livro “semiautobiográfico” do jornalista Xico Sá. “Uma das características do cinema de Pernambuco é a coletividade; é bem família do cinema, todos se ajudam.” Isso integra a comunidade cinematográfica do Nordeste entre si e no País. “É muito bom ver a qualificação artística e técnica proliferando em todo o Brasil. As parcerias agora


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Cena de Ventos de Agosto (2014), em que o diretor Gabriel Mascaro também atua no papel de um documentarista pesquisador do vento

surgem mais por interesse de troca do que por dependência”, explica Gabriel Mascaro, realizador da nova geração pernambucana. “Há cerca de seis anos a troca entre os pernambucanos e os cearenses tem sido amplificada. Meu último filme (Ventos de Agosto, que estreou em novembro último) foi montado por Ricardo Pretti, da Alumbramento (coletivo cearense de videoinstalações e filmes). Outro filme meu foi fotografado por Ivo Lopes, também da Alumbramento.” Do edital à lei

A primeira geração do atual cinema pernambucano formou-se em torno da estética do mangue, de modernizar a tradição. Isso trouxe uma visualidade e uma temática particulares, que destacaram a produção na cena nacional. Com a visibilidade, foi natural que o poder público, aqui em

nível estadual, promovesse uma linha de incentivo direta à produção, em parte cedendo à pressão do setor, em parte para capitalizar em proveito próprio a boa imagem. Criado em 2003, o Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura) ganhou, em 2007, divisão por áreas, uma das quais audiovisual, dentro do governo de Eduardo Campos. Contemplando várias frentes dessa produção, o segmento dispõe de longe da maior verba (R$ 11,5 milhões) entre todas as áreas, como circo, artesanato e fotografia, entre outras. Por exemplo, Patrimônio – o segundo colocado – tem verba total de R$ 2,42 milhões. A outra grande diferença do Funcultura Audiovisual é que, desde 2013, tornou-se lei, enquanto as outras áreas estão à mercê das mudanças de gestão, pois são editais com vigência anual. Essa mudança de status saiu da caneta de Foto: beto figueiroa/CORTESIA GABRIEL MASCARO


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No alto, Cláudio Assis e Cecília Araújo durante filmagens de Febre do Rato (2012); abaixo, a atriz Dandara de Morais como a protagonista de Ventos de Agosto, (2014), dirigido por Gabriel Mascaro SELECT.ART.BR

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A primeira geração do cinema pernambucano atraiu a visibilidade necessária para alavancar a infra-estrutura na região

Colagem de Edmundo Desnoes, que ofereceu seu romance Te Sigo para ser filmado por Cecília Araújo; projeto será rodado no começo de 2015

Campos, numa articulação que incluiu um jantar na casa do governador em 28 de agosto de 2013. “Sem ingenuidades, ele (Funcultura Audiovisual) foi usado, sim, pelo então governador (Eduardo Campos) para capitalizar imagem em cima de uma demanda real e urgente do setor, que seria transformar em lei uma política pública bem-sucedida feita em conjunto com os realizadores”, disse Gabriel Mascaro, um dos participantes do jantar, que também contou com a presença de Hilton Lacerda, Lírio Ferreira, Cláudio Assis, Kátia Mesel, Camilo Cavalcante, Daniel Aragão, Marcelo Lordello, Marcelo Gomes, Gabriel Mascaro, Adelina Pontual, Kleber Mendonça Filho, Emilie Lesclaux, Isabela Cribari, Chico Ribeiro e Paulo Caldas. A pressão surtiu efeito e, dois meses depois, o canal de incentivo foi efetivado como lei, enquanto as outras artes não tiveram a mesma sorte. Ainda assim, a lei é o diferencial do cinema pernambucano em relação ao resto do País. “O edital, na forma como está, foi fruto de uma mobilização sem precedentes, em que todas as entidades e associações ligadas ao audiovisual em Pernambuco praticamente redigiram uma lei que protege o audiovisual com aportes financeiros contínuos e soberania do júri para decidir com liberdade ideológica. No momento, esta é uma grande diferença do que é produzido em Pernambuco em relação aos outros estados. Realizadores que jamais imaginariam ter acesso a fundos estão conseguindo fazer filmes ousados, pesquisas de risco e com grande vigor crítico com total liberdade”, explica Mascaro. Assim, a situação da nova geração de cineastas de Pernambuco, caso de Mascaro, Marcelo Pedroso e Kleber Mendonça, entre outros, é muito mais estruturada que da primeira turma. Cecília Araújo é um exemplo. Seu primeiro longa de ficção na direção, Te Sigo, foi contemplado pelo Funcultura para a filmagem e será rodado no início de 2015. “O bom é que é possível inscrever um mesmo projeto em várias etapas, como filmagem e depois finalização”, ela explica. O filme é a terceira parte da trilogia do escritor cubano Edmundo Desnoes, que virou cult entre cinéfilos, antecedida por Memórias do Subdesenvolvimento (1968) e Memórias do Desenvolvimento (2010). O próprio escritor viverá seu alter ego na película, contracenando com a atriz cubana Annia Bu. É a história da filha de um escritor cubano que vem atrás do pai no interior de Pernambuco. “Estou muito feliz por abordar essa temática da América Latina, de ampliar os temas recorrentes no nosso cinema”, diz a cineasta.

