MARYAM JAFRI JAC LEIRNER SONIA GOMES THEASTER GATES A R T E E C U LT U R A C O N T E M P O R Â N E A
CL AUDIA ANDUJAR
COLEÇÕES Listar, inventariar, organizar, Fácil, Médio, Difícil, 2015 (detalhe de tríptico), Jac Leirner
publicar, expor, produzir. Impulsos que movem o colecionismo contemporâneo
DEZ/JAN 2016 ANO 05
EDIÇÃO 27 R$ 16,90
ISSN
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A arte emociona, encanta, transforma. A arte surpreende, aproxima, toca. A arte ensina, alimenta, informa. Centro Cultural Banco do Brasil. A arte nos une.
Nós, do Banco do Brasil, reconhecemos o papel transformador da arte e da cultura. Por isso incentivamos e vibramos com cada exposição que levamos aos nossos Centros Culturais no Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e Belo Horizonte. É no Centro Cultural Banco do Brasil que unimos o público ao que há de melhor, mais inovador e fantástico no mundo das artes. Hoje e agora.
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FOGO CRUZADO
CURADORIA
PRODUÇÃO
REPORTAGEM
PERFIL
OBRAS DE MUSEUS PODEM SER VENDIDAS
CATÁLOGOS DE “ 2a CLASSE”
COLECIONADOR ATIVO
ARTE APREENDIDA
UM RETRATO DO BRASIL
Artistas listam
Em vez de acumular,
Museus recebem
Celso Fioravante
Curadores respondem à
itens pelos quais
alguns preferem
obras compradas
prefere artistas
pergunta de seLecT
ninguém se interessa
ajudar no processo
com dinheiro sujo
com mais de 60
22 AGENDA
MALOCA NO INHOTIM Instituto inaugura pavilhão para exibir coleção de 400 fotografias de Claudia Andujar
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DEZ/JAN 2016
FOTO: WILLIAM GOMES/ CORTESIA INHOTIM
SEÇÕES
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Editorial Cartas 9
Selects / Agenda Acervos Itaú Cultural Mundo Codificado Reviews Em Construção
54 PORTFÓLIO
MARYAM JAFRI Pesquisa histórica alimenta obra de paquistanesa
86 MAC-NITERÓI
COMODATO: SOLUÇÃO? Museu esrá fechado por falta de manutenção
70
36
EXCLUSIVO
COLUNA MÓVEL
LIGAÇÕES PERIGOSAS
ORIGEM DAS COLEÇÕES
Masp sob investigação
Maria Cecília França Lourenço
movida por descendentes
e as motivações que regem as
de vítimas do nazismo
formações de acervos FOTOS: DE CIMA PARA BAIXO, PHILIPP HÄNGER/ CORTESIA MARYAM JAFRI, MÁRION STRECKER, ANTANANA/WIKIMEDIA COMMONS
E D I TO R I A L
10
ABRIR ACERVOS: A IMPORTÂNCIA DE TORNAR UMA COLEÇÃO (OU SUA ORIGEM) PÚBLICA
Ativo em julgamentos de casos de lavagem de
Será coerente o Masp incorporar a essa política a
dinheiro que tiveram coleções de arte retidas
revisão de segmentos obscuros de seu acervo, que
pela Justiça, o desembargador Fausto De Sanctis
começou a ser formado nos anos pós-Segunda
inaugurou no Brasil uma prática muito importante.
Guerra, quando propriedades de famílias de origem
Ele criou um sistema em que o acusado deve ressarcir
judaica foram espoliadas. Em reportagem exclusiva
imediatamente a sociedade, doando obras a museus.
de Gustavo Fioratti, seLecT teve acesso a estudos
“A concepção própria da obra de arte é ser apreciada,
de procedências que atestam que cinco esculturas
não escondida”, diz De Santics à repórter Luciana
de Edgar Degas da coleção do Masp estão em
Pareja Norbiato, em matéria sobre o confisco de obras
lista de instituições judaicas que buscam obras
adquiridas com dinheiro sujo pela Operação Lava Jato.
confiscadas pelos nazistas.
Tirar obras de reservas técnicas, onde ficam guardadas
Precisamos buscar a origem das coleções (!), nos
por tempo indefinido – seja em situações de
avisa a professora Maria Cecília França Lourenço,
apreensões ou de descaso do serviço público –, está
na Coluna Móvel. Tanto mais se tiverem qualquer
na mira de profissionais como De Sanctis e de artistas
suspeita de envolvimento em crimes de guerra ou
e pesquisadores que se debruçam sobre acervos de
em casos de polícia.
diversas naturezas. Como a paquistanesa Maryam
Nesta edição dedicada às coleções de arte, em que
Jafri, portfólio desta edição, que investiga os arquivos
constatamos quanto o colecionismo institucional
do Ministério da Informação de Gana, na África, do
nacional continua incipiente, é hora de reforçar as
banco de imagens Getty e de produtos fracassados
sinergias entre os âmbitos público e privado.
da indústria alimentícia dos EUA. Assim também como
Assim, 2016 deve marcar um novo ciclo do
Giselle Beiguelman, artista, professora da FAU-USP e
colecionismo brasileiro. Com a crise econômica
conselheira editorial de seLecT, que devolveu à luz um
e os altos preços da arte brasileira no mercado –
conjunto de monumentos que estavam esquecidos
empecilhos reais para o aparecimento de jovens
em um depósito da prefeitura de SP, dotando-o de
coleções –, as trocas (entre instituições) deverão
dignidade e cercando-o de questões, ao mostrá-lo no
ser consideradas. E o colecionador privado deverá
Arquivo Histórico da cidade.
entender que seu papel é maior do que acumular
A mesma preocupação se manifesta entre
por fetiche pessoal. Abrir acervos, tornar pública
instituições artísticas, como a Pinacoteca do Estado
sua coleção e apoiar a produção artística são
de São Paulo, que, segundo Ana Letícia Fialho,
atitudes saudáveis que já se afirmam entre as
colaboradora da edição com texto sobre estratégias
novas gerações de colecionadores.
de construção de coleções públicas, está definindo sua política de aquisição de novas obras a partir de pesquisas sobre as origens da própria coleção. O mesmo poderia ser dito a respeito do Masp, que desde o início 2015, sob nova direção, iniciou uma operação para restaurar a visibilidade de seu acervo e edifício. Faz parte dela a retomada da expografia original do museu, com a volta dos cavaletes de Lina
Paula Alzugaray
Bo Bardi, aqui celebrados na seção Em (re)construção.
Diretora de Redação
SELECT.ART.BR
DEZ/JAN 2016
26/11/2015 – 06/02/2016 Daniel Steegmann Mangrané Adriano Costa
20/02/2016 – 26/04/2016 Thiago Martins de Melo Paulo Nimer Pjota
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Rua da Consolação 3358 Jardins São Paulo SP 01416 – 000 Brazil + 55 11 3081 1735 www.mendeswooddm.com facebook.com/mendeswood @mendeswooddm
EXPEDIENTE
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EDITORA RESPONSÁVEL: PAULA ALZUGARAY
DIRETORA DE REDAÇÃO: PAULA ALZUGARAY DIREÇÃO DE ARTE: RICARDO VAN STEEN EDITORA DE ARTE: LUCIANA FERNANDES REPORTAGEM: LUCIANA PAREJA NORBIATO REPORTAGEM DIGITAL: CAMILA RÉGIS CONSELHO EDITORIAL: GISELLE BEIGUELMAN E MÁRION STRECKER
COLABORADORES
Ana Letícia Fialho, Fernanda Lopes, Gustavo Fioratti, Juliana Monachesi, Maria Cecília França Lourenço, Mario Gioia, Nathalia Lavigne, Paulo D’Alessandro e Roberto Wagner
PROJETO GRÁFICO
Ricardo van Steen e Cassio Leitão
SECRETÁRIA DE REDACÃO COPY-DESK E REVISÃO PRÉ-IMPRESSÃO
CONTATO
MARKETING
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DIRETOR: Rui Miguel ASSISTENTE DE MARKETING: Andreia Silva
DIRETOR NACIONAL: José Bello Souza Francisco DIRETORA: Ana Diniz GERENTES EXECUTIVOS DE PUBLICIDADE: Batista Foloni Neto, João Fernandes, Tania Macena e Rita Cintra SECRETÁRIA DIRETORIA PUBLICIDADE: Regina Oliveira EXECUTIVA DE PUBLICIDADE: Andréa Pezzuto ASSISTENTE DE PUBLICIDADE: Eyres Mesquita ASSISTENTE ADM. DE PUBLICIDADE: Ederson do Amaral COORDENADORES: Gilberto Di Santo Filho CONTATO: publicidade@editora3.com.br RIO DE JANEIRO-RJ: COORDENADORA DE PUBLICIDADE: Dilse Dumar; Tel.: (21) 2107-6667 / Fax (21)2107-6669 BRASÍLIA-DF: Gerente: Marcelo Strufaldi. Tel.: (61) 3223-1205 / 3223-1207; Fax: (61) 3223-7732 ARACAJU-SE: Pedro Amarante - Gabinete de Mídia - Tel./Fax: (79) 3246-4139/9978-8962. BELÉM-PA: Glícia Diocesano - Dandara Representações - Tel.: (91) 3242-3367 / 8125-2751. BELO HORIZONTE - MG: Célia Maria de Oliveira - 1ª Página Publicidade Ltda.; Tel./Fax: (31) 3291-6751 / 99831783. CAMPINAS-SP: Wagner Medeiros - Parlare Comunicação Integrada - Tel.: (19) 8238-8808 / 3579-8808. CURITIBA-PR: Maria Marta Graco - M2C Representações Publicitárias; Tel./Fax: (41) 3223-0060 / 9962-9554. FLORIANÓPOLIS-SC: Anuar Pedro Junior e Paulo Velloso - Comtato Negócios; Tel./Fax: (48) 9986-7640 / 9989-3346. FORTALEZA-CE: Leonardo Holanda - Nordeste MKT Empresarial - Tel.: (85) 9724-4912 / 88322367 / 3038-2038. GOIÂNIA-GO: Paula Centini de Faria – Centini Comunicação - Tel. (62) 3624-5570 / 9221-5575. PORTO ALEGRE -RS: Roberto Gianoni - RR Gianoni Com. & Representações Ltda. Tel./Fax: (51) 3388-7712 / 9985-5564 / 8157-4747. RECIFE-PE: André Niceas e Eduardo Nicéas - Nova Representações Ltda - Tel./Fax: (81) 3227-3433 / 9164-1043 / 9164-8231. SP/RIBEIRÃO PRETO: Andréa Gebin - Parlare Comunicação Integrada; Tel.s: (16) 3236-0016 / 8144-1155. BA/SALVADOR: André Curvello - AC Comunicação - Tel./ Fax: (71) 3341-0857 / 8166-5958. VILA VELHA-ES: Didimo Effgen-Dicape Representações e Serviços Ltda. - Tel./Fax (27)3229-1986 / 8846-4493 Internacional Sales: Gilmar de Souza Faria - GSF Representações de Veículos de Comunicações Ltda - Fone: 55 11 9163.3062. MARKETING PUBLICITÁRIO - DIRETORA: Isabel Povineli GERENTE: Maria Bernadete Machado ASSISTENTES: Marília Trindade e Marília Gambaro. REDATOR: Bruno Módulo. DIR. DE ARTE: Victor S. Forjaz.
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COLABORADORES
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juliana monachesi
ana letícia fialho
Crítica de arte, curadora independente e jornalista especializada em artes visuais, é mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP - curadoria P 46
Advogada, gestora cultural e pesquisadora, doutora em ciências da arte e da linguagem pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris (EHESS) - política institucional P 82
paulo d’alessandro
maria cecília frança lourenço
mario gioia
Fotógrafo, com pesquisa focada em retratos e experimentações formais. É representado pela Galeria Lume - perfil P 98
Docente na FAU-USP, onde dirige o Grupo Museu/Patrimônio. Foi diretora do Centro de Preservação Cultural, do Engenho dos Erasmos e da Pinacoteca do Estado - coluna móvel P36
Graduado pela ECA-USP, coordena o projeto Zip’Up, da Zipper Galeria, e é crítico convidado do Paço das Artes e do Programa de Exposições do CCSP - reviews P 102
fernanda lopes
gustavo fioratti
nathalia lavigne
roberto wagner
Crítica de arte e curadora, doutoranda em História e Crítica de Arte na EBAUFRJ. Atualmente vive e trabalha em Nova York - internacional P 94
Crítico de teatro e jornalista especializado em cultura e comportamento, é colaborador da Folha de S.Paulo - reportagem P 70
Jornalista especializada em artes visuais, desenvolve pesquisa sobre reprodução de obras de arte no Instagram e colecionismo digital - coluna móvel P 38
Artista visual e fotógrafo, colabora com publicações como Casa Vogue, Wish, Trip e Wallpaper - mercado e colecionismo P 60
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C A R TA S
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A relação como obra, seLecT edição 26 Acabo de ler a entrevista com Maurício Ianês para a seLecT, dedicada à performance. Senti certa “perturbação” e por isso estou escrevendo. Quando Ianês se recusa, no início, em participar da matéria por ser “contra” a espetacularização da figura do artista, algo entra em contradição. Ele fala do fetichismo sobre o artista e toda a relação ideológica e mercadológica que isso provoca. Até entendo, mas acho que não cabe a ele. As imagens dizem muito, não é? Você, que citou Benjamin na matéria, sabe muito disso. Então, por qual razão a imensa fotografia de Maurício Ianês ocupa quase duas páginas de uma revista? E ainda, a defesa (dele) por uma relação com o público paralela ao artista não é elucidada na disposição das imagens. O público ocupa uma singela fotografia ao fim da entrevista. Simbólico, não? Não sei quem é o responsável por pensá-las, mas com certeza são contraditórias. Acho que essa filosofia/missão de Ianês numa revolução/transgressão no seu próprio fazer artístico é bastante contraditória. Precisamos pensar mais sobre fotografias, elas fazem parte do discurso. Alberto Luiz de Andrade Neto, Estudante, via e-mail
Caro Alberto, obrigada por suas considerações. É importante para a revista receber feedbacks de seus leitores. A fotografia de Maurício Ianês que abre a matéria “A relação como obra” foi escolhida pela equipe de seLecT por representar os rastros das relações do artista com seus interlocutores. Entendemos que o público está presente nesta imagem por meio de suas ações produzidas no espaço e no corpo do artista. Quanto à presença física do público, ela está representada em duas imagens publicadas na segunda dupla da matéria, dividindo espaço com o corpo da entrevista. Os editores Escreva-nos Rua Itaquera, 423,
Parabéns pela última edição, é importante dedicar-se a temas, assim fica mais amplo e denso falar sobre os assuntos! Rodolpho Parigi,
Pacaembu, São Paulo - SP
via Facebook
faleconosco@select.art.br
CEP 01246-030 www.select.art.br
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Parabéns pela edição da revista sobre performance. Tobi Maier,
twitter.com/revistaselect
curador, via e-mail
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S E L E C T E X PA N D I D A ONLINE PÚBLICO-PRIVADO
FALA CHIARELLI
DISPUTA
POR DENTRO
No site, a íntegra da matéria "Como construir coleções", de Ana Letícia Fialho, narra as fragilidades das instituições culturais brasileiras e como o colecionismo privado atua nos acervos nacionais.
Diretor artístico de um dos principais museus do País, Tadeu Chiarelli fala em entrevista exclusiva à seLecT sobre a origem da coleção da Pinacoteca do Estado de São Paulo.
Confira no site a carta completa de Mel Urbach, advogado da família judia Flechtheim, que, conforme a reportagem de Gustavo Fioratti, "Ligações perigosas", reivindica esculturas de Edgar Degas pertencentes ao acervo do Masp.
Os colecionadores Mariano Marcondes Ferraz e o casal Camilla e Eduardo Barella abrem suas coleções para a seLecT. Confira a galeria de imagens disponível em nosso site.
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FOTO: CHRISTINA RUFATTO
Thomas Hoepker • Muhammad Ali on a bridge over the Chicago River, Summer 1966.
Thomas Hoepker • Impávido Muhammad Ali • até 23 Janeiro Vila Modernista • Alameda Lorena 1257 casa 2 Jardim Paulista • São Paulo - SP + 55 11 3825 0507 instagram.com/galeria_de_babel facebook.com/galeriadebabel galeriadebabel.com
Alfredo de Stéfano Alfredo Nugent Setubal Andrea Micheli Andreas Heiniger Ara Guler Araquém Alcântara Cliff Watts Dimitri Lee Elliott Erwitt Kamil Firat Kevin Erskine Luciano Candisani Luis Gonzalez Palma Julio Landmann Mio Nakamura Pablo Boneu Paolo Ventura Simon Roberts Steve McCurry Thomas Hoepker William Miller Zak Powers Zoe Zapot
AGENDA
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MÚSICA
NO MEGAFONE: LIA PARIS Há uma boa razão para o primeiro álbum da paulistana Lia Paris (abaixo) ser homônimo. A jovem cantora e compositora coloca-se em cena com 13 composições de cunho autobiográfico. “Hoje o dia amanheceu ensolarado e o foguete decolou; quem puder olhar além e além de tudo; enxergar o seu valor”, canta Lia, como que pressentindo para onde a levará o dueto com Samuel Rosa, líder do Skank. Destaque da revista Rolling Stone Brasil como o melhor lançamento de CD em 2015, Lia Paris interage com Rosa, Pupilo, Kassin, Marcelo Jeneci, Carlos Miranda, Edgar Scandurra e Fredo Ortiz, dos Beastie Boys, em seu álbum de estreia. Mas, além do berço de ouro e do talento vulcânico com que vem calçada, suas incursões no campo da arte e da performance são um capítulo estético à parte. Em outubro, ela realizou com o artista Stephan Doitschinoff a hipnotizante Marcha Dos Três Planetas, um cortejo performático criado pela dupla para desestruturar “as estruturas rígidas da sociedade”, inserindo em seu lugar símbolos de uma nova contracultura. O ritual urbano tomou as ruas do Centro de São Paulo ao som de um quarteto de cordas, um trio de metais, um coral de 30 crianças e a voz de Lia Paris ao megafone.
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S Ã O PA U LO
ESCULTURA MUSICAL Pagode, até 15/1, Sesc-Carmo, Rua do Carmo, 147, SP No fim de uma longa caminhada pela zona portuária do Rio de Janeiro, entre buracos de rua e escombros do Elevado Perimetral, a artista Vivian Caccuri teve uma ideia para uma obra de arte. Assim nasceu Pagode (acima), escultura que mescla tapume e carrilhão, instrumento musical popular entre grupos pagodeiros. Instalado em uma área de passagem do prédio do Sesc-Carmo, o trabalho pode ser movimentado pelo público, que compõe sua própria trilha sonora. Na mesma instituição, até 11/12, Rochelle Costi também apresenta uma obra relacional. Em Reprodutor, os visitantes podem retirar fotografias das paredes e reproduzi-las através de desenhos. Basta colocá-las em ”mesas de reprodução”, compostas de placas de vidro laminado, que projetam a imagem no papel para que o público a reproduza como desejar.
FOTO: DE CIMA PARA BAIXO, CORTESIA VIVIAN CACCURI E DEBBY GRAM/DIVULGAÇÃO
Boquinha (2015), óleo sobre linho, 35 x 35 cm
BRUNO DROLSHAGEN 28 NOV . 16 JAN
RUA FRADIQUE CO UT I NH O . 1 4 6 4 V I L A M A DA L E N A . C E P 0 5 4 1 6 -0 0 1 S ÃO PA U LO . S P . B R A S I L T. + 5 5 1 1 3 4 6 7 .8 8 1 9 . 3 4 6 7 . 8 8 0 1 T E R ÇA A S Á B A D O DA S 1 1 H À S 1 9 H WWW.BLAUPROJECTS.COM
AGENDA
RIO DE JANEIRO
ÁGUA ABUNDANTE 20
Sobre as Águas, 21/1 a 20/2, Luciana Caravello Arte Contemporânea, Rua Barão de Jaguaripe, 387 www. lucianacaravello.com.br A coletiva traz a produção recente de Amadeo Azar (Argentina), Giulia Andreani (Itália; à dir., Dunklung, 2013) e Pedro Varela (Brasil). Em comum, os três artistas compartilham o desenho como eixo central, mesmo nas obras em outros suportes, além da forma de se apropriar de referências artísticas e históricas em seus trabalhos. A curadoria de Daniela Name privilegia os tons de azul e cinza, que podem derivar para o preto e o esverdeado, remetendo à água, também presente na diluição da aquarela e da acrílica usadas em boa parte das obras.
RIO DE JANEIRO
VISÕES DA DANÇA Sempre Seu, 7/12 a 21/2/2016, Oi Futuro Flamengo, Rua 2 de Dezembro, 63 Combinar dança e arte dá samba? Para a coreógrafa Marcia Milhazes, irmã da pintora Beatriz, a resposta parece obviamente afirmativa. Tanto é que, para festejar os dez anos da instituição do Flamengo, Marcia chamou sua companhia para criar um espetáculo inédito que será apresentado na galeria do quarto andar – o cenário é criação da irmã artista. Os demais espaços do prédio são ocupados por Chico Cunha (visuais), Ana Clara Miranda (foto; à esq., registro da Cia. Marcia Milhazes) e Gustavo Gelmini (videoarte), com obras inspiradas no corpo e seu gestual.
