JUN / JUL 2016
POPULAR
A R T E E C U LT U R A C O N T E M P O R Â N E A
POPULAR WWW.SELECT.ART.BR
BRUNO FARIA
Preto Velho Cubista III (2015), de Rodrigo Andrade
CARLOS MONROY VILMA EID OSGEMEOS A MÃO DO POVO BR ASILEIRO
JUN/JUL 2016 ANO 05
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EDIÇÃO 30 R$ 16,90
ISSN
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ÍNDEX
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PORTFÓLIO
COLEÇÃO
PROJETO
DESIGN
ARTE E EDUCAÇÃO
RODRIGO ANDRADE
VILMA EID
LATIN LOVE
CRAB
TAMO JUNTO
Galerista e colecionadora
O artista colombiano
Novo centro de
MAM-SP cria programação
Pintor revisita a arte
questiona o termo arte
Carlos Monroy interpreta a
referência confere o
sob medida para tribos que
popular da Praça
popular e as categorizações
música brega em um pôster
estatuto de design ao
frequentam o Parque do
da República
do sistema de arte
exclusivo para seLecT
artesanato brasileiro
Ibirapuera aos domingos
96 CULTURA DE MASSA
NO REINO DO SELFIE Mostras com artistas de projeção internacional atraem o grande público e influenciam a saúde financeira de instituições
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SEÇÕES
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Editorial Cartas / seLecT Expandida 7
Selects / Agenda Acervos Itaú Cultural
52
Coluna Móvel
PORTFÓLIO
Fogo Cruzado
BRUNO FARIA
Mundo Codificado
Turismo e indústria cultural na mira do
Em Construção
artista pernambucano
74 INTERNACIONAL
OSGEMEOS Projeto da dupla em Paris aborda espoliação de judeus e jamais será visto
80 EXPOSIÇÃO
A MÃO DO POVO REENCENADA Masp refaz mostra de Lina Bo Bardi que inaugurou o museu em 1969
92 PATRIMÔNIO
O SHOW NÃO PODE PARAR Novo MIS-RJ prioriza espetáculo em detrimento da preservação do acervo FOTOS: DIVULGAÇÃO PINACOTECA DE SÃO PAULO, CORTESIA BRUNO FARIA, JR, HANS GUNTER FLIEG/ACERVO INSTITUTO MOREIRA SALLES, MIS-RJ
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E D I TO R I A L
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ARTE PARA QUEM? Nos últimos anos de vida, o crítico Mario Pe-
das como depósito de pianos roubados, du-
drosa apontou que, “na realidade cotidiana,
rante a ocupação nazista de Paris. São feitas
as massas não mostram nenhum interesse
para quem? Para a memória, para a posteri-
pelas artes. Aliás, as chamadas elites tam-
dade, para a humanidade, ou para ninguém.
bém não”. Foi Aracy Amaral quem se lembrou
Entre o silêncio dos subterrâneos e a chuva
do desalento de Pedrosa diante da “desfun-
de selfies nas megaexposições, a questão
ção social da arte”, no primeiro capítulo do
lançada em nosso Fogo Cruzado para artis-
seu definitivo Arte para Quê? A Preocupação
tas, curadores e diretores de museus é: a arte
Social na Arte Brasileira 1930-1970 (São Pau-
contemporânea é popular?
lo: Itaú Cultural/ Studio Nobel, 2003), editado
Entre o sim, o não e o talvez, esta edição
originalmente em 1984.
#30 enumera algumas iniciativas notáveis.
Neste maio de 2016, quando a cultura bra-
Como o programa de exposições da Galeria
sileira correu o risco de perder voz política,
Estação, que promove a aproximação entre
com a ameaça de rebaixamento do Minis-
a crítica erudita e a arte popular; ou o núcleo
tério da Cultura a secretaria, a pesquisa de
educativo do Museu de Arte Moderna de São
Aracy Amaral sobre as relações entre arte e
Paulo, que quebrou um muro entre dois mun-
sociedade – e os artistas que colocam o seu
dos: o público da arte e o público do Parque
fazer a serviço de uma sociedade que gosta-
do Ibirapuera, ao criar uma programação sob
riam de transformar ou que advogam politi-
medida aos interesses do “outro” público.
camente pela “desnecessidade” de seu ofício
Ser pop e não ser é uma ambiguidade sugeri-
– tornou-se subitamente esclarecedora.
da nas performances e instalações de Bruno
Questões lançadas ali – para que e para
Faria, cujo trabalho se situa em algum lugar
quem o artista trabalha – rebatem direta-
entre o caos da realidade e a ordem da insti-
mente aqui nas páginas desta trigésima edi-
tuição; e de Rodrigo Andrade, capa da edição
ção de seLecT, dedicada à arte popular e à
com a pintura Preto Velho Cubista III (2015).
popularização da arte.
Com esse trabalho, Andrade desconstrói um
Ecoam com força nos porões de uma impor-
ícone da cultura popular brasileira utilizando
tante instituição de arte francesa, que con-
um procedimento que já foi erudito, mas hoje
vidou a dupla OSGEMEOS para elaborar um
é pop. Com o pincel cubista, Andrade chega
trabalho nas paredes de um túnel que jamais
a um Preto Velho picassiano. E existe alguma
será aberto ao público. “Há grafiteiros que fi-
coisa mais popular que a Mona Lisa?, indaga
zeram coisas extraordinárias nas ruas e nin-
Emmanuel Nassar no Fogo Cruzado. Existe
guém sabe e ninguém viu”, diz Hugo Vitrani,
sim: Picasso e o Preto Velho.
curador do projeto, na reportagem exclusiva de Adriana Ferreira da Silva. Por escapar dos circuitos institucionais da arte – quase sempre segregados e frequentados por uma comunidade de “iniciados” –, o grafite e a arte urbana são tidos como manifestações pop. Mas as pinturas nas galerias
Paula Alzugaray
secretas do Palais de Tokyo, que foram usa-
Diretora de Redação
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EXPEDIENTE
EDITOR E DIRETOR RESPONSÁVEL: DOMINGO ALZUGARAY EDITORA: CÁTIA ALZUGARAY PRESIDENTE-EXECUTIVO: CARLOS ALZUGARAY
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EDITORA RESPONSÁVEL: PAULA ALZUGARAY
DIRETORA DE REDAÇÃO: PAULA ALZUGARAY DIREÇÃO DE ARTE: RICARDO VAN STEEN DESIGNER: SAUL SALES REPORTAGEM: LUCIANA PAREJA NORBIATO REPORTAGEM DIGITAL: ANA ABRIL CONSELHO EDITORIAL: GISELLE BEIGUELMAN E MÁRION STRECKER COLABORADORES
Felipe Stoffa, Camila Régis, Adriana Ferreira Silva, Cristiana Tejo, Felipe Martinez, Giancarlo Latorraca, Mario Gioia, Silas Martí
PROJETO GRÁFICO
Ricardo van Steen e Cassio Leitão
SECRETÁRIA DE REDACÃO COPY-DESK E REVISÃO PRÉ-IMPRESSÃO
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PAT R O C Í N I O :
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COLABORADORES
12 giancarlo latorraca
Diretor técnico do Museu da Casa Brasileira, curador da exposição e autor do livro Maneiras de Expor: Arquitetura Expositiva de Lina Bo Bardi, prêmio APCA-2014 - exposição P 80
felipe martinez
Doutorando em História da Arte pela Unicamp. Ministra o curso de História da Arte Moderna no MAM-SP - reviews P 99
silas martí
Repórter de artes visuais e arquitetura da Ilustrada (Folha de S.Paulo) e diretor de redação da Harper’s Bazaar Arte, também colabora com Artforum, Frieze e The Art Newspaper - coluna móvel P 30
cristiana tejo
Curadora independente, doutoranda em Sociologia (UFPE) e cofundadora do Espaço Fonte – Centro de Investigação em Arte. Foi diretora do Mamam, no Recife, e curadora de artes visuais da Fundaj - coluna móvel P 32
mario gioia
Graduado pela ECA-USP, coordena o projeto Zip’Up (Zipper Galeria), integra o grupo de críticos do Paço das Artes e é crítico convidado do Programa de Exposições do CCSP - reviews P 106
adriana ferreira silva
Jornalista independente em Paris. Além de colunista e correspondente da revista Marie Claire, colabora para revistas, jornais e sites - grafiti P 74 SELECT.ART.BR
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C A R TA S
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Ficou ótima a edição da revista sobre o Rio. Adorei.
IGOR VIDOR E X _MISS_FEBEM DIAS & RIEDWEG MARCOS CHAVES A R T E E C U LT U R A C O N T E M P O R Â N E A
OPAVIVAR Á!
Fotografia da série Ramos (2015), de Julio Bittencourt
ABR / MAI 2016
Leão Serva, jornalista e escritor
RIO
Gostei do comentário da Virginia Medeiros sobre o Fogo Cruzado da edição 29. Ela tem uma visão bem analítica do problema. Denise Gonçalves, via Facebook
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S E L E C T E X PA N D I D A O N L I N E
Escreva-nos Rua Itaquera, 423, GALO PRETO
Pacaembu, São Paulo - SP
Aos 81 anos, o Mestre Galo Preto gravará seu primeiro CD graças ao Rumos 2015-2016, o principal programa para o fomento à produção artística do Itaú Cultural. Além disso, será realizado um registro em vídeo do processo de criação do músico, conhecido por suas improvisações ao ritmo do coco de embolada. Confira alguns dos vídeos do artista, considerado Patrimônio Vivo de Pernambuco.
CEP 01246-030 www.select.art.br faleconosco@select.art.br facebook.com/selectrevista twitter.com/revistaselect plus.google.com/+SelectArtBr
http://bit.ly/galo-preto
instagram.com/revistaselect
LOJAS DE MUSEUS
Cadernos, itens de decoração, materiais artísticos e, claro, livros e catálogos de exposições. Tudo isso e mais pode ser encontrado nas lojas de museus escolhidas pela seLecT, como a de Inhotim (dir.). http://bit.ly/lojas-de-museus
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JALOO
ENTRADA LIVRE
Falando do popular, mais concretamente do tecnobrega, destaca-se a reinvenção do gênero realizada por Jaloo. Para curtir a mistura do pop com grandes doses de bass music e do brega, basta acessar o site da seLecT e assistir alguns dos melhores clipes do artista.
Não há desculpa para não visitar um dos 3,2 mil museus espalhados pelo Brasil: a seLecT fez uma seleção de atrações com entrada franca, como o Museu Oscar Niemeyer (esq.), em Curitiba. Saiba mais no site.
http://bit.ly/jaloo-clipes
http://bit.ly/entrada-livre FOTOS: CORTESIA HUGO NASCIMENTO, WILLIAM GOMES, DIVULGAÇÃO
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AGENDA SÃO PETERSBURGO
MATERIALISMO E FÉ: JIM SHAW E O SUBCONSCIENTE DA AMÉRICA 14
Entre outubro de 2015 e janeiro de 2016, os três andares expositivos do New Museum de Nova York foram transformados em um grande acervo do lixo cultural e da contracultura do século 20. Panfletos políticos conspiratórios, iconografia de seitas, materiais didáticos religiosos, HQs, coleções de pintura vernacular, pôsteres e capas de discos, entre outros materiais obscuros e bizarros, são compilados pelo artista norte-americano Jim Shaw e processados em uma obra que escancara o subconsciente da América.
Apontado pela curadoria do New Museum como “um dos artistas mais influentes e visionários dos Estados Unidos”, Shaw nasceu em Michigan e desde 1970 é figura carimbada da cena artística de Los Angeles. Sua obra distingue-se por rigorosas análises estruturais de formas negligenciadas pela “alta” cultura. A mostra no New Museum foi composta de uma ampla seleção de obras que se confundem com itens de coleções, também inseridos no espaço expositivo. O resultado é um grande campo de forças e conexões entre a psique do artista e as histórias políticas, sociais e espirituais dos Estados Unidos. Em junho, sua obra estará em exposição na coletiva Realisms, no Museu Hermitage, em São Petersburgo, Rússia.
FOTO: MARIS HUTCHINSON/EPW STUDIO/CORTESIA NEW MUSEUM
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RIO DE JANEIRO
LOUCURA E MISTICISMO Das Virgens em Cardumes e da Cor das Auras, até janeiro/2017, Museu Bispo do Rosário, Estrada Rodrigues Caldas, 3.400 | www.museubispodorosario.com Apresentando cerca de 60 obras, a curadora da mostra, Daniela Labra, decidiu o recorte da exposição a partir de trabalhos que remetem às perspectivas místicas e performáticas de Bispo do Rosário, como, por exemplo, seu famoso Manto da Apresentação (acima). A exposição também inclui trabalhos de outros artistas, uma rotina de performances que ocorrerá ao longo da mostra e uma seleção inédita de fotografias de Bispo, feitas pelo francês Jean Manzon.
LONDRES
FORA DOS TRÓPICOS Volpi: Nos Cruzamentos da Arte Moderna Brasileira, até 29/6, Cecilia Brunson Projects, Royal Oak Yard, Bermondsey Street, SE1 3GD www.ceciliabrunsonprojects.com Com vistas a introduzir grandes figuras da arte moderna brasileira ao público britânico, a galeria inglesa exibe individual de Alfredo Volpi (acima, Ampulhetas, 1957) e oferece um amplo panorama de sua obra, contemplando 32 telas de 1940 a 1980, passando pelas famosas bandeirinhas, marcas de sua produção. O crítico Michael Asbury assina a curadoria.
S Ã O PA U LO
ARTE E CIDADE SITU, até 25/6, Galeria Leme, Avenida Valdemar Ferreira, 130 www.galerialeme.com Com curadoria de Bruno Almeida, o projeto de site-specifics para o exterior da galeria Leme traz em sua quarta edição Matriz Fantasma (Velhas Estruturas, Novas Glórias, 2016), de Beto Shwafaty. A obra é uma apropriação de um trapiche original de cana de açúcar ativado ciclicamente a partir de um motor. Pela ausência de cana para ser moída, a máquina torna-se improdutiva. Ao longo da exposição, o objeto será desmontado e remontado de diversas formas. No fim do período, o trapiche será removido, restando apenas uma trilha sonora no espaço. FOTOS: DIVULGAÇÃO/RICARDO GAMA, RODRIGO LOPES, FILIPE BERNDT/GALERIA LEME
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AGENDA
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Sila (Cansu Dere, ao centro) é a heroína que terá de conviver com o marido tradicional, Boran (Mehmet Akif Alakurt), para ajudar seus pais biológicos, Celil (dir., Menderes Samacilar) e Bedar (Zeynep Eronat)
TELEVISÃO
TURQUIA É O NOVO MÉXICO Sequestros, vinganças, encontros e desencontros e um lacrimoso final feliz. Personagens histriônicos, caracterizados por interpretações, figurinos e visagismo extravagantes. Direção de arte fora do padrão Globo. Heroínas que suportam estoicamente humilhações e privações para receber a recompensa no final – geralmente, a paz conjugal com o galã cheio da grana. De que país é essa novela? Quem respondeu México errou. Acapulco deu lugar a Istambul na nova vertente teledramatúrgica que está fazendo a cabeça de muito noveleiro por aí. E quem melhor que Sherazade, na releitura moderninha de As Mil e Uma Noites (TV Band, 2015), para abrir com chave de ouro a presença das novelas turcas no horário das 20 horas? Depois vieram Fatmagul – A Força do Amor (TV Band, 2015-2016) e Sila – Prisioneira do Amor, atualmente no ar. SELECT.ART.BR
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Ao contrário das mocinhas mexicanas, as protagonistas do Oriente Médio debatem o papel da mulher numa sociedade ainda dividida entre a tradição dos clãs e as inovações do século 21. Que o diga Sila (Cansu Dere), vendida pelo pai quando criança para uma família rica. De uma só vez, descobre que é adotiva e tem de se casar com Boran (Mehmet Akıf Alakurt, ex-modelo internacional) para cumprir a dívida de honra de seu irmão biológico. Agora, a jovem de 18 anos tem de obedecer ao marido tradicional, mesmo tendo recebido uma educação liberal. Na indecisão da protagonista entre o marido e seu ex-namorado, Emre (Kartal Balaban), a novela chega a 4 pontos no Ibope. Na grade da Band, só perde para os noticiários e a competição gastronômica Masterchef. Ainda está longe da média de 12 pontos das novelas bíblicas da Record, mas vem aumentando o público com relação às antecessoras turcas. LPN FOTO: WILLIAM FOTO: GOMES/INHOTIM CORTESIA TV BAND
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RIO DE JANEIRO
ACERVO RENOVADO OSGEMEOS no Museu Casa do Pontal Museu Casa do Pontal, Estrada do Pontal, 3.295 www.museucasadopontal.com.br Otávio e Gustavo Pandolfo inauguraram a instalação O Bunker (dir.), que ficará permanentemente exposta nos jardins do museu. O trabalho é mais um resultado de encontros entre arte popular e contemporânea, apresentando elementos escultóricos e de pintura, com a parte externa de concreto e uma escultura em seu interior. Segundo a dupla, a obra possui inúmeros propósitos, como dialogar, apontar, alertar e divertir, objetivos fundamentais da arte.
S Ã O PA U LO
MEIO SÉCULO NO ESPELHO Changing Rooms – Leandro Erlich, de 7/6 a 10/7, Shopping Iguatemi São Paulo, Av. Brigadeiro Faria Lima, 2.232 Para celebrar seu 50º aniversário, o Shopping Iguatemi São Paulo presenteia seus clientes com a instalação Changing Rooms (2008, esq.), do artista argentino Leandro Erlich. “O objetivo é ampliar o acesso à arte contemporânea e criar condições para que o público que não é frequentador de museus e galerias tenha um primeiro contato”, diz Carlos Jereissati, presidente do Grupo Iguatemi, à seLecT. A obra é composta de vários provadores, com espelhos e molduras estrategicamente instalados, de forma a criar uma sensação de infinito. Com este projeto, o grupo reforça sua identidade em torno das relações entre arte, moda e estilo de vida. Desde 2013, obras da coleção de arte contemporânea do grupo são expostas nos corredores do Iguatemi JK, experiência que em breve poderá se estender também para o primeiro shopping center em SP.