Fotos: cortesia cecília araújo. na página ao lado: no alto, cortesia cecília araújo; abaixo, cortesia gabriel mascaro

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pa g a n i s m o

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Patrocinadores se assustam. Museus recusam. Mas artistas e curadores se engajam no oculto como uma forma legítima de pesquisa

M a r c e l o R e z e n d e , d e S a lva d o r

Ver o invisível Se o hoje “sistema” em torno da arte tem sido capaz de absorver tudo, transfor-

mando aquilo que toca em produto, encenação, divertimento ou cínico comentário social, o que pode haver ainda duro como pedra, de difícil digestão para esse agressivo apetite? Religiosidade, ocultismo, a suspensão da crença nas leis naturais faz parte da narrativa da arte ocidental, deixando rastros por toda parte. Mas afirmando raramente o próprio nome. No século 20, André Breton e os surrealistas dizem sim a sessões kardecistas de comunicação com o além, na busca pela escrita automática; há o francês Yves Klein e seu fervor por Santa Rita de Cássia; Sol LeWitt, com suas sentenças sobre a arte conceitual declarando serem os artistas místicos, e não racionalistas. Ou, ainda, Joseph Beuys vendo em Rudolf Steiner uma maneira de chegar à sua “escultura social”. Os exemplos são muitos. Precisos e explícitos. E têm com frequência entrado pela porta dos fundos da história. “Essa continua a ser uma questão muito delicada do ponto de vista institucional; a direção dos museus e o pensamento curatorial têm uma resistência quase natural às pesquisas relacionadas ao oculto, em um sentido geral.” O curador francês Pascal Pique fala sobre sua experiência, enquanto mostra fotos de um de seus projetos, Academia da Árvore, desenvolvido com o xamã (também francês, de tendência druida) Pierre Capelle. Pascal realizou e exibiu os resultados dessa experiência este ano na Bahia e em São Paulo. Na Academia, a intenção é provocar entre pessoas e árvores uma relação espiritual, física, não verbal. Toda experiência é única, pessoal, de difícil resumo ou descrição.

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Foto: Gillian Villa / cortesia mam Bahia


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D eta lh e d a in sta la ç ã o Ve j a -se (2 0 14) , d e C hi co L i b e ra to, na 3 a B i e na l d a B a hi a


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Em Busca do S agrado (2014) , in sta la ç ã o de E r n esto N eto e m q u e r i t u a l d o aya hu a sca fo i rea l i za d o pa ra co nvi d a d os d a m ost ra H i st ó r i a s M est i ç as

Outras esferas

Após quase uma década como diretor para a arte contemporânea no Musée des Abattoirs, em Tolouse (França), Pascal Pique decidiu-se pelo oculto como uma forma legítima de pesquisa artística. Segundo ele, são projetos de rara inserção. Patrocinadores se assustam. Museus recusam. Artistas desconfiam de seus companheiros de exposição. Em uma ocupação artística realizada em uma caverna na Europa, onde existem pinturas rupestres, ele exibiu junto aos trabalhos comissionados uma gravação de um técnico especializado em registrar a voz de espíritos no ambiente. Ele havia feito o mesmo na caverna. Na gravação, o público podia ouvir (ou imaginar ter ouvido) uma palavra em sussurro: “Fogo”. Essa resistência a que Pascal Pique se refere é inegável. Mas ao menos nos últimos anos o tema tem aparecido em diversos momentos. A exposição The Message: Das Medium als Künstler (Kunstmuseum Bochum, AlemaSELECT.ART.BR

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nha, 2008), em torno das relações entre a arte e o oculto; Rudolf Steiner and Contemporary Art (Kunstmuseum Wolfsburg, Alemanha, 2010), lidando com o universo do fundador da antroposofia; a retrospectiva dedicada à artista e mística Hilma af Klint no Moderna Museet, em Estocolmo, em 2013; e ainda o norte-americano Paul Folley (o arquiteto das esferas cósmicas), visto em The Alternative Guide to the Universe, no londrino Southbank Centre, em 2013, e em Raw Vision, na Halle Saint Pierre, em Paris, em 2014. E, mais um exemplo, Steiner e Carl Jung na 55a Bienal de Veneza. Mas esses casos mostram que o oculto, para ser exibido, tem sido, quase como um disfarce, decorado com o saber científico gerado pela cultura. Etnografia, antropologia, semiologia e, de maneira frequente, a psicanálise servem para explicar em mostras e exposições aquilo que é um mistério. É uma maneira de lidar com o desconforto do paganismo intelectual. Foto: LINCOLN YOSHIHASHI


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Pa lm Obser vato r y (2 014), de Te ruh isa Suzuk i, d e n tro do projeto Aca d e m i a d a Á r vo re, d e Pa sca l P i q u e, na ex p osi ç ã o M a d e B y. . . Fe i to p o r B ra si l e i ros, e m São Paulo

Esse procedimento, é claro, não resolve toda a questão. Há uma necessária diferença entre projetar a imagem do oculto sobre um artista, uma situação cultural ou um tema (em uma sempre perigosa “leitura curatorial”), e ser o entendimento do oculto, e as formas de apresentá-lo, a única chave possível para se aproximar do pensamento e da criação. Na Bahia, como sempre nesses casos, há precedentes. Bahia de todos os santos

Chico Liberato e Edison da Luz, dois artistas da cena baiana dos anos 1960 e 70, ainda em plena atividade, têm lidado há anos com o ritual e o sagrado pela via da ayahuasca – o “remédio para todo mal”, feito com a mistura do cipó mariri e as folhas de chacrona. Edison da Luz, um dos decisivos membros do radical e politizado grupo Etsedron (Nordeste ao contrário), realiza em suas esculturas e pinturas não uma ilustração ou documentação de visões místicas. Seu trabalho não é de forma alguma sobre a ayahuasca, mas SELECT.ART.BR

