FANCY VIOLENCE L AURA LIMA GHAZEL MARCO PAULO ROLL A A R T E E C U LT U R A C O N T E M P O R Â N E A
MAURÍCIO IANÊS
Sem titulo (2011-2012), Paulo Nazareth
PERFORMANCE Como os artistas utilizam essa linguagem para moldar identidades e afirmar atitudes políticas
A arte emociona, encanta, transforma. A arte surpreende, aproxima, toca. A arte ensina, alimenta, informa. Centro Cultural Banco do Brasil. A arte nos une.
Nós, do Banco do Brasil, reconhecemos o papel transformador da arte e da cultura. Por isso incentivamos e vibramos com cada exposição que levamos aos nossos Centros Culturais no Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e Belo Horizonte. É no Centro Cultural Banco do Brasil que unimos o público ao que há de melhor, mais inovador e fantástico no mundo das artes. Hoje e agora.
exposições, programas de filmes, performances, programas públicos, e publicações Semana de abertura: 6 a 10 de outubro 2015
exposições, proGramas de Filmes, perFormanCes, proGramas públiCos e publiCações Curadora geral: solange Farkas Curadores convidados: bernardo José de souza, bitu Cassundé, João laia e Júlia rebouças semana de abertura de 6 a 10 de outubro acesse a programação completa em www.19festival.com 19º Festival de arte Contemporânea sesC_videobrasil | panoramas do sul 6 out - 6 deZ, 2015 sesC pompeia e Galpão_vb | são paulo, brasil
36
38
42
74
78
COLUNA MÓVEL
FOGO CRUZADO
COMPORTAMENTO
DIÁLOGOS
REPORTAGEM
O CORPO E A TECNOLOGIA
O QUE É PERFORMANCE?
GÊNERO E ARTE
MAURÍCIO IANÊS
CORPO POLÍTICO
A crítica de dança Helena
Artistas e curadores
Performance
Artista fala sobre a
Artistas usam
Katz escreve sobre as
debatem as acepções
injeta vida nas
relação com o público
atitude como
mudanças cognitivas
do termo performance
artes visuais
durante a performance
ferramenta politica
70 REPORTAGEM
CABRAS MARCADOS Paula Garcia e Marco Paulo Rolla contam como performances deixam cicatrizes físicas e psicológicas
SEÇÕES
14 20 22 34 40 92 98
Editorial Cartas 13
Selects / Agenda Acervos Itaú Cultural Mundo Codificado Reviews Em Construção
ÍNDEX 62 INTERNACIONAL
BIENAL PERFORMA Laura Lima(foto), Jonathas de Andrade e Eleonora Fabião se apresentam em Nova York
88 VERNISSAGE
ROGÉRIO REIS Violência no Rio e limite do público e privado são temas do artista
84
56
48
ENTREVISTA
CURADORIA
PORTFÓLIO
ANTONIO MANUEL
PERFORMANCES PARA PAPEL
PAULO NAZARETH
O artista comenta as
Yuri Firmeza, Nino Cais e
Oprimidos, mestiços e
intervenções em páginas e
Fábio Morais criam para
migrantes na obra do
bancas de jornal
seLecT
artista mineiro FOTOS: DE CIMA PARA BAIXO: LAURA LIMA, ROGÉRIO REIS E CORTESIA MENDES WOOD DM. NA PÁGINA AO LADO: VICTOR NOMOTO
E D I TO R I A L
14
O ÍNTIMO, O GLOBAL E O PERFORMÁTICO
“No rastro, apoderamo-nos da coisa”, afirmou Walter Benjamin sobre o poder do documento. Isso foi no começo do século 20. Talvez por isso a ânsia pela documentação e pela produção de imagens tenha ultrapassado hoje todos os limites. A revista naturalmente se move por esse impulso documental, produzindo registros, reproduções e reflexões acerca do mundo. Ao optar por trabalhar com o formato de dossiês, dedicando cada edição a um tema do universo cultural ou artístico, seLecT almeja construir um documento de uma época. Felizmente, isso tem sido confirmado por nossos leitores. Tomemos então esta edição como um documento sobre o momento presente da arte da performance. Um retrato produzido no instante em que corpos e comportamentos estão sendo moldados por hábitos permeados pela tecnologia; em que o acesso ao mundo é vasto e irrestrito, mas frequentemente mediado. É nesse mundo atravessado pelas mídias que o artista de performance trabalha. Seja explorando-as a favor de criar conexões com o mundo – como Paulo Nazareth, que explora a fotografia, o vídeo e o panfleto para disseminar suas ideias –, seja descartando-as, em favor de desierarquizar e potencializar relações interpessoais entre artista e público, caso de Maurício Ianês. Nazareth, Ianês, Garcia, Rolla, Morais, Firmeza, Cais, Lima, Lie, Reale, Ghazel, Patterson, Manuel, entre os cerca de 25 artistas que atuam nesta edição, nos fazem ver que a performance é uma mídia em si, talvez a mais poderosa forma de aproximar poéticas artísticas a identidades pessoais e atitudes políticas.
Paula Alzugaray Diretora de Redação
SELECT.ART.BR
OUT/NOV 2015
EXPEDIENTE
16
EDITORA RESPONSÁVEL: PAULA ALZUGARAY
DIRETORA DE REDAÇÃO: PAULA ALZUGARAY DIREÇÃO DE ARTE: RICARDO VAN STEEN EDITORA DE ARTE: LUCIANA FERNANDES REPORTAGEM: LUCIANA PAREJA NORBIATO REPORTAGEM DIGITAL: CAMILA RÉGIS CONSELHO EDITORIAL: GISELLE BEIGUELMAN E MÁRION STRECKER
COLABORADORES
Adrienne Edwards, Ana Maria Maia, Eder Chiodetto, Guilherme Kujawski, Gustavo Fioratti, Helena Katz, Jessica Rosen, Juliana Monachesi
PROJETO GRÁFICO
Ricardo van Steen e Cassio Leitão
SECRETÁRIA DE REDACÃO COPY-DESK E REVISÃO PRÉ-IMPRESSÃO
CONTATO
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DIRETOR: Rui Miguel ASSISTENTE DE MARKETING: Andreia Silva
DIRETOR NACIONAL: José Bello Souza Francisco DIRETORA: Ana Diniz GERENTES EXECUTIVOS DE PUBLICIDADE: Batista Foloni Neto, João Fernandes, Tania Macena e Rita Cintra SECRETÁRIA DIRETORIA PUBLICIDADE: Regina Oliveira EXECUTIVA DE PUBLICIDADE: Andréa Pezzuto ASSISTENTE DE PUBLICIDADE: Eyres Mesquita ASSISTENTE ADM. DE PUBLICIDADE: Ederson do Amaral COORDENADORES: Gilberto Di Santo Filho CONTATO: publicidade@editora3.com.br RIO DE JANEIRO-RJ: Diretor de Publicidade: Expedito Grossi COORDENADORA DE PUBLICIDADE: Dilse Dumar; Tel.: (21) 2107-6667 / Fax (21)2107-6669 BRASÍLIA-DF: Gerente: Marcelo Strufaldi. Tel.: (61) 3223-1205 / 3223-1207; Fax: (61) 3223-7732 ARACAJU-SE: Pedro Amarante - Gabinete de Mídia - Tel./Fax: (79) 3246-4139/9978-8962. BELÉM-PA: Glícia Diocesano Dandara Representações - Tel.: (91) 3242-3367 / 8125-2751. BELO HORIZONTE - MG: Célia Maria de Oliveira - 1ª Página Publicidade Ltda.; Tel./Fax: (31) 3291-6751 / 99831783. CAMPINAS-SP: Wagner Medeiros - Parlare Comunicação Integrada - Tel.: (19) 8238-8808 / 3579-8808. CURITIBA-PR: Maria Marta Graco - M2C Representações Publicitárias; Tel./Fax: (41) 3223-0060 / 9962-9554. FLORIANÓPOLIS-SC: Anuar Pedro Junior e Paulo Velloso - Comtato Negócios; Tel./Fax: (48) 9986-7640 / 9989-3346. FORTALEZA-CE: Leonardo Holanda - Nordeste MKT Empresarial - Tel.: (85) 9724-4912 / 88322367 / 3038-2038. GOIÂNIA-GO: Paula Centini de Faria – Centini Comunicação - Tel. (62) 3624-5570 / 9221-5575. PORTO ALEGRE -RS: Roberto Gianoni - RR Gianoni Com. & Representações Ltda. Tel./Fax: (51) 3388-7712 / 9985-5564 / 8157-4747. RECIFE-PE: André Niceas e Eduardo Nicéas - Nova Representações Ltda - Tel./Fax: (81) 3227-3433 / 9164-1043 / 9164-8231. SP/RIBEIRÃO PRETO: Andréa Gebin - Parlare Comunicação Integrada; Tel.s: (16) 3236-0016 / 8144-1155. BA/ SALVADOR: André Curvello - AC Comunicação - Tel./ Fax: (71) 3341-0857 / 8166-5958. VILA VELHA-ES: Didimo Effgen-Dicape Representações e Serviços Ltda. - Tel./Fax (27)3229-1986 / 8846-4493 Internacional Sales: Gilmar de Souza Faria - GSF Representações de Veículos de Comunicações Ltda - Fone: 55 11 9163.3062. MARKETING PUBLICITÁRIO - DIRETORA: Isabel Povineli GERENTE: Maria Bernadete Machado ASSISTENTES: Marília Trindade e Marília Gambaro. REDATOR: Bruno Módulo. DIR. DE ARTE: Victor S. Forjaz.
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PAT R O C Í N I O :
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OUT/NOV 2015
COLABORADORES
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jessica rosen
adrienne edwards
Artista visual norte-americana. Vive e trabalha em São Paulo - comportamento P 42
Curadora, pesquisadora e escritora, com enfoque em artistas da diáspora africana e do Hemisfério Sul. Fez a curadoria da Performa 15 - internacional P 62
juliana monachesi
eder chiodetto
guilherme kujawski
helena katz
Crítica de arte e curadora independente. Apresenta A Abstração como Imagem - Parte 2, Galeria Tato, SP, até 27/10 - reviews P 95
Mestre em Comunicação pela ECA-USP, jornalista, curador independente e curador do Clube de Colecionadores de Fotografia do MAM-SP - vernissage P 88
Produtor de conteúdo, curador e autor de ficção científica. Mestre em Artes Visuais pela Donau-Universität, Áustria, e doutorando na USP - coluna móvel P 36
É professora na PUC-SP, onde coordena o Centro de Estudos em Dança (CED). Crítica de dança do jornal O Estado de S. Paulo - coluna móvel P37
ana maria maia
gustavo fioratti
Jornalista e mestre em História da Arte. Foi curadora-assistente do 33º Panorama da Arte Brasileira do MAM-SP - entrevista P 84
Crítico de teatro e jornalista especializado em cultura e comportamento, é colaborador da Folha de S.Paulo - reportagem P 78
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OUT/NOV 2015
Thomas Hoepker • Muhammad Ali on a bridge over the Chicago River, Summer 1966.
em breve: Thomas Hoepker • Impávido Muhammad Ali • 6 Outubro - 28 Novembro Vila Modernista • Alameda Lorena 1257 casa 2 Jardim Paulista • São Paulo - SP + 55 11 3825 0507 instagram.com/galeria_de_babel facebook.com/galeriadebabel galeriadebabel.com
Alfredo de Stéfano Alfredo Nugent Setubal Andrea Micheli Andreas Heiniger Ara Guler Araquém Alcântara Cliff Watts Dimitri Lee Elliott Erwitt Kamil Firat Kevin Erskine Luciano Candisani Luis Gonzalez Palma Julio Landmann Mio Nakamura Pablo Boneu Paolo Ventura Simon Roberts Steve McCurry Thomas Hoepker William Miller Zak Powers Zoe Zapot
C A R TA S
20
A matéria “Arte e Destruição na Floresta
Espaço de Instalações Permanentes do
da Tijuca”, publicada na revista seLecT 25,
Museu do Açude. Na verdade, ele deixou de
caracteriza-se pela parcialidade escancarada,
ser convidado a exercer a curadoria de forma
baseada na versão deturpada de Marcio
individual, passando a participar, apenas,
Doctors, curador do projeto Espaço de
da comissão curatorial. A partir de então,
Instalações Permanentes do Museu do Açude,
passou a fazer desmedidas cobranças,
de 1999 a 2008.
exigindo que o Museu colocasse seu nome
Nove perguntas me foram encaminhadas. Todas
em uma placa, como se não tivéssemos
respondidas. Contudo, apenas duas de minhas
dado crédito ao trabalho meritório que
respostas foram citadas. Se minhas respostas
realizou no período entre os anos de 1999
tivessem sido consideradas, certamente,
e 2008. Todas as peças institucionais
restaria esclarecido, por exemplo:
onde seu nome é devidamente citado só
1) Que a Comissão Curatorial só se reuniu uma
comprovam exatamente o contrário e
vez pelo fato de ter sido constituída para uma
reafirmam a nossa postura ética.
função específica, afinal cumprida, ou seja, a escolha dos artistas que participariam das
Vera de Alencar,
Escreva-nos
diretora dos Museus Castro Maya
Rua Itaquera, 423, Pacaembu, São Paulo - SP
exposições temporárias e permanentes.
CEP 01246-030
2) Que a recuperação da obra de Iole de Freitas não foi priorizada em detrimento da
www.select.art.br
obra de José Resende ou de qualquer outra,
faleconosco@select.art.br
como sugere, maldosamente, Marcio Doctors.
Adorei a matéria. Achei corajosa e foi
A recuperação de tal obra se deu naquele
muito importante para a preservação e
momento por localizar-se na área desmoronada
para o futuro do Espaço de Instalações
twitter.com/revistaselect
com a violenta tempestade que atingiu grande
Permanentes e para a reconstrução
plus.google.com/+SelectArtBr
parte da cidade do Rio de Janeiro, em 6 de
da obra do José Resende. Poucos
abril de 2010, a qual foi reconstruída com
jornalistas têm essa ousadia e poucas
recursos do BNDES. 3) Que nossa proposta
revistas, essa abertura.
é totalmente diferente daquela de Inhotim e
Obrigado e torço pela seLecT e pelo
que inauguramos duas de nossas instalações
jornalismo de qualidade.
no ano de 1999, antes mesmo de sua abertura,
Marcio Doctors, curador da Fundação Eva Klabin
que só se deu alguns anos depois. 4) Que temos recebido verbas anuais do IBRAM/MinC para a conservação das obras, garantindo o bom estado das mesmas, mas com as marcas e pátinas próprias da exposição ao tempo desejadas e previstas pelos artistas. Em 2014,
(O Museu do Açude), em vários aspectos,
foram restauradas, por exemplo, as instalações
pode ser melhorado. Mas será que precisa
de Lygia Pape e Anna Maria Maiolino. A de
ser um "Grande Destino do Turismo"?
Hélio Oiticica já conta com os recursos para ser
Será que interessa às "classes culturais"
restaurada ainda este ano. Afinal, quais esforços
se identificar com um museu no meio da
teria feito Marcio Doctors para catalogar as
floresta? Não será suficiente sair notícias na
obras do Museu do Açude como acervo?
Globo para que todos corram para lá?
Ressalto, por fim, que o curador Marcio Doctors
Carlos Rocha,
não se afastou espontaneamente do projeto
administrador (via Facebook)
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OUT/NOV 2015
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AGENDA
S Ã O PA U LO
A RADICALIZAÇÃO DO SUL 22
19º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil/ Panoramas do Sul, de 6/10 a 6/12, Sesc-Pompeia. Panoramas do Sul/ Projetos Comissionados, de 8/10 a 6/12, Galpão_VB. Quem Nasce pra Aventura Não Toma Outro Rumo, de 8/10 a 6/12, Paço das Artes Há um triângulo imaginário desenhado na exposição Panoramas do Sul/Artistas Convidados, montada no Galpão do Sesc-Pompeia, em São Paulo, por ocasião do 19º Festival Sesc Videobrasil. Ele é formado por obras de artistas originários de África, Brasil e Portugal, discute questões fundamentais da realidade sociopolítica contemporânea e reflete trânsitos reais vividos nesses eixos. Abdoulaye Konaté, do Mali, apresenta um conjunto de três tapeçarias realizadas a partir do encontro que teve, em 2014, com uma tribo guarani em Ubatuba, litoral norte de SP. A artista franco-marroquina Yto Barrada aborda as fronteiras físicas e emocionais entre a África e a Europa. Gabriel Abrantes, de Portugal, investiga os movimentos migratórios entre Angola, Brasil, China, Sri Lanka e Haiti. E Sonia Gomes (à dir., obra da série Torção), única brasileira na mostra All The Worlds Futures da 56a Bienal de Veneza, aborda nas séries escultóricas Torções e Patuás as entranhas de sua identidade racial ancorada no passado colonial brasileiro, a partir de elementos resgatados da memória familiar. Segundo statement do festival, as obras desses quatro artistas radicalizam a proposta da 19a edição, que transformou o Sul e suas múltiplas questões – imperialismo, colonialismo, formação identitária, trânsitos globais e relação culturanatureza – em pontos de partida para os eixos curatoriais das quatro exposições que compõem sua programação, que inclui a inauguração do espaço permanente Galpão_VB.
RIO DE JANEIRO
3M CARIOCA ENFOCA PASTICHE E PARÓDIA 6a Mostra 3M de Arte Digital - WhatsAppropriation - A Arte de Revisitar a Arte, de 8 a 25/10, Fundição Progresso, Rua dos Arcos, 24 A Mostra 3M chegou ao Rio de Janeiro, mais especificamente à Lapa. Em sua estreia carioca, a exposição de arte digital traz um tema bastante atual: WhatsAppropriation. É uma alusão ao manancial infinito de possibilidades de recriação de obras e imagens icônicas por meio das novas mídias, mesmo não trazendo o uso direto das redes sociais como motor dessa circulação. O que se vê na exposição são paródias e pastiches criados por 22 artistas, (como Nelson Leirner, Cristina Lucas e Max Zorn) em cima das pinturas mais icônicas da história da arte. Caso da Santa Ceia, que ganha uma versão divertidíssima na fotografia Asado em Mendiolaza, de Marcos López. Os trabalhos dividem-se em sete categorias: imaginário brasileiro, imaginário feminino, grandes microrrelatos, iconografias, naturezas-mortas, relatos pessoais e performáticos. SELECT.ART.BR
OUT/NOV 2015
FOTO: CORTESIA MENDES WOOD DM
BELO HORIZONTE
ESPÍRITO ALEMÃO Zeitgeist - A Arte da Nova Berlim, de 21/10 a 11/1/16, CCBB-BH, Praça da Liberdade, 450 O espírito do momento atual da arte alemã ganha mostra abrangente que enfoca os mais diversos suportes, inclusive performance. Alguns temas norteiam a exibição das obras: os diferentes ritmos do tempo, a ruína como categoria estética, eterna construção e demolição, e o vazio e o provisório. Nomes consagrados, como os fotógrafos Thomas Florschuetz (abaixo, foto sem título) e Frank Thiel e o pintor Franz Ackermann, compõem a lista de artistas, que ganha reforço de um brasileiro, Marcellvs L.
23
S Ã O PA U LO
TEMPO DA MEMÓRIA EM TRânsito - Sonia Guggisberg, até 21/10, Galeria Rabieh, Al. Gabriel Monteiro da Silva, 145 A obra de Sonia Guggisberg traz duas fortes características: o uso de diversos suportes e a abordagem de tensões (acima, série Fog, 2015). Nesta mostra, o movimento opõe-se ao imóvel, a ação contraria sua impossibilidade. A curadoria de Priscila Arantes escolheu trabalhos que remetem a viagens, de onde o título se origina. Mas o trajeto da artista não aparece expansivo ou turístico, é, antes, como uma lembrança antiga que vai perdendo a cor e borra a fronteira com o tempo presente.