S Ã O PA U LO
FRAGMENTOS COTIDIANOS Buraco - Bruno Drolshagen, até 16/1, Blau Projects, Rua Fradique Coutinho, 1.464 (fundos) | www.blauprojects.com Partindo de visões parciais de objetos do cotidiano, o jovem artista carioca desenvolve sua poética, fortemente calcada no gestual e na materialidade. Da representação estilizada de um estômago a ovos abertos ou inteiros (à dir., Ovo, 2015), Bruno Drolshagen consegue extrair densidade pictórica das figuras aparentemente banais. Em sua primeira individual na capital paulista, ele exibe cerca de 30 pinturas, além de seis esculturas. São peças de cimento maciço encrustadas com objetos que o artista encontra pelas ruas do Rio de Janeiro. SELECT.ART.BR
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FOTOS: DE CIMA PARA BAIXO, CORTESIA GIULIA ANDREANI, ANA CLARA MIRANDA E BRUNO DROLSHAGEN
WWW.EAVPARQUELAGE.RJ.GOV.BR/MEMORIA
Memória Lage é um projeto de organização, catalogação, digitalização e disponibilização online do acervo documental da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, contemplado pelo edital de 2012 do programa Petrobras Cultural.
Realização
Gestão EAV / CFB Patrocínio
AGENDA
BRUMADINHO
UM FILME E UMA MALOCA PARA ANDUJAR 22
Galeria Claudia Andujar e documentário A Estrangeira, a partir de 26/11, Inhotim, Rua B, 20 | www.inhotim.org.br Com um trabalho notoriamente dedicado à causa indígena, registrando o povo Ianomâmi desde 1970, a fotógrafa Claudia Andujar ganha uma galeria permanente no Inhotim – a 19a dedicada individualmente a um artista e a segunda maior do parque. A exposição inaugural da “maloca”, como o espaço é apelidado em referência às construções indígenas do Alto e Médio Rio Negro (AM), traz mais de 400 fotografias, a maior parte delas inédita, caso das séries Rio Negro (1970-1971) e Toototobi (2010), especialmente comissionada para o pavilhão (abaixo, vista de um dos ambientes internos). A maloca abriga também imagens que testemunharam contatos entre as tribos e o homem branco, como Perimetral Norte (1974) e Marcados (1981-1983), além de uma coleção de desenhos realizados pelos índios em processos mediados pela fotografa. “O pavilhão contém esse acervo que conta sua história com os Ianomâmi e mostra como seu trabalho é inovador em termos do paradigma de uma fotografia realista”, diz Rodrigo Moura, diretor artístico do Inhotim, curador do pavilhão e autor de um filme sobre Claudia Andujar. O documentário A Estrangeira reflete o jogo travado entre artista e curador ao longo de entrevistas e viagens, em cinco anos de pesquisa. “O filme é um processo curatorial e nasceu como tal”, diz Rodrigo Moura à seLecT. Mas é também um retrato. “É um filme muito testemunhal. Tem planos longos que mostram muito de seu rosto, sua voz... Explora sua oralidade, seu jeito de pensar... Reflete meu encantamento com a narração dela no processo de curadoria”, diz o documentarista estreante. PA
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FOTO: WILLIAM GOMES/INHOTIM
AGENDA
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LIVRO
COLEÇÃO DE BIBLIOTECAS A biblioteca – Uma história mundial, de James W. P. Campbell e Will Pryce, Edições Sesc São Paulo, 2015, 328, R$ 125 Resultado de três anos de pesquisa, o livro do historiador de arquitetura James W. P. Campbell e do fotógrafo Will Pryce é um deleite tanto para os amantes de livros quanto os de arquitetura. Organizada cronologicamente, a publicação apresenta construções desde a milenar Mesopotâmia até prédios ultraornamentados, como a biblioteca da Abadia de St. Gallen, na Suíça (foto). Os oito capítulos são batizados de acordo com mudanças tecnológicas e arquitetônicas que ocorreram ao longo da história, como em “Muros, domos e alcovas” e “Eletricidade, concreto e aço”. Além das fotografias estonteantes, o livro traz ainda uma extensa bibliografia que aborda a biblioteca como gênero arquitetônico.
S Ã O PA U LO
CHEGADAS E PARTIDAS 15, até 27/2/2016, Luciana Brito Galeria, Rua Gomes de Carvalho, 842 www.lucianabritogaleria.com.br Saideira, até 19/12, Casa Triângulo, Rua Pais de Araújo, 77 www.casatriangulo.com Duas coletivas marcam a mudança de galerias famosas de SP na região da Vila Olímpia/Itaim para os Jardins. A mostra 15, com curadoria tripla de Jacopo Crivelli Visconti, Maria Montero e Rafael Vogt Maia Rosa, marca os 15 anos da Luciana Brito Galeria na Vila Olímpia e anuncia a mudança para um casarão modernista de Rino Levi na Avenida 9 de Julho (à esq., acima, trabalho de Alex Katz). Na Casa Triângulo, Fernando Mota assina a curadoria da última expo no Itaim, Saideira (à esq. abaixo, obra de Sandra Cinto). No começo de 2016, a galeria abre nova sede na Rua Estados Unidos. SELECT.ART.BR
DEZ/JAN 2016
FOTOS: DE CIMA PARA BAIXO, WILL PRYCE/REPRODUÇÃO, CORTESIA LUCIANA BRITO GALERIA E CORTESIA CASA TRIÂNGULO
Cidade de deus / 2002
AGENDA
PERFIL
MARÍA PAZ GAVIRIA 26
Sob a direção da historiadora da arte, ArtBO consagra-se como plataforma de visualização para o que há de melhor na produção latino-americana O interesse de María Paz Gaviria (à dir.) pela arte vem de berço. Seu pai, o ex-presidente da Colômbia César Gaviria Trujillo, é colecionador de arte latino-americana e proprietário da Galeria Nueveochenta, desde 2007. Quando assumiu a direção da Feira Internacional de Arte de Bogotá em 2012, a jovem historiadora da arte começou a imprimir ao evento qualidades próprias. Para María Paz, o sucesso do modelo dinâmico e altamente qualificado da ArtBO deve-se ao fato de ser realizada por uma Câmara de Comércio, e não pela iniciativa privada. “A ArtBO enquadra-se no objetivo da Câmara de Comércio de Bogotá de fortalecer as indústrias culturais e criativas da cidade e posicionar a capital como um destino para cultura e negócios”, diz à seLecT. O projeto está funcionando. Um sinal disso é que a ArtBO já conta com quatro feiras-satélites de arte contemporânea. É pouco se comparado a Miami, que tem cerca de 20 feiras-satélites à Art Basel Miami Beach. Mas, sem dúvida, desenha um panorama comercial mais pungente do que São Paulo. Paralelamente ao surgimento da ArtBO, a Câmara de Comércio também investiu no programa Artecámara, para promover e tornar visível o trabalho de jovens promessas da arte sem representação comercial. Já a seção Referentes, espaço curatorial reservado a obras determinantes produzidas entre 1920 e 1980, compensa a ausência de galerias do mercado secundário. “A ArtBO, obviamente, tem um caráter contemporâneo que reflete o panorama artístico da cidade e, em particular, do mercado e do colecionismo, que se concentram no pop e no contemporâneo. Por isso é importante empreender esforços para criar um contexto histórico que permita ler os fenômenos atuais”, diz ela.
S Ã O PA U LO
ESPÍRITO NÔMADE Not Vital, 12/12 a 1º/2, Galeria Nara Roesler SP, Avenida Europa, 655 www.nararoesler.com.br O suíço Not Vital, 67, relaciona sua vida nômade à intimidade com a natureza adquirida em Sent, seu vilarejo natal nos Alpes. Isso estrutura sua obra artística, feita com a colaboração dos artesãos dos locais por onde passa (como Pequim, Butão e Murano) e remetendo à união do homem com a natureza pela espiritualidade. Em sua estreia em SP, em individual da Galeria Nara Roesler, traz três obras de grandes dimensões: um grupo de cabeças de Buda em aço inox (Heads, foto), pontas de facas atravessadas em uma parede e bolas de gesso explodidas contra outra parede, lembrando as batalhas com bolas de neve.
SELECT.ART.BR
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FOTOS: DE CIMA PARA BAIXO, DIVULGAÇÃO E ERIC GREGORY POWELL/CORTESIA GALERIA NARA ROESLER
Tain谩 - Uma avenTUra na amaz么nia / 2000
ARTE E EDUCAÇÃO
S Ã O PA U LO
O ARTISTA COMO ARGUIDOR Títulos – Thiago Honório, até 10/1, Paço das Artes, Avenida da Universidade, 1, Cidade Universitária, SP | www.pacodasartes.org.br Não raro, o artista que expõe no Paço das Artes, em SP, se esquece ou ignora o fato de a instituição estar dentro da Cidade Universitária – embora esta não tenha vínculo formal com a USP. Por isso, é positivo que o Paço não apenas exiba, mas também fomente um trabalho como Títulos (ao lado), de Thiago Honório. Especialmente neste momento mais do que crítico da rede estadual, com a intenção de fechamento de 94 escolas. O projeto Títulos, resultado da segunda edição do Programa de Residência Artística do Paço, congrega em uma só peça os 190 trabalhos que Thiago Honório foi convidado a orientar ou arguir como membro de bancas examinadoras, em diversas instituições de ensino, entre 2006 e 2015. Agrupados, atados e condensados em um só volume, os títulos perdem o caráter único e a possibilidade de ser lidos individualmente. São a materialização de um trabalho de dez anos como professor. Segundo o artista, “um corpo formado por trocas de saberes entre diferentes autores, artistas e educadores”. Há um dado cíclico importante neste projeto. Honório é professor nos cursos de Bacharelado e Licenciatura em Artes Visuais da Faap, mas realiza este site-specific na Cidade Universitária, onde realizou (na ECA-USP) seus estudos de pós-graduação. “Ocorre aí, a meu ver, algo de um movimento circular, na medida em que se pode dizer que, neste projeto, ‘se devolve terra à própria terra’, de um modo quase metalinguístico”, escreve o artista, em arguição sobre o próprio trabalho e em citação a Hélio Oiticica, uma das referências do trabalho, juntamente com o pedagogo Paulo Freire. O objeto resultante da lista de 190 títulos não se coloca como algo a ser tocado, e sim atravessado. Ao ser perfurado por uma fenda circular de 8 centímetros de diâmetro, de ponta a ponta, o corpo titular de Thiago Honório dá seguimento à sua pesquisa artística com o corte, a edição cinematográfica e os objetos perfurantes. Com isso, Títulos é um feliz encontro entre o artista e o educador, que em um oroboro de processos contínuos se retroalimentam e crescem em permanente autorreferência. PA
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S Ã O PA U LO
EXPOSIÇÃO-AULA Educação como Matéria-Prima, 16/1 a 5/6, Museu de Arte Moderna de São Paulo, Parque do Ibirapuera, s/nº, Portão 3 www.mam.org.br Durante seis meses, o museu vira sala de aula. Experiências artísticas com formulação pedagógica, ativadas pela participação do público, ocupam o local. Trabalhos célebres do acervo do MAM-SP, como Expediente, de Paulo Bruscky, em que um funcionário transfere seu ambiente de trabalho inteiro para o espaço expositivo (no caso, boa parte da equipe de educadores), figuram na mostra. Também da coleção, Café Educativo, de Jorge Menna Barreto, vira espaço de convivência e de jogos de linguagem nos tapetes de palavras inventadas (à dir.). Obras inéditas de Stephan Doitschinoff, Amilcar Packer e Evgen Bavcar interagem com trabalhos de nomes como Luis Camnitzer e Graziela Kunsch. A seleção é do staff do museu: o curador, Felipe Chaimovich, e a coordenadora do Educativo, Daina Leyton. LPN SELECT.ART.BR
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FOTOS: ACIMA, EDOUARD FRAIPONT/ PAÇO DAS ARTES. ABAIXO, EVERTON BALLARDIN/MAM
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Est么mago / 2007
ARTE E EDUCAÇÃO
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LIVRO
PROJETOS PARA A LIBERDADE O Que É Uma Escola Livre?, Organização Lisette Lagnado, Oca Lage e Editora Cobogó, 2015, 176 págs, R$ 35 “Talvez uma Escola de Arte Livre seja aquela que mantenha funcionando a pergunta: O Que É uma Escola de Arte Livre?”. Com esta frase o artista e professor de cinema e audiovisual Yuri Firmeza responde à pergunta lançada pela Comissão de Ensino do Parque Lage e por Lisette Lagnado, diretora da instituição, a cerca de cem artistas, críticos, poetas, educadores e agentes do mundo da arte. “O resultado é uma reverberação polifônica da dificuldade de articular educação e liberdade”, escreve Lagnado na introdução do livro O Que É Uma Escola Livre, publicado dentro do escopo de atividades em torno das comemorações dos 40 anos da Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Desenhos (acima, um de autoria de Bojana Piskur e Djordje Balmazovic), fotografias, textos e poemas responderam à pergunta e aquecem o ambiente para o Colóquio Internacional programado para inaugurar o ano letivo de 2016. Em outras palavras, discute-se aqui qual a missão de uma escola de arte no século 21. Abre o livro um fac-simile das Notas para a Elaboração de um Projeto Didático Cultural para a Escola de Artes Visuais, escrito por Frederico Morais, diretor da EAV, entre 1987-88.
COLEÇÃO
ALFABETO DE ARTISTA Camisetas lembra que educação também é arte, e vice-versa Em 2005, a galeria A Gentil Carioca montou uma exposição que chamava a atenção para o artista enquanto educador. O desenho, como o primeiro alfabeto do artista, era o mote de Educação, Olha!, que reuniu obras de mais de 60 artistas que tinham o desenho como estrutura. Mas a exposição e o debate não se encerraram. Dali, nasceu uma coleção de camisetas em que a palavra Educação está escrita. O projeto Camisa Educação está completando dez anos. A cada nova exposição na galeria, um artista é convidado a produzir a sua (à esq., de autoria de Marcos Chaves). A primeira foi feita por Carlos Contente e a mais recente, de numero 64, é assinada por Daniel Albuquerque e foi lançada no vernissage do artista, em novembro. O projeto é autofinanciado. “A cada inauguração os artistas vestem a camisa. Quem desejar pode adquirir uma camisa por preço de custo. Esse valor será usado para produzir a próxima”, diz Elsa Ravazzolo, diretora da galeria. SELECT.ART.BR
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FOTOS: ACIMA, DIVULGAÇÃO. ABAIXO, PAULO INNOCENCIO/A GENTIL CARIOCA
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DETALHES QUE TRAZEM O OURO. Com a cobertura da Editora Três, você estará sempre a frente nas atualizações sobre os Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016. Nesta edição tem uma nova matéria para você acompanhar. Acompanhe também as versões digitais e os sites das nossas revistas para não perder nenhum lance sobre a maior competição esportiva do mundo. Torne-se o mais veloz acessando as notícias da Editora Três.
Patrocínio:
Disponível para Android e iOS
Realização:
O L I M P Í A DA C U LT U R A L
Museu do Amanhã, Porto Maravilha, Rio de Janeiro
RIO 2016: CONVOCAÇÃO PARA AS ARTES Nem só de esporte vivem as Olimpíadas. Se os jogos made in Brazil já fazem história por serem os primeiros da América do Sul e por terem como cenário a paisagem exuberante da capital fluminense, as artes também estão convidadas a participar da festa. O Comitê Rio 2016, encarregado da organização dos Jogos Olímpicos na Cidade Maravilhosa, destacou uma equipe de ouro para organizar os eventos artísticos paralelos, que podem ser realizados de 1º de abril a 30 de setembro. É o Celebra Rio, que tem direção de Carla Camurati. O projeto está com inscrições abertas para os interessados em incluir seu evento na programação da competição máxima dos esportes. Nenhuma forma de
expressão fica de fora: literatura, artes cênicas, música, dança, arte popular e artes visuais. A curadoria do projeto vai privilegiar eventos que incentivem a participação da audiência e proponham a humanização de espaços públicos, levando a cultura para o dia a dia da população. O que significa que as ruas do Rio de Janeiro ficarão tomadas por intervenções e apresentações que tragam os passantes para perto e incentivem a interação. Partindo dessa premissa, valem iniciativas das mais variadas: shows na praia, happenings nos semáforos e dança no metrô. Os projetos inscritos já devem ter financiamento, mas ganham uma vitrine e tanto com a chancela de atração oficial dos Jogos Olímpicos. As inscrições estão abertas até fevereiro de 2016 e todas as informações estão no site www.rio2016/cultura. LPN
FOTO: MARIO ROBERTO DURAN ORTIZ VIA WIKIMEDIA COMMONS
A C E R V O S I TA Ú C U LT U R A L
COLEÇÕES A pesquisa sobre o tema da edição é ampliada nestas páginas, que reúnem citações aos acervos documentais da Enciclopédia Itaú Cultural e projetos do instituto PROJETOS FILMES E VÍDEOS DE ARTISTAS NA COLEÇÃO ITAÚ CULTURAL
FOTO CINE CLUBE BANDEIRANTE: DO ARQUIVO À REDE
OBSCURO FICHÁRIO DOS ARTISTAS MUNDANOS
Até 20/3/2016, com curadoria de
Projeto de pesquisa de Clarice Hof-
Até 21/2/2016, na Fundação Iberê
Rosângela Rennó, exposição no
fmann (Recife, PE), selecionado pelo
Camargo, em Porto Alegre, a expo-
Masp apresenta 279 fotografias de
Rumos 2013, que reúne histórias so-
sição itinerante com curadoria de
89 artistas que integraram o fotoclu-
bre artistas retiradas de arquivos da
Roberto Moreira S. Cruz apresenta
be mais influente de São Paulo, em
extinta Delegacia de Ordem Política
um recorte de 13 trabalhos do
atividade desde 1939. Os trabalhos
e Social de Pernambuco (Dops-PE),
acervo da instituição. Entre elas,
de artistas como Geraldo de Barros,
a fim de revelar o controle sobre a
peças de Anna Bella Geiger, Ru-
German Lorca, Thomas Farcaz e Ger-
cena cultural e cosmopolita do Re-
bens Gerchman e Regina Silveira,
trudes Altschul foram cedidos em
cife entre as décadas de 1930 e 1950.
Letícia Parente, Brígida Baltar, Luiz
comodato ao museu em 2014.
Roque e Sara Ramo.
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VERBETES ARTISTAS VIAJANTES Histórico: Artistas viajantes são aqueles cuja produção encontra-se inexoravelmente ligada ao ato de viajar; os desenhos e pinturas que realizam, de franca vocação documental, acompanham deslocamentos no espaço, descobertas de paisagens e tipos humanos. De modo geral, esses artistas integram expedições artísticas e científicas que, nas Américas, desde sua descoberta, no século XVI, atravessam os territórios recém-conquistados, com a finalidade de registrar a flora, a fauna e seu povos (...) Muitos são os artistas viajantes que passam pelo Brasil, desde o período colonial (…) O governo de Maurício de Nassau em Pernambuco, de 1636 a 1645, é responsável por fontes iconográficas fundamentais a respeito do Brasil holandês. Entre os artistas que documentam o País nesse contexto encontram-se os holandeses Albert Eckhout (1961-1666) e Frans Post (1612-1680), contratados para integrar a comitiva de Nassau. (...) O acervo de obras de arte do Itaú Unibanco, mantido e gerido pelo Itaú Cultural, começou a ser criado na década de 1960, quando Olavo Egydio Setubal adquiriu a obra Povoado numa Planície Arborizada, do pintor holandês Frans Post – agora exposta em caráter permanente no Espaço Olavo Setubal.