RIO DE JANEIRO
LITERATURA EXPANDIDA Leituras Para Mover o Centro Ana Hupe, até 20/6, CCBB-RJ, Rua 1º de Março, 66 www.culturabancodobrasil.com.br/portal/rio-de-janeiro Para destacar a literatura feminina negra, produção até hoje marginalizada, Ana Hupe apresenta uma instalação com fotografias e vídeos, a fim de criar um dispositivo de leitura experimental. A artista entrevistou mulheres negras que vivem na Alemanha e imigrantes africanas no Brasil, perguntando sobre seus livros prediletos, o que também deu origem a uma série de retratos (dir., Anna de Barros). FOTOS: MARCELO OMENA/MUSEU CASA DO PONTAL, JUSTIN JIN/LEO XU PROJECTS, ANA HUPE
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AGENDA
S Ã O PA U LO
EXPERIMENTAÇÃO E DIVERSIDADE NO PRÊMIO BRASIL DE FOTOGRAFIA Prêmio Brasil de Fotografia 2015, de 14/6 a 21/8, Espaço Cultural Porto Seguro, Al. Barão de Piracicaba, 610 | www.premiobrasilfotografia.com.br A diversidade que não se viu no ministério formado pelo governo interino de Michel Temer deu o tom na seleção da nova edição do Prêmio Brasil de Fotografia, que este ano será instalado no novíssimo Espaço Cultural Porto Seguro, em São Paulo. Trabalhos que abordam e discutem questões de gênero, raça e direitos humanos de minorias foram especialmente observados pela comissão de seleção comandada pelo curador Cildo Oliveira na análise dos 1,7 mil projetos inscritos. Entre os seis projetos premiados e as seis menções honrosas concedidas este ano, foram contemplados dois trabalhos que contribuem para a discussão. Leticia Ranzani, que levou o Prêmio Revelação, reinventa o autorretrato num projeto realizado com SELECT.ART.BR
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mulheres entre 18 e 60 anos. O trabalho consiste na coleta de descrições de perfis em sites de relacionamento, que levantam questões sobre o papel social da mulher. Menção honrosa, Diego Lajst realizou um projeto colaborativo com imigrantes africanos em Paris, em busca de legalização de sua condição de refugiados. As investigações sobre formatos e conceitos da fotografia contemporânea também se destacam nos trabalhos de Dirceu Maués (Prêmio Bolsa Desenvolvimento de Projeto), Marlos Bakker (Ensaio Multimeios) e Luiz Baltar (acima), Prêmio Ensaio Impresso, que expõe panorâmicas capturadas pela câmera do celular no percurso de ônibus feito de casa (Bonsucesso, zona norte do Rio) para o trabalho (Botafogo, zona sul). “O Prêmio deve incentivar uma linha de trabalho em pesquisa de linguagem”, diz Cildo Oliveira à seLecT. Evandro Teixeira levou a categoria hors-concours Fotografia Especial, pelo conjunto da obra. O grande fotojornalista terá uma mostra individual com um recorte de 30 fotos que foram expostas recentemente em retrospectiva no Museu de Arte do Rio. PA FOTOS: LUIZ BALTAR
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AGENDA
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PIRACICABA
INGENUIDADE À VISTA 13a Bienal Naïfs do Brasil, 19/8 a 27/11, Sesc Piracicaba, Rua Ipiranga, 155, Centro | www.sescsp.org.br Em sua 13a edição, a Bienal de arte popular traz 126 obras de 86 artistas que enviaram trabalhos para a comissão de seleção, integrada por Clarissa Diniz, Claudinei da Silva e Sandra Leibovici. Dois nomes da Galeria Mezanino foram selecionados: Eduardo Ver e Nilda Neves. O paulistano ganhou dois dos quatro prêmios Destaque-Aquisição da mostra. A baiana de Brumado se divide entre a pintura e a profissão de cabeleireira (dir., vista de seu salão-ateliê).
NICE
BRASIL NAÏF NA FRANÇA Brasil Naïf, Uma Viagem Na Alma Brasileira - Fantasies Bresiliennes, até 3/10, Musée International d’Art Naïf Anatole Jakovsky, Château Ste. Hélène, 23, Avenue de Fabron A mostra exibe uma seleção de 50 artistas de destaque da arte naïf brasileira, com curadoria organizada pelo marchand Jacques Ardiés (dir. Edvaldo, A Barraca das Melancias, 2012), proprietário da galeria de mesmo nome, em SP. A exposição é montada a partir de uma linha cronológica, com seus primeiros registros datados de 1940, com objetivo de apontar os traços singulares da estética de artistas que não acompanhavam os movimentos artísticos vigentes no país.
S A LVA D O R
COM DIREITO A BRINCADEIRA Brinquedos à Mão – Coleção Sálua Chequer, até 26/6, Palacete das Artes, Rua da Graça, 289 | www.palacetedasartes.ba.gov.br A pesquisadora de cultura popular Sálua Chequer reuniu mais de 1,3 mil brinquedos artesanais (esq.) que marcaram diversas gerações e são até hoje presentes em comunidades do interior nordestino. A curadoria, assinada por Chequer e o artista Zé de Rocha, apresenta peças coletadas ao longo de 30 anos de pesquisa, disponibilizados para interação do público.
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FOTOS: VERA ALBUQUERQUE/DIVULGAÇÃO, CORTESIA FOTO: JACQUES WILLIAM ARDIÉS, GOMES/INHOTIM ANTÔNIO CHEQUER
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AGENDA AGENDA
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MÚSICA
ENTRE SINTETIZADORES E CARIMBÓS Cantor e produtor paraense, Jaloo apresenta um novo olhar sobre ritmos musicais do povão, aproximando o tecnobrega da ficção científica Com cerca de 150 mil habitantes, Castanhal, cidade a 68 quilômetros de Belém, é a terra natal de Jaime de Souza Melo Junior. Produtor e cantor de 27 anos, Jaloo, como é conhecido, mistura elementos de sua origem paraense, do carimbó ao tecnobrega, com bips de videogame e sons garimpados na internet. A habilidade do jovem autodidata (em entrevistas, Jaloo conta que aprendeu muita coisa via tutoriais do YouTube) para criar beats improváveis, por meio de programas de edição de som como o FruityLoops – hoje, considerado obsoleto –, colocou-o na efervescente cena musical paulistana. Após lançar um primeiro disco independente em 2013, batizado de Couve, composto apenas de covers de faixas como Baby, famosa na voz de Gal Costa, Jaloo caiu nas graças de Carlos Eduardo Miranda, que produziu nomes como a também paraense Gaby Amarantos, Cansei de Ser Sexy e Raimundos. Comandado por Miranda, o selo StereoMono lançou em outubro de 2015 o álbum #1, com músicas próprias e inéditas. A nova empreitada rendeu videoclipes artísticos que evidenciam sua estética andrógina à Björk e a participação em festivais de música de grande porte, como o Primavera Sound, em Barcelona. O gosto por aparelhos eletrônicos, batidas de funk, divas do pop americano e guitarradas paraenses cria o caldeirão de referências aparentemente díspares do cantor. O resultado, segundo alguns críticos e entusiastas, é o sci-fi brega. Ainda que a definição não seja suficiente para descrevê-lo, Jaloo mostra sua capacidade de compreender construções sonoras e reorganizá-las. CR SELECT.ART.BR
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O L I M P Í A DA C U LT U R A L
Apenas turista estrangeiro paga R$ 15 para emitir seu Pas-
CARIMBO PARA A ARTE
saporte Cultural Rio: todos os brasileiros, e mesmo os es-
Passaporte Cultural Rio www.passaporteculturalrio.com
emissão é pedida pelo site oficial do benefício, e sua entre-
trangeiros residentes legalmente no País, têm gratuidade. A ga é feita gratuitamente nos postos credenciados, ou com
Como é inevitável em qualquer lugar do mun-
pagamento da taxa pelo Correio (moradores da capital flu-
do, os Jogos Olímpicos catalisam atenções
minense não pagam).
do mundo inteiro – e a cultura pega carona.
Entre a vasta programação, no segmento das artes visuais,
No Rio de Janeiro não é diferente. Para faci-
instituições como o Museu de Arte do Rio e o Museu de Arte
litar a oferta de descontos e entradas grátis
Moderna do Rio de Janeiro vão franquear a visita a seus acer-
na programação artística da Cidade Maravi-
vos. Para ganhar direito aos benefícios, o titular do passapor-
lhosa até o mês de setembro, o Comitê Rio 2016 e sua diretora
te deve mostrá-lo nas bilheterias dos locais de evento. Um
de cultura, Carla Camurati, criaram o Passaporte Cultural Rio.
detalhe simpático: em cada atração que participar, o usuá-
Nos moldes de um passaporte comum, o documento garante
rio ganha um carimbo no seu passaporte. Assim, ao mesmo
benefícios em mais de 700 eventos nas categorias Museus e
tempo que se diverte nas atrações espalhadas pela cidade
Exposições, Música, Teatro e Dança, Cinema, Livro, Biblioteca
e arredores, ainda guarda um souvenir para se recordar da
e Leitura, e Bailes, Saraus e Eventos de Rua.
cultura brasileira experimentada no Rio.
FOTO: DIVULGAÇÃO
PATROCÍNIO:
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A C E R V O S I TA Ú C U LT U R A L MESTRE GALO PRETO
POPULAR 28
As correspondências entre o pop e o erudito em verbetes da Enciclopédia Itaú Cultural e em projetos do instituto
Tomás Aquino Leão (Bom Conselho de Papacaças, Pernambuco, 1935), conhecido como Mestre Galo Preto, herdou da família a tradição da embolada e da cantoria de sambada do sertão. Em mais de 70 anos de carreira, compôs cerca de 300 sambas, cocos de roda, emboladas e forrós, que surpreendem pela temática arrojada que inclui a defesa da diversidade sexual, como a música Homem com Homem, Mulher com Mulher, que virou objeto de pesquisa de mestrado na Espanha. Galo Preto já ganhou um documentário – Galo Preto, Um Menestrel do Coco (2012), de Wilson Freire –, já cantou em Cuba, hoje está no YouTube e, nos anos 1970 e 1980, se apresentou em programas populares da tevê brasileira, como o Cassino do Chacrinha. Inovador e nada purista, realizou com Zé Brown um trabalho de fusão do coco tradicional e do repente com o rap e o hip-hop. Contudo, nunca gravou um disco próprio. Essa grave lacuna da memória da música popular brasileira será preenchida pelo Rumos 2015-2016, com a gravação, mixagem e masterização de 15 faixas do CD Mestre Galo Preto – Histórias Que Andei.
PROJETOS SWINGUEIRA Projeto de documentário contemplado pelo Rumos 2015-2016 pretende colocar essa manifestação cultural das periferias de cidades nordestinas no centro da roda. A swingueira surgiu no fim dos anos 1990 e estourou nas paradas de sucesso de todo o Brasil com o grupo baiano É o Tchan. Alguns verões depois, o ritmo sumiu dos holofotes, mas continuou ativo regionalmente, ganhando ares de “movimento”, fervendo nas praias e matinês domingueiras. O universo da swingueira compreende o “pagode baiano” em Salvador, o “muvucão” no Recife, e em Fortaleza o ritmo espraiou-se para os grupos de dança, as festas de coreografias coletivas e os torneios competitivos. De natureza pop, o projeto da produtora cearense Nigeria Filmes será transmídia, veiculado gratuitamente na web e registrado na plataforma Creative Commons.
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Links em bit.ly/colecoes-itau-cultural/popular
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CONTRAPENSAMENTO SELVAGEM Com curadoria de Paulo Herkenhoff, Clarissa Diniz, Cayo Honorato e Orlando Maneschy, a exposição Contrapensamento Selvagem compôs o projeto Caos e Efeito, no Itaú Cultural, em outubro de 2011, colocando em campo artistas e linguagens à margem do sistema da arte contemporânea. Desconstruindo totens e exaltando uma arte dissonante, a mostra funcionou como um manifesto de “não pureza conceitual”. Sob o signo da mistura, lançou um olhar abrangente sobre a cultura visual brasileira, demarcando um modo de atuação que Herkenhoff e Diniz levariam para seu projeto curatorial em processo hoje no Museu de Arte do Rio. “Chega de ArMário de Andrade, chega de homofobia tipo grupo dos gabinetes de arte dos anos 1970, 1980 e 1990. Chega de ditaduras. Chega de Bolsonaro e Crivella da arte. O buraco é mais embaixo (...)”, anuncia o texto curatorial.
VERBETES
ARTE POP
J. BORGES
Na década de 1960, os artistas defendem uma arte popular (pop) que se
José Francisco Borges (Bezerros,
comunique diretamente com o público, por meio de signos e símbolos retira-
Pernambuco, 1935). Artista popular,
dos do imaginário que cerca a cultura de massa e a vida cotidiana. A defesa do
xilogravador e poeta. Filho de agri-
popular traduz uma atitude artística contrária ao hermetismo da arte moder-
cultores, frequenta a escola aos 12
na. Nesse sentido, a arte pop coloca-se na cena artística que tem lugar em
anos, apenas por dez meses. Realiza
fins da década de 1950 como um dos movimentos que recusam a separação
diversas atividades: é marceneiro,
arte/vida (...)
mascate, pintor de parede, oleiro etc. Em 1956, compra um lote de folhetos de cordel e começa a atuar como vendedor em feiras populares. Em 1964, escreve seu primeiro folheto, O Encontro (...) A partir de 1970, começa a receber diversas encomendas de gravuras, o que fortalece sua obra e estimula a autonomia de suas gravuras em relação ao cordel (...)
FOTOS: CORTESIA HUGO NASCIMENTO, CORTESIA NIGÉRIA AUDIVISUAL RUBENS CHIRI/ITAÚ CULTURAL, CORTESIA GALERIA SILVIA CINTRA+BOX4, CORTESIA MEMORIAL J. BORGES
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DE VOLTA PARA O FUTURO SILAS MARTÍ
NAS PRIMEIRAS PÁGINAS DE SEU ENSAIO BRASIL, PAÍS DO FUTURO, STEFAN ZWEIG SE DIZ SURPRESO COM O RIO E SUA “ORDEM E LIMPEZA NA ARQUITETURA E NA PAISAGEM URBANA”, além da “ousadia e grandiosidade em todas as coisas
novas” que encontrou na cidade cartão-postal do País. Teve certeza de que acabava de “lançar um olhar para o futuro do nosso mundo”. Nascia ali, se não um mito, uma sentença que condena o Brasil ainda hoje a atropelar o presente com olhos vidrados num porvir incerto. Isso era o que distinguia nosso país das demais repúblicas sul-americanas, de “clima quente e insalubre, situação política instável e finanças em desordem”. Neste outono tórrido, de temperaturas bem acima do normal, no auge da crise econômica que abala o País e na ressaca da histriônica votação pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff, vemos o pêndulo oscilar de volta para tudo aquilo que Zweig entendia como o DNA malformado das republiquetas abaixo da linha do Equador. O Brasil parece voltar de modo escancarado à sua essência – é o país violento e instável que todos achavam ter sido sepultado pelos anos Lula. Estourada a bolha das commodities e findo o ciclo de consumo desenfreado das novas classes C e D, o País volta a mergulhar numa espécie de lama econômica primordial. A política vai junto, instaurando na cúpula do poder uma classe tão corrupta quanto o Partido dos Trabalhadores afundado em desgraça. É um quadro de dissolução e hecatombe político-econômica que vem alarmando não só aqueles que vivem a miséria cotidiana de um país em frangalhos, como também quem manda nos fluxos globais de capital, em especial aqueles que lá fora veem se repetir a história de um golpe de Estado no Brasil. Cabe falar em fluxos de capital porque a arte se manifesta no mundo de hoje como indício de movimentos financeiros, transmissões invisíveis de dados num planeta sem fronteiras para o dinheiro. No auge do crescimento econômico que marcou a última década, importantes players da arte global flertaram com o Brasil, prontos para aposentar SELECT.ART.BR
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a pecha de periferia que pairava sobre o País. Primeiro, galerias como as gigantes Gagosian e White Cube testaram as feiras SP-Arte e ArtRio. Depois a coleção suíça Daros aproveitou a euforia do Rio pré-Olimpíada para estabelecer um entreposto carioca ao lado de novas pérolas que surgiam no horizonte, o Museu do Amanhã, o Museu de Arte do Rio e a nova sede do Museu da Imagem e do Som. Tudo ruiu. A White Cube abriu e fechou uma filial em São Paulo, argumentando que a operação Brasil era só uma experiência de três anos; Casa Daros caiu fora do Rio, alegando não poder fazer frente ao custo Brasil e as feiras minguam com a fuga das gigantes internacionais, enquanto o mercado aqui encolhe. Agravando esse cenário, há um sensível desinteresse das publicações especializadas estrangeiras pelo sistema de arte local, em troca de um interesse crescente pela narrativa da crise. A velha piada de que a saída para o Brasil é o Aeroporto de Guarulhos virou mantra de uma série de galerias nacionais, que reforçam sua presença no mercado estrangeiro para escapar da crise, aproveitando a alta do dólar. Mais baratas para os estrangeiros, obras-primas da arte do País viram uma pechincha, e o que seria um robusto circuito institucional brasileiro agora parece voltar mais uma vez à condição de colônia de exploração – quem puder que compre. Mas há quem veja luz no fim da crise. Uma vez esgotado o ciclo extravagante das mostras blockbuster e estancado o deslumbramento com a presença no País dos mandachuvas da arte global, o Brasil tem a chance de reenquadrar suas prioridades de volta à condição de periferia e já longe dos olhos do mundo. O lado bom dessa história é que só o mais relevante vai sobreviver. Não haveria, nessa visão mais otimista, tempo, espaço nem dinheiro para sustentar o supérfluo, e uma arte de verdade ancorada em instituições também de verdade veria a luz do dia mais adiante. Talvez mais do que um retorno à periferia, a crise generalizada seja um retorno ao futuro, àquilo que Zweig achava ter visto há quase um século, mas ainda nem despontou no horizonte, ou à construção que já é ruína. FOTOS: REPRODUÇÃO
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LISBOA: UMA CIDADE PARA SER DESCOBERTA CRISTIANA TEJO
Hangar, centro de exposições residenciais, artísticas e curatoriais
DEPOIS DE TER SIDO “DESCOBERTA” PELO TURISMO GLOBAL COMO UM DOS MELHORES DESTINOS EUROPEUS, CHEGOU A HORA DE A CAPITAL PORTUGUESA GANHAR VISIBILIDADE INTERNACIONAL NO MERCADO DE ARTE. A primeira
edição da ARCO Lisboa (que marca também a expansão da conceituada feira de arte de Madri) traz reforços para revelar ao mundo uma cena artística vibrante, diversificada, discreta, intelectualmente rigorosa e em pleno processo de internacionalização. A ARCO Lisboa acontece entre 26 e 29/5 e reúne 40 galerias. O formato pensado para o evento respeita a escala tanto da cidade quanto do seu meio de arte e concentra-se em projetos individuais de artistas por galeria, além de ativar um roteiro que possibilita que colecionadores, curadores, artistas e interessados possam experienciar a cadência lisboeta. A lenta retomada econômica portuguesa tem animado investidores locais e estrangeiros, conservando ainda as condições que têm atraído artistas e curadores europeus e latino-americanos para se estabelecerem em Lisboa: baixo custo de manutenção, ótima qualidade de vida, excelente infraestrutura, bom clima e posição geográfica estratégica. Entretanto, é importante salientar que o novo momento econômico ainda não trouxe de volta os milhares de jovens portugueses que emigraram. Portanto, podemos pressupor que a grande atração exercida pela principal cidade portuguesa seja mais pela situação que os imigrantes encontram em suas terras de origem do que propriamente pelas grandes oportunidades oferecidas. Entre 2008 e 2015, anos mais agudos da crise, foram mantidos alguns fomentos para o campo da cultura, a exemplo da verba de apoio a espaços independentes que propiciaram a continuação ou a emergência de novas iniciativas e do orçamento para a internacionalização da arte SELECT.ART.BR
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portuguesa. A manutenção de dinheiro público e privado nacional e internacional assegurou certa capilaridade do circuito artístico local, equilibrando grandes instituições como Calouste Gulbenkian, Coleção Berardo e Culturgest e projetos experimentais de vários matizes. Um dos espaços que resistiram às flutuações econômicas dos últimos tempos foi a Associação Maumaus – Centro de Contaminação Visual, entidade atuante desde 1992 que engloba a prestigiosa Escola de Artes Visuais, uma residência artística, a Editora Maumaus e o espaço expositivo Lumiar Cité. Trata-se de uma iniciativa sólida que investiga questões relacionadas aos estudos pós-coloniais e que participou da 29a Bienal de Arte de São Paulo. Grande parte dos projetos relevantes na atualidade, entretanto, iniciou-se a partir de 2009. O Carpe Diem localiza-se na casa do Marquês de Pombal e acolhe trabalhos artísticos que respondem ao espaço e à história do prédio. O Largo das Artes, por sua vez, alicerça-se numa proposta de partir do rico entorno da Mouraria e Intendente, bairros repletos de imigrantes para gerar suas atividades, como, por exemplo, jantares comunitários com seus artistas residentes e os vizinhos. No Hangar – Centro de Investigação Artística há espaços de trabalho para artistas locais e estrangeiros, além de uma galeria e ambiente para atividades discursivas. A Kunsthalle Lissabon busca trazer para Lisboa artistas jovens que já circulam internacionalmente, colocando a cidade no mapa mundial da arte. The Barber Shop, projeto que foi ancorado numa antiga barbearia, ganhou ares nômades há dois anos e continua uma agenda experimental e afiada de discussões. Assim como a cidade às margens do Tejo, seu circuito não se revela de primeira e nos pede para adentrar em seu ritmo denso, vagaroso e surpreendente. FOTO: DIVULGAÇÃO
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ARTE CONTEMPORÂNEA É POPULAR? O espectador comum que nunca reclamou da aridez do cubo branco ou da ininteligibilidade de um discurso que atire a primeira pedra. Desde a metade do século 20, a arte deixou de se apoiar no domínio de técnicas e suportes para se fundamentar no discurso por trás da obra. É preciso tempo, paciência e informação para viajar na iconoclastia da arte contemporânea. Na contramão da velocidade de um tempo balizado pela internet, a arte reivindica o direito ao próprio ritmo. Diante dessa esfinge e seu “decifra-me ou te devoro”, seLecT pergunta a insiders da cena artística: a arte contemporânea é popular?
