A R T E D E S I G N C U LT U R A C O N T E M P O R Â N E A E T E C N O LO G I A
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AGO / SET 2012
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index A r t i st a s d e ixa m ra st ros p oé ticos de t ra j etos p e lo mu n d o 46
Caminhante não hÁ caminho, somente sulcos no mar
42 ensaio
64 MÍDIA
72 PORTFÓLIO
92 curto-circuito
120 e n tr ev i sta
Do sonho ao pesadelo Do tapete mágico ao 11 de setembro, a história do desejo de voar
Objetos identificados Ocucópteros e outros gadgets voadores derrubam mitos da velha-guarda jornalística
Aram Bartholl Ativismo e bom humor na esfera ciberpolítica
Congestionamento Mobilidade e entropia são os vetores da vida urbana na era da aceleração
Hans Ulrich-Obrist Suíço faz projeto em São Paulo e fala sobre seu início de carreira de curador mais poderoso do mundo
foto: cortesia FRANCIS ALLYS, 6ª BIENAL DO MERCOSUL
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index 102 Perfil
Casal 20 da pandroginia A incrível história da transformação de Genesis P-Orridge na imagem e semelhança de sua mulher
116 REVIEWs
96 cultura digital
Rineke Dijkstra Retrato se renova na obra da fotógrafa, em retrospectiva no Guggenheim
Agora eu era herói Artistas vestem dispositivos fantásticos para deslocamentos urbanos
86
en sa io visua l
Homens-seta O lúmpen do anarcocapitalismo na era do Cidade Limpa
seções 18 Editorial |22 cartas | 26 Navegação | 38 tribos | 40 mundo codificado | 52 território 114 crítica | 12o entrevista | 122 Colunas Móveis | 127 selects | | 128 Delete | 129 obituário | 130 Reinvente
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editorial
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Próxima parada: mobilidade Em agosto, seLecT faz um ano! Para festejar essa expressiva passagem do ano 1 para o ano 2, escolhemos como tema da edição a mobilidade: condição sine qua non de nosso tempo. Nômades, viajantes, caminhantes, migrantes, bikers, radicantes, mochileiros, transformistas, Ícaros, Pégasus, jornalistas drones, homens-seta, net-artistas e perseguidores de tornados são os nossos homenageados. Nesse ano de passagem, vivemos a terceira geração da internet. Depois da web 1.0 (da qual fazem parte os sites de busca e os bancos de dados digitais) e da web 2.0 (à qual pertencem os sites de redes sociais), entramos na era da internet móvel, que, de 2010 para cá, fez surgir novos modelos de armazenamento e sociabilidade. Fiel ao seu tempo, seLecT está repleta de ícones da mobilidade. Fotos do Instagram ilustram os pocket contos sobre amores móveis, assinados pelos escritores Antônio Xerxenesky, Joca Reiners Terron e Ronaldo Bressane, nosso repórter especial. Aeromodelos e outros dispositivos do jornalismo drone são revelados em reportagem de Nina Gazire. Se Tim Pool foi o pioneiro dessa nova forma de cobertura jornalística, fazendo imagens aéreas do Occupy Wall Street, seLecT é a primeira a revelar essa tendência ao público brasileiro. Na edição da mobilidade, o frescor da notícia continua sendo uma marca de seLecT, que traz o que há de mais quente e recente em arte contemporânea. Como a ação pela ocupação de galerias de arte, protagonizada este ano por Aram Bartholl, que estampa o portfólio desta edição. Ou como a visão de um mundo móvel e interconectado, por Cássio Vasconcellos, que faz a imagem de nossa capa.
Paula Alzugaray
Ricardo van Steen
Giselle Beiguelman
Juliana Monachesi
Angélica de Moraes
Nina Gazire
Ronaldo Bressane
Kareen Sayuri
Paula Alzugaray
D i reto ra d e Re d a ç ã o Roseli Romagnoli
Hassan Ayoub
Mariel Zasso
Ana Moraes Ilustrações: Ricardo van Steen, a partir do aplicativo face your mangá
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abraham palatnik alberto baraya alice miceli antonio dias antonio manuel artur lescher brígida baltar cao guimarães carlito carvalhosa cristina canale 21.07 > 25.08.2012 passatempo
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sérgio sister tomie ohtake vik muniz
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expediente
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EDITOR E DIRETOR RESPONSÁVEL: Domingo Alzugaray EDITORA: Cátia Alzugaray PRESIDENTE-executivo: Carlos Alzugaray diretora De redação: Paula Alzugaray editora-Chefe: Giselle beiguelman direção de arte : ricardo van steen editora-adjunta: Juliana Monachesi repórteres especiais: Angélica de moraes e Ronaldo Bressane repórter: Nina Gazire repórter online: mariel zasso COLABORADORES
Afonso Luz, Ana Letícia Fialho, Antônio Xerxenesky, Bernardo Gutiérrez, Caco Galhardo, Emília Vandelay, Fernando Lazlo, Joca Reiners Terron, Lucas Rampazzo, Martha Gabriel, Maya Messina, Rene de Paula, Tatiana Stepanenko, Valéria Hevia Cabello
projeto gráfico DESIGNER secretária de redacão edição de fotografia
Cassio Leitão e Ricardo van Steen Kareen Sayuri Roseli Romagnoli Ana Moraes
copy-desk e revisão
Hassan Ayoub
pré impressão
Retrato Falado
contato Serviços Gráficos mercado leitor assinaturas
faleconosco@select.art.br Gerente Industrial: Fernando Rodrigues CoordenadorA gráficA: Ivanete Gomes diretor: Edgardo A. Zabala Diretor de Vendas Pessoais: Wanderlei Quirino Supervisora de Vendas: Rosana Paal Diretor de Telemarketing: Anderson Lima Gerente de Atendimento ao Assinante: Elaine Basílio Gerente de Trade Marketing: Jake Neto Gerente de Planejamento e Operações: Reginaldo Marques Gerente de Operações e Assinaturas: Carlos Eduardo Panhoni Gerente de Telemarketing: Renata Andrea Gerente de Call Center: Ana Cristina Teen Gerente de Projetos Especiais: Patricia Santana Central de Atendimento ao Assinante: (11) 3618.4566. De 2ª a 6ª feira das 09h00 às 20h30 Outras Capitais: 4002.7334 Demais localidades: 0800-7750098
venda avulsa operaçÕES
Coordenador:Jorge Bugatti Analistas: Pablo Barreto, Thiago Macedo, Ricardo Cruz e Fabio Rodrigo Shopping 3: Dayane Aguiar Diretor: Gregorio França Secretária Assistente: Yezenia Palma Coordenador Gráfico: Marcelo Buzzo Assistente: Luiz Massa Assistente Jr.: Paulo Sérgio Duarte Auxiliar: Aline Lima Coordenadora de Logística e Distribuição de Assinaturas: Vanessa Mira Assistentes: Denys Ferreira, Karina Pereira e Regina Maria Operações Lapa: Paulo Paulino Diretor: Rui Miguel Gerentes: Débora Huzian e Wanderly Klinger REDATOR: Marcelo Almeida Diretor de Arte: Toni Oliveira Assistente de Marketing: Marciana Martins e Thaisa Ribeiro
marketing
Diretor Nacional: José Bello Souza Francisco GERENTE: Ana Lúcia Geraldi Secretária Diretoria Publicidade: Regina Oliveira Coordenadora Adm. de Publicidade: Maria da Silva Gerente
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de Coordenação: Alda Maria Reis Coordenadores: Gilberto Di Santo Filho e Rose Dias Auxiliar: Marília Gambaro Contato: publicidade@select.art.br Rio de Janeiro-RJ: Diretor de Publicidade: Expedito Grossi Gerentes Executivas: Adriana Bouchardet, Arminda Barone e Silvia Maria Costa Coordenadora de Publicidade: Dilse Dumar; Tel.s: (21) 2107-6667 / (21)2107-6669 Brasília-DF: Gerente: Marcelo Strufaldi; Tel.s: (61) 3223-1205 / 3223-1207; Fax: (61) 3223-7732 SP/Campinas: Mário EsTel.ita - Lugino Assessoria de Mkt e Publicidade Ltda.; Tel./Fax: (19) 3579-6800 SP/Ribeirão Preto: Andréa Gebin - Parlare Comunicação Integrada; Tel.s: (16) 3236-0016 / 8144-1155 MG/Belo Horizonte: Célia Maria de Oliveira - 1ª Página Publicidade Ltda.; Tel./Fax: (31) 3291-6751 PR/Curitiba: Maria Marta Graco - M2C Representações Publicitárias; Tel./Fax: (41) 3223-0060 RS/Porto Alegre: Roberto Gianoni - RR Gianoni Com. & Representações Ltda. Tel.: (51) 3388-7712 PE/Recife: Abérides Nicéias - Nova Representações Ltda.; Tel./Fax: (81) 3227-3433 BA/Salvador: Ipojucã Cabral - Verbo Comunicação Empresarial & Marketing Ltda.; Tel./Fax: (71) 3347-2032 SC/Florianópolis: Paulo Velloso - Comtato Negócios Ltda.; Tel./Fax: (48)3224-0044 ES/ Vila Velha: Didimo Benedito - Dicape Representações e Serviços Ltda.; Tel./Fax (27)3229-1986 SE/Aracaju: Pedro Amarante - Gabinete de Mídia - Tel./Fax: (79) 3246-4139/9978-8962 Internacional Sales: GSF Representações de Veículos de Comunicações Ltda - Fone: 55 11 9163.3062 - E-mail: gilmargsf@uol.com.br Marketing Publicitário - Diretora: Isabel Povineli Gerente: Maria Bernadete Machado Coordenadora: Simone F. Gadini Assistentes: Ariadne Pereira, Regiane Valente e Marília Trindade 3PRO Diretor de Arte: Victor S. Forjaz Redator: Bruno Módolo
SELECT (ISSN 2236-3939) é uma publicação da EDITORA BRASIL 21 LTDA., Rua William Speers, 1.000, conj. 120, São Paulo - SP, CEP: 05067-900, Tel.: (11) 3618-4200 / Fax: (11) 3618-4100. Comercialização: Três Comércio de Publicações Ltda.: Rua William Speers, 1.212, São Paulo - SP; Distribuição Exclusiva em bancas para todo o Brasil: FC Comercial e Distribuidora S.A., Rua Dr. Kenkiti Shimomoto, 1678, Sala A, Osasco - SP. Fone: (11) 3789-3000 Impressão: Editora Três Ltda. Rodovia Anhanguera Km. 32,5 - CEP 07750-000 - Cajamar - SP.
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ting, via Facebook
The magazine looks wonderful! Congratulations! David Byrne, músico e ar-
André Forastieri, jornalista
tista multimídia
As matérias da Juliana Monachesi na seLecT estão supimpas. Belas pesquisas, novos nomes, conceitos bem amarrados e, claro, textos precisos e didáticos... Delícia, viu? Eder Chiodetto, curador e
Leyendo la mejor revista brasilera sobre cultura contemporanea y tecnologia @revistaselect Va foto! pic.twitter.com/jAMtRzlW Alejandro Formanchuck,
crítico de fotografia
Parabéns pela última seLecT! Está sensacional. Andrea Assef, jornalista Desejamos muitos e muitos anos de vida para a seLecT. Sandra Cinto e Albano Alfonso, artistas
A seLecT é muito boa, sempre. Parabéns! Paulo Lima, editor da Trip
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Presidente Asociación Argentina de Comunicación Interna, via Twitter
Atenção artistas! A crítica de arte anda muito anêmica, mas ela ainda existe. Não é de hoje que os chamados “efeito Tuymans” ou “efeito Richter” invadiram a “jovem pintura brasileira”. Venho percebendo esse fenômeno ganhar cada vez mais adeptos e espaço, não só
fessor na PUC-Minas
Parabéns pela seLecT. E pela coragem e ousadia em abrir espaço para a crítica. Li o texto de Douglas Rosado. Fico feliz, tendo em vista a dificuldade que é encontrar um veículo que não tenha “rabo preso”. Só assim se permite esse olhar mais específico sobre o mundo da arte. Ricardo Macêdo, pós-graduação em Artes Visuais UFMG
A revista seLecT é sempre uma ótima referência
P I ETER HUGO EDER SA N TOS YOSHUA OKÓN N ATHA LI E DJU RB ERG JOÃ O CASTI LHO
VI DEOCRÍ TI COS HEN N ESSY YOU N GMA N COMEN TA EX POSI ÇÕES EM RI TMO DE HI P - HOP
CU BA QUAS E LI BRE SEM CON EX Ã O, CU BA N OS REI N V EN TA M AS N OVAS MÍ DI AS
AFE TO E VI OLÊ NCI A V I DEOA RTE LATI N A OSCI LA EN TRE EXTREMOS EMOCI ON A I S
MI C RO C I N E MAS F EST I VA L E M H O N G KO N G A N U N C I A A G E RA Ç Ã O DAS T E L AS MI N Ú SCU L AS
PÓ S - R E A L I S MO E D I TO R I A L D E MO DA R EC R I A O F I L ME D ES E RTO V E R ME L H O, D E A N TO N I O N I
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Parabéns pela seLecT, que conseguiu conquistar uma identidade em pouquíssimo tempo, e sempre tem o que ler!