Ebitatem harum vel iur alitatia voloratio quo vollorum ipsaecat arcil ernatus anducieni-
GILBERTO CHATEAUBRIAND Gilberto Francisco Renato Allard Chateaubriand Bandeira de Melo (Paris, França, 1925). Colecionador, diplomata e empresário. Filho de Assis Chateaubriand (1892-1968), jornalista proprietário do grupo empresarial Diários Associados e fundador do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp), Gilberto Chateaubriand possui uma das maiores e mais importantes coleções privadas de arte moderna e contemporânea brasileira.
em +LegendaLinks bit.ly/colecoes-itau-cultural
FOTOS: DE CIMA PARA BAIXO, EDOUARD FRAIPONT E VICENTE DE MELLO. NA OUTRA PÁGINA, CORTESIA ITAÚ CULTURAL
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CONFLITO E CULTURA NA ORIGEM DAS COLEÇÕES M A R I A C EC Í L I A F RA N Ç A LO U R E N Ç O
O TEMPO VIVIDO RONDA O HUMANO E AFRONTA DOIS POLOS, QUE, EM VÃO, SE QUER EQUILIBRAR: DEVIR E PASSADO. Na infância se sonha
com futuro áureo; já na madurês, a equação se reverte. Aqui, então, algo potente para se debater: por que crianças e adultos colecionam? Elegem-se objetos por paridade do que se julga ser, parecer, almejar ou negar. O coletado simula o domínio de um todo incerto, cindido e revolto. O colecionar registra a via do tempo, projetado ou vivido, e desponta por múltiplas razões, desde estéticas, psicológicas, sociais até ideológicas. Insatisfação e incompletude se imprimem nas formas e podem incitar a se aprimorar o que desagrada. A coleção ajusta-se ao momento, lugar, memória e anseio por criar um todo coeso e luminoso. Nesta Era de Nostalgia, o passado emerge em distintos suportes – da moda à arte –, e não raro versam sobre desalento. A par do impulso econômico, que ampliou o número de colecionistas nas duas últimas décadas, a ação alude ao manter, exibir, ostentar e eternizar-se nos objetos, algo exalado de outras épocas. Veja-se que há seis séculos, quando terra, poder, olho e mente se alargaram, deflagrou-se o colecionismo. Pessoas ou instituições tentaram se amalgamar aos atributos de objetos, ao abarcar o exótico, o exponencial, o raro, o precioso e também a cultura. Assim, driblava-se a finitude humana e apontava-se para o descortinar de novas práticas culturais. Se de início colecionar restringiu-se aos reis e às religiões, a cena mudou graças a três basais fatores: domínio dos mares e de culturas distintas, criação de teorias científicas, filosóficas e artísticas, a desafiar certezas, e dilatação do saber, pelo livro e leitura. Igrejas, palácios, escolas e museus apropriaram-se de peças exiladas da circulação e entesouradas. Antes mesmo, colecionar já se radicara e por fins distintos. Na Grécia, no tempo de Fídias, século 5º a.C., doavam-se tesouros à Acrópole ateniense para exaltá-la. Nomearam Mouseion o palácio real em Alexandria, dotado de biblioteca, observatório, jardim botânico, coleção zoológica e estudos, como em museus atuais e protagonistas. Coleções se alastraram e motivaram termos para justificar a manutenção de umas e não de outras formas. Observe-que no medievo inventaram-se também palavras para corporificar o invisível. A Igreja Cristã alteou pessoas ao status de santos, a que se atribuíram milagres e destes guardou fetiches, fração de corpos ou artefatos, tidos como relíquias. Em reinos, adicionou-se regalia, peça de nobres, dignos de serem memoráveis. SELECT.ART.BR
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Atente-se que, em 1625, a realeza francesa inovou ao abrir alas no Palácio do Luxemburgo(foto), para exibir telas de Peter P. Rubens, em ocasião seleta. Esse artifício ainda vigora em parte do colecionismo privado e sob os mesmos ritos prosaicos: aquisição de artista afamado, eleição de convivas e datas. Só se adicionou público escolar para inflar o total de visitas, cifras e difusão midiática. Hoje, o discurso sobre o que é colecionado justifica-se com adjetivos lavrados por críticos pagos, a rotular obras como autênticas, geniais e valiosas. Ao dono auferem-se outros, a engordar veleidades e camuflados por nefasto politicamente correto: empreendedor, arrojado, espírito público, amor aos desvalidos.
Neste século, sucesso financeiro confundiu-se com coleções variáveis, a recobrir até páginas policiais e cuja origem se assenta no arrepio à lei. Outro aspecto inédito se constata na adesão de colecionadores aos conselhos de museus. Gera-se prestígio simbólico a estes, informe prévio sobre tendências acolhidas, contatos comerciais e trato invulgar, ao preço de polpuda doação. Assim, a origem também repousa na exibição de privacidade e poder. Em que pese a variedade de razões para se colecionar, o ato garante acervos aos museus – a incluir o Louvre ou os melhores entre nós. Em países como os Estados Unidos, incitam-se doações com benesse fiscal, inserem-nas no circuito museal e em espaço generoso. Grifam a origem, o que enseja aferir nexo entre seleção e peças, para não se naturalizá-las. Ao dar as costas ao antigo dono, a coleção se transmuta de produto para fato cultural, que é, enfim, o que vale nas formas. FOTO: WALLY GOBETZ/FLICKR CC.
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CONTRACOLECIONISMO E CONTRACURADORIA N AT H A L I A L AV I G N E
JURGEN VERMAIRE É UM PROFESSOR DE HISTÓRIA DA ARTE HOLANDÊS E COLECIONADOR DE IMAGENS DE OBRAS DE ARTE. Seu perfil no Insta-
gram (@jvermaire), com 15 mil seguidores, exibe uma galeria de fotos feitas por ele em alguns dos principais museus do mundo. Publicadas diariamente, as reproduções vêm acompanhadas de um texto descritivo e uma identificação-padrão: nome do artista, título do trabalho, ano, técnica, dimensões, nome do museu e a cidade. O inglês Edward Sandling, também historiador da arte, começou há dez anos a formar uma coleção de objetos históricos encontrados aleatoriamente nas margens do Rio Tâmisa, em Londres. A prática, conhecida como mudlark, tem uma longa tradição na Inglaterra – e dá nome ao perfil criado por ele no Instagram para divulgar esses objetos (@london_mudlark). Os dois exemplos revelam um tipo de colecionismo característico da cultura digital e podem ser entendidos como práticas de contracolecionismo. O termo aparece em Futuros Possíveis: Arte, Museus e Arquivos Digitais (Peirópolis), em um artigo de Cicero Inacio da Silva que discute o desaparecimento de arquivos na era digital e como registros pessoais podem futuramente se confundir como os registros oficiais. No caso de Vermaire e Sandling, e de outros perfis semelhantes encontrados no Instagram, interessa pensar no contracolecionador como alguém que contraria as metodologias tradicionais de uma coleção institucional, criando novos sistemas de organização. Em entrevista feita por e-mail, Sandling conta que sua intenção ao garimpar objetos no Tâmisa é achar peças históricas “livres” do discurso curatorial de instituições. “Objetos em museus já passaram por tantos processos de curadoria que é difícil vê-los como peças que um dia fizeram parte da vida de alguém, tiveram donos”, diz ele. Por outro lado, ao criar um perfil no Instagram para exibi-las publicamente, ele assume também o papel de curador desses objetos, talvez uma espécie de “contracuradoria”. A interface do Instagram nas galerias individuais favorece uma abertura na forma como vemos as obras de arte. Com peças de estilos e períodos às vezes tão distintos e exibidas lado a lado e de forma aleatória, tal configuração remete a uma época em que as categorizações estritas do espaço do museu ainda não existiam, como nos antigos gabinetes de curiosidade do século 17. Não é em qualquer museu que é possível contemplar a imagem de um busto romano próximo a uma escultura de Anish Kapoor ou uma tela de Camille Pissaro, como vemos na página de Jurgen Vermaire. SELECT.ART.BR
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Foto de objeto histórico achado no Rio Tâmisa, exposta no perfil de Edward Sandling no Instagram
Embora esse tipo de colecionismo não institucionalizado encontre precedentes em outros momentos da história da arte, o fenômeno ganhou força na era digital. Celulares smartphones e redes sociais aceleraram essa prática, especialmente no caso de fotos de peças de arte feitas no espaço do museu. Nos últimos anos, as principais instituições do mundo passaram a estimular todos os tipos de interação usando a fotografia. Tagueadas com o nome dos museus, tais imagens transformam-se em poderosas ferramentas de marketing. É cedo para dizer se essas práticas de contracolecionismo ou a contracuradoria algum dia virão rivalizar com as institucionais. Mas, certamente, elas se tornarão mais frequentes, trazendo novos desafios na forma como os museus devem lidar com o tema.
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FOGO CRUZADO
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VENDER É TABU? Limitadas por dificuldades de financiamento e de espaço para exposição e conservação, as coleções dos museus brasileiros são pouco exibidas ao público. Seus espaços expositivos dão conta apenas de pequenos recortes de acervos bem mais numerosos. Por outro lado, as demandas do mercado de arte não param e uma obra avalizada por uma grande instituição sempre cresce em prestígio – e em preço. Vender obras de coleções públicas ainda é um tabu? Questionados por seLecT, curadores de museus do Brasil e do exterior dizem o que pensam a respeito
ROSARIO PEIRÓ CHEFE DE COLEÇÕES DO MUSEU REINA SOFÍA, EM MADRI
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As coleções dos museus não têm apenas um valor artístico, mas também histórico. São o resultado da história das instituições que as abrigam e do contexto que as produz. É por isso que não creio que seja aconselhável a venda de seus fundos. De fato, os museus públicos espanhóis proíbem sob qualquer hipótese a venda das obras, sendo todas elas parte do patrimônio de todos. Só são permitidas as transmissões a favor da administração pública (artigo 28.2 da Lei de Patrimônio, espanhola) e como permuta (nunca como venda). Isso posto, creio que, em casos muito específicos e raros, se poderia abrir alguma exceção, sobretudo tendo em conta a situação orçamentária dos museus públicos e o valor de mercado da arte nos últimos anos. Essas exceções já são reguladas por normas éticas do The International Council of Museums (Icom), por esse organismo também prever uma situação desse calibre… impulsionada pelos tempos que vivemos. Nos museus anglo-saxões, existe uma ação que se denomina “desaquisição” (deaccession, termo utilizado especificamente para a venda ou doação de obras de coleções públicas), que se trata da venda ou doação de algumas obras por motivos muito pontuais – como, por exemplo, a existência de obras de um mesmo artista muito parecidas estilística e cronologicamente – que deve ser aprovada por vários comitês de especialistas e justificada de forma muito fundamentada por parte da direção artística do museu, para além do vaivém do mercado e da história. Talvez em algum momento tenhamos de refletir sobre esse tema que, no caso espanhol, deveria ser aprovado pelo Estado.
Não é tabu. Na maioria dos museus estadunidenses, só se fazem “desaquisições” (no sentido do termo norte-americano) de artistas já mortos. As desaquisições servem basicamente para duas coisas: conseguir fundos para reinvestir na coleção, no caso de vender algum artista importante de quem há muitas obras, o que permite comprar outros trabalhos. Ou quando é necessário depurar a coleção para manter certo foco ou visão institucional, é impossível que um museu seja enciclopédico. A “desaquisição” deve ser clara e discutida primeiro no interior da instituição e de seu conselho.
MARCELO REZENDE CURADOR DO MAM BAHIA
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PABLO LEÓN DE LA BARRA DIRETOR DA CASA FRANÇA-BRASIL, RIO
A ideia de uma instituição comercializar sua coleção já coloca algumas questões e contradições de base, como, de início, afrontar a sua própria história institucional, desrespeitando as escolhas e as condições históricas que determinaram a constituição da instituição. A outra questão é que isso levaria a instituição a se submeter a uma perversa lógica econômica: quem determina o preço e o valor? Sob quais condições, e o quanto essas condições se colocam como contrárias aos programas e subprogramas da própria instituição? Talvez, e isso seria uma ideia mais interessante, as instituições pudessem manter relações que pudessem caracterizar um trabalho mais rápido, barato e relevante entre peças de seu acervo; e no lugar da compra e venda, poderiam criar uma lógica de um “acervo comum” entre elas, gerando novas possibilidades do trabalho sobre as coleções. FOTOS: ACIMA, KRISTOPHER MCKAY. © SOLOMON R. GUGGENHEIM FOUNDATION, NEW YORK. ABAIXO, DIVULGAÇÃO. NA PÁGINA AO LADO, CORTESIA MUSEO NACIONAL REINA SOFÍA
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CHRISTIANE PAUL PROFESSORA ASSOCIADA DA THE NEW SCHOOL E CURADORA-ADJUNTA DE NOVAS MÍDIAS DO WHITNEY MUSEUM, NY
De fato, segue sendo um tabu vender obras nas coleções públicas. Creio que todos os cuidados devem ser tomados para evitar que os museus vendam suas obras para viabilizar problemas financeiros e administrações pouco imaginativas e problemáticas. Entretanto, impossibilitar que isso aconteça a partir de critérios transparentes e debatidos publicamente também me parece um engessamento ruim. Independentemente disso, o que temos de discutir é a necessidade de as coleções públicas competirem no mercado pelas obras importantes, que elas possam se desenvolver, com os acervos sendo pesquisados, digitalizados, visitados e fortalecidos. Há que se pensar também novos formatos de coleção – em que se pensem o compartilhamento, a integração e a troca entre instituições. É difícil, mas não me parece impossível. SELECT.ART.BR
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A venda de obras de arte das coleções permanentes dos museus, conhecida por “desaquisição”, tem sido muito debatida recentemente, na medida em que as instituições de arte estão cada vez mais destituídas de recursos e tentando competir em um mercado em rápida expansão. Enquanto vários museus da Europa são financiados pelo Estado e frequentemente são impedidos pela lei de “desadquirir”, o processo não é ilegal nos Estados Unidos se os termos de compra ou doação original não forem violados. De qualquer forma, o código de ética da American Association of Museums (AAM) sugere que os lucros de uma venda devam ser usados para a aquisição de novas obras ou na preservação e cuidado da coleção. Museus tendem a ser duramente criticados quando estão vendendo suas obras, porque seu patrimônio está decrescendo ou porque estão carentes de recursos. Ser “desadquirido” pode ser danoso para a carreira de um artista vivo (sem contar a humilhação), então os museus geralmente vendem peças de artistas já mortos. Isso é comumente mais aceito se a instituição de arte vende trabalhos para aperfeiçoar sua coleção, “desadquirindo” obras menos importantes de artistas dos quais ela juntou um conjunto substancial de obras para adquirir novas peças.
LUIZ CAMILLO OSORIO CURADOR DO MAM RIO ATÉ 2015
FOTOS: ACIMA, DIVULGAÇÃO. ABAIXO, CORTESIA MAM-RIO
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MUNDO CODIFICADO
ARTE E CRIME 44
C A M I L A R É G I S E L U C I A N A PA R E J A N O R B I AT O
Guerras, invasões e a dominação de povos por outros países não causam apenas perdas de vidas. Ao longo da história, uma infinidade de obras de arte e outras relíquias da Antiguidade foram saqueadas. Os herdeiros e as nações lesadas correm atrás do prejuízo em batalhas intermináveis nos tribunais. seLecT apresenta aqui algumas das mais importantes realizações artísticas que estão longe das mãos de seus donos originais, reforçando as coleções de alguns dos maiores museus do mundo
MANTO TUPINAMBÁ
BRONZE DO REINO EDO
Ano de realização: desconhecido Origem: Brasil Época da retirada: século 17 Local atual: National Museum of Denmark, Dinamarca Motivo: expedição colonial
Ano de realização: século 16 Origem: Reino Edo (atual Nigéria) Época da retirada: 1897 Local atual: British Museum, Reino Unido Motivo: expedição punitiva de 1897 - colonialismo
CABEÇA DE NEFERTITI
MÁRMORES DA ACRÓPOLE
Ano de realização: circa 1345 a.C. Origem: Egito Época da retirada: 1913 Local atual: Neues Museum, Alemanha Motivo: expedição arqueológica
Ano de realização: circa século 5º a.C. Origem: Grécia Época da retirada: 1812 Local atual: British Museum, Reino Unido Motivo: apropriação colonialista
ADÃO/EVA (BÍPTICO) LUCAS CRANACH, O VELHO
TRONO DO REI GLÈLÈ
Ano de realização: circa 1530 Origem: Holanda - acervo do marchand Jacques Goudstikker Época da retirada: anos 1930-1940 Local atual: Norton Simon Museum, EUA Motivo: espoliação de obras de judeus pelo nazismo
SELECT.ART.BR
DEZ/JAN 2016
Ano de realização: circa 1858-1889 Origem: Abomey (atual República do Benin) Época da retirada: início do século 20 Local atual: Museé du Quai Branly, França Motivo: saque militar colonialista
THE ART OF PAINTING, DE JOHANNES VERMEER
THE POET MAX HERRMANN-NEISSE, DE GEORGE GROSZ 45
Ano de realização: 1665 Origem: acervo do Conde Johann Rudolf Czernin Época da retirada: 1940 Local atual: Kunsthistorisches Museum, Áustria Motivo: Segunda Guerra Mundial
Ano de realização: 1927 Origem: acervo de família judia, na Alemanha Época da retirada: anos 1930-1940 Local atual: Museum of Modern Art New York Motivo: espoliação de obras de propriedade de judeus pelo nazismo, durante a Segunda Guerra Mundial
ARGENTEUIL, DE CLAUDE MONET
OBRA SEM TÍTULO, DE KAZIMIR MALEVICH
Ano de realização: circa 1872 Origem: não determinada - Europa Época da retirada: anos 1930-1940 Local atual: National Gallery of Art, EUA Motivo: espoliação de obras de propriedade de judeus pelo nazismo, durante a Segunda Guerra Mundial
Ano de realização: circa 1916 Origem: acervo do artista, Rússia Época da retirada: 1942 Local atual: Solomon R. Guggenheim Museum, EUA Motivo: obra não devolvida ao artista, preso pelo stalinismo
ALTAR DE ZEUS
COCAR DE MONTEZUMA, IMPERADOR ASTECA
Ano de realização: 170 a.C. Origem: Pérgamo, Grécia Antiga (atual Turquia) Época da retirada: fim do século 19 Local atual: Pergamon Museum, Alemanha Motivo: expedição arqueológica
Ano de realização: início do século 16 Origem: México Época da retirada: século 16 Local atual: Welt Museum, Áustria Motivo: expedição colonial
PLACE DE LA CONCORDE, DE EDGAR DEGAS
CABEÇAS DE BRONZE DO PALÁCIO DE VERÃO DE PEQUIM
Ano de realização: 1875 Origem: acervo de Otto Gerstenberg, na Alemanha Época da retirada: 1936 Local atual: Hermitage Museum, Rússia Motivo: Segunda Guerra Mundial - stalinismo
Ano de realização: circa 1707-1760 Origem: China Época da retirada: 1860 Local atual: 7 foram restituídas e 5 seguem desaparecidas Motivo: destruição do Palácio de Verão de Pequim pela Inglaterra, durante a Segunda Guerra do Ópio (1856-1860)
FOTOS: WIKIMEDIA COMMONS
CURADORIA
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J U L I A N A M O N AC H E S I
O IMPULSO INVENTARIANTE Artistas listam e catalogam objetos prosaicos e itens de “segunda classe”, que um colecionador comum jamais se atreveria a indexar
Alguns artistas são colecionadores por natureza. Com uma particularidade que os distingue de colecionadores não artistas: o impulso pelo acúmulo de coisas absolutamente banais e sem valor. Pense na instalação de Rivane Neuenschwander formada por listas de compras sujas e amassadas, escritas em letra cursiva apressada sobre pedaços de papel pouquíssimo dignos de nota, que foram esquecidas sobre um balcão ou coletadas do chão de algum supermercado pela artista. Ou no esforço incansável de um artista como Marcelo Moscheta catalogando pedras e as transportando cuidadosamente de um canto a outro. Nesse impulso que não se define por reunir coisas valiosas, mas por estabelecer nexos poéticos entre coisas prosaicas, pode-se identificar mais que um artista colecionador, um inventariante, que lista e cataloga exaustivamente uma “segunda classe” de itens que ninguém mais se preocuparia em indexar. seLecT faz um breve inventário de obras dessa natureza, assinadas pelos artistas Bruno Faria, Camille Henrot, Candice Breitz, Élida Tessler, Jac Leirner, Nacho Martín Silva e Theaster Gates.