SÔNIA GOMES ARTISTA A arte contemporânea tem vários caminhos. Uma parte se abre para as ruas, numa troca de riquezas. Transmite visualmente conhecimentos, manifestações culturais, sentimentos e pensamentos de um povo. Isso é possível graças à liberdade que o artista tem de propor sua própria linguagem, usando da diversidade de técnicas e emprego de materiais para a elaboração de uma obra. A arte contemporânea é livre. Aproxima-se do popular sem perder sua erudição, mas nem por isso se torna pedante – mas o seu produto ainda é para poucos.
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PAULO NAZARETH ARTISTA Não creio que o que chamamos arte contemporânea seja exatamente popular. Muito de sua produção flerta com o popular, mas parece ser o que antes se chamava arte acadêmica. A maior parte dos artistas vem da academia, seja de arte, seja de outra disciplina. São pouquíssimos aqueles que não passaram por ela de alguma forma. Claro que, depois de passar pela universidade, pode-se fugir desse registro buscando outros caminhos, mas suas marcas ficam – até mesmo na aceitação social dessa arte. O artista que não faz esse percurso é tachado inúmeras vezes como ingênuo, naïf, bruto, ou qualquer outra palavra que leve a uma hierarquização de seu fazer como algo abaixo do acadêmico contemporâneo. Mas há produções populares em arte contemporânea, muitos artistas hoje bebem nessa fonte. A arte popular é contemporânea não só pelo fato de ser feita neste momento, mas por dialogar com outras produções atuais. Talvez o problema de entender a arte contemporânea como popular seja o fato de pensá-la como produção que segue uma linha aceita por uma certa corrente “crítica” acadêmica, se é que isso existe.
ADRIANO PEDROSA DIRETOR ARTÍSTICO DO MASP As noções de arte contemporânea e de arte popular, como muitas outras no léxico da arte, são problemáticas e não dão conta da realidade dos objetos e suas múltiplas possibilidades de contextualizações. Arte popular já é um termo menos contestado do que outros – como arte primitiva, arte naïf, arte ingênua, esses, sim, com conotações hierarquizantes, paternalistas e etnocêntricas. Por um lado, se considerarmos o termo de maneira estrita, o que seria o “outro” da arte popular? A arte elitista, a arte burguesa, a arte das classes dominantes? Parece-me que poucos artistas ditos contemporâneos no Brasil, hoje, que eu conheço, se sentiriam vinculados a uma tal denominação. Por outro lado, se há um sentimento que me parece urgente na história, na crítica e na prática da arte é que a produção e o debate em torno da arte não devem estar vinculados às classes dominantes, sejam elas como objeto ou agente. Mas do que chamar então essa outra arte? No passado, utilizei a denominação “visionários” para aqueles “artistas autodidatas, frequentemente reclusos e de origem humilde, trabalhando fora do circuito ortodoxo da academia e do mercado”, como escrevi em outro contexto. O visionário aponta para o artista com uma visão independente, pioneira, não contaminada pelo circuito, o
mercado, a academia – é comum o uso nos Estados Unidos, hoje, do termo visionary artist. Entretanto, ainda que a história e a crítica de arte, assim como o museu e a academia, tenham sempre o desejo de organizar, categorizar, classificar e sistematizar autores e suas produções, precisamos estar sempre alertas às limitações e perigos dessa empresa. Podemos falar simplesmente em artistas. Para responder à pergunta inicial a partir de um outro ponto de vista, a arte contemporânea tem se tornado bastante popular, atraindo novos públicos em todo o mundo, mas o artista mais popular na coleção do Masp, a julgar pela presença nas mídias sociais, talvez ainda seja Portinari. FOTOS: ANA VALADARES, CORTESIA PAULO NAZARETH, CORTESIA MASP
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EMMANUEL NASSAR ARTISTA E existe alguma coisa mais popular do que a Mona Lisa? Ela também foi arte contemporânea, em seu tempo. E, ao que se sabe, continua sendo arte até os dias de hoje.
RICARDO RESENDE CURADOR DO MUSEU BISPO DO ROSÁRIO ARTE CONTEMPORÂNEA A arte contemporânea tem o desejo do popular, de introduzir o imaginário no real, de juntar a arte e a vida no plano real, para o público. Mas não tem conseguido, porque deixou de fazer o principal: revelar-se em sua essência, a arte. Ela não é mais explícita. A arte parece estar se tornando uma experiência puramente pessoal do artista ou de um grupo de artistas. Está se tornando também uma experiência de curadores, para curadores de arte. Nada tem de popular. Está cada vez mais ensimesmada na academia, onde a linguagem deve seguir as regras burocráticas dos textos acadêmicos. Trata-se SELECT.ART.BR
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de uma “estética” da indiferença, da excessiva teorização e conceituação da arte contemporânea. Artistas se reúnem com artistas ou artistas se reúnem apenas com os “pensadores” da arte nos espaços alternativos, nas residências artísticas, nos museus de arte para falar do “outro”, da “alteridade”, das políticas das “diferenças”, das relações “rizomáticas”, dos “territórios”. Todos são temas abstratos para o público em geral. A escrita e a leitura são também para eles mesmos. Para quê então falar e escrever sobre arte, se arte pressupõe o público, o popular? Se não tem público, não se tem a fruição do conhecimento da arte. E os artistas parecem estar se dedicando muito mais para os seus mestrados e doutorados, e, claro, também para o mercado de arte. E o público, o popular, não faz parte desse universo. Me lembro de Mario Pedrosa... porque o público relaciona-se com a obra de arte e a obra de arte é o que cada vez menos se faz ou o que se vê. Apenas se escuta e se lê. Tenho de falar o que não vejo do popular na arte contemporânea. O que mais tenho visto nos dias de hoje são infindáveis discussões com citações de luminares como Didi-Huberman, Jacques Rancière, Michel Foucault, Jacques Derrida, e por aí vai. Artistas deveriam “descer” para as ruas, expor suas obras nos museus de menor visibilidade, nos periféricos, trabalhar para as pequenas galerias de arte e espaços de arte menos conhecidos nos arredores das cidades. Mas venham despidos – fazer arte e ver arte. O popular parece estar ausente do universo da maior parte dos artistas contemporâneos. Mais Bispo do Rosário, mais Clovis, mais Arlindo (artistas do Ateliê Gaia, Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea da Colônia Juliano Moreira, RJ), mais Nino, mais Véio na arte contemporânea! FOTOS: EVERTON BALLARDIN, JOSÉ MAURO CORREA
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NÃO QUERO SER POPULAR
OS PERFIS QUE VOCÊ NÃO VAI ENCONTRAR NO FACEBOOK
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Todo mundo tem perfil no Facebook, certo? Errado! Mesmo sendo a catalizadora de opiniões e tendências mais famosa da atualidade (ou, no mínimo, uma ótima agenda de contatos autoatualizada), a rede social mais conhecida no Brasil ainda causa ojeriza em muitos que preferem se omitir ao who’s who do mundo virtual. Há quem flerte com o FB e, em vez de perfil, tenha uma página com seu nome. Muitas vezes é à revelia: um fã pode criar uma comunidade para seu ídolo sem necessidade de autorização. Em qualquer caso, seLecT satisfaz a curiosidade do leitor e apresenta os perfis que ele não acha no Facebook. Curtiu?
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PORTFÓLIO
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RODRIGO ANDRADE
BOM OU RUIM?
Um artista muito habilidoso e nada ingênuo resolve burlar sua própria destreza, suspender o juízo de valor e mergulhar no universo da pintura popular e barata MÁRION STRECKER
QUER FALAR MAL DE UM ARTISTA EM SÃO PAULO? CHAME O SEU TRABALHO DE PINTURA DE PRAÇA DA REPÚBLICA.
É ali nessa praça que já foi local de touradas, ao lado da Avenida Ipiranga, que acontece desde os anos 1950, sempre aos domingos, uma famosa feira de artesanato. Pinturas, desenhos e esculturas são vendidos a bom preço, ao lado de sandálias de couro, bolsas, bijuterias, incensos, pedras semipreciosas, objetos esotéricos e tapetes de pele de vaca, além de acarajés de baianas vestidas em trajes típicos, entre outras mil e uma coisas. Pois a pintura da Praça da República, com seus temas mais que batidos, suas fórmulas, sua ingenuidade e seus maneiSELECT.ART.BR
rismos, motivou os 42 trabalhos da mais recente exposição de Rodrigo Andrade (São Paulo, 1962), que ocorreu de novembro passado a janeiro deste ano no Ateliê 397, um espaço independente na Vila Madalena. A exposição teve curadoria de Thais Rivitti e apoio do ProAC, programa do governo do estado de São Paulo. O Ateliê 397 é praticamente vizinho da Galeria Millan, que representa Rodrigo Andrade. Não por acaso, o debate entre artista e curadora que ocorreu no encerramento da exposição teve o seguinte título: “Pintura boa ou pintura ruim?” “Entre nós, a gente sempre tratou um tipo de pintura como pintura de Praça da República: uma pintura popular, que tal-
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Rodrigo Andrade opera um processo de desconstrução em Preto Velho II, III e IV, na página à esq., até chegar ao Preto Velho Cubista II (2015), acima
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Negra, acima. Na página ao lado, Bentivi, Seu Sabiá e Senhor Tuiuiú (2015), todas da série Praça da República
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vez seja a última escala dentro de uma escala de diluições, de fórmulas e convenções, que chega a um ponto extremamente saturado e gasto”, comenta Rodrigo Andrade. “Ao mesmo tempo que essas pinturas tinham uma coisa muito careta, um convencionalismo, às vezes vazava outra coisa meio maluca, que vinha da falta de técnica da pessoa que desenhava, da falta de controle, da falta de perspectiva, e que acabava criando soluções meio interessantes. Existem alguns artistas desse âmbito que são geniais, e que ultrapassam, como Rousseau ou Ranchinho, mas não é o caso. O que estava me interessando era esse lado da saturação mesmo”, diz ele a respeito da série. RANCHINHO
A admiração por Ranchinho (1923-2003) já inspirou Andrade a produzir “réplicas” de suas obras, para que fossem expostas lado a lado dos originais, em 2012, na Galeria Estação, espaço especializado em arte popular. Expor em par era fundamen-
tal. Vistas de longe, as pinturas pareciam idênticas. Mas, vistas de perto, notava-se o quanto eram diferentes. A exposição chamou-se Jogo dos Sete Erros. Na série Praça da República, entretanto, nenhuma genialidade é exaltada. Ao contrário, o interesse foi despertado pelas figuras gastas. Como um pintor talentoso e estudado burla sua própria habilidade, sua capacidade formal e seu juízo de valor? “Foi uma coisa assim: eu vou fazer e não sei se vai ficar bom ou não. Não é essa a questão. Eu vou fazer aqui esse palhaço tal qual eu tenho na mente, gravado, visualizado. Mas para burlar essa destreza, esse espírito autocrítico, adotei alguns procedimentos. Vou fazer um preto velho, então a primeira mão, a primeira vez que ele se configurava, eu deixava tal e qual ele aparecia naquele momento. Às vezes ficava meio canhestro, mas eu não ia lá retocar. O que me interessava era uma espécie de contato com essas imagens arcaicas, essas figuras ultrassaturadas da nossa cultura pictórica em geral.” FOTOS: CORTESIA RODRIGO ANDRADE E GALERIA ESTAÇÃO
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Obras da exposição Jogo dos Sete Erros (Galeria Estação, São Paulo, 2012), em que Rodrigo Andrade copia Ranchinho (original acima). Na página ao lado, Palhaço I e Palhaço II (2015), da série Praça da República
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“O palhaço é uma figura patética, monstruosa e ultrakitsch, que é feita pra rir, mas dá medo em criança”
Rodrigo Andrade, como tantos de nós que crescemos em São Paulo, teve a infância impregnada com a estética da Praça da República? “Eu era de Pinheiros, não era longe, mas eu não ia sempre”, conta. “Nessa praça tem uma espécie de comunidade, eles têm carteirinha, tem ali uma corporação de pintores da Praça da República, que levam seus trabalhos e vendem superbarato”, continua. Mas a Praça da República pintada pelo artista contemporâneo (e erudito) tem como modelo “uma Praça da República meio ideal”, que traz à tona imagens antigas, “mais ou menos embaçadas, encardidas na minha própria imaginação”. A Praça da República, para Andrade, possui idealmente uma ligação com alguma origem arcaica do ato de pintar, de criar. Os temas da série remetem a temas da sua infância: o carro de corrida, ou o incêndio na floresta, relacionado por Andrade a uma cena de Bambi, o desenho animado da Disney.
DOCE ICONOCLASTA
Outro tema que Andrade enfrentou foi o palhaço que chora. Ele faz questão de mencionar outros artistas contemporâneos que exploraram a figura do palhaço, como Bruce Nauman e Cindy Sherman. “O palhaço é uma figura patética, monstruosa e ultrakitsch, que é feita pra rir, mas dá medo em criança. Nos dois artistas americanos, esse lado iconoclasta ganha uma acidez muito forte. No meu caso, ganha também ares de simpatia. Tem uma violência, mas tem também uma certa doçura, que eu atribuo à nossa cultura brejeira.” Suspender o juízo de valor foi um ato de libertação para o artista. Não importa se o resultado é bom ou não, ele procura nos dizer. Com pinturas lindas e outras medonhas, a série Praça da República surpreende. É corajosa, provocativa e também engraçada. Nos devolve o imaginário popular e a arte culta, um visto pelo outro, e vice-versa, como num jogo de espelhos sem fim. FOTOS: JOÃO LIBERATO, CORTESIA RODRIGO ANDRADE E GALERIA ESTAÇÃO
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COLEÇÃO
VILMA EID E A ARTE BRASILEIRA ALÉM DO SISTEMA
As histórias de uma colecionadora em pesquisas de campo e galerista que coloca o popular e o erudito em diálogo
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Vilma Eid e um recorte de sua coleção particular. Da esquerda para a direita, na parede, pintura de Vasarely e pinturas de José Antonio da Silva; na estante, no alto, esculturas de Zé do Chalé; na estante, abaixo, esculturas de Nino e Chico Tabibuia; na parede do fundo, pinturas de Teodoro Stein Carvalho Dias e Germana Monte-Mór; no chão, esculturas de Pixiló e Artur Pereira
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“ARTE POPULAR” É UM TERMO QUE PEDE REVISÃO. SUA DESIGNAÇÃO EM LÍNGUA INGLESA, “OUTSIDER ART”, TAMBÉM É IMPRECISA NA MEDIDA EM QUE A ARTE PRODUZIDA FORA DOS CENTROS COMEÇA A SER EXIBIDA E COLECIONADA NO ÂMBITO DO SISTEMA INSTITUCIONAL MAINSTREAM. Popular, pop, vernacular. “Qual o termo ideal? Isso é sem-
pre motivo de longas conversas”, diz Vilma Eid à seLecT. Na largada de nossa conversa sobre a coleção de cerca de 1,5 mil itens de 62 artistas da Galeria Estação, em São Paulo, nos retemos sobre a definição de arte popular, à qual a colecionadora e galerista paulistana se dedica há três décadas. “Prefiro arte não erudita, mas acho que estamos falando de arte. Por que o Véio tem de ser um artista popular e não simplesmente um artista?”