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é, sobretudo, com as forças que se apresentam nos rituais com as plantas. Na verdade, está no extremo oposto de um projeto como o realizado pelo artista Ernesto Neto para a exposição Histórias Mestiças, no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo. No caso de Neto trata-se de uma encenação do gesto sagrado, enquanto, para Edison, o sagrado é exatamente aquilo que resiste a qualquer encenação. Em uma peça da série de mandalas realizada por ele, pinturas em diferentes tamanhos, Edison diz pintar (um exemplo) a raiva de um grupo sobre alguém. Não a representação do sentimento, mas a própria raiva, o retrato dessa força em ação. Chico Liberato – mais uma vez trata-se de pinturas – relata o que a natureza é fazendo da imagem no quadro uma janela aberta para uma energia capaz de conduzir o real para além do tempo e da cultura. Chico Liberato e Edison da Luz não podem ser aprisionados no formalismo crítico, etnografia de ocasião ou psicanálise selvagem. Eles já estão em outras esferas. Foto: Ding musa



V E R N I SSAG E 90

a c o r v i r u l e n ta Na obra apresentada por Lucia Koch na Galeria Nara Roesler, no Rio de Janeiro, o trabalho acontece a partir do deslizamento de um acrílico sobre outro, criando interferências e efeitos imprevisíveis T i ag o M e s q u i ta

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Dupla Dupla {LA217 + AZ544 + VI 713 + MA 1204} (2014), acrílico montado em janela, de Lucia Koch

fotos: Everton Ballardin/ Cortesia da artista / Galeria Nara Roesler


São diversos artistas para quem as cores não

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são atributos só dos corpos, mas de sua relação com efeitos luminosos. Enxergaríamos os objetos de acordo com a incidência da luz, o comportamento da atmosfera, a mansidão das massas de ar e os ânimos que se interpõem entre o olho e os sólidos. O trabalho de Lucia Koch nos faz ver essas relações. Mais que isso, interfere diretamente na luz, criando estados alterados de percepção. Então é um trabalho de contaminação da luz e da nossa percepção. Em algumas das intervenções da artista, as cores são inseridas nos lugares por onde a luz entra. Lucia aloca acrílicos, filtros de correção e vidros pintados nas janelas, claraboias e vãos. A cor torna a iluminação menos neutra, menos anônima. É uma interferência no ambiente que o torna menos familiar. Na verdade, é uma interferência a mais, que nos faz perceber como os efeitos de luz constituem o modo como vemos os objetos e as pessoas. Nesse sentido, muitas vezes a cor dos corpos vítreos tem um papel semelhante ao de corantes de laboratório. Químicos que os cientistas usam para identificar fenômenos imperceptíveis. Só que, diferentemente desses cientistas, a ação de Lucia Koch não pretende iluminar o que já existe, mas instituir outras relações. Fazer com que a cor, ao pousar sobre as coisas tingidas de luz, estabeleça outro estado de percepção, como se o mundo fosse tomado por um sol artificial. Em sua exposição recente, Lucia Koch mostra objetos encerrados em si mesmos. Eles guardam pouca relação com o ambiente. Diferente de boa parte de sua produção, os trabalhos poderiam estar em outro lugar, com outro grupo de objetos, sem perda significativa de sentido. A aparência dos trabalhos é ordinária. São esquadrias de janelas e portas de alumínio, das mais comuns; aquelas encontradas nas lojas de material de construção, que aparentam a maior neutralidade. Elas são preenchidas com acrílicos coloridos, mais ou menos leitosos, alguns mais translúcidos, outros mais transparentes. Os trabalhos têm algo da suficiência autorreferente da pintura de cavalete, relacionando-se, inclusive, com a metáfora da janela associada ao quadro. Diferente da relação que temos com o quadro na pintura, não se trata de um mergulhar para dentro da moldura, em um mundo independente, com relações internas, fechadas em si mesmas e miniaturizadas. Aqui percebemos as sombras da moldura, o efeito de um vidro nas outras superfícies, a variação de luz nos vidros.

Ou seja, o trabalho é feito de tudo que preferimos ignorar quando olhamos compenetrados para um tableau. É o quadro como objeto, análogo à estrutura da janela. Em cada esquadria encontramos uma ou mais duplas de cor. Mas, mesmo quando o trabalho tem mais de duas cores, elas sempre trabalham em dupla. Estão uma ao lado da outra, uma sobre a outra. As cores são muito distintas e pouco naturais. Como elas são estruturas transparentes ou translúcidas, o brilho escapa da superfície e contamina a nossa visão dos elementos avizinhados. Uma cor interfere na outra, assim como interfere na nossa percepção da estrutura do objeto. Na medida em que escorregamos as partes móveis da janela para um lado e para o outro, ou deslizando um acrílico sobre outro, as relações coloridas se modificam. A relação dá-se pela sobreposição ou justaposição dessas cores. Lucia evita relacionar cores que se anulem ou que criem efeitos previsíveis. Por isso não utiliza tons neutros, cores complementares. Ela também modifica a consistência dos matizes, sua textura e transparência. As cores devem se comportar de maneira distinta em cada um dos trabalhos. Em uma parede, dois trabalhos com composição cromática parecida são colocados lado a lado e acabam se mostrando muito diferentes. Seja pelas relações sugeridas pela janela, seja pelas propriedades que as cores acabam por se revelar em relação. A cor acaba se mostrando como um corpo que só ganha sentido na relação com outros corpos. Sozinha ela não diz nada. Quando sobrepostas, as cores nem se diluem uma na outra nem criam contrastes pronunciados. A interpenetração de diferentes vermelhos, âmbares, azuis e cinza criam vermelhos acinzentados, marrons azulados, cores sem caráter definido. A artista lida com interferências que não alteram os objetos, mas a nossa relação com eles. Como se a cenoura que sempre foi associada a uma cor, quando exposta a um filtro desses, se tornasse lilás. Por isso é como se não tivéssemos mais a medida para determinar a saúde e a qualidade do legume. As relações entre cores nesses quadros de Lucia Koch também não são definitivas. Aliás, acho que é isso que faz os planos serem móveis. As cores não são propriedades das coisas, são qualidades que estão com elas. Nesses trabalhos, toda cor local, todo atributo sensível é arbitrário. Como se não existissem, o céu é azul e a grama é verde. Nos trabalhos, o céu está azul, a grama está verde. Não existem adjetivos finais, tudo se torna impuro.