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JAC LEIRNER
Y EL L O W RU L E S ( 2 014) E R O SEBU D ( 2 015) Os inventários de sacolas plásticas, ao lado de ordenações de adesivos sobre vidro, cartões de visita ou dos mementos de voos comerciais, além de serem obras minimalistas, adquiriram, com o passar dos anos, uma característica de “instantâneos” de épocas. “Acabaram por se tornar raios X dessas décadas que experimentei”, reflete Jac Leirner, para quem o impulso catalogatório é consequência do seu jeito de ser: “Paciente, organizada e compulsiva”, define em entrevista à seLecT. A década de 2010 tem significado, em sua obra, uma reinvenção de materiais passíveis de inventariamento. Afeita aos elementos que evidenciam as superestruturas dos circuitos em que atua, a artista anda com os olhos voltados para lojas de material de construção, papelaria e afins, em busca de cabos de tensão, rolos de durex, réguas de plástico ou metal, papéis plastificados, níveis de precisão, grampos de escalada, cordas náuticas etc. Os materiais das obras mais recentes podem vir a ser, daqui a três ou quatro décadas, as maravilhas da cultura material de uma era encerrada do capitalismo tardio? “O nível é uma invenção genial que independe das questões da economia… Assim como réguas, cabos de aço ou tensionadores. Ou mesmo objetos ligados aos vícios, seja um papel de seda para enrolar tabaco ou a imagem de uma drágea. Ou jogos como o Sudoku publicados em jornais e revistas”, define. FOTOS: EDUARDO ORTEGA
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ÉLIDA TESSLER
V O CÊ ME DÁ S UA PA L AV R A ( 2 015) A prática de retirar todas as palavras de um determinado gênero de um romance (os adjetivos de O Homem Sem Qualidades, de Robert Musil; advérbios de modo de A Vida: Modo de Usar, de Georges Perec etc.) começou por esse inventário de substantivos do livro Coisas de Café Pequeno, de Zulmira Ribeiro Tavares. Tijolo, toalha, botão, gravata, livro, bandeja, veneziana, echarpe, biombos... palavras que designam objetos comuns, do dia a dia da vida, da escrita, como uma tomada de nota das coisas que nos cercam, foram gravadas em ouro em prendedores de roupa feitos de madeira. Dessa obra nasceu Você Me Dá a Sua Palavra, work in progress que a artista gaúcha segue fazendo, pedindo às pessoas que anotem, sempre num prendedor de madeira, a palavra que lhe querem ofertar. SELECT.ART.BR
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T H E A S T E R G AT E S
MIGR ATION RICK SHAW FOR GERM AN LIV ING (2013) Madeira, ferro, pneus, colchão, cadeiras, corda, plástico: um carrinho de duas rodas que habilita uma vida migrante é evocativo da situação de moradores de rua e de trabalho precário ao redor do globo nas mãos do norte-americano baseado em Chicago. Em um bairro pobre e violento da cidade, Theaster Gates vem transformando edifícios, com a ajuda dos moradores, em centros comunitários, bibliotecas e galerias de arte. A matéria-prima da transformação são os próprios edifícios abandonados, desconstruídos até a estrutura para gerar coleções de tacos de madeira, esquadrias de janelas, pedaços de carpete, fragmentos de papel de parede, mangueiras de incêndio etc., amontoadas sistematicamente no local. Com sua horda de assistentes, Gates também produz pungentes assemblages que devolve ao mundo na forma de exposições assépticas e impecáveis nos principais museus, galerias e feiras de arte: inventários de lixo para consumo de luxo. FOTOS: ACIMA, MARIANI MALINOWSKI. ABAIXO, KAVI GUPTA/MCH MESSE SCHWEIZ (BASEL) AG
CAMILLE HENROT
T HE PA L E F OX ( 2 014) E G R O S SE FAT I G U E ( 2 013)
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Grande estrela da Bienal de Veneza de 2013, a videoinstalação que rendeu a Henrot um Leão de Prata é um inventário de objetos e imagens algo disparatados com o intuito de explicar a criação do universo. “No início, não havia terra nem água – nada. Havia uma única colina chamada Nunne Chaha. No começo, tudo estava morto. No começo, não havia nada, nada mesmo. Nenhuma luz, nem vida, nenhum movimento, nem fôlego. No início havia uma imensa unidade de energia. No começo, não havia nada além de sombra e apenas escuridão e água e o grande deus Bumba. No início havia flutuações quânticas.” Na voz de Akwetey Orraca-Tetteh, com música original de Joakim, ritmo inconfundível de rap e magistralmente ambientado num desktop de Mackintosh, o mito de origem de 13 minutos da artista francesa conta com pequenos filmes feitos nos arquivos do Smithsonian Archives of American Art, do Smithsonian National Museum of Natural History e no Smithsonian National Air and Space Museum, com registros de pesquisas de termos como “big-bang” na Wikipedia e uma massa imensamente extenuante de material visual da internet, apresentada na forma de pop ups. O interesse de Henrot pela entropia como princípio para a criação de conhecimento comparece plenamente na instalação The Pale Fox, baseada em um estudo antropológico dos povos Dogon do Oeste africano por Marcel Griaule e Germaine Dieterlen. Para a mitologia Dogon, o personagem da “raposa pálida” representa o caos, mas também a formação do sol e a criação; para Henrot, a raposa é um modelo potencial para os nossos eus primitivos, vivendo de resíduos e instigando um ciclo em que acumulação e excesso os tornam produtivos novamente. Na obra, objetos encontrados, esculturas de bronze, desenhos, imagens digitais, trilha sonora e displays arquitetônios colocam o visitante dentro de um universo paralelo a Grosse Fatigue. “Tenho uma relação supersticiosa com objetos e as conversas que eles têm uns com os outros ”, explica a artista. SELECT.ART.BR
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CANDICE BREITZ
HIM + HER ( 2 0 0 8) Conhecida por videoinstalações com material apropriado da cultura pop, além de pilhar trechos de videoclipes, a artista também se apropria de sequências de filmes hollywoodianos, como os utilizados na obra Mother + Father, uma espécie de retrato dos estereótipos encerrados nas representações cinematográficas dessas funções familiares arquetípicas. Seis tevês de plasma compõem cada uma das duas partes desse díptico de frases feitas. Pais (interpretados por Tony Danza, Dustin Hoffman, Harvey Keitel, Steve Martin, Donald Sutherland e Jon Voight) e mães (vividas por Faye Dunaway, Susan Sarandon, Julia Roberts, Diane Keaton, Shirley McLaine e Meryl Streep) de filmes diferentes “conversam” entre si na videoinstalação, repetindo os tiques psicológicos de uma normatividade de gênero engendrada em Hollywood. Em obras que se seguem a esta na trajetória de Breitz, como Becoming (2003) e Him + Her (2008), a artista desfamiliariza cada vez mais os sujeitos individuais em meio à cacofonia repetitiva.
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FOTOS: ACIMA, CORTESIA CAMILLE HENROT, SILEX FILMS E KAMEL MENNOUR, PARIS. ABAIXO, JENS ZIEHE
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N A C H O M A R T Í N S I LVA
41 WAY S ( 2 014) A ideia de erro como triunfo informa a prática do artista espanhol em sua série de pinturas feitas de pequenas telas compondo uma tela maior que relê uma obra da tradição. Nacho Martín inventariou 41 maneiras de pintar, passando pelo hiper-realismo, o expressionismo abstrato, o gráfico pop, e assim por diante. Após a heroica execução de 41 Ways (2014), baseada n’A Lição de Anatomia do Dr Nicolaes Tulp (1632), de Rembrandt, e para a qual o artista também fotografou uma lição de anatomia em Buenos Aires para servir de modelo adicional, O Rapto de Europa (2015) perfaz outros 41 quadros. Aqui Martín Silva se vale de fontes diferentes: uma fotografia de Jose Lino Vaamonde que registra o reparo de tapetes evacuados do Museu do Prado para salvar o Tesouro Nacional durante os bombardeios franquistas; e a pintura As Fiandeiras, de Velásquez, que retrata, por sua vez, um tapete sendo tecido por Aracne com a representação do Rapto de Europa. SELECT.ART.BR
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B R U N O FA R I A
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IN T R O D U Ç ÃO À HI S T Ó R I A DA A R T E BR A SIL EIR A 196 0 -19 9 0 ( 2 015) “O tempo de colecionar algo se dá a partir da necessidade de cada projeto”, conta Bruno Faria à seLecT, dando como exemplo a obra Panorama El Viajero (2010), linha do horizonte construída com rótulos de produtos alimentícios que traziam uma imagem de paisagem natural, colecionados durante o período de sete meses. Para reunir os 168 discos de sua Introdução à História da Arte, o artista levou dois anos. A instalação apresenta uma espécie de linha do tempo que junta artes visuais, artes gráficas e música. “Temos poesia visual de Augusto de Campos, gravura de Samico, J.Borges, pinturas de Beth Jobim, Luiz Zerbini, Barrão, Hélio Oiticica, Rubens Gerchman, Guto Lacaz e Rogério Duarte, entre outros.” A parceria e a colaboração entre diversas áreas podem ser sintetizadas no disco A Peleja do Diabo com o Dono do Céu, de Zé Ramalho: ele acompanha um encarte com desenhos de Luciano Figueiredo e Oscar Ramos e ensaio fotográfico com a participação de Zé do Caixão, Xuxa Lopes, Satã, Mônica Schmidt e Hélio Oiticica vestindo um parangolé.
FOTOS: CAROLINA KRIEGER. NA PÁGINA AO LADO,CORTESIA JOSÉ DE LA FUENTE GALLERY, SANTANDER, ESPANHA
PORTFÓLIO 54
MARYAM JAFRI ENTRE O DOCUMENTO E O ROTEIRO Paquistanesa desenvolve obras que exploram o caráter documental de objetos, confronta historiografias oficiais e cria narrativas alternativas
CAMILA RÉGIS
AO ACESSAR O SITE DO GETTY IMAGES É POSSÍVEL ENCONTRAR FOTOGRAFIAS DE QUASE TUDO. Criado
em 1995, em Seattle, o banco de imagens tornou-se um gigante do mercado de mídia, estabelecendo parcerias com agências de notícias e se firmando como uma fonte “quente” e legitimadora de informações. Em 2012, quando explorava o catálogo online da Getty, a artista paquistanesa Maryam Jafri deparou-se com um fato, no mínimo, curioso. Ela encontrou fotografias históricas que já havia visto nos arquivos do Ministério da Informação de Gana, em Acra, capital desse país africano. Datadas de 6 de março de 1957, as imagens não eram registros banais, mas fotografias da independência de Gana, primeira nação subsaariana oficialmente livre do colonialismo europeu. Diante da coincidência, a artista dedicou-se à comparação dos dois bancos de imagens – um digital, privado e americano, o outro analógico, público e africano. O estudo revelou inconsistências em legendas de fotos, SELECT.ART.BR
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além de exibir o conflito existente quando se trata de direitos autorais, prestação de créditos e adulteração de informações. A investigação deu origem ao trabalho Getty vs. Ghana (2012), que emparelha as fotografias, agregando um pequeno texto, explicando as diferenças entre elas. A partir dessa lógica que compara narrativas distintas, Jafri desenvolveu obras como Corbis vs. Mozambique, Getty vs. Kenya vs. Corbis e Getty vs. Musée Royale D’Afrique Centrale vs. DR Congo. ARTISTA COMO ROTEIRISTA
Formada em Literatura pela Universidade de Brown e residindo entre Nova York e Copenhague, Maryam Jafri realiza uma pesquisa envolvendo conceitos de arquivo, herança visual, propriedade, digitalização e preservação de imagens. Países que estão à margem das “narrativas do império”, como ela prefere chamar, são foco constante de sua atenção. Em Siege of Khartoum, 1884, por exemplo, a artista criou 28 pôsteres que mostram fotografias da
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Acima, fotografias da série Getty vs Ghana (2012), expostas no centro cultural Kunsthalle Basel, na Suíça
FOTOS: PHILIPP HÄNGER / CORTESIA MARYAM JAFRI
Guerra ao Terror ao lado de textos que parecem se relacionar com as imagens. Mas apenas parecem. Na verdade, os escritos são notícias de intervenções imperialistas anteriores à Guerra do Iraque em lugares como Vietnã, Panamá e Filipinas. Em ambos os trabalhos, a artista explora o caráter documental de materiais que auxiliam em processos de arquivamento. O pulo do gato acontece quando ela cria um roteiro, conta uma história unindo texto e imagem, apresentando uma nova perspectiva a partir de narrativas já existentes. Seu grande mérito é nos lembrar que a história não está livre dos sistemas sociais de poder. Ao abordar colonialismo e memória, as obras de Jafri despertaram o interesse da curadora Katerina Gregos, que a selecionou para participar do Pavilhão da Bélgica na 56ª Bienal de Veneza. Homenageando a produção de Vincent Meesen, a exposição belga, batizada de Personne et les Autres, reuniu artistas de várias nacionalidades que investigam a história e a vida após a modernidade colonial.
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OS ESQUECIDOS
Acima e na página ao lado, fotografias da série Product Recall: An Index of Innovation (2014-2015) SELECT.ART.BR
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Se em trabalhos como Getty vs. Ghana é evidente a orquestração feita a partir de acervos públicos, referentes à memória coletiva de países, em Products Recall: An Index of Innovation (2014-2015) a artista reúne objetos que não tiveram tempo de entrar para a história. A instalação apresenta fotografias de produtos industrializados que, por razões diversas, fracassaram no mercado e foram retirados de circulação. Como acontece em parte significativa da produção da artista, os artigos vieram de arquivos. As imagens faziam parte da coleção de um consultor de marcas e os objetos pertenciam a acervos pessoais de profissionais da indústria alimentícia. Entre os achados estão peças como uma mamadeira da Pepsi (versão normal e diet), lançada pela Munchkin Inc. em 1993, ou ainda a JP Squares, um tablete congelado formado por uma camada de pasta de amendoim e geleia, criado em 1994, que tinha como público-alvo pais ocupados demais para fazer um sanduíche. Ambos ficaram cerca de dois anos no mercado dos EUA e logo em seguida foram retirados das prateleiras. Como um inventário de produtos fracassados, o trabalho mostra uma narrativa paralela à do consumo triunfante, dos sucessos de vendas, dos objetos de desejo. Para cada mercadoria bem-sucedida e amplamente comercializada existe uma infinidade de tentativas frustradas de empresas que se debatem para entender – ou mesmo FOTOS: PHILIPP HÄNGER / CORTESIA MARYAM JAFRI
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FOTOS: AYRSON HERテ,LITO FOTOS:
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A partir da análise da história extraoficial e esquecida, Maryam Jafri faz uma crítica contundente sobre a cultura do consumo e o uso que a indústria de alimentos faz da ciência
Ao lado, embalagens de produtos como sabáo, cerveja e pasta de amendoim que integram a série Generic Corner
inventar – demandas de mercado. A partir da análise da história extraoficial e esquecida, Maryam Jafri faz uma crítica contundente sobre a cultura do consumo e o uso, por vezes duvidoso, que a indústria de alimentos faz da ciência. OS GENÉRICOS
Nos EUA dos anos 1970 era comum encontrar uma parte dos supermercados dedicada a produtos genéricos, que não tinham marca específica e eram de 25% a 45% mais baratos que os itens conhecidos. O fenômeno ocorrido em grande escala também entrou dentro da investigação que a artista faz sobre consumo e cultura de massa, dando origem à obra Generic Corner (2015). Composto de fotografias e embalagens originais, o SELECT.ART.BR
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trabalho apresenta a estética desses artigos, que não traziam comunicação visual ou design diferenciado. As caixas e latas eram principalmente brancas, com dizeres básicos escritos em preto. Os produtos genéricos, em geral, eram fabricados por empresários locais, que se organizavam por meio de sindicatos e vendiam para mercados de pequeno porte. Estigmatizado na sociedade norte-americana, esse hábito de compra era comum nas classes sociais mais pobres. A partir dos anos 1980, com a popularização de grandes redes de supermercados que desenvolveram seus próprios artigos e clubes de vantagens – como o Sam’s Club, criado pelo Walmart em 1982 –, os genéricos foram desaparecendo das gôndolas.
Generic Corner lança uma reflexão sobre um episódio capitalista que foi muito popular e hoje caiu no esquecimento. Entre fotografias e objetos, Maryam Jafri novamente conta com o auxílio da escrita para potencializar o significado das imagens. No texto Through, Around and Against the Document, a artista comenta sobre o ensaio Pequena História da Fotografia e as observações que Walter Benjamin faz sobre a função das legendas. “O analfabetismo no futuro será visual – não será relativo à leitura ou escrita, mas à fotografia”, relembra. “Ele (Benjamin) elabora sobre o papel das legendas para garantir que as fotografias transformem todas as relações da vida em literatura ou narrativas. Narrativas históricas, eu diria.” FOTOS: PHILIPP HÄNGER / CORTESIA MARYAM JAFRI
MERCADO E COLECIONISMO
Camilla Barella (em foto de Roberto Wagner) começou a colecionar em 2008, com foco em artistas de sua geração, como Marcelo Cidade, autor da instalação Mercado Negro
DESDE QUE a primeira feira internacional de arte contemporânea despontou no Brasil, em 2005, muita água rolou. Da aparição da SP-Arte para cá, dezenas de novas galerias surgiram, outras cresceram significativamente em volume de negócios. A arte contemporânea brasileira ampliou sua presença internacional e valorizou como nunca antes na história. Em 2009, quando os EUA estavam no auge de sua crise financeira e o mercado de arte do Hemisfério Norte simplesmente entrou em pausa, as galerias brasileiras nadavam de braçada. Dois anos depois, surgia a ArtRio, atraindo as maiores grifes do mercado internacional, como a Gagosian e a White Cube, que se estabeleceu no país por três anos, impulsionada pelo otimismo da política econômica. Os indicativos positivos do setor deram gás para o surgimento de três publicações especializadas – seLecT nasceu em 2011 – e um ambiente institucional independente, coisa que não se conhecia nas grandes capitais brasileiras do século 20. Até mesmo um fundo de investimento em arte contemporânea apareceu no País. Tudo isso levou à ampliação da base local de colecionadores. O colecionador privado brasileiro foi, de fato, o grande protagonista dessa história. Ele é responsabilizado, pela Pesquisa Setorial Latitude, por impulsionar 70% dos negócios das galerias de arte brasileiras nos últimos dois anos. Ao longo da década, eles não só investiram mais a cada ano como se tornaram muito mais numerosos. O efeito obsessivo e altamente viciante que o colecionismo engendra, somado ao reconhecimento da arte contemporânea como valoroso meio de investimento, levou a um ritmo vertiginoso de aquisições. Grandes coleções se formaram.
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DEZ FA R T O S ANOS Quem são e o que pensam os colecionadores que surgiram nos anos mais pungentes da economia e do mercado de arte brasileiro
PEDRA FUNDAMENTAL
Arte brasileira foi o primeiro passo na coleção dos paulistanos Camilla e Eduardo Barella. Nisso, eles se identificam com dez entre dez colecionadores brasileiros, de diversas gerações, para quem a produção artística local é invariavelmente o foco inicial. Com o casamento, em 2008, Camilla, 32, e Eduardo Barella, 35, iniciaram sua coleção de maneira bem despretensiosa. Começaram comprando trabalhos para as paredes de casa, até o ponto em que isso virou uma obsessão e eles passaram a adquirir obras de dimensão espacial mais significativa. A pedra fundamental da coleção propriamente dita – ponto em que o conjunto perdeu o aspecto meramente decorativo e começou a ser encarado como coleção
Mariano Marcondes Ferraz entre obras de Valdirlei Dias Nunes ( à esq. ), Marcelo Mosqueta ( à esq., abaixo ) e Peter Halley ( à dir. ), em foto de Patrice Moullet
– foi uma obra de André Komatsu que eles viram em uma exposição no México. “A obra de Komatsu foi definitiva porque nos deu a percepção de que estávamos realmente colecionando. Foi quando compramos um projeto que estava em outro país, e nem existia materialmente”, diz Camilla à seLecT. A coleção do casal Barella é bastante representativa da geração de artistas que se consolidou na primeira década dos anos 2000. Não seria exagero afirmar que é uma espécie de radiografia do boom do mercado brasileiro. Entre eles figuram Marcius Galan, Marcelo Cidade, Adriano Costa, Jonathas de Andrade, Paulo Nazareth, Carla Zaccagnini, Cinthia Marcelle e Renata Lucas. Em estreita comunicação com os brasileiros, a coleção inclui a notável presença de artistas off-mainstream de Cuba, Oriente Médio e Leste Europeu. Entre eles, o romeno Ciprian Muresan, o turco Ahmet Ogut, o cubano Adrian Melis, a romena Marieta Chirulescu e o polonês Wilhelm Sasnal. “É uma coleção com foco conceitual e processual. Não gostamos de conviver só com trabalhos bonitos, preferimos que sejam provocativos, questionamentos sociais, que estimulem outros sentimentos além de plenitude estética”, diz Camilla. Assim aconteceu também com o carioca Mariano Marcondes Ferraz, 50, que começou a colecionar arte concreta brasileira há cerca de 20 anos e chegou à arte internacional pelo viés da abstração geométrica. “Gosto do minimalismo e das linhas retas, me lembram minha forma organizada de ser”, diz Marcondes Ferraz à seLecT. “Coleciono arte internacional também e não tenho um foco específico, mas continuo mantendo algo geométrico”, diz o empresário, que só este ano comprou
“A crise vai ser positiva para reprecificar coisas aqui dentro do Brasil, que estavam muito fora de contexto”, diz Camilla Barella
obras de Daniel Buren, Dan Walsh, Peter Halley, Los Carpinteros e fotografias de Meyerowitz, Frank Thiel e Darren Almond, entre outros. A mudança para a Europa em 2007 distanciou-o um pouco do convívio diário com a arte brasileira, os artistas e as galerias locais. Diretor e membro do conselho de uma empresa multinacional de commodities, logística e distribuição de petróleo, derivados e mineração, Marcondes Ferraz diz viver no avião. “Às vezes, entre Mônaco, Genebra e Londres.” Quando deu esta entrevista à seLecT, estava entre o Rio de Janeiro e Dubai. Mas mesmo com o vultoso investimento na produção estrangeira, ele garante que seu foco continua sendo arte brasileira. “Compro regularmente em feiras e sempre fico à procura dos artistas brasileiros mesmo nas
feiras internacionais.” Marcondes detém hoje um acervo de notável diversidade, com núcleos que foram identificados pelo crítico Felipe Scovino em livro sobre a coleção, como: Modernidade construtiva; Herança neoconcreta; Política e identidade; Experimentações pictóricas: em trânsito; e Fora de ordem. De uma geração anterior, o empresário cearense Silvio Frota, 62, começou nos anos 1980, com sua esposa Paula, uma coleção de arte moderna e contemporânea. “Quando comecei, ainda não existiam feiras no Brasil, mas elas são muito importantes para a difusão da arte. Eu sempre vou, pois servem para balizar o mercado, apesar de não comprar em feiras”, diz Frota à seLecT. Em 2007, ele iniciou uma coleção de fotografias que é hoje reconhecida como uma das mais importantes e completas do Brasil, com mais de 2 mil obras de 170 fotógrafos brasileiros – modernos e contemporâneos. Em ambas as coleções, seu foco é exclusivamente nacional e na coleção de fotografias, o objetivo é a abertura de um espaço em abril de 2016. “É um presente que estamos preparando para a cidade de Fortaleza. O museu vai ter 2,5 mil metros quadrados, com loja, biblioteca, café e um auditório com oficinas de fotografia.” FATOR RISCO
É fato que grandes e boas coleções se consolidaram nos anos 2000. Mas 2015 talvez marque o início de um novo ciclo no colecionismo brasileiro. Embora as leis da oferta e da procura indiquem que épocas de recessão econômica trazem oportunidades de bons negócios para quem não é diretamente afetado pela crise – leia-se a classe AAA –, este ano tivemos uma sensível redução nas vendas em galerias e feiras.