S Ã O PA U LO
CAMINHO ABSTRATO Yolanda Mohalyi - A Grande Viagem, de 24/10 a 24/11, Dan Galeria, Rua Estados Unidos, 1.638 A trajetória artística de Yolanda Mohalyi, a cidadã húngara que se apaixonou pelo Brasil e fez daqui o seu lar é revista pela exposição, que traz 50 pinturas. Por meio delas fica visível a transformação do trabalho da artista ao longo do modernismo. Do início nas aquarelas figurativas (à dir., Abstrato em Azul, 1960), acabou optando pela ausência de formas e apostando na cor quando a arte brasileira da metade do século 20 tomou dois partidos diferentes: abstração e figuração de temática social. FOTOS: DE CIMA PARA BAIXO, SONIA GUGGISBERG, THOMAS FLORSCHUETZ/CORTESIA GALERIA ANITA SCHWARTZ E DIVULGACÃO
AGENDA
24
BRUMADINHO
NOVO HÓSPEDE William Kentridge, sem previsão de término, Inhotim, Rua B, 20 | www.inhotim.org.br O sul-africano William Kentridge é o artista da vez a ocupar o enorme galpão do museu a céu aberto. Antes, o espaço abrigava The Murder of the Crows (2008), a obra sonora da dupla Cardiff & Miller. Composta de oito projeções em dimensões colossais, a videoinstalação I Am Not Me, The Horse Is Not Mine (abaixo, frame da projeção) já passou pela Tate Modern (Londres) e pelo MoMA (NY) antes de estrear em solo brasileiro. Com cenas de colagens em movimento, fotos manipuladas diante da câmera e até um teatro de sombra gravado, a obra de Kentridge tem forte caráter performático.
RIO DE JANEIRO
GENTE DE OPINIÃO Opinião 65 – 50 Anos Depois, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (até 28/2/16, Av. Infante Dom Henrique, 85) e Pinakotheke Cultural (até 31/10, Rua São Clemente, 300) Opinião 65, a mostra emblemática realizada há meio século no MAM Rio por Ceres Franco e Jean Boghici (19282015) ganha nova montagem. Desta vez, a curadoria de Luiz Camillo Osorio ganha reforço na de Max Perlingeiro, que também assina a curadoria dessa extensão. A geração de artistas que incorporou às visuais a verve política e novas linguagens, como os quadrinhos, no início do regime militar no Brasil, vem em nomes como Rubens Gerchman, Wesley Duke Lee, e Hélio Oiticica (acima, Bólide-caixa 18 - Homenagem a Cara de Cavalo, 1965-1966).
S A LVA D O R
SOLUÇÕES PARA A CRISE Academia da Crise: Para Cada Problema, uma solução? até 8/11, Museu de Arte Moderna da Bahia, Av. Contorno, s/nº | www.mambahia.com Economia, questão indígena, educação, saúde: não há problema sem solução, por menos ortodoxa que seja. Pensando em diversas abordagens artísticas para as mais variadas crises, a mostra tem obras de nomes como Nino Cais, Ramiro Bernabó e Maxim Malhado, entre outros (à dir., martelos colecionados por Elberto Lisboa Falcão). O tema é a dimensão humana por trás das demandas econômicas do mundo globalizado, com um toque brasileiro e, em especial, soteropolitano. SELECT.ART.BR
OUT/NOV 2015
FOTOS: DE CIMA PARA BAIXO, DIVULGAÇÃO E LAIS MATOS
O verbo to play, em inglês, tem o duplo sentido de jogar e tocar. É uma escolha precisa da curadora Karin Stempel para nomear a exposição que Ben Patterson, 81 (foto), um dos fundadores do Grupo Fluxus, realiza em São Paulo. Jogando com Ben Patterson reúne em torno do músico e performer norte-americano cinco interlocutores brasileiros, para jogar e tocar juntos. Guto Lacaz, Paulo Bruscky, Cristina Barroso, Dudi Maia Rosa e Francisco Klinger Carvalho são amizades que Patterson fez há mais de 20 anos, quando esteve no Brasil, em 1983, para a 17a Bienal de São Paulo, juntamente com seus colegas do Fluxus Ben Vautier, Wolf Vostell e Dick Higgins. Com eles realiza performances em uma NoiteFluxus e divide o espaço da Galeria Bolsa de Arte, que será ocupada por obras de todos – bem ao espírito Fluxus, que buscava a quebra de barreiras e convenções, aproximando as artes visuais da música, poesia e performance. Formado em música clássica pela Universidade de Michigan, Ben Patterson integrou, até os anos 1960, orquestras sinfônicas no Canadá, EUA e Alemanha. Em 1962, ampliou seus horizontes de atuação e pesquisa, a partir do Wiesbadener Festspiele Neuester Musik, que ficou conhecido como o marco zero do Fluxus, criado por ele e Georges Maciunas, na Alemanha. Mas, para ele, o Fluxus não é história. “O Fluxus está definitivamente muito vivo”, diz Patterson à seLecT. “Existem hoje ao menos uma terceira e quarta gerações de artistas que se autointitulam Fluxus”. Como manter o espírito Fluxus vivo? “Simplesmente continuando a performar e a criar”, diz ele, que vai tocar e jogar com outros
S Ã O PA U LO
artistas e com o público algumas
FLUXOS BRASILEIROS DE BEN PATTERSON
de suas peças mais marcantes,
Jogando com Ben Patterson, de 27/10 a 21/11, Galeria Bolsa de Arte, Rua Mourato Coelho, 790, São Paulo
e artes visuais. PA
como Carmen, que combina ópera
FOTO: REINHARD BERG
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BIENAIS
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CURITIBA
LUZ E NUDEZ 5a Bienal Internacional de Curitiba - Luz do Mundo, 3/10 a 6/12, Museu Oscar Niemeyer (Rua Marechal Hermes, 999, Curitiba) e outros endereços | www.bienaldecuritiba.com.br Na quinta edição da mostra internacional, o curador Teixeira Coelho buscou trazer para o espectador experiências estéticas imediatas em obras que têm a luz como matéria-prima (abaixo, obra de Julio Le Park, homenageado da bienal). “Em sua nudez, a arte da luz vai além. Todos os problemas são abolidos na cena icônica construída pela arte da luz, uma arte que quase nunca tem o ímpeto de abordar algum problema, uma arte livre também de conceitos e esquemas lógicos, apta a revelar e se apresentar como renovadora de sentido”, diz Coelho no texto curatorial.
PORTO ALEGRE
MERCOSUL VEM GIGANTE, MUSEOLÓGICA E LATINO-AMERICANA 10a Bienal do Mercosul – Mensagens de uma Nova América, 23/10 a 6/12, vários endereços, Porto Alegre | www.bit.ly/10bienal-mercosul A Bienal do Mercosul chega à sua 10a edição retomando uma premissa fundamental: o foco específico na América Latina, só com artistas desse eixo. Além disso, traz números astronômicos: cerca de 700 obras de 402 artistas, entre os quais figuram nomes tão diversos quanto Aleijadinho, Alberto da Veiga Guignard, o chileno Alfredo Jaar e o colombiano Antonio Caro (acima, Colombia Coca-Cola, 2007). A vocação desta edição é museológica, o que significa o esforço de traçar percursos compreensivos da história da arte na região. A curadoria fica a cargo de Gaudêncio Fidélis no comando da equipe, que traz ainda o curadoradjunto Márcio Tavares e os assistentes Ana Zavadil (Brasil), Fernando Davis (Argentina), Raphael Fonseca (Brasil), Ramón Castillo Inostroza (Chile) e Cristián G. Gallegos (Chile). Eles elaboraram os quatro eixos temáticos sob os quais se organizam sete exposições, além de uma Escola Experimental de Curadoria. São eles A Jornada da Adversidade, baseada em premissa de Hélio Oiticica; A Insurgência dos Sentidos, que traz exposição sobre o fator olfativo na arte contemporânea; O Desapagamento dos Trópicos; e a Jornada Continua, sob o qual está a formação de curadores do projeto educativo da mostra.
RIO DE JANEIRO
NOVA BIENAL TRIDIMENSIONAL Trio - Bienal Internacional do Tridimensional, até 26/11, vários endereços | www.triobienal.com Com 170 artistas de 50 países e curadoria de Marcus de Lontra Costa, a nova exposição periódica apresenta-se em 11 endereços espalhados pela capital fluminense. Em evidência, trabalhos que exploram a tridimensionalidade, como esculturas e instalações, produzidos por nomes como o francês Xavier Veilhan, Los Carpinteros e Fábio Carvalho (à direita, Eros & Psiquê, 2013). SELECT.ART.BR
OUT/NOV 2015
FOTOS: DE CIMA PARA BAIXO, DIVULGAÇÃO/ACERVO DO MUSEU LA TERTULIA, CORTESIA ATELIER LE PARK E DIVULGAÇÃO
AGENDA
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S Ã O PA U LO
PANORAMA A PARTIR DA PRÉ-HISTÓRIA 34º Panorama da Arte Brasileira – Da Pedra, Da Terra, Daqui, 3/10 a 18/11, Museu de Arte Moderna de São Paulo, Parque do Ibirapuera, s/nº, São Paulo
Como ligar o passado pré-histórico do Brasil à atualidade
(sambaqueiros)”, disse Guimarães à seLecT. Depois de
usando o vídeo? Se é Cao Guimarães quem responde, o
realizar imagens das formações, passando pelas lagunas
resultado é poesia visual. A convite dos curadores Aracy
catarinenses, Guimarães achou por acaso uma vila de
Amaral e Paulo Miyada, ele integra a lista enxuta de artistas
pescadores com ruas pavimentadas por conchas, restos da
da 34 edição do Panorama do MAM. A seleção tem
pesca do mexilhão. De alguma forma, o uso das conchas
também Berna Reale, Cildo Meireles, Erika Verzutti, Miguel
como base de habitação chegou até hoje. “Parece que os
Rio Branco e Pitágoras.
sambaqueiros continuam por aí.” O resultado é Filme em
Sob o título Da Pedra, Da Terra, Daqui, a mostra investiga como
Anexo (frame acima).
o passado longínquo ainda ecoa na produção visual nacional.
Mas não só o artista mineiro usou o vídeo como suporte.
O foco são os sambaquis, grandes aglomerados de conchas,
Em Fronteiras Verticais, o carioca Cildo Meireles registrou a
e os zoólitos, esculturas em pedra com formas animais,
epopeia que mobilizou oito homens num percurso da aldeia
realizados entre 2 mil a 7 mil anos a.C., por povos nômades na
ianomâmi de Maturacá até o topo do Pico da Neblina,
costa Sul do País, principalmente Santa Catarina.
maior altitude brasileira, para ali depositar uma pedra. A
“A Aracy pediu que eu focasse os sambaquis. Fiz um retrato
paraense Berna Reale também usa o suporte mesclando
do processo de busca de quem era o povo que os construiu
engravatados e vítimas fatais da violência urbana. LPN
a
SELECT.ART.BR
OUT/NOV 2015
FOTO: FRAME DO FILME/CORTESIA DO ARTISTA
SUIÇA
TUTELA ESTELAR 30
Rolex Mentor & Protégé Arts Initiative 2014-2015 | www.rolexmentorprotege.com O que o artista dinamarquês Olafur Eliasson e o congolês Sammy Baloji têm em comum? Ambos são artistas visuais e o primeiro tem atuado como tutor do segundo durante todo o ano de 2015. Quem oferece o privilégio é a Rolex, tradicional marca suíça de relógios de luxo, em seu Rolex Mentor & Protégé Arts Initiative. Multidisciplinar, o programa de incentivo à produção artística enfoca as áreas de arquitetura, música, teatro, dança, literatura, cinema e visuais. As edições são bienais. No primeiro ano, um time de conselheiros artísticos escolhe os mentores de cada área, que determinam com que perfil de pupilos querem trabalhar. Então sete equipes de seleção (um para cada suporte) apontam possíveis nomes para serem orientados, até chegar a três finalistas. A palavra final é do mentor: é ele quem escolhe o pupilo com a atuação que mais lhe interessa. A partir daí, pupilo e mentor vão se encontrar por seis semanas ao longo do segundo ano de cada edição. Nomes como Gilberto Gil, na música; Margaret Atwood, na literatura; e William Kentridge, em visuais, já foram tutores pelo projeto. Este ano, o cinema conta com orientação do mexicano Alejandro González Iñarritu, diretor de Birdman. Além da orientação, os pupilos ganham US$ 25 mil pela premiação mais os custos de viagens, além de outros US$ 25 mil ao fim do período para a realização de uma obra. O tutor ganha US$ 75 mil. A edição 2014-2015 terá encerramento com cerimônia para convidados no dia 4/12. Eliasson, que ampliou consideravelmente a inserção social de seus trabalhos com o projeto Little Sun – que prevê a distribuição de energia solar a populações africanas que não dispõem de energia elétrica –, terá contribuído para o desenvolvimento do trabalho de forte vocação social de Sammy Baloji. O congolês compõe fotos de trabalhadores do período da colonização belga no Congo às imagens atuais dos lugares por eles construídos, em ruínas. SELECT.ART.BR
OUT/NOV 2015
Olafur Eliasson, à esq., orientou Sammy Baloji durante o ano de 2015
FLORIANÓPOLIS
UM SÍTIO PARA TRANSPOR FRONTEIRAS Fernanda Valadares e Rodrigo Cunha, 19/11 a 10/12, Myrine Vlavianos Arte Contemporânea em O Sítio, Rua Francisca Luísa Vieira, 53, Florianópolis | www.ositio.com.br A galerista Myrine Vlavianos aposta na parceria com o espaço multidisciplinar O Sítio para promover uma série de mostras, cuja premissa é o intercâmbio da produção artística de Florianópolis com a nacional. Até o dia 10 de outubro seguem em cartaz Diego de los Campos (SC) e Heleno Bernardi (RJ), e, a partir de 19 de novembro, entra em cartaz a dobradinha entre Fernanda Valadares (RS/ SP; abaixo, obra em encáustica) e Rodrigo Cunha (SC). Debates e workshops com os artistas participantes completam o caráter didático da programação.
FOTOS: DE CIMA PARA BAIXO, ROLEX/TINA RUISINGER E CORTESIA MYRINE VLAVIANOS ARTE CONTEMPORÂNEA
CACHAÇA BLENDED ARTESANAL E ORGâNICA Cachaça artesanal feita em pequenas levas. Blended com perfeição para um sabor refinado. Há cinco gerações uma paixão de família. Essa é história deles. A história de uma cachaça.
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CAMPEÕES SUPERAM LIMITES Com a cobertura da Editora Três, você ficará por dentro de toda a preparação para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016. Nessa edição tem uma nova matéria para você acompanhar e se atualizar. E para não perder nenhum lance, leia mais matérias exclusivas nas versões digitais e nos sites das nossas revistas. Com a cobertura da Editora Três, você vai superar todos os limites para tornar-se o campeão da informação.
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OUT/NOV 2013
O L I M P Í A DA C U LT U R A L
VILLA-LOBOS E A ALMA BRASILEIRA Espetáculo multimídia dará visibilidade à obra do maior compositor brasileiro de música erudita no período em que os olhos do mundo estarão voltados para o Brasil. Heitor Villa-Lobos é figura maior do panteão da música erudita brasileira. Com vida e obra controversas e apaixonadas, revolucionou a composição sinfônica no País e imprimiu o DNA da cadência tupiniquim no código estrito da tradição eurocêntrica. Ainda assim, seu legado permanece subaproveitado mesmo pelas orquestras brasileiras. Para fazer frente a esse estado das coisas, o Ministério da Cultura deu o pontapé inicial em um projeto que promete conferir à obra do compositor o
Saguão do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, onde Alma Brasileira será exibido durante as Olimpíadas
destaque merecido. Isso ocorrerá às vésperas das Olimpíadas, o maior evento esportivo do mundo. Com roupagem contemporânea, os grandes clássicos brasileiros de todos os tempos A Floresta do Amazonas (1958), Bachianas Brasileiras nº 4 e nº 5 (1938-1945) e Choros nº 6 e nº 10 (1920-1926) serão executados por orquestra, coro e soprano solista reunidos em cenário digital especialmente concebido pelo grupo de teatro catalão La Fura del Baus. O espetáculo multimídia Alma Brasileira tem apresentações previstas para maio de 2016, no Theatro Municipal de São Paulo, durante as Olimpíadas, no Municipal do Rio, e depois excursiona por capitais como Salvador e Belo Horizonte, com possibilidade de apresentações internacionais. LPN FOTO: MATHIEU BERTRAND STUCK
A C E R V O S I TA Ú C U LT U R A L
PERFORMANCE Na nova seção, ampliamos a pesquisa sobre o tema da edição reunindo citações aos acervos documentais da Enciclopédia Itaú Cultural e projetos do instituto VERBETES PERFORMANCE
PARANGOLÉ
GRUPO REX
Forma de arte que combina
Fruto das experiências
elementos do teatro, das artes
de Hélio Oiticica (1937-
visuais e da música. Nesse
1980) com a comunida-
sentido, a performance liga-se
de da Escola de Samba
ao happening (os dois termos
Estação Primeira da
aparecem em diversas ocasiões
Mangueira, no Rio de
como sinônimos), e neste o
Janeiro, o Parangolé é
espectador participa da cena
criado no fim da década
proposta pelo artista, enquanto
de 1960. Considerado
na performance, de modo geral,
O Grupo Rex tem atuação marcada pela irreverên-
por Hélio Oiticica a “to-
não há participação do público.
cia, humor e crítica ao sistema de arte. Os mentores
talidade-obra”, é o ponto
(...) As relações entre arte e
da cooperativa, Wesley Duke Lee (1931-2010),
culminante de toda a
vida cotidiana, assim como o
Geraldo de Barros (1923-1998) e Nelson Leirner
experiência que realiza
rompimento das barreiras entre
(1932) projetam um local de exposições - a Rex
com a cor e o espaço.
arte e não arte constituem
Gallery & Sons - além de um periódico - o Rex Time -
preocupações centrais para a
que deveriam funcionar como espaços alternativos
performance.
às galerias, museus e publicações existentes.
PROJETOS BURLA: DIVERGÊNCIAS, CONTRASTES E OUTROS CARNAVAIS
PROJETO MUNDANO Formado por livro, perfor-
O projeto dirigido por Giorgia Conceição, com parti-
mances e exposição nas rua
cipação especial de Elke Maravilha, foi contemplado
do Rio de Janeiro, o Projeto
pelo Rumos 2013-2014. Burla prevê a realização de
Mundano tem o intuito de
um espetáculo, um curta-metragem e um site, com o
propor novas relações entre
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OUT/NOV 2015
objetivo de
as pessoas e a cidade. O
analisar, arti-
projeto integra a programa-
cular, produzir
ção do Rumos 2013-2014
e estimular
e a diretora Eleonora Fabião,
a cena burles-
doutora em Performance
ca no Brasil,
pela Universidade de Nova
vinculando-a
York, se apresentará em
ao panorama
novembro no Performa 2015
internacional.
(leia mais à pág. 62).
+
Links em bit.ly/acervo-itau-cultural
FLUXUS O movimento fluxus é menos que um estilo, um conjunto de procedimentos, um grupo específico ou uma coleção de objetos, que traduz uma atitude diante do mundo, do fazer artístico e da cultura que se manifesta nas mais diversas formas de arte. (…) Seu nascimento oficial está ligado ao Festival Internacional de Música Nova, em Wiesbaden, na Alemanha, em 1962, e a George Maciunas (1931-1978), artista lituano radicado nos Estados Unidos, que batiza o movimento com uma palavra de origem latina, fluxu, que significa fluxo, movimento, escoamento. O termo, originalmente criado para dar título a
Ebitatem harum vel iur alitatia voloratio quo vollorum ipsaecat arcil ernatus anducieni-
uma publicação de arte de vanguarda, passa a caracterizar uma série de performances organizadas por Maciunas na Europa, entre 1961 e 1963. (...) As músicas de John Cage e Paik, comprometidas com a exploração de sons e ruídos tirados do cotidiano, têm lugar central na definição da atitude artística do Fluxus. Trata-se de romper as barreiras entre arte e não arte, dirigindo a criação artística às coisas do mundo, seja à natureza, seja à realidade urbana, seja ao mundo da tecnologia. Além da música experimental, as principais fontes do movimento podem ser encontradas num certo espírito anárquico de contestação que caracteriza o dadaísmo, nos ready-mades de Marcel Duchamp (1887-1968) e em sua crítica à institucionalização da arte, e na action painting de Jackson Pollock (1912-1956), com ênfase no processo de criação ancorado no gesto e na ação (...). No Brasil, alguns críticos apontam parentescos entre o Grupo Rex, com o movimento fluxus. Integrantes do Fluxus estiveram presentes na 17a Bienal Internacional de São Paulo, em 1983, e têm uma ala dedicada à exposição de obras e documentos do grupo.