A seção Vernissage é um projeto realizado em parceria com galerias de arte que prevê a publicação de um texto sobre a obra de um artista que estará em exposição durante os meses de circulação da edição. SELECT.ART.BR

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Dupla {AM309 + FM1012AD} (2014), acrílico montado em janela, de Lucia Koch


E n t r e v i s ta / S e r g i o B e ss a

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Sergio Bessa, curador do Bronx Museum, diz que Nova York é conservadora e que brasileiros aconteceram antes na Europa

Int er n a ciona li z a çã o d a a r te b r asileira e s e u s li mi te s T h i ag o C a r r a pat o s o , d e N o va Yo r k

A produção de artistas brasileiros tem conquistado cada vez

mais espaço no cenário internacional. Embora o interesse seja visível, há também a percepção de que os trabalhos ficam apenas a cargo de curadores latino-americanos, que são considerados representativos dessa própria bagagem histórico-cultural. Para Sergio Bessa, diretor do Departamento Curatorial e Educacional do Bronx Museum, em Nova York, e curador da primeira individual de Paulo Bruscky nos EUA, há uma preferência no mercado norte-americano a explorar muito mais a forma do que o contexto em que a obra é produzida. Por essa perspectiva, uma produção em que não há separação entre vida e arte se perde, já que as discussões são voltadas mais ao aspecto formal do que aos outros significados da obra. Nesta entrevista, Bessa expõe um panorama sobre a percepção da arte brasileira fora do País e discute os problemas encontrados na fruição desses trabalhos. Como você vê as curadorias de arte brasileira feitas por profissionais latino-americanos?

Sergio Bessa: Tenho um olhar crítico à prática curatorial no momento, pois me parece que, às vezes, os curadores ficam muito fascinados pelo aspecto visual e não consideram o contexto de onde a forma realmente veio. Para mim, o aspecto formal está muito ancorado em uma circunstância histórica específica. Ezra Pound dizia que o SELECT.ART.BR

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artista é a antena da raça. Os artistas estão sempre criando novas formas, e essas novas formas afetam a percepção do ser humano. Isto é uma sacada muito importante. Vejo que essa discussão a respeito do contexto histórico fica fora dos projetos curatoriais. O texto que escrevi sobre Lygia Clark para a exposição do MoMA tinha esse intuito de não delongar sobre essa perspectiva formalista, e sim de oferecer uma janela sobre aquele momento crítico na vida dela. Embora a exposição se chamasse O Abandono da Arte, Lygia nunca abandonou a arte. Ela ficou cada vez mais rigorosa, levantando questões altamente pertinentes naquele momento crítico da vida dela. Ela não estava interessada em simplesmente colocar coisas na parede ou em pedestais. Então, para entender o trabalho de Lygia, é necessário compreender o processo pelo qual ela passou naquele momento. Uma leitura formal do trabalho não é suficiente. Acho que

Fotos: Chan Chao. na página ao lado: Sérgio Gerardo Zalis/ cortesia Associação Cultural O Mundo de Lygia Clark


essa distinção precisa ser feita. Em termos de curadoria, então, para mim, você apresenta um trabalho de arte, mas traz a história com ela. Há um boom de obras latino-americanas em Nova York. Por que você acha que isso está acontecendo exatamente agora? São as tais forças do mercado?

O MoMA corteja o Brasil desde os anos 1940. Houve a lendária exposição Brazil Builds, sobre nova arquitetura, e Portinari também teve uma exposição aqui na mesma época. Mas, hoje em dia, sabemos que aquilo tudo era parte da política de diplomacia cultural de Rockefeller, bem como da expansão do Chase Manhattan Bank na América Latina. Arte e dinheiro sempre estiveram juntos, isso não é nenhuma novidade. Tem de se colocar o dinheiro de lado, porque, quando se fala de cultura, dinheiro é algo muito mais complicado. O Guggenheim abriu em junho a exposição Under the Same Sun: Art from Latin America Today, com curadoria do Pablo Leon de La Barra. É um projeto financiado pelo UBS, que está dando milhões para o Guggenheim fazer esses apanhados culturais em áreas consideradas “remotas”. É uma maneira de o UBS entrar nesse mercado

Lygia Clark vestindo a Máscara Abismo com tapa-olho (1968)

“Lygia nunca abandonou a arte. Ela ficou cada vez mais rigorosa, levantando questões altamente pertinentes naquele momento crítico da vida dela”

da América Latina. Mas, em termos de pesquisa histórica, acho que temos avançado muito. Quando Guy Brett foi ao Brasil na década de 1960, e encontrou Hélio Oiticica, Lygia, Mira etc., era uma época difícil porque você precisava ter muito dinheiro para viajar e era quase impossível ir a todos esses lugares. Viagem de avião, por exemplo, era muito cara. Quando Hélio foi para Londres pela primeira vez, ele foi num navio mercante. Hoje em dia é um pouco mais fácil. Pesquisadores e curadores de hoje têm mais acesso do que se tinha 40 anos atrás e, consequentemente, têm melhores condições de analisar os contextos específicos onde os artistas trabalham. Esse acesso mais fácil permite mudar a percepção geral sobre o que é arte latino-americana ou ainda se recai no lado exótico?