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Arte Brasileira: Além do Sistema, título de curadoria de Paulo Sérgio Duarte na Galeria Estação, em 2010, oferece um caminho. Ao colocar lado a lado obras de Fernando da Ilha do Ferro, Nuno Ramos e Tunga, entre outros, a exposição reforçava o que a galerista vem colocando em prática há 13 anos. “Arte é arte e ponto final. O que é bom convive, e não há preconceito que destrua essa lógica”, diz Vilma Eid. As qualificações que distinguem arte popular e arte contemporânea oscilam entre estudo e estado mental. “Um estudou, o outro não. Essa é a única diferença. Isso é o que precisa ficar claro no mundo da arte.” Para reforçar seu argumento pela igualdade entre as partes, ela cita um artigo lido no The New York Times, durante a participação em uma edição da Outsider Art Fair, em Nova York. “A jornalista dizia: ‘Por que será que, quando vou à Outsider Art Fair, os galerisSELECT.ART.BR
tas me apontam um artista esquizofrênico, outro com problema mental e, quando vou a qualquer feira de arte contemporânea, ninguém me diz que o artista é drogado ou alcoólatra?’” Vilma chegou à conclusão de que a feira especializada estigmatiza o artista e então decidiu se voltar para as feiras de arte e ponto. A ARTE POR ELA MESMA
Além de rejeitar rótulos, a galerista chamou a atenção dos profissionais de arte contemporânea para seus artistas, quando redefiniu o modo de exibi-los. “A única coisa que estava faltando é que esses artistas fossem mostrados da mesma maneira como qualquer artista moderno e contemporâneo é mostrado: dentro do conceito do cubo branco. Nada de tijolo, palha, barro, nada de cenografia”, diz. A inserção de elementos para contextualizar
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Detalhes da coleção. Da esquerda para a direita, esculturas de Tunga, Artur Pereira e Itamar Julião; pintura de Mira Schendel; bonecas de Placedina e Izabel Mendes da Cunha; pintura de Arnaldo Ferrari; pinturas de Ranchinho e Rodrigo Andrade
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a exibição de objetos trazidos das zonas rurais, litorâneas e não urbanas foi um partido assumido por Lina Bo Bardi na montagem da exposição A Mão do Povo Brasileiro (SP, 1969) – leia matéria à página 80. Seu modo de inscrever arte e cultura popular dentro do domínio do museu buscava instaurar uma prática “descolonizadora” e virou um padrão repetido pelas instituições culturais brasileiras. Vilma propõe um projeto na direção inversa, afirmando “a contextualização da arte por ela mesma”. Vilma Eid começou sua coleção no início dos anos 1980, abriu sua primeira galeria no fim da mesma década, depois manteve um escritório de arte, antes de abrir a Galeria Estação em 2004. “Quando abri a Estação, entendi que tinha uma responsabilidade com os artistas vivos. Mostrar vem em primeiro lugar, colecionar vem depois. A responsabilidade de
mostrar, de tornar visível é o que me move.” A estratégia que a diferencia das instituições que trabalham com arte popular – e lhe garante sucesso de crítica e de vendas – surgiu em 2009, quando o crítico Rodrigo Naves assinou a curadoria de uma individual de José Bezerra, artista pernambucano do Vale do Catimbau. “Eu estava desesperada, pensando como é que eu ia apresentar essa figura em São Paulo. No momento em que o Rodrigo Naves escreveu sobre Zé Bezerra e montou a exposição em três andares, foi decisivo. Eu digo pro Rodrigo que aquele advento mudou a vida dessa galeria. E sabe o que ele me diz? ‘Você mudou a nossa. Porque nos mostrou – nós enquanto mundo contemporâneo – coisas que a gente não sabia que existiam’”, conta. De lá para cá, os memoráveis duetos promovidos por Vilma Eid incluem Clovis e Ricardo Resende; Mirian e Miguel Chaia;
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Zé do Chalé e Cauê Alves; Lorenzato e Laymert Garcia dos Santos; Aurelino e Lorenzo Mammi; Nino e André Parente; Ranchinho e Rodrigo Andrade (leia à pág. 40); José Bernnô e Marco Giannotti, atualmente em cartaz. O mesmo projeto rege a coleção pessoal. Em seu espaçoso apartamento no Alto de Pinheiros, ela coloca em diálogo Paulo Pasta e Heitor dos Prazeres; Tunga, Mira Schendell e GTO; Sergio Camargo e Conceição dos Bugres; Paulo Monteiro e José Antônio da Silva. PESQUISAS DE CAMPO
A maioria dos artistas vivos que Vilma representa foi introduzida por ela no difícil e concorrido circuito cultural paulistano. Alguns viajaram para mais longe. De fala mansa e riso solto, a galerista conta como Cícero Alves dos Santos (Véio) chegou ao reconhecimento internacional a partir de uma grande mostra de SELECT.ART.BR
arte popular na Fundação Cartier, em Paris, com a presença de dez artistas brasileiros. “Essa exposição foi vista por uma senhora italiana, dona dessa marca chamada Marni, que enlouqueceu com o Véio e botou na cabeça que ele tinha tudo a ver com a marca dela. Um dia eu recebo um telefonema de uma pessoa dizendo: ‘Fui contratado para fazer uma individual do seu artista Véio’. Eu disse, ‘como?!’ Ele disse que a Marni faria 20 anos e queriam escolher um artista que tivesse a identidade da marca! Muito louco”, diverte-se. Montada na Abazzia di San Gregorio, no Gran Canale de Veneza, a exposição de 105 esculturas de Véio, aconteceu entre maio e novembro de 2015, paralela à 56ª Bienal. O trabalho como galerista e a coleção particular foram tecidos em viagens de pesquisa ao interior do Brasil. A primeira delas foi para conhecer José Bezerra, no semiárido pernam-
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Vista da exposição individual de Nino, em cartaz na Galeria Estação entre março e maio de 2016, com curadoria de André Parente
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bucano. “Era junho, época das águas, como eles chamam. Eu disse, ‘eu vou pra lá’. Diziam, ‘Vilma, você não vai conseguir chegar, não sabe como é longe’... eu aluguei um táxi e fui. Entendi o que eles chamam de época das águas, entendi o que é pau de arara. Porque, na época das águas, eles não têm outro meio de transporte entre o sitio e qualquer vilarejo. E eu de táxi. Foi um evento. E um motorista maravilhoso! Daí pra frente, eu sempre o contratei pras minhas viagens, porque em momento algum ele disse ‘daqui eu não vou’.” Essa frase tampouco nunca foi dita por Vilma Eid, que resgatou do coração do Brasil José Bezerra, Véio, Aurelino e Neves Torres. Ela conta que, para conhecer Dona Isabel, a artista das bonecas de barro, não fez o Vale do Jequitinhonha por estrada de asfalto. “Fiz por dentro, dormindo em posto de gasolina,
vendo tudo e separando o joio do trigo.” Separar o artesanato da arte é outra de suas “missões”. Vilma precisou dizer para José Bezerra que ele era um artista, não um artesão. “Artesã é a sua mulher, que faz esses potinhos, sempre copiando um do outro. É o seu filho, que faz essas santinhas em série. O verdadeiro artista não faz para o mercado, não faz pra agradar. Faz por necessidade de fazer”, diz. Outros, como Clovis e Véio, tinham ciência de ser artistas. No caso de Dona Isabel, essa consciência se fazia na precificação do próprio trabalho. “Existe uma tradição de que os filhos sigam os passos do pai. O GTO deixou filho e neto. O Nino tinha um rapaz que o ajudava e que continuou tentando ser o Nino. Eles têm a técnica, mas não têm o talento. Com esses eu não me sinto responsável, de maneira alguma. Eu não trouxe para mim uma responsabilidade social. Minha responsabilidade é mostrar arte.”
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Na intervenção Texcoco Soundtrack (2012), o artista perambula pela Cidade do México como um vendedor de CDs piratas, difundindo o som de carros em alta circulação SELECT.ART.BR
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ARTISTA AMBULANTE
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Comércio popular, turismo, indústria cultural, serviços de informação pública e processos de mediação pautam performances e instalações do artista pernambucano
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A instalação Oásis (2009) instaura um espaço público na laje do Centro Cultural São Paulo
“FUI NO ITORORÓ, BEBER ÁGUA NÃO ACHEI...” Como toda peça do cancioneiro popular, essa cantiga de roda tem sua origem desconhecida. Poderia dizer respeito a um cais na Bahia ou a uma fonte da antiga capitania do fundador da Vila de Santos, o Brás Cubas. Pode também se referir ao aterro do Ribeirão do Itororó, que antes corria solto onde hoje está situada a Avenida 23 de Maio, em São Paulo. Canalizado, ele beira trechos da avenida ou percorre caminhos subterrâneos, até desaguar no Ribeirão Anhangabaú. Foi vislumbrando os tempos de saúde e liberdade do Itororó que o artista Bruno Faria criou a intervenção Oásis (2009), na cobertura do edifício do Centro Cultural São Paulo (CCSP), que margeia a 23 de Maio. Equiparando-se ao comerciante informal que loteia as praias com um arsenal de cadeiras e barracas de aluguel, o artista criou uma praia urbana. Com vista para os engarrafamentos monumentais de uma das principais artérias da cidade, o espaço gramado da cobertura é literalmente um oásis, em relação à aridez cimentada do entorno. Não tinha uso público até ser ocupado pelo projeto e agora faz SELECT.ART.BR
parte da vida dos moradores da região. Complementar ao Oásis, a intervenção sonora Miragem situava na rampa de acesso do CCSP uma torre com autofalante transmitindo informações para banhistas de uma praia hipotética. Cúmplices, os dois trabalhos conectavam-se na construção de uma heterotopia, no sentido foucaultiano de promover o encontro improvável entre dois espaços geográfica ou temporalmente diversos. Em Miragem, o ambiente da Avenida Vergueiro foi inundado com a sonoridade de um lugar imaginário. Em sentido inverso, em Oásis o artista dispôs-se a uma “escuta do entorno”, como coloca a crítica Gabriela Motta em texto de apresentação do trabalho. A retórica do comerciante ambulante também pautou a intervenção sonora Texcoco Soundtrack (2012), colocada em campo na Cidade do México. Nessa ação, Bruno Faria circulou por linhas de metrô, camelódromos e áreas de comércio informal da cidade, como o Centro Histórico, Coyoacán e Xochimilco, levando uma mochila semelhante às carregadas por vendedores locais de CDs piratas, com
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caixas de som tocando música a todo volume. O artista perambulou pela cidade difundindo uma gravação do som de carros da Avenida Revolución – uma equivalente da Avenida 23 de Maio na Cidade do México. “Realizei um CD sem nenhuma edição, com apenas uma faixa, produzindo um som muito semelhante ao de água corrente”, diz Bruno Faria à seLecT. Com a intervenção, ele buscava chamar atenção – da população ou do público da arte, que depois viria a ter acesso ao trabalho – para o desaparecimento do Lago Texcoco, parcialmente aterrado para dar lugar à cidade. Vestido a caráter como um comerciante local, abordava os transeuntes com um arsenal de frases surrealistas: “Olá, olá, Texcoco Soundtrack, leve para casa um resquício do lago Texcoco”; “10 pesos por uma lembrança do Lago Texcoco’; “Leve de presente para os amigos”. Embora Texcoco Soundtrack seja um site-specific, pensado para o contexto histórico e geográfico mexicano, o trabalho se alinha ao Oásis, ao atentar para os processos de aterramento de lagos e rios que marcaram a construção da maioria das capitais latino-americanas. A lembrança de paisagens remotas é um dispositivo recorrente na obra de Faria. Em Paisagem 97,5 FM (2013), o que se produz é o deslocamento simbólico de uma cidade, por meio da sonoridade de sua emissora de rádio mais popular. O trabalho integrou a exposição coletiva Metrô de Superfície, com curadoria de Bitú Cassundé e Clarissa Diniz, também no CCSP, em 2013. Consistia em três rádios de madeira transmitindo ao vivo o som da Rádio Recife. Mais uma vez instaladas em cantos imprevistos (como o alto-falante de Miragem), essas caixas de som tinham o discreto poder de transportar o incauto paulistano ao coração da capital pernambucana. A façanha faziase possível por meio de seus campeões de audiência: programas de paquera, hits populares, ritmos Calypso e programas policiais com informações atualizadas sobre os assaltos e homicídios do dia.
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As instalações sonoras Inventário Tropical (2013), acima à esquerda, e Paisagem 97,5 FM (2013), acima, usam como suporte dois ícones da comunicação de massa: o rádio e o carro de som
O carro de som, outro ícone da comunicação popular, foi suporte e veículo da performance Inventário Tropical (2013), realizada em torno da Praça de Casa Forte, no Recife. O projeto foi mais uma investida crítica de Bruno Faria em fazer frente aos problemas das cidades brasileiras. O trabalho denuncia um caso dissimulado de negligência de administração pública em prol de facilitação para a especulação imobiliária. “No ano de 1935, Roberto Burle Marx fez o projeto de reforma do jardim da Casaforte, o primeiro jardim público de sua carreira no Brasil”, anuncia o artista em alto-falantes, desde o interior de um vistoso carro de som. “A obra considerou a retirada do monumento (em homenagem aos heróis da insurreição pernambucana), considerando seu pouco valor artístico e ainda de gosto duvidoso”, continuava o orador, lendo um texto apropriado do inventário do processo de tombamento da praça pelo Iphan. Ainda segundo o texto, declamado em voz pausada e em tom didático, Burle Marx teria se inspirado no londrino Kew Gardens, criando jardins aquáticos de teor educativo.
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A espetacularização da tragédia é objeto da intervenção Museo 1985 (2013), realizada nos escombros de uma casa destruída por terremoto, na Cidade do México
O SOM E A ESCUTA
A história das sucessivas descaracterizações do antigo Parque de Casa Forte é narrada em 20 minutos de performance sonora e motorizada. A ação foi registrada em vídeo que hoje constitui a obra Inventário Tropical. Este alterna imagens do carro em movimento e da pacata e inabalável vida dos usuários da praça. Articula-se a esse trabalho a instalação site-specific Manual Para Uma Nova Vista (2013), um espaço misto de estufa e museu, contendo um levantamento de imagens e textos sobre a praça e exemplares de mudas de plantas que pertenciam ao projeto original de Burle Marx, cedidas pelo Jardim Botânico do Recife. Os processos de institucionalização da vida – o embate entre o caos da realidade e a ordem da instituição – ganham a atenção do artista em uma série de trabalhos que têm o museu como objeto de interesse. Entre eles está Museo 1985 (2012), intervenção urbana realizada diante dos escombros de um edifício desmoronado no terremoto que destruiu parte da Cidade do México, em 1985. “Toda a cidade foi abalada, mas as áreas mais afetadas foram aquelas situadas sobre o aterramento do Lago Texcoco”, enfatiza o artista. O trabalho consistiu em montar uma lojinha de souvenires de um museu fictício, colocando à venda camisetas, sacolas, lápis, isqueiros e sedimentos de escombros dos edifícios colapsados. SELECT.ART.BR
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Letreiro Objetivo (2014), sobre o antigo edifício da Associação da Imprensa de Pernambuco, é um monumento do esquecimento e do abandono de projetos culturais
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Com essa arqueologia da tragédia realizada com indisfarçável humor, o artista chama a atenção para a negligência das construções que levaram ao colapso das estruturas do bairro Colônia Roma, em México D.F. Trata-se de fazer da intervenção artística um mecanismo de explicitação daquilo que ficou esquecido. Articula o mesmo dispositivo a intervenção Letreiro Objetivo (2014), em que instala um néon no alto de um prédio que foi um dos marcos da arquitetura modernista do Recife, projetado pelo arquiteto luso-brasileiro Delfim Amorim. Sobre o edifício que um dia abrigou a Associação da Imprensa de Pernambuco e um cinema de arte, Bruno Faria aplicou as palavras The End para toda a cidade assistir. Realizado com o Prêmio Funarte de Arte Contemporânea, o trabalho completava-se no interior da Funarte, na videoinstalação The End (2014), composta de uma montagem de créditos finais de cem filmes clássicos da história do cinema. Projetado em loop, o vídeo apresentase como um final inacabável. Articuladas, dentro e fora da instituição, essas duas obras compõem um pequeno museu do fim do cinema, talvez como uma forma de insistir na infinitude do pensamento crítico e na necessidade da livre circulação de ideias em espaços de convivência pública. E, por que não, uma melancólica antecipação do atentado sofrido em maio último pela sociedade brasileira com o desmantelamento do Ministério da Cultura. FOTOS: CORTESIA DO ARTISTA
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CURADORIA CURADORIA
ESTÉTICAS DO POPULAR
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Cinco meios de aproximação entre a arte contemporânea, o artefato e a cultura de massa
VIVIAN CACCURI, JARDIM (SÉRIE PAGODE), 2014 Tem coisa mais popular que as redes de segurança da construção civil? Feitas de fios de plástico, viraram matéria-prima de Vivian Caccuri. A paulistana descobriu o material numa performance realizada no canteiro de obras da região portuária do Rio de Janeiro, às vésperas das Olimpíadas. Com tramas de cores berrantes, cria flâmulas e murais por “tecelagem negativa”, como em Jardim (série Pagode, 2014). A técnica consiste em retirar fios intercalados, dando leveza a um elemento comum na paisagem das metrópoles. SELECT.ART.BR
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A DIVERSIDADE CULTURAL QUE SE ESTENDE PELOS TERRITÓRIOS DA AMÉRICA LATINA É BASE PRIVILEGIADA DA PESQUISA DE SEUS ARTISTAS. Seja pelo uso de matérias-primas, seja pela apropriação de procedimentos artesanais, seja
pela elaboração de narrativas não hegemônicas ou pela subversão do “bom gosto”, o trabalho criativo do povo brasileiro e latino-americano ganha leituras plurais pela arte contemporânea. L U C I A N A PA R E J A N O R B I AT O
TRAMAS
Da renda de bilro ao crochê e ao tricô, passando pelos pontos de bordado, o Brasil é reconhecido pela produção artesanal de tramas complexas e delicadas. Elas povoam a memória afetiva de todo bom brasileiro, do Oiapoque ao Chuí. Guardando diversidade e particularidades das regiões onde surgem, conferem sensação intimista a obras que tensionam noções identitárias e territoriais.
ALEXANDRE DA CUNHA, FAIR TRADE (EM COLABORAÇÃO COM LUISA STRINA), 2011 Alexandre da Cunha criou o conceito e os desenhos e a galerista Luisa Strina executou os bordados. Por aí já se tem a ideia da profusão de conceitos embaralhados na série Fair Trade (2011). Além de tensionar os limites entre os papéis de artista visual e artesão, de artista e galerista, de autor e colaborador, o carioca também jogou com o feminino e o masculino, o doméstico e o industrial. FOTOS: CORTESIA GALERIA LEME, EDOUARD FRAIPONT/GALERIA LUISA STRINA
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MADEIRA Com aplicação tradicional no universo da escultura popular, a madeira empresta suas tonalidades a objetos utilitários, decorativos e místicos. A arte apropria-se da organicidade do corpo das árvores e de seu simbolismo anímico, quando convertida em artefato. Nessa transmutação projeta-se como elo que refaz a comunhão entre homem e natureza.
CRISTIANO LENHARDT, PAU BONITO, 2015 Lança de caboclo é a arma usada por essa entidade da umbanda. Pau-de-fita, uma dança trazida ao Brasil pelos portugueses, com um mastro no centro, do qual saem fitas que os dançarinos seguram pelas pontas. Estandarte é uma bandeira com uma haste no meio, pela qual é levada em procissões, batalhões e na folia do Recife. Mescladas, todas essas referências viram Pau Bonito (2015), série de esculturas de Cristiano Lenhardt que ganham roupagem colorida, flertando com o concretismo. SELECT.ART.BR
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ANA MAZZEI, GHOST BRICKS, 2015 Roubando da carpintaria o procedimento de fabricação das estruturas individuais que formam a instalação Ghost Bricks (2015), Ana Mazzei cria uma maquete fictícia. Esse cenário abstrato parece se converter em um quebra-cabeça construtivo, cujas peças não se encaixam. A reencenação de narrativas possíveis dentro do contexto da razão humana, que está no cerne desse trabalho, é também o fio condutor da trajetória artística da jovem paulistana.