Duo for Voice and String Instrument and Variations for Double Bass (1962), performance de Benjamin Patterson na Galerie Parnass, Wuppertal
FOTOS: ZADIK ZENTRALARCHIV DES INTERNATIONALEN KUNSTHANDELS, KÖLN. NA PÁGINA AO LADO, NO SENTIDO HORÁRI, FÁBIO MORAIS, FELIPE RIBEIRO E MARIANA BLEY
CO LU N A M Ó V E L
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AÇÃO E PROCEDIMENTO
G U I L H E R M E KUJ AW S K I
O SIGNIFICADO DE ALGUMAS PALAVRAS É CONTESTÁVEL, COMO SABEMOS. NO ENTANTO, HÁ UMA QUE, DENTRO DO CONTEXTO ARTÍSTICO, MERECERIA O RÓTULO DE TERMO POLÊMICO POR EXCELÊNCIA: PERFORMANCE.
Mas voltemos ao básico. Artes performáticas, no plural, hoje integram o rol das manifestações estéticas legítimas e se referem, geralmente, ao teatro, à dança e a todas as expressões corporais, incluindo a body art, e, claro, às ações descritas como “arte performática” (no singular). Como se vê aqui, as artes performáticas (no plural) são executadas por um amplo espectro de artistas, de Pina Bausch a Marina Abramović, passando por Bruce Nauman e Rirkrit Tiravanija. Mas vamos ressaltar aqui a última forma, a que se destacou diretamente das artes cênicas e foi colocada no singular. A arte performática de caráter “conceitual”, a que é apresentada, por exemplo, no festival VERBO, promovido todos os anos pela Galeria Vermelho, em São Paulo, é herança direta das ações que tiveram início com os happenings dos anos 1970. No começo, esses eventos eram explicitamente políticos. Mais tarde, surgiu um tipo de discurso “não ortodoxo”, mais afeito às micropolíticas do cotidiano do que às guerras e aos costumes. Atendia precisamente às demandas das vanguardas para integrar vida à arte. Ate aí, tudo bem. O problema começa a ficar mais agudo quando adicionamos ao caldo o conceito de performatividade, que ancora tantos outros mais contestáveis e difusos. Isso porque estamos estritamente no campo da arte, e podemos excluir questões de gênero, identidade e feminismo desenvolvidas na obra da filósofa Judith Butler. E também podemos descartar – não sem o devido respeito – o campo da linguística, ao qual o conceito de performatividade sempre esteve associado. A partir da década de 1970, a performatividade insinuou-se em diversas expressões, SELECT.ART.BR
OUT/NOV 2015
Alguns dos “artistas performáticos” do balé midiático de Igor Stromajer
inclusive a literatura. Dentro das artes visuais (incluindo artes performáticas) podemos afirmar que performatividade sugere uma mudança de paradigma, ou seja, a obra de arte não mais descreveria ou representaria algo ou alguma coisa, mas se resumiria aos efeitos e experiências que ela mesma produz no agora chamado espectador-participante. Ao avançar pelo campo da “arte tecnológica”, percebemos o quanto a palavra performatividade ganhou novas interpretações, inclusive as que prescindem do sujeito observador. Por exemplo, uma obra de software art, na qual os algoritmos estabelecem a sua progressão à revelia de seu criador, é performativa por natureza; é um procedimento computacional tornado work-in-progress. É a performatividade em seu estado puro, autônoma e livre. Por fim, encontramos o duplo vínculo entre artes performáticas e performatividade na ópera Ballettikka Internettikka, do artista esloveno Igor Stromajer, que une performance (o público não fica separado da ação) e performatividade (a obra é também executada por meios tecnológicos autônomos) – isso sem falar do caráter mutante do espetáculo, que é drasticamente alterado a cada apresentação. Nesse exemplo, o ciclo se fecha, mas não sem levantar outros problemas. FOTO: IGOR STROMAJER & BRANE ZORMAN/ BALLETTIKKA INTERNETTIKKA INSECTTIKKA
O CORPO E OS NOVOS HÁBITOS COGNITIVOS PASSADOS TODOS ESSES ANOS DE TREINO DIÁRIO DE VÁRIAS HORAS USANDO AS TELAS QUE NOS CERCAM, NOS TRANSFORMAMOS EM SUJEITOS QUE SE RELACIONAM, BASICAMENTE, DE TRÊS FORMAS: CURTINDO, DELETANDO OU REENVIANDO. Ações distin-
tas, mas realizadas da mesma maneira: com um único toque da ponta do dedo. Vivemos no mundo me myself and I, desenhado de acordo com o que cada um decide, a partir do que deseja. Somos adultos mimados e as consequências desses novos hábitos adquiridos na vida on line escorrem para o viver off line. Nesse tipo de mundo, o que sucede com as artes que dependem do corpo para acontecer? Nunca foi recomendável olhar para o que se produz sem levar em conta as condições para a sua produção, e agora cabe identificar o que nelas se alterou. Podemos lembrar, por exemplo, que já nos acostumamos a não mais distinguir o público do privado; que fingimos ignorar sermos sujeitos indexados em cada uma de nossas atitudes on line (rastreadas pelos instrumentos de busca que continuam sendo aperfeiçoados). Essas são mudanças sérias, ligadas aos nossos novos hábitos cognitivos. E, quando a coisa acontece na cognição, altera o jeito de olhar o mundo. Hábitos cognitivos porque são característicos do corpo, manifestam-se no comportamento, em cada uma das atitudes que se toma. No que se relaciona ao corpo, nada escapa, nem as artes que o corpo faz. Mas, como pouco atentamos ao que já nos transformamos (adultos mimados), raramente nos damos conta de que só aceitamos uma obra quando ela nos agrada ao primeiro olhar, seja uma performance, uma dança, uma peça de teatro ou qualquer outra forma de manifestação artística. Tratamos todas como objetos de consumo, que precisam seduzir e acariciar o nosso gosto. Juntando esse jeito consumista de lidar com a arte com a condição em que ela se produz
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H E L E N A K AT Z
Meia-Noite Também É MeioDia (2004), de Marilá Dardot, um relógio que leva o dobro de tempo para fazer a volta
hoje no Brasil (via as formas de financiamento à cultura vigentes desde 1986, com a implantação da primeira Lei de Incentivo à Cultura, a hoje extinta Lei Sarney), monta-se um quadro preocupante. Como o alcance dos novos hábitos cognitivos é amplo, geral e irrestrito, pois eles se referem ao que sucede com o corpo, afeta tanto quem faz quanto quem entra em contato com qualquer tipo de manifestação artística. Nesse quadro, uma das tintas mais fortes é a da condição de os fazeres artísticos terem passado a ser condicionados pela periodicidade dos editais. O financiamento à cultura se dá, na sua quase totalidade, pela privatização do dinheiro público. A distribuição desse dinheiro se faz por editais. Os artistas se adequaram a essa situação e a encaram como se não existisse outra possibilidade para a sua sobrevivência. Apertados pela necessidade de produzir projetos com muito mais frequência do que desejariam, os artistas são levados a trocar o tempo da criação, que não é facilmente domesticável, pelo tempo da criatividade, hoje reduzida a um tratamento publicitário de “boas ideias”, rapidamente suplantáveis pelas próximas “boas ideias”. Pascal Gielen, professor de Sociologia da Arte na Universidade de Groningen, na Holanda, escreveu, em 2013, um livro chamado Criatividade e Outros Fundamentalismos, no qual explica que a criatividade passou a ser uma espécie de fundamentalismo, pois até as cidades precisam ser criativas, além da economia, é claro. A ausência do tempo da criação que, geralmente, transborda o tempo do relógio, quando substituído pela velocidade da criatividade eficiente, deixa rastros nas obras que vão sendo gestadas. Para olhar para a cena povoada pela produção das artes do corpo no Brasil de hoje, há que saber identificar a forma e a espessura da moldura que as Leis de Incentivo à Cultura aqui delimitaram. Cada uma das artes tem uma especificidade, dentro da condição de produção compartilhada, que também muda. Veja que a Lei Municipal do Fomento, em SP, dilatou os seus prazos. Como a relação corpo-ambiente é a condição da existência de ambos, as transformações não cessam, o mundo aqui descrito já sinaliza o início de outra fase. A tecnologia chega cada vez mais perto do corpo. iWatch ou Google Glass nos fazem perceber que a relação com os equipamentos que já manejamos também vai mudar. Em breve viveremos em um mundo sem telas, no qual a tecnologia será ainda mais corporificada. Vale ficar atento para o corpo e a arte que ele fará. FOTO: CORTESIA GALERIA VERMELHO
O que particulariza a performance como manifestação estética de outros usos e significados expandidos da palavra? Artistas, curadores e pesquisadores respondem à pergunta, discernindo sobre a maleabilidade e os deslocamentos do termo FOGO CRUZADO
O QUE É PERFORMANCE? RENATO DE CARA GALERISTA DA MEZANINO E COORDENADOR DO FESTIVAL DE PERFORMANCE MOVIMENTA
A performance é uma ação que, quando percebemos, já acabou, independentemente do uso da palavra. Seu discurso pode ser estético e político. Aliada à arte conceitual, expande-se em cena. De sua poética ficam o registro e o impacto do momento. A performance pode conter desenho, escultura, música ou teatro. Cito Tania Rivera: “Mais forte do que a escrita, a presença corporal de alguém, ao se oferecer ao olhar do outro, não seria essencialmente uma declaração inequívoca de que ‘se está vivo’ – o que sempre significa que ‘ainda’ se está vivo?” SELECT.ART.BR
OUT/NOV 2015
CHRISTINE MELLO CRÍTICA E CURADORA
CRISTINA FREIRE CURADORA E PESQUISADORA DO MAC-USP
A palavra performance tem muitos e contraditórios sentidos na atualidade. Sua origem nas artes cênicas desqualificou para muitos artistas seu uso no campo das artes visuais, em especial nos anos 1970. Artistas mais politizados, sobretudo latino-americanos, consideraram o termo performance inadequado, na medida em que teatralizava ações e situações, esvaziando seus conteúdos políticos. Na atualidade, performance presta-se a qualificar uma categoria tecnocrática, ironicamente ligada à avaliação de resultados no mundo dos negócios. Fala-se, por exemplo, da avaliação da performance de funcionários. Nesse sentido, muito longe dos artistas dos anos 1970, o conceito de performance insere-se num mundo cada vez mais estruturado pelas normas de socialização performáticas, isto é: eficácia, iniciativa, flexibilidade, além de reiteração continuada de si mesmo. Assim, o termo performance designa tanto uma poética originária no teatro e utilizada pelas artes visuais como também se aplica à eficácia do capitalismo.
As diferenças existentes entre o termo performance (como manifestação artística) e performatividade (muito utilizado na antropologia e no pensamento crítico) ampliam hoje a noção de performance para diferentes campos, contextos e linguagens. Inscrita na história da arte, a performance é constituída de atos performativos, embora integre a eles propósitos artísticos. A noção de performatividade corresponde à instauração de um ato e ao próprio momento em que uma dada ação é realizada. Manifesta-se de forma geral no plano político, social e cultural. A performatividade promove deslocamentos e a descentralização de processos singulares de produção de linguagem na performance como gênero artístico. Amplia a trama de relações constituídas para além dela. Destacar, portanto, os estados performativos em vez da noção tradicional de performance tem interesse por serem eles processos mais ricos de heterogênese, produzindo, desse modo, expansão e pluralidade.
LUCIO AGRA PERFORMER
O que se costuma chamar de “arte da performance” diz respeito a uma delimitação de “certa” história da arte, produzida nos centros da cultura ocidental dos séculos 19 e 20, a partir de pontos de vista que, social e culturalmente, refletem essa hegemonia. A tarefa de construir uma história da performance brasileira ainda está em processo. Por outro lado, entre as palavras mais usadas hoje no meio intelectual-artístico, certamente performance é uma delas. Isso, de certo modo, é o que acaba suscitando essa delimitação: fora desse circuito, performance geralmente é designativo de desempenho, no sentido mais costumeiro, presente na língua inglesa. E isso é uma pena, pois somos um povo que sabe saborear bem o corpo e seus processos no tempo-espaço. Precisamos tomar a denominação como nossa e fazer da conexão arte-vida, presente desde sempre entre nós, uma potência sensível dos brasileiros. FOTOS: ACIMA, AMBAS DIVULGAÇÃO E ABAIXO,JOSÉ PEDRO ALMEIDA, DUPLA PERFORMANCE COM GRASIELE SOUSA. NA PÁGINA AO LADO: LIFE BY LUFE
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MUNDO CODIFICADO
O DESEMPENHO DA PALAVRA Manifestação artística. Ato de apresentar uma peça, concerto ou outra forma de entretenimento. 40
Desempenho de função ou missão. Em inglês informal, comportamento exagerado. Ilimitados são os usos e as aplicações da palavra performance. Especialmente em língua inglesa, onde ganha também a forma verbal. Para medir o desempenho dessa palavra em diferentes contextos, meios e linguagens, seLecT rastreou seu uso em apenas um dia – sexta feira, 14 de agosto de 2015 – em três jornais brasileiros e em um jornal de língua inglesa.
POLÍTICA
ECONOMIA
DANÇA
TEATRO
ÓPERA
Capa
Página B1
Página C1
Página A19
Página C4
2 menções debate político do candidato republicado John Kasich
Desempenho instável de vendas em lojas de departamentos
Apresentações no Festival de dança Jacob’s Pillow
6 menções Apresentações teatrais do empresário da Broadway Biff Liff
Apresentação musical no Metropolitan Opera
Página C17
3 menções Apresentações de dança e desempenho de bailarinos em espetáculos em cartaz em Nova York
Desempenho vocal de Sara Bareilles em musicais da Broadway Página C3
7 menções Apresentações teatrais em contextos e festivais diversos em Nova York
Profissão de artista Off-Broadway
Guia Divirta-se 2 menções Apresentação da bailarina Vera Sala no Sesc-Pinheiros e da coreógrafa Beth Bastos no MI OUT/NOV 2015
Página C2
Página C15
Página 65
SELECT.ART.BR
ARTES CÊNICAS
Página C14
3 menções Apresentações esportivas, circenses e teatrais para crianças
Página M5 Guia da Folha
Página M92 Guia da Folha
Página B9
Página M76 Guia da Folha
Apresentações de caráter multidisciplinar de Tadeusz Kantor, em matéria sobre exposição
Desempenho esportivo de Michael Phelps em duas Olimpíadas, citado em coluna de Mariana Lajolo
Página M98 Guia da Folha
Desempenho sexual de Anderson Silva, em matéria sobre suspensão por um ano, devido a doping
Página B9
Projetos do artista Siri em exposição em São Paulo na Galeria Mezanino
MÚSICA
ARTE
Página C2
ANIMAÇÃO
CINEMA
ESPORTES
Página C18
Página C3
Página B7
Execução da Sinfonia nº 8 de Gustav Mahler na abertura do Lucerne Festival Orchestra
Experimentações radicais de Yoko Ono com linguagem e performance
Desempenho do ator no lançamento de People Places Things
Página C18
Página C6
Página C14
Apresentação musical no Bronx Salsa Fest
Engajamento de Robin Rhode com desenho e performance
Página C17
Página C18
5 menções Desempenho de orquestras, diretores musicais e cantores de óperas em cartaz em Nova York
Atuação de Ebecho Muslimova como performer
2 menções Desempenho de atores nos lançamentos de Ten Thousand Saints e Return to Sender
Bom desempenho na pré-temporada da National Football League pode afetar a equipe negativamente na temporada oficial
O GLOBO
Página C16
3 menções Desempenho de atores em lançamentos da semana
Página C5
2 menções Apresentações no contexto do Fringe Festival
Página C8
Desempenho no Ibope do personagem Bob Esponja, citado em nota de Cristina Padiglione na coluna Sem Intervalo
O ESTADO DE S. PAULO
2 menções Apresentações de caráter multidisciplinar em show de lançamento do segundo álbum do artista Fepa
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FOLHA DE S.PAULO
Desempenho sofrível de time de futebol, em coluna de Fernando Calazansl
THE NEW YORK TIMES
Página 29
“NÓS AFIRMARÍAMOS COMO COROLÁRIO: NÃO HÁ IDENTIDADE DE GÊNERO POR TRÁS DAS EXPRESSÕES DO GÊNERO; ESSA IDENTIDADE é performativamente constituída pelas próprias
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‘expressões’ tidas como seus resultados.” Quem afirma é a filósofa norte-americana Judith Butler, pesquisadora de questões de sexo, gênero e identidade. O trecho integra seu livro Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão da Identidade, Divisor de Águas agora relançado pela Civilização Brasileira (288 págs., R$ 39). E dá a pista de como gênero e identidade, hoje, não podem mais ser entendidos como a adequação do sujeito a um corpo fisiológico. São questões performativas. Num mundo onde o indivíduo não se compreende mais como agente, mas como a própria ação, não há como pensar em configurações subjetivas fixas e extrínsecas. Trocando em miúdos, é na maneira como cada um se coloca no mundo que a identidade é moldada, num processo que vem se intensificando desde a contracultura – no Brasil representada pelo Tropicalismo – nos anos 1960. É mais ou menos nesse período que a performance, entendida como vertente artística, ganha força como um modo de trazer para a arte uma atitude genuína, de injetar vida no terreno das visuais. Mas como na arte contemporânea toda forma é instável e constantemente reinventada para não cair no estabelecido, a performance teve sua unidade conceitual expandida para uma noção de performatividade, elástica e aplicável a qualquer manifestação artística – teatro, música, dança e visuais, entre outras. Nesse território onde as linguagens têm fronteiras diluídas, arte e vida também se atravessam. E o artista que trabalha a partir de diálogos e tensões com aspectos da vida tem a performance como uma poética que não é nada além de seu estar no mundo. Caso do paulistano Daniel Lie, 27, que por volta dos 14 anos começou a manifestar nas roupas e cabelo sua sensação de não pertencimento entre os alunos de um colégio conservador. “Minha adolescência foi regrada pelo underground. Começou a vontade de ficar loiro, de me vestir de uma maneira diferente. Eu queria ser completamente diferente do pessoal da escola que me enchia o saco, ideologicamente, visualmente”, diz Lie à seLecT. A vida noturna e a faculdade de artes visuais liquidaram a síndrome de patinho feio. Frequentava o Baixo Augusta e adjacências do Centro paulistano, tornou-se produtor e DJ de festas alternativas como Casa Pelada e Voodoohop, ao mesmo tempo que deslanchava sua carreira de artista. Buscar sua turma condicionou a vocação social de seu trabalho. Nas instalações com minerais e plantas suspensas no ar – como o Podre Show, que está no Arte Pará de 8/10 a 8/12 –, cria ambientes místicos para atingir diretamente seu público. As performances ritualísticas que faz nos vernissages também são um canal poderoso. Com visual exótico pelos cabelos bem
Ao lado, Daniel Lie em performance ritualística com visual andrógino, em imagem de Jessica Rosen SELECT.ART.BR
OUT/NOV 2015
C O M P O R TA M E N T O
PROCESSO PERFORMÁTICO DE VIDA
Questões de identidade e gênero expostas na vida e na obra de cinco criadores
L U C I A N A PA R E J A N O R B I AT O
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FOTOS:
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Rodolpho Parigi como Fancy Violence, em performance no CCBB-SP fotografada por Miselene Martins. Acima, a multiartista Cibelle em montagem de Jessica Rosen
Mas, no espectro da vida pessoal, a performatividade de Sonja também se aplica às atitudes da multiartista, que desde 2008 vem burilando uma persona indefinida e mutante – cultivando longos pelos nas pernas e nas axilas – a partir da leitura do filosófo indiano Jiddu Krishnamurti, que inspirou sua tese de mestrado no Royal College of Art, chamada Epistemologia do Vazio. “A ideia central é o zen, a presença, a prática cotidiana e artística para tirar as lentes que nos definem. A internet, com as mídias sociais que conectam todo mundo, é um motor colocado em movimento perpétuo para a mudança. Invariavelmente, a gente vai chegar nesse ponto, porque tudo está sendo desconstruído o tempo inteiro na nossa cara”, diz Cibelle à seLecT. O encontro com o artista Ricardo Càstro e a Abravanação (termo de Càstro e sua turma para os encontros coloridos em que buscam a dissolução do eu individual, em releitura do Tropicalismo e de Hélio Oiticica) fez com que ela pensasse “arte e vida” de outro modo. Percebeu que as roupas não eram expressão de sua personalidade e que ideias como gênero e identidade eram, antes, códigos impostos por um determinado estado de coisas. “Comecei a usar looks que desconstroem essa autoimagem falsa. Visto qualquer coisa, por mais absurda que seja, e seguro a onda. Vou pra rua e dali a duas horas aquele look sou eu. Aí você percebe que não é a roupa que veste.” UMA JOIA TRANS
compridos raspados a máquina zero nas laterais e o rosto de traços indonésios herdados do pai, o heterossexual Daniel Lie bagunça o coreto da definição de gênero com visuais andróginos e influência do Candomblé e do xamanismo. “Faço questão de ir de transporte público pras aberturas, quando estou caracterizado. Uma vez, eu estava totalmente azul, inspirado em rituais da Indonésia. As pessoas gritavam na rua: olha o Smurf, olha o cara da TIM! É legal entrar na brincadeira, porque crio relações.” CIBELLE OU SONJA
Transdisciplinar por natureza, Cibelle Cavalli Bastos, 37, é cantora, produtora musical, artista visual, atriz e performer nascida em São Paulo e radicada em Londres. Ela orientou seu trabalho para a performance com a criação de personagens como Sonja Khalecallon, que se apresenta em suas instalações espaciais compostas de telas, esculturas e projeções. SELECT.ART.BR
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O processo de construção identitária aliado à prática artística é uma via de mão dupla. Se as pulsões que não cabem nas categorias sociais preestabelecidas são muitas vezes canalizadas para o âmbito da arte, garantem ao performer outra forma de ser, que acaba por reivindicar seu lugar no cotidiano. Ainda mais se a questão trans entra em cena. Quando decidiu trazer ao mundo sua criatura da noite, batizada Fancy Violence, o paulistano Rodolpho Parigi, 38, não imaginava que a mulher enorme de roupas pretas rendadas e soturnas encarnada por ele iria bagunçar o pedaço. Da possibilidade de fazer coisas inimagináveis, como ser suspensa até a abóbada central do CCBB-SP, ou estilhaçar o cenário de uma apresentação na Galeria Olido, vieram queixas do corpo, na forma de um joelho machucado pelo abuso do salto 15. Mas o maior questionamento foi de ordem psicológica: e se a persona feminina ficasse mais forte do que a masculina? “No começo, não vou mentir, fiquei supermexido, muitas coisas passaram pela minha cabeça. Sou uma pessoa sensível. Falei: e agora?”, conta Parigi à seLecT. Mas o joelho e a “montagem” que Fancy requer (fazer a barba e as unhas, maquiagem, peruca, figurino impecável) acabaram por fazer com que Parigi optasse por guardá-la como “uma joia” – não sem a ajuda da psicanálise.