Está mudando, sim. Por exemplo, há vários artistas no Brasil que decidiram continuar morando lá, como Lenora de Barros, Fernanda Gomes, Jonathas de Andrade, Marcelo Cidade, André Komatsu e vários outros. Eles são muito respeitados aqui e colocados no mesmo nível de qualquer outro artista internacional. Existe hoje uma abertura maior para novas práticas artísticas. E isso não foi um fenômeno que se originou em Nova York. É interessante notar que foram instituições como o Walker Art Center, em Minneapolis, o Jeu de Paume, em Paris, e o Witte de With, em Roterdã, que iniciaram essa estratégia de sondar o que havia fora dos grandes centros. O ressurgimento de interesse em torno de Hélio, ou de Marcel Broodthaers, foi inteiramente articulado por aquelas instituições. E isso foi muito positivo para a arte brasileira contemporânea. A primeira vez que vi trabalhos de Rivane Neuenschwander foi no Walker, há mais de 15 anos, muito antes da exposição no New Museum. Acredito que Nova York é muito conservadora. Catherine David, por exemplo, quando fez a Documenta 10, em 1997, mandou uma mensagem muito clara em termos de situar artistas como Tunga no mesmo contexto de nomes como Kip­penberger e Fahlström. Aqui ainda se está chegando lá. Tem uma coisa muito tradicionalista em Nova York. É uma cidade muito de pintura.

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ourselves laterally. We conjugate. We cook. We’re not alone. We facilitate translation services, approaches, co-living experiences and chain reactions. We exchange,

return

and

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Random Letters. Contact: jura7@uol.com.br

welcome

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investment.

www.agenciatransitiva.net THEIR ACTIONS CAN INFLUENCE THE ACTIONS AND FEELINGS OF OTHERS IN THEIR ENVIRONMENT, WHICH IN TURN CAN SPREAD TO OTHERS,

I offer “Abravana” sessions; bodily movements

AND THEN STILL BY OTHERS.

capable of transporting practitioners to another

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dimension. The explosive sensations generated in these sessions engender personal rebirth. Sessions

OBSERVATORY

may be individual or in group and the work can

I am developing a work called “Observatory”, that

be seen on page www.abravana.com Contact Mr.

discusses the artist’s field of work and its relations

Abravana – Ricardo Castro at abravana@gmail.com

with the contemporary. It’s a project that divides itself in photographies, texts and video pieces. One

Yara Pina lives and works in Goiânia, Brazil.

of the series is entirely made with artist’s belies’

Her works explore different materials and

images, that are sent to me. I would like to ask artists

instruments to insert and inscribe bodily

from all over the world to collaborate with this

actions into objects and spaces. Currently

project. Considering the distance between us, I will

the the artist looks for spaces, preferably

not be able to photograph you in person. So please

“white cubes”, where she can intervene

send your image in high resolution, preferentially

aggresively to deconstruct the space,

vertical, to carla_evanovitch@yahoo.com.br.

destroy objects and leave her mark.

COMMODITY ARTWORKS unique serial work by young artist. d.rubim@gmail.com

More info: www.yarapina.com /2008/03 /yara-pi-

(subject COMMODITY ARTWORKS)

na-portfolio.html. Contact: yarapina@gmail.com


p l ata f o r m a

anunciantes Curadoria de Ana Maria Maia

Anunciantes é uma curadoria site-specific que

adere às características do meio editorial e comenta – seja afirmando, refutando ou mantendo em suspenso – as motivações da iniciativa que o recebe e promove. Essa iniciativa é originalmente a revista Plataforma, publicada em formato iPad pela seLecT e Latitude, um programa de divulgação internacional da arte brasileira organizado pela associação das principais galerias comerciais do País, a Abact. Dentro do espelho dessa publicação feita no Brasil e toda traduzida para o inglês para atingir seu público-alvo, a presença do conjunto de artistas convidados para a mostra acontece em espaços dedicados a publicidade. Os anúncios-obras espalham-se pelas páginas de Plataforma. A partir de lógica semelhante, alguns dos anúncios aparecem nesta edição impressa da seLecT. Entre iniciativas inéditas e apropriadas de outros contextos, foram veiculados, aqui e na Plataforma, anúncios-obras e um caderno de classificados, nos quais predominam textos curtos de toda a sorte de oferta e procura. Nesse caderno foram compilados cerca de 40 anúncios, dentre os quais obras históricas de “arte-classificada”, um gênero fundamental para a geração conceitualista brasileira, e também peças recentes, enviadas de vários lugares do Brasil a partir de uma chamada por e-mail e pelo Facebook. O projeto Anunciantes lida com o hábito de se ler/consumir publicidade nos veículos de comunicação, sejam eles diários ou especializados. A revista norte-americana Artforum, por exemplo, costuma ter cerca de 120 páginas de

SELECT.ART.BR

propaganda entre as 250 totais. A familiaridade do público com esse lugar de persuasão cria oportunidades de recepção para propostas artísticas de cunho experimental. Sem apagar o estranhamento da primeira leitura, essas iniciativas infiltram-se em um código de linguagem que organiza diversas instâncias da vida comum. A publicidade converte-se em tática para os artistas, “inserção em circuito ideológico”, conforme postulou Cildo Meireles em 1970, quando grafou mensagens subversivas em garrafas de Coca-Cola e cédulas de dinheiro em circulação. Os anúncios-obras materializam uma presença pública – embora muitas vezes ínfima – da arte e levantam questões como: a quem se direcionam? Como se reportam numa esfera pública tomada por desejos de compra e como, dentro dela, conseguem formular os desvios de um comportamento programado? O que têm a dizer e a oferecer para uma audiência internacional ávida por toda a sorte de notícia sobre um Brasil emergente e supostamente exuberante? Acesse a íntegra do projeto Anunciantes baixando gratuitamente a revista Plataforma na Apple Store e do Google Play.