A R T E D E S I G N C U LT U R A C O N T E M P O R Â N E A E T E C N O LO G I A
Chommy Choko Eli, Florence Owanta, Kelechi Anwuacha. Enugu, Nigéria, 2008, da série Nollywood, de Pieter Hugo
Do YOuTUBE A NOLLYWOOD
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Totalmente excelente a última edição da revista! Parabéns a todas(os) GiBeiguelman, JuMonachesi, NiGazire! Mauricio Sampaio, via
no mercado como também na mídia e em instituições de destaque no Brasil. A história já registrou esse filme nos anos 1980, na assimilação acrítica do neoexpressionismo e da transvanguarda. Felizmente, a crítica de arte (séria, e não essa “crítica” adulatória com que certos curadores têm conduzido seus trabalhos) mostrou que ainda “resiste”. E que é importante e necessária! Meus sinceros parabéns à crítica de arte Juliana Monachesi (por sua lucidez e coragem ao criticar, inclusive, uma instituição consagrada), ao colecionador e mestre em estética Douglas Rosado (por sua agudeza crítica), e à revista seLecT (por ter publicado estes textos)! Críticas como essas nos mostram que nem tudo está perdido. Luiz Flávio, artista e pro-
DO YOUTUBE A NOLLYWOOD
Vitória do Santos não é novidade! Primeiro número internacional da seLecT é! Parabéns! A seLecT veio dar outro patamar ao jornalismo especializado em artes. Aliás, veio dar especialidade (em vários sentidos) à veiculação e à crítica das artes. Vale por uma goleada! M., assistente de marke-
JUN / JUL 2012
Tenho 17 anos e sempre me interessei por todas as formas artísticas de expressão, mas nunca entendi bem do assunto e mal sabia por onde começar. Hoje isso não me serve mais como desculpa, graças a seLecT, que tem esse ar inspirador, linguagem convidativa e imagens que saltam do papel. Às vezes olho ao redor e receio o caminho que a minha geração está seguindo, fico feliz por não seguir a corrente. Algo meio Idiocracy está acontecendo. Isso não está certo. Lua Pereira, estudante
Novos circuitos da imagem em movimento revelam as estéticas do século 21 JUN/JUL 2012 ANO 02 EDIÇÃO 06 R$ 14,90
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para as nossas pesquisas e estudos! Parabéns pelo primeiro ano de atividades e pelo ótimo trabalho! Festival Contato,
contemporaneidade, tendo como escopo a convergência das artes visuais e da tecnologia. Lúcio Reis Filho,
via Facebook
historiador
Adorei a revista, sobretudo o ensaio de Pieter Hugo, a matéria sobre internet em Cuba, e sobre Henessy Youngman.
Parabéns! Não é nada fácil manter uma revista como a seLecT. Ari Meneghini, diretor
Allysson F. Garcia, por e-mail
Tomei contato com a seLecT há algumas semanas e a revista me despertou grande interesse, uma vez que propõe um olhar abrangente sobre a
executivo do IAB Brasil
Olá, pessoal da seLecT! Acompanhamos o site da revista e somos fãs do conteúdo e da forma como vocês escrevem! Daniel Camara e demais integrantes da Torradeira Digital, por e-mail
escreva-nos rua Itaquera, 423, Pacaembu, São Paulo - SP cep 01246-030
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colaboradores
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Joca Reiners Terron
Ana Letícia Fialho
Afonso Luz
Antônio Xerxenesky
Escritor, autor dos romances Não Há Nada Lá (2011) e Do Fundo do Poço se Vê a Lua (2010), ambos pela Cia. das Letras. Seu livro mais recente é o romance gráfico Guia de Ruas sem Saída (Edith, 2012), com desenhos de André Ducci. – literatura p 80
Gestora, advogada e pesquisadora, é atualmente consultora em inteligência comercial e coordenadora de pesquisas do Programa Setorial Integrado de Arte Contemporânea ABACT-APEX Brasil. – colunas móveis p 122
Crítico de arte, consultor-executivo para áreas de política cultural, economia criativa, design e moda. Foi consultor do Programa Monumenta Iphan/BID/ Unesco para o Desenvolvimento da Economia da Cultura. – reviews P 116
Ficcionista nascido em 1984, autor dos livros Areia nos Dentes (2008) e A Página Assombrada por Fantasmas (2011), ambos publicados pela Editora Rocco. – literatura P 80
Tatiana Stepanenko
Emília Vandelay
Fernando Lazlo
Formada em jornalismo pela Unisinos, cursa o Master of Arts Program in Cinema Studies na Universidade de Toronto, Canadá. – delete P 128
Fotógrafo desde 1991, viveu em Nova York até 2005, onde se especializou em fotografia artística. Expôs na Henry Urbach Architecture Gallery. – design P 56
Martha Gabriel
Rene de Paula
Escritora, artista, professora e pesquisadora. Coordena o curso de MBA em Marketing da HSM Educação e é autora de Marketing na Era Digital (Editora Novatec). – selects P 127
Diretor da agência CUBOCC no Brasil, escreve diariamente no blog Roda e Avisa, em que discute cultura, internet e tecnologia. – colunas móveis P 122
Maya Messina
Produtora de arte (set dresser) para filmes longa-metragem, publicitários, séries de tevê e editoriais, é formada pela ECA-USP. – design P 56
Colaboradores-RF-V1.indd 24
Estudante de design na Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), em São Paulo. – delete P 128
Caco Galhardo É cartunista e assina, desde 1996, uma tira diária na Folha de S.Paulo. Tem seis livros publicados e seus personagens já viraram animações nos canais MTV e Cartoon Network. – mundo codificado P 40
Bernardo Gutiérrez Jornalista, escritor e fundador da rede de inovação internacional Futura Media (futuramedia.net, @futuramedia), é autor dos livros Calle Amazonas – De Manaus a Belém por el Brasil (editora Altair) e #24H, uma obra copyleft. – colunas móveis P 122
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notícias + tendências + transcendências
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ZeitRaum, obra criada pelo Ars Electronica Futurelab para o aeroporto de viena
instalação
Geografias transitórias O aeroporto de Viena torna-se área de exposição de arte em novas mídias
O Ars Electronica Futurelab, em Linz, na Áustria, desenvolveu uma série de instalações para o novo terminal do aeroporto internacional de Viena (Check-in 3). A mais impactante ocupa a área de verificação de segurança e se chama ZeitRaum (Paisagem Textual, em tradução livre). Funciona como um sistema de intepretação e visualização de dados. Cada passageiro é associado a uma das letras do alfabeto. Acompanhando o movimento de trânsito, as letras se combinam e recompõem textos escritos por autores, como o biólogo chileno
Humberto Maturana, a socióloga holandesa Saskia Sassen e o teórico de mídias brasileiro André Lemos. Os textos ondulam o tempo todo, reproduzindo o desenho de vales e montanhas e refletindo a chegada e a partida dos aviões no terminal. Quanto mais próximas as aeronaves, maiores ficam os desenhos. No site do projeto, é possível fazer o download de um e-book que traz os textos que formam as paisagens projetadas nos displays do aeroporto, todos relacionados às novas configurações espaciais. http://www.aec.at/zeitraum. GB
fotos: Pez Schneider Hejduk (zeitraum) e, as demais, divulgação foto: Axel
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artes visuais
As treze constelações Bienal de São Paulo chega à 30a edição com mais de 3 mil obras de 111 artistas
No ano em que comemora 61 anos de existência de sua principal instituição de arte contemporânea, São Paulo ganha uma Bienal organizada segundo um princípio de zonas curatoriais constelares, que propõe relações intercambiáveis entre obras, artistas e conceitos. A Trigésima Bienal tem curadoria de Luis Pérez-Oramas e reúne mais de 3 mil obras, de autoria dos 111 artistas participantes. O curador venezuelano, que assinou a prestigiosa mostra O Alfabeto Enfurecido – que juntou Mira Schendel e León Ferrari no MoMA em 2010 –, organiza as obras no espaço em treze constelações, prevendo farto espaço para cada um dos artistas: uma aposta curatorial que oferece ao visitante todos os recursos para construir sua leitura pessoal sobre a mostra. JM
30a Bienal de São Paulo - Iminência das Poéticas, de 7 de setembro a 9 de dezembro, Pavilhão Ciccillo Matarazzo, Parque Ibirapuera, portão 3, São Paulo
Movimento organizado de ravers promove dança coreografada durante um after-party em parque no interior de São Paulo
Tese 2.0
IstoÉ... Sobre a Subjetividade Doutorado reedita obra de Muntadas no Flickr
Estranhou a legenda da foto? Então, leu certo. Não se trata de jornalismo, mas de uma parceria entre Paula Alzugaray, Diretora de Redação da seLecT, com o artista catalão Antoni Muntadas. O projeto é uma reedição de On Subjectivity, realizado em 1978, por Muntadas, que selecionou 50 imagens do livro The Best of Life (da revista norte-americana Life), extraiu-lhe as legendas e enviou-as por correio para 250 pessoas. Em carta, solicitava que elas lhe mandassem de volta uma interpretação – a legenda faltante – para essa imagem. Agora essa obra faz parte da pesquisa de doutorado de Alzugaray sobre ativação de arquivos na arte contemporânea, realizada na PUC-SP. A partir de um conjunto de imagens selecionadas no acervo da revista IstoÉ, em conjunto com Muntadas, disponibilizadas no Flickr e no Facebook, o antigo projeto abre-se para a legendagem planetária. “É uma estratégia para analisar as mudanças de paradigmas de comunicação das redes de arte postal às redes sociais da internet”, explica ela. Faça parte: http://bit.ly/LdVDME GB fotos: divulgação; Juca Rodrigues / agência istoé
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Dança
Corpo, futebol e comida O bailarino Marcos Moraes cria work in progress, em que investiga a criação coletiva no âmbito da dança e da performance
Desenvolvido pelo coreógrafo e bailarino paulista Marcos Moraes, o projeto DancerSoccerFood é uma plataforma aberta para a pesquisa e criação cênica em parceria com companhias de dança como a Balé Baião. DSF foi desenvolvido em três residências artísticas colaborativas em Fortaleza, Lisboa e Londres. Recentemente, o projeto recebeu o Prêmio Funarte Klauss Vianna de Dança – Circulação, que permitiu colocar na estrada o resultado das pesquisas. Ele pode ser conferido em dois programas diferentes que estão circulando pelo País. O primeiro é constituído de um trabalho em videodança, Love Letter, que relaciona dança com espaços urbanos, e do espetáculo Solo Lisboa. O outro programa, D de Dating, investiga noções de afeto e alteridade, e traz músicas de David Bowie e Riuchi Sakamoto. NG
Marcos Moraes em cena do espetáculo Solo Lisboa, parte do DancerSoccerFood
País Interior (2012), releitura de terra em transe (1967), de glauber rocha, assinado pelo coletivo cia. de foto
3 a Mostra 3M de Arte Digital - Tecnofagias, de 15 de agosto a 16 de setembro (de terça a domingo, das 11 às 20 horas), no Instituto Tomie Ohtake, Rua Coropés, 88, Pinheiros, SP
exposição
Artistas unem ciência de ponta e ciência de garagem Mostra 3M de Arte Digital ocupa Instituto Tomie Ohtake
Tecnofagias é o conceito para o qual se volta a 3a Mostra 3M de Arte Digital. A exposição reúne artistas que se destacam pelo uso crítico e criativo das tecnologias e das mídias. Em suas abordagens, evidenciam a combinação entre high e low tech e as novas acomodações entre saberes artesanais e de última geração. Em uma frase, as relações entre a ciência de ponta e a ciência de garagem. A Mostra, que tem curadoria de Giselle Beiguelman, apresenta 15 obras – a maioria inédita em São Paulo, e várias especialmente comissionadas – e um projeto especial: A Praia de Paulista, que reúne a crítica Ivana Bentes, o coletivo Cia. de Foto e convidados para remixes da obra de Glauber Rocha na área externa do Instituto Tomie Ohtake. Participam da exposição jovens artistas como Os Gambiólogos, Dirceu Maués e Járbas Jacome, ao lado de nomes consagrados como Arthur Omar, Lucas Bambozzi e Rejane Cantoni. NG FOTOS: cortesia dos artistas; e silvia machado
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Adrianne Gallinari giz de cera e acrílica s/ mdf | 140 x 188 cm| 2012 foto: Eduardo Ortega
Exposição
Adrianne Gallinari Enredos e Desenredos De 07/08 a 29/09 Feira
Art Rio 2012
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De 12 a 16/09
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Adriana Veiga | Adrianne Gallinari | Antonio Lizárraga | Arnaldo Battaglini | Gil Vicente José Bernnô | Laura Gorski | Luiz Martins | Luiz Sôlha | Maria Luisa Editore Marçal Athayde | Marcos Garrot | Mattia Denisse | Rodrigo Bueno | Sara Carone
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Rua Lopes Amaral 123 • 04544-040 • São Paulo • SP • Tel 5511 3846 4028 • 3044 4575 • www.estudiobuck.com.br • estudio@estudiobuck.com.br
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navegação Arquitetura
Peep show Marcio Kogan representa o Brasil na Bienal de Arquitetura de Veneza com instalação cinematográfica voyeurística
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fotografia
A Bienal de Arquitetura de Veneza homenageia Álvaro Siza e tem como curador da representação brasileira Lauro Cavalcanti, que selecionou o mestre Lucio Costa (1902-1998) e um de nossos expoentes atuais, o paulistano Marcio Kogan. Em vez do tradicional kit “plantas e maquetes”, Kogan leva a Veneza uma instalação que cruza as linguagens do cinema, da arquitetura e das artes visuais. Filmada em uma de suas obras, a casa V4, ele diz que optou por fazer “um filme voyeurístico, com humor crítico, mostrando a vida numa casa por cinco minutos com 16 câmeras fixas, em que a arquitetura é o pano de fundo e muitas vezes ignorada”. Fragmentado, o filme dirigido por Lea van Steen será exibido através de um muro com 16 olhos mágicos: dez visores na parte da frente, mostrando o lado A da casa, e seis visores atrás do muro, mostrando o lado B, como o quarto da empregada, a casa de máquinas, a lavanderia etc. “A outra vida da casa”, explica Kogan. GB
Ou é 80 ou é 80
Colecionismo