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Mavi Veloso, que começou a tomar hormônio feminino como experimentação artística e de vida, na colagem de Jessica Rosen
Verónica, quando pronta, é uma travesti, tem uma vida de travesti, se relaciona como travesti. É como Clark Kent, que sabe que é o Super-Homem, mas precisa tirar a roupa para se transformar”, diz Verónica à seLecT. Sua performance tem lugar em palcos musicais, com a banda de rock Verónica Decide Morrer – com integrantes de todas as orientações sexuais –, que tem circulado pelo meio das visuais em shows na galeria A Gentil Carioca (RJ) e na Casa Triângulo (SP), dia 3/10, na abertura da mostra Transbordar, que enfoca o universo transgênero nas artes com curadoria de Yuri Firmeza. “A arte pode ser um lugar para desnaturalizar o mundo, onde não paramos de criar identidades, naturalizações…”, diz Firmeza. Como a transexual protagonista do filme Hedwig – Rock, Amor e Traição, de John Cameron Mitchell (2001), Verónica conta em seus shows sua história – de evangélico que cantava no coro da igreja até os 20 anos à aceitação de sua transexualidade – em letras como Testemunho de Trava, que inclui até versículos bíblicos. Uma história que, paradoxalmente, vem lembrar a videoinstalação Sérgio e Simone, de Virgínia de Medeiros, apresentada na 21ª Bienal de São Paulo e no 18º Festival Videobrasil, que retrata a dupla identidade de uma travesti convertida em pastor evangélico. CROSS DRESSING
“Eu sou o hospedeiro desses dois seres, Rodolpho e Fancy. Poder flertar com esses dois momentos é muito interessante. Mas existe o Rodolpho, que é uma pessoa, e a Fancy, que é um trabalho do Rodolpho”, define o artista. “Agora eu a guardei na gaveta que ela merece, que é uma gaveta muito boa, mas com a chave bem alta pra não ter facilidade de pegar toda hora, e voltei a pintar. São duas energias muitos fortes. Ela não me deixa pintar e a pintura não me deixa ser ela.” Se Parigi decidiu tirar sua persona feminina do armário apenas em apresentações em ambientes artísticos, Verónica Valenttino, persona feminina do cearense Jomar Carramanhos, 31, tem estado tão presente que já domina a agenda social e as emoções do corpo que habita. “Eu tinha essa dificuldade de dizer o que eu era. A SELECT.ART.BR
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Performer desde que se entende como artista, a londrinense Mavi Veloso, 30 anos, nascida homem, mas caracterizada socialmente como trans, não encontra definição para si mesma – e nem quer. Nada mais natural para alguém que desde os 5 anos fazia cross dressing com as roupas e maquiagens da mãe e preferia boneca a carrinho. O caminho da arte surgiu na faculdade, mas foi a partir dos 23 anos que começou a fazer livremente aquilo que sua mãe a proibia quando criança – se montar. “Minha pesquisa artística vem de um interesse em desconstruir as coisas via corpo, via pele. Desde os 23 anos, fui introduzindo as montações no meu ofício de performance. Performar me permitia testar coisas, e testar coisas em performance permite abrir portais para aplicar na vida cotidiana”, diz Mavi Veloso. Integrar o Como Clube, grupo de arte transdisciplinar e de enfoque alternativo, só aprofundou essa trilha. Atualmente em uma residência artística em Bruxelas, ela decidiu radicalizar no cruzamento de gênero. “Estou há alguns meses me submetendo ao tal tratamento hormonal male to female. Mas vem de uma curiosidade, desejo de cruzar arte e vida, experiência estética com experimento trans. Estou incorporando esse processo, bem novo pra mim, de uma transformação via articulação hormonal no meu trabalho em arte, percebendo como isso me transforma política, psicológica, emocional, racionalmente.” Perguntado se pensava em fazer a operação de
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Verónica Valenttino ( à dir. ) divide os vocais de sua banda, Verónica Decide Morrer, com Jonaz Sampaio, em foto de Alex Costa
mudança de sexo, responde: “Oh, my god! Eu queria ter duas vaginas, três paus e cinco cus!” Definição que, realmente, não está em sua pauta. É perceptível, pelo número de práticas e agentes envolvidos com questões de identidade e de gênero, que o ambiente da arte é privilegiado para que essas questões, mais do que debatidas, possam ser vivenciadas cotidianamente pelos artistas. “Mas eu tenho um incômodo com a forma como às vezes a gente coloca a arte como pioneira ou privilegiada em relação a certos tipos de práticas e modos de existência. Parece que a palavra ‘arte’ cria uma permissividade que não deveria ser só dela... fico pensando como as drag queens foram importantes para a teoria da performance, por exemplo”, questiona Yuri Firmeza. Denílson Lopes, professor da Escola de Comuni-
cação da UFRJ e especialista em estudos de gênero, aponta a discrepância que ainda existe entre arte e vida quanto a questões de gênero. “É importante pensar quem pode quebrar fronteiras. Pode ser interessante fazer isso em arte, onde esse é um comportamento valorizado; mas na rua é complicado, as pessoas podem ser agredidas”, diz à seLecT. “É preciso ver a realidade em que estamos inseridos, porque há uma discussão sobre o trans, mas nossa sociedade ainda é muito violenta e fundamentalista. O homem que se aproxima do feminino é ainda muito estigmatizado”, completa. Se a arte é solo fértil para que as pessoas se realizem como obras de si mesmas, não são menos artistas aqueles que se impõem no mundo como as pessoas que desejam ser.
PORTFÓLIO
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PAULO NAZARETH, SOBRE OPRIMIDOS, MESTIÇOS E MIGRANTES MÁRION STRECKER
Depois da longa travessia do Sul ao Norte das Américas, ele iniciou outra grande viagem, desta vez pela África, continente que quer cruzar antes de pôr os pés na Europa. O artista elabora a história dos outros, que é também a sua própria história e a história da humanidade
“PERIFERIA É ONDE EU VIVO, ONDE EU ANDO” , diz o artista que
mora no município de Santa Luzia, na região metropolitana de Belo Horizonte. “No Palmital existe mais vida, as relações são mais próximas, vejo a vida pulsar na rua.” Palmital é o apelido de um conjunto habitacional dos anos 1980 que se expandiu nessa vila do Ciclo do Ouro, às margens da Estrada Real, por onde escoavam as riquezas de Minas para os portos do Rio de Janeiro e Paraty. Um lugar que Paulo Nazareth não tem a menor intenção de trocar. Ele é neto de índia Krenak, tribo dos chamados Botocudos pelos portugueses no século 18, que no século 20 tiveram as terras (e as vidas) rasgadas por uma estrada de ferro da companhia Vale do Rio Doce. Essa avó adotou o Candomblé como religião e, por fim, foi internada como louca. Ainda do lado materno, ele também descende
Ao lado, a obra Sem Título da série Para Venda (2011)
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de africanos escravizados no Brasil, cuja natureza dos cabelos herdou e mantém compridos, embora os detalhes da história os senhores de escravos tenham feito de tudo para apagar. E ele descende ainda de europeus, da Itália e de Portugal, que deixaram mais clara sua cor de pele, transformando o artista em alguém que não é índio, nem branco, nem negro. Paulo Nazareth adotou o sobrenome da avó materna, que por sua vez é o nome de local de peregrinação cristã, descrito como cidade onde Jesus passou sua infância, e
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Fotografia da performance O Sacudimento da Maison des Esclaves (2015), em Gorée, Senegal FOTOS: AYRSON HERÁCLITO FOTOS:
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Acima, obra da série Imagens Que Já Existem no Mundo (2010-2011) e o panfleto Qué Ficar Bunito?(2005). Ao lado, Sem Título (2011-2012)
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atualmente uma espécie de capital dos cidadãos árabes de Israel, que são ali a maioria da população. Aos 12 anos foi trabalhar numa pocilga em Curvelo (MG), ganhando um quarto de salário mínimo e cuidando dos porcos desde o parto até o momento do abate. Acha os porcos muito inteligentes, mais inteligentes do que os cachorros, e pensa que eles sabem muito bem que destino lhes reservam na pocilga. Nazareth ainda não era vegetariano nessa época. Carne era artigo de luxo para sua família, raramente servida. Carne crua virou um dos materiais usados por ele em performances, muitas vezes amarrada no rosto ou na cabeça, para desgosto de alguns e para a indiferença de outros, inclusive alguns mais familiarizados com os procedimentos da arte contemporânea. Paulo Nazareth é um mestiço como quase todos nós, os brasileiros. Também é um tremendo caminhante que não abandona sua terra nem quando viaja, filho de uma mãe “devota de todos os santos”, pai distante, e primeiro entre os irmãos a fazer uma faculdade. Artes plásticas na UFMG. Antes foram dois anos de aulas com Mestre Orlando em BH, o artista baiano que fazia carrancas com pedra-sabão. Agora, Nazareth é pai de uma filha recém-nascida. QUÉ FICAR BUNITO? Salão de beleza “DE BÉsTI BIRíFUU”. Esse é o título de um panfleto que ele produziu em 2010. Best? Beautiful? Matou a charada! O panfleto continua assim, assimilando a linguagem corrente e atropelando a gramática: “Alisa-se cabelo, clareia-se pele, afina-se nariz, encurta-se orelhas, colore-se olhos, aumenta-se seios, diminui-se nádegas, depila-se virilhas, arranca-se unhas, corta-se beiços, lixa-se pés, muda-se nome, ensina-se inglês, passa-se perfume, tira-se foto, arruma-se padrinho, arranja-se bolsa, consegue-se visto, manda-se para fora, apaga-se memória, deixa-se bunito”. O endereço onde tantos serviços seriam prestados é da Governador Valadares natal de Paulo Nazareth, cidade do Vale do Rio
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O direito de passagem e o direito à paisagem são duas das preocupações centrais da obra de Paulo Nazareth, que explora a performance, a videoperformance, o registro fotográfico e o panfleto como formas de disseminar suas ideias FOTOS: CORTESIA MENDES WOOD DM, SÃO PAULO
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Nesta página, fotografia da performance Pão e Circo (2012). Ao lado, fotografias Sem Título, da série Notícias de América (2011)
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Doce onde ele viveu até os 12 anos e que ficou notória pela exportação de mão de obra clandestina para os Estados Unidos da América e para a Londres de Jean Charles, de onde vão trabalhadores sobretudo da área rural e voltam recursos financeiros para as famílias. No trabalho “Qué ficar bunito?” o que surpreende é a forma crua e direta de tratar o preconceito que está por trás de tantos desejos de “embelezamento” e de um futuro melhor, ou seja, desejo de aceitação e sobrevivência.
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ARTE DE CONDUCTA
Paulo Nazareth ficou famoso por uma travessia que fez boa parte a pé, calçando chinelos de dedo, juntando a poeira dos países do Sul para, literalmente, se lavar no Rio Hudson, em Nova York, de onde partiu menos de 48 horas depois, incluindo o tempo que ficou vagando e o tempo que passou no protesto contra a desigualdade social chamado Occupy Wall Street. O destino não importava tanto quanto o percurso, as pessoas que conheceu, as histórias que ouviu, as fronteiras que cruzou e desafiou. Caminhar é palavra-chave para ele, que nasceu com os pés tortos, que sua mãe resolveu endireitar na infância com operação, gesso e botinhas. Nessa caminhada, que resultou na série Notícias de América, carregou placas que diziam frases cortantes como “I clean your bathroom for a fair price” (Limpo seu banheiro por um preço justo). “Para os brasileiros, o espanhol é quase um sotaque”, anotou, entre tantas outras coisas. Acabou a viagem de 13 meses e uma semana na Art Basel Miami Beach, com uma Kombi cheia de bananas, que pôs à venda por US$ 10 cada, enquanto ele carregava uma placa que dizia: “Vendo mi imagen de hombre exótico”. Vivência, observação, engajamento, registro. Isso tudo são partes do seu trabalho, que, provavelmente, a artista cubana Tania Bruguera chamaria de “arte de conducta”, em vez de chamar de performance ou outra coisa. Ela, Tania Bruguera, criadora de uma cátedra em Cuba, em 2002, exatamente sobre esse assunto.
Entre os muitos trabalhos de Paulo Nazareth, boa parte reproduzida em material barato e distribuída por ele mesmo na feira de Rua de Palmital, está uma série de desenhos em técnica mista sobre papel, que se chamou Imagens Que Já Existem no Mundo. Entre elas, cenas de conflitos entre civis e militares no Egito, na Faixa de Gaza, na fronteira do México, na China. E ainda um barco repleto de migrantes cubanos navegando de pé, talvez aidéticos, em travessia para os EstaFOTOS: CORTESIA MENDES WOOD DM, SÃO PAULO
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dos Unidos. Nazareth queria ter ido a Cuba, mas todos os barcos levavam para os Estados Unidos, como os barcos do Norte da África levam hoje os refugiados para a Europa, sem garantia de chegada nem acolhimento. CADERNOS DE ÁFRICA
Desde 2012, Paulo Nazareth dedica-se aos Cadernos de África. Está “vivendo os cadernos”, como ele diz. “Os cadernos são em torno do que existe de África na minha casa e o que existe de minha casa na África”. Já foi ao Benin, à Nigéria, Moçambique, África do Sul, Namíbia, Quênia, Tanzânia, Zimbábue e Botsuana. “Na África onde tenho andado são poucos os negros com cabelos compridos”, conta. Também está visitando quilombos no Brasil e foi à Argentina, ver onde foram parar os negros que sobreviveram ali. Os negros
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que eram 30% da população daquele país. Os negros que foram empurrados para as fronteiras do Brasil e do Paraguai, durante o que nós aqui chamamos de Guerra do Paraguai, mas os paraguaios chamam de Guerra Grande, e os argentinos e uruguaios chamam de Guerra da Tríplice Aliança (entre Brasil, Argentina e Uruguai). Tudo questão de ponto de vista, se estamos dispostos a ver o mundo com os olhos dos outros. “Pode não existir raça, mas existe racismo”, disse em entrevista à seLecT. “Nos bairros nobres se perguntam: o que esse cara está fazendo neste lugar? Aqui democracia racial é um mito. Aqui o negro é invisível, invisível na tevê, invisível nas revistas. Cabelo curto é quase uma exigência de ‘boa aparência’. Cabelo comprido não é um cabelo de trabalhador. É coisa de encrenqueiro, de marginal”, diz ele, que já fez uma performance em que comia o próprio cabelo, cortado pela irmã. Esse brasileiro está preocupado com “o direito de passagem e o direito à paisagem”. Ele é, hoje, o principal artista da galeria paulistana Mendes Wood DM, dos sócios Pedro Mendes, Matthew Wood e Felipe Dmab. Enquanto ele atrasa propositalmente sua ida à Europa, sua obra já esteve nas bienais de Veneza e Lyon e suas publicações são editadas em países como a Alemanha.
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Questionado se está acompanhando a travessia dos refugiados do Norte da África rumo à Europa, reconheceu: “Eu estou falando dessas pessoas”. E disse mais: “Quero desafiar essa lógica de que o centro está na Europa. A Europa vai ficando mais distante. Eu nego essa chegada”.