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Silvio Frota abrirá sua coleção de 2 mil fotografias para visitação pública. Espaço tem inaguração prevista para abril de 2016, em Fortaleza
A hipervalorização da arte contemporânea brasileira também alterou hábitos de um comprador que estava acostumado a alugar novos espaços para conter coleções que não paravam de crescer. “Por volta do ano 2000, nós comprávamos bem mais que hoje. O motivo são os preços que subiram muito”, reconhece Silvio Frota. A maturidade é outro fator apontado para a redução do ritmo. “Entre a minha coleção e a coleção da empresa compro uma média de 30 a 40 obras por ano”, diz Marcondes Ferraz. “Este ano comprei um pouco menos. É normal, pois à medida que a coleção vai crescendo, você vai buscando mais oportunidades e fica mais seletivo.” Camila Barella concorda e percebe que, com o tempo, perdeu a ansiedade e a insegurança. “Não existe mais essa ideia de que se perdermos aquela obra específica de um certo artista nunca mais vamos achar outra. Sempre vem o trabalho certo na hora certa. Essa maturidade nós SELECT.ART.BR
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adquirimos. A gente respeita mais o nosso ritmo, que não é dos mais rápidos. É cíclico, tem épocas que você compra um pouco mais, um pouco menos.” Mas, para que a roda continue a girar e novas coleções de peso venham a se formar, Camilla Barella opina que o mercado terá de se reajustar. “A crise vai ser positiva para reprecificar algumas coisas aqui dentro do Brasil que estavam muito fora de contexto”, diz a colecionadora, que passou a comprar no exterior, quando comparou os preços que eram praticados aqui e lá fora. “Reprecificar pode ser muito positivo para a carreira dos artistas. É muito importante criar novas coleções no Brasil, e isso começa quando você tem preços mais acessíveis. As galerias têm de propiciar esse ambiente. Por mais que haja uma força de colecionadores estáveis que mantêm o mercado, isso sozinho não é saudável. Acredito muito que devemos construir novas gerações de colecionadores.” FOTOS: CELSO OLIVEIRA. NA PÁGINA AO LADO, DIVULGAÇÃO
A ARTE DE INVESTIR Entender por que uma obra de arte vale cifras milionárias é uma tarefa difícil. Economistas como Don Thompson, autor de O Tubarão de 12 Milhões de Dólares, já se debruçaram sobre análises de mercado para encontrar uma resposta. Mesmo sendo um cenário nebuloso para não iniciados, na última década o mercado de arte brasileiro tem atraído olhares interessados em movimentações comerciais. “O risco de se investir em arte é quase zero, mas comprar arte basicamente como investimento é para profissionais”, conta Heitor Reis, um dos sócios do Brazil Golden Art (BGA), o primeiro fundo de investimento dedicado exclusivamente às artes visuais do Brasil. Em um primeiro momento, Reis, ao lado de Rodolfo Riechert, André Schwartz – ex-sócios do Banco Pactual e hoje presidente e vice-presidente da gestora Plural Capital – e Raphael Robalinho, da RR Capital, conseguiu arrecadar R$ 40 milhões para o projeto, que atualmente conta com 70 investidores com “perfis diferenciados”. Prestes a completar cinco anos de praça, a iniciativa conseguiu formar uma coleção robusta de arte. Ao todo são 630 trabalhos de arte contemporânea de mais de cem artistas. “Temos muitas obras importantes mesmo de artistas emergentes, mas é evidente que existem peças mais simbólicas, como as de Tunga, Waltércio Caldas, Adriana Varejão, Janaína Tschäpe e Luiz Zerbini, entre outras”, explica. Como acontece nas grandes coleções, o acervo do BGA apresenta um fio condutor que, segundo o gestor, é pautado pelo gosto do quarteto. “Eu diria que existe um componente significativo do nosso olhar na escolha dessas obras.” Outros fatores relevantes na hora da aquisição é uma análise da “sociologia de mercado”, que leva em consideração o histórico do artista, a evolução de sua carreira e a aceitação pelo mercado. Formado em museologia pela Universidade Federal da Bahia, o executivo é o único do quarteto que tem experiência no mundo das artes. Foi diretor do MAM-Bahia, além de ser membro do Conselho Internacional de Museus e do MAM-RJ. Os outros três sócios são oriundos do mercado financeiro. A união de profissionais de áreas diferentes foi, na verdade, a “simbiose necessária para implantar um fundo como esse”.
Heitor Reis: “Comprar arte como investimento é para profissionais”
Desinvestimento A crise econômica não parece minar o interesse dos bilionários por artes plásticas. Em fevereiro de 2015, a tela Nafea Faa Ipoipo (When Will You Marry?) (1892), de Paul Gauguin, foi vendida por US$ 300 milhões para um comprador do Catar. No Brasil, em agosto do mesmo ano, o quadro Vaso de Flores, do modernista Alberto da Veiga Guignard, foi arrematado por R$ 5,7 milhões em um leilão em São Paulo, tornando-se o trabalho mais caro de um artista brasileiro a ser leiloado. Em ambos os casos, porém, não se tratava de obras contemporâneas. Então, por que o BGA investe nesse nicho? “A produção artística brasileira tem uma excelente qualidade e a arte contemporânea tem se mostrado um ótimo investimento ao longo dos anos, mesmo nos momentos de crise.” Entretanto, Reis não nega o ambiente pouco prolífico do mercado atual. “A crise está atingindo todos os segmentos e a arte também sofrerá com esse momento conturbado da nossa economia”, explica. “Em virtude disso, mudamos nossa estratégia e estamos focando as nossas ações para o mercado externo.” Parte dessa nova guinada se dará através de um processo chamado desinvestimento, ou seja, lucrar com a venda das peças de acervo. Um dos passos para esse objetivo foi uma parceria com a leiloeira Christie’s. Nos dias 20 e 21 de novembro, trabalhos de Ernesto Neto, Leda Catunda, Antonio Dias e José Damasceno foram leiloados em NY. Camila Régis
PRODUÇÃO
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O COLECIONADOR ATIVO Coleções notabilizam-se em viabilizar a produção de obras de arte que não cabem em orçamentos de museus PA U L A A L Z U G A R AY
MAIS QUE COMPRAR E ACUMULAR PARA DELEITE OU PROMOÇÃO PESSOAL, ser um colecionador de arte contemporânea pode ser um ato de responsabilidade artístico-social. Para além das construções narrativas que uma coleção pode engendrar com maior ou menor relevância, um colecionador faz-se respeitar hoje por promover a circulação e o acesso público do seu acervo, abrindo espaços próprios; apoiar projetos artísticos e curatoriais; financiar residências e bolsas; editar livros; patrocinar exposições em museus e, cada vez com mais frequência e interesse, se engajar na produção de novas obras de arte. O colecionador que se notabiliza por apoiar a atividade artística ganhou recentemente a atenção do curador José Roca, que organizou na Feira Internacional de Arte de Bogotá (ArtBO), em outubro passado, uma mesa para discutir “o colecionador como produtor”. Na ocasião, foram convidados para apresentar seus projetos o colecionador mexicano Boris Hirmas, o peruano Juan Carlos Verme e a venezuelana Solita Mishaan, radicada em Bogotá, cuja Fundación Misol disponibiliza bolsas para artistas e curadores latino-americanos. SELECT.ART.BR
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“Qualquer um com um pouco de tempo e dinheiro pode colecionar”, expôs Juan Carlos Verme, presidente do Museu de Arte de Lima (Mali) e diretor do Proyecto Amil, uma plataforma com ambições maiores do que apresentar uma coleção em um espaço expositivo com bom projeto arquitetônico. “O que me interessa não é o gesto fetichista de acumular objetos para guardar. São os processos. Estamos falando de um colecionismo ativo: ter ideias e levá-las a cabo.” O projeto prevê a organização de debates, publicações, convites a artistas internacionais para residências em Lima e comissionamento de trabalhos de artistas locais ou estrangeiros. “Foram três aproximações aos papéis do colecionador para além de sua coleção”, diz Roca à Select. “Juan Carlos Verme apoia uma instituição pública para assegurar que esta tenha um alto nível em sua coleção; Solita Mishaan cria sua própria instituição e não cai na tentação de fazer um museu privado, mas apoia iniciativas existentes, com bolsas a curadores e artistas emergentes; e Boris Hirmas possibilita a produção e exibição de obras de grande complexidade, trabalhando com artistas como Carlos Amorales e Rirkrit Tiravanija para que a peça seja ativada”. NOVAS GEOGRAFIAS
Ainda que um brasileiro não tenha integrado a mesa, o colecionador Bernardo Paz, criador do Inhotim, adapta-se bem ao perfil. “Paz tem um projeto complexo que coloca em cena peças potentes em um grande jardim”, diz Roca. O Inhotim abriu em 2006, em Brumadinho (MG), como um instituto cultural destinado não apenas à conservação e visitação pública da coleção de arte contemporânea do empresário Bernardo Paz, mas também ao apoio à produção artística. “Nosso papel é oferecer às pessoas acesso à cultura e promover os artistas em nível mundial”, diz Paz à seLecT. “Cada vez mais artistas querem ter seus projetos eternizados no Inhotim. Não pretendemos comprar mais obras, nossa intenção é construí-las com os grandes artistas, trazendo-os aqui, mostrando a magia desse lugar e dando-lhes a oportunidade de terem um pavilhão no Inhotim.” Em dez anos de atividade, o Inhotim consolidou um projeto socioeducativo, a exibição permanente de 180 obras de uma coleção de 800 itens para um público que chegou a 2 milhões de Ao lado, o colecionador Bernardo Paz, idealizador do Inhotim, que este ano chegou a 2 milhões de visitantes. Na página ao lado, Piscina (2009), do artista argentino Jorge Macchi
FOTOS: ROSSANA MAGRI. NA PÁGINA AO LADO, PEDRO MOTTA
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visitantes e a prática de comissionamento de obras, a cargo da equipe curatorial capitaneada por Rodrigo Moura. Entre as obras pensadas especificamente para o jardim do Inhotim incluem-se os site-specifics Inmensa (2002), de Cildo Meireles, Sonic Pavillion (2009), de Doug Aitken, Origem da Obra de Arte (2002), de Marilá Dardot, e a Piscina (2009), de Jorge Macchi. “Entendemos que existe o desejo de muitos artistas em construir grandes obras, que não são factíveis para museus. No Inhotim, isso é possível. Estimulamos esses artistas para que criem obras que possamos viabilizar, tendo em vista a área de expansão do Parque, que chega perto de mil hectares”, diz Paz. Apesar de o objetivo final ser sempre a integração das obras ao acervo, o Inhotim coproduziu dois trabalhos que tiveram suas “estreias” na Bienal de Veneza: Homo Sapiens Sapiens, de Pipilotti Rist, em 2005, e Pling Pling, de Cildo Meireles, em 2009. Assim como o Inhotim, que descentralizou o circuito de arte, colocando Brumadinho no mapa internacional, a coleção de Dulce e João Carlos Figueiredo Ferraz também instaurou nova cartografia no cenário institucional brasileiro, abrindo um instituto em Ribeirão Preto, no interior paulista. Com exposições anuais, um cuidadoso projeto educativo e programa de palestras e cursos, seria imprudente não atribuir ao Instituto Figueiredo Ferraz a ativação da cena local. UMA COLEÇÃO ATIVA UMA CIDADE
O que Paz e Figueiredo Ferraz fazem no interior do Brasil cabe à família Rubell, no Sul dos EUA. A Rubell Family Collection é a primeira coleção privada disponibilizada para visitação pública em Miami. O gesto arrojado do casal nova-iorquino Don e Mera Rubell – que se mudou para a Flórida no início dos anos 1990 e transformou um antigo depósito de armazenamento de armas e drogas confiscadas em museu – foi catalizador da cena local. “Miami tem apenas 100 anos. É uma cidade muito jovem. Naquele momento, não tinha voz na arte contemporânea, tinha uma pequena e crescente comunidade”, diz Don Rubell à seLecT. SELECT.ART.BR
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Logo as famílias De La Cruz e Margulies também abriram suas coleções e, com a entrada em cena da grife Art Basel, em 2002, Miami tornou-se o centro do mercado de arte latino-americano. “Nós frequentávamos a Art Basel há 25 anos. Depois de abrir o nosso espaço, convidamos Lorenzo Rudolf, então diretor da feira, para conhecer Miami. De certa forma, Miami é como Basel. Está no centro, entre o Norte e o Sul”, diz Mera Rubell à seLecT. A fundação foi criada como um negócio para reunir a família em torno de uma paixão comum. Don era médico, Mera trabalhava no mercado imobiliário, Jason tinha uma galeria de arte, Jennifer era estudante de arte. “Nos tornamos uma instituição pública porque nossos filhos se formaram em história da arte. Durante todo o seu curso, eles nunca viram uma obra de arte. Toda a educação foi feita via slides. Além disso, a educação artística naqueles anos terminava em Andy Warhol. Eles nunca tinham visto um trabalho de arte que tivesse sido feito nos últimos 20 anos”, conta o patriarca. Hoje, a parceria com o sistema público de ensino de Miami viabiliza a estudantes o contato direto com a história da arte contemporânea intrínseca às 6 mil obras de 800 artistas da Rubell Collection. De 12 a 15 artistas brasileiros integram a coleção. A fundação apresenta exposições temáticas e itinerantes, publica livros e catálogos, abriga uma biblioteca de 40 mil volumes e realiza um programa de internship que oferece estágios de três meses em todos os departamentos da instituição, da montagem de exposições ao armazenamento do acervo e o atendimento do público. Doar a instituições públicas e financiar a produção também está entre as prioridades. Recentemente, a coleção doou 119 trabalhos do artista afro-americano Purvis Young para a Martin Luther King Memorial Chapel, em Atlanta. “Historicamente, nós sempre compramos trabalhos que vimos em galerias ou em estúdios de artistas”, diz Mera, que em viagem ao Brasil, em setembro, visitou 25 ateliês em São Paulo, Rio e Belo Horizonte. “Mas, nos últimos anos, tivemos excelentes experiências em comissionamento de obras”. Entre eles, Oscar Murillo, Aaron Cury, Lucy Dodd e Jennifer Guidi.
Coleções notabilizam-se em viabilizar a produção de obras de arte que não cabem em orçamentos de museus
O casal Mera e Don Rubell, em visita ao Rio de Janeiro, em setembro deste ano. Na página ao lado, obra do artista norte-americano Aaron Curry, comissionada pela Rubell Family Collection FOTOS: MARCO RODRIGUES. NA PÁGINA AO LADO, CORTESIA RUBELL FAMILY COLLECTION
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E XC LU S I VO
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LIG
E P S E AÇÕ
S A S O RIG
G U S TAVO F I O R AT T I
Cinco esculturas de Edgar Degas da coleção do Masp estão em lista de instituições judaicas que buscam obras confiscadas pelos nazistas durante a Segunda Guerra
OS HERDEIROS DO ALEMÃO ALFRED FLECHTHEIM (1878-1937) PODEM RENDER À DIREÇÃO DO MUSEU DE ARTE DE SÃO PAULO uma boa dor
de cabeça. Há três anos, segundo seus advogados, a família de judeus tenta obter junto ao museu informações sobre cinco esculturas em bronze de Edgar Degas (1834-1917). A expectativa é de que as peças tenham pertencido a Flechtheim até a data de sua morte. Neste caso, abre-se a hipótese de que as obras tenham sido vendidas aos fundadores do Masp no contexto da perseguição sofrida pelos judeus, sob a mira dos nazistas. Este não é o primeiro pedido de investigação de proveniência que o Masp recebe sobre uma obra de seu acervo e, provavelmente, não será o último. Desde 2011 a família Wassermann, que também tem origem judaica, procura a direção do SELECT.ART.BR
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museu para aventar a possibilidade de reaver a obra O Casamento Desigual, de Quentin Metsys (1466-1530), que integra a coleção desde 1965. Fossem casos isolados, a dor de cabeça não evoluiria. Só que não são. O pano de fundo de ambos os conflitos é o mesmo: o Masp está na lista de instituições visadas por uma série de investigações movidas por descendentes de vítimas do nazismo. A principal pergunta que tem sido feita por eles é: onde estão e a quem de fato pertencem as obras perdidas nos anos de conflito e que foram, em boa parte, confiscadas e negociadas de maneira questionável? Segundo Mel Urbach, advogado de Nova York que representa a família Flechtheim, duas esculturas de Degas da coleção do Masp têm etiquetas com o nome do alemão na parte inferior de suas bases. “Outras duas têm sobras de etiquetas.”
Na página ao lado, carta enviada por advogado dos Flechteim ao Masp reclamando esculturas de Edgar Degas, como Bailarina Que se Adianta, com os Braços para o Alto e a Perna Direita Recolhida ( no alto desta pág. ) e Bailarina Vestida, Descansando, com as Mãos nos Quadris e a Perna Direita para a Frente ( pág. ao lado )
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FOTOS: FAC-SÍMILE DE CARTA/CORTESIA MEL URBACH, ANTANANA/WIKIMEDIA COMMONS. NA PÁG. AO LADO, DAVID HEALD/WIKIMEDIA COMMONS
não encontrou registro que ateste a aquisição. É essa lacuna que precisa ser preenchida para que o trajeto do conjunto seja desvendado.