Mujica revisita personagens do pós-punk
Quando os revivals dos anos 1980 se limitam a festas como Trash 80’s, se esquece do quanto essa época foi criativa e caótica. Parte desse glamour obscuro pode ser revisitado no livro do fotógrafo Mujica: Fotografias Analógicas refere-se a um tempo em que as pessoas se conheciam ao vivo, na balada, e não no Facebook. E como tinha balada nessa época! Ácido Plástico, Napalm, Carbono 14 marcaram época, com destaque para o Madame Satã, “onde circulavam incríveis damas de tutu e coturno e meninos de saia e lápis nos olhos, mais artistas performáticos, mulheres-repolho, homens com cabeça de televisão e bandas como Ira!, Tokyo e Mercenárias”, lembra Teté Martinho, que assina a contracapa. No texto do livro, Bia Abramo recorda que o pós-punk alimentava uma atitude mais libertária: “A androginia e a diversidade sexual informam sobre uma cena cultural que respirava e podia mostrar a sua cara”. De fato, esse livro é uma antologia das pessoas mais interessantes de São Paulo nos anos 1980 e faz lembrar também de um mercado editorial mais ousado e irônico. “Não é incrível que boa parte dessas imagens tenha sido produzida como retratos ou editoriais para revistas de linha nas quais, hoje, sua ousadia seria impensável?”, provoca Martinho. O próprio Mujica assim define sua reunião de personagens: “Do Masp ao Ritz – ponto de encontros e desencontros – disparava-se o ‘cult-circuito’ onde personagens da cidade, já com o radar meio tantã, passeavam em slides pela minha visão granulada.” RB
Museus do amanhã Seminário debate a formação de coleções
Luisa Strina retratada por mujica em 1986, simulando o autoretrato de Tarsila do Amaral
“Temos hoje um mercado superaquecido, mas após os anos 1950, depois de Bardi e Chateaubriand, não se fez mais nada em termos de construção de grandes coleções. São modelos que não são mais viáveis. Por quê?” Movida por inquietações que acometem todos no nascente e já poderoso mercado de arte brasileiro, Patricia Rousseaux, diretora da revista Arte!Brasileiros, concebeu um seminário para discutir o colecionismo público no Brasil do século 21. Colecionadores latino-americanos da importância de Ella Cisneros e Eduardo Constantini, fundador do Museo de Arte Latino-americano de Buenos Aires (Malba) e proprietário do Abaporu de Tarsila do Amaral, comparecem para discutir temas como a importância das políticas públicas na formação de coleções, o acesso do público às grandes coleções privadas e os novos acervos imateriais. PA
8 0 ’s Fo t o g ra f i a s Analógicas, de Mujica; prefácio Bia Abramo, introdução Tete Martinho Editora Dash, 72 págs, preço não definido
FOTOS: cortesia dos artistas, divulgação, e Fernando Guerra (retrato Siza)
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still do vídeo de Marcio Kogan, feito especialmente para a Bienal de Veneza, e o arquiteto Álvaro Siza, homenageado desta edição
13a Bienal de Arquitetura de Veneza, de 29 de agosto a 25 de novembro http://www.labiennale. org/en/architecture/
artes visuais
Aluga-se com propriedade
Marcelo Cipis Transasisasão - Hotelgaleria Alameda Ministro Rocha Azevedo, 830 – casa 3, de 21 de agosto a 13 de outubro
Cipis faz exposição que se diverte com o mercado de arte
O Colecionismo Público no Brasil do Século 21 Primeiro Seminário Internacional Arte! Brasileiros, dia 4 de setembro, no Auditório do Ibirapuera, em São Paulo
Transasisasão é o nome da nova mostra de Marcelo Cipis, que ocupa, desde a fachada, a Hotelgaleria, em São Paulo, com projetos em diferentes suportes e mídias. No tradicional estilo irônico do artista, que foi um dos destaques da 21a Bienal de São Paulo com sua “corporação” Cipis Transworld, a mostra é um empreendimento. Ali o visitante encontra backlights, bonecos, fotos, uma intervenção online – crítica ao vivo de Itiberê Muarrek – e a obra Aluga-se com Propriedade, placa que pode ser locada por módicos 250 reais ao mês por qualquer um que se disponha a ler e assinar o contrato (outra obra em cartaz). Mas os colecionadores mais tradicionais não precisam se preocupar. O projeto Isto é Funny oferece “diamantes” brancos foscos que custam a bagatela de R$ 100 milhões. Está tudo, enfim, aberto à livre inciativa. Basta ter tino e iniciar a Transasisasão. Quem dá mais? GB LOVE (2012), de Marcelo Cipis e Pablo Saborido
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design
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anúncio popular que inspirou o nome da coleção da dupla Fetiche Design; abaixo, uma das peças da série
sustentabilidade
Cadeira velha é que faz casa boa Dupla curitibana cria linha de móveis que enfatiza a cultura do reaproveitamento e faz um alerta contra o desperdício
Móveis velhos e objetos sucateados fazem da coleção mais recente da dupla FETICHE DESIGN para Casa* – formada pelos curitibanos Paulo Bianchi e Carolina Armellini – uma proposta criativa para o encontro entre a cultura do reaproveitamento e o design high end. Para demonstrar insatisfação com a falta de qualidade da indústria moveleira do Brasil, a dupla desenvolveu a linha Conserta-se (sic) Móveis Tratar Aqui. A partir de móveis antigos danificados, que foram recolhidos pela dupla, a coleção evidencia os estragos do tempo por meio de gambiarras, emendas e colagens. “São peças únicas e quebradas, mas cada qual com a sua graça e a sua história. Procuramos valorizar as marcas e cicatrizes do passado. Não restauramos. Consertamos e deixamos a nossa assinatura”, declara Bianchi. Cadeiras de madeira quebradas são enfaixadas com material resistente que as coloca de pé novamente, conferindo estabilidade e nobreza às peças antes alquebradas. E pedaços de vasos quebrados são recriados de maneira precária com uso de Durepox. A coleção Conserta-se (sic) Móveis, Tratar Aqui foi concebida pela FETICHE com exclusividade para a loja Micasa, uma das mais badaladas lojas de design em São Paulo. NG
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Fotos: divulgação
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VIVA A EMOÇÃO DAS OLIMPÍADAS A Editora Três coloca você dentro da emoção de Londres-2012. Leia uma nova matéria nas próximas páginas, e saiba dos últimos fatos e notícias nas versões para tablet, celular e sites das nossas revistas. Aproveite agora, porque ainda faltam quatro anos para os próximos Jogos Olímpicos. www.editora3.com.br
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arte pública
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uma torre para londres Escultura de Anish Kapoor toma de assalto a sede dos jogos
O skyline de Londres tem mais uma torre para se destacar entre os marcos arquitetônicos da cidade: a ArcelorMittal Orbit, obra de arte pública criada pelo artista britânico Anish Kapoor para decorar a entrada do London Olympic Stadium. Com o dobro do tamanho da Nelson’s Column, a torre de 115 metros é a escultura mais alta do Reino Unido. Inaugurada em maio, seu custo girou em torno de 22 milhões de libras, e foi desenhada com a colaboração do arquiteto Cecil Balmond, engenheiro estrutural que já trabalhou com grandes nomes da arquitetura em vultosos projetos, como a CCTV Tower, em Pequim, com Rem Koolhas, e o Centre Pompidou, em Metz, com Shigeru Ban. Kapoor afirmou que tinha em mente fazer algo entre uma Torre Eiffel e um Monumento à Terceira Internacional (o famoso projeto de Vladimir Tatlin). Aparentemente, os artistas britânicos estão mirando alto assim em seus projetos para as “olimpíadas culturais”: Jeremy Deller, por exemplo, construiu uma réplica inflável de Stonehenge que pode ser usada como pula-pula (Sacrilege, 2012). Mas entre as obras que vão permanecer e ser incorporadas ao horizonte em que cintilam construções épicas, como a 30 St Mary Axe (ou Gherkin Building), nenhuma está causando tanta polêmica. A resposta de Kapoor: “Ninguém gostou da Eifell Tower quando ela surgiu”. JM
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foto: CmgleE / Creative Commons License
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Fashion Future Na era da mobilidade, “atachamos” telefones aos pulsos e até encontramos o caminho guiados por GPSs embutidos nos sapatos. É o tempo dos homens vestidos para conectar
I’m Tech Titanium Black Apelidado de smartwatch, o relógio da marca italiana I’m Watch se conecta via Bluetooth ao seu smartphone, deixando e-mails, música, fotos e apps ao alcance do pulso Philips Fusion A tecnologia OLED Display, desenvolvida pela Philips, permitirá que celulares maleáveis sejam usados como pulseiras, graças à tela de cristal líquido dobrável
Jaqueta Superhero Concebida pelo designer Wolfgang Langender, a peça é feita com luzes de LED embaixo de seu tecido, que servem como sinalizadores para ciclistas que gostam de se arriscar à noite Roupa QR Code O estilista Thorunn Arnadotti criou uma coleção de roupas com QR Codes bordados com cristais Swarovski
GPS Shoe Sapato projetado para portadores de Alzheimer. Em caso de lapso de memória, o calçado permite localizar o portador da síndrome via GPS, que transmite os dados para um celular cadastrado
Midi Hat As designers Sunny Oh e Anna Obikane criaram chapéus que se conectam via wireless e permitem aos usuários fazer composições musicais colaborativas
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ASAS da imaginação A história do desejo de voar atravessa milênios e é um roteiro que vai do sonho ao pesadelo A n g é l i c a d e M o r a e s
Mas nada é mais lindo que o sonho dos homens Fazer um tapete voar Sobre um tapete mágico eu vou cantando Sempre um chão sob os pés, mas longe do chão Maravilha sem medo eu vou onde e quando Me conduz meu desejo e minha paixão (Caetano Veloso, Tapete Mágico) A lenda do tapete voador é um dos inúmeros legados da cultura islâmica ao Ocidente e aquela que melhor simboliza o desejo de mobilidade irrestrita no imaginário da humanidade. As primeiras referências a esse objeto mágico e gentil estão no Corão. O livro sagrado do islamismo conta que Sulayman bin Daud (o rei Salomão dos relatos bíblicos) foi capaz de se transportar e a toda a sua corte em um tapete.
foto: Bernd Borchardt
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Na série Flying Carpets, Alex Flemming propõe a utopia da convivência pacífica entre a tecnologia do Ocidente e a rica tradição oriental, Porque naquele 11 de Setembro, suspenso na memória, perdemos a inocência do sonho de voar
Sulayman, narra o Corão, ordenou ao vento esgueirarse sob o tapete, erguê-los e transportá-los. A mesma narrativa surgiria mais tarde em As Mil e Uma Noites, contos populares que circulavam nas culturas do Oriente Médio e da Ásia e foram reunidos em livro pelos árabes no século 9. O Ocidente passou a conhecer esse clássico da literatura, a partir de uma tradução francesa, no século 16 e, desde então, a multiplicá-lo em versões que não escaparam sequer dos estúdios Disney. Para dar conta do sonho antigo de despegar-se do chão, os gregos criaram o mito de Ícaro e também o de Pégaso, o cavalo alado. Ícaro fugiu do labirinto de Creta e do monstro Minotauro. Suas asas, signos da liberdade e da transcendência, significam também um longo aprendizado para saber usá-las. Afinal, como observa Junito de Souza Brandão em Mitologia Grega (Editora Vozes): “É
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preciso ter em mente que asas não se colocam apenas, mas se adquirem ao preço de longa e não raro perigosa educação iniciática e catártica”. Aproximando-se em excesso do sol, o herói grego permitiu que o calor derretesse a cera que estruturava as penas de suas asas, fazendo-o cair e morrer. Pégaso, por sua vez, é o símbolo da criatividade e da inspiração. Nascido do sangue do pescoço decapitado da Medusa, foi cavalgado por Belerofonte para matar a Quimera, monstro que seduzia e destruía todos e não podia ser combatido de frente: era preciso, como Belerofonte fez, surpreendê-lo do alto, em seu refúgio. Seriam infindáveis as citações mitológicas ligadas ao voo, esse desejo máximo da mobilidade. Todas elas, por serem modelos arquetípicos e universais, ganham maior relevo e espessura de significados quando confrontadas
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Samolet (1880), pintura em óleo sobre tela de Viktor Vasnetsov, artista realista russo
Embora tenha migrado de meios, a organização ancestral de trama e urdidura está profundamente arraigada no nosso cotidiano digital com a destruição do World Trade Center, em Nova York, por dois aviões pilotados por fanáticos a mando de Osama bin Laden, em 11 de setembro de 2001. Esse trauma voltaria a colocar em carne viva um conflito cultural que remonta às Cruzadas e ao mundo dividido entre fiéis e infiéis, entre discípulos de Cristo e súditos de Maomé. Ambos os lados esquecidos dos fundamentos éticos de suas religiões e usando-as como pretexto para sangrentos jogos de guerra. Na série de obras Flying Carpets, Alex Flemming propõe, em operação semântica de sabor surrealista, a utopia da convivência pacífica entre a tecnologia do Ocidente e a rica tradição oriental. Porque naquele 11 de setembro, suspenso eternamente na memória mundial, perdemos a inocência do sonho de voar. Embora essa inocência, a rigor, tenha sido perdida quando as máquinas voadoras começaram a lançar bombas contra populações civis, na Primeira Guerra Mundial. Mas os aviões militares anunciam claramente seu sinistro objetivo. Os aviões comerciais, não. Para nós, eles eram até então alegres tapetes voadores, prenúncio do prazer de viajar. O comércio de tapetes, que ajudou o veneziano Marco Polo a criar a Rota da Seda no continente eurasiano no século 11, também protagonizou a primeira produção em massa de malas, na esteira da expansão das linhas de trem nos Estados Unidos, na metade do século 19.