À esqueda e acima, imagens do projeto Cadernos de África (2013). Ao lado, frame da videoperformance Cabelo (2006)
FOTOS: CORTESIA MENDES WOOD DM, SÃO PAULO
CURADORIA
TRÊS PERFORMANCES
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PARA PAPEL Yuri Firmeza, Nino Cais e Fábio Morais criam intervenções para impressão na seLecT. Os resultados ultrapassam as superfícies das páginas
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YURI FIRMEZ A
NINO CAIS
FA B I O M O R A I S
DA SÉRIE DI A M A N T E S
S OM ÁT IC O
E CL ARISSA DINIZ
R A S GO Performance-postal, 2015
Corte e dobra sobre página de livro, 2015
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Texto-performance, 2015
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S OL ICI T E SEU M A RC A- PÁGIN A S Para recebê-lo, arranque esta folha de sua revista e envie, com seu endereço, para: Rua Coronel Linhares, 115/201. Meireles. CEP 60170-240 Fortaleza - CE - Brasil
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FOTOS: CORTESIA CENTRAL GALERIA
somático
O outro vem caindo em direção à mão esquerda enquanto esta joga a política para o alto com as pontas dos dedos. Acima, começam a enfraquecer os impulsos ascendentes do desejo e da burocracia, lançados há pouco e de modo quase simultâneo pelas mãos esquerda e direita que agora preparam-se para agarrar o outro – no caso da esquerda que acaba de jogar a política para o alto – e amparar o biopoder – no caso da direita que acaba de soltar no ar a burocracia. Aproveitando o pequeno atraso do desejo ainda em ascensão, a mão direita lança o biopoder o mais alto possível, estica-se e segura novamente a burocracia por breve fração de segundo para, então, soltá-la com força para o alto à esquerda e amparar, mais à frente e abaixo, o desejo, que é então passado em um lance curto para a mão esquerda, logo depois que esta joga o outro, num arco aberto, para a direita. A mão esquerda espalma o desejo arremessando-o próximo ao biopoder que atinge o total de sua ascensão e despenca em direção à mão esquerda. Antes de preparar-se para segurar o biopoder, a mão esquerda ampara o ego com os dedos, sem encostá-lo na palma, e o solta não muito alto e mais para a direita, preparando-se para receber o biopoder já com o impulso ascendente que o lance para o alto. Pouco antes de a mão esquerda receber o biopoder, a mão direita agarra o instinto de sobrevivência no ar, segura-o por um breve instante e, em um passe curto, lança-o para a mão esquerda no exato momento em que esta joga o biopoder o mais alto que pode e se prepara para agarrar a solidão. A mão esquerda recebe o instinto de sobrevivência e, em um movimento rápido, lança-o alto à direita, gira no ar em direção à solidão e a segura com as pontas dos dedos. A mão direita ampara deus que está em queda no momento em que, bem mais no alto, o instinto de sobrevivência termina sua ascensão e começa a cair. Poucos segundos antes de a mão esquerda passar-lhe a solidão em um lance curto, a mão direita joga deus o mais alto possível, na mesma direção de onde o instinto de sobrevivência vem em queda. Com rapidez, a mão esquerda vai de encontro à libido que vem caindo com velocidade e a empurra para o alto com firmeza, sem segurá-la, gira sobre si mesma pendendo mais à direita e, em um toque sutil, interrompe a queda do fármaco tocando-o para a mão direita, que o agarra pouco depois de lançar o pós-humano o mais alto que pode. A mão direita segura o fármaco por um curto momento e o solta no ar a meia força enquanto sobe e gira-se em torno de si mesma à direita para amparar a queda do século XX. A mão direita então desloca-se mais à direita, preparando-se para segurar a angústia que cai com velocidade, já soltando no ar o século XX para que a mão esquerda receba-o em um passe curto. A meio caminho de segurar a angústia, a mão direita encontra tempo para amortecer a queda da violência impulsionando-a para o alto, com as pontas dos dedos. Logo após arremessar o século XX para o alto e à direita, a mão esquerda desloca-se num arco externo e toca de leve o heteropatriarcal, evitando sua queda e o desviando de forma ascendente para a direita. A mão direita, logo depois de arremessar o mais alto possível o livre arbítrio, segura o heteropatriarcal apoiando-o na palma e prendendo-o com todos os dedos, enquanto a mão esquerda espalma de forma rápida o racismo para cima, gira sobre si mesma e sobe para agarrar a dissidência que vem em queda, arremessando-a o mais alto que pode em direção à mão direita, para então amparar o controle social com a ponta dos
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fabio morais
dedos, jogá-lo para cima sem força, preparar-se para recebê-lo novamente e, agora com força, arremessar o controle social para o mais alto possível, num arco aberto para o lado direito. Voltando-se para perto do corpo, a mão esquerda agarra, com a palma e todos os dedos, o fascismo financeiro ainda em ascensão. Depois de arremessar o heteropatriarcal o mais alto possível, e já se preparando para pegar o controle social no início de sua descendente, a mão direita toca com a ponta dos dedos a devoração crítica que vinha em queda depois que ela mesma a havia jogado para o alto e, sem agarrá-la, lança-a para cima e à esquerda, para então girar-se rumo ao lado interno do corpo e segurar firme o fascismo financeiro que lhe é dado, num passe curto, pela mão esquerda. A mão direita ascende e lança a fascismo financeiro o mais alto que consegue, aproveitando sua posição no alto para deslocar-se rapidamente à direita e, com dedos abertos, espalmar o controle social, que vinha caindo em sua direção, para bem alto e à esquerda. No mesmo instante, a mão esquerda intercepta a queda da devoração crítica, agarra-a por um breve instante e a lança para o alto com o mesmo movimento com o qual se ajeita para, com a ponta dos dedos, tocar a norma que começa a cair, deslocando-a no ar para a direita, e ainda receber da mão direita o globalitarismo que lhe é dado em um passe curto. A mão esquerda não segura o globalitarismo, recebe-o já com o impulso que o lança o mais alto possível, e aproveita este movimento para agarrar no ar o prazer em queda, segurando-o com força e o passando para a mão direita que, num gesto ascendente, joga o prazer o mais alto que consegue. No retorno do movimento que lança o prazer para cima, a mão direita segura o tecnocorpo com as pontas dos dedos e o joga não muito alto na direção da mão esquerda que, depois de ter passado o prazer para a mão direita, havia agarrado a depressão, pousando-a na palma, e a jogado para o alto num arco aberto à direita, já com a intenção de, no meio do movimento, segurar o tecnocorpo lançado pela mão direita. A mão esquerda amortece o tecnocorpo, joga-o o mais alto que pode e, na volta do movimento, segura o pós-colonialismo que lhe é passado numa diagonal ascendente pela mão direita que, ao soltar no ar o pós-colonialismo, gira-se para o lado de fora e pega, com as pontas dos dedos, a infância que vem em rápida queda, lançando-a à esquerda também numa diagonal curta. A mão esquerda segura o pós-colonialismo por um breve instante, gira-se para o lado interno e o lança acima com um impulso forte para, antes de tocar com os dedos a infância que lhe é passada pela mão direita, agarrar no ar a metafísica, mantê-la por um momento entre os dedos, girar e lançá-la para o alto à direita, aproveitando este movimento para receber a infância da mão direita, lançá-la para o mais alto possível, posicionar-se abaixo e amparar a violência em queda. Antes de amparar a violência, a mão esquerda recebe, num passe curto, o judaico-cristão da mão direita e, apenas com as pontas dos dedos, o impulsiona com força para cima, para então agarrar a violência, segurando-a por um breve instante, e lançá-la o mais alto possível. A mão direita, recolhendo-se do movimento que passa o judaico-cristão para a mão esquerda, prepara-se no ar para segurar a metafísica que começa a cair e, antes disso, recebe da mão esquerda, num passe curto, o fim da história, lançando-o o mais alto que consegue para, só então, agarrar a metafísica com os dedos, passando-a em um lance curto para a mão esquerda que se livra rapidamente da metafísica e passa o chapéu.
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I N T E R N AC I O N A L
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BABYLON BRAZIL Nova edição da bienal Performa, de Nova York, apresenta mais brasileiros que nunca e reconhece qualidades babilônicas nas obras de Laura Lima, Jonathas de Andrade e Eleonora Fabião
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A BIENAL PERFORMA 15 (DE 1º A 22 DE NOVEMBRO EM NOVA YORK) APRESENTA MAIS ARTISTAS BRASILEIROS QUE NUNCA. Fundada em 2004, a Performa é
líder em comissionamentos a nomes cujas obras moldaram um novo capítulo no legado de vários séculos de artistas visuais que trabalham com performance ao vivo. As obras especialmente encomendadas aos participantes do Brasil – Jonathas de Andrade, Eleonora Fabião e Laura Lima – oferecem visões intrigantes da história da performance, sua capacidade única de esclarecer complexidades na sociedade, na cultura, na economia e na política, e sua profunda mudança não apenas como arte viva, mas também como um modo multidisciplinar e conceitual de fazer arte no século 21, no Brasil e no âmbito internacional. Nada parecia mais adequado para descrever o alcance e a coincidência de suas propostas artísticas que o termo “Babylon” (Babilônia), por sua capacidade de exprimir uma sensação de luxo, corrupção e sensualidade excessivos, assim como assumir uma sensibilidade revolucionária. O espírito rebelde está imbuído na versão íntima e pungente de Eleonora Fabião da longa história de artistas brasileiros que usam espaços públicos para suas apresentações, como Hélio Oiticica, Lygia Pape, Artur Barrio e Ronald Duarte, para citar apenas alguns. É claro que Oiticica fez Babylonests, espaços de lazer não repressivos, enquanto vivia no East Village, em Nova York, nos anos 1970, e a notável influência da escola de samba Mangueira sobre sua obra é bem conhecida, transformando radicalmente sua
Pe r fo r m a nce d a sé r i e T hi ngs T ha t M u st B e D o ne, d e E l e o no ra Fa b i ã o, se r á ex i b i d a e m Wa l l St re et
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LegendaEquatest, omnimus id esequidenis ditio et ipsunt exceaquis et, occulpa consedist, ventis sincipsam ilitae volorib usdae. Ipitat fugit et dita quam im conserferum quuntemo et
FOTO: JAIME FOTOS: ACIOLI
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relação com a arte, suas instituições e a sociedade, como vemos em seus Parangolés (1964-1979). De modo coincidente, a comunidade da Mangueira de onde vem a famosa escola de samba, situada nos morros do Rio de Janeiro, com vista para suas famosas praias, é vizinha à Babilônia, local onde foi feito o filme Orfeu Negro (1959), que, por bem ou por mal, imprimiu de maneira indelével nas mentes do mundo todo um senso da mística brasileira. É aí que Fabião cria arte – nas ruas do Rio de Janeiro, até agora, ela o fez sozinha ou com outra pessoa. Para a Performa 15, Fabião faz performances experimentais de grupo na série Things That Must Be Done (Coisas Que Têm de Ser Feitas). Durante cinco dias, o coletivo, formado por um grupo de participantes de várias gerações, entre 20 e 60 anos, realiza ações em Wall Street e em seu entorno, manipulando varas de bambu de 3,5 metros e campos coloridos modificados a cada dia, para explorar a relação entre geometria, potencial político e abstração por meio de montagens radicalmente precárias. As performances são “acupuntura urbana”, meditações sobre verticalidade, possibilidade, instabilidade e vulnerabilidade nas sociedades capitalistas, expondo abertamente as tensões entre lucro e gratuidade, eficiência e experimentação e orientação de capital e imaginação política. Como campo de encenação para encontros coletivos, a paisagem urbana exerce um importante papel para a cultura e a política no Brasil, evidente nos recentes protestos contra a corrupção do governo em 2015 e a Copa do Mundo em 2014, por um lado, e em comemorações festivas como o Carnaval e várias procissões religiosas, por outro. A rua é o local onde as polaridades sociais,
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econômicas e políticas têm o potencial de se dissipar, e onde a arte se torna um modo de desejar e a base para realizar novas possibilidades. As apresentações de Fabião, assim como os recentes protestos na arena pública, trazem à mente as características e as condições pelas quais surgiu o próprio samba. A dança e a música nacional, essencialmente uma forma da África Ocidental com influências brasileiras e indígenas, personificam a histórica luta da vida nas plantações. É uma forma de resistência. Portanto, os significados mais profundos do samba estão na história desses locais, as primeiras manifestações das economias capitalistas globais. BRASIL RURAL
Jonathas de Andrade usa a autoetnografia, garimpando condições estéticas, sociais, políticas e históricas, símbolos e significados do Nordeste do Brasil, onde ele cresceu, para criar novos sistemas de significados conceituais e materiais em sua arte. Seu processo criativo usa a performance como meio para desenvolver uma relação com outros indivíduos, que às vezes é fictícia, sempre ambígua e necessariamente comprometida. Enquanto isso, ele aponta para questões maiores sobre percepção e relação, estruturas da cultura e da sociedade brasileiras e as maneiras como elas foram construídas popularmente. Com frequência animando o discurso antropológico, Andrade instiga os participantes a se envolverem na feitura de sua arte, apresentando-os em formas abstratas e cenas alteradas no contexto de seu trabalho e suas comunidades. Ele investiga questões
Da série Exercício Construtivo para uma Guerrilha Sem Terra (2015), de Jonathas de Andrade
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FOTOS: JONATHAS DE ANDRADE
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Laura Lima descarta “performance” como termo para descrever sua obra, revelando uma crença na capacidade das “coisas”
universais como o amor, o desejo e a modernidade por meio da especificidade radical das vidas individuais e da cultura local. Desejando salientar o papel profundo e fundamental da performance em sua arte, para sua primeira atuação ao vivo Andrade reimagina o relatório de 1952 da Unesco encomendado por antropólogos da Universidade Columbia, intitulado Raça e Classe no Brasil Rural, no contexto local da cidade de Nova York, criando um experimento etnográfico em que o público participa como espectador e como sujeito. Entremeando dados qualitativos e quantitativos do público de encontros casuais e em um “estúdio fotográfico”, a performance como modo de fazer arte é explodida, levantando questões sobre como as construções sociais subsistem em nossa vida cotidiana. CONCEITUALISMO LUXURIANTE
Laura Lima, no entanto, descarta “performance” como termo para descrever sua obra, revelando uma crença na capacidade das “coisas”, sejam ideologias, objetos, animais ou humanos, para atuar no mundo em seus próprios termos. Essa predileção empresta ao seu trabalho um validade especial que descrevo como conceitualismo luxuriante, formalmente implausível, sensualmente lúdico, materialmente vívido e filosoficamente rigoroso. Para a Performa 15, Laura combina duas obras anteriores: Galinhas de Gala
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(2004-2011) e Baile (2003-2004) em uma série de eventos e encontros semiorquestrados. As obras reimaginadas revelam preparativos que levam ao evento culminante, como arranjos decorativos e florais, serviço de bufê e fantasias, e o final em si acontece em colaboração com participantes convidados e improvisados, que fazem parte integral da peça. Galinhas ornamentais, adornadas com plumas de Carnaval especialmente preparadas em um leque de cores surpreendente e abrigadas em uma instalação escultural, são coautoras e instigadoras do Baile. Em Nova York, Laura Lima estrutura uma obra em que o tempo é ilimitado, revelando as muitas qualidades espetaculares subjacentes à vida cotidiana, e tudo o que é considerado garantido é suspenso, livre para ser experimentado e expressado com base no desejo dos participantes (humanos ou não) e sem os limites de uma agenda fixa ou um resultado previsto. A matéria voluptuosa e intelectual de Laura Lima, o complexo método de pesquisa de Jonathas de Andrade e a personificação eloquente da abstração de Eleonora Fabião revelam individualmente suas qualidades babilônicas de diversas maneiras, esclarecendo a experimentação profunda e radical na arte multidisciplinar do Brasil de hoje.
Da série Galinhas de Gala (2004), de Laura Lima
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FOTO: LAURA LIMA
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CIRCUITO NACIONAL 69
Em sintonia com o que acontece no cenário internacional, o circuito de arte brasileira também volta seu olhar para a performance, criando eventos institucionais ou comerciais. Em 2005, quase paralelamente à primeira edição da Bienal Performa de Nova York, teve início a Mostra VERBO, idealizada pela Galeria Vermelho, em São Paulo. Realizado anualmente, o projeto germinal tornou-se um marco e desde então várias outras iniciativas criaram um calendário nacional de artes performáticas. Camila Régis
VERBO Com uma década de existência, a VERBO transformou-se no evento mais emblemático de performance no Brasil. O projeto reúne anualmente na Galeria Vermelho (SP) artistas transdisciplinares com pesquisas importantes dentro da performance, como Maurício Ianês, Rose Akras, Marcius Galan, Dora Longo Bahia e Lia Chaia. Com foco voltado para o corpo e seus desafios, o festival originou um espaço para experimentações artísticas que não existia nesses moldes no País. Desde sua criação, o evento já apresentou trabalhos de mais de 500 artistas.
Performance Como Chama, do Grupo EMPREZA, na VERBO 2006
Belas Artes na SP Arte No início de 2015, a SP Arte, montou pela primeira vez um setor dedicado à performance. Realizado em parceria com o Centro Universitário Belas Artes e a VERBO, o evento apresentou trabalhos de alunos e ex-alunos da faculdade paulista em um programa curado pela professora Juliana de Moraes e Marcos Gallon, diretor da VERBO. Houve ainda a reprodução de ações de James Lee Byars, um dos precursores da performance. Com espaço para debates relacionados à plataforma, o evento foi inovador ao aproximar um dos suportes mais rebeldes das artes visuais do mercado. A segunda edição, em 2016, está em negociação.
Movimenta Idealizado pela Galeria Mezanino (SP), o festival Movimenta teve sua primeira edição em julho deste ano. Com curadoria do galerista Renato de Cara, da artista Luanna Jimenes e do produtor cultural Ivi Brasil, o evento traz como eixo conceitual uma das formas mais básicas de expressão humana: o movimento. Apresentações cênicas, leituras dramáticas, live painting, videoperformances e caminhadas formaram um corpo de ações que explorava questões relacionadas à memória, identidade, gênero, temporalidade e conflito. MIP - Manifestação Internacional de Performance Em 2001, o artista Marco Paulo Rolla criou o CEIA – Centro de Experimentação e Informação de Arte –, ousado espaço em Belo Horizonte destinado a fomentar atividades ligadas à produção artística contemporânea. Dois anos mais tarde, o centro tornou -se referência ao realizar a primeira edição da MIP – Manifestação Internacional de Performance –, também idealizada pelo artista. Visionária ao trazer uma programação dedicada às artes performáticas, a iniciativa apresentou trabalhos de artistas como Márcia X e Laura Lima. Sem uma periodicidade fixa – por isso o nome “manifestação” –, o evento ocorreu novamente em 2009 e sua terceira edição está prevista para 2016, com curadoria de Rolla e Fernando Ribeiro.
FOTO: DING MUSA/ CORTESIA GALERIA VERMELHO
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CABRAS MARCADOS Paula Garcia e Marco Paulo Rolla revelam como performances deixam marcas – reais e metafóricas – no elemento central de sua produção artística: o corpo CAMILA RÉGIS
NO INÍCIO DESTE ANO DE 2015, QUEM PASSASSE PELA EXPOSIÇÃO TERRA COMUNAL – MARINA ABRAMOVIĆ + MAI, que ocupou o Sesc-Pompeia, em São Paulo, podia se demorar a assistir
a Paula Garcia em ação, realizando a performance de longa duração Corpo Ruindo. Vestida com um uniforme de trabalho, a artista manuseava 4 toneladas de ferro-velho no interior de um espaço com paredes imantadas. Logo no primeiro dia de execução da obra, a artista fez um corte profundo no antebraço esquerdo, enquanto levava uma chapa metálica de um lado da sala para o outro. “Foi como faca na manteiga”, conta a seLecT. Após ter recebido atendimento de primeiros socorros, Paula Garcia continuou executando sua tarefa. Desistir não era uma opção, já que o objetivo da obra era produzir – através do próprio corpo – uma reflexão sobre os níveis
À direita, curativo no braço de Paula Garcia. Na página ao lado, artista durante a performance Corpo Ruindo, no Sesc-Pompeia, em São Paulo SELECT.ART.BR
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FOTOS: HICK DUARTE. NA PÁGINA AO LADO: PAULA GARCIA FOTOS:
“Comecei a lidar com limites. Meu exercício ali era ter uma escuta absoluta de meu corpo e negociar com ele”, explica Paula Garcia. “Eu imaginava que, se conseguisse passar por isso, viver isso 72
intensamente, iria a lugares que nunca fui”
de brutalidade implicados nas atividades que operários e trabalhadores braçais enfrentam todos os dias. Aquele foi o primeiro revés de uma temporada marcada por níveis extremos de esforço físico e mental. Durante dois meses inteiros, ao longo de seis dias semanais e oito horas diárias, Paula Garcia carregou peso e respirou poeira de ferro, acumulando marcas de um processo transformador. “Fiquei com uma cicatriz no braço e marcas nas pernas.” As escoriações surgiam e começaram a fazer parte da rotina – como ocorre na vida dos trabalhadores espelhados pelo trabalho. “Sou artista, vivi isso numa situação excepcional. Mas era justamente do que estava falando. Existem milhões de pessoas que vivem assim normalmente”, explica. Contudo, a performance não era só cansaço. Em certas ocasiões, a artista atingia um estado quase meditativo, com a mente esvaziada pelo esgotamento. “Foi bonito porque houve momentos do trabalho com puro silêncio. Às vezes, quando terminava de fazer algo, suada, eu me sentava para tomar um café ou comer uma maçã.” Mesmo o desgaste físico não sendo um objetivo, e sim uma consequência da obra, ele se tornou um agente desestabilizador do corpo, submetendo-o ao conflito e à precariedade. “Comecei a lidar com limites. Meu exercício ali era ter uma escuta absoluta de meu corpo e negociar com ele”, explica. “Eu imaginava que, se conseguisse passar por isso, viver isso intensamente, iria para lugares que nunca fui.” A vontade de ir a “novos lugares” estava em sintonia com um corpo que queria se expandir e se ligar a forças invisíveis – no caso, representadas pelos ímãs. Ao usar sua própria materialidade, Paula Garcia fala de um corpo “coletivo, subjetivo e fragmentado” – que também carrega marcas. CICATRIZES INTERNAS
Marco Paulo Rolla também participou da mostra Terra Comunal com a ação intitulada Preenchendo o Espaço. Mas foi em outro projeto que o artista mineiro bateu de frente com um limite de seu corpo. SELECT.ART.BR
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Em 2002, ele participou da exposição Acidental, na extinta Galeria Duplo, em Buenos Aires. Na ocasião, a performance Café da Manhã/Breakfast foi executada para o público. Nela, o artista toma tranquilamente um desjejum em uma mesa posicionada rente à parede. A única trilha sonora do espaço é o tilintar dos talheres, o derramar dos líquidos, as mastigadas, o abrir dos sacos plásticos. De repente, a cena é interrompida por um salto abrupto do performer sobre a mesa. Apesar de já ter realizado a ação outras vezes, naquele instante Rolla percebeu algo estranho. “Essa performance tem um momento muito rápido, a primeira coisa que tenho de jogar para fora é a cadeira. Mas, naquele contexto, ela ficou presa no meu pé. Como reflexo, fiz uma onda com o corpo. Senti dores depois e percebi que tinha me machucado.” Sua coluna sofreu uma lesão e só voltou ao normal após muitas seções de acupuntura. O acidente foi um encontro com a vulnerabilidade do corpo, a partir do qual o artista passou a buscar novas maneiras de se fortalecer. Atualmente, pratica quatro modalidades de exercícios: Pilates, caminhadas, Gyrokinesis e Gyrotonic, ambos métodos de condicionamento físico que relacionam corpo e mente. Os cuidados com a alimentação também aumentaram – carne vermelha e o excesso de açúcar foram cortados. A lesão ativou uma nova consciência, mas a própria performance Café da Manhã/Breakfast foi baseada em outro momento revelador. Aos 7 anos de idade, na escola, o artista fez uma encenação para a disciplina de educação moral e cívica. Sua função era apenas tomar café da manhã educadamente na frente do público. “Para mim foi muito esquisito. Eu era pequeno, mas foi quando entendi o descolamento da realidade. Guardei essa memória para fazer um trabalho, só não sabia que seria esse em específico. Ela virou esse pensamento que transforma o cotidiano em algo simbólico”, diz. Ambas as marcas – a real e a metafórica – serviram como momentos de ruptura que propiciaram mudanças. “Você percebe que sequelas indicam preposições para o resto da vida”, finaliza.