Conjunto de classificados, alguns apropriados e outros recebidos a partir de convocatória divulgada por e-mail e pelo Facebook

Fabiana Faleiros (Pelotas, 1980. Vive e trabalha entre Rio de Janeiro e São Paulo). Lady Incentivo, 2014. Logomarca e vinheta sonora

Jorge Menna Barreto (Araçatuba, 1970. Vive e trabalha entre São Paulo e Florianópolis). No More Tears, 2009. Cartaz com still do shampoo Johnson&Johnson

Beto Schwafaty (São Paulo, 1977. Vive e trabalha entre SP e Campinas). Remediações, 2010. Cartaz de promoção do vídeo.

Gia (Salvador, 2002). Cervejagia, 2009. Vídeo promocional da cerveja criada pelo coletivo e bebida nas rodas de samba que ele promove.

Regina Parra (São Paulo, 1981). Sem Título, 2014 Óleo sobre papel

Luiz Roque (Cachoeira do Sul, 1979. Vive e trabalha em São Paulo). Bric, 2014. Cartaz apropriado de divulgação de leilão internacional

dez/jan 2015


Brazilian Art to the World Articles, interviews and curatorial projects. Everything you must know about Brazilian art scene in your tablet. Availabe for free download at Apple Store and Google Play

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reviews Escreve na Memória (2014), fotogravura de Claudia Bakker

Rio de Janeiro

No entanto, ela se move Exposição traz recorte de 20 anos de produção de Claudia Bakker e uma fo­togravura inédita que sintetiza poéticas de liberação e captura O Jardim do Éden, cenário bíblico onde cada árvore (de maçã, romã ou da vida) foi plantada com um objetivo simbólico, é tema reincidente da arte ocidental. Na pintura moderna, o cuidado com que Cézanne organiza maçãs e laranjas sobre dobras de toalha jogada sobre mesa poderia ser comparado ao rigor do posicionamento de rios e pomares na cartografia do paraíso. Em O Jardim do Éden e O Sangue da Gárgona (199495), instalação de Claudia Bakker realizada há 20 anos na fonte do Museu do Açude, no Rio, 900 maçãs foram jogadas na agua. De seu movimento suave na superfície, sob a força do vento, o visitante poderia vislumbrar metáforas da passagem do tempo e da transitoriedade da vida. Dois anos depois, a artista voltou à mesma fonte e desenhou outra paisagem. Em A Via Láctea (1996), as maçãs foram substituídas por esferas brancas de látex, flutuando sobre matéria leitosa. Na primeira instalação, Bakker explorou a transparência: sob as maçãs, era possível discernir textos mitológicos abordando a dicotomia entre vida e morte. Na segunda, preferiu a opacidade e a ilegibilidade. SELECT.ART.BR

dez/jan 2015

As duas instalações estão reunidas numa fotogravura intitulada Escreve na Memória (2014), realizada dentro do projeto Amigos da Gravura do Museu Chácara do Céu, que desde 1992 convida artistas a realizar uma gravura inédita. O encontro desses trabalhos de intervenção espacial em um terceiro trabalho fotográfico desvela dicotomias presentes em 20 anos de trajetória da artista carioca: perenidade e efemeridade; virtualidade e realidade; movimento e retenção; liberação e captura. Principalmente, aponta para jogos entre opacidade e transparência, que fundamentam hoje estudos sobre fotografia e imagens técnicas. Seja em intervenções no espaço, fotografias, filmes, vídeos, escritos ou, como definiu o crítico Luis Camillo Osório em 1998, em “fototextos”, o trabalho de Claudia Bakker está atrelado ao paradoxo entre a velocidade do tempo e a retenção da realidade. Como Cézanne, Bakker tem pressa em ver, ao pressentir que tudo está, lenta ou rapidamente, desaparecendo. PA

Rio de Janeiro

partilha do sensível e disputa pelo visível

Amigos da Gravura – Claudia Bakker até 26/1/2015, Museu Chácara do Céu, Rua Murtinho Nobre 93, Santa Teresa, RJ, www.museuscastromaya.com.br

Exposição faz história cultural da exclusão social e revalida e dinamiza noções de centro e periferia Com curadoria de Rafael Cardoso e Clarissa Diniz, a exposição Do Valongo à Favela, em cartaz no Museu de Arte do Rio de Janeiro (MAR), faz uma história cultural da periferia carioca e brasileira. Sem ceder a clichês fáceis de criminalização e exotismo, contextualiza e relaciona circuitos urbanos e imaginários poé­ ticos. Cobre um período que vai do século 18

Foto: cortesia claudia bakker


aos dias de hoje e oferece um percurso entre tensões sociais e estéticas que envolvem as marcas do tráfico de escravos, as favelas, os conflitos entre a população pobre e a polícia e a presença dessas tensões na arte. Cruzando imagens de desenhos naturalistas oitocentistas de Rugendas, telas modernistas, fotografia documental de arquivos públicos do Rio de Janeiro, fotojornalismo dos anos 1980, a discografia – incluindo aí as geniais capas dos LPs – de Moreira da Silva, com obras de artistas contemporâneos como Ayrson Heráclito, Caetano Dias, Arjan, Laercio Redondo, Matheus Rocha Pita, Vergara e Virginia Medeiros, entre muitos outros, a exposição nos arremessa em um caleidoscópio de linguagens que faz uma cartografia pouco óbvia do que se pode entender por periférico ou periferia. No dia que seLecT visitou a mostra, um debate armou-se em poucos segundos em torno da obra do artista português Alexandre Farto (Vhils). Conhecido por sua técnica de “descascagem” de paredes, ele retratou rostos de pessoas que foram despejadas do Morro da Providência. O retrato, segundo a monitora da exposição, era do morador Humberto. Um dos adolescentes presentes contestou. Não era. Atônita, ela perguntou: Mas você o conhece?! Conhece o Humberto? Ele respondeu direto: Não. Mas moro lá. E se não o conheço... Não é ele. Há uma correlação direta entre as estratégias políticas de exclusão social e as dinâmicas de criação de invisibilidade. O sociólogo Jacques Rancière dedicou um de seus ensaios mais conhecidos a esse tema – A Partilha do Sensível –, demonstrando como a conquista dos territórios simbólicos passa cada vez mais pela capaci­ dade de tornar-se visível. Dito de outra forma, o diálogo entre o rapaz “dono” do Morro da Providência e a monitora indica um poder temporário e uma situação de emergência. Ela faz com que se revalidem noções de centro e periferia e remete à sua compreensão dinâmica.