EFRAIM ALMEIDA, MÃOS COM CABEÇA, 2007 A inspiração nas esculturas artesanais é clara, e nem poderia ser diferente para Efrain Almeida. Nascido no município de Boa Viagem (Ceará), o artista incorporou técnicas locais para criar um universo intimista, que remete ao autorretrato e à biografia. É o caso de Mãos com Cabeça (2007), em que reproduz a própria face numa composição que alude aos ex-votos pela representação fragmentada do corpo. O artista tem atualmente exposição no MAM-Bahia até 3/7. FOTOS: EDUARDO ORTEGA/CORTESIA GALERIA FORTES VILAÇA, CORTESIA GALERIA JAQUELINE MARTINS
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OLARIA Se Deus esculpiu o homem usando barro, nada mais natural que a criatura siga os passos do criador. Buscando na terra a matéria-prima na qual imprimem suas marcas, artistas mostram a evolução da cultura humana em trabalhos de diferentes orientações. Primeiro, há a emulação das formas primitivas, como em artefatos arqueológicos. O domínio da técnica é a etapa seguinte, com a utilização do barro vermelho em moldes. Finalmente, a subversão do procedimento de edificação joga luz em seus aspectos sociais e políticos.
HÉCTOR ZAMORA, INCONSTÂNCIA MATERIAL, 2012 Feito inicialmente em olarias por meio de processo artesanal, o tijolo é um indicador da hierarquia dos meios de produção. Passando das formas para as mãos de trabalhadores que levantam paredes anonimamente, a peça sedimenta os muros da baixa valoração do trabalho braçal. Com a transposição do canteiro de obras para o cubo branco, o mexicano Héctor Zamora faz de Inconstância Material (2012) um ajuste de contas: no fluxo dos tijolos atirados pelo ar, a atividade dos operários tem sua performance ressaltada.
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NAZARENO, UM COMEÇO (SIMPLES ASSIM), 2014 Uma das características notáveis das obras tridimensionais de Nazareno é a criação de um laço quase familiar com o público. Pela miniaturização dos objetos cotidianos, o artista paulistano transporta o espectador de volta à infância, colocando em cena a instabilidade do sujeito diante da cristalização de convenções. Em Um Começo (Simples Assim, 2014), tijolos mínimos sugerem o contorno de uma parede, que, como um castelo de cartas, parece pronta a ruir.
TONICO LEMOS AUAD, SEM TÍTULO – CASA TRAMADA/CASA MACIÇA, 2012 Do que é feita uma casa? De tijolos, claro. Tonico Lemos Auad tirou partido da obviedade da constatação para sintetizá-la nas esculturas de Casa Tramada/ Casa Maciça (2012). Nelas, a massa de terra cozida é convertida em pequenas casas apoiadas sobre pedestais de madeira nua. Duas são maciças e as outras são moldadas numa trama que lembra outro elemento comum do artesanato, o vime. É o encontro da manufatura e do minimalismo. FOTOS: CORTESIA LUCIANA BRITO GALERIA, CORTESIA LUCIANA CARAVELLO ARTE CONTEMPORÂNEA, EDOUARD FRAIPONT/CORTESIA LUISA STRINA
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ESTÉTICA DA GAMBIARRA Quem nunca ouviu falar do jeitinho nacional que atire a primeira pedra. Se todo brasileiro está sempre se virando para driblar as precariedades não resolvidas pelo poder público, com a arte não seria diferente. Sua permeabilidade absorveu essas estratégias, conhecidas pelo nome genérico de gambiarra. Por ela, a assemblage e a escultura ganharam novos contornos, extraindo beleza de aglutinações e remendos que, em percepções mais conservadoras, seriam considerados mal-acabados. Não resta dúvida: a gambiarra tem estética própria.
PAULO NENFLÍDIO, WORKER CRAB, 2013 Se Chico Science inventou o manguebeat com a união do maracatu e da música eletrônica, Paulo Neflídio criou o caranguejo que frequenta esse manguezal. A série Worker Crab (2013) é formada por esculturas de lata desses animais, equipadas com baterias solares que movem pequenos motores para produzir ruído e tremor. O som e as invenções eletroeletrônicas dão a tônica do trabalho do artista nascido em São Bernardo do Campo. SELECT.ART.BR
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ERNESTO OROZA, PROVISIONAL BENCH – AVENTURA, 2007 Raízes de árvores sustentam tábuas que viram bancos. Caixas plásticas para transportar frutas em mercados ganham motor e se convertem em rádios. Esses são os frutos da gambiarra declarada do cubano Ernesto Oroza, que mostra que a sanha consumista de hoje não tem nada a ver com necessidade. Afinal, para que cadeiras de designers consagrados, se é possível usar estruturas de metal jogadas no lixo? Basta construir sobre elas um assento de madeira. É o caso de Provisional Bench – Aventura (2007), que o artista fez já morando na cidade homônima, na Flórida.
BARRÃO, MINUETO, 2015 O artista carioca Barrão é um expert na aglutinação aparentemente desordenada de cacos de adornos de porcelana. Daí surgem híbridos divertidos, que mesclam um ar de “casa da avó” ao nonsense que se esgueira pela produção humana e suas narrativas. Em 2015, ele passou a investir em um novo processo, usando pasta-base de porcelana para criar esculturas sobre as quais aplica peças industrializadas. Um exemplo da nova fase é Minueto (2015), em cartaz na Galeria Fortes Vilaça. FOTOS: CORTESIA PAULO NENFLÍDIO, CORTESIA ERNESTO OROZA, CORTESIA GALERIA FORTES VILAÇA
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CULTURA DE MASSA A visualidade exacerbada do povo não tem controle. Vai dos almanaques de histórias populares ao cordel. Do figurino berrante das estrelas do tecnobrega à estampa Pucci, deglutida por Beatriz Milhazes em sua síntese barroco-pop do Brasil. Do design gráfico às propagandas. Não importa a que santo reze, a cultura de massa atravessa os muitos estratos sociais para chegar à arte – reinventada, sequestrada e convertida em produto crítico.
PAULO NIMER PJOTA, SÍRIA, 2015 Os despojos de populações à margem da cultura hegemônica eurocêntrica são a matéria-prima dos trabalhos do paulista Paulo Nimer Pjota. Partindo de restos de construções como suporte, o artista aplica sobre a superfície elementos da cultura de massa. Assim, cria assemblages bidimensionais como Síria (2015), em que personagens infantis e ícones regionais, afixados em uma chapa de alumínio, fazem lembrar cenários desolados das periferias do Oriente Médio, não muito diferentes do Brasil. SELECT.ART.BR
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CHRISTIAN VINCK, VIDA Y HAZAÑAS DE J.M., 2014 O venezuelano Christian Vinck opera na tensão entre a latinidade e os padrões europeu e norte-americano do mundo globalizado. Para isso, resgata em pinturas cenas cotidianas da América Latina, reinventa mapas ou retrata capas de livros de história. Em Vida y Hazañas de Joaquín Baiacu, da série StudioVinck Butterfly Murrieta (2014), tira do baú um Robin Hood mexicano. Murrieta (1829-1853) teria se tornado chefe de um bando criminoso após ser dis(2015), de Virginia de Medeiros, criminado como imigrante e ter sua mulher violentada e assassinada durante a Corrida do Ouro na Califórnia. FOTOS: FOTOS: CORTESIA VIRGINIA GALERIA DE MEDEIROS, MENDES WOOD CORTESIA DM, CORTESIA GALERIA NARA GALERIA ROESLER: LEME
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RAFAEL RG E FABIANA FALEIROS, TOUR BOGOTÁ, 2012 Para Fabiana Faleiros, a subversão do “bom gosto” é disparadora de novas formas de existência. Em 2012, ela e Rafael RG incendiaram Bogotá (Colômbia) com intervenções e shows performáticos, mesclando funk carioca com cumbia. Uma oficina de caipirinha deu teor alcoólico à viagem, que terminou com a exposição Libertad a la Orden, atualização relax do lema da bandeira colombiana, Libertad y Orden. Aqui está o flyer do projeto. SELECT.ART.BR
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FOTOS: CORTESIA FABIANA FALEIROS
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À procura das diferentes formas de representação da cultura popular, seLecT pediu ao artista colombiano Carlos Monroy uma interpretação artística para o gênero musical brega. Inspirado na letra da canção Latin Lover, de João Bosco e Aldir Blanc, eternizada na voz de Simone, o artista joga com clichês do latino caliente em uma série de fotografias estilo semipornô anos 80.
C A R L O S M O N R OY
As lembranças acompanham até o fim o latin lover Que hoje morre, sem revólver, sem ciúmes, sem remédio, de tédio
P R OJ E T O
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FOTOS: EVERTON BALLARDIN
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I N T E R N AC I O N A L
OBRAS NA ESCURIDÃO
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A D R I A N A F E R R E I R A S I LVA , D E PA R I S
Um dos mais importantes centros de arte contemporânea do mundo, o Palais de Tokyo recebe uma instalação de OSGEMEOS e de JR que jamais será aberta ao público
Detalhe da instalação da dupla OSGEMEOS com o francês JR em área restrita do Palais de Tokyo
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UM DOS MAIS RECENTES E INSTIGANTES TRABALHOS DA DUPLA OSGEMEOS JAMAIS SERÁ VISTO DE PERTO PELO PÚBLICO. Há dois meses, os irmãos Gustavo e Otávio
Pandolfo criaram uma instalação em parceria com o fotógrafo francês JR nas paredes de uma das saídas de fumaça do Palais de Tokyo, em Paris. O trio passou dois dias dentro de um túnel escuro, sob a luz trêmula de 200 velas, e protagonizou uma espécie de ritual em memória dos mortos durante a Segunda Guerra Mundial. O even-
FOTO: JR
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to está ligado ao passado do Palais, que, no período de ocupação da França pelo exército nazista (1940-1944), era um dos locais onde os alemães guardavam bens confiscados de judeus. A sala vizinha ao espaço onde OSGEMEOS e JR se embrenharam foi usada como um depósito de pianos roubados. Das poucas fotografias que restaram daquela época, uma delas mostra o salão abarrotado de instrumentos. Inseridos nesse contexto, os irmãos desenharam homens, mulheres e crianças. Famílias judias que se mesclam às reproduções em grandes dimensões de imagens da década de 1940, escolhidas e manipuladas por JR. Um dos personagens está sentado ao piano. Outro abraça-o como se não quisesse dele se separar. Um terceiro chora ao lado do objeto despedaçado. Em fila, figuras esquálidas observam o vazio com um olhar desamparado. Ao final do processo de criação, restam as fotos, feitas por JR, que devem se transformar num livro – ainda sem data de publicação. A obra voltou à escuridão. Como se trata de uma área de segurança da construção, seu acesso é completamente vetado. Nem o curador responsável por promover esse encontro, o francês Hugo Vitrani, poderá rever seu resultado. Com essa composição, o Palais de Tokyo inaugura a sexta etapa do Lasco, projeto idealizado por Vitrani, com a intenção de ocupar territórios de acesso restrito desse labiríntico centro cultural, por artistas ligados à arte urbana. O nome do programa “work in progress” faz referência ao complexo de cavernas de Lascaux, no oeste da França, cujas paredes
são cobertas por pinturas rupestres. “Os convidados podem fazer o que quiserem, onde quiserem. Não há regras”, explica o curador para seLecT. “Há trabalhos em espaços acessíveis ao público. Outros, podemos conhecer por meio de visitas guiadas. E há aqueles que estão camuflados ou em áreas cuja entrada é proibida”, afirma. OPÇÃO PELO INACESSÍVEL
Para Vitrani (ele próprio, ex-grafiteiro), a opção pelo inacessível é uma maneira de reproduzir o modus operandi desses criadores, e, ao mesmo tempo, testar os limites da instituição, promovendo ações ilegais e clandestinas mesmo “a convite” do centro artístico. “Há grafiteiros que fizeram coisas extraordinárias nas ruas e ninguém sabe, ninguém viu. Lotear essas áreas alimenta o imaginário dessas lendas urbanas”, acredita. A tentativa de reproduzir de maneira não usual o espírito subversivo das ruas dentro do Palais começou em 2012, ano de estreia do Lasco Project. Vitrani refere-se ao lan-
Os franceses Lek & Sowat assinam intervenção na terceira edição de Lasco Projects, curadoria de Hugo Vitrani que ocupa espaços inusitados da instituição parisiense
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çamento como o “cavalo de Troia”, que espalhou 50 grafiteiros pelos subterrâneos do prédio. “Buscamos artistas radicais, como (o francês) Azyle, que passou a vida inteira pintando dentro das estações de trem, sem nunca ter feito nada em outro lugar. Não foi fácil convencê-lo, mas ele veio”, lembra. A primeira é também a parte mais visível do projeto. Espalhados por salas que desembocam nas escadas das saídas de emergência, os artistas forraram de cima a baixo paredes com pé-direito altíssimo. Há grafites e pichações por todo canto: em escadas, colunas, no teto. O efeito é impressionante. O vazio, perturba. Vez ou outra, um funcionário quebra o silêncio ao destravar o trinco de uma das pesadas portas de segurança. O ambiente foi cenário para o filme O Cheiro da Gente (2013), de Larry Clark. Os frequentadores podem fazer um tour por ali com horário marcado, na companhia de um monitor. Alguns setores, no entanto, têm acesso livre, pois são passagens para anexos do Palais, como o clube e casa de es-
petáculos Yoyo, cuja entrada se confunde com a de uma galeria de arte de rua. O efeito é involuntário. Tudo o que Vitrani menos deseja é comparar o Lasco Project às exposições de grafiteiros de apelo popular, tão em voga nos anos 2000. “Na primeira fase, nos concentramos em representantes da cena dos anos 1990, que não participam de projetos oficiais, continuam à sombra, mas são ícones para essa cultura. Uma turma que se interessava pela ruína e não faz figurações. Não tem nada de pop”, diz. “Depois, passamos a chamar pessoas que não são necessariamente ligadas ao grafite, pois não se trata de um programa de street art, mas de como os artistas podem trabalhar sobre o tema da rua, seja ele poético ou violento, num lugar fechado.”
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ESTRELAS DA STREET ART
No total, cerca de 70 criadores participaram do Lasco Project. A cada etapa, mudam as técnicas, muda o conceito, muda tudo. “Começamos com uma invasão coletiva de grafiteiros e evoluímos para projetos pessoais e monográficos”, resume Vitrani. Entre eles está uma instalação do português Alexandre Farto, o Vhils, que participou da terceira parte, em 2014. O gravurista viaja o mundo fazendo retratos e, posteriormente, reproduz os rostos, esculpindo-os no concreto. “Ele pintou muitos trens quando era adolescente e depois passou a fazer murais no ateliê”, explica Vitrani. “Suas esculturas seguem a ideia do vandalismo, de criar por meio da destruição, ao raspar um muro que pode estar coberto por cartazes políticos ou de propaganda.”
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O norte-americano Craig Costello durante preparação de trabalho para o Lasco Projects #4; na página ao lado, outro detalhe da obra d’OSGEMEOS
Outras estrelas da street art que assinam as paredes do Palais de Tokyo são o norte-americano Craig Costello, responsável por uma pintura de grandes dimensões, no jardim externo, a dupla francesa Lek & Sowat e Futura 2000, icônico grafiteiro de Nova York. Além de pinturas de acesso público, os três últimos cobriram as paredes de um buraco cuja entrada é proibida. “Futura só aceitou participar porque poderia fazer o trabalho ilegal”, conta Vitrani. “Para despistarmos a organização, ele pintou um painel bem simples, na superfície, e depois se concentrou no subterrâneo, onde reproduziu o estilo que o tornou clássico nos anos 1980”, descreve o curador. “O único que sabia de nossa intenção era o presidente do Palais, Jean de Loisy.” Essas imagens, inclusive as camufladas, estarão reunidas num livro que será publicado em outubro com registros de quase todas as fases do Lasco Project. Ficam de fora os artistas que compõem o sexto programa, cuja inauguração ocorre em julho e terá pinturas e instalações dos franceses Olivier Kosta-Théfaine e Philippe Baudelocque e do grego Stelios Faitakis. Por ora, a única peça furtiva é a dos GEMEOS e JR. “Mas nunca se sabe o que os artistas podem inventar”, sorri, Vitrani. Ícones do grafite internacional, os brasileiros OSGEMEOS reediSELECT.ART.BR
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tam uma aliança com JR que começou em São Paulo, num muro na Avenida Radial Leste, e agora ocorre pela primeira vez dentro de uma instituição. O francês – que não divulga seu nome de batismo –, é um nome badalado na arte contemporânea, graças ao impacto de seus retratos de pessoas comuns que, transformados em imagens gigantes, cobrem muros, arranha-céus e monumentos de grandes metrópoles. Em 2008, ele trouxe ao Brasil o projeto Women Are Heroes (mulheres são heroínas), realizado no Morro da Providência, à época uma das comunidades mais violentas do Rio. A ação consistia em fotografar moradoras e transformar seus retratos em cartazes gigantes, que foram pregados sobre telhados, escadarias e paredes da favela – as imagens estão no site www.jr-art. net. Realizado entre 2008 e 2010, o projeto passou ainda por Serra Leoa, Libéria, Índia e Camboja, entre outros países. FOTOS: AURÉLIEN MOLE/PALAIS DE TOKYO, JR
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FOTOS: PAULO D’ALESSANDRO
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EXPOSIÇÃO
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PRÁTICA MUSEOLÓGICA LIBERTADORA
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Masp prepara a reencenação de A Mão do Povo Brasileiro, histórica exposição que trouxe para o cenário paulista a rica cultura material do País
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FOTOS: HANS GUNTER/ ACERVO INSTITUTO MOREIRA SALLES E LUIZ HOSSAKA/ MASP
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QUANDO O MASP ABRIU AO PÚBLICO EM GERAL, EM 1969, COM A REVOLUCIONÁRIA E DEMOCRÁTICA APRESENTAÇÃO DO ACERVO NOS CAVALETES DE VIDRO E A OCUPAÇÃO DO BELVEDERE COMO PRAÇA MUSEALIZADA,
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a exposição temporária A Mão do Povo Brasileiro afirmava a contribuição possível dos saberes e fazeres populares ao universo da alta cultura. Pré-inaugurado um ano antes, com a presença da rainha Elizabeth II, o Museu assumia então a escala das massas; propunha reposicionar conceitos e fronteiras da expressão do conhecimento humano através do mundo das artes, como planejado por Pietro Maria Bardi desde o primeiro Masp da Rua 7 de Abril (1947). Para Lina Bo Bardi, tratava-se de uma nova expressão arquitetônico-museográfica concebida em seu modernismo revigorado e de caráter político nacional, após a fértil experiência dos anos em que viveu ‘a’ Bahia. A contundente apresentação do universo da cultura popular coletada na Bahia (Bahia no Ibirapuera, 1959, feita em parceria com Martim Gonçalves, Glauber Rocha e Mario Cravo Jr., entre outros) expôs utensílios, objetos de uso cotidiano, religioso, além de extensa documentação fotográfica de caráter antropológico. Em seguida, instalou e dirigiu o Museu de Arte Moderna da Bahia (Mamb) no foyer do Teatro Castro Alves, na efervescente Salvador prétropicalista e do Cinema Novo. No Museu de Arte Popular do Solar do Unhão, em 1963, concebido como um desdobramento do Mamb, criou o marco de abertura a uma nova e possível reconstrução da cultura material brasileira, de origem popular e miscigenada. Era um projeto para o estabelecimento de um centro de documentação de arte popular e de estudos técnicos, feito a partir de extenso levantamento das bases culturais do Nordeste brasileiro, visando sua incorporação pela indústria nascente e buscando eliminar o risco da importação de modelos exógenos, típicos da indústria de consumo global. Era um desejo de transformar as possibilidades de identidade nacional, um projeto de civilização. Seu ponto de partida, a exposição Civilização Nordeste, inaugurou o museu com uma expografia baseada em caixas de pinho e agrupamentos de objetos que reproduziam a ambientação das feiras populares onde muitos deles tinham sido coletados. Havia objetos oriundos da Bahia, do Ceará e de Pernambuco, adquiridos em intercâmbio com o Movimento Popular de Cultura, fundado no Recife. Com a Mão do Povo Brasileiro no Masp em 1969, lembremos que, nominada e concebida por Pietro Maria Bardi, rendeuse homenagem ao “povo do Brasil” e criou-se um alento de continuidade às ambições soterradas na Bahia pela incompreensão política de 1964. A retomada dessas questões no cenário paulista, novamente de forma pioneira em um museu de arte, foi um marco e um manifesto ao apresentar esse conjunto de “saídas” e soluções criativas em oposição ao mundo erudito. SELECT.ART.BR
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Fotografias da exposição A Mão do Povo Brasileiro, nominada e concebida por Pietro Maria Bardi e organizada por Lina Bo. A mostra inaugurou o edifício do Masp na Avenida Paulista, em 1969
A Mão do Povo Brasileiro 1969-2016, curadoria Adriano Pedrosa, Julieta González e Tomás Toledo, de 1º/9/2016 a 29/1/2017, Masp, Av. Paulista, 1.578, www.masp.art.br
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Lina Bo Bardi marcou um importante passo rumo à eliminação do “complexo de inferioridade” cultural do Brasil colonizado, incorporando um novo olhar a partir de nossa própria cultura, perante a história da arte ocidental até então consolidada
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ENCENAÇÃO TEATRALIZADA Utilizando-se da mesma tipologia de expositores de madeira de pinho cru, apresentava um ambiente amplo com iluminação geral, como costumava fazer em suas mostras, permitindo ao público a liberdade de criar leituras sem roteiros preestabelecidos. Foi uma encenação teatralizada, que contava com recursos de som e cheiro de incenso queimado como nas igrejas coloniais. O material exposto era originário do Museu de Arte da Universidade do Ceará, do Museu do Estado da Bahia, do Museu de Arte e Técnicas Populares de São Paulo e de vários colecionadores e antiquários paulistas. Feita em um momento político difícil de repressão no País, a arquiteta marcou um importante passo rumo à eliminação do “complexo de inferioridade” cultural do Brasil colonizado, incorporando um novo olhar a partir de nossa própria cultura, perante a história da arte ocidental até então consolidada. Esse senso de libertação e afirmação, tônica de todo projeto do Masp, é seu eixo condutor na interlocução junto ao espectador comum, cujo exemplo maior é o próprio cavalete de vidro. No projeto desse seu segundo museu paulista, Lina Bo Bardi encontrou a oportunidade de fundir conceitos e práticas de comunicação expositiva integrando-as à concepção do edifício, utilizando-se da expressão técnica de elementos construtivos como meio de comunicação, sem estabelecer fronteiras entre espaço e conteúdo. A ideia de resgatar a potência das proposições iniciais da instituição, resgatando seus atos fundamentais hoje, como tem sido proposto pela equipe liderada pelo curador Adriano Pedrosa, revitaliza o Museu a partir de suas premissas principais, caracteristicamente entranhadas na arquitetura. Após a recente retomada dos cavaletes de vidro na Pinacoteca e a recuperação, na medida do possível, do belvedere (Playgrounds 2016 e Histórias da Infância), propõese agora uma nova apresentação da exposição A Mão do Povo Brasileiro como um estudo de caso em busca de compreender sua “prática museológica descolonizadora”, conforme define a curadoria. Se fosse um evento isolado, poderia ser visto como saudosismo estetizante ou redução formalista, como ocorre no campo do design em casos de apropriação folclórica da cultura popular, construindo uma identidade brasileira superficial. No entanto, trata-se de mais uma ação contextualizada no Masp de hoje, que sofreu um apagão nos últimos tempos ao negar os cavaletes de vidro por 19 anos, sua alma institucional, sem dar altura à ambição cultural planejada por Pietro e Lina Bo Bardi. A proposta dessa revisão geral é fundamental para retomar o fio da meada desse projeto tão atual e universal.