Registro da performance Café da Manhã/Breakfast, de Marco Paulo Rolla
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FOTOS: MONALI MEHER
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A RELAÇÃO COMO OBRA PA U L A A L Z U G A R AY
Registros de uma conversa com Maurício Ianês sobre performances que deixam rastros na memória
DUAS QUESTÕES ANTAGÔNICAS SURGIRAM NA REUNIÃO DE PAUTA DA EDIÇÃO 26 DE SELECT. DE UM LADO, O IMPACTO DA PERFORMANCE NO CORPO DO ARTISTA, na forma de
marcas ou cicatrizes. Do outro, ações não documentadas que não deixam nenhum tipo de vestígio físico e são guardadas apenas na memória de quem as experimentou. A apuração da segunda pauta se daria a partir de um caso digno de nota: a total falta de registros da Experiência nº 1 de Flávio de Carvalho, artista e pensador transdisciplinar, que ganhou o título de pioneiro da performance no Brasil ao atravessar uma procissão em sentido contrário, usando um chapéu, em 1931. Movido por interesses antropológicos e psicanalíticos, o artista tinha a intenção de testar os limites de tolerância e agressividade de uma multidão religiosa, mas acabou por realizar a primeira performance brasileira de que se tem notícia. A ação foi autodocumentada em ensaio do livro Experiência nº 2: Uma Possível Teoria e Uma Experiência. Mais tarde, como conclusão de uma série de estudos sobre moda, Carvalho voltaria a desafiar convenções sociais desfilando pelas ruas de São Paulo vestindo seu traje New Look, concebido para o “homem dos trópicos”. A ação, formalizada como Experiência nº 3, foi O Vínculo (2015), de Maurício Ianês. Durante dois meses o artista colocou-se à disposição das vontades do público da exposição Terra Comunal, no Sesc-Pompeia, SP SELECT.ART.BR
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FOTOS: CORTESIA DO ARTISTA
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fartamente documentada pelos meios de comunicação da época. A Experiência nº 1, no entanto, se existiu, não deixou registros materiais. Antes que pudéssemos iniciar a apuração da pauta que vasculharia as ações não documentadas de Flávio de Carvalho e de outros artistas tão instigantes quanto a espanhola Esther Ferrer e a cubana Tania Bruguera, fomos interceptados pelo declínio de Maurício Ianês em participar da discussão sobre as marcas da performance, questão considerada por ele irrelevante. O artista paulistano Maurício Ianês, que em pelo menos dois grandes projetos, Sem Título – A Bondade dos Outros (2008), realizado na 28ª Bienal de São Paulo, e O Vínculo (2015), no Sesc-Pompeia, pautou seu trabalho sobre a experiência compartilhada com o outro, nos pareceu então que contribuiria para uma reflexão sobre a potência das performances que só deixam rastros na memória. Na conversa que se deu por e-mail, fica o registro do início de uma abordagem ao tema. seLecT: Oi Maurício, tudo bem? Gostaria de interceder aqui no diálogo iniciado pela Camila a respeito das marcas de performances. Não há de fato nada de espetacular nessa abordagem, que encontramos como um ponto de partida para conversar sobre os efeitos, resultados e índices de trabalhos que têm o corpo como mídia. Acredito que as marcas podem elucidar vários aspectos da sua pesquisa. Porém, se você não se sentir confortável com o tema, podemos pensar em outra forma de interlocução. MI: Oi Paula, oi Camila, tudo bem? Por aqui, tudo certo!
Quando eu disse que me incomodava com o aspecto “espetacularizante” dessa abordagem, eu me referia a algumas estratégias de leitura de performances que insistem em focar na figura do artista, no seu corpo e mais ainda, no que pode ser “mitificador” (quantos neologismos!) e alienante nesse foco. As marcas de um processo que podem ser índices de uma visão do artista como mártir ou herói, o fetiche dessas marcas, cicatrizes, traços e documentos, o que deixa de lado a ação mesmo e o seu aspecto efêmero e momentâneo, que deixa de levar em conta o momento, o contexto, o público, o sistema comercial e institucional da arte, a instituição, o discurso e o diálogo entre artista, público, instituição e sistema e, claro, seus desdobramentos em uma reflexão política, ética, social e estética através do processo sensível de uma ação. (...) Respondi rapidamente e sem ter elucidado essas questões que permeiam meu trabalho, e esse foi um erro meu, mas, como vocês SELECT.ART.BR
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podem ver, já estamos conversando sobre o tema proposto por vocês e, sim, podemos continuar desde que essas questões sejam levadas em conta. Se não lidarmos com o tema desde já com uma visão crítica, podemos perder um momento histórico de grande importância para as artes em geral, esvaziando a força e o poder de transformação (e por que não de revolução?) que a mídia performance tem. Continuamos a conversa? Beijo grande, Maurício. seLecT: Oi Maurício, obrigada pela elucidação dos pontos que explicam sua resistência em falar das marcas. Sim, continuamos a conversa! Antes de mais nada, devo evocar Walter Benjamin e sua ideia de que “no rastro, apoderamo-nos da coisa”. E como estamos aqui a produzir material documental e reflexão sobre o tema em uma revista, buscamos seguir rastros para nos apoderar do assunto. Mas entendo, pela sua colocação precisa, que sua atenção está no efêmero e momentâneo. No acontecimento. Vamos então começar pelo efêmero. Me ocorre te perguntar se você já fez uma ação artística sem registro algum. Como fez Flávio de Carvalho com sua Experiência nº 1 não documentada. Uma segunda questão importante que atravessa o seu relato do dia 26/8 é a relação com o público. E aqui me lembro de outro artista, neste caso um escritor, que, ao ser convidado para realizar uma conferência na Documenta 13, inventou para si um personagem. Autre, o personagem de Enrique Vila-Matas, tinha dois problemas: a comunicação e a fuga. Com isso, programou uma Conferência para Ninguém, a ser realizada “em um lugar remoto, mais além do último bosque dos arredores de Kassel”. Bjs Paula MI: Olá Paula, vamos lá! Se eu já fiz alguma ação que não
tenha deixado traços ou documentos... Sim, já fiz. Muitas ações e performances que fiz no começo da minha carreira não foram documentadas, além de algumas outras mais recentes. Algumas dessas ações sem documento foram pensadas expressamente para não terem registro mesmo, ou registros “fracos”, no sentido de deixar claro que daquela obra o que importava de fato era a vivência. Isso gera muitas complicações, principalmente numa época de trânsito de imagens que acabam sendo mais relevantes que o momento. Uma dessas complicações é que, ao contrário da performance que você cita da Documenta – uma performance para ninguém –, a ação acaba não tendo reverberações dentro do sistema da arte, tão dependente da espetacularização (financeira e simbólica) das imagens e da figura histórica fetichizada do artista – o artista como “guru”, o ego do artista como produto etc.
Ianês: “No caso de O Vínculo, minha disponibilidade era uma estratégia para desestabilizar a hierarquia entre artista e público”
seLecT: A julgar por ações recentes suas, uma performance para ninguém parece ser precisamente o revés do seu trabalho, concorda? Gostaria de ouvir o seu relato sobre seu diálogo com público, instituição e sistema nessas duas performances específicas, que, como te comentei quando te visitei no seu espaço de livre-arbítrio no Sesc, parecem
ser opostas e complementares (na primeira, você depende da generosidade do público e, na segunda, coloca-se à disposição dos desejos dos outros). Um abraço, Paula MI: Sim, uma performance para ninguém é o oposto do que
eu procuro com meu trabalho. Tenho procurado descentralizar o papel do artista, da instituição e do sistema da arte, na tentativa de re-situar a obra de arte em um lugar mais amplo, sem hierarquias, através de uma linguagem de uso comum que não seja verticalizada, mas, ao contrário, horizontalizada, inclusive no seu desdobramento temporal. De certa forma, as ações que você citou (Sem Título, 28ª Bienal, e O Vínculo, Sesc-Pompeia) se desdobram e ecoam para além do seu limite espacial e temporal. As relações criadas lá foram em muitos casos perpetuadas para um diálogo que invade a minha vida e a vida dos participantes: relações que acabam transformando e gerando reflexões não só sobre arte, mas sobre a sociedade e as relações individuais fora do contexto da arte. Essas são marcas imateriais muito mais relevantes para o meu trabalho e a minha reflexão, e têm uma potência transformadora muito forte. No caso de O Vínculo, a minha disponibilidade era uma estratégia para desestabilizar a hierarquia entre artista e público. Uma vez que isso era alcançado, eu mudava de atitude e me recolocava em uma situação de equilíbrio dentro da ação, de modo que todos, inclusive eu, teríamos o mesmo poder. Além disso, o poder da instituição, no caso o Sesc, era continuamente questionado, muitas vezes de formas radicais. Como a ação previa a criação de um espaço autônomo (auto+nomos – nomos=lei em grego), este era de fato um espaço sem leis, e as regras eram criadas de acordo com as necessidades das relações ali estabelecidas, através do diálogo com o público. Até onde eu sei, essa situação também gerou marcas bastante fortes na instituição. (...) Em geral, tenho uma relação bastante clara com a questão dos traços e documentos: na maioria das minhas ações, os registros têm valor como documento histórico, mas não como produto artístico de mercado. A obra deu-se na relação, não nos seus traços. Algumas obras, no entanto, geram traços que a meu ver possibilitam uma reflexão que vai além da vivência presente, e estas então são classificadas como obras independentes. Estarei on line a maior parte da tarde. Se você quiser me perguntar mais coisas, estarei disponível. Beijo grande, obrigado! Mau. seLecT: Obrigada pelo diálogo, que acredito ter chegado a um ponto final, por ora. Como você sugere ilustrar nossa conversa? Talvez registros de O Vínculo? bjs Paula FOTOS: CORTESIA DO ARTISTA
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EM FEVEREIRO DESTE ANO, A ARTISTA AFEGÃ KUBRA KHADEMI VESTIU, POR CIMA DAS ROUPAS ESCURAS QUE LHE COBRIAM O CORPO – incluindo pulsos e tornozelos –, uma estranha e pesada
G U S TAVO F I O R AT T I
CORPO POLÍTICO O contato com o Ocidente e a expressão política no corpo de mulheres com origem em países islâmicos
A artista afegã Kubra Khademi nas ruas de Cabul, em performance que lhe rendeu até ameaças de morte SELECT.ART.BR
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estrutura metálica que ela mesma havia passado um mês confeccionando. Ajustada ao ombro por duas alças rígidas, a armadura moldava-se aos seus seios, barriga e nádegas. Sem abrir mão do véu sobre os cabelos, obrigatório para mulheres em lugares públicos no seu país de maioria muçulmana, Khademi escolheu uma rua de grande movimento na capital afegã, Cabul, e realizou uma tensa caminhada de oito minutos. Como esperava, uma multidão de homens fechou o cerco. Em entrevista à seLecT, a artista conta que o que aconteceu em seguida também não a surpreendeu: os passantes começaram a gritar em tom de zombaria, chamaram-na de prostituta, e até algumas crianças presentes manifestaram doses de agressividade. “Eu queria fazer o percurso em dez minutos, mas precisei apertar o passo por causa do alvoroço ao meu redor”, conta. Ao fim do trajeto, Khademi entrou em um carro que estava à sua espera, conforme o planejado, e partiu. A performance havia acabado, mas não os riscos. Nos dias seguintes, pelas redes sociais, foi insultada e recebeu ameaças de morte. Não foi somente com os ânimos dos homens de sua cidade que Kubra Khademi mexeu. Ela também despertou a curiosidade da imprensa internacional: jornais e sites da Inglaterra, Espanha, França, Estados Unidos e Brasil, entre outros países, publicaram matérias sobre o trabalho e seus desdobramentos. Em março, um jornal espanhol destacou as seguintes aspas da artista em um título: “O que pode ser mais expressivo do que o próprio corpo para uma mulher afegã?” CORPO SUBVERSIVO
Para chegar até o Afeganistão, onde com frequência a mulher é privada de cursar faculdade e de sair às ruas sem o marido, a questão da expressividade do corpo como ferramenta política percorreu caminhos longos. Nos anos 1970, a sérvia Marina Abramović já tocava o debate. Em 1974, por exemplo, criou uma situação de risco extremo: uma arma carregada fora colocada ao alcance do público, juntamente com navalhas. A artista permaneceu na galeria, em Nápoles, durante dias, vulnerável à ação dos visitantes. Sem eles, a obra não se completaria. No pós-Segunda Guerra Mundial, os movimentos de vanguarda deram corda a conflitos iminentes similares a este. Performances ganharam espaço, amplificando seus sentidos na relação direta com a situação ao redor. Além de Abramović, o chinês Ai Weiwei, cujo olhar performático crítico ao regime comunista de seu país lhe rendeu meses na prisão em 2011, também influenciou Khademi, ela divulga.
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FOTOS: CORTESIA DA ARTISTA FOTOS:
Sob o olhar de regimes autoritários, a performance ainda atinge a potência de subversão. O que raramente ainda acontece no Ocidente. Mas é, paradoxalmente, do lado de cá do planeta que, em alguns casos, a recepção e a repercussão – a exemplo do trabalho de Khademi – assomam-se como vetores da criação. “Fiquei em choque com a forma com que a performance refletiu na imprensa”, diz a artista. “Ser chamada de corajosa é estranho. Não me sinto corajosa. Meu objetivo é dialogar com a audiência, com homens e mulheres.” As ameaças de morte, prossegue Khademi, “mostram quão profunda é a recusa, no Afeganistão, de que a mulher possa ser educada e levantar a voz”. Ela diz que nenhuma ameaça lhe foi endereçada por alguma mulher – todas foram feitas por homens –, mas nega o rótulo de ativista feminista. “Sou artista.” Notavelmente, sob o olhar ocidental, a opressão no mundo islâmico é vista com estranhamento. Mas isso pode acontecer, no caso das mulheres, justamente porque os enfrentamentos em seus países de origem se dão em atritos com grupos refratários à cultura ocidental. Há, em ações de artistas como Kubra Khademi, a formação de um tecido em mutação constante, um fenômeno de dimensão global. Um artista não está fora da história e da cultura, “e ainda assim muitos artistas, intelectuais e acadêmicos são resistentes à noção de que trabalham dentro de um quadro cultural e de que internalizaram uma cultura hegemônica”, diz Sondra Hale, antropólogo e professor da Universidade da Califórnia, cuja pesquisa se especializou no papel da mulher no Oriente Médio, em texto publicado no livro Images of Enchantment: Visual and Performing Arts of the Middle East. Com menção a Ashis Nandy, psicólogo e sociólogo indiano pioneiro em defender que o colonialismo não se dá apenas como imposição de ordem geográfica, Hale diz: “O Ocidente está em todo lugar, dentro do Ocidente e fora dele, em estruturas e mentes”. Para ele, é intrínseco ao papel do artista a construção de identidades nômades que, mesmo decalcadas no perfil vernacular, “propaguem ideias múltiplas” em espaços que cruzam limites da cultura e da origem.
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IDENTIDADES NÔMADES
Imagens dos vídeos Electric Chair e Colonel, pertencentes à série Me (1997-2000). Na página ao lado, The Portrait of the Artist as a Cliché SELECT.ART.BR
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A iraniana Ghazel parece ter uma nova resposta à questão: ela vê com reservas os convites para exposições que anunciam trabalhos de mulheres islâmicas. Em 2005, topou participar de uma exposição em Viena, mas retirou-se após saber que o foco seriam mulheres islâmicas. Some Stories mostrou trabalhos de artistas da Argélia, Egito, Líbano e Palestina. Os curadores defendiam que esses trabalhos movimentam tensões em campos da tradição e do progresso, da religião e da
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FOTOS: REPRODUÇÃO/CORTESIA DA ARTISTA
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Imagens dos vídeos Boxer e Keep the Balance, pertencentes à série Me (1997-2000) SELECT.ART.BR
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voracidade do capitalismo, do exílio e da imigração. “O tipo de exposição clichê que eu odeio”, desfere a artista em entrevista à seLecT. “(Curadores e jornalistas) estão sempre tentando nos colocar em potes”, diz Ghazel. Mas o paradoxo é que seus trabalhos dependem, sim, de contextualizações históricas e geográficas. Ela assume que um projeto de performance para Teerã não pode ser levado a Paris, onde estudou e onde trabalha, e vice-versa. Realizada em Teerã, Chronicle of Void and Beyond (1999) é um exemplo. Anunciava a performance da artista às 20 horas, mas houve uma espera de cerca de uma hora e, após um sinal previamente combinado, três pessoas se lançaram ao chão como se estivem mortas. Imediatamente, o público foi expulso da sala. As portas da galeria foram fechadas e as janelas cobertas. O público era – ele próprio – um corpo em enfrentamento. A sensação de algo que não havia se cumprido fechava um trabalho político e bem-humorado sobre a censura. Mas a menção ao terror era ainda mais óbvia: às 21h15, o dono da galeria pediu para que espectadores, perseverantes à porta, partissem “por razões de segurança”, diz Ghazel. Tanto quanto discursar sobre questões ligadas à opressão, a artista menciona um estado de humor específico como traço cravado também nas origens. “Nós, iranianos, estamos sempre tirando sarro de nós mesmos”, explica. Esse traço identitário de uma civilização virou um trabalho de cunho autobiográfico. “Faço autorretratos: desde a série Me (imagens em vídeo com menções autobiográficas) até as árvores desenraizadas, que me representam”, diz, referindo-se às imagens que desenha e depois apaga. “São trabalhos inspirados na minha vida híbrida e nômade, minhas identidades múltiplas e imperfeitas.” Na série Me, há vídeos exibindo situações prosaicas protagonizadas pela artista, com desvios cômicos para alusões trágicas e costumes tradicionais. Sempre fazendo uso do chador (roupa islâmica que só não cobre os olhos das mulheres), Ghazel esquia, joga videogame, vai ao mar. Ou passa por uma rua, conduzindo um carrinho de supermercado, em menção aos estoques feitos pela população iraniana no período da guerra entre Irã e Iraque, de 1980 a 1988. A percepção da circunstância, prossegue Ghazel, é fundamental na performance, e essa qualidade arrefeceu nos últimos tempos em seu país, onde identifica a preferência pela “arte decorativa”, como ela chama. “Hoje, no Irã, performances têm horários marcados para acontecer, algo que eu critico. Não há surpresa. Acho que os artistas estão confundindo teatro e performance”, ataca. E então juntam-se os vetores. Nos trabalhos de Ghazel e de Khademi, o corpo não se apresenta apenas como ferramenta política, torna-se disparador de breves desequilíbrios efêmeros. Sob o manto da ordem, o papel da mulher islâmica potencializa, ali, novos caminhos. E eles não ligam apenas Ocidente e Oriente...