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ACORDOS, TRATATIVAS E TRIBUNAIS
A informação foi publicada em texto resultante de pesquisa de doutorado de Ana Gonçalves Magalhães – que hoje trabalha no Museu de Arte Contemporânea da USP – no catálogo da mostra Degas – O Universo de um Artista (Masp, 2006). À seLecT, Magalhães diz que estudou a proveniência das obras. Ela foi à Marlborough Gallery, em Londres, e sabe que, em 1951, a casa vendeu as obras de Degas a Assis Chateaubriand e Pietro Maria Bardi, criadores do acervo do Masp. No texto Estudos de Proveniência e Colecionismo – Apontamentos para uma Análise da Formação de Acervos de Arte no Brasil, que estará contido em publicação da Pinacoteca do Estado e do Sesc Memórias sob o título Seminário Serviços de Informação em Museus (no prelo, ainda sem data de lançamento), Magalhães escreve que, “na tentativa de documentar marcas, inscrições ou sinais”, foram feitos registros fotográficos de uma etiqueta colada sob a base do bronze Mulher Saindo da Banheira. Ainda segundo o texto de Ana Magalhães, “tratava-se da etiqueta da galeria de Alfred Flechtheim, com sedes em Düsseldorf e Berlim, [...] que havia negociado uma quantidade significativa de bronzes do artista entre 1926 e 1928, tendo sido, provavelmente, a única fonte de venda dessas obras para museus na Alemanha”. Flectheim fugiu dos nazistas e não morreu no Holocausto, mas em Londres. Há, portanto, chances de que as esculturas de Degas tenham sido compradas idoneamente pela Marlborough Gallery, a mesma que depois teria revendido as obras ao Masp, neste caso, legalmente. Magalhães, porém, SELECT.ART.BR
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O Casamento Desigual (1525-1530), pintura atribuída a um discípulo de Quentin Matsys, teria sido perdida em leilão em 1935 e é pleiteada pela família Wassermann
Conhecedor de muitos casos similares, Mel Urbach diz que, quando fica provada a inidoneidade da aquisição, as soluções são diversas: “Às vezes, significa restituição, às vezes pagamento, às vezes uma placa na parede. Temos de chegar a uma solução para esses problemas. Mas o Masp diz que ele detém a obra legalmente e que não iria mostrar nenhum documento”, afirma à seLecT. Urbach diz também que, se o caso não evoluir, a saída será levar o Masp ao tribunal. A seu favor, o museu tem um aliado. Sua coleção é tombada pelo Iphan. Ainda assim, o órgão de defesa do patrimônio histórico e artístico diz à seLecT que, “caso a Justiça decida pela restituição da peça, o Iphan deverá tomar as providências legais necessárias para excluir a referida obra do tombamento atualmente existente, de forma a possibilitar sua saída permanente do País, atualmente vedada em consequência do tombamento, conforme previsto no Decreto Lei nº 25/37”. Assim como Urbach, seu colega de trabalho (eles de fato se conhecem e trocam figurinhas sobre o tema), o advogado Henning Kahmann diz que seus clientes, os Wassermann, ainda não se dizem donos da tela O Casamento Desigual. “A obra foi perdida em um leilão de 1935. Em 2008, nós pedimos informações ao museu, mas não recebemos resposta até hoje”, diz o advogado. “Nosso objetivo é conhecer a origem das pinturas e então começar uma negociação com o museu ou com a autoridade brasileira
competente para achar uma solução justa, baseada na Washington Conference Principles on Nazi-Confiscated Art.” A Washington Principles foi um acordo internacional assinado nos EUA, em que diversas nações, inclusive o Brasil, se comprometeram a investigar o trajeto de obras adquiridas no contexto da Guerra e tornar públicas as informações encontradas. O tratado também incentiva a elaboração de acordos entre partes em conflito, no caso de a obra confiscada ter sido identificada como tal. Depois do tratado, muitos dos esforços para localizar obras confiscadas partiram de grupos de advogados e não dos familiares. Criou-se então um movimento especulativo. “Ficamos sabendo sobre a peça e a relação com a nossa família pelos esforços de Kahmann, que traçou a proveniência da obra de quando ela pertenceu a meu avô, Oscar Wassermann, até Baron von Thyssen-Bornemisza, que doou a obra ao Masp. Meu avô era diretor do Deutsche Bank e morreu antes de eu ter nascido, portanto, não tenho muita história para contar sobre ele ou a pintura”, diz Steven Wallach, que, em 2007, visitou o Masp para ver o quadro de Metsys. “O quadro não estava em exibição. Nós pedimos à direção do Masp para visitar a peça no acervo, o que nos foi negado”, diz o herdeiro à seLecT. NEGATIVAS
As suspeitas sobre a coleção do Masp têm como base a própria história de sua formação, justamente no imediato pós-Guerra. Boa parte das obras foi adquirida por Chateaubriand e Pietro Maria Bardi junto a Georges Wildenstein (1892-1963), galerista acusado mais recentemente de ter negociado obras confiscadas pelos nazistas. Obras de El Grego, Goya, Bellini, Delacroix, Degas, Cézanne e Monet foram compradas diretamente das mãos de Wildenstein. Em 1997, Fernando Henrique Cardoso, então presidente da República, criou uma comissão para investigar a entrada de obras confiscadas no País entre os anos 1940 e 1970. O rabino Henry Sobel, peça fundamental da comissão, recorda-se de uma lista com mais de cem obras fornecida pelo World Jewish Congress e que teriam entrado no Brasil nesse período. Das cem obras a serem investigadas, pelo menos três pinturas e três gravuras pertenciam ao Masp, diz o rabino. Ele não sabe especificar quais eram essas obras, nem suas autorias. A investigação não deu resultado nenhum. À seLecT, Sobel diz que as informações levantadas foram insuficientes e que, um ano após a sua criação, a comissão foi desfeita. O rabino achava que “o País tinha outras prioridades”,
As suspeitas sobre a coleção do Masp têm como base a própria história de sua formação
antes de levar o caso adiante. Ele ainda acha que é preciso resolver o “caos moral, político e econômico” em que vivemos, antes de partir para investigações mais profundas. Questionado pela revista sobre as solicitações das famílias e de seus advogados, o Masp responde que “nunca foi judicialmente notificado a respeito de qualquer restituição de obras de arte de seu acervo supostamente confiscadas pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial e, portanto, não pode se posicionar sobre o assunto”. Na resposta, também diz que “o museu apoia a repatriação aos herdeiros de obras cujo histórico e procedência sejam comprovados em juízo e respeita os princípios da conferência de Washington, oferecendo-lhes assistência integral para a resolução e esclarecimento de tais questões”. O museu não admitiu à seLecT que os advogados mencionados neste texto – e são fortes os indícios de que outros também tenham procurado o museu – tentaram abrir diálogo. A posição da instituição vai na contramão do que tem sido defendido internacionalmente, inclusive por instituições que podem ter prejuízo. Museus da Alemanha, da Inglaterra e dos EUA adotaram o procedimento de falar abertamente sobre o tema, publicando as listas das obras disputadas. Informações resultaram em bancos de dados que podem ser acessados em sites como www.lootedartcommission.com e www.nepip.org. Por ora, o que o Masp tem é a proveniência de suas obras publicada no Catálogo do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp, 2008), em três volumes, onde não constam as proveniências das obras reclamadas. FOTO: WIKIMEDIA COMMONS
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S E L E CT E D I Ç Õ E S D E A R T I S TA
O desenho da série Risco do Tempo, de Sonia
reconhecida importância no cenário artístico brasileiro
Gomes, é a terceira obra da série Edições de Artista
e internacional. A revista escolhe e comissiona os
que seLecT oferece aos seus leitores. O projeto faz
artistas. Ao distribuir os múltiplos colecionáveis,
circular obras de arte contemporânea na forma de
espera estimular a relação do público com obras de
múltiplos de tiragem limitada, de autoria de nomes de
arte e contribuir para a educação artística da sociedade.
Sonia Gomes A r ti sta rea liz a a te rce i ra e d i ç ão d o p ro j e to de múltip lo s co le ci o n áve i s A A R T I S TA Nasceu em Caetanópolis (MG), em 1948, e vive em
como Risco do Tempo (2012) e Nascer, Uma Vez
Belo Horizonte. Iniciou sua carreira artística aos 45
Após a Outra (2014), ambas na Galeria Mendes Wood
anos e desde então participou de inúmeras mostras
DM, SP. Sonia Gomes foi a única artista brasileira
coletivas, a mais recente delas o Panoramas do Sul, no
convidada pelo curador Okwui Enwezor a integrar a
19º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil
exposição All The Worlds Futures, na 56ª Bienal de
(2015). Realizou diversas exposições individuais,
Veneza (2015).
A OBRA Da série Risco do Tempo, 2015 Técnica: Desenho sobre riscos para bordados Impressão: Off-set sobre papel Alta Alvura 240 g/m2 Dimensão: 20 x 27,5 cm Tiragem: 18.000 A série Risco do Tempo é composta de desenhos em técnica
caixa de papéis com riscos para bordados e realizou
mista – com caneta permanente, caneta esferográfica,
sobre eles intervenções. Os trabalhos caracterizam-se,
grafite, tinta acrílica e bordados – realizados sobre papéis
portanto, por sobreposições de desenhos realizados em
riscados, apropriados de acervo de bordadeira. O primeiro
tempos distintos. A obra deu título à primeira individual
desenho da série surgiu em 2012, quando a artista herdou
da artista na Galeria Mendes Wood DM, SP, e a série –
da bordadeira mineira Alva Horta de Azevedo Cruz uma
ilimitada, segundo a artista – continua em produção.
PAT R O C Í N I O
PERFIL
NASCER, UMA VEZ APÓS A OUTRA Sonia Gomes sintetiza a memória dos materiais em desenhos e esculturas PA U L A A L Z U G A R AY
SONIA GOMES DIZ QUE, SE TIVESSE OUTRA VIDA, SERIA DANÇARINA. Além de artista plástica, é claro. Esta é uma conquista da qual ela jamais abriria mão. “Acho que nasci mais uma vez há 16 anos, quando incorporei meu trabalho”, afirmou ela na ocasião de sua segunda individual na Galeria Mendes Wood DM, em 2014, exposição que teve um título tão redondo e certeiro – Nascer, Uma Vez Após a Outra –, que não teve forma de não ser apropriado neste perfil. FOTO: MENDES WOOD DM, SÃO PAULO, BRASIL
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O primeiro nascimento de Sonia Gomes foi há 67 anos, na pequena Caetanópolis (MG), cidade que – por coincidência do destino, ou não – teve a segunda fábrica de tecidos do Brasil. Em 1970, enquanto Artur Barrio espalhava trouxas de carne, ossos e sangue nas margens de um rio de Belo Horizonte, em retaliação velada aos assassinatos promovidos por grupos de extermínio do regime militar, Sonia Gomes estudava Direito a 75 quilômetros dali, em Sete Lagoas. Nem sonhava em ser a artista brasileira que integraria a 56ª Bienal de Veneza, com suas esculturas retorcidas e moldadas com metais e tecidos encontrados ou recebidos de presente. O segundo nascimento de Sonia Gomes aconteceu aos 56 anos, quando ela foi convidada a realizar sua primeira exposição individual, em Belo Horizonte, em 2004. “Tudo surgiu numa grande catarse”, conta a artista à seLecT. Foi ali que surgiram de uma só vez as séries de trabalhos em processo até hoje: Trouxas, Patuás, Torções, Panos e Colmeias. SELECT.ART.BR
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“Sempre gostei muito de arte popular e de trabalho manual”, conta Sonia, que fazia bolsas e colares antes de oficializar a carreira artística. “Nunca costurei. Eu desconstruía. Comprava uma roupa e sempre dava um toque meu, o que se chama hoje customização. Rasgava, recosturava e fazia intervenções no meu próprio vestuário.” Mas as bolsas de Sonia Gomes eram muito pouco comerciais, difíceis de vender. “Quanto menos as pessoas gostavam, mais eu extrapolava”, diz ela. Sorte. Esse foi o traço de caráter decisivo para que Sonia Gomes tenha se tornado artista e não designer. A primeira exposição, realizada no conceituado antiquário de Luiz Marcio Ferreira de Carvalho Filho, na capital mineira, despertou no público um impulso participativo que seria determinante para o destino do trabalho nos dez anos seguintes. A partir desse momento, Sonia Gomes passou a receber todos os tipos de doações. “São objetos do afeto, coisas que as pessoas não têm coragem de se desfazer. Mandam tudo para mim”, conta.
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Na página ao lado, o primeiro desenho da série Risco do Tempo (2012). Acima, obras da série Torções
MATÉRIAS QUE PEDEM SOCORRO – E DANÇAM Como os pássaros, que constroem seus ninhos com o que têm ao redor – o que pode incluir plásticos ou tecidos, no caso de pássaros urbanos –, Sonia Gomes trabalha com os materiais que lhe chegam às mãos. Amarrados, torcidos, tecidos ou rasgados, eles ganham uma segunda vida. Ela prefere as roupas usadas, moldadas pelos corpos que envolveram. “Pano novo é reto, não tem movimento”, diz. A expressão de mobilidade desprendida das esculturas origina-se justamente do movimento implícito na roupa usada. “Quando começo o trabalho, não tenho ideias prévias. É o material que fala.” O mesmo caminho foi trilhado na elaboração da série de desenhos Risco do Tempo, feitos sobre os traçados a lápis da bordadeira mineira Alva Horta de Azevedo Cruz. O mais recente deles foi desenvolvido por Sonia Gomes especialmente para os leitores de seLecT, reproduzido nesta edição da revista em tiragem limitada.
O que conduz o caminho dos riscos e torções é, portanto, a memória do material. Ou da própria artista. O que rege a construção dos Patuás, por exemplo, são as lembranças que Sonia tem da avó materna, que era benzedeira e parteira, e costurava os pequenos amuletos em tecido. As Trouxas também surgiram como memória da avó carregando objetos na cabeça. “É a minha história. Vem de dentro. Não quero morrer sem ir à África”, conta, feliz por ter sido convidada pelo artista Abdoulaye Konaté (que conheceu durante a mostra Panoramas do Sul, do Festival Videobrasil) a fazer uma residência de três meses em sua escola, no Mali. Sonia Gomes costuma dizer que seu trabalho é uma obra aberta para a interpretação do espectador. Por isso fez o maior sentido para ela quando ouviu o comentário de que suas peças são “quase cinéticas”. “Gosto muito de dança. Se eu tivesse outra vida, não seria só artista plástica, iria trabalhar também com dança.” FOTOS: RICARDO BASSETTI. NA PÁGINA AO LADO, EDUARDO ORTEGA. CORTESIA MENDES WOOD DM, SÃO PAULO
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R E P O R TA G E M
ARTE EM JUÍZO L U C I A N A PA R E J A N O R B I AT O
A Justiça brasileira encontra motivos de sobra para confiscar coleções particulares de origem nada ortodoxa, como nas apreensões da Operação Lava Jato
Nesta pág. e à dir., dois registros da mostra que foi exibida pelo MON até 1º de novembro só com obras apreendidas na Operação Lava Jato, entre elas duas fotos de Vik Muniz ( à esq. ) SELECT.ART.BR
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NINGUÉM DUVIDA QUE MONTAR UMA COLEÇÃO PODE SER UM BOM NEGÓCIO.
Ainda mais com fins ilícitos. Atualmente uma prática obscura, mas nada incomum, ganhou os holofotes: a compra de trabalhos com dinheiro da corrupção. Alavancadas pela Operação Lava Jato, que desmontou o esquema de propinas da Petrobras para favorecer empreiteiras em licitações da estatal, as apreensões de obras pagas com dinheiro sujo viraram rotina nas operações da Polícia Federal contra crimes do colarinho-branco. “Agora os policiais já entendem que os quadros pendurados na parede podem ter valor. Há casos de obras que custaram US$ 380 mil, valem muito mais que um carro”, contou à seLecT o delegado Márcio Adriano Anselmo, da Polícia Federal do Paraná. “Tivemos apreensões em seis fases da Lava Jato. Cada uma teve sua peculiaridade”, diz o delegado da PF. Na primeira fase, peças da doleira Nelma Kodama, condenada a 18 anos de prisão, foram apreendidas por “não serem condizentes com seu patrimônio”. Mas o expediente de receber propinas na forma de obras de arte, pagas por empresas-laranja no
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exterior ou por operadores (responsáveis pelo repasse de dinheiro para a diretoria da estatal), tornou-se recorrente entre os investigados. O ex-diretor de serviços da Petrobras Renato Duque foi o maior destinatário, com duas telas de Alberto da Veiga Guignard e uma escultura de Frans Krajcberg, entre outras. Duque (cuja defesa não havia respondido à reportagem de seLecT até o fechamento desta edição) possuía 135 das cerca de 270 obras apreendidas na operação. “Tem a questão da sonegação, também”, continua Anselmo. “Duque declarava todas as obras para o Imposto de Renda no valor de R$ 80 mil, enquanto sabemos que só a obra do Frans Krajcberg custou R$ 215 mil, mais comissão.” Com a sede das investigações em Curitiba, os trabalhos foram levados ao Museu Oscar Niemeyer, que espera o julgamento dos réus pelo juiz Sergio Moro para saber se fica com eles. A equipe de Moro disse à seLecT que o juiz não está falando sobre o caso. Enquanto isso, o museu curitibano exibe as peças em mostras como Obras sob a Guarda do MON, que ficou em cartaz entre 14 de abril e 1º de novembro.
EXPEDIENTE ANTIGO
Apesar de ter aumentado com a Lava Jato, o expediente de apreensão não é novo: um exemplo famoso é o Caso Coroa Brastel, grupo de empresas de Assis Paim Cunha que sofreu intervenção do Banco Central nos anos 1980 e teve 16 obras confiscadas. Elas foram encaminhadas ao Museu Nacional de Belas Artes, que 30 anos depois ainda as guarda na reserva técnica, sem poder exibi-las. Cabe ao juiz de cada caso definir se as obras podem ou não ser expostas. Por ser gerido pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram, orgão do MinC), o museu é fiel mandatário em vários casos de apreensões por parte da Polícia Federal, da Receita e da Justiça Federal, como o do ex-banqueiro Salvatore Cacciola, condenado por crimes financeiros do Banco Marka, e a apreensão feita pela Receita Federal no Porto do Rio de Janeiro, que interceptou R$ 10 milhões em obras de nomes como Anish Kapoor e Beatriz Milhazes. “Foi um acaso, mas pegamos as obras em três bagagens diferentes, mostrando uma fragilidade no controle, que tivemos de adequar para evitar que a situação se repetisse”, diz Ricardo Lomba, inspetor-chefe da Receita Federal à seLecT. Agora, as inspeções de contêineres de bagagens não são mais por amostragem, o conteúdo total de cada contêiner é examinado. Mas, mesmo com grandes obras no acervo, o MNBA depende da permissão da Justiça para exibir as peças. Foi o desembargador Fausto De Sanctis quem inaugurou a prática de enviar coleções apreendidas a museus com a finalidade de mostrá-las ao público, e não só guardá-las. Ele atuou em julgamentos como o do ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira, acusado de lavagem FOTOS: CORTESIA MUSEU OSCAR NIEMEYER
Com a morosidade do sistema judicial brasileiro, é comum as obras confiscadas ficarem em
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reservas técnicas por tempo indefinido, sem acesso do público
Rue - Figures Dans Une Structure, de Joaquín Torres-García, obra que foi repatriada ao Brasil e ficou sob custódia do MAC-SP, mas foi devolvida à massa falida do Banco Santos para ir a leilão nos EUA
de dinheiro no Banco Santos, do traficante Juan Carlos Abadia e do investidor Naji Nahas, todos com peças retidas pela Justiça. “A concepção própria da obra de arte é ser apreciada, não escondida”, diz De Sanctis à seLecT. Ele também criou um sistema de delação premiada, em que o acusado deve ressarcir imediatamente a sociedade, usando para isso obras de arte, que são automaticamente doadas a museus. “Quando você entrega uma obra para o acervo de um museu, o retorno é para toda a sociedade, e não apenas para os envolvidos no processo. No caso do Banco Santos, muitos credores, inclusive, concordaram com as ilicitudes praticadas, portanto não são vítimas.” A delação premiada com retorno imediato foi um dos expedientes encontrados pelo desembargador para resolver o maior problema derivado das apreensões: o destino final das obras. Com a morosidade do sistema judicial brasileiro, é comum elas ficarem em reservas técnicas por tempo indefinido e ser vendidas para ressarcimento. Ou seja, o museu gasta verba para conservar, mas não tem preferência para ficar com a obra. É o caso da coleção de Edemar Cid Ferreira, com cerca de 20 mil itens. Desses, 10 mil foram reavidos pela massa falida do Banco Santos e estão guardados em instituições da USP, entre elas o Museu de Arte Contemporânea. Era do MAC a guarda de Modern Painting with Yellow Interweave (Roy Liechtenstein) e Rue – Figures Dans Une Structure SELECT.ART.BR
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(Joaquín Torres-García), duas obras repatriadas dos EUA ao Brasil em 2010. Isso ocorreu graças ao acordo firmado por Fausto De Sanctis com a Interpol para a localização de peças da coleção mandadas ilegalmente para o exterior. Pela decisão do desembargador, o museu ficaria com ambas, mas o STJ decidiu pela massa falida do Banco Santos, que pôs a leilão essas e outras obras (entre elas Hannibal, de Jean-Michel Basquiat) na Sotheby’s, em novembro. Na exposição Vizinhos Distantes – Arte da América Latina no Acervo do MAC USP, a ausência da obra de Torres-García foi alardeada: em vez da pintura, uma reprodução trazia na legenda o relato do processo jurídico pela obra. “Apesar de a obra do artista uruguaio Torres-García ser selecionada para esta exposição, por determinação do Juízo falimentar é entregue à Sotheby’s para venda em leilão, sendo retirada, assim, do acesso público”, dizia o fim do texto. FOTO: CORTESIA MAC-USP
Ministério da Cultura
Governo do Estado de São Paulo Museu da Língua Portuguesa
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POLÍTICA INSTITUCIONAL
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COMO CONSTRUIR COLEÇÕES ANA LETÍCIA FIALHO
Num cenário de recessão e diante da inexistência de linhas de financiamento do Estado, as instituições apostam na participação de colecionadores privados para ampliar seus acervos. Sem o engajamento desses agentes, o colecionismo institucional no Brasil seria quase inexistente
O SISTEMA DA ARTE NO BRASIL VIVEU RECENTEMENTE UM PERÍODO DE VITALIDADE E EXPANSÃO . Surgiram novos
espaços e plataformas de exibição e discussão da arte contemporânea, conquistaram-se novos públicos, o mercado cresceu e a circulação de artistas e agentes do sistema se intensificou. Contudo, permaneceu certo desequilíbrio entre as esferas da produção e do mercado, dinâmicos e internacionalizados, e a esfera institucional, em dificuldades. A Pesquisa Setorial Latitude sinaliza a fragilidade dessa importante esfera, que tende a se agravar. O mercado de arte contemporânea registrou, entre 2010 e 2014, crescimento de mais de 20% ao ano, em grande parte graças aos colecionadores privados brasileiros, responsáveis por mais de 70% dos negócios, seguidos por colecionadores privados estrangeiros, que movimentaram em torno SELECT.ART.BR
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de 13%. As instituições brasileiras movimentaram, em média, 4% das vendas das galerias e as instituições internacionais, cerca de 3%. No período, mais de 100 coleções institucionais e corporativas estrangeiras adquiriram a produção contemporânea brasileira, algumas com regularidade, como o MoMA e a Tate. Ao mesmo tempo, o colecionismo institucional nacional revela-se incipiente. Assim, é crucial indagar se e como as instituições brasileiras estão acompanhando e colecionando a produção mais recente. O MAM-RJ, o MAM-SP, a Pinacoteca do Estado de São Paulo e o MAR desenvolveram modelos e estratégias bastantes diversos, com alguns pontos em comum. CRITÉRIOS E RECORTES
O foco na produção contemporânea brasileira, entendida de forma expandida – incluindo artistas estrangeiros residentes no Brasil, que dialogam com o nosso contexto e/ou com a nossa história da arte – é um critério comum que informa as decisões de aquisição. Outro é a convergência e complementaridade com coleções existentes. Já os critérios mais específicos, que direcionam as aquisições em meio à diversidade da produção contemporânea, não são tão simples de definir.