Por pouco mais de 1 dólar, o viajante adquiria uma mala feita com tapetes usados. Seus donos eram chamados de carpetbaggers, termo que ganharia a conotação pejorativa de aproveitador, no final da guerra civil. Com a derrota e empobrecimento dos sulistas, toda a região foi alvo de toda sorte de aventureiros nortistas, sempre equipados com essas emblemáticas malas de tapete. A delicada organização de fios que dá origem a um tapete é feita de trama e urdidura, ou seja, de fios horizontais e verticais. A urdidura dá a base sobre a qual a trama será tecida. Embora tenha migrado de meios, essa ancestral organização de elementos, que acompanha a humanidade desde tempos pré-históricos, está profundamente arraigada no nosso cotidiano digital. A trama e a urdidura impregnaram o modelo binário que originou a computação eletrônica. Está na matriz dos sistemas operativos que deram origem aos primeiros e mastodônticos computadores, que geravam cartões perfurados em tudo semelhantes aos usados para anotar padrões de certos tipos de arte têxtil. Mesmo os circuitos impressos dos PCs e dos chips de celulares obedecem a traçados de percursos eletrônicos não muito distantes das tramas têxteis. Portanto, ainda e sempre estamos às voltas com tapetes voadores. Mesmo que agora eles sejam de silício, em circuitos integrados tão sinuosos quanto seus antepassados de seda e lã. Entretecidos na teia mundial que chamamos de web. Enquanto isso, voar agora pertence à categoria das torturas contemporâneas, por conta dos inóspitos e babélicos aeroportos. E, claro, dos aviões que desafiam a capacidade do corpo humano adaptar-se a espaços cada vez mais exíguos e insalubres. Pelo menos para a esmagadora (e esmagada) maioria da humanidade, que não dispõe de jatinhos executivos ou aviões particulares.
fotos: divulgação
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Big Boss (2010), instalação de Orly Genger com cordas e tinta látex
A permanência e atualidade de uma arte milenar Coitados dos que decretaram, com muxoxos de enfado, desinteressar-se da arte têxtil porque seria “algo tosco, fora das artes visuais”. Vão ter de reciclar a cabeça. Urgente. Alguns desses equivocados deram de cara, na Documenta de Kassel (Alemanha), com tapeçarias pontuando momentos desta que é a maior mostra de arte do planeta. Em sua 13º edição, a Documenta, em cartaz até 16 de setembro, ensina aos preconceituosos que a arte têxtil está sim (como sempre esteve) na esfera das artes visuais. Enquanto isso, fica em cartaz até 30 de setembro, no Palácio de Versalhes (Paris), uma individual da artista portuguesa Joana Vasconcelos, fascinante expansão do conceito de arte têxtil para escultura, instalação e site specific. Apenas no Brasil a tapeçaria e seus desdobramentos estão relegados a um segundo plano, o que nos leva a pensar o quanto faz falta ao circuito daqui o dinamismo do grande artista têxtil Norberto Nicola (1930-2007). Além de criar, a partir dos anos 1970, uma obra vigorosa de raiz abstrata e vocação tridimensional que exibiu no Brasil e no exterior, Nicola foi o motor de um movimento que aglutinou tapeceiros do País e da América Latina e formou público para essa arte organizando trienais de tapeçaria. A partir da metade dos anos 1980, a expressão têxtil no Brasil refluiu. Uma das
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causas foi a mudança de paradigma do processo de criação artística. Derrubada a monocultura dos saberes específicos, o investimento em dispendiosos ateliês de tapeçaria deu lugar à terceirização da execução de projetos pontuais no contexto geral da obra de artistas multimeios, como é o caso de Regina Silveira e Nelson Leirner. Uma das poucas exceções de dedicação exclusiva ao universo têxtil no Brasil é Ernesto Neto, que transcria saberes populares na trama de fios para produzir penetráveis escultóricos e lúdicos. Na Documenta 13, a curadora Carolyn Christov-Bakargiev colocou diversas obras têxteis, entre elas as tapeçarias da ativista política sueca Hannah Ryggen (1894-1970). Situou-as no emblemático espaço expositivo que nomeou como Brain (Cérebro), mezanino semicircular do Fridericianum Museum, sede principal do evento. Há muitos exemplos eloquentes da pertinência e qualidade da criação têxtil na atualidade. Um deles é a exuberante obra da nova-iorquina Orly Genger, com formas tecidas com cordas de rapel, formando enormes instalações. Genger produz irônica subversão de gênero, conferindo a delicados e femininos pontos tradicionais de crochê e tricô um esforço muscular e uma escala heroica que a inscrevem na concisão formal minimalista.
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Foto: Marissa Roth
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Novos Sísifos enfrentam sol e desgaste físico, deixam rastros poéticos de seus trajetos pelo mundo e configuram práticas artísticas que tomam a performance como uma profissão de fé J U L I A N A M O N AC H E S I
Em uma tarde de domingo no fim de janeiro, a artista norte-americana Lita Albuquerque e centenas de voluntários vestindo macacÕES vermelhos se encontraram no topo de uma montanha acidentada de Los Angeles para encenar a performance Spine of the Earth 2012. As ações coreografadas pela artista em Baldwin Hills Scenic Overlook eram a recriação de uma obra seminal de land art, que ela havia realizado em 1980 no deserto de Mojave, na Califórnia. A Espinha Dorsal da Terra de 32 anos atrás consistia em uma intervenção efêmera com pigmentos
vermelhos, amarelos e pretos, desenhando formas geométricas orientadas segundo eventos celestes. Com 200 metros de diâmetro, o trabalho só podia ser visto integralmente do céu. Ao redesenhar a coluna vertebral do planeta este ano, valendo-se de 300 pessoas uniformizadas que caminharam enfileiradas ao longo de duas horas, Lita Albuquerque – a única que vestia macacão branco – precisou novamente que fossem feitas imagens aéreas da obra, pois o único ponto de vista para abranger toda a linha vermelha orgânica era, mais uma vez, do céu. A operação performática de larga escala fez parte do evento Pacific Standard Time Public and Performance Art Festival.
Spine of the Earth, obra de Lita Albuquerque realizada no dia 22 de Janeiro de 2012 no festival de performance da mostra Pacific Standard Time, organizada pelo Getty Museum na califórnia
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esther ferrer Terminado o percurso que desenhou o dorso da Terra de maneira efêmera, passemos a acompanhar o caminho da artista espanhola Esther Ferrer, que marca com fita crepe o trajeto pelas ruas e espaços expositivos onde apresenta a performance Caminante no Hay Camino, Se Hace Camino al Andar (Caminhante, Não Existe Caminho, o Caminho Se Faz ao Andar). A obra faz pensar que os percursos urbanos são feitos pelos caminhantes que os utilizam, ou então que cada um é responsável por seu próprio destino. Como Albuquerque, Ferrer é da efervescente geração dos anos 1970 e, também sem preocupações em deixar uma marca, na sua performance mais famosa a artista simplesmente caminha por ruas, praças, galerias e mercados, deixando um rastro efêmero de fita crepe pontuada segundo os intervalos regulares de seus passos, representação provisória de um itinerário pessoal. Ferrer não pretende transformar o ambiente, nem se instalar na memória do lugar, ela simplesmente caminha. Inaugura um caminho sem pretender que ninguém a siga, mas também sem impedir que o façam. Um percurso com fita crepe de Ferrer pela Escócia poderia cruzar com a jornada entrópica de Simon Starling no Cove Park, em 2006.
a partir do alto, à esquerda, Esther Ferrer caminha no Centro georges Pompidou em paris, no Festival Art Kontakt (duas imagens), na cidade polonesa de Lublin (2000), em Hertogenbosch na holanda (2002), em Zaragoza, na espanha (2002), em Bourogne na frança, e, novamente, em Hertogenbosch; na próxima página, detalhe de Autoxylopyrocycloboros, obra de simon starling
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Fotos: Hervé Véronèse, Wojciech Bobrowicz, Lara Herr, Anne Marie Cornu
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The Parade (2011), vista da instalação de Nathalie Djurberg, com música de Hans Berg, no Walker Art Center, em Minneapolis
O parque escocês convidou o artista para conceber uma obra experimental que guardasse relação com o contexto do lugar. Starling realizou em outubro de 2006 a obra Autoxylopyrocycloboros, percurso circular pelas águas Loch Long a bordo de um barco de madeira movido a vapor, chamado Dignity, que é serrado para alimentar a caldeira. A obra faz referência ao desenvolvimento pioneiro da tecnologia do barco a vapor no Clyde Estuary e à ostensiva presença dos submarinos nucleares Trident nas bases navais Coulport e Faslane, vizinhas ao parque. A embarcação de 6 metros de comprimento, foi construída em torno de 1900 e resgatada do fundo do Loch Lomond por seu antigo proprietário, para logo ser restaurada e voltar a navegar. Na performance de Starling, O Dignity é barco e combustível, funcionando como o símbolo alquímico da renovação eterna, o Ouroboros, pois, na tentativa de continuar em movimento, consome a si próprio retornando para o fundo do lago. Foto: cortesia simon starling e galeria Casey Kaplan, NY
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oriana duarte Das águas doces escocesas, desembocamos no oceano. Navegamos ao Hemisfério Sul e pegamos a corrente do Rio Capibaribe para encontrar a artista Oriana Duarte remando em seu skiff, em pleno centro da cidade do Recife. Desde 2006, a artista pernambucana rema pelos rios, lagos e baías de capitais brasileiras para testar os limites físicos do corpo e empreender um esforço de liberdade. “Sou artista, sou uma atleta da arte, e atravesso duras estruturas torcendo-as, fazendo-as malemolentes, fluidas”, explica Oriana, que na série Plus Ultra tenciona poeticamente os territórios da arte, do esporte e da performance. “Um dos mais fortes condutores da arte é a tentativa de responder às possibilidades de ser-estar no mundo. São mesmo essas tentativas que fazem os artistas apresentarem seus corpos traçados pelas singularidades de seus períodos históricos. E se vivemos em um mundo em evidente desequilíbrio social, político, econômico e ambiental, quais são os traçados do corpo do artista hoje? Haveria traçados possíveis de demarcar um corpo do desequilíbrio? Ou seria coerente ao desequilíbrio a imagem ‘vigorosa’ desses frágeis músculos de laboratório fitness?”, pergunta-se em artigo que publicou na revista da Anpap.
No Sul do Brasil, um participante das ações da Agência Marga Puntel para Estudos da Velocidade, mochila colorida nas costas, bem poderia avistar Oriana Duarte remando ao longe, no Rio Guaíba, enquanto se dirigisse ao parque mais próximo em busca de uma árvore aprazível onde montar o dispositivo Objetos para Repouso e Contrafluxo (Mochila Rede). A pequena mochila se abre e desdobra para se tornar rede de dormir. Armada a rede, o caminhante deita e descansa. Ele contempla a natureza ao seu redor, como a do Passeio Público, em Curitiba, porque o movimento incessante dos nossos caminhantes também é pontuado por momentos de imobilidade e ócio. Em outra ação orquestrada pela artista Marga Puntel, intitulada Objetos para Repouso e Contrafluxo (Made in China n-1), um homem caminha levando atadas às costas caixas de papelão que simbolizam sua morada.
Fotos: cortesia marga puntel, divulgação 32 Panorama MAM (duarte) e 6a bienal do mercosul (alÿs)
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na página ao lado, colagem de frames do vídeo Plus Ultra (2006-2009), de Oriana Duarte; nas três imagens à esquerda, Objetos para Repouso e Contrafluxo, da agência Marga Puntel; nesta página, still do vídeo Quando a fé move montanhas (Versão documental 2000-2002), de Francis Alÿs
francis alÿs
Com a casa acoplada ao corpo, o leitor-caminhante percorre grandes distâncias, podendo chegar até a periferia de Lima, onde um grupo de pessoas se prepara para consumar a visão de outro artista, Francis Alÿs. Enfileirados, empunhando pás, eles protagonizam a ação mais inspirada em Sísifo de todas que testemunhamos até aqui. No topo de uma montanha de areia, eles cavam uma pequena porção de solo à esquerda e depositam o conteúdo das pás à direita. Em uma coreografia comandada por Alÿs, fincam novamente – e ao mesmo tempo – a pá do lado esquerdo de seus corpos e coletam mais uma pequena porção de areia, que atiram do lado direito. O sol peruano faz os corpos suarem. E o desgaste físico os faz avançar cada vez mais devagar. Entretanto, avançam, tirando areia de um lado e jogando do outro. Francis Alÿs, que em geral caminha sozinho – seja puxando um dispositivo imantado sobre rodas pelo centro da Cidade do México para colecionar objetos metálicos, seja correndo na direção de tornados com a câmera em punho para registrar a energia caótica do deslocamento –, aqui avança com centenas de voluntários. Eles não pretendem demarcar nenhuma espinha dorsal planetária a ser observada do alto – como a linha que iniciou o trajeto do presente texto – mas, antes, e com o suor de seus corpos, registrar o que acontece quando a fé move montanhas.