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Em exibição até novembro no Pavilhão Brasileiro da 56ª Bienal de Veneza, com a instalação Nave, Antonio Manuel fala sobre um momento fundador de seu trabalho artístico: as intervenções em páginas e bancas de jornal
EXERCÍCIO EXPERIMENTAL DA CLANDESTINIDADE ANA MARIA MAIA
IRÔNICA E POSTERIOR, A ASSINATURA ARTISTA, LADO A LADO COM O CRÉDITO FUNDADOR DO JORNAL, É A REVELAÇÃO SEU FEITO. Antonio Manuel infiltrou-se
DO DO DO
no parque gráfico de O Dia e, entre outras intervenções, produziu uma série de dez capas em que, a partir da matriz original, inseriu novas fotos e manchetes de teor ora ficcional e absurdo, ora dedicado a repercutir questões da arte dos seus contemporâneos. A distribuição de alguns exemplares dessa versão do jornal nas bancas do Rio de Janeiro completou o ciclo do trabalho e sugeriu que, embora tomando uma escala diminuta diante das proporções reais da mídia de massa, aquele intervalo quixotesco entre a arte e o mundo poderia ser um lugar pertinente para o artista. O mesmo artista que, em 1970, após aparecer nu no Salão de Arte Moderna para a performance O Corpo É a Obra, inspirou a máxima de Mário Pedrosa sobre “arte como exercício experimental de liberdade”, experimentou também certa “clandestinidade” para investigar brechas nos discursos hegemônicos. Como esfera pública de encontros e confrontos, e talvez por isso como laboratório político, estético e discursivo, a imprensa motivou uma série de intervenções de Antonio Manuel, desde o fim dos anos 1960. Nesta entrevista, o artista recupera o percurso de negociações envolvidas em cada uma dessas iniciativas e o contexto histórico que as impele – e a toda uma geração de artistas – a assumir direcionamentos contraculturais e antimercadológicos. O que representava o jornal nos anos 1970?
Antonio Manuel: Hoje em dia o jornal vive sua decadência, tem seu sentido social esvaziado, seu conteúdo é carente de aprofundamento; mas, nos anos 1970, tinha uma comunicação imediata e grande representatividade, e uma importância político-social muito grande − era um veículo poderoso. Hegel dizia que o jornal é a oração matutina do homem. O jornal daquela época cumpria essa função de agendar o SELECT.ART.BR
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Amarrou um Bode na Dança do Mal, 1975, intervenção sobre jornal. Texto publicado originalmente no jornal Nossa Voz.(Março, Abril, Maio e Junho 2015) FOTOS: MARIO CAILLAUX. NA PÁGINA AO LADO, BIA CAILLAUX
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leitor logo de manhã sobre um conteúdo político, social, estético... Era um veículo completo, que circulava pela cidade, que tinha um poder de comunicação com um público amplo, tinha um conteúdo, uma manchete, uma diagramação e ruídos gráficos que me interessavam. A relação com a mídia é fundamental para o seu trabalho. Quais as principais etapas e estratégias dessa pesquisa?
Primeiro surgiram os Flans, que começaram em 1967 e foram apropriações de matrizes gráficas dos jornais sobre as quais fazia intervenções em pintura. Depois vieram os desenhos sobre páginas de jornal (Sem Título, 1967), e logo a reimpressão desse conteúdo sobre papel Fabriano, um suporte mais resistente para desenho e pintura. Assim, eu comecei a ir ao jornal e participar de sua dinâmica de impressão. Ia de madrugada buscar os Flans, ou então tentar imprimir o jornal em outro papel. Essa já era a minha maneira de estar dentro desse veículo, de conhecê-lo por dentro. O resultado de alguns trabalhos iniciais contou com certa liberdade para deformar essa realidade, substituindo imagens, anulando textos, tornando meu ponto de vista talvez mais direto através do meu desenho e do modo como eu podia valorizar ou ocultar alguns textos e imagens. Daí até chegar à série Clandestinas (1973) ou no jornal De 0 às 24 Horas (1973), as coisas foram se aprofundando, também, a ponto de virarem uma interferência direta no processo editorial do veículo, com a criação de manchetes, fotos e pequenos textos. Isso acontecia dentro do próprio jornal, na oficina de impressão ou na redação, envolvendo os operários. Havia um “espírito do tempo” que levava esses seus trabalhos e obras de outros artistas a acontecerem. A ideia era de uma existência social parasitária, marginal, que nem por isso era apartada de um pensamento sobre o sistema e o comum. Dentro desse ambiente, qual o sentido de clandestinidade que você emprega no seu trabalho?
Eu me lembro, lá pelos anos 1960, Hélio Oiticica, Nelson Motta e eu recebemos um livrinho vindo de Londres com maneiras de subverter os sistemas. Era uma coisa marginal, contra o sistema político lá na Inglaterra. Eles ensinavam como fazer uma ficha para usar o telefone público ou burlar o bilhete de ônibus. Essa cartilha reunia tudo o que era contra o sistema e o status quo, táticas para uma guerrilha cotidiana. Isso transformou muita gente, foi muito forte. Quando criei as Clandestinas, queria também, de alguma forma, reagir ao sistema político, ao sistema estético, de botar o trabalho nas ruas, fora das instituições oficiais ou chapas-brancas. Fazia isso “pegando carona” no jornal e, de alguma maneira, deturpando seu conteúdo real. Eu ia para a gráfica do jornal e intervinha sobre a página de capa, abria espaços na diagramação, atribuía outras manchetes e fotos, às vezes também sobrepunha às chamadas de texto. Era como se estivesse criando um jornal clandestino dentro do próprio jornal O Dia. E, finalmente, eu levava essa outra versão do jornal para as bancas, criando assim uma duplicidade, uma falácia que era difícil distinguir da realidade, visto que parte do conteúdo do jornal era mantida. SELECT.ART.BR
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Você era também clandestino na gráfica do jornal. Isso amplia o sentido do trabalho para o espectro do real, para a atividade artística radical diante das relações de trabalho no sistema capitalista. Como sua entrada no jornal foi negociada e quando precisou parar?
A série acabou porque o diretor, o dono do jornal, foi à oficina e me encontrou lá, com vários operários se ocupando com o meu trabalho. Ele não tinha sido avisado antes, o filho é que tinha me autorizado, que tinha me permitido trabalhar lá, de maneira completamente informal. Quando viu, mandou suspender tudo. Eu estava fazendo o Flan Poema Classificado (1975). Esse foi o último trabalho e o fim da série de Flans. Fiquei esses anos no ambiente do jornal e, em retrospecto, posso dizer que todos esses trabalhos tinham seu sentido marcado pelo grande perigo de se estar “dentro do fogo”, de não estar fora, de fazer a crítica de dentro do sistema empresarial, político. Mesmo antes de o diretor descobrir, eu enfrentei censura lá dentro. Só podia sair do jornal mostrando tudo o que eu tinha feito no dia. Na exposição De 0 às 24 Horas, você declarou o jornal como lugar para exposição de arte. Depois de ter sua mostra no MAM-RJ cancelada, levou as propostas para as páginas de O Jornal. Que prolongamentos ou antagonismos você identifica entre o museu e a mídia de massa? Onde você acha que o trabalho de arte se torna eficaz?
“Eu me lembro, lá pelos anos 1960, Hélio Oiticica, Nelson Motta e eu recebemos um livrinho vindo de Londres com maneiras de subverter os sistemas. Eles ensinavam como fazer uma ficha para usar o telefone público ou burlar o bilhete de ônibus” Para De 0 às 24 Horas, o jornal foi muito mais eficaz do que seria o próprio MAM. Em 1973, o clima político estava muito tenso e a direção do museu tomou a posição de censurar algumas obras que participariam da minha exposição. Inconformado, procurei deixar o trabalho que seria um bode vivo no foyer, fazendo uma associação entre bode e body (corpo) e trazendo a lembrança da performance O Corpo É a Obra, em que me apresentei nu no museu durante o Salão de Arte Moderna de 1970. Essa ideia também foi vetada e eu achei que o melhor seria publicar os projetos junto a alguns outros textos, como um de Décio Pignatari, maravilhoso, sobre Clandestinas. Procurei O Jornal e negociei para que aceitassem essa proposta e me dessem um encarte de seis páginas inteiras, nada menos que isso. O editor, Washinton Novaes, bancou a ideia em retaliação à demissão de Reinaldo Jardim daquele jornal, três dias antes. Foi minha sorte. Chamei a iniciativa de Exposição de Antonio Manuel: De 0 às 24 Horas. Era uma mostra minha para estar nas bancas e, dessa maneira, romper com sistemas oficiais da arte daquele período. O título sugeria a duração de um dia apenas. Era uma obra descartável, embora pudesse ser guardada. A mostra no jornal cumpre a função de disseminar um ruído de informação de forma relâmpago, com tiragem muito grande, de 60 mil exemplares. Nesse sentido, assemelha-se a ações de guerrilha. Como pensar táticas de desaparição a partir do seu trabalho? Vale considerar a desaparição ou a diluição no social como categorias para a arte?
Nos anos 1970, o anonimato foi necessário devido à censura. Na Bahia, depois de ter um trabalho meu fotografado dentro de um aparelho – que eram os apartamentos nos quais os estudantes se juntavam para contestar o regime –, percebi que tinha de voltar para o Rio imediatamente. Vim de ônibus e não podia ser reconhecido. Estava com medo de ser preso, por isso escrevi um texto narrando a situação e botei numa caixa de fósforos que vim segurando ao longo de todo o trajeto. Se me pegassem, eu largaria aquela caixa discretamente, com a intenção de que alguém a descobrisse. Essa caixa de fósforos era quase uma Urna Quente (1968) − caixas hermeticamente fechadas que depositei no Aterro do Flamengo (no evento Apocalipopótese) e que precisavam ser quebradas para se descobrir o seu
conteúdo. Em várias coloquei recortes de jornais correntes, com situações políticas dramáticas. Não sei se a desaparição, mas a impossibilidade, ou a dificuldade, de aparição está presente no meu trabalho dessa época por motivos contingenciais. Na instalação Fantasma (1994), que é posterior, abordei a perda de identidade involuntária de uma testemunha da chacina de Vigário Geral, que apareceu em uma fotografia no Jornal do Brasil, com o rosto coberto por um pano branco, enquanto dava entrevista para toda a imprensa. Inseri a imagem do fantasma rodeado por microfones nesse labirinto feito de pedaços de carvão suspensos, nessa cosmogonia em que há poesia, mas também choque, energia produtiva, além de risco de ser manchado por aquela matéria porosa e preta. Dos anos 1980 para cá, seu trabalho adentrou o terreno da instalação e assumiu elementos desconstrutivos. Que sentidos podem ser empregados para essas mudanças?
Eu queria abstrair toda essa carga de imagens massificadas e violentas que nos bombardeiam todos os dias, queria desaparecer com elas ou mesmo anulá-las. No trabalho Até Que a Imagem Desapareça (2013), um dos que seriam apresentados na Bienal de Veneza daquele ano, monto um pequeno laboratório de revelação fotográfica em que deixo um líquido gotejar sobre algumas fotografias apropriadas de jornais. Essa é a minha forma de dizer que esses relatos não servem, que devem ser jogados fora, pelo menos para mim. É o contrário de revelar, é “desrevelação”. Se, nesse trabalho, o caminho rumo à abstração ganhou teor de apagamento, na intervenção Frutos do Espaço (1980), que montei no jardim da Catacumba da Lagoa, no Rio, tornou-se um conteúdo em aberto que respeita a natureza, os imaginários pessoais dos visitantes e a memória daquele lugar, que era uma favela. Inseri no lugar esculturas feitas em ferro vazado, com a forma das colunas diagramadas dos jornais. Embora tenha criado a metáfora de uma estrutura de narração e visibilidade, como a que acontece na grande imprensa, a presença do trabalho no local era transparente e totalmente passível de interferências do entorno. FOTO: DIVULGAÇÃO
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CRIMES PERFEITOS Rogério Reis expõe na Marsiaj Tempo
Galeria
instalação
que
processa a violência do Rio de Janeiro e lança livro que joga com bom humor para refletir acerca da relação entre público e privado
EDER CHIODETTO
CAPTURE SUA VÍTIMA. COLOQUE-A DESACORDADA DENTRO DE PNEUS DE CARRO OU CAMINHÃO NUMA ÁREA DESERTA E LONGE DO ALCANCE DA VISTA DE ABELHUDOS.
Ateie fogo. Caso ela ainda esteja viva, morrerá nos primeiros minutos ao inalar a fumaça extremamente tóxica que será liberada na queima. É possível que antes disso ela acorde, se debata, peça clemência, aquilo de sempre. Mas logo os gritos cessarão. Então, mais alguns minutos bastarão para que a altíssima temperatura alcançada na treta praticamente não deixe vestígios do corpo do infeliz. Tecidos e ossos derreterão e sumirão como num passe de mágica. Será muito difícil alguém reconhecer o que terá sobrado entre os pedaços de borracha queimada. Micro-ondas. Crime perfeito. A crueldade embutida no crime que ficou conhecido como micro-ondas, cujo modus operandi acima descrito pode ser facilmente encontrado em sites na internet, foi um dos motes que levaram o fotógrafo carioca Rogério Reis, 61, a construir a instalação Micro-ondas (2004), SELECT.ART.BR
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com 24 fotografias em backlight, aplicadas em pneus interligados por cabos elétricos. Integrada ao acervo da Maison Européenne de la Photographie, em Paris, a instalação poderá ser vista na Galeria Tempo Marsiaj, no Rio de Janeiro, a partir de 17 de outubro. Reis trabalhou por muito tempo na imprensa carioca como fotojornalista. Vinte anos após deixar de atuar nas redações de jornais e 14 após lançar o livro Na Lona (Editora Aeroplano) – com foliões fantasiados no Carnaval carioca –, que o projetou para fora do circuito do fotojornalismo, o profissional segue investigando particularidades ligadas à rotina da cidade do Rio de Janeiro. O hábito de farejar e encontrar notícias quentes que rondam temas como a violência e a relação entre público e privado é um dos seus eixos de pesquisa. Se a centelha que ilumina suas obras surge no “purgatório da beleza e do caos” da paisagem carioca, é fato que, após um processo de decantação gerado pelas suas estratégias poéticas, a violência endógena e temas ligados
Detalhe da instalação Micro-ondas (2004), que remete ao expediente do tráfico carioca de queimar suas vítimas FOTO: CORTESIA DO ARTISTA
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à identidade ganham potência universal. E esqueçamos aqui o relato objetivo e a fotografia direta empregada na sua antiga prática. Uma revisita a determinados períodos e a artistas ícones da história da fotografia o acompanha em suas transgressões ao código fotográfico. Doze das 24 imagens que integram a instalação Micro-ondas foram realizadas com a colaboração do amigo e ex-preso político Chico Andrade: ambos colocaram fogo em pneus para simular a ação dos criminosos. As outras fotografias, em preto e branco, foram recuperadas do acervo dos tempos de redação: imagens de coberturas de crimes que o jovem fotógrafo realizava nos plantões de madrugada pela periferia do Rio. Algumas dessas coberturas da pauta de crimes foram feitas em parceria com o jornalista Tim Lopes, assassinado em 2002, na favela da Vila Cruzeiro, por um grupo de traficantes. Após ser torturado, Lopes foi colocado no micro-ondas. “A obra não fala somente desse crime em particular, mas de toda uma situação de violência. É uma espécie de acerto de contas com o meu entorno. Dois anos antes do
No alto, fotos da série Ninguém É de Ninguém (2011-2014), clicadas sem aviso prévio nas praias cariocas e com rostos cobertos para evitar identificação SELECT.ART.BR
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crime contra o Tim Lopes, meu amigo e músico Marcelo Yuka ficou paraplégico ao levar quatro tiros pelas costas de bandidos que roubavam um carro. Eu mesmo tive um episódio em que um ladrão tentou me roubar o carro, me deu um tiro de revólver que por sorte não me atingiu”, diz Reis. NINGUÉM É DE NINGUÉM
No vernissage, além da exibição de Micro-ondas, haverá também o lançamento do livro Ninguém É de Ninguém (editoras Olhavê e Edições de Janeiro), com 41 imagens da série homônima, realizada nas praias cariocas entre 2011 e 2014, geralmente nos domingos de verão com a areia lotada de banhistas. Integrada aos acervos da MEP, Paris e do Museu de Arte do Rio (MAR), Ninguém É de Ninguém joga com ironia e bom humor – ingredientes que tanto faltam na fotografia nacional – para refletir acerca da relação entre público e privado, direito de uso de imagem e temas correlatos. “Me lembro dos anos 1970, quando íamos para a praia, no extinto píer de Ipanema, em plena ditadura militar. Os amigos
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se encontravam, rolava um baseado. Caetano e Gal sempre apareciam. Lembro de ver Alair Gomes fotografando na orla. Quando alguém aparecia com uma câmera, era saudado. O fotógrafo era uma espécie de herói”, lembra Reis. “Hoje em dia, tirar uma câmera na praia e apontar para alguém pode ser uma complicação danada. Investi contra isso. Comprei uma lente de foco automático superveloz, me vesti como gringo e fui enfrentar essa multidão. Quase sempre consegui sair ileso, mas numa das vezes um cara ficou tão incomodado ao me perceber fotografando-o que em minutos ele já havia promovido a ideia de um linchamento contra mim. Como eu já conhecia várias pessoas e alguns guardas, escapei”, conta o sobrevivente fotógrafo. Inspirado pelas estratégias dos artistas John Baldessari e Lászlo Moholy-Nagi – como na obra The Olly and Dolly Sisters (1925), do último –, Reis passou a esconder rostos “roubados” furtivamente com bolinhas coloridas. “As tarjas utilizadas pela imprensa para proteger as identidades dos menores e suspeitos de crimes sempre me remeteram ao humor provocante do Baldessari”, conta Reis.
PAT R O C Í N I O
Essa multidão sem identidade foi declarada finda por parecer um coletivo de autômatos. Curioso perceber que, sem as expressões faciais, os gestuais parecem todos repetitivos, robotizados, sem o ânimo que nos diferencia uns dos outros. Porém, contra esse pano de fundo terrível e paralisante – que na verdade engloba um debate ainda muito malfeito que contrapões direito de uso de imagem com a viabilidade da prática do fotodocumentarismo, por exemplo –, a série investe em imagens que alegram os sentidos, devido à nossa memória afetiva das imagens familiares de praia, mas, sobretudo, por conta do uso divertido das bolinhas coloridas que criam uma camada pictórica envolvente e harmônica. Conseguir unir uma reflexão sobre caminhos obscuros do comportamento contemporâneo com uma estética que seduz para dentro da obra antes de revelar sua visão sombria é um mérito de Ninguém É de Ninguém. Mostra que o trânsito entre a redação de jornal e as paredes do museu foi feito de forma muito bem estruturada por Rogério Reis.
A seção Vernissage é um projeto realizado em parceria com galerias de arte que prevê a publicação de um texto sobre a obra de um artista que estará em exposição durante os meses de circulação da edição. FOTOS: CORTESIA DO ARTISTA
SÃO PAULO
EM SEU PRÓPRIO TEMPO
Mostra Rumos 2013-2014 até 25/10, Itaú Cultural – Avenida Paulista, 149, São Paulo
CAMILA RÉGIS
Sem deslumbres com a tecnologia, Mostra Rumos Itaú Cultural faz retrato de uma arte em sintonia com a contemporaneidade Um casal de gêmeos kaxinawá, tribo indígena sul-americana, é o protagonista do jogo para computador Huni Kuin: Os Caminhos da Jiboia. Desenvolvido pelo antropólogo Guilherme Meneses, o videogame apresenta a dupla vencendo desafios e adquirindo habilidades de entidades como animais, plantas e espíritos, para que ao fim da jornada eles se tornem Huni Kuin – no idioma kaxinawá, um “ser humano de verdade”. O projeto, que poderia integrar uma bienal de tecnologia, faz parte da Mostra Rumos, em cartaz no Itaú Cultural e em vários pontos da capital paulista. Há trabalhos feitos em diferentes plataformas, relacionados a esferas de conhecimento não necessariamente vinculadas à arte. Esse aspecto é o principal norte da iniciativa, que representa o maior edital de incentivo à cultura do Itaú Cultural. Em 2013, o Rumos sofreu alterações significativas: em vez de receber projetos separados SELECT.ART.BR
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Berna Reale na foto da série Precisa-se do Presente (2014), na África do Sul
por linguagens, passou a aceitar propostas de qualquer área de expressão. Após a reestruturação, o programa selecionou 101 projetos com abordagens plurais. Desses, 15 ocupam o prédio da Avenida Paulista, formando uma exposição pautada pelo hibridismo de temáticas e tecnologias – ainda que nem todas as obras tenham relação evidente com o universo digital. É o caso de Precisa-se do Presente (2014), da paraense Berna Reale, composta de vídeos e fotografias realizados nos países do BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Acompanhada da curadora Júlia Lima, a artista visitou os cinco países, filmou e fotografou a si mesma em situações emblemáticas. Em Moscou, usou uma fralda com o rosto de Vladimir Putin e caminhou pelo metrô da capital russa. Porém, a fim de evitar represálias no espaço público, a imagem do ex-presidente só foi aplicada na obra durante a pós-produção. Em algumas fotografias, a própria artista também foi construída e finalizada digitalmente, originando uma performance que se concretiza através dos meios tecnológicos. Entre obras tão aparentemente díspares como um videogame e uma performance de arte contemporânea, a exposição apresenta uma leitura na qual a tecnologia não surge apenas como um fetiche eletrônico. Ela é apresentada com uma ferramenta integrada à vivência das pessoas, capaz de ampliar possibilidades e proporcionar novas maneiras de criar.