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Reino Distante (1998), de Marcia X, pertencente à coleção do MAM-RJ, doada por Therezinha de Jesus Estellita Pinheiro de Oliveira FOTO: VICENTE DE FOTOS: MELLO
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Na Pinacoteca, novas diretrizes estão sendo delineadas a partir de pesquisas sobre a própria coleção. Segundo o diretor Tadeu Chiarelli, um núcleo que deve ganhar destaque é o dedicado a artistas afrodescendentes: “Um museu público deve problematizar as questões políticas na esfera estética”. A mostra Territórios: Artistas Afrodescendentes no Acervo da Pinacoteca, prevista para dezembro de 2015, dará destaque a esse núcleo. Paulo Herkenhoff, diretor artístico do MAR, está constituindo uma coleção que se relaciona com a cidade, visando um contexto cultural amplo, espelhado em obras de arte, mas também em objetos, documentos e publicações. Isso aponta para outra tendência: a ampliação do campo da arte contemporânea, que tem levado instituições e curadores a questionarem os critérios de segmentação de seus acervos. AS EXPOSIÇÕES COMO ORIENTADORAS DE AQUISIÇÕES
Nota-se uma frequente correlação entre aquisições e exposições temporárias, que constituem plataformas de investigação e reconhecimento dos artistas, culminando em aquisições quando há pertinência e recursos disponíveis. Algumas exposições têm, simultaneamente, a vocação de oferecer um panorama da produção contemporânea brasileira e de contribuir com a atualização da coleção. É o caso do Panorama da Arte brasileira do MAM-SP, criado com esse fim, em 1969. O prêmio PIPA, por sua vez, foi criado, em 2010, pelo MAM-RJ em parceria com a IP Capital Partners. Segundo o curador Luiz Camillo Osório, até 2009, o museu não tinha dotação orçamentária fixa para aquisições. Inspirado no Turner Prize, e contando com a participação de colecionadores do mercado financeiro, a cada edição cerca de 60 candidatos participam da exposição. São escolhidos quatro finalistas, que concorrem ao prêmio principal, de R$ 130 mil e passam a integrar a
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“O papel da instituição é mostrar que existe uma produção maior e mais diversa do que a que está nas galerias”, diz Tadeu Chiarelli
Autorretrato (1908) de Arthur Timótheo da Costa, doado por Benjamin de Mendonça para a Pinacoteca de São Paulo, em 1956
coleção do museu. Em sua 6a edição, o prêmio permitiu ao MAM adquirir obras de Daniel Steegmann Mangrané, Renata Lucas, André Komatsu, Eduardo Berliner, Tatiana Blass, Rodrigo Braga, Thiago Rocha Pitta, Berna Reale e Laércio Redondo, entre outros. OS COLECIONADORES NO MUSEU
Comitês de aquisição, clubes de colecionadores, grupos de patronos etc. Os modelos e programas apresentam diferenças, mas a captação de recursos costuma dar-se junto a indivíduos com alto poder aquisitivo. Um exemplo bem-sucedido são os Patronos da Arte Contemporânea da Pinacoteca do Estado de São Paulo, que, desde 2012, fazem doações para a aquisição de obras brasileiras posteriores a 1960. Dessa forma foram adquiridos trabalhos de nomes como Carla Zaccagnini, Dora Longo Bahia, Eliane Prolik, Ana Maria Tavares, José Damasceno, Sandra Cinto, André Komatsu, Delson Uchoa, Erika Verzutti, Miguel Rio Branco e Nelson Felix. “O clube de colecionadores é o que há de mais permanente na política de aquisição de artistas mais atuais”, afirma o curador Felipe Chaimovich. A cada ano, 15 obras selecionadas por curadores nas áreas de gravura, fotografia e design são produzidas em tiragens de 100 exemplares e entregues aos sócios. As provas de artista são incorporadas à coleção do museu. Em 2015, os sócios pagaram R$ 5.080,00 para participar de cada modalidade. Pedidos diretos a colecionadores para aquisições pontuais são recorrentes, já que os programas regulares têm recursos limitados e trâmites lentos. É a eles que se apela quando surgem oportunidades que exigem decisões rápidas, obras raras que supririam lacunas da coleção. Segundo Chiarelli, “uma nova geração de colecionadores entendeu que suas coleções só terão importância se as coleções institucionais forem significativas”. Outra forma de associação das instituições com colecionadores privados é o regime de comodato, em que o colecionador coloca sob a tutela do museu sua coleção. Isso permite a entrada de conjuntos significativos de obras históricas e com alto valor de mercado em coleções institucionais, como é o caso da coleção Gilberto Chateaubriand em comodato no MAM-RJ. O ESTADO E O COLECIONISMO INSTITUCIONAL
A Lei Rouanet, dependente da captação de patrocínios, costuma ser utilizada para aquisições de obras caras. Uma das poucas iniciativas que asseguram recursos públicos para aquisições é o Prêmio Marcantônio Vilaça, edital da Funarte/Minc. Mas, infelizmente, seus recursos diminuíram significativamente: em 2013, o prêmio tinha orçamento de 2,9 milhões e contemplou 15 projetos. Em 2015 foram R$ 700 mil reais e quatro instituições beneficiadas (MAC-USP, MARP, MAPe MNBA).
Ainda assim, vale destacar sua contribuição para a formação das coleções aqui analisadas. O MAR recebeu R$ 300 mil para adquirir obras de Vera Chaves Barcellos em 2104, e o MAM-RJ foi contemplado quatro vezes, o que permitiu a aquisição de obras de Carlos Bevilacqua, Carlos Vergara, Ernesto Neto, Evandro Teixeira, Jimson Vilela e Luiza Baldan, entre outros. Num cenário de recessão e diante da inexistência de políticas e linhas públicas de financiamento consistentes, as instituições apostam nos colecionadores privados e no patrocínio de empresas para ampliar seus acervos. É positivo o maior engajamento de colecionadores no fortalecimento das instituições públicas brasileiras (até porque vários deles são patronos de instituições internacionais, como o MoMa e a Tate, há tempos). Por outro lado, é preocupante que as principais políticas de expansão dos acervos dependam forte ou exclusivamente de colecionadores, muitas vezes envolvidos nos conselhos de administração das instituições. Tais agentes são importantes protagonistas do mercado de arte e têm interesse na valorização de suas próprias coleções. Tadeu Chiarelli comentou ter observado resistência quando se propõem aquisições de artistas não representados no mercado. No entanto, “o papel da instituição é mostrar que existe uma produção maior e mais diversa do que a que está nas galerias”, diz ele. Por isso mesmo seria fundamental que o Estado dotasse as instituições de alguma autonomia orçamentária para aquisições, hoje inexistente. Também seria papel do Estado elaborar políticas mais consistentes de fomento à pesquisa e a programas expositivos experimentais, enfim, ações voltadas ao fortalecimento da esfera institucional, que não deveria ficar tão vulnerável perante interesses, em última instância, privados, sejam eles corporativos, mercadológicos ou individuais. Leia a íntegra deste artigo e a entrevista completa com Tadeu Chiarelli no site www.select.art.br
FOTO: ISABELLA MATHEUS/CORTESIA PINACOTECA
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C O M O D ATO PROBLEMA OU SOLUÇÃO? T E X TO E F OTO S M Á R I O N S T R E C K E R
A prefeitura só se mexeu depois que o MAC-Niterói fechou as portas em fevereiro e o dono da coleção, João Sattamini, cancelou o contrato de comodato. O icônico museu projetado por Oscar Niemeyer agora espera a reforma e planeja a programação de 2016, quando fará 20 anos
O BRASIL É UM PAÍS PECULIAR: TEM MUSEUS SEM ACERVO, ACERVOS SEM MUSEUS E MUSEUS COM ACERVOS E COM PORTAS FECHADAS, sem data certa para reabrir. Esse é
o caso do MAC-Niterói, que foi criado por estímulo de um colecionador privado, economista, funcionário de carreira do Instituto Brasileiro do Café e depois empresário, chamado João Leão Sattamini. Ele descende de um Sattamini que chegou à América do Sul no século 19 com Giuseppe Garibaldi. Foi primo-irmão do fundador de uma importante galeria paulistana dos anos 1980, Subdistrito, chamado João Manoel Sattamini, que foi uma espécie de “olheiro” de sua coleção em São Paulo (“Você tem de ter um olheiro. Não adianta dizer ‘eu faço a coleção’. Não faz!”). Um dia, nos anos 1990, João Leão resolveu procurar o poder público de Niterói para sondar a possibilidade de cederem um edifício vazio para abrigar sua admirável coleção de arte contemporânea brasileira, que já lotava um triplex em Copacabana.
Deu mais do que certo. O prefeito quis logo um novo museu, que foi projetado de graça por Oscar Niemeyer numa das paisagens mais bonitas do mundo. “O museu custou US$ 5 milhões. Eu não tinha esses US$ 5 milhões. A coleção custou muito menos. Uma obra de Lygia Clark pode valer US$ 1 milhão hoje, mas na época valia US$ 3, 4 ou 5 mil”, diz o colecionador à seLecT. O MAC-Niterói completa 20 anos em 2016, mas está fechado desde fevereiro de 2015, quando pifou o último dos quatro compressores de ar-condicionado. Parecia a crônica de uma morte anunciada. O acervo de 1.250 obras de arte é um comodato, que pode ser cancelado a qualquer momento. “Com o museu fechado, eu cancelei o comodato”, conta o colecionador. “Aí a prefeitura se mexeu. Eu acho que está gastando muito dinheiro para botar o museu para funcionar. Como a máquina pública é muito ruim e a de Niterói é pior ainda, eles decidiram, em março, tomar essas providências. Os editais saíram em setembro. A máquina é muito lenta, eles não sabem fazer licitação”, reclama. Museu fechado, escândalo nos jornais, 15 mil visitantes desatendidos por mês. A prefeitura de Niterói, que usa o museu até como logotipo de papelaria oficial, resolveu trocar o ar-condicionado, o carpete (!), refazer a impermeabilização, a pintura, substituir as grades por vidro, a iluminação, e instalar elevador para o subsolo. Prometem também fazer uma reserva técnica comme il faut para a coleção de Sattamini, como prevê o contrato renovado.
Na página ao lado, uma poesia concreta escrita no piso do MAC-Niterói dialoga com a situação de abandono a que chegou uma das mais famosas obras do arquiteto Oscar Niemeyer SELECT.ART.BR
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Com a quebra do quarto compressor de ar-condicionado, em fevereiro passado, o museu foi fechado e esvaziado; a prefeitura de Niterói planeja a reforma para poder reabrir o museu
Com isso, a coleção será doada para o poder público? “Nunca!”, responde o colecionador. “Meu plano é deixar para as minhas três filhas. Para a máquina pública eu não doo nada. Não sei como será mais lá para a frente, não é? Já tivemos prefeitos de Niterói que eram cretinos, por isso o MAC entrou em decadência física. Se elas quiserem desmembrar a coleção para vender, vão fazer burrice. Uma está começando a aprender agora. As outras vão fazer besteira. Vão se entregar nas mãos de marchands e os marchands vão roubar. Arte não tem muito parâmetro. Mas, se elas quiserem desmanchar, o que eu posso fazer? Estou morto mesmo! De repente vem um prefeito, em Niterói, que diz: agora não quero mais museu. Vou transformar isso numa pista de skate e pronto, acabou.” O atual diretor do museu, Luiz Guilherme Vergara, elogiado pelo colecionador, conta que, pela primeira vez na história do MAC-Niterói, haverá previsão de orçamento para a programação. “O museu sempre funcionou SELECT.ART.BR
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na base do ‘venha a nós o vosso reino’. O que significa que, se você me traz uma exposição com os patrocínios, nós fazemos.” Essa prática é conhecida no sistema de arte como “balcão”. VIRADA DE MESA
Vergara engajou-se no museu desde os anos 1990 e fez até doutorado sobre o MAC-Niterói. “A missão do museu, eu escrevi em 2006, é acolher, estudar e conservar a coleção João Sattamini”, diz Vergara à seLecT. “E aí eu acrescentei: e atualizar as interfaces entre arte e sociedade”, conta, enumerando o que considera as “vocações” do MAC-Niterói: ambiental (“Niemeyer faz com que você olhe para fora o tempo todo; olhar para fora é estar engajado com as questões da paisagem”); arquitetura-templo (“museu-monumento: por ser Niemeyer, tem relação com templo grego”); fórum de debates (“ágora”); espetáculo (“museu-oráculo”); agenciamento (“provocador de conectividade, de colaborações”). “O que é singular neste lugar é que todas as facetas de um museu em debate no século 21 estão presentes”, diz o diretor, para quem o MAC-Niterói é fruto da Constituição de 1988, quando os recursos de impostos municipais passaram a ser retidos pelas prefeituras. “Foi uma guinada na nossa paisagem cultural. Todos os municípios do Rio fizeram revisões fantásticas nas suas políticas culturais. É também
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A vista exuberante da Baía de Guanabara contrasta com a falta de manutenção do prédio, cartão-postal que figura como logotipo de papelaria oficial da prefeitura da cidade fluminense
dessa época o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Há um contraponto entre centros culturais e um ocaso de museus. O MAM entra em declínio. O cara vai ser um mantenedor do CCBB. Os patrocinadores não vão investir num lugar que é de uma prefeitura. Os centros culturais criam um desequilíbrio e um desconforto para a função museu”, diz o diretor do Mac-Niterói. “Se o Sattamini estivesse nos EUA, teria de construir seu próprio museu. O desejo dele é botar a coleção com vida pública. A sociedade pode muito bem passar sem ver arte. Pode ver só televisão, futebol. Nosso compromisso é oferecer isso para ser parte da formação, de um gosto. Nesses anos tivemos oferecimentos de doações e outros acervos que possam vir a ser acolhidos. Ricardo Basbaum está oferecendo a obra. A coleção dele (Sattamini) foi projetada internacionalmente por este museu. O acervo dele, que todo mundo sabe como estava antes, em condições extremamente precárias, é um acervo que vai se inchando, como acervo vivo. Hoje mesmo tive notícia de que ele comprou mais um trabalho. Os acervos de artistas com valores históricos estão se perdendo. E aí a gente tem de recuperar a função museu. A gente precisa reinaugurar este museu com o afeto da cidade.” No início de 2015, em ação orquestrada por espaço independente paulistano, três pinturas em papel kraft de artistas da Casa 7, pertencentes à coleção Sattamini, foram restauradas e devolvidas ao
MAC-Niterói. As obras estavam com os suportes danificados e foram restauradas para a exposição Casa 7 no Pivô, em junho. “O restauro entrou como contrapartida para a negociação de empréstimo. Foi um bom negócio para todos. Por estarmos usando verba pública, via Lei Rouanet, os frutos da exposição deveriam ser mais duradouros”, diz Fernanda Brenner, diretora do Pivô. Na reinauguração do MAC-Niterói, Iemanjá, Mazu (a deusa chinesa do oceano) e Afrodite estarão presentes, bem como os pintores históricos das paisagens de Niterói, do Grupo Grimm, além de Hélio Oiticica (que cunhou o conceito de Programa Ambiental), Lygia Clark e artistas estrangeiros atuais, como o britânico Isaac Julien. Também em 2016, artistas serão convidados a se engajar e trabalhar em residência em colônia de pescadores ameaçada no fundo da Baía de Guanabara. “A ajuda que a gente está tendo é quase extraterrena”, diz Vergara.
Í NRDTEEX P Ú B L I C A A
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MONUMENTOS NÔMADES A cidade de São Paulo tem cerca de 400 esculturas que foram encomendadas e produzidas com fins honoríficos para exibição em espaço público. Mas 60% delas não estão hoje nos locais para onde foram pensadas originalmente. Debruçada sobre esta coleção de arte pública, Giselle Beiguelman, artista e professora da FAU-USP, desenvolveu o projeto Memória da Amnésia, com o propósito de tirar as 60 esculturas de seu desterro, evocando suas trajetórias e as histórias da cidade a partir de seus monumentos esquecidos.
UMA EXPOSIÇÃO E UM SITE COMPÕEM O PROJETO . A mostra reúne no Arquivo Histórico de São Paulo, de 12/12 a
25/2/2016, cerca de dez peças deslocadas de um depósito no bairro do Canindé, ensaios fotográficos de Ana Ottoni e André Turazzi, um documentário do cineasta Cleisson Vidal sobre os traslados do Canindé até o Arquivo, e um mapeamento de todos os monumentos nômades da cidade. O site contém o banco de dados da pesquisa, além das histórias e trajetórias dos monumentos homeless, clonados e banidos. Entre elas, fatos que falam muito sobre a indiferença dos habitantes para com seus monumentos. “Este é um projeto mais sobre o esquecimento do que sobre a memória”, diz Beiguelman. “Afinal, eles são uma memória que diz respeito a quem?”, é a grande questão levantada pelo trabalho. PA SELECT.ART.BR
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FOTOS: ANDRÉ TURAZZI
Na página anterior: Leão. Obra implantada originalmente em 1914 no Anhangabaú, migrou para o Parque D. Pedro II em 1922. Foi trasladada para o Ibirapuera nos anos 1960. A escultura é uma cópia de Prosper Lecourtier. Acima, Tarde. A escultura está no Parque da Independência desde 1988 e é um dos fragmentos do Monumento a Olavo Bilac, implantado em 1922 no belvedere da Avenida Paulista e de lá retirado em 1936
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O Semeador. Obra de Caetano Fracarolli para o Parque D. Pedro II, implantada em 1945, está na Praça Apecatu, perto do Parque Vila Lobos, desde 1969, quando foi desterrada pela construção do viaduto Diário Popular. Inaugurada no dia 1º de maio, em homenagem ao Dia do Trabalho, foi escolhida em concorrência pública e inspirada no ditado popular “Quem semeia, colhe.” SELECT.ART.BR
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Mais polêmico fragmento do Monumento a Olavo Bilac (1922), o Beijo Eterno foi banido do bairro do Cambuci, em 1956, e novamente em 1966, da Avenida 9 de Julho, por ser considerado indecoroso. Foi salvo do ostracismo em um depósito pelos estudantes de Direito da USP, que o levaram, por conta própria, da 9 de Julho, para o Largo de São Francisco onde está até hoje
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NOVAS COORDENADAS Produzidos a partir dos anos 1970, trabalhos de Land Art ampliam e modificam os parâmetros do colecionismo F E R N A N DA L O P E S , D E N OVA YO R K
Vista da obra The Lightning Field (1977), de Walter De Maria, com 400 para-raios instalados em uma área remota do Deserto do Novo México
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EM 1999, QUANDO A FUNDAÇÃO DIA INCORPOROU EM SEU ACERVO O SPIRAL JETTY,
de Robert Smithson – a partir da doação feita por sua viúva, a também artista Nancy Holt –, os curadores depararam com uma situação inusitada. O pequeno píer, construído em 1970 em formato espiral de quase 500 metros de extensão e 5 de largura na margem do Salt Lake, no estado de Utah (EUA), feito de pedras e areia do próprio local, estava completamente submerso. O que para a maioria das instituições poderia ser um grande problema, para a Fundação Dia era
mais um dado do trabalho. “A produção e o pensamento de Smithson sempre estiverem ligados à ideia de entropia, em como a natureza e a obra de arte reagiam à presença uma da outra, por isso nunca fizemos, nem nunca vamos fazer, nada em relação à conservação ou preservação de sua obra”, aponta Kelly Kivland, uma das curadoras da instituição. Financiada pela galerista de Los Angeles Virginia Dwan – uma das primeiras incentivadoras da produção de Land Art nos Estados Unidos –, a peça permaneceu submersa praticamente logo depois da sua
FOTO: JOHN CLIETT/COURTESIA DIA ART FOUNDATION
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Acima, Double Negative (1970), de Michael Heizer, duas fendas de 9 metros de largura e 15 de profundidade no Deserto de Nevada. Abaixo, de Allora & Calzadilla, Puerto Rican Light (Cueva Vientos, 2015)
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realização até 2002, quando o nível do lago começou a baixar, e é um dos ícones da Land Art nos EUA. O movimento da passagem dos anos 1960 para os 1970 começa a estruturar-se como um desenvolvimento de alguns princípios do minimalismo, associado a um desencanto com o fortalecimento do mercado de arte. Foi nesse momento que pela primeira vez se viu uma imagem do planeta Terra produzida pela Nasa. De repente, aquela imensidão que os olhos não alcançavam por inteiro transformou-se em uma esfera bidimensional – um objeto sobre o qual era possível desenhar. O mundo, fora das galerias, dos museus e das cidades, era o lugar da arte. “Agora minha nova borracha é uma Caterpillar”, chegou a dizer Walter De Maria, fazendo referência às máquinas até então usadas somente na construção civil e na mineração. A Fundação Dia foi criada nesse contexto, em 1974, por Philippa de Menil, Heiner Friedrich e Helen Winkler. “Dia” em grego, significa “através” e seu papel seria funcionar como fio condutor para que artistas realizassem projetos considerados visionários e que não encontravam espaço dentro de museus ou galerias, expandindo, assim, os conceitos de arte para além dos limites da época. “Nós realmente acreditávamos que os trabalhos que estávamos fazendo iam acabar com as galerias de arte”, disse o artista Vito Acconti, em depoimento ao documentário Troublemakers: A História da Land Art, lançado, no fim de setembro, em Los Angeles e, no início de outubro, nos Festivais de Cinema de Nova York e do Rio de Janeiro. A NOVA AQUISIÇÃO DO MOCA É UM BURACO NO SOLO
Foi essa vontade de liberdade que fez o artista Michael Heizer proibir Virginia Dwan de vender o Double Negative. Assim como fez com Smithson, foi Dwan quem financiou, entre 1969 e 1970, a produção da peça de Heizer, que consiste em duas fendas de 9 metros de largura e 15 de profundidade, possíveis a partir da remoção de 240 mil toneladas de terra e pedras no Deserto de Nevada, a quase 130 quilômetros de Las Vegas. Diante da impossibilidade de venda, a galerista então doou o trabalho para o Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles, em 1984.