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A vida em aerocidades
Se a mobilidade é um padrão irrefreável da vida contemporânea e a condição universal do cidadão do mundo, aeroportos hoje equivalem a novas metrópoles Pa u l a A l z u g a r ay
foto: cássio vasconcellos
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O aeroporto Chek Lap Kok de Hong Kong recebe 50 milhões de pessoas por ano. Em Cingapura, o aeroporto de Changi tem anualmente mais de 40 milhões de passageiros. No aeroporto de Cumbica, em São Paulo, transitam 30 milhões por ano. São magnitudes que equivalem a escalas metrop ol i ta na s . I n t e r co n e c ta d o s , e s se s t r ê s a e r o p o rt o s abrigam uma população de mais de 100 milhões de pessoas – em trânsito. Isso sem falar na população não “flutuante”. Aeroportos abrigam um arsenal estável de funcionários que supera qualquer megassistema empresarial: Hong Kong, somado a Guarulhos, emprega 90 mil pessoas. Se a mobilidade é um padrão irrefreável da vida contemporânea, condição universal de qualquer cidadão do mundo, aeroportos são hoje espaços equivalentes a cidades, confirmando a tese do arquiteto Rem Koolhas de que estão a ponto de substituílas (publicada em S,M,L,XL, em 1998). Como as cidades, os aeroportos não param de inflar. Com o crescimento da economia no Brasil, a demanda no setor aéreo aumentou, em média, 10,2% ao ano no
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período de 2003 a 2010, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). No biênio 2009-2010, a demanda subiu de 128 milhões de passageiros para 154 milhões. A projeção aponta um movimento de 225,9 milhões de passageiros em 2014. Isso significa que os maiores aeroportos do Brasil estão operando como os nossos presídios: acima de 100% da capacidade e no limite da eficiência operacional. A previsão é a continuidade do ritmo de crescimento da aviação na casa dos dois dígitos por ano. Com a Copa do Mundo e as Olimpíadas no horizonte, o setor pede altos investimentos, na tentativa de reverter duas décadas de estagnação e de reduzir o abismo que nos separa dos modelos de excelência construídos na Europa e nos EUA já nos anos 1970. Na lista dos notáveis: o Terminal TWA do JFK Airport, de Nova York,
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Cloud City, obra de Tomás Saraceno instalada no topo do museu metropolitan, investiga as possibilidades de vida coletiva em ambientes aéreos projetado por Eero Saarinen; o Stansted Airport, de Londres, de Norman Foster; e o Charles de Gaulle Roissy de Paris, de Paul Andreus. Se o futuro do mundo urbano é a aglomeração em apenas uma megametrópole, a perspectiva dos aeroportos não é diferente. Aeroporto (2012), fotografia de Cássio Vasconcellos, é a imagem desse prognóstico irreversível. Em seus monumentais 5 x 2 metros, a fotografia representa um sistema aeroportuário hermeticamente fechado, de onde não há escape ou passagem, senão para outro terminal ou aeroporto. A obra integra a série “Múltiplos”, composta de fotocolagens construídas a partir de pontos de vista múltiplos – e aéreos, como se tivessem sido tomados desde satélites.
Entre o céu e a terra Aeroportos são territórios que fazem pontes simbólicas entre países, borrando fronteiras geopolíticas, mas que também constituem lugares suspensos entre a terra e o céu. Nesse sentido, o projeto multidisciplinar Cloud Cities/Air Port City, de Tomás Saraceno, investiga as possibilidades de vida coletiva em ambientes aéreos. Como o Aeroporto de Vasconcellos, a Cloud City de Saraceno, instalada no telhado do Metropolitan Museum of Art de Nova York até 4 de novembro, é uma estrutura modular multirreflexiva – ou colagem penetrável – que convida o visitante a experimentar a visão de múltiplas realidades. Como afirmou Bruno Latour em ensaio sobre outra obra do artista, Saraceno faz uma reflexão sobre as redes, que hoje designam infraestruturas técnicas, relações sociais, geopolíticas, máfias e, logicamente, todo o espectro da vida digital. Entendidas como sistemas capazes de conectar o microscópico e o macroscópico; o meio ambiente e a vida social, suas instalações são modelos inventivos de vida em aerocidades, que podem ajudar a desenhar os aeroportos do futuro. (Colaborou Thiago Szmrecsanyi) foto: Paula Alzugaray
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Às macroescalas de um mundo em trânsito constante, o design responde com objetos minúsculos, portáteis e leves, atualizando objetos clássicos em sintonia com a era da mobilidade S t i l l s f e r n a n d o l a s z lo
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iPhone 4S, da Apple, a partir de R$ 1.999
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Porta-
celular iPhone Hightche, da Hérmès, r$ 1.130
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esferográfica Pocket Pen, da linha Premium Design FaberCastell, R$ 150 4
Squeeze para creme com capacidade
máxima permitida pela Anac, da QVS Cosméticos, R$ 17,90 5 Pendrive Slim 8GB, da Victorinox, R$ 385,42 6 Macbook Pro, da Apple, a partir de R$ 3.999 7 Caneta tinteiro Ambition Metal, da linha Premium Design Faber-Castell, R$ 380 8 Porta-comprimidos, da QVS Cosméticos, R$ 5,24 9 iPad, da Apple, a partir de R$ 1.549 10 Borrifador de perfume com capacidade máxima permitida pela Anac, da QVS Cosméticos, R$ 18,90 11 Mini-dominó de madeira, que vem em uma estupenda caixa de jogos em couro, da Hérmès, R$ 1.600 12 Caneta tinteiro Ondoro Orange, da linha Premium Design Faber-Castell, R$ 380
ilustrações: lucas rampazzo
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Foto: shutterstock
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Vivemos a era
da mobilidade. Somos nômades tecnológicos em um mundo que substituiu a noção de lugar pela de fluxos. Estamos sempre em trânsito. As cidades tornam-se interativas, os espaços de trabalho não têm paredes e são acessíveis de qualquer ponto, a qualquer momento. A conectividade é a grande questão política e cultural do momento. Transforma os padrões de consumo, a arte e os modos de falar, andar e vestir. Influencia a moda, o comportamento, os hábitos, a fala, a escrita e os gestos. A percepção desse espaço expandido demanda recursos de visualização de amplitude cada vez maior. Em contraposição, para percorrê-lo, necessitamos de dispositivos cada vez menores, portáteis, adequados ao deslocamento constante das pessoas. No tempo das macroescalas, é o microdesign que se impõe.
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1 Relógio Original Cronograph, da Victorinox, R$ 1.383 2 Baralho incluído na tal estupenda caixa de jogos em couro, da Hérmès, R$ 1.600 3 Pasta Vassili Taiga, da Louis Vuitton, R$ 6.150 4 Cortador de unha e empurrador de cutícula (estojo de manicure de couro preto), da Zwilling, R$ 749 5 Fone de ouvido A8, da Bang & Olufsen, R$ 490
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1 Mala à prova d’água, da Nanuk Cases, R$ 548 2 Spectra Global Carry-On, da Victorinox Travel Gear, R$ 799 3 Salsa Air Aquamarine, da Rimowa, R$ 990 4 Avolve 20, da Victorinox Travel Gear, R$ 699 5 Mala à prova d’água, da Nanuk Cases, R$ 691 6 Spectra Global Carry-On, da Victorinox Travel Gear, R$ 799 7 Mala Business Trolley, da Rimowa, R$ 890 8 Bicicleta dobrável, da Go Easy, R$ 1.800 9 Mala Salsa River, da Rimowa, R$ 1.090 10 Spectra Global Carry-On, da Victorinox Travel Gear, R$ 799 11 Player Beolit 12, da Bang & Olufsen, R$ 2.450
fotos: paula alzugaray
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Produção Tatiana Stepanenko, Assistente de fotografia Charly Ho, Tratamento de imagem Leo Vas. Onde encontrar: Apple 0800-761-0867, Bang & Olufsen (11)3082-8277, www.lojabang.com.br, Faber-Castell (0800)701-7068, www.faber-castell.com.br, Go Easy (11)2533-6000, www.easybking.com.br, Hérmès (11)3552-4500, www.hermes.com), Louis Vuitton (11)3060-5099, www.louisvuitton. com, Nanuk Cases (Hollywood Store) (11)3819-0303, www.hollywoodstore.com.br, QVS Cosméticos (Drogaria Iguatemi) (11) 3031-9191, www.drogariaiguatemi.com.br, Rimowa (0800)746-6920, www. rimowashop.com.br, Victorinox (11)5584-8188, www.victorinox.com.br, Victorinox Travel Gear (11)2166-7522, www.victorinox.com.br, Zwilling (11)3087-3730, www.zwilling.com.br
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drone: NotÍcias que voam nina gazire
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prática que faz uso de aeromodelos nas coberturas poderá mudar o futuro do jornalismo
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Tim pool e seu occucopter utilizado na cobertura do occupy wall street
no fim de 2011, um jornalista de 25 anos tornou-se o portavoz de uma das manifestações mais recentes de insatisfação com a crise econômica mundial. Munido de uma mochila com baterias solares capazes de abastecer seu celular, Tim Pool circulava pela Praça Zucotti com o olhar atento e à espreita para registrar as tensões potenciais do ambiente. O Occupy Wall Street tivera início em setembro e se arrastava pelo mês de novembro, quando o inverno começava a condensar-se pelas ruas de Nova York. A ideia das baterias solares na mochila permitiu a Pool transmitir ao vivo notícias via celular no canal online gratuito Ustream por mais de 20 horas por dia. Suas imagens foram retransmitidas pela Reuteurs, Al-Jazira e pelo canal NBC, e ele se transformou em celebridade mundial. A mais nova empreitada de Tim Pool poderia muito bem ter saído de um filme de James Bond e o coloca como um dos pioneiros a praticar o Jornalismo Drone. Qualquer veículo de transporte operado a distância, como, por exemplo, os aviões e helicópteros usados no aeromodelismo, pode ser definido como Drone. Recentemente, Pool, juntamente com seu sócio Sam Shapiro, acoplou a um Parrot AR Drone – uma espécie de helicóptero com quatro hélices – uma câmera que transmite imagens aéreas e informações em tempo real. O Occucopter, nome dado ao invento que teve o custo de US$ 300, fez imagens do Occupy Wall Street que deixam no chinelo as feitas de um Globocóptero – o famoso helicóptero da Rede Globo, sempre presente em jogos de futebol ou funerais de famosos.“O Occucopter nos permitiu acesso a uma área cinza em
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Occucopter, invento que custou US$300, fez imagens do Occupy Wall Street que deixam o Globocóptero no chinelo
Fotos: Stanley Rogouski
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Matthew Schroyer defende o uso ético, que vai da vigilância até questões de segurança, dos dispositivos de cobertura aérea
Matthew Schroyer, criador da Sociedade Profissional dos Jornalistas Drone
termos de cobertura. Podemos fazer imagens aéreas mais próximas e agir com rapidez em conflitos. Queríamos testar o potencial dessa tecnologia em meio a tanto cerceamento”, explicou Pool em entrevista à seLecT, que confessou ter criado o drone como forma de mostrar os abusos cometidos por policiais durante o Occupy Wall Street, o que não estava sendo mostrado pela mídia tradicional. Questões éticas e políticas
O uso de drones em atividades que não sejam lazer não é uma novidade. Durante a Guerra do Afeganistão, a Força Aérea norte-americana utilizou os chamados RQ-1 Predator Drone, aviões não tripulados comandados a distância, para espionar e atacar os bastiões da Al-Qaeda. Naves semelhantes foram usadas ao longo da Guerra Fria para fazer espionagem, e esquadrões antibomba utilizam robôs dirigidos de longe para desarmar bombas. Porém, até então, o potencial dos drones nunca havia se encontrado com a ética Do It Yourself hacktivista (que combina práticas
dos hackers com as dos ativistas políticos). O crescimento do uso de drones em coberturas jornalísticas – como, por exemplo, para obter as impressionantes imagens aéreas feitas pela agência de notícias russa Ridus durante os protestos contra as eleições em Moscou em dezembro de 2011 – está fazendo com que a novidade ganhe relevo acadêmico e seja discutida no âmbito das leis da aviação nos EUA. “As autoridades da aviação civil têm afirmado categoricamente que o uso de drones na cobertura jornalística é proibido por lei. Pelo estatuto da Federal Aviation Administration você não pode usar um avião de controle remoto para fins comerciais (entre outras coisas). Eles consideram o jornalismo uma atividade comercial”, comenta o professor Matt Waite, da faculdade de jornalismo da Universidade de NebraskaLincoln e fundador do Laboratório de Jornalismo Drone, o primeiro do gênero de que se tem notícia em uma universidade. Segundo Waite, apesar da proibição de drones aéreos, seu crescimento em práticas jornalísticas vem aconFoto: Matthew Schroyer
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Segundo matt Waite, apesar da proibição de drones aéreos, seu uso em práticas jornalísticas vem crescendo
tecendo porque as próprias autoridades norteamericanas sancionaram uma lei, que entrará em vigor a partir de 2015, que aprova o uso de drones do tipo UAV-Unmanned Aerial Vehicle (Veículos Aéreos Não Tripulados) para uso comercial. Ao longo de sua carreira, Waite dedicou-se a fazer uma cobertura baseada em utilizar sensoriamento remoto de dados, colhidos principalmente via satélite. Nos anos 2000, ele utilizou os satélites em uma matéria investigativa sobre o soterramento ilegal das áreas de preservação dos pântanos da Flórida. Ele acredita que a chegada dos drones mudará o panorama do jornalismo investigativo. “É divertido pensar como todas as histórias que cobri quando era repórter poderiam ter sido muito diferentes se eu tivesse usado um UAV pequeno”, reflete o professor. O Jornalismo Drone ainda é incipiente e por isso há certo temor quanto à sua institucionalização. A Profissional Society of Drone Journalists (PSDJ), por exemplo, é uma organização de jornalistas que disponibiliza pelo endereço www.dronejournalism.org informações técnicas sobre os veículos, cuja principal preocupação está no uso ético dos drones aéreos. “Eu criei a Sociedade Profissional dos Jornalistas Drone porque percebi que havia uma necessidade educacional quanto ao seu lado ético. Isso vai desde a questão da vigilância até questões de segurança e bem-estar. Alguns dos drones aéreos podem ser bastante pesados, e eles certamente causariam danos se o piloto de alguma forma perdesse o controle a centenas de metros no ar”, explicou Matthew Schroyer, criador da PSDJ. Para o grupo, a origem da prática sempre esteve ligada à livre iniciativa e, principalmente, ao ativismo. “A origem do Jornalismo Drone pode ser rastreada até Viena, na Áustria, no ano de 2004. O System 77 Civil Counter-Reconnaissance foi um consórcio de ativistas, preocupados com o nível de vigilância do
governo, que lançou seu próprio robô para monitorar a aplicação das leis. Não sei se foram usados drones aéreos, mas o robô foi bastante eficiente para mostrar a verdade para o público”, relembra Schroyer em entrevista por e-mail para a seLecT. Porém, para o ativista, o Jornalismo Drone realmente tem seu marco no ano de 2011, durante os movimentos de ocupação mundo afora. Assim como Tim Pool, Schroyer trabalha numa série de modelos que envolvem atividades como o hacktivismo e, apesar da preocupação quanto ao uso “para o mal” dessas ferramentas, ele acredita que o Jornalismo Drone chegará a ser um negócio do futuro. “As estações de televisão vão olhar para os drones como substitutos para os helicópteros, e os canais de esportes vão usá-los para melhorar a cobertura esportiva. Mas a verdadeira vocação do jornalismo drone está nas redações sem fins lucrativos e com os jornalistas independentes, pois eles têm mais liberdade e incentivo para assumir riscos e inovar”, conclui.