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Nesta página e ao lado, biojoias da Sereias da Penha, de João Pessoa (PB), que conta com direção artística de Ronaldo Fraga SELECT.ART.BR
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ARTESANAL PROFISSIONAL
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Em busca de aprimoramento e difusão, artesanato nacional ganha estatuto de design e centro de excelência no Rio de Janeiro L U C I A N A PA R E J A N O R B I AT O
ANEXADO À DEFINIÇÃO DE ARTESANATO O HOUAISS TRAZIA O SENTIDO FIGURADO “DIZ-SE DAS COISAS FEITAS SEM MUITA SOFISTICAÇÃO; RÚSTICO”. Mas, hoje, a acepção
depreciativa desapareceu desse dicionário. Artesanato é apenas “a arte e a técnica do trabalho manual não industrializado, realizado por artesão, e que escapa à produção em série; tem finalidade a um tempo utilitária e artística”. Esse é um claro sintoma de um movimento que começou nos anos 1980, sob a influência das mostras etnográficas de Lina Bo Bardi (leia texto à página 80) e o ativismo pró-artesania do designer Aloísio Magalhães entre 1960 e 1970. Essa trilha mostra agora seus frutos: a busca dos designers pelas matrizes da manufatura tradicional e específica de cada região. É a percepção de que artesanato também é design, e dos melhores, num movimento de imbricação das duas áreas que vai da otimização da produção até a criação artística de peças únicas. “É o processo de desconstrução de uma mentalidade colonizada”, diz a pesquisadora Adélia Borges à seLecT. “As primeiras escolas de design surgidas no Brasil tinham professores alemães, vindos da Bauhaus, e isso condicionou o pensamento nacional na preferência FOTOS: DAYSE EUZEBIO/SEREIAS FOTOS: REPRODUÇÃO DA PENHA
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Nesta página e ao lado, salas da exposição Origem Vegetal, que inaugurou o Centro de Referência do Artesanato (Crab), iniciativa ambiciosa do Sebrae no Centro do Rio de Janeiro
pelo industrial.” Pesquisadora de design reconhecida mundialmente, Adélia Borges é uma das maiores defensoras do artesanato como campo autônomo desse setor. Por essa razão, foi convidada, junto ao designer Jair de Souza, para fazer a curadoria da exposição inaugural do Centro de Referência do Artesanato Brasileiro (Crab), um projeto ambicioso do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). O órgão é o oásis dos projetos de artesanato em meio à secura de recursos privados e públicos. Pelas iniciativas de financiamento e capacitação propostas pelo Sebrae há 20 anos ininterruptos, tradições manufatureiras isoladas regionalmente ganham pontes concretas para o território mundial. O Crab busca potencializar essa vocação, num cenário de agentes cada vez mais organizados em cooperativas, unindo expertises. “Queríamos criar um lugar que se tornasse cartão-postal internacional do artesanato nacional. O Rio de Janeiro é um lugar perfeito, graças ao trânsito intenso de turistas de outros países”, diz Heliana Marinho, coordenadora do Crab. Além de servir como vitrine, a iniciativa aberta em março último quer ser também um centro de capacitação, visando a comercialização. Para incrementar as vendas, tem uma loja atrelada às mostras. Origem Vegetal, com curadoria de Borges e Souza, fica em cartaz até 24 de setembro nos três prédios históricos localizados na Praça Tiradentes, restaurados ao custo de R$ 40 milhões. Os produtos do espaço comercial do Crab serão os mesmos que cada mostra vai exibir ao público. “No século 21, o artesanato passa a ter outro valor, porque se percebe sua exclusividade e seu respeito pelo meio ambiente”, diz Marinho. Nessa primeira curadoria, o eixo que liga os artefatos em exibição é sua matéria-prima vegetal. Pela bela expografia passeiam trabalhos de comunidades indígenas (como tupinambás, apurinãs e xavantes) até traSELECT.ART.BR
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balhos mais autorais, como os do biojoalheiro Antonio Rabelo e da dupla Rodrigo Ambrósio e Rona Silva, habitués da Design Week de Milão. Além das exposições e da loja, o restaurante do Crab, ainda em fase de instalação, terá residências de chefs de cozinha, a fim de desenvolver cardápios especiais, ressaltando o caráter experimental do projeto. Um banco de dados dos artesãos-designers mapeados no País também está nos planos, além de uma midiateca, um auditório e salas de aula. DAS ESCAMAS ÀS SEREIAS
A compreensão do artesanato como manufatura de luxo, mesmo ainda encontrando resistência, vem gerando um movimento no sentido contrário, o de formação de designers-artesãos espontâneos. São pessoas que nunca fizeram trabalhos manuais, mas aprendem técnicas e tomam gosto pela coisa – como é comum na Europa, onde o artesanato é tido como técnica ensinada em cursos superiores. Hoje há designers consagrados que trabalham em sistema colaborativo, criando um nicho de produção que se aproveita da matéria-prima local para gerar empregos e renda com sustentabilidade. É o chamado design social. Entre seus adeptos figuram nomes como Mana Bernardes e seus acessórios em garrafas
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“Essa elite que vai para Miami comprar bolsas Louis Vuitton produzidas em série na China não consegue entender que a artesania é exclusiva, única”, diz Ronaldo Fraga
PET, Heloísa Crocco, com artefatos de inspiração indígena, e um de seus mais notórios promotores, o design de moda Ronaldo Fraga. “Sinto que tenho um compromisso civil como designer de romper a barreira do preconceito que ainda existe entre o design industrial e o feito à mão. Essa elite que vai para Miami comprar bolsas Louis Vuitton produzidas em série na China não consegue entender que a artesania é exclusiva, única”, diz Fraga à seLecT. O estilista costuma desenvolver um projeto por ano ligado a artesanato, e na coleção verão 2016 foi buscar na Penha de João Pessoa (PB) o diferencial de tramas e acessórios delicados, feitos de escamas de camurupim tricotadas com fios de cobre, inox, ouro, prata e linha de pesca. De quebra, botou 30 artesãs na passarela, caracterizadas com rabos de sereia e os seios de fora, uma divertida transgressão para um grupo com idades entre 18 e 85 anos. “Quando descobrimos que íamos todas para a SPFW, ficamos naquela excitação. Tinha mulher no grupo que nunca tinha viajado de avião. Chegamos lá como anônimas e, depois do desfile, todo mundo veio cumprimentar e dizer que nossas peças são lindas. Foi uma emoção muito grande. Ronaldo Fraga nos emprestou seu nome e confiou no nosso trabalho, sem ele não teríamos o mesmo reconhecimento”, diz Joseane Izidro, 32, que segue na cooperativa, batizada pelo estilista de Sereias da Penha. O projeto surgiu pela iniciativa do Instituto Federal de Educação da Paraíba (IFPB), Prefeitura Municipal de João Pessoa e Sebrae-PB como uma série de oficinas de capacitação para mulheres da região e, sob a direção artística de Fraga, deu tão certo que hoje se sustenta com a venda dos produtos. “Temos a loja física e vendemos via internet para todo o País (pelo site www.sereiasdapenha.wordpress.com), mas estamos em processo de desenvolvimento de nossa loja virtual”, conta Izidro. FOTOS: DIVULGAÇÃO/SEBRAE-RJ
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ARTE E EDUCAÇÃO
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DOMINGO NO PARQUE Antes acuado, MAM-SP cria programação sob medida e ganha respeito das tribos que frequentam o Ibirapuera nos fins de semanas L U C I A N A PA R E J A N O R B I AT O
Entre tantos debates sobre a necessária (e desejada) popularização dos museus e eventos artísticos, são raros aqueles que expandem seus limites físicos e institucionais a fim de alcançar outros públicos, que não os da arte. Instalado em 1968 num dos extremos da marquise do Ibirapuera, em sede que deveria ser provisória o Museu de Arte Moderna de São Paulo viu-se obrigado a repensar sua relação com o crescente fluxo de jovens usuários do parque, desde que sua área verde passou a funcionar non stop nos fins de semana. Desde 2013, o Ibirapuera fica aberto das 5 da manhã de sábado até a meia-noite de domingo. E a efervescência de tribos – nem sempre simpatizantes entre si – de punks, skinheads, LGBTTs (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transgêneros), funkeiros, emos e hip-hoppers, de idades entre 14 e 24 anos, não trouxe só paz e amor. Ocorrências sérias, entre espancamentos e estupros, principalmente durante os rolezinhos que chegam a reunir mais de 100 mil jovens, se espalharam pelos cerca de 500 mil metros quadrados de parque. Embora a venda de bebidas alcoólicas seja proibida no Ibirapuera, o consumo de álcool rola solto. “O MAM estava acuado. A equipe chegava para trabalhar no domingo e a porta estava bloqueada por jovens desmaiados, em coma alcoólico. Tivemos de tomar uma SELECT.ART.BR
decisão: ou fecharíamos ou partiríamos para a conversa”, disse Felipe Chaimovich, curador do museu, durante caminhada com a reportagem de seLecT na marquise do Ibirapuera. É fato: a instituição tornou-se um ponto de encontro das turmas em torno da Aranha (1997) de Louise Bourgeois e o painel dos Gêmeos desde 2010 na fachada. “Os jovens têm outra relação com arte. Eles entendem o entorno do museu como um lugar confortável, coberto, com esculturas, mas não têm uma relação de reverência”, diz Gregório Ferreira, da equipe do Educativo MAM. Foi desse setor, encabeçado por sua coordenadora, Daina Leyton, que surgiu a ideia de fazer contato com o público domingueiro. Além de treinar a equipe para ser receptiva e aumentar a sinalização, o museu criou uma linha especial de atividades. “O primeiro passo foi a equipe do MAM vir aos domingos observar as dinâmicas dos jovens. Depois perguntamos ao pessoal o que eles queriam ver”, conta Leyton. Desse diagnóstico surgiu o Domingo MAM, programação gratuita realizada todos os fins de semana nos arredores do museu, com apoio da administração do parque e da Guarda Civil Metropolitana. “O MAM assumiu que esse é um público legítimo do museu. É uma geração que tem uma vivência urbana fora de um ambiente doméstico e familiar
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B-boys do ISH Dance Collective se apresentam no Domingo MAM em novembro de 2015
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FOTOS: CORTESIA GALERIA VERMELHO; BIBLIOTECA NACIONAL; ARQUIVO GERAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, INSTITUTO MOREIRA SALES. 23/05/16 16:55
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acolhedor, não tem oferta de lazer nem atividade cultural democrática, e tem de inventar esse lugar com sua turma. Essa relação explicita um diagnóstico do papel do museu hoje na sociedade”, define Chaimovich. Os eventos são realizados em três frentes: oficinas de produção artística de manhã, apresentações de cultura geral (música, dança etc.) à tarde e, no fim do dia, debates sobre questões relevantes para esse público – gênero, prevenção de DSTs (Doenças Sexualmente Transmissíveis), drogas etc. A ideia é chamar para ajudar a coordenar os eventos os jovens que já têm hábitos de atividades no local, como os B-Boys e um grupo de contato-improvisação. Também foram escaladas Drag Queens para a conscientização sobre sexo seguro; o coletivo LGBTT Revolta da Lâmpada; imitadores de Beyoncé Knowles; mestres do improviso no rap. Há lugar para todos. Até um fanzine foi feito em parceria com o coletivo de ação urbana Micrópolis e a designer Ariana Miliorini. “São jovens fazendo atividades para jovens”, diz Leyton. Líderes de comunidades no Facebook são parceiros e ajudam a atrair participantes como Maurício Vondork (o Mau Mau), 22. Frequentador do parque desde 2011, encontrou-se várias vezes com a coordenadora do Educativo do museu para delinear eventos que partissem dos anseios do público. “O MAM quer compreender o jovem e tenta elaborar modos para que possa se integrar a ele”, diz Mau Mau à seLecT. Ele virou um entusiasta do museu e adquiriu o hábito de ir aos vernissages das exposições.
Acima, Banda Alana, formada por jovens, em show de março de 2014; abaixo, exemplar e serigrafia do zine Look Book
AO SOM DAS VIATURAS
Entre os hits de visitação da galera em 2015 esteve a instalação O Tema da Festa, de Berna Reale, obra que elabora o tema da criminalidade. Para o 34º Panorama da Arte Brasileira, a artista criou uma boate embalada por música composta por sirenes de viaturas policiais e vozes de vítimas da violência urbana. Enquanto isso, do lado de fora, a equipe do museu observou a queda das ocorrências policiais. SELECT.ART.BR
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“O MAM assumiu que esse é um público legítimo do museu. Essa relação explicita um diagnóstico do papel do museu hoje na sociedade”, define Chaimovich No ano passado, segundo Chaimovich, apenas duas foram registradas pelos funcionários, que, antes da iniciativa, chegaram a socorrer casos graves de espancamento. Sem confirmar as informações nem fornecer dados específicos, a Guarda Civil Metropolitana restringiu-se a informar à seLecT que, durante a madrugada de sábado para domingo, intensifica o policiamento em pontos estratégicos do parque, agindo “na mediação de conflitos, imprimindo a cultura da paz e o respeito à diversidade e aos Direitos Humanos”. No domingo em que a reportagem da revista esteve no MAM (17 de abril), havia duas viaturas da GCM e uma ambulância de plantão próximas à instituição. Diversos jovens afirmam que preferem ficar nas imediações do museu. Um deles é Matheus, 16, que, como tantos outros colegas, vem da periferia de São Paulo (no caso, o município de Francisco Morato). “Lá tem sempre alguma coisa nova acontecendo, como show de funkeiros e encontro de
youtubers. Os eventos deram uma acalmada aqui. E os seguranças protegem a gente.” Para ele, só o Centro de Cultura e Juventude de sua região tem programação parecida. Felipe Chaimovich salienta que a continuidade do projeto é fundamental. “Trata-se de um equilíbrio frágil, é preciso ter programação sempre”, afirma o curador, que não vê outras instituições no mesmo caminho, a não ser o Museu de Arte do Rio (MAR), que atua na região portuária da capital fluminense. Convidado a apresentar sua iniciativa no 9º Encontro Regional do Comitê de Educação e Ação do International Council of Museums (Icom), em Lima, Peru, em 2014, sob o tema Museus e Bem Comum; e no Seminário Playgrounds, do Masp, em abril deste ano, que debateu a relação dos museus com o público, o Educativo MAM afirma-se como referência para futuras investidas. “É difícil dizer que isso deve ser um modelo, mas é preciso considerar que existe um povo com demanda por cultura, por museu”, diz Chaimovich.