Em dezembro do ano seguinte, com o título A Nova Aquisição do MOCA É Um Buraco no Solo, uma matéria publicada no Los Angeles Times informava que, de acordo com a vontade do artista, o museu não ficaria responsável por qualquer tipo de manutenção da peça, permitindo até mesmo que, eventualmente, a natureza tomasse de volta o espaço usado pelo artista para o trabalho, através da erosão ou de ações climáticas. Já nos primeiros cinco anos de atividade, a Fundação Dia também chamou atenção da imprensa e do meio de arte da época para o tipo de obra que estava financiando. Entre elas estava um conjunto de obras de Walter De Maria: The Vertical Earth Kilometer (1977) – um cilindro de bronze de 1 metro de comprimento e 5 centímetros de diâmetro enterrado, verticalmente, no meio do Friedrichsplatz Park, em Kassel, na Alemanha; The New York Earth Room (1977) – 197 metros cúbicos de terra, pesando mais de 127 mil quilos, espalhados por 335 metros quadrados de um apartamento em Nova York; The Lightning Field (1977) – 400 para-raios de aço inoxidável polido instalados em uma área de 1 milha por 1 quilômetro em uma extensão remota do deserto do oeste do Novo México; e The Broken Kilometer (1979) – formado por 500 cilindros de bronze polido, cada um com 2 metros de comprimento e 5 centímetros de diâmetro. A instituição não revela quanto foi investido na época para a realização desses trabalhos, mas reafirma ainda hoje seu interesse por uma produção artística que se realize fora dos limites físicos convencionais das instituições de arte. No mês de setembro, inaugurou seu projeto mais recente – o primeiro comissionado fora dos EUA desde 7000 Oaks, de Joseph Beuys, realizado em Kassel, em 1982. Puerto Rican Light (Cueva Vientos), de Jennifer Allora e Guillermo Calzadilla, é um conversor de energia solar instalado em uma caverna de uma reserva natural em Porto Rico. Esse conversor alimenta a peça Puerto Rican Light (to Jeanie Blake) (1965), de Dan Flavin, também instalada na caverna. O deslocamento proposto pelo trabalho é parte da experiência do espectador, como em The Lightning Field e Spiral Jetty, e pode ser visto até 23 de setembro de 2017.
FOTOS: ACIMA, TOM VINETZ/OBRA DE MICHAEL HEIZER/TRIPLE AUGHT FOUNDATION. CORTESIA DO ARTISTA E GAGOSIAN GALLERY. ABAIXO, MYRITZA CASTILLO ©ALLORA & CALZADILLA/CORTESIA DIA ART FOUNDATION
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A CARA DO BRASIL Construída a partir de uma arqueologia de períodos variados, a coleção do jornalista Celso Fioravante traça um retrato original do País em cerca de 500 obras L U C I A N A PA R E J A N O R B I AT O
NO CENTRO DA CAPITAL PAULISTA, EM UM PRÉDIO TOMBADO PELO PATRIMÔNIO HISTÓRICO, mora o jornalista Celso Fioravante. E ele
não está sozinho. Há um minijardim botânico numa sacada do apartamento decorado com belos móveis modernistas, sem ostentação. Além das plantas, que o jornalista reproduz das mudas destinadas às duas casas que está construindo na Ilha de Marajó, outros moradores lhe fazem companhia. São as cerca de 500 obras de arte que ele vem amealhando ao longo de quase 20 anos. “Sempre tive um interesse latente pelas artes plásticas, desde a universidade (Jornalismo na PUC-SP), mas comecei a colecionar quando comprei minha primeira obra, uma Vânia Mignone. Foi em 1997, quando comecei a trabalhar com artes visuais na Folha de S.Paulo”, conta Fioravante à seLecT. Sua coleção reside completa no apartamento. São cerca de 150 obras penduradas em paredes superlotadas, como o belíssimo retrato Mulher com Cachorro, da fase pré-abstração geométrica de Samson Flexor. Guardadas no escritório ficam as outras perto de 350, compostas em grande parte de papéis. “Começar a colecionar é fácil. Difícil é parar.” Fioravante compra obras em galerias e feiras, como todo colecionador, mas adquiriu um know-how particular em leilões, dos quais prefere participar pessoalmente, deixando os lances via internet em último caso. Internet e redes sociais, aliás, são para Fioravante a causa da banalização da arte do presente. “Não me interesso por nada da produção atual. Meu foco são artistas que tenham mais de 60 anos e de preferência não estejam conectados no Facebook e no Instagram, que não frequentem vernissages e que, quando eu encontrar, tenham algo realmente novo para me contar ou me mostrar”, diz. SELECT.ART.BR
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Celso Fioravante no sofá de sua sala, sob o retrato a óleo Mulher com Cachorro, de Samson Flexor
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Para ampliar e manter sua coleção, Fioravante usa seus rendimentos de jornalista e dono do Mapa das Artes, agenda mensal que desde 2002 faz a rota das galerias nas versões impressa e online. Não gosta de ganhar obras e não costuma aceitá-las (“Ganhei 1% do que as pessoas pensam”), pois prefere escolher os trabalhos. Também não troca trabalho por obra (“Trabalho é a única coisa tenho para vender”). O que significa limitação orçamentária, ao contrário dos colecionadores de peso. “Me interesso por aquilo que é possível, não vou me interessar por um vaso de flores do Guignard, ou um Portinari, porque para mim são inacessíveis. Me interesso por obras que me digam alguma coisa, por artistas com os quais eu conviva e tenha afinidade, não necessariamente contemporâneos.” Essa é uma das razões pelas quais seu acervo pessoal tem uma dinâmica própria de representação da brasilidade. Além da restrição de caixa, Fioravante tem a curiosidade do jornalista que quer conhecer todos os meandros do circuito de arte e se interessa por diversos aspectos da cultura nacional. Por isso, a abrangência e a variedade das peças são grandes. “A coleção de Celso tem uma pluralidade fascinante”, diz a curadora Denise Mattar à seLecT. “Ele não está fazendo uma coleção SELECT.ART.BR
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especulativa, por isso não se deixa prender a estilos ou técnicas. Instigantemente livre, sua coleção vai do antigo ao moderno, da arte indígena ao contemporâneo, estabelecendo conexões entre os artistas e revelando ligações entre obras.” LINHAS TEMÁTICAS E CURADORIAS
Na mesma medida em que identifica linhas temáticas como Corpo e Sexualidade e Misticismo e Religião dentro de sua coleção, Fioravante distribui pequenas curadorias pela casa. Na sala, há um recorte da produção dos concretos e neoconcretos, com obras como a tela Sem Título de Raymundo Collares (1966) e Composição, de Ivan Serpa (1951). Uma parede do escritório traça o que ele chama de Retrato do Brasil. “É onde há alguns dos meus preferidos: Rubens Gerchman (Lindoneia), Nelson Leirner
À esquerda, paredes da sala de estar forradas de obras de períodos e estilos variados. À direita, rodo de borracha de Rodrigo Cass pendurado no banheiro de visitas
“Meu foco são artistas de mais de 60 anos que não estejam conectados no Facebook”
(Atlas, da série Right You Are If You Think You Are, 2003), Lygia Pape (Sem Título), Oswaldo Goeldi (O Ladrão), Leda Catunda (Bola Mundo) e alguns novos de que eu gosto, como Tonico Lemos Auad (Sem Título) e Peter de Brito (Bijouterize, 2007).” Na pequena sala de estar, uma profusão de obras que vão de academismo anônimo a Zed Nesti (Rosto de Mulher com Máscara, 2013), passando por dois delicados trabalhos do japonês Nobuhiko Suzuki, deixam abertas possibilidades de leitura. No banheiro de visitas, um rodo de borracha, de Rodrigo Cass. Quem cuida da catalogação e da conservação das obras (fonte de despesas enormes) é o próprio colecionador. Quando percebe que está perdendo o controle – o que, segundo ele, acontece uma vez por ano –, chama o amigo e assistente João Luis Chiquito para ajudar. Fioravante declara não ter noção do valor total de sua coleção, mas afirma que mais perdeu dinheiro do que ganhou. Mesmo assim, conseguiu bons negócios e tem peças importantes. “Pinturas de Antonio Maluf e Judith Lauand, um Nelson Leiner dos anos 1970, um guache de Raymundo Collares e uma pequena e rara escultura de Sergio Camargo podem ser as mais valiosas, mas elas só terão algum valor quando estiverem à venda e houver algum comprador interessado nelas”, afirma. Sobre as aquisições, reconhece que o mercado de preços altos, como o brasileiro, não facilita. “Houve uma hipervalorização da arte brasileira que não corresponde ao crescimento do mercado. Não surgiram colecionadores aos milhares para justificar essa valorização, o que acho totalmente contraproducente. É uma diferença brutal que inviabiliza que eu compre hoje como eu comprava das galerias.” Mas o valor monetário não parece ser um dado crucial quando o jornalista compra uma obra. “O que eu gosto na minha coleção – e de ver em outras coleções – é quando elas fogem do óbvio.” Ao dar dicas para quem quer começar a colecionar, Celso Fioravante é enfático: “Compre aquilo que você gosta de ver, que te entusiasma, e não fique preocupado se o artista é conhecido ou desconhecido. Siga seu instinto e não tenha medo de comprar obra de um artista que ninguém conhece, porque, se o artista for consistente, um dia ele vai acontecer”. FOTOS: PAULO D’ALESSANDRO
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SÃO PAULO
CARTOGRAFIA POÉTICA
Imagem do cume do Pico da Neblina integra a instalação Mutações Geográficas: Fronteira Vertical (1969-2015), de Cildo Meireles
MARIO GIOIA
Seis dos mais interessantes artistas do cenário nacional integram o 34º Panorama da Arte Brasileira, mas o que fica é a ousadia da dupla de curadores Da Pedra, Da Terra, Daqui, título da edição 2015 do tradicional Panorama da Arte Brasileira, organizado pelo MAM-SP, tem no caráter territorial um dado central de sua concepção. Existe o território geográfico do Sudeste e do Sul brasileiro (e que se estende até o Uruguai), por conta das dezenas de peças, em especial os surpreendentes zoólitos, esculturas de pedra feitas entre 4000 e 1000 a.C. A ancestralidade vem em prol de uma cartografia poética. E há o território como campo de produções visuais nas mais diversas linguagens, a cabo de seis artistas dos mais interessantes no cenário nacional: Berna Reale, Cao Guimarães, Cildo Meireles, Erika Verzutti, Miguel Rio Branco e Pitágoras. Os curadores Aracy Amaral e Paulo Miyada não se esquivaram do risco e propuseram aos artistas obras especialmente feitas para a mostra. Um âmbito territorial para contemplar embates poético-visuais de variadas gradações. No desafio proposto, alguns nomes criam trabalhos mais pungentes. Contudo, o que permanece é a ousadia da dupla curatorial em dar liberdade e fomentar projetos intrigantes para os artistas; a tenSELECT.ART.BR
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34º Panorama da Arte Brasileira – Da Pedra, Da Terra, Daqui até 13/12, MAM-SP, Parque do Ibirapuera, Portão 3, SP, www.mam.org.br
tativa de evitar o literal nas relações entre as obras do hoje e as peças do outrora; e o escapar de uma “museificação” que poderia estancar as leituras sobre os dois blocos – nesse ponto, a expografia de Álvaro Razuk funciona de maneira exemplar para a passagem suave entre mundos tão diferentes. Cildo Meireles, o mais consagrado artista do recorte, finaliza um projeto comovente, Mutações Geográficas: Fronteira Vertical, iniciado em 1969. Fotografia, maquete e vídeo se coadunam na troca, física, entre uma porção do cume do Pico da Neblina (AM) por outro pedaço mínimo de minério extraído das lavras profundas da mineração nacional (hoje tão em evidência, por meio da tragédia ambiental de Mariana). Mas isso não encerra a excepcional participação do carioca. Arte Física: Clareira (Caixas de Brasília), de 1969, é dos momentos mais inspirados da nossa arte, em sintonia com o grande legado que a internacional land art deixou para a contemporaneidade. Arte Física: Cordas: As Nascentes do Arco-íris revela-se paradigmática na vertente conceitual de arte brasileira. Cao Guimarães cria em Filme em Anexo um registro sensível sobre o que não se apreende. “Filmador-viajante”, o mineiro desencava lascas de narrativa e, pela habilidade entre o epistolar e o imagético, cria um audiovisual memorável. Rima com o silêncio dos sedimentos em sambaqui. O ruído das formas estranhas de Verzutti, dos sons das instalações de Berna e de Rio Branco e das garatujas pictóricas de Pitágoras acaba por dar uma instabilidade sadia ao corpo da exposição. Harmonias forçadas não dão realidade ao contemporâneo.
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ENFRENTAR O COLOSSO PAULA ALZUGARAY
Curadoria em três tempos de Gisela Domschke elabora ensaio necessário sobre a beleza em tempo de caos e catástrofe ambiental O projeto glory hole da Galeria Jaqueline Martins é uma iniciativa que deve ser duplamente brindada. Primeiro, por dar vida útil a um espaço estigmatizado como inviável, dentro da lógica da arquitetura do espetáculo. Trata-se de uma microssala de 2,15 x 1,38 x 0,90, localizada debaixo da escada da galeria, mas perfeitamente penetrável e eficientemente ocupada por projetos artísticos especialmente concebidos ou adaptados para o local, como já ficou demonstrado em seus nove meses de uso. Segundo, porque dá vasão a um formato original de curadorias expandidas em três tempos, o que permite ao profissional convidado a elaboração de uma reflexão a médio prazo, escapando do ritmo frenético e das temporadas encurtadas que prevalecem nas agendas artísticas. De agosto de 2015 a março de 2016, Gisela Domschke ocupa o espaço com uma curadoria sobre a experiência da beleza e do sublime. Camila Sposati, Tonico Lemos Auad, Erika Verzutti e o filme Mondo Cane integram a seleção de A Beleza Ainda Vital, que se projeta sobre os tênues limites entre o perigo, o êxtase e a transformação. A primeira temporada da curadoria, de agosto a setembro de 2015, foi dividida em dois atos, em que foram apresentados o vídeo Darvaza (2012), de Camila Sposati, e Mondo Cane (1962), shockumentary de Gualtiero Jacopetti, Franco Prosperi e Paolo Cavara. Sposati nos agracia com uma das visões mais
A Beleza Ainda Vital - glory hole de agosto de 2015 a março de 2016, Galeria Jaqueline Martins, Rua Dr. Virgílio de Carvalho Pinto, 74, SP, www.galeriajaquelinemartins.com.br
Frame de Darvaza (2012), vídeo de Camila Sposati realizado em uma cratera criada por desastre ecológico no Turcomenistão
apocalípticas da face da Terra e, por que não, da produção artística contemporânea. Trata-se da filmagem de uma cratera em chamas, conhecida como Darvaza – portão, em turcomano –, apelidada de Porta do Inferno. Apesar da beleza avassaladora da cratera brilhante, o local é resultado de um desastre ecológico ocorrido em 1999: o desabamento de uma plataforma de escavação de petróleo que avaliava um vazamento de gás vindo das profundezas da terra. O buraco queima há décadas. Investigando processos de transformação da matéria em energia, Sposati foi atraída pelo lugar e realizou ali uma performance de viés ritualístico. Fixou a câmera a uma distância considerável e documentou o anoitecer no Deserto de Karakum (Turcomenistão), enquanto caminhava lentamente à beira do precipício. Atualmente, está em cartaz Clairvoyant (2008), de Tonico Lemos Auad, que consiste em uma escultura pendular na forma de batatas sustentadas no ar por fios de couro. Do desafio ao sublime, de Sposati, aos processos de morte e vida de Auad, ansiamos, como indica a curadora, em buscar “a epifania imediata para intermediar e compreender a experiência estética”.
FOTOS: FRAME DO FILME/ CORTESIA GALERIA JAQUELINE MARTINS. NA PÁGINA AO LADO, EDOUARD FRAIPONT
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LIVROS
TERRAS POR ARAR Ao descrever sua iniciação ao mundo da arte contemporânea durante participação na Documenta 13, Enrique Vila-Matas reinventa a crítica O leitor que opte pelo original em espanhol Kassel No Invita a La Lógica – e que, portanto, não tenha de passar pelo texto de orelha da edição em português do novo Enrique Vila-Matas – vê-se induzido a entrar no site da Documenta 13 para confirmar se o autor esteve realmente entre os artistas convidados por Chus Martinez e Carolyn Christov-Bakargiev para a edição de 2012. Ao longo da leitura do romance, a dúvida repete-se a respeito da realidade de um ou outro personagem. O leitor contumaz de Vila-Matas se lembrará, então, de ter sido levado a buscas similares em Bartleby e Companhia, por exemplo – qual a veracidade da lista de criadores que são subitamente impedidos para sempre de escrever? Mas o que sempre se acaba por concluir é que pouco importa o que é fato e o que é ficção, se estamos no território da autoficção de Vila-Matas. Como em romances anteriores, acompanhamos a viagem de um escritor dominado pelo ceticismo. Se até aqui seu grande tema havia sido a morte da literatura, em Não Há Lugar para a Lógica em Kassel, ele repisará terras batidas por exércitos pós-modernos, enfrentará o fim da arte e “os detratores da arte contemporânea”. E, ao viver um processo de “colapso
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Detalhe de Untilled (2012), obra de Pierre Huyghe que integrou a Documenta 13 e ilustra capa do livro de Vila-Matas
Não Há Lugar para a Lógica em Kassel Enrique Vila-Matas, Cosac Naify, 288 págs., R$ 47
e recuperação”, entrará em sintonia com o leitmotiv da Documenta 13. Em capítulos breves, que descrevem três longos dias de imersão em Kassel, o autor apresenta-se como leigo em arte contemporânea – embora definitivamente não o seja – e habilmente introduz o leitor a um “novo modo de ver as coisas”. Como Alice correndo atrás do coelho no País das Maravilhas, ele (ou o leitor) recebe a advertência: os trabalhos de Documenta não devem ser contemplados, mas vividos. Essa percepção do invisível nasce de uma corrente de ar, O Impulso Invisível, de Ryan Gander, e ganha maturidade entre as névoas da instalação Untilled (Sem Cultivar), de Pierre Huyghe, o intrigante campo de esterco, onde o escritor passa as lentas horas da última noite. Entre esses dois cumes narrativos, assistimos à desconstrução de noções preconcebidas. Diante da instalação This Variation, de Tino Sehgal, o escritor-viajante descobre que não existe inovação em arte contemporânea. “Deixemos isso para o mundo dos sapatos e dos carros.” A partir do estranhamento do trabalho de Pratchaya Phintjong com moscas tsé-tsé, ele realiza, atônito, que a instância política é inseparável da investigação artística. Acaba por desistir da ideia de vanguarda, mesmo que reconheça que o impulso invisível da arte contemporânea tenha sido dado lá atrás, por Mallarmé, quando este disse a Manet para não pintar a coisa em si, mas o efeito que ela produz. O escritor (ou o leitor) entende, afinal, que arte não tem a ver com lógica, mas é um lugar “para duvidar”. (Sua próxima viagem literária poderia ser ao Lugar a Dudas, projeto de residências artísticas em Cali, na Colômbia.) Como Huyghe, que transformou a natureza ordenada do Parque Karlsaue em um espaço de construção e destruição, por cultivar, Vila-Matas reinstaura a crítica de arte dentro de um romance literário. PA
FOTO: CORTESIA COSAC NAIFY
EM (RE)CONSTRUÇÃO
O S C A V A L E T E S D E L I N A V O LTA R A M 106
Quarenta e sete anos e muita tecnologia separam os cavaletes criados por Lina Bo Bardi em 1968 e os da mostra de longa duração do acervo do Museu de Arte de São Paulo, que abre em 10 de dezembro. “O material é o mesmo, o desenho é o mesmo” diz à seLecT o arquiteto Martin Corullon, que ao lado de Gustavo Cedroni comanda o Metro Arquitetos Associados. Mas na verdade há vários detalhes imperceptíveis que conferem mais resistência e praticidade à nova versão. O escritório foi chamado no fim de 2014 pelo presidente do Masp, Heitor Martins, e pelo diretor artístico, Adriano Pedrosa, para ajudar no processo de restauração da visibilidade do acervo, da marca e do edifício. “Nas mostras ao longo do ano, criamos linhas expográficas que dialogam com os projetos de Lina. A volta dos cavaletes é a etapa final”, diz Corullon. Argumentos técnicos sustentaram a retirada de cena dos suportes, em 1996. “Disseram que o concreto quebrava,
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que era pouco flexível para lidar com diferentes obras, que era sensível às vibrações da Avenida Paulista, com o tráfego de carros e ônibus”, continua ele. Para corrigir esses problemas, os cavaletes foram refeitos com nova tecnologia. A base de concreto perde o risco de quebra, graças a uma armação interna de aço inox. Sua nivelação no piso irregular do Masp, antes feita com peças de madeira, ganha discos de Neoprene, que se acomodam aos desníveis e ainda absorvem tremores. Os cristais que servem de parede para as obras têm quatro tamanhos diferentes, com furações fixas. É nelas que as travessas de inox que sustentam as obras são parafusadas, o que facilita a troca de trabalhos. “Isso permite que o debate que os cavaletes propõem seja feito nos termos que interessam – por sua forma de expor inovadora e radical – e não por questões técnicas”, resume Corullon. LPN
FOTO: ILANA BESSLER/ ,MASP