REVIEWS BRASÍLIA E RIO DE JANEIRO
A REINVENÇÃO DO CÓDIGO LUCIANA PAREJA NORBIATO
Retrospectiva abarca os 30 anos de carreira de Arnaldo Antunes, que injeta frescor e graça na poesia concreta Lidar com a palavra é fundamento básico da compreensão do mundo em que vivemos. Desde que a filosofia do século 20 notou a função da linguagem como condicionante da razão e da realidade – não sem algum determinismo –, é impossível construir pensamento sem atravessar a questão. Mesmo nas artes visuais. Como seLecT mostrou na edição 24, a arte não só toma a palavra como matéria-prima, mas no pós-estruturalismo atual compreende a criação artística como discursiva. Ou seja, tão importante quanto a configuração material da obra é o discurso que ela traz. Se nos anos 1950 a poesia concreta transferia a linguagem de sua utilização instrumental para o campo poético em construções de modo “verbivocovisual” (termo que os irmãos Campos e Décio Pignatari emprestaram de James Joyce), hoje, com a tecnologia e a transdisciplinaridade, Arnaldo Antunes explode as ligações dos vocábulos com a gramática e cria brechas por onde a razão pode respirar o ar do não explicar. Ou desexplicar? Sua retrospectiva, que esteve em cartaz em São Paulo e agora chega a Brasília e ao Rio de Janeiro, expõe 30 anos de carreira do multiartista, em obras selecionadas pelo curador Daniel Rangel. Há desde áudios de poemas cantados por sua voz gutural até videoinstalações, como a recente Ser Outro (2014), que movimenta palavras caçadas das ruas em um mosaico de monitores. A variedade de mídias
Arnaldo Antunes Palavra em Movimento até 8/11, Museu Correios SCS – Setor Comercial Sul, Qd. 4, Bl A, nº 256 - Asa Sul, Brasília; e de 2/3 a 1º/5/16, Centro Cultural Correios, Rua Visconde de Itaboraí, 20, Rio de Janeiro
Na obra interativa Wind Mind (2008), Arnaldo Antunes convida o espectador a ressignificar a obra girando a inicial da palavra
também dá espaço a obras mais delicadas, como Wind Mind (2008), escultura em aço carbono em que essas duas palavras se alternam quando o espectador gira a primeira letra – W passa a ser M, e assim sucessivamente. A interatividade de obras como 360° (2008), uma porta que se abre infinitamente, põe o público em posição privilegiada. Nas entrelinhas da escrita do artista, tão importante quanto a obra é a ação do espectador, convidado a completar o trabalho não só na mente, mas na ação. E nos gestos que dão sentido a um novo léxico, espreita a percepção de que há muito mais nas palavras do que letras e fonemas: há vida e energia da ação humana no ato de se comunicar e se relacionar. ..
FORTALEZA
ADRIANA VAREJÃO SUTIL
Adriana Varejão – Pele do Tempo até 29/11, Espaço Cultural Airton Queiroz – Unifor, Av. Washington Soares, 1.321, Fortaleza
Em sua primeira individual em Fortaleza, obra da artista ganha leitura que lhe confere um espectro intimista e antimonumental “Esta exposição não é tão menor que a do MAM. Lá eram 42 obras, aqui são 32”, disse Adriana Varejão à seLecT, antes da abertura de sua primeira mostra em Fortaleza. Pode ser que em número não sejam tão diferentes, mas a retrospectiva curada por Luisa Duarte é antípoda à megapanorâmica exibida nos Museus de Arte Moderna de São Paulo e do Rio, em 2012 e 2013, com curadoria de Adriano Pedrosa. Na mostra anterior, seguindo a monumentalidade que costuma acompanhar as montagens da artista carioca, as obras eram colossais, com muita carne construída em poliuretano rompendo a bidimensionalidade das telas, além de um painel com 54 azulejões em tons de vermelho e FOTO: DIVULGAÇÃO. NA PÁGINA AO LADO, MANUELA REALE
REVIEWS Mãe d’Água (2009), um dos grandes pratos pintados por Adriana Varejão que remetem à tradição do Candomblé
RIO DE JANEIRO
IMERSOS EM POEIRA E NUVEM PAULA ALZUGARAY
branco – dois dos quais figuram na mostra atual. Era a tradução da potência da colonização, do encontro do homem branco com a terra selvagem e seus costumes desconhecidos, até a contenção em um mundo pretensamente civilizado, que tenta esconder em sua estrutura “azulejada” e esquemática a animalidade do ser humano. Mesmo que apresente obras em grande dimensão, esta exposição tem um caráter intimista. Com um enfoque didático – a inclusão de trabalhos de todas as fases e uma sala dedicada às influências da artista –, a exposição permite várias camadas de leitura. Dos silêncios e intervalos entre as obras, e nas dimensões que se alternam, emerge uma resignação desencantada com o rumo civilizatório, desembocando nas pinturas de saunas e banhos, como O Iluminado (2009), inédita no Brasil. Talvez a série de enormes pratos-objetos, que se assemelham às oferendas do Candomblé, proponha o escape para um mundo em que a animalidade não ultrapassa a superfície – como ocorre nos trabalhos em que a pintura densa, com aspecto de carne, irrompe da tela. A perspectiva histórica da curadoria de Pedrosa cede lugar, na curadoria de Luisa Duarte, a uma reflexão existencialista a respeito da condição incerta do brasileiro, posicionado em algum lugar entre sua origem pré-colonial e a aculturação eurocêntrica. É interessante notar a constante autorrepresentação da artista nos trabalhos. Como refluxo narcísico, o recurso resvala em autopublicidade, mas também num desejo de se inserir na história. Talvez esse expediente, usado desde a antiguidade como forma de perpetuar a existência após a morte, ou de burlá-la, seja a camada mais íntima da individual. LPN SELECT.ART.BR
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Frame de Diário (2015), vídeo de Marilá Dardot realizado durante residência no México
Quarta-feira de Cinzas até 8/11, EAV Parque Lage, Rua Jardim Botânico, 414, Rio de Janeiro
Curadoria de Luisa Duarte tem caráter de resistência ao buscar ativar conteúdos amortecidos entre escombros. Sem apologia da ruína Quarta-feira de Cinzas, a terceira exposição do projeto Curador Visitante da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, abriu para o público na quarta-feira fatídica em que o Brasil perdeu o grau de investimento na classificação de crédito da Standard & Poor’s. Está claro que esta foi apenas uma ironia do destino. A pesquisa que a curadora Luisa Duarte desenvolve sobre a incerteza e a fragilidade humana tem fundamentos filosóficos de outra densidade e seu interesse está justamente no revés de uma época “que faz o elogio incessante da ‘eficácia’, da ‘competência’, da ‘agilidade’”, segundo escreve em seu texto curatorial. Enquanto os
efeitos daquela quarta-feira abatiam mercados, desvalorizavam moedas e derrubavam Bolsas Brasil afora, a Quarta-feira de Cinzas montada no Parque Lage levantava poeira de ruínas já instaladas no mundo contemporâneo há muito mais tempo. E 1938 é a data do poema Elegia, de Carlos Drummond de Andrade, eleito por Luisa Duarte como uma das bases de seu processo curatorial e incluído no corpo de obras da exposição em versão declamada por Caetano Veloso. A exposição tem um caráter político de resistência a um estado das coisas que, no Brasil, definitivamente chegou a um cul de sac. Remexe os escombros do que Drummond anotou como “um mundo caduco” para o qual se trabalha sem alegria. Volta-se às rachaduras que desafiam a inércia de um “tempo fadado à repetição”, funcionando, portanto, como um “niilismo ativo” – expressão que a curadora toma emprestada de Nietzsche. Ainda que a tonalidade predominante da exposição seja o cinza – o que lhe empresta uma frequência francamente melancólica –, temos cerca de 40 obras de 22 artistas que deflagram ações de resistência e reconstrução. No branco e preto das fotografias de Claudia Andujar (Construção de Brasília, 1965) e de Mauro Restiffe (Espéria #1), ou da escultura de pó e concreto de Nicolás Robbio, há a menção à ruína do projeto de progresso do modernismo. No cinza do muro sobre o qual Marilá Dardot escreve com água frases extraídas de chamadas de jornais (Diário, 2015), há relativização das verdades impostas pelo tempo do capital. O mesmo comprometimento mostra Matheus Rocha Pitta (Mão no Fogo, 2015), ao expor nas paredes da Gruta do parque sua coleção de recortes de jornais sobre casos sórdidos de corrupção. Com coragem e visceralidade, Quarta-feira de Cinzas toca com urgência nas feridas de seu tempo.
A arquitetura das lojas populares é retratada na pintura Real Estate (Lojão, 2014), de Geraldo Marcolini
SÃO PAULO
UM LANCE DE DADOS JAMAIS ABOLIRÁ O ACASO JULIANA MONACHESI
Ter Lugar para Ser até 22/11, Centro Cultural São Paulo, Rua Vergueiro, 1.000
Curadoria de Mario Gioia investiga as contradições legadas pela arquitetura moderna brasileira Uma arquitetura significa outra arquitetura, já postulava Décio Pignatari ao inventar uma semiótica da arte, da arquitetura e do desenho industrial em sua tese de livre-docência, em 1979. O exemplo inaugural do concretista é a cadeira Rietveld (1918), que pressupõe nela todas as cadeiras anteriores e muitas que a sucederiam. Por uma dessas coincidências da vida institucional, a exposição Ter Lugar para Ser ocorre ao lado e concomitantemente à mostra Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados, que reúne obras e documentos do espólio do intelectual no Centro Cultural São Paulo. O feliz acaso é um convite à reflexão. O curador Mario Gioia selecionou obras de Caio Reisewitz, Chico Togni, Clara Ianni, Felipe Cama, Geraldo Marcolini, Leonardo Finotti, Lucas Simões, Luiza Baldan, Martinho Patrício, Polyanna Morgana, Rodrigo Sassi e Vivian Caccuri para compor seu recorte curatorial acerca das relações entre arte e arquitetura na produção contemporânea. O foco principal de investigação são as contradições legadas pela arquitetura moderna brasileira: como esta resiste ao
FOTOS: DIVULGAÇÃO. NA PÁGINA AO LADO, EDUARDO ORTEGA E CORTESIA MARILÁ DARDOT
tempo, 60 anos depois, e como se vivencia, hoje, o paradoxo entre um programa urbanístico arrojado e um país de contrastes sociais inaceitáveis. Uma imagem recente do Palácio da Alvorada, em Brasília, obra da Série América Latina #001 (2007), de Finotti, sintetiza as ambiguidades relativas ao tema contrastando a imensidão do céu acachapante do Planalto Central com o espremido horizonte urbanístico ocupado por um diminuto centro do poder nacional. Das raras ampliações em cor de Finotti, a foto espelha, na expografia de Ter Lugar para Ser, a única outra obra bastante colorida do conjunto, a pintura Lojão (2014), de Marcolini – tela que “diz muito sobre essa arquitetura vulgar hoje dominante”, explica Gioia, em entrevista à seLecT. “O lojão é um não lugar clássico, sem gente, com formas iguais a qualquer coisa, que se choca com o CCSP, tão particular.” Infelizmente, o espaço destinado à mostra é muito pequeno para o conteúdo proposto. Os trabalhos de Rodrigo Sassi, por exemplo, parecem desconectados dos demais, expostos literalmente fora da sala. Estivessem em diálogo e tensão com as outras obras, seria um ganho significativo para o conjunto. O curador alega que pretendeu expor as esculturas do artista em situação oposta àquela em que outras foram mostradas na individual de Sassi no Centro Cultural, em 2014. Uma arquitetura significa outra arquitetura e, já dizia um dos heróis de Pignatari, o poeta francês Stéphane Mallarmé, um lance de dados jamais abolirá o acaso.
Teoria das Bordas (20072015), instalação de Lais Myrrha em cartaz no Pivô
SÃO PAULO
CORPO AFETIVO Em retrospectiva coletiva, cinco artistas da primeira geração da Bolsa Pampulha expressam poéticas entrelaçadas
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Apodi 69 até 7/11, Pivô, Edifício Copan, Loja 54, Av. Ipiranga, 200, São Paulo, http://www.pivo.org.br
Cinthia Marcelle, Lais Myrrha, Marilá Dardot, Matheus Rocha Pitta e Sara Ramo encontraram-se em Belo Horizonte, no começo de suas trajetórias artísticas, em 2003. Estavam entre os dez contemplados na primeira edição da Bolsa Pampulha, programa de incentivo a artistas em início de carreira do Museu de Arte da Pampulha, então capitaneado pelo também jovem curador Rodrigo Moura. No ano em que realizaram residências artísticas acompanhadas por críticos, curadores e outros artistas, eles compartilharam o mesmo endereço, a Rua Apodi, 69. A casa comum, esse espaço doméstico onde se deram trocas artísticas, íntimas e interpessoais, é o título de uma exposição em que os cinco artistas se reencontram para mais uma rodada de interlocuções. Apodi 69 tem cerca de 30 trabalhos que datam de 1998 a 2015. O mais antigo, Pares (1998), de Sara Ramo, está posicionado na entrada da exposição no Pivô, em São Paulo, como uma falsa pista. Esta não será uma narrativa cronológica, mas uma homenagem aos diálogos, debates e, finalmente, às duplicidades, ressonâncias e contaminações mútuas. Interessante descobrir como Conversador (2005), fotografia de um cavalo sem cabeça, de Cinthia Marcelle, rebate no vídeo Pastoral (2005), de Matheus Rocha Pitta; e como as fotografias da série Lance de Dados (2001), deste, ressoam na videoinstalação de Marilá Dardot, em que duas pessoas compõem um poema a partir de um jogo de dados. Entre Nós (2006), realizado por Dardot para a 27ª Bienal de São Paulo, não está em Apodi 69. Não importa. Os trabalhos aqui expostos evocam lembranças de outros trabalhos, formando um painel retrospectivo de mais de 15 anos de caminhos-solo e compartilhados. Obras realizadas em trios ou em duplas –
REVIEWS como a encantadora Irmãs (2003), em que Marcelle e Dardot invertem as flores amarelas e roxas de dois Ipês – não estão entre as 32 obras expostas. Esses trabalhos estão no segmento documental da exposição, que reúne fotos, cartas e registros de tudo que fizeram juntos. Mesmo que as obras expostas sejam individuais, a convivência é evocada nas escolhas, feitas pelos próprios artistas, sem um curador convidado. Sem medo da repetição, os trabalhos de Apodi 69 se contaminam, se misturam como as areias da Teoria das Bordas (2007-2015), de Lais Myrrha. Como Entre Nós, de Dardot, a exposição é metáfora de um relacionamento em contínua construção. PA
Rape/Murder (1973), registro de performance de Ana Mendieta
RIO DE JANEIRO
NO ES NATURAL, ES TROPICAL MÁRION STRECKER
A contundência de artistas cubanos marca a grande exposição de encerramento da Casa Daros Quando, em dezembro, a Casa Daros fechar as portas do edifício neoclássico de 1866 que possui em Botafogo, no Rio, terá cumprido dois anos e dez meses de atividades artísticas de altíssimo nível. Com curadoria de Hans-Michael Herzog e Katrin Steffen, a última exposição traz um recorte cubano da excelente Coleção Daros Latinamerica, fundada pela suíça Ruth Schmidheiny no ano 2000 e sediada em Zurique. Ela possui cerca de 1.200 obras de 120 artistas, criadas desde 1960. Na exposição atual, são mais de cem obras de 17 artistas, a maioria residente em Havana. Entre eles Tania Bruguera, Los Carpinteros, José Bedia, Marta María Pérez Bravo, Manuel Piña, Santiago Rodríguez Olazábal e Tonel. Se não abrangem
Cuba - Ficción y Fantasia até 13/12, Casa Daros, Rua General Severiano, 159, Botafogo, Rio de Janeiro
todas as correntes artísticas contemporâneas de Cuba, cobrem a grande maioria, com temática social, política e/ou religiosa. Um dos destaques é Ana Mendieta (1948-1985), artista conceitual, escultora, pintora e videoartista, cuja obra é autobiográfica e feminista. Ela foi despachada para Miami aos 12 anos, na chamada Operação Peter Pan, em 1961, quando 14 mil crianças e adolescentes, por vontade das famílias e com apoio da Igreja Católica e da CIA, se exilaram nos EUA para fugir do regime de Fidel Castro. Mendieta viveu em campo de refugiados, antes de se integrar a outras instituições e se formar na Universidade de Iowa, pós-graduada em Intermedia sob orientação do artista Hans Breder. Reencontrou a mãe apenas em 1966 e o pai em 1979, depois que ele passou 18 anos preso por envolvimento na invasão da Baía dos Porcos. Ana Mendieta morreu jovem ao cair (ou talvez se jogar) do 34º andar do edifício onde morava, em Nova York, com o escultor Carl Andre, seu marido havia oito meses, e com quem tinha tido uma discussão violenta. Ele chegou a ser acusado por sua morte, mas acabou absolvido. O Brasil vai perder a Casa Daros antes de banir o uso do amianto, a substância cancerígena que mata mais de 107 mil pessoas todos os anos e está proibida em mais de 50 países, segundo a Organização Mundial da Saúde. A proprietária da Coleção Daros foi casada com o bilionário Stephan Schmidheiny, herdeiro da Eternit. Schmidheiny foi condenado, em 2012, pela Justiça italiana em ação coletiva por expor ao amianto e vitimar milhares de trabalhadores e vizinhos das fábricas da Eternit na Itália. Cuba foi o primeiro país onde a Daros pretendeu criar sua Casa, antes de se decidir pelo Rio. Da discreta colecionadora sabemos apenas que resolveu mudar de estratégia, embora tenha gasto mais de 6 anos e R$ 67 milhões para restaurar o edifício de 11 mil metros quadrados no Rio. FOTO: DIVULGAÇÃO. NA PÁGINA AO LADO, ISMAEL DOS ANJOS
EM CONSTRUÇÃO
G U TO L ACA Z E O A M O R À AV I AÇ ÃO 98
À moda de M. Hulot, o adorável personagem de Jacques Tati que extraía o lúdico do cotidiano, Guto Lacaz transformou seu amor pela aviação em um dos temas de sua carreira. O artista-inventor dedicou exposições inteiras ao tema, como a antológica Santos=Dumont Designer, no Museu da Casa Brasileira (2006). Performance também não é novidade para ele: desde 1982 criou seis peças com experimentos que mudam aspectos e funções de objetos corriqueiros. Convidado pelo Coletivo Sem Título, s.d. a mostrar essas peças em evento no Centro Universitário Maria Antonia USP, em agosto deste ano, percebeu que teria de adaptá-las. “Não ia ficar bom, porque meus espetáculos precisam de muito equipamento e o espaço lá é pequeno”, diz Lacaz à seLecT. Surgiram assim as sete cenas de um a dois minutos que compõem Ludo Voo, exibida em ensaios abertos. Experimentos como o reeditado Heli Cubo (helicóptero de brinquedo acoplado a um cubo vazado que voa por controle remoto), Aerolínea (balões que içam no ar uma barra de metal, foto) ou Objetos Voadores Identificados (um pincel, um cabide e uma faca que passam suspensos por uma carretilha acoplada a um fio) foram executados ao vivo por Lacaz e Javier Judas, com trilha sonora especial. Em construção para 2016, uma temporada do espetáculo está em negociação com um teatro paulistano. Em fase de finalização, o projeto é definido por ele como uma “viagem sobre o voo, conquista bacana da humanidade”. LPN
SELECT.ART.BR
OUT/NOV 2015
FOTO: EDSON KUMASAKA