Queen do Esquadrão das Drags tira selfie com público em evento contra a homofobia em maio de 2015 FOTOS: KARINA BACCI/MAM
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FOTOS: CORTESIA GALERIA VERMELHO; BIBLIOTECA NACIONAL; ARQUIVO GERAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, INSTITUTO MOREIRA SALES. 23/05/16 16:55
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Carmen Miranda, Aurora Miranda e o Bando da Lua em cena do filme Alô, Alô Carnaval (1936), de Adhemar Gonzaga
NOVO MIS-RJ QUER IMPRESSIONAR (MAS NÃO SE RESPONSABILIZA POR CONSERVAÇÃO) SELECT.ART.BR
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MÁRION STRECKER
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PIONEIRO ENTRE INSTITUIÇÕES DO GÊNERO, O MUSEU DA IMAGEM E DO SOM DO RIO DE JANEIRO FOI FUNDADO EM 1965 E ABRIGA 31 COLEÇÕES PARTICULARES, doadas ou
O Museu Carmen Miranda será fechado, o velho MIS vai perder a sede da Praça XV e o novo MIS de Copacabana não terá reserva técnica
compradas ao longo de 50 anos. São mais de 300 mil itens, entre fotografias, filmes, partituras, discos, fitas de áudio, livros e objetos, como roupas e instrumentos musicais. Entre as coleções preservadas pela equipe de 43 funcionários estão as de Almirante, Augusto Malta, Jacob do Bandolim, Elizeth Cardoso, Rádio Nacional, Nara Leão e Sérgio Cabral. Mais recentemente, as coleções de Dorival Caymmi, Herivelto Martins, João Araújo (pai de Cazuza), Nelson Motta e Paulinho Tapajós foram incorporadas. Pela escassez de funcionários, nem todas as coleções foram computadas ainda. Por falta de verba, novos acervos não têm sido comprados. Se ainda aceitam algumas doações (“Há coisas que não podemos desperdiçar”, diz a vicepresidente da Fundação MIS, Rachel Valença), recusam sistematicamente coleções particulares que não sejam de músicos, artistas ou personalidades, pela dificuldade prática de selecionar o que interessaria para a instituição. Pouco do acervo, porém, estará fisicamente na sede do novo MIS, já erguida mas ainda não finalizada na paisagem deslumbrante de Copacabana. O projeto do novo museu é fazer uso intensivo de computadores, projeções e instalações espetaculares para festejar a cultura carioca bem na frente da praia mais famosa do Brasil. A prioridade é, obviamente, oferecer diversão e informação para o público local e os turistas que passam no calçadão, e não criar um local para guardar comme il faut o acervo da instituição, fundamental para os pesquisadores da cultura brasileira. O governo do estado do Rio de Janeiro confiou o projeto do novo MIS à Fundação Roberto Marinho, em parceria com o então existente Ministério da Cultura, por meio de lei de incentivo, e financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Os patronos são TV Globo, Itaú e Natura. Os patrocinadores são Vale, AmBev, Light e IBM. Um lindo novo prédio de 9,8 mil metros quadrados em frente à praia foi projetado pelo escritório nova-iorquino Diller Scofidio + Renfro, escolhido em concurso em 2009. No endereço antes funcionava a boate Help, conhecida internacionalmente pelas prostitutas que batiam ponto ali. O projeto ficou conhecido pelo sugestivo nome de Help MIS. Entretanto, tudo indica que o “help” será bastante parcial, já que a conservação do riquíssimo acervo do velho MIS não
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faz parte do escopo do projeto, a não ser em casos pontuais, como algum vestuário e adereços de Carmen Miranda, que podem vir a ser expostos no original ou em réplica. A obra civil, inicialmente orçada em R$ 70 milhões, está bem adiantada, mas está parada há meses. Faltam acabamentos, instalações e esquadrias. O contrato com a empreiteira responsável por instalações e acabamentos foi rescindido em fevereiro pelo governo, por não cumprimento. O valor total do investimento atualizado corresponde a R$ 274 milhões. Já foram gastos R$ 75,7 milhões do governo do estado, R$ 40,1 milhões de recursos do BID e R$ 113 milhões de recursos privados captados pela FRM. A ideia inicial era inaugurar o novo espaço em 2012, mas nem para as Olimpíadas ele estará pronto. O governo do estado vive gravíssima crise financeira e administrativa A Secretaria de Estado de Cultura estima hoje que a inauguração do novo MIS será em 2017. “Vamos inaugurar dez meses depois que a obra for retomada”, informa o responsável pelo conteúdo do novo MIS, o jornalista Hugo Sukman, da Fundação Roberto Marinho. A expografia está sendo feita pelos cenógrafos Daniela Thomas e Felipe Tassara, ela também cineasta e ele diretor de arte. Como aconteceu com outros projetos museológicos da FRM, notadamente o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, e o Museu do Amanhã, no Rio, haverá instalações multimídia. Mas, uma vez pronto, a Fundação Roberto Marinho não vai administrar o museu. “A FRM não gere nenhum museu. Faz parte dos conselhos. Capta os recursos, inclusive do Estado. Cria, desenvolve, implementa. Cria modelos de gestão. Entrega o museu na inauguração”, esclarece Sukman. CONTRASTES
No térreo do novo edifício haverá bar, livraria e uma banca virtual de notícias relacionadas ao conteúdo do museu. No subsolo, boate para 80 pessoas e auditório de 280 lugares. No primeiro andar, a exaltação do “espírito carioca”, com “salões virtuais” de comediantes e humoristas e uma “experiência totalmente imersiva” no Carnaval da cidade. O segundo andar será dedicado à música. Ali será possível ouvir dezenas de horas da programação dos tempos áureos da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, assistir a programas de auditório de estrelas da rádio, documentário sobre a origem do samba no Rio, animação sobre o choro e uma história da canção. Está prevista ainda uma instalação com instrumentos do acervo do MIS, como a batuta de Villa-Lobos, o piano de Ernesto Nazareth, o saxofone de Pixinguinha e o bandolim de Jacob. Outros destaques serão uma área para a televisão SELECT.ART.BR
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No alto, vista da Praia de Copacabana em fotografia de Guilherme Santos; acima, pessoas em trajes de banho saltam ao mar, em fotografia de Augusto Malta
brasileira e outra para a Pequena Notável, com algumas peças (ou réplicas) do atual Museu Carmen Miranda, que deve ser extinto pelo governo e ter o acervo absorvido pelo MIS. Augusto Malta (1864-1957), principal fotógrafo da evolução urbana do Rio de Janeiro na primeira metade do século 20, terá imagens panorâmicas ampliadas. Fotos do seu contemporâneo Guilherme Santos (18711966) serão transformadas em 3D. Outra área será dedicada ao Rio no cinema, como personagens ou cenários de filmes. Restaurante panorâmico e terraço a céu aberto completam o projeto. O projeto do novo MIS contrasta com as condições em que sobrevive o velho MIS. Enquanto tecnologia não faltará no novo prédio, o acervo do MIS passa os dias e as noites com o ar-condicionado desligado. Foi a maneira que a equipe encontrou de evitar variações bruscas de temperatura. A Secretaria de Cultura alega que os prédios não têm infraestrutura para manter a climatização 24 horas por dia. O acervo divide-se, hoje, em duas sedes. A primeira é um
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A instalação Oásis (2009) instaura um espaço público na laje do Centro Cultural São Paulo
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Material de divulgação do filme O Homem Que Sabia Demais (1955), de Alfred Hitchcock, da coleção de Salvyano Cavalcanti; escola de samba (não identificada), em fotografia da coleção de Sérgio Cabral; capa da partitura de Aquarela Brasileira (que depois se chamou Aquarela do Brasil), de Ary Barroso, com carimbo de Almirante
prédio imponente de 1922, na Praça XV, no Centro da cidade, recentemente prometido ao Tribunal de Justiça do Rio. Ali ficam as fotografias, vídeos, cinema, sala de consulta, parte da hemeroteca, das partituras, alguns instrumentos musicais e o auditório, onde são gravados, desde 1966, os Depoimentos para a Posteridade, que já somam mais de 1,1 mil. A segunda sede, bem mais modesta, fica no bairro boêmio da Lapa e concentra, desde 1990, o acervo musical, com discos e vídeos, entre outros itens. Uma preocupação grande da equipe técnica do MIS é o destino do enorme acervo que está na Praça XV, delicadíssimo, com dezenas de milhares de negativos fotográficos e positivos de vidro. A Secretaria de Cultura acha que, “com algumas obras de adaptação”, o prédio da Lapa poderia comportá-lo. O novo edifício em Copacabana simplesmente não terá reserva técnica. MUSEUS VIRTUAIS
“A perda do prédio da Praça XV é um dos nossos pesadelos. A instituição vive um momento de grande expectativa”, reconhece Rachel Valença, do MIS, para seLecT. “Aprendi a não sofrer por antecipação. O principal é não perder o foco da vida normal e fazer o nosso trabalho. Nossa responsabilidade é muito grande.” Conforme o último balanço, dos 300.354 itens do acervo contados até 2015, 95,49% estão catalogados, 89,48% acondicionados e 88,54 já estão digitalizados. Esses números não incluem o precioso acervo do Museu Carmen Miranda, que será fechado, terá sua modesta sede do Aterro do Flamengo desativada e cuja coleção será incorporada ao MIS, sabe-se lá quando. O jornalista e escritor Ruy Castro, ele mesmo um colecionador compulsivo, fez para o novo museu os textos sobre Carmen Miranda, a mais famosa cantora e atriz que o Brasil já teve, da qual é biógrafo. “Ela vai estar bem acolhida lá”, espera Ruy, que tem uma “relação emocional” com o MIS. Uma exposição sobre Noel Rosa, em 1967, rendeu-lhe a primeira matéria assinada da sua profícua carreira. Ele assistiu e cobriu jornalisticamente muitos dos Depoimentos para a Posteridade do MIS, que recentemente ajudou a selecionar, como consultor. Ruy considera o projeto do novo MIS “interessante”, embora “tudo digital”. Ele confidencia ter se sentido “um intruso”, por não ter encontrado um único livro em exposição no Museu da Língua Portuguesa, que sofreu um incêndio em São Paulo, em dezembro passado, e ainda está sem data para reabrir. Por ser 100% virtual, o conteúdo do museu não deve ter se perdido. Se existe uma vantagem em museus virtuais, deve ser essa. Colaborou Luciana Pareja Norbiato
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EXPOSIÇÕES PRÊT-À-PORTER CAMILA RÉGIS
Mostras com artistas de grande projeção internacional influenciam saúde financeira de instituições e geram debate sobre linhas curatoriais
EM BREVE, DAVID BOWIE IS SE TORNARÁ A EXPOSIÇÃO ITINERANTE MAIS VISITADA DA HISTÓRIA DO VICTORIA AND ALBERT MUSEUM, DE LONDRES. Composta de mais
de 300 objetos, incluindo letras escritas à mão, desenhos de figurinos e cenografias, a mostra já atraiu mais de 1,5 milhão de pessoas em quatro continentes – e continuará viajando pela Europa e Japão até 2018. O merchandise da exposição David Bowie Is arrecadou 3,6 milhões de libras apenas em Londres e o catálogo, traduzido para sete línguas, vendeu mais de 160 mil cópias. Parte desse sucesso até pode ser atribuído à morte de Bowie, em janeiro deste ano. O interesse na obra de artistas post-mortem é sempre acentuado. Mas a mostra foi a terceira mais visitada na história do Museu da Imagem e do Som de São Paulo, em 2014, com 80 mil visitantes pagando ingressos que variavam entre R$ 25 (antecipados via internet) e R$ 10 (na bilheteria). Na frente de Bowie, no ranking, estão O Mundo de Tim Burton, vista por 100 mil pessoas, e Castelo Rá-Tim-Bum, que recebeu 410 mil visitantes. As filas quilométricas, a disputa por ingressos e a espera para entrar no museu em dias gratuitos se tornaram características desse gênero de exposição essencialmente popular. Instituições como o Centro Cultural Banco do Brasil e a Pinacoteca do Estado de São SELECT.ART.BR
Paulo trouxeram no ano passado pelo menos uma mostra estrangeira com figuras de grande projeção e garantiram colocações na lista de exposições mais populares da publicação The Art Newspaper. O Instituto Tomie Ohtake iniciou seu ciclo de grandes exposições em 2015 com uma retrospectiva de Salvador Dalí. Depois vieram Joan Miró, Frida Kahlo e agora Pablo Picasso (leia resenha à pág. 100). Desde Miró, os ingressos podem ser adquiridos via internet. “A existência de grandes filas, mesmo que reflita o interesse do público, acaba se tornando uma perda de tempo e energia que merecem ser dedicados às obras”, diz Paulo Miyada, curador do Tomie Ohtake à seLecT. Frida Kahlo – Conexões entre Mulheres Surrealistas no México recebeu 600 mil pessoas; e Ron Mueck, na Pinacoteca, contabilizou 400 mil ingressos. Caso diferente de exposições de artistas contemporâneos como Mona Hatoum, que em sua exposição na Estação Pinacoteca recebeu apenas 16.903 visitantes, segundo dados oficiais. “Esse movimento é fruto de anos de trabalho criando exposições interessantes, que fez com que o público se reaproximasse dos espaços culturais e os abraçasse”, diz Marcello Dantas, que assinou a curadoria de ComCiência, exposição da australiana Patricia Piccinini. A mostra recebeu mais de 260 mil pessoas no CCBB-SP, no ano passado. “Acho que conseguimos
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A exposição do artista britânico Ron Mueck na Pinacoteca de São Paulo atraiu 400 mil visitantes em três meses
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trazer uma nova classe social pra dentro do museu, num processo de inclusão cultural semelhante ao de inclusão social que o Brasil vive desde o início dos anos 1990. Essa classe nunca havia estado antes no museu – que sempre fez questão de ser elitista”, completa Marcelo Dantas. SUPERPRODUÇÃO E CRÍTICA
O funcionamento dessas exposições exige o trabalho de uma teia complexa de profissionais. “A equipe dos artistas, museus e transportadoras acompanha todo o processo. Sempre temos de redesenhar e adaptar às necessidades dos públicos de cada espaço ou nacionalidade”, diz Angela Magdalena, produtora-executiva da mostra de Marina Abramović, no Sesc-Pompeia. “A importância de mostras de grande investimento, que trazem obras que raramente podem viajar ao País, é fortalecer a presença do Instituto como lugar de excelência na promoção da cultura”, continua Paulo Miyada. “Mas isso não teria sentido se não estivesse encadeado com uma programação múltipla”. Em Picasso: Mão Erudita, Olho Selvagem, ele destaca os cursos de historia da arte e debates ligados ao contexto político e social atual. “Essa multiplicidade, concomitância e entrecruzamento é fundamental para nós, pois é ela que garante que uma iniciativa como a atual seja uma camada destacada por seu grande apelo para novos interlocutores, mas nunca um espetáculo isolado.” SELECT.ART.BR
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O debate sobre modelos e dimensões de exposições é frequente. Em julho do ano passado, Wim Pijbes, então diretor do Rijksmuseum, de Amsterdã, esteve em São Paulo para participar de um seminário na Biblioteca Mário de Andrade. Responsável por uma série de mudanças institucionais, Pijbes duplicou a visitação do museu reinaugurado em 2013. Ele falou sobre megaexposições, disponibilizar acervos online para download gratuito, popularidade e o fenômeno das selfies em museus – e sobre a impossibilidade de o museu interferir nessa maneira superficial de interação. Então, um historiador de arte o interrompeu e perguntou: “Mas isso não é como ir a um playground?” As indagações provocaram intenso debate. Na contramão do pensamento de Wim Pijbes – que deixou a direção do Rijksmuseum para comandar o Voorlinden, museu de arte contemporânea na costa holandesa – aparecem figuras como Francesco Bonami, curador-geral da 50ª Bienal de Veneza, em 2003. Batizada de Sonhos e Conflitos, A Ditadura do Espectador, a mostra debatia a relação entre o público e a obra de arte. Na época, Bonami declarou que mostras blockbusters atuavam como “máquinas de publicidade” para atender o que os grandes públicos desejam. Entretanto, a Bienal daquele ano teve 260 mil visitantes, número não tão impopular assim. Se as exposições viraram reféns do olhar do público, não se sabe exatamente. Mas do fato de que ele está olhando, ninguém duvida.
Filas dobraram quarteirões para a mostra de Ron Mueck na Pina, em 2015
FOTOS: DIVULGAÇÃO PINACOTECA DE SÃO PAULO
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CRÍTICA SÃO PAULO
SOBRE O TRIUNFO DA COR FELIPE MARTINEZ
Uma iniciativa que traga obras de Cézanne, Van Gogh e Gauguin ao Brasil é digna de celebração, apesar da fragilidade da curadoria As exposições internacionais tornaram-se uma boa fonte de receita e lucro para os museus europeus, depois que os governos passaram a reduzir o financiamento destinado a essas instituições, no fim dos anos 1990. Por uma alta taxa ocorre um empréstimo tanto das obras quanto da exposição, que são desencaixotadas
Femmes de Tahiti, de Paul Gauguin, em exposição no CCBB-SP
no destino escolhido, algumas vezes em versões reduzidas e de menor custo. É o que parece ser o caso da exposição O Triunfo da Cor – O Pós-Impressionismo, com curadoria de Pablo Jimenez Burillo, Guy Cogeval e Isabelle Cahn, e obras dos museus d’Orsay e de l’Orangerie, em cartaz até 7/7, em São Paulo. Uma versão mais completa da exposição já havia sido montada em Barcelona, no fim do ano passado. Pelo belo e confuso prédio do CCBB-SP, obras de grande envergadura distribuem-se por quatro salas, agrupadas por um critério curatorial pouco consistente. Na primeira sala, há três importantes obras de Van Gogh, as únicas da exposição inicialmente alardeada como tendo o pintor holandês como atração principal. Talvez a insistência em começar por Van Gogh justifique o fato de o cloisonismo ser apresentado antes do pontilhismo, uma solução confusa, já que FOTO: CORTESIA CCBB-SP
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REVIEWS o primeiro nasce justamente como contraposição ao segundo. Ainda na mesma sala podem ser contempladas belas banhistas de Émile Bernard, claramente inspiradas na pincelada de Cézanne, relação infelizmente não explorada. O segundo eixo, que gira em torno do pontilhismo de Seurat, peca por não fazer nenhuma menção a Charles Blanc e sua estrela de seis pontas formada por pares de cores complementares, responsável por sistematizar a teoria das cores do químico Michel Eugène Chevreul. Essa teoria, citada no início da exposição, jamais chegaria à pintura sem a estrela de Blanc, e é possível que sequer chegasse ao conhecimento de Seurat. Por outro lado, as obras de Maximilien Luce são um espetáculo à parte, e nos mostram como as tendências de vanguarda foram absorvidas em composições mais tradicionais e ligadas a temas sociais. Na sala seguinte, sobre Os Nabis, os sublimes painéis da decoração da capela do colégio Sainte-Croix du Vésinet, de Maurice Denis, com sua luz pervasiva e diáfana, evocam Piero della Francesca, e dão mais uma mostra de como as variadas poéticas dos artistas apresentados são resistentes às generalizações. A própria concepção de pós-Impressionismo, criada para dar sentido a uma exposição realizada pelo pintor e crítico inglês Roger Fry, em 1910, já se mostra problemática ao tentar agrupar manifestações muito diversas em uma rubrica comum. A última sala é a mais problemática no que concerne aos critérios da curadoria. Faz pouco sentido justapor Cézanne e Gauguin e agrupá-los na chave “cor em liberdade”. Nada mais simplista do que aproximar duas poéticas tão fortes e diferentes por uma ideia genérica e pouco fundamentada. Enquanto Gauguin buscava potencial artístico no primitivo, Cézanne
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tentava recriar um classicismo altamente intelectualizado, conciliando preocupações com forma e estrutura a partir do caminho aberto pelos impressionistas. A incongruência fica explícita na justaposição entre Mulheres do Taiti e Paisagem no Parque Chateau Noir, quando as obras parecem falar contra os curadores. Ainda na mesma sala, enxertado na genérica ideia de cor em liberdade, surge um belíssimo Monet, que faz pensar na ponte japonesa presente no acervo do Masp. De todo modo, uma iniciativa que traga obras de Cézanne, Van Gogh e Gauguin ao Brasil é digna de celebração, e qualquer problema curatorial torna-se secundário em face da oportunidade de contemplar obras de tamanha importância sem precisar percorrer grandes distâncias. Felizmente, essa é a função que os quadros cumprem em uma exposição onde a força das obras compensa a fragilidade da curadoria.