MAtt waite é o fundador do primeiro drone lab em uma universidade
Foto: drone journalism lab / cortesia matth waite
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Memórias do futuro de uma arte sem passado T E X TO E ILUS T R A Ç Õ ES
Giselle Beiguelman
A net art foi desde sempre um problema no espaço, por não se enquadrar nas tradições expositivas. Tornou-se um problema para o tempo, desaparecendo com os sites que linkava, os servidores que a abrigaram e as tecnologias que consolidaram a obra
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A história da net art é recente, mas cheia de revezes. Eterna prima pobre da artemídia, pela acessibilidade intrínseca às redes que nunca caiu bem no crivo exclusivista dos colecionadores, viveu um breve hype entre o fim dos anos 1990 e o início dos 2000. Nesse curto período, penetrou o circuito das bienais, inclusive a de São Paulo, em 2002, e chegou à Documenta de Kassel, cuja décima edição, em 1997, prometia à arte na rede uma trajetória crítica de sucesso que nunca vingou. A Documenta X comissionou dez projetos “web site specific”, selecionados pelo crítico suíço Simon Lamunière, curador convidado por Catherine David, curadora-geral da mostra. Revolucionária para a época, a interface online daquela edição distanciava-se do estilo portal para apresentar-se como uma plataforma de experiências artísticas interligada às temáticas e à programação da Documenta. Com um menu exclusivamente baseado em ícones, o site distribuía
os projetos comissionados em quatro eixos principais: Superfícies e Territórios, Dentro e Fora, Grupos e Interpretações e Cidades e Redes. Além disso, trazia um guia de links sobre arte online e um fórum de discussão entre artistas e curadores, publicado no jornal Le Monde. Na Documenta em si, o site era disponibilizado localmente no café, transformado em net.room. A ambientação em formato de escritório e offline desagradou aos artistas. Respondendo a um e-mail da curadora Catherine David, no qual ela explicava suas expectativas sobre o site da mostra, a dupla de webartistas JODI resumiu a insatisfação geral na lista de discussão dos projetos de internet da Documenta X: “O net.room simula um escritório, com mesas de escritório, cadeiras de escritório, móveis de escritório, tudo organizado ‘como em um escritório’. Essa configuração-escritório foi ‘criada especialmente’ para a apresentação de nove (sic) net projetos de artistas participantes da Documenta X. É uma construção simbólica desnecessariamente confusa e feita sem consulta aos artistas. Proje-
fotos: net_condition, primeira exposição de net art realizada dentro de um museu CZKM, ALEMANHA, 1999) reprodução.
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tos para a internet não precisam de tais metáforas quando apresentados no espaço real das exposições, assim como monitores de televisão não precisam de um home décor em torno deles para visualização de vídeo. O clichê-escritório também é uma droga, porque dá um rótulo falso a um grupo de artistas que em comum têm apenas o uso da rede, e os categoriza, em oposição ao resto da exposição, pela técnica”. A Documenta X acabou, mas a discussão de fundo – como expor net art – perdurou, gerando, no fim das contas, mais frustações que soluções. Acima de tudo, a arte online depende da internet em todos os seus sentidos e isso vai muito além de uma tela de computador. É uma arte contextual, que lida não só com o trânsito dos dados na rede, mas com a situação particular de quem a acessa (do modelo de computador ao browser, passando pelo provedor de acesso, até as inúmeras janelas e abas abertas).
Estética da transmissão Arte ubíqua e do trânsito por excelência, a net art tem por paradigma uma estética da transmissão difícil de se condicionar a situações que lhe são antagônicas, como o meio offline ou a simples projeção em grande escala. Os projetos desse tipo geralmente se alimentam de informações geradas em tempo real na internet e, portanto, não podem ser apresentados sem conexão. A maioria também é pensada para a situação do consumo individual de informações, sendo por isso ideal que não fuja da escala dos monitores e das telas portáteis. Esse drama parece ter chegado ao fim, redundando no ostracismo total das práticas de arte online das
Arte ubíqua e do trânsito por excelência, a net art tem por paradigma uma estética da transmissão difícil de se condicionar a situações que lhe são antagônicas, como o meio offline ou a simples projeção em grande escala
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discussões críticas e do circuito da arte. Mas outro se impôs: a difícil tarefa de preservar as obras de arte online. Do ponto de vista museológico, a preservação é dramática porque as obras dependem de tecnologias digitais que, como se sabe, ficam obsoletas rapidamente no âmbito da internet. Dito de outra forma, se a net art foi desde sempre um problema no espaço, por não se enquadrar nas tradições expositivas, ela tornou-se um problema para o tempo, desaparecendo com os sites que linkava, os servidores que a abrigaram e os recursos tecnológicos que possibilitaram a obra. Uma série de estudos e discussões está em curso, problematizando a questão de como lidar com o arquivamento da net art. Netescópio, projeto de Gustavo Romano com o museu espanhol MEIAC, Archive 2020, da holandesa Annet Decker, Variable Media Iniciative, coordenado por John Ippolito, nos EUA, Net Art Port, com curadoria de Christiane Paul, no Museu Whitney de Nova York, Net Art Pioneers, de Dieter Daniels, na Áustria, Taxononomedia, de Vanina Hoffman, na Argentina, e o FILE Archive, no Brasil, são alguns deles. À proliferação de pesquisas e estudos corresponde a constatação das ambivalências da memória nos dias de hoje.
Arquiteturas do esquecimento Poucas palavras tornaram-se tão corriqueiras no século 21 como “memória”. Até bem pouco tempo confinada aos campos da reflexão historiográfica, neurológica e psicanalítica, a memória converteu-se num aspecto elementar do cotidiano. Tornou-se uma espécie de dado quantificável, uma medida e até um indicador do status social de alguém. Existe um fetiche da “memória” como “coisa”: quanto de memória tem seu computador? E sua câmera? E o seu celular? Tudo isso? Só isso?... Compram-se memórias, transferem-se memórias, apagam-se e perdem-se memórias. Curiosamente, à inflação discursiva corresponde um vazio metodológico no trato dos produtos culturais criados com os meios a que dizem respeito essas memórias: os meios digitais. As perguntas – sem resposta – multiplicam-se: como preservar a memória de bens culturais que resistem à objetificação, que muitas vezes só existem contextualmente, como é o caso da net art? Como lidar com memórias tão instáveis, que se esgotam juntamente com a duração dos equipamentos e cujas tipologias não correspondem aos modelos de catalogação das coleções de museus e arquivos? Como não pensar que, hoje, a memória cultural é também uma questão eco-
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ista on, vsita off II, de denise agassi. metanarrativa construída na internet levou prêmio de mídias ¬ocalitavs ado vivo arte.mov 2012 71
nômica e um serviço que deveria demandar algum tipo de código ético? Afinal, cada vez mais, memórias mediadas por instâncias corporativas, que se abrem como grandes repositórios, são descontinuadas assim que deixam de ser um nicho de marketing conveniente. Basta lembrar o caso recente do Geocities, um serviço de hospedagem gratuita de sites que foi encerrado pelo Yahoo, levando consigo boa parte da história da web 1.0. E se o Google resolver fazer o mesmo com o YouTube? Talvez essa iminência da desaparição justifique o tom apocalíptico que vem sugerido nos comandos mais elementares de manuseio dos programas de edição digitais, que nos convidam a todo tempo a “salvar” arquivos e não simplesmente guardá-los. Para não ceder a uma hipótese catastrofista e ir além das pressões de descartabilidade do mercado e da economia da obsolescência programada, melhor seria optar por uma reflexão em torno dos novos sentidos da memória e das tecnologias de memorização, discutindo metodologias de preservação de obras efêmeras e digitais, especialmente aquelas que implicam e denunciam a materialidade das redes (a imbricação com a largura das bandas de tráfego de dados, os tipos de servidores que armazenam os dados, a contextualidade dos links, a validade dos scripts de programação e suas relações com os browsers, entre outras variáveis). O irrevogável processo de digitalização da cultura demanda a elaboração de um repertório crítico e especializado, com terminologias e métodos adequados, para dar conta das obras produzidas e concebidas para meios digitais, e também da incalculável massa de dados e memórias que se esvaem entre cartões e USBs, acumulados e perdidos em arquivos coletivos e pessoais na internet, alguns dos quais relacionados à história da net art. Enfim, a net art morreu? Então... longa vida à net art!