Nas distintas interpretações dos artistas, e também na visão de conjunto enunciada pelos curadores, fica claro que está em jogo a busca por outra historiografia cultural. Não apenas se coloca a necessidade de uma releitura do passado, mas também a demanda por outra articulação entre visível e invisível. GB

Taipé

Arte na Era Antropocena Ida Yang, de Taipé (Taiwan, China)

Do Valongo à Favela: Imaginário e Periferia até 15/2/2015, Museu de Arte do Rio, Praça Mauá, 5, Centro

Bienal de Taipé pergunta se a obra de arte pode transcender os valores de troca do consumismo e existir de forma independente Com o início do período Antropoceno, a atividade humana transformou de maneira irreversível todo o ecossistema global. Apesar de seu prefixo, o termo Antropoceno na verdade indica o fim do antropocentrismo, em vez de tentar atribuir a animais, plantas e minerais posições iguais como sujeitos. No entanto, como disse o curador Nicolas Bourriaud em uma entrevista para a revista Leap, “esta exposição não existe pelo bem das águas-vivas ou das árvores; a arte é uma atividade que pertence ao reino dos relacionamentos humanos”. Portanto, substituo o termo geológico, cunhando o título Antropocena: a cena humana a partir da qual podemos refletir sobre a arte nesta era de grande aceleração. Ao entrarmos no saguão do museu, Desacelerador Formosa, de OPAVIVARÁ!, nos convida a deitar em redes e preparar um chá usando as 16 ervas medicinais colocadas sobre uma mesa octogonal taoista em forma de Ba guá. As ervas evocam o colonialismo que se seguiu ao comércio de espe-


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reviews SÃO PAULO

HERMANOS LONGÍNQUOS LUCIANA PAREJA NORBIATO ciarias, ligando assim as histórias de Taiwan e do Brasil. Em outro local, Slide, de Roberto Cabot, refere-se à extensão ilimitada da web, usando a multiperspectiva para gerar o infinito. Embora a pintura seja o meio mais antigo, Cabot consegue incorporar o conceito contemporâneo de “tempo não linear” em sua arte, incitando-nos a questionar se a aceleração dramática imposta pela internet está na verdade estreitando ou ampliando a distância entre os seres humanos. Premiada com o Leão de Prata, Camille Henrot ofereceu blocos de terra retangulares para massoterapeutas tradicionais moldarem uma série de esculturas que lembram a espinha dorsal humana. Se elas permanecerem intactas após a extinção humana, as criaturas que nos sucederem certamente acreditarão que são os fósseis da humanidade. Assault, de Matheus Rocha Pitta, que cola recortes de jornais rasgados com imagens de pessoas protestando a uma placa de cimento, projeta nossas mentes ao recente movimento estudantil Girassol, em Taipé, onde uma parede do prédio ocupado foi forrada de slogans detalhando as diversas reivindicações dos manifestantes. Terrarium, de Luo Jr-Shin, anima um espaço que se projeta e se estende para fora da lateral do Museu de Belas Artes, como uma sala celular que existe organicamente. Desde a Revolução Industrial, impiedosamente decidida a produzir maiores lucros, a humanidade tornou-se progressivamente distante de si mesma e da capacidade de coexistir harmoniosamente com a natureza. As obras de arte como produto humano podem transcender os valores de troca do consumismo e existir independentemente? Seja no Antropoceno, seja na Antropocena, podemos usar a criação artística para nos reconectarmos com a natureza e o planeta? SELECT.ART.BR

dez/jan 2015

Desacelerador Formosa (2014), de OPAVIVARÁ

Bienal de Taipé até 4 de janeiro de 2015, Taipei Fine Arts Museum, 181, Section 3, Zhong Shan N. Rd, Taipei 10461, Taiwan,

Projeto de Regina Parra no Pivô cria lúcidas metáforas para as relações entre Brasil e América Latina À primeira vista, o espectador pode se intrigar com o pequeno volume de obras dispostas no amplo espaço do Pivô, na mostra de Regina Parra. Não há gratuidade nessa disposição das obras, porém. Ao contrário, as distâncias a percorrer entre os trabalhos são vazios e silêncios justos para se criar a sensação de isolamento e desconexão – metáfora da relação do Brasil com seus hermanos de fronteira. Ponto alto da curadoria de Ana Maria Maia, que imprime coesão ao conjunto de trabalhos, as legendas das obras estão em espanhol. Leem-se uma, duas, procura-se uma tradução que não há. O que resta é a tentativa de compreensão do idioma tão próximo, mas que em certos pontos do Brasil é mais “gringo” que o inglês. De cimento são os dois marcos de fronteira que compõem a obra Política Sem Imaginação É Burocracia. Eles são posicionados dentro do espaço expositivo e em uma rua do Centro da cidade. Em vez de propor limites rígidos, são munidos de rodas que permitem seu deslocamento e uma outra forma de compreensão das relações, sejam geopolíticas ou interpessoais. O trajeto que se faz, pelo terraço, de uma sala para outra se contamina com a sonoridade da rua e é permeado por narrativas em espanhol sobre a entrada de imigrantes no Brasil, em busca de um Eldorado que muitas vezes não se concretiza. Construído dessa forma, o roteiro da exposição remete à caminhada rea­ lizada no vídeo 7.536 Passos, em que Parra