SÃO PAULO
PICASSOMANIA PAULA ALZUGARAY
O Triunfo da Cor: O Pós-Impressionismo, até 7/7, CCBB-SP, Rua Álvares Penteado, 112, Centro, www.ccbbsp@ bb.com.br
Com obras do acervo pessoal do artista espanhol, retrospectiva tem um recorte pensado especialmente para o público brasileiro Prolífico, compulsivo e apaixonado, o espanhol Pablo Picasso (1881-1973) trabalhou dos 14 aos 91 anos e criou mais de 20 mil obras, utilizando vários meios de expressão, como pintura, desenho, escultura, cerâmica, gravura, colagem, fotomontagem, fotograma, fotografia e cenografia. Teve reconhecimento popular cedo e é uma das maiores unanimidades
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de toda a história da arte. Com tamanho volume e extensão, sua obra presta-se aos mais originais recortes curatoriais e editoriais. Só para citar algumas mostras em cartaz este ano, ele é a estrela de Picasso.mania (Grand Palais, Paris, 2015-2016), Picasso & Miró (Burj Khalifa, Dubai, 2016), Picasso: The Great War, Experimentation and Change (The Barnes Foundation, Ohio, 2016), Picasso Sculpture (MoMA NY e Musée National Picasso-Paris, 2016), Picasso: Transfigurations, 1895-1972 (Hungarian Natinal Gallery, Budapeste, 2016), Picasso Portraits (National Portrait Gallery, Londres, outubro 2016) e Picasso-Giacometti (Musée
Guitare (1924), escultura de Pablo Picasso
Picasso: Mão Erudita, Olho Selvagem, até 14/8, Instituto Tomie Ohtake, Av. Faria Lima 201, www. institutotomieohtake. org.br
National Picasso, Paris, outubro 2016). Acompanhando a Picassomania, o Instituto Tomie Ohtake traz a maior retrospectiva já montada no País desde 2004, em mostra na Oca, em São Paulo. Picasso: Mão Erudita, Olho Selvagem é composta de 116 obras escolhidas a dedo pela curadora Emilia Philippot, do Musée National Picasso – Paris. Segundo ela, não se trata de uma exposição itinerante pret-à-porter, como as organizadas pelo museu entre 2008 e 2012, mas pensada especificamente para o Brasil. O recorte traça um percurso cronológico e temático em torno daquelas que são consideradas as principais fases do artista: os anos de estudo em La Coruña e de formação em Barcelona; o processo de geometrização por meio dos estudos para a obra-prima Les Demoiselles D’Avignon; o cubismo, do qual é considerado um dos “inventores”; a relação com o teatro e a dança; a politização nos estudos para a Guernica; as representações da guerra; o erotismo exacerbado dos anos finais. Essa temática mais generalista do que as exposições montadas em outras cidades do mundo se presta a uma função pedagógica de apresentar a trajetória a um público que não tem acesso aos originais de Picasso. Todas as obras pertencem ao Musée National Picasso, que tem um acervo de 5 mil peças composto, em sua maioria, de obras que o artista guardou em vida ou que foram readquiridas no final. Por isso, um acervo precioso. Segundo a curadora, o número reduzido de esculturas (20), em relação às pinturas (34) e desenhos (42), deve-se ao fato de grande parte da coleção de esculturas do museu estar atualmente em Picasso Sculptures, organizada em parceria com o MoMA. Ainda assim, há momentos altos, como uma guitarra cubista e pinturas que são consideradas carros-chefes do musée (pois integram uma publicação de 1985 que seleciona as 70 obras mais importantes), como Homme à la Guitare (1911), Les Baigneuses (1918), Deux Femmes Courant Sur La Plage (1922) e Paul en Arlequin (1924). FOTO: CORTESIA MUSÉE NATIONAL PICASSO-PARIS/INSTITUTO TOMIE OHTAKE
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NEM TUDO QUE RELUZ É OURO A semiótica é o idioma comum entre arte e criminalística, em mostra sobre violência na América Latina Como representar a violência sem estetizá-la até o nível da banalidade? Feita por uma estudante de criminalística do John Jay College, a pergunta foi dirigida para o fotógrafo venezuelano Juan Toro, que desde 2008 orienta seu trabalho a documentar a violência e suas consequências. Ele apresentava no simpósio Art and Violence in Latinamerica Today, realizado na mais conceituada escola de direito penal de Nova York, em maio, as bases de seu trabalho na série Plomos (20112012). Nessas fotografias, o artista coloca uma lente de aumento sobre objetos brilhantes que, a princípio, parecem esculturas de bronze, mas que na realidade são vestígios de munição, deformados pela violência do impacto. Inevitável, a pergunta da aluna já havia sido prevista pelas curadoras Claudia Calirman e Isabela Villanueva, que organizaram o simpósio e a exposição Basta!, em cartaz na Anita and Andrew Shiva Gallery, no mesmo John Jay College. Parte dos 15 artistas convidados lida com astúcia com o dilema proposto: como se reportar visualmente a toda violência que está aquém das aparências. Ainda que dura e formalmente objetiva, a imagem produzida por Juan Toro é suficientemente ambígua para não ser interpretada como mera representação “pornográfica” (porque explícita) da miséria. Como Toro, a mexicana Teresa Margolles lida com evidências dissimuladas dos fatos reais. No vídeo Irrigación (2010), sua câmera persegue um caminhão-pipa em movimento em uma estrada de asfalto escaldante, em um deserto. O que vemos molhar a pista é água, porém, imperceptível a olho nu, ela contém uma mistura de materiais SELECT.ART.BR
Frame do vídeo Retouch (2008), de Iván Argote, em exibição em escola de direito penal, em NY
Basta! An Exhibition About Art And Violence in Latinamerica, até 15/7, Anita and Andrew Shiva Gallery, John Jay College, Nova York
necrológicos de vítimas anônimas, coletado em cenas de crimes. Toro e Margolles lidam com índices – vestígios materiais – da violência, enquanto Regina José Galindo opera na esfera simbólica, criando metáforas visuais. Como em Combustible (2014), performance realizada em Santo Domingo, na República Dominicana, em que oito homens de origem haitiana empurram um carro oficial ao longo de uma avenida, em uma demonstração do poder dos imigrantes como motor das sociedades ocidentais. Villanueva coloca em seu texto curatorial que não há nada de fundamentalmente novo na abordagem da violência e da transgressão pelas artes. Mas, o que esse projeto aporta de novo é estar situado não em uma galeria de arte, e sim em uma escola de criminalística. Esse dado é crucial para que os artistas sejam compelidos a responder sobre os fatos observados em suas cidades latino-americanas de forma a superar o comentário visual – que tende a ser estetizante. Se operam com vestígios (índices) e metáforas (símbolos), esses trabalhos sintetizam “uma poética das sobras e uma política do indicial”, como definiu o teórico argentino Gustavo Buntinx, no seminário. Para completar a tríade semiótica – o icônico, o indicial e o simbólico –, o colombiano Iván Argote desafia um ícone, um cânone da arte. Seu vídeo Retouch (2008) documenta o ato em que ele picha telas de Mondrian expostas em um museu. Se a realidade corresponde ao modo como as coisas são expostas, cabe ao espectador investigar. PA
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A PERMANÊNCIA DO RETRATO LUCIANA PAREJA NORBIATO
Exposição de acervo do Centro Dragão do Mar investiga encantamento pelo registro da imagem humana É com uma espécie de maravilhamento que se adentra a exposição Retrato Popular, em cartaz no Sesc-Belenzinho. Trazendo uma seleção de acervos do Centro Cultural Dragão do Mar (Fortaleza), do colecionador Titus Riedl e de Mestre Júlio Santos, a mostra concentra-se num período específico da tradição do retrato. Se o registro da figura humana começou em priscas eras, nas pinceladas de artistas muito bem pagos por reis, nobres e o alto clero, o advento da fotografia tornou-o acessível a qualquer bom trabalhador. E o fotógrafo-viajante, com a máquina lambe-lambe debaixo do braço, disseminou a prática no interior do Brasil ao longo do século 20. No lugar de cenários e figurinos luxuosos, eram as roupas da moda e os temas religiosos que interessavam ao homem do povo, aqui representado pelo recorte regional que privilegia Juazeiro do Norte e a região do Cariri. Como fundo de cena, grandes lonas eram pintadas à mão, trazendo santos e a paisagem local. Cavalinhos e charretes faziam a festa da criançada. Por meio de moldes, Mestre Júlio aplicava com pincéis, diretamente sobre as fotografias, ternos, vestidos e acessórios ao gosto do freguês. Agora, o fotoartista vai além com as inúmeras possibilidades da manipulação digital. Ele pode realizar qualquer sonho do freguês, como ser rainha ou, curiosamente, deixar de ser médico para virar mecânico. Esculturas de barro com cenas cotidianas de fotógrafos, acessórios para tornar a fotografia portátil (os hoje obsoletos monóculos), equipamentos e livros de referência, além de uma ampla coleção
Caracterização de Tercília da Silva como rainha, por Mestre Júlio Santos
Retrato Popular, até 31/7, Sesc-Belenzinho, R. Padre Adelino, 1.000 www.sescsp.org.br
de ex-votos (retratos deixados nas igrejas como pagamento de promessas), mostram por quais estratégias o retrato se difundiu no cotidiano do povo. Novas incursões dessa prática por meio de técnicas antigas também estão na mostra. É o caráter artesanal do processo analógico que enche de graça a exposição. Posar para um retrato era uma ocasião especial, envolvia construir a autoimagem que se conservaria para o resto da vida, e mesmo depois. Como na fotografia do Filho Falecido Que Chega ao Céu Como Ator de Cinema, manipulação digital de Mestre Júlio. Em tempos de terabytes de retratos clicados com a facilidade de um bater de dedo, perde-se a dimensão de construção ativa de desejos em frente à câmera. Acredita-se muito mais na realidade da imagem captada, como se a personalidade de cada indivíduo não fosse fruto de suas próprias escolhas, a exemplo das fotografias coloridas à mão. FOTOS: CORTESIA GALERIA VERMELHO, MESTRE JÚLIO SANTOS/SESC-BELENZINHO
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Frame do vídeo Estudos para Facadas (2012), de Leonora de Barros SÃO PAULO
ISSO É INÍCIO DISSO E MUITO MAIS FELIPE STOFFA
Primeiro projeto do Paço das Artes fora de sua sede, individual de Lenora de Barros tem como fio condutor o gesto performático Entre experimentação e performance, entre o poema e o gesto, conferindo materialidade à palavra, o trabalho de Lenora de Barros está ligado a uma constante dobra antropofágica. O projeto curatorial de Priscila Arantes para a mostra ISSOÉOSSODISSO, estabelece um recorte performático que se define como um ponto singular, presente em toda a produção da artista. Logo no começo da exposição – que conta com cerca de 20 obras em duas salas da Oficina Oswald de Andrade –, nos deparamos com um trabalho que reverbera, de alguma maneira, em todos os outros ali apresentados. Procuro-me (2001-2003), publicado inicialmente no caderno Mais!, da Folha de S.Paulo, foi posteriormente exposto na forma de cartazes na fachada do Centro Universitário Maria Antônia, em 2002. SELECT.ART.BR
JUN/JUL 2016
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Lenora de Barros – ISSOÉOSSODISSO, até 30/7, Paço das Artes – Oficina Cultural Oswald de Andrade – Rua Três Rios, 363 http:// www.pacodasartes.org.br/
Na contramão das expectativas – mas que se desenvolveu como uma casualidade positiva –, o trabalho foi pichado por um grupo denominado Art Attack. Em vez de recuperá-los do suposto ato vândalo, Lenora os utilizou como matéria-prima para seguintes pesquisas, como Procura-se Linguagem (2007), da série Retalhação. Esse mesmo processo de fragmentação também se irrompe em Poema (1979), dialogando com Língua Vertebral (1998), e no vídeo No País da Língua Grande, Dai Carne a Quem Quer Carne (2006). A segunda sala da mostra contém outra faceta de seu trabalho, pouco mencionada até então. Ali estão cinco vídeos, inclusive o que deu nome à exposição, ISSOÉOSSODISSO (2016), videoperformance em que a artista, sentada, quebra pedaço por pedaço um esqueleto de plástico, enquanto repete, ao jogá-los no chão: “Isso é osso disso”. Nos outros quatro vídeos – da série Não Quero Nem Ver (2005) –, o gesto antropofágico revela-se em uma violência subjetiva, que ecoa pelo espaço. Os ciclos de recomeços e de desdobramentos de um trabalho em outros são gestos claramente discutidos e percorridos nesta exposição. Entretanto, Procuro-me parece ir além. Ao mesmo tempo que é a continuação de projetos anteriores, essa obra sugere um movimento inverso, de autodevoração. Quando um trabalho concebe outro, a matéria-prima é o próprio trabalho. FOTOS: CORTESIA GALERIA MILLAN
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SÃO PAULO
RESIDÊNCIA MODERNA MARIO GIOIA
Sem aludir a uma modernidade em ruínas, a primeira empreitada da nova Luciana Brito Galeria deu bons resultados Em recentes intervenções, o teórico norte-americano Hal Foster tem sublinhado a dificuldade da arquitetura de museus e instituições em lidar com a videoarte e com a performance, entre outras manifestações, no que se refere à conservação, exibição e outros procedimentos básicos desses centros. Assim, a tipologia de tais espaços parece sempre defasada diante das novas configurações da arte contemporânea. Outro dado importante no circuito atual das artes visuais é a discussão de novas proposições e modelos da galeria de arte, que cada vez mais deixa de ser só um cubo branco, com trabalhos e peças pendurados em suas paredes, e passa a ser uma incubadora de produções mais experimentais, menos comerciais. Em São Paulo, o Situ, da Leme, e o CLab, da Blau Projects, têm desenvolvido projetos bem-sucedidos nessa linha, entre outros programas. Por isso, é elogiável a mudança da Luciana Brito Galeria – que tem em seu elenco nomes como Marina Abramović, Allan McCollum e Alex Katz – do hoje aborrecido bairro de Vila Olímpia para os Jardins, não se resumindo a uma mera nova localização. A ousadia também se explica porque o novo lócus do estabelecimento é uma casa modernista tombada, a Residência Castor Delgado Perez, projeto de Rino Levi (1901-1965) datado de 1958. Além das restrições e cuidados imprescindíveis a um patrimônio da cidade, uma nova orientação conceitual e expositiva do lugar se impõe. Apenas nos fundos
Luciana Brito Galeria, Av. 9 de Julho, 5.162, São Paulo, www.lucianabritogaleria. com.br
do terreno há um espaço que lembra a antiga galeria e, por isso, muito do que será agora exposto terá de criar diálogos com o espaço, suas memórias e sua emblemática arquitetura. A primeira empreitada deu bons resultados. Residência Moderna, coletiva que seguiria até o fim de maio na Luciana Brito, contou com obras de 11 artistas representados pela galeria que, em sua maioria, criaram trabalhos específicos. Um dos dados interessantes é que a ocupação de um antigo espaço doméstico, de linhas modernas, não fomentou peças que aludissem apenas a uma modernidade desmanchada, a uma urbanidade em ruínas, tão presentes em mostras de escopo similar. Por isso, um tom mais solar parece preencher as antigas dependências residenciais. Pois a luz é central no projeto arquitetônico de Levi, com um destacado paisagismo de Burle Marx (1909-1994), e faz com que a circulação pelos variados espaços seja fluida. Também se desenharam com interesse embates entre o público e o privado, o ostensivo e o introspectivo, o tecnológico e o vernacular, por exemplo, estando patentes tanto nas próprias obras de arte como na relação delas com as linhas arquitetônicas desse lugar – a frisar o excelente trabalho de renovação feito pelo Piratininga Arquitetos Associados. Entre os destaques, podem ser citados o fotográfico de Caio Reisewitz e Rochelle Costi, além dos tridimensionais de Héctor Zamora, Pablo Lobato e Tiago Tebet. Em junho, a veterana Regina Silveira tem individual na nova galeria. FOTO: CORTESIA GALERIA LUCIANA BRITO
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EM CONSTRUÇÃO
JANAINA TSCHÄPE E AS TRÊS LÍNGUAS
ENQUANTO PRODUZIA AS SEIS GRANDES TELAS QUE VÃO COMPOR SUA EXPOSIÇÃO INDIVIDUAL NA GALERIA E NO GALPÃO FORTES VILAÇA, em São Paulo, durante o mês de
junho, Janaina Tschäpe pensava em três línguas: o alemão, sua língua materna, o português, o idioma paterno, e o inglês, a língua da cidade onde escolheu viver. No estúdio do Brooklyn, em Nova York, as palavras não se atrevem a entrar no terreno da pintura. Elas permanecem no campo mental, flutuantes no espaço, ou espalhadas em folhas de papel jogadas sobre a mesa de trabalho. O substantivo fruta, o adjetivo neue, o advérbio de tempo until I come, embaralhados em experimentos visuais e sonoros, chocam-se uns com os outros, como em um
jogo de desmontar. Depois de tanto voar e dispersar, sem nunca invadir o campo pictórico (numa espécie de namoro respeitoso), as palavras pousam nos títulos das obras, intercalando os três idiomas em longas frases. Pássaro (Hat Mich Aufgefressen) é o título de uma delas. (Neue Früchte) Fruta nomeia uma outra. Escritos à mão com cores fortes, os títulos às vezes chegam a ser colados na parede, orbitando as telas, ensaiando confrontos. A fricção entre idiomas está nos títulos e no nome de Janaina Tschäpe. No campo do trabalho plástico, é do atrito que ela extrai uma linguagem particular. É nos desencaixes entre o desenho e a pintura e nos desarranjos de suas técnicas mistas que se fazem suas paisagens fabulescas, trilíngues e sem tradução. PA FOTO: RICARDO KUGELMAS
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