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Aram Bartholl ironiza o Google, faz curadorias rel창mpagos e briga, brincando, por uma vida open source
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Aram Bartholl estava fazendo seu desjejum no café que frequenta em Berlim, onde vive, e soube que o Google Street View Car estava por perto. Não teve dúvidas, saiu correndo atrás do carro para ter sua imagem capturada e depois disponibilizada no programa. E não é que ele se encontrou? Estava pronta em sua série 15 segundos de fama (2010). Na página anterior, Map, intervenção realizada em Budapeste, Taipé e Berlim (2006-2012)
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Ele desmitifica todos os clichês techie. Não tem cara de nerd, suas obras não são feitas para ser vistas no computador e tudo, em vez de apelar para uma leitura de calhamaços de informatiquês, é a tradução mais irônica da realidade de qualquer um no mundo digital
Com o coletivo FAT (Free Art and Technology Lab), Bartholl criou um método de construir fakes da incensada câmera do Google para clonar seu poderoso Street View Car. Acompanhado de mapas impressos, o carro circula pelas ruas, perguntando aos passantes os endereços dos lugares (How to Build a Fake Google Street Car, 2010)
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Monitores de tubo catódico encontrados nas ruas de Berlim são ressuscitados, mostrando obras “clássicas” da história da net art nos mesmos lugares em que foram encontrados (Highscreen, 2011)
Ações que interferem no cotidiano das ruas são constantes na produção de Aram Bartholl. Exposições de net art na calçada e protestos pela liberdade na (e da) internet são algumas de suas intervenções mais recentes
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Esses LEDs de baixa resolução são uma espécie de GIFs animados da vida real, diz Aram Bartholl, celebrando os potenciais ainda vivos do primeiro formato de imagem em movimento a vingar na internet. Nada melhor que isso, portanto, para criar uma ação mobilizatória pela abertura das redes (Open Internet, 2011)
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Em prol da libertação de Ai Weiwei, básicos óculos de papelão que remetem à obra Estudo de Perspectiva, do artista chinês, e ensinam a ver o mundo com outros olhos (Free Ai Weiwei Glasses, com o FAT Lab, 2011)
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Uma das mais conhecidas intervenções de Aram Bartholl. “Desenvolvida” durante residência artística no Eyebeam de Nova York, é uma série de pen drives com arquivos e programas para serem copiados por entre as frestas dos tijolos urbanos (Dead Drops, 2010-2012)
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A política como espaço de compartilhamento e riso fazem da obra de Aram Bartholl um manifesto pela felicidade coletiva
Anônimos somos nós! Com um set para produção de máscaras de plástico, o público é incentivado a ocupar a galeria de arte (How To Vacuum Form, 2012)
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AMORES MÓVEIS A CONVITE DE SELECT, TrÊS ESCRITORES criam pocket contos ilustrados com fotos do instagram
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Eles se encontraram na festa por acidente, mas não havia sido por acaso que ela o adicionara no Facebook algumas semanas antes. Muito menos acidental tinha sido a aceitação do convite; ele se lembrava dela, de festas passadas, muitos anos atrás. Lembrava-se de achar a garota bonita e comprometida. Sabe-se lá o motivo exato pelo qual, do nada, ela o adicionou na rede. De madrugada. Provavelmente do celular. Vinte e três amigos em comum. Fizeram sexo na mesma noite em que se falaram ao vivo na festa. “Desastroso” não descreve adequadamente como foi. Ele com certeza não estava acostumado a levar para a cama uma garota que encontrou em uma balada ordinária e ruidosa. Alguém com quem você tem conversas na linha de “então você que é a __”, “Sim, te adicionei semana passada”, “Você também gosta de __ banda e de __ filme”. E foi bom, cedo ou tarde. Houve aquela conexão legítima, aquela confluência de interesses que já era anunciada pelos perfis de Facebook, os posts, o compartilhamento, o senso de humor. As diferenças – no caso, políticas – eram atenuadas pelo entusiasmo sensual. Os dois se ligaram de uma maneira que nenhum esperava; ninguém planejava marcar “está em um relacionamento sério com __”. Pelo contrário: descartavam a ideia e riam disso. Por esse mesmo motivo, um nunca diria que estava apaixonado pelo outro ou algo do tipo. Não apenas porque a palavra “paixão”, ou “amor” (muito pior) se encontrava manchada pelo clichê e pelas experiências horríveis que ambos guardavam no passado. Certa noite, ela foi visitá-lo. O plano era ver um filme, mas o vinho impediu qualquer coisa, e logo estavam se agarrando no meio da sala. A tevê foi apagada e ele ligou o som. Colocou a cantora que ainda não tinha estourado na mídia, nem sequer havia lançado um disco, mas que seria um sucesso – todos sabiam disso. A cantora sussurrava uma letra que só podia ser vista como irônica pelo teor desbragado da declaração de amor que proferia. “Dizem que só vale a pena viver se alguém ama você; bom, agora alguém ama você.” Com o corpo dela sobre o seu, ele repetiu mentalmente a letra e pensou que era isso, estava resolvido. Tinha declarado seu amor secreto. Ela nunca saberia disso, mas estava feito. Enquanto isso, o programa last.fm registrava cada música que saía pelas caixas de som e divulgava para a internet o que se escutava na casa. Qualquer pessoa que acessasse o perfil dele entenderia que ele estava fazendo sexo. Quem mais escutaria uma seleção dessas de madrugada? Ele acordou atordoado da experiência. Não soube o motivo exato. Também nunca entendeu como, algumas semanas depois, se apaixonou por outra pessoa. FOTO JOCA REINERS TERRON
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Que maravilha poder te alcançar Ronaldo Bressane
Que maravilha poder te alcançar via Skype, estava com saudade das nossas conversas, outro dia vi uma cena que precisava te contar. Tinha ido jantar sozinha naquele bistrô que a gente costumava ir, e como sempre fico de olho nas outras mesas, imaginando como são as vidas das outras pessoas, no que trabalham, se são felizes, se assistem a Chaves ou Seinfeld, se andam de SUV ou de bicicleta, se escolhem Mac ou Android, se fazem sexo loucamente ou se já são parte daquele condomínio de gente que só finge que faz, mas, no fundo no fundo, tem nojinho. Aí de repente me peguei sacando esse casal que tinha acabado de chegar: muito elegantes os dois, o cara numa jaqueta de couro marrom de motoqueiro, a garota um tubinho preto e umas meias na cor fúcsia (fúcsia, adoro essa palavra) e o cabelo preso no alto da cabeça, os dois muito bonitos, magros, lógico, com aquela cara de quem já assistiu a todos os filmes em cartaz na cidade. Cada um falava com alguém no celular, muito animados. Até que veio o garçom e meio que eles tiveram de desligar, parece que não gostaram disso, o garçom os forçava a ter de sair das bolhas, ou então fosse somente uma impressão minha, fato é que eles acabaram pedindo o que o garçom lhes sugeriu, meio que para dispensá-lo, e pouco depois chegou uma garrafa de vinho. Quando o garçom se afastou e eles se preparavam para o brinde, o cara tirou de dentro da jaqueta uma caixinha de veludo preto e estendeu em direção à moça, aí me peguei emocionada, porque, lógico, só poderia ser... A garota se deslumbrou: uma aliança de ouro branco, bem grossa, com uma linha sinuosa em ouro velho no interior do anel, e a moça botou o anel no dedo e ficou olhando pra ele de ângulos variados, estendeu a mão, levantou e deu um beijão no cara, agora sim eles pareciam felizes. A moça teve uma ideia: clicar o anel? Claro que sim, e daí ela fotografou, e ficou lá mexendo no celular um tempo, escrevendo umas coisas, e o cara também clicou ela clicando o anel, e ela fotografou ele e ele fotografou ela, e se registraram juntos com o anel em primeiro plano e quase que eu fotografei eles da minha mesa de tão lindos que estavam. Ficaram um tempo encafifados nos celulares até que chegou a comida. Mas aí o celular de cada um dos dois começou a tocar sem parar. Eram pessoas que, imagino, devem ter visto as fotos deles na internet, em alguma rede social, e ligavam para dar parabéns, e aí eles começaram a comer enquanto recebiam os parabéns, obrigado, obrigado, era só o que eu via seus lábios se mexerem, comiam e agradeciam, também tive vontade de agradecer por ver aquela cena, porque eu estava sacando alguma coisa misteriosa sobre a vida e o amor e a nossa época, você está me entendendo, ei, você está me ouvindo, será que dá para parar de mexer só um pouquinho nesse treco enquanto eu falo? ________________________ * As fotos foram gentilmente cedidas por Fernanda Paola e Endrigo Chiri, que decidiram se casar durante uma passagem por Boipeba (onde não tem sinal de celular)
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A solidão nas fotos do Instagram JOCA REINERS TERRON
01. Quantos homens e quantas mulheres devem estar conectados através
dessa torre de telefonia neste momento? Milhões? O Facebook acabou com as linhas cruzadas. Ninguém mais atende a uma ligação, desliga e diz: “Era engano”. Não é necessário fingir que se discou um número errado para falar com alguém. Não existem mais enganos. Eu estou aqui. Você, aí. Por que não me liga?
02.A solidão nas grandes cidades é idêntica à do espectador
que assiste a uma cena que exibe pessoas entrando em vagões do metrô. Esse balé sincronizado não o inclui. Ele permanece estático, mas vê tudo. A multidão se move sem ver. Não há emissão e recepção, nem cruzamento de olhares. A condição do espectador é semelhante à da moça quatro-olhos no baile de formatura. Ninguém tira ninguém para dançar.
03.O hábito de fumar, quem diria, aproxima as pessoas. Alguém já
disse que percebeu a completa falta de sentido do ato somente ao fumar de luvas. A tatilidade é o próprio cigarro para o fumante, e não senti-lo é o mesmo que não fumar. Isso prova que o cigarro só existe entre os dedos, daí a postura destemida do fumante que se recusa a aceitar a existência da fumaça nos pulmões. Você tem fogo?
04.Não me deixe aqui, não acredito no abandono. Veja, eu tenho
celular. Vou fazer uma pergunta ao Twitter, que tem esse nome, mas bem poderia se chamar Esfinge. Decifra-me ou te devoro e te cago cobertinha de ouro. Alguém me ouve? Quem quer ir ao cinema, ao bar, à igreja? Não sei mais o que é real, a não ser o esquecimento. Me deixe. Eu acredito em enganos. O Twitter na verdade se chama Esfíncter.
05.Ninguém mais acredita que o silêncio vale ouro, nem os
gângsteres. O negócio – negócio de verdade, com cifrão no lugar do cê – é se comunicar, é dizer, é monetizar a comunicação no plano pessoal, não em massa. Então, por que você não me manda um SMS, por que me abandona, por que se engana? Por que não me manda um SOS? Por que, porcaria?
06.Post-its. Anotações. Cartões-postais. Bilhetes de amor. Cartas anônimas.
Listas de supermercado. Trabalhos escolares em cartolina. Cadernos de caligrafia. Fotos joca reiners terron
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Layouts em letraset. Poemas em guardanapos. Cartazes de aluguel. Paste-ups de anúncios. Lembretes em calendários. Corações flechados nos gessos. Pedidos de socorro em notas de 10 cruzeiros. Tudo isso não serve mais. O passado não te deixa triste?
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07. Lançar mensagens em garrafas ao
mar não é o mesmo que deixar um desesperado pedido por afeto na timeline. A garrafa chega a algum lugar, nem que seja a uma ilha rodeada de clichês de solidão, como aquela história de qual livro levar para uma ilha deserta. A única ideia de solidão que permanece imune ao lugar-comum é a de naufrágio, justamente pelo fato de o naufrágio não ser um lugar, mas um meio.
08. Até pouco tempo atrás, pessoas agradeciam
a Deus em notas de dinheiro. Não dá para fazer o mesmo em moedas, a não ser que você seja ourives. E quanto aos casais que registraram seus nomes em troncos de árvores? Eu também gostaria de agradecer a Deus, mas não sei exatamente o quê. Enviei um e-mail para Ele, mas voltou escrito assim: daemon_mailer_full_box. Deus não está no Facebook.
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Embora pareçam invisíveis, eles apontam outras direções do anarcocapitalismo do Brasil globalizado
A BALADA DOS HOMENS-SETA E n s a i o v i s u a l R i c a r d o va n S t ee n Te x t o R o n a l d o B ress a n e
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Os homens-seta são crias do antigo homemsanduíche. Tonificado por um “misto-frio” de presunto e queijo ou, com sorte, por R$50 diários (dá pra fazer R$ 1.500 por mês, disse um), esse lumpesinato moderno pendura uma seta no pescoço, anunciando o monstrengo imobiliário mais próximo. Eles surgiram devagar, na esteira de dois fenômenos recentes na cidade de São Paulo: o projeto higienista Cidade Limpa e a anarcocapitalista especu-
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lação imobiliária. São um drible no Cidade Limpa, que proíbe anúncios em lugares públicos – desde que não sejam tracionados, tais como os medievais jiriquixás, por corpos humanos. No bafo da voracidade imobiliária, que sempre usou as formas de propaganda mais baratas e ineficazes para divulgar suas novidades – lambe-lambes, filipetas distribuídas nos semáforos –, germinaram esse gênero publicitário que comprova: por trás do anúncio, o ser é o nada. Espalharam-se, como câncer, pelas capitais do Brasil e da América Latina.
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Sem teto, ao desabrigo do sol e da chuva, lembram à enriquecida nova classe média que ali perto há um bom lugar para viver. Se o meio é a mensagem, como dizia Marshall McLuhan, o homem-seta diz, apontando para outro lugar: “Veja, não estou aqui, não sou mais um humano – sou só um cabide, um poste, uma dica, um sinal. Abdiquei de minha natureza; me transformei em ‘2 e 3 dorms’”. Um homem-seta empunha seu cartaz como uma guitarra: ironia ou nostalgia da humanidade?
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Na hora da distribuição de água e lanche, cerca de dez homens e mulheres, sinalizando para a esquerda e para a direita, soltos de suas funções, rindo, falam em seus celulares, bebem e comem com sofreguidão. Naquela esquina ensolarada, um dilúvio de direções e flechas provocava um caos cognitivo e indicava para o mesmo lugar – o lugar da fome, da sede, da miséria. Eis a mensagem do homem-seta: o Brasil não é a sexta economia do mundo; nosso progresso não aponta para cima – mas para todos os lados, direita, esquerda e embaixo.
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LO s a n g e l e s
3 dias/ano LO N D R ES
8 dias/ano s ã o pau l o
30 dias/ano N OVA D é l h i
45 dias/ano
fontes: http://bit.ly/LdZEAB / infográfico: Ricardo Van steen
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A mobilidade urbana tornou-se uma das discussões centrais da contemporaneidade. O aumento vertiginoso do número de automóveis – só no Brasil foram vendidos 3,5 milhões de unidades em 2011; na China, mais de 18 milhões e, nos EUA, cerca de 13 milhões – emerge nesse contexto como protagonista de um processo de desqualificação da vida nas cidades, gerando perdas econômicas, estresse e inegáveis impactos ambientais
?
ACELERAR
E STÁ N OS FA ZEN D O
PARAR GISELLE BEIGUELMAN
A convite de seLecT, três especialistas discutem o assunto: o engenheiro civil, sociólogo e assessor da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), Eduardo Alcântara de Vasconcellos, o arquiteto e designer Caio Vassão, que coordena, com Marcus Del
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Mastro, o projeto Pocket Car – veículo para a mobilidade urbana sustentável –, e o urbanista e professor da FAU-USP Renato Cymbalista. As opiniões divergem, mas coincidem em um ponto: é urgente mudar as formas de pensar o deslocamento nas cidades.
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Renato Cymbalista
“Gente que nunca pôde se movimentar está se deslocando hoje. Isso incomoda os que sempre puderam, e agora precisam compartilhar o espaço”
Recentemente, o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro compartilhou no Twitter a frase “o tráfego de automóveis é a metafísica nacional”, pois seria o problema de base da forma como nossas as cidades estão organizadas. O carro é o grande vilão do espaço social?