Foto: cortesia opavivará


“O canal menos TV da TV” - Inácio Araujo, Folha de S.Paulo

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reviews Em primeiro plano, Política Sem Imaginação É Burocracia (2014), de Regina Parra

anda da Praça da Sé até a Rua Coimbra, no Brás (SP), onde acontece uma feira boliviana. Ali, o brasileiro é o estrangeiro. Em um mundo onde a globalização parece diluir nacionalidades e identidades, o questionamento dos parâmetros que caracterizam o sujeito é fundamental. Seja para sair da superficialidade da razão mercantil ou para permitir que os encontros entre pessoas e as relações entre culturas dispam-se de preconceitos. Como no trabalho em que Parra instala em uma parede duas mesas de pebolim trazidas da Bolívia por imigrantes. Nelas, o jogo perde o caráter de rivalidade pela impossibilidade de ver o gol. Resta ao jogador deixar o controle de lado e brincar com o que o acaso e o outro reservam.

É Possível, Mas Não Agora - Regina Parra no Pivô, até 20/12, Pivô, Edifício Copan, loja 54, Av. Ipiranga, 200, São Paulo www.pivo.org.br

HQ

Ascensão e queda de um gigante Ramon Vitral

HQ alternativa norte-americana conta a vida de lenda da luta-livre nos EUA O lutador profissional francês André René Roussimoff tinha todas as características de um personagem de histórias em quadrinhos. Morto em 1993, aos 46 anos, ele chegou a medir 2,23 metros e a pesar 240 quilos. Sua altura fora do comum e suas feições caricatas eram consequência de um tumor na hipófise, glândula responsável pela produção de hormônio do crescimento. Algumas vezes vilão e outras herói, ele foi durante anos um dos protagonistas da indústria do wrestling profissional – um espetáculo de luta-livre no qual técnicas teatrais são aplicadas em combates SELECT.ART.BR

dez/jan 2015

André The Giant: Life and Legend Autor: Box Brown Editora: First Second 240 páginas US$ 11,99 Leia entrevista com o artista em http://bit.ly/10FIx4o

corpo a corpo, com lucros anuais de mais de 40 milhões de dólares nos Estados Unidos. Quase duas décadas após sua morte, sua vida finalmente ganhou uma versão em quadrinhos. André The Giant: Life and Legend (André O Gigante: A Vida e a Lenda, em tradução livre) foi lançado nos Estados Unidos no início de junho, pela editora First Second. Escrita e ilustrada pelo quadrinista norte-americano Box Brown, a biografia conta as origens de seu protagonista, sua ascensão no wrestling e as várias polêmicas que ele vivenciou. Celebridade na América do Norte nos anos 1970, ele foi ator coadjuvante no clássico cult A Princesa Prometida (1987), juntamente com Billy Cristal. Seu alcoolismo levou à deterioração de sua saúde, a brigas com familiares e ao declínio de sua carreira no fim dos anos 1980. “No wrestling, as pessoas estão constantemente mentindo umas para as outras e engrandecendo suas histórias. Precisei fazer uso do meu melhor julgamento para saber o que era real e o que era falso”, explica Box Brown em entrevista à seLecT sobre a produção da biografia. As 240 páginas em preto e branco da graphic novel compõem uma narrativa quase jornalística da vida de Roussimoff. A obra contém sete páginas de referências bibliográficas, exposição de fontes e glossário. A precisão factual do enredo é contraposta pelo traço caricatural de Brown. “Eu gosto de pensar o livro como jornalístico e acadêmico, mas também estava moldando uma história. Além disso, o conceito de verdade no mundo do wrestling é algo incompreensível. Sou bastante influenciado por documentários. Os melhores documentários são imparciais, expõem a verdade e deixam a audiência chegar às suas próprias conclusões, e foi isso que tentei fazer com o livro”, conta o autor da obra. Candidato potencial a alguns dos principais prêmios da indústria norte-americana de quadrinhos em 2015, André The Giant ganhou edições em espanhol, francês e italiano. Brown aguarda o interesse de editoras brasileiras. Fotos: Acima, everton ballardin/pivô e abaixo, divulgação


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em construção

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F i lt r o s d e Z e r b i n i Ilha da Maré, pintura que integrará a próxima individual de Luiz Zerbini

na Galeria Fortes Vilaça (SP), em fevereiro, teve seu processo de elaboração baseado em fotografias feitas em duas viagens à ilha, antiga aldeia de pescadores, próxima a Salvador (BA). A primeira foi feita por Zerbini, que fotografou na praia uma estrutura que imaginava ser uma mesa para limpar peixe. “Gosto das construções informais, fico atraído pelas maneiras inventivas com que são montadas”, diz ele, que realiza boa parte de sua pintura com formas geométricas que funcionam como grids ou caixas para guardar coisas e cenas colhidas nas ruas. A outra imagem foi feita por um amigo, o fotógrafo João Januário, que, coincidentemente, trouxe da ilha foto da mesma estrutura, convertida em palco, com caixas de som e músicos tocando. Ela traz à tona outra atração de Zerbini: a música. “Gosto de amplificadores, guitarras, caixas de som, acho tudo isso pictórico”, diz o artista, que, além da pintura, desenvolve uma pesquisa sonora no coletivo Chelpa Ferro. PA

SELECT.ART.BR

dez/jan 2015

fotos: Luiz Zerbini e João Januário



Foto: Flavio Kauffmann

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