Eduardo Alcântara de Vasconcellos Sim, o uso intensivo do automóvel é insustentável em grandes cidades, por dois motivos: ele incentiva o espalhamento urbano, levando a maiores distâncias e ao maior consumo de energia, além de dificultar muito a sustentação econômica do transporte público (que precisa percorrer distâncias cada vez maiores para transportar a mesma quantidade de pessoas). Em segundo lugar, ele é grande consumidor de espaço viário. Mas é preciso lembrar que o carro não circula sozinho: ele foi escolhido por uma pessoa pertencente a um grupo social, que o utiliza para atender a seus interesses. Enquanto essa pessoa não puder realizar as atividades desejadas usando transporte público, ela o fará com o automóvel. Caio Vassão Em termos, porque se trata de uma metafísica mundial: a fabricação, a comercialização, a utilização, o descarte e a manutenção de automóveis constituem um dos maiores setores da economia global, e não apenas do Brasil. É importante compreender que o carro é parte de um sistema muito maior, mais complexo e mais problemático do que o automóvel visto isoladamente. Ele entrou no planejamento urbano do início do século 20 como promessa de resolução de todos os problemas de locomoção. Depois demonstrou ser uma fonte de problemas muito maiores do que os que ele resolve. Renato Cymbalista Sim. Se juntarmos os espaços que as grandes cidades brasileiras retiram da sociedade para dar aos carros – leito carroçável, garagens, estacionamentos, pontes, viadutos, vias elevadas –, chegaremos a uma conta assombrosa: cerca de 30% a 40% desses espaços são reservados aos automóveis. Isso é um grande prejuízo de qualidade para os territórios públicos, e também encarece muito o custo das cidades, pois precisamos fazer mais ruas e avenidas para garantir as dimensões para os automóveis.
C i c lov i as pod em s e r conside radas uma boa solu ç ã o pa ra o probl e ma da mobil i da d e, por ex emplo, al iviando a inte nsi da d e d os con g estioname ntos?
Vasconcellos Não, pois, apesar de ser possível criar ciclovias nas metrópoles, elas nunca serão capazes de captar uma grande parte dos deslocamentos, a ponto de fazer diferença nos congestionamentos. Vassão As ciclovias podem ser uma solução, mas precisam fazer parte de um sistema integrado, conectando-se sobre toda a metrópole, e não ser oferecidas como “situação de fim de semana”. Cymbalista O transporte cicloviário é uma das melhores respostas à situação atual de cidades espraiadas, com subúrbios e periferias imensos. É impossível construir uma rede de transporte de massa que sirva bem a esse território todo. O possível é uma rede intermodal: grandes troncos de transporte de massa (metrô, trem) e outros sistemas convergindo para as estações. O atual estágio das tecnologias digitais permitiria projetar sistemas de infraestrutura integrados para transformar a logística da mobilidade?
Vasconcellos Sim. Uma das boas notícias é que as novas tecnologias de comunicação podem ajudar a organizar melhor os deslocamentos das pessoas. Exemplos disso são as informações online sobre as linhas de coletivos disponíveis, a hora em que o próximo ônibus vai passar, se há congestionamento em algum lugar da cidade etc. Vassão Sim. A banalização da tecnologia digital está de tal modo acelerada que veremos sistemas digitais embarcados em automóveis com crescente frequência. Eles permitirão desde que o motorista seja desnecessário até que o tráfego seja redirecionado em tempo real, evitando congestionamentos e/ou acidentes. Cymbalista Já está transformando. As linhas de metrô mais modernas possuem sensores que permitem que a distância entre os trens seja reduzida. A integração da internet aos celulares nos informa sobre os congestionamentos. Além disso, imagine um carteiro ou um motoboy entregando cada anexo que você envia por e-mail...
Fotos: acervo pessoal
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Caio Vassão
“As ciclovias podem ser uma solução, mas precisam fazer parte de um sistema integrado, conectando-se sobre toda a metrópole, e não ser oferecidas como ‘situação de fim de semana’”
A ideia de um trânsito mais “civilizado” parece muitas vezes uma utopia urbana irrealizável. É possível reverter os danos causados pela especulação imobiliária e pela falta de planejamento urbano?
Vasconcellos As grandes obras viárias têm como um de seus objetivos o aumento da acessibilidade de partes do solo urbano, e a decisão sobre a sua construção está fortemente ligada aos interesses imobiliários dos grupos mais poderosos e ricos. Apenas uma sociedade com um alto grau de igualdade social e econômica poderia ter condições de impor limites a essa especulação. Vassão Sim. Defendo o conceito da “cidade distribuída”, que integra não apenas a ideia de uma “cidade de pequenas distâncias” e de “comunidades vivas”, mas vai além, incorporando recentes avanços da tecnologia digital e convertendo o ambiente urbano global em uma entidade integrada de baixo impacto ecológico e mais adequada para a vida comunitária.
“O carro não circula sozinho: ele foi escolhido por uma pessoa pertencente a um grupo social, que o utiliza para atender a seus interesses. Enquanto essa pessoa não puder realizar as atividades desejadas usando transporte público, ela o fará com o automóvel”
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Eduardo Alcântara de Vasconcellos
Cymbalista É possível reverter, mas para isso são necessários o investimento em transporte público e a mudança de postura da população. Defendo medidas punitivas a quem usa o automóvel: pedágio urbano e aumento da tributação para arrecadar fundos para as redes de transporte coletivo. Mesmo pagando pela gasolina, IPVA e pelo próprio automóvel, o proprietário está arcando com apenas 20% dos custos sociais desse carro. Os outros 80% são repassados à sociedade na construção de mais leitos carroçáveis, além de danos ambientais, para a saúde e perda de tempo.
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Finalmente, você diria que a cultura da mobilidade está nos tornando imóveis?
Vasconcellos Não é a cultura da mobilidade que nos torna “imóveis”, mas o fato de que a mobilidade que se pretende organizar está baseada no uso intenso do automóvel, o que é impossível fisicamente. O uso de um automóvel requer 50 metros quadrados de vias para circular a 30 km/h em uma cidade, fazendo com que um número relativamente pequeno de veículos circulando já cause congestionamentos: em São Paulo, na hora de pico da tarde, há “apenas” 500 mil automóveis circulando simultaneamente (dentre os 4 milhões existentes). Vassão O filósofo André Gorz comenta que o “automóvel é um privilégio que se autodestrói”: à medida que mais e mais pessoas optam pelo carro como “solução mágica” para suas demandas de transportes, menos ele funciona – as ruas param e a conveniência do carro vira uma prisão móvel... A questão problemática e contraditória não é tanto o desejo por se mover, mas, sim, o desejo de se mover “de uma certa maneira” (com automóveis). Cymbalista A ideia de que uma família deve ter três ou quatro automóveis na garagem está, sim, tornando imóveis as pessoas que só conseguem pensar a sua mobilidade nesses termos. Mas, olhando além desse modelo fracassado, há cada vez mais mobilidade. Em São Paulo, por exemplo, as redes de transporte coletivo estão muito mais abrangentes do que eram antigamente. Muito mais gente tem acesso a viagens de longa distância e ao turismo, o que traz impactos de várias ordens, mas não imobilidade. Gente que nunca pôde se movimentar antes, está se deslocando – e muito. Isso incomoda aqueles que sempre puderam se movimentar, e agora estão precisando compartilhar o espaço.
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nina gazire
Como a mobilidade motivou artistas a criarem dispositivos de comunicação e interação dignos de histórias em quadrinhos
Quem fica parado se trumbica... Na década de 1960, o personagem Maxwell Smart empunhava as mais estranhas engenhocas criadas pela C.O.N.T.R.O.L.E, uma agência secreta da qual Smart era um dos mais importantes – e atrapalhados – espiões. Entre essas invenções improváveis estava o famoso sapatofone. Uma das passagens mais memoráveis do seriado Agente 86 era, quando precisava se comunicar com urgência, o espião sacando um sapato dos pés, e protagonizando uma cena surreal em que falava com um sapato que tinha dígitos na sola. Mais do que tentar ser uma paródia de James Bond, o seriado preconizava o início de uma era de vigilância ubíqua patrocinada pelo clima da Guerra Fria, em que todo e qualquer objeto poderia ser transformado em uma máquina de comunicação a distância, qualquer lente poderia ser usada para registrar momentos indiscretos e a noção de privacidade se tornaria uma coisa tão distante quanto hoje nos parece a ideia de um sapato-telefone. Ou não? Em 1993, a artista finlandesa Laura Beloff começou a achar mais do que estranho o fato de que todos os seus amigos possuíam um telefone celular, exceto ela própria. Ela então passou a ter uma postura antropológica em relação aos seus companheiros, observando-os desenvolver uma dependência
à esquerda, poster de 2008 com desenhos de Fernando Llanos; Nesta página, Llanos como videoman a cavalo em El Paso, texas, em 2010
cada vez maior dos dispositivos. A mesma curiosidade tomou conta da artista quando, a partir de 1994, a internet começou a se tornar tão proeminente quanto os celulares de tamanho ainda avantajado.
Do sapatofone ao Videoman Não que Beloff tenha sido influenciada pelo sapatofone do Agente 86, mas o seu primeiro trabalho, chamado Seven Mile Boots, é uma espécie de herdeiro dessa invenção mequetrefe. A artista persistiu em atravessar a década de 1990 sem um celular porque o considerava tão estranho quanto o telefone-calçado do agente Smart, e em 2003 decidiu criar um par de botas sonoras com acesso à internet. “A questão inicial que motivou a obra Seven Mile Boot foi pensar nas tecnologias de comunicação como algo vestível, fenômeno que eu já vinha observando”, explica em
Fotos: Hermanos Gerardo e Fernando Montiel Klint (acima) e Christopher Mortenson
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a equação homem–corpo– e-mail a seLecT. Se o Agente 86 fazia uma sátira da Guerra Fria usando um estilo estapafúrdio, pela tangente o seriado acabou prevendo o futuro de uma das principais vertentes da tecnologia atual, que é das tecnologias vestíveis, arte da qual Beloff é uma das pioneiras. Após Seven Mile Boots, ela criou obras que deixam os inventos usados pelo agente Smart literalmente no sapato. Exemplo é a obra HEAD (Mobile Wearable Sculpture), de 2005, uma escultura vestível com conexão à internet e recebe inputs do público via telefone celular/sms. A escultura vestível contém um telefone móvel com câmera acoplada ao olho da cabeça-escultura, que faz uma foto toda vez que recebe uma mensagem do público. O resultado são fotos com ângulos inusitados, já que o pressuposto é o de que a escultura estará sempre se movendo. “Eu estava muito interessada na equação homem-corpo-tecnologia. E, como isso se tornou parte da minha própria realidade por causa do uso do telefone celular, pareceu bastante óbvio eu começar a trabalhar com ele”, continua Beloff . Mais do que simplesmente fazer uma brincadeira e experimentação com os dispositivos de comunicação em relação ao corpo, a principal preocupação de artistas como Beloff é problematizar por meio da arte a questão do acesso à comunicação móvel em um mundo em que o setor é dominado por empresas privadas, criando sistemas inusitados cujo principal eixo é o da portabilidade. A ideia de ter consigo um dispositivo que permita a comunicação e a transmissão a distância de qualquer lugar e situação foi uma utopia no mínimo desde que surgiu a ideia da bola de cristal.
Esse ímpeto digno de um mundo de histórias em quadrinhos foi o principal motor do artista mexicano Fernando Llanos para criar a intervenção Videoman. Assim como Beloff, lá pelo ano 2000, Llanos estava interessado no potencial da internet como uma plataforma para acesso universal à comunicação. O foco de Llanos não foi inicialmente o das tecnologias como vestimentas, mas o vídeo e sua transmissão, circulação e acesso a distância. Muito antes de o YouTube existir, o artista criou um projeto chamado VIDEOMAILS, uma plataforma gratuita que permitia a qualquer um enviar e trocar vídeos por e-mail durante o período de um ano. Llanos, que sempre foi um ótimo desenhista e fã de super-heróis, resolveu criar um personagem ao estilo Batman. Ele desenhou e confeccionou uma vestimenta que permite que ele faça projeções em vídeo a partir do próprio corpo, levando seu show para qualquer lugar. Novamente, mais do que a comunicação, o importante era a portabilidade como forma de acesso e alcance para todos. Em 2005, o artista começou a fazer videoprojeções ambulantes, levando a performance para diferentes lugares do mundo, como os EUA, o México e, inclusive, o Brasil, atraindo curiosos que se amontoavam ao seu redor para assistir aos vídeos. “Pensei que seria boa ideia usar minha infraestrutura. Eu tenho 1,92 metro de altura e por isso posso carregar muito peso. Também tive como ponto de partida a minha
Fotos: cortesia da artista (laura beloff) e Mariana Kadlec
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t
A partir da esquerda, Appendix (2011), Seven Mile Boots (2004), The Head, versão 1 (2006), obras de Laura Beloff; à direita, Manifesto 21 e panopticando (2004), trabalhos de Milena Szafir
tecnologia natureza suburbana, já que sou da periferia da Cidade do México e estou acostumado a carregar muitas coisas: uma mochila com livros, alimentação, casaco etc. Quando se vive em uma cidade-dormitório, não dá tempo para retornar até a noite. Com base nesses dois fatores, mais o desejo de ir para as ruas, foi que nasceu o Videoman”, explica Llanos.
TV móvel para manifestos A dupla MM Não É Confete, mais conhecida como mmnehcft, formada pelas paulistas Mariana Kadlec e Milena Szafir, começou a criar intervenções e manifestos em torno do conceito do panóptico em 2003. O termo panóptico foi criado para designar um centro penitenciário desenhado pelo filósofo inglês Jeremy Bentham, em 1785, em que os vigilantes tinham uma visão total de todos os detentos. Posteriormente, o filósofo francês Michel Foucault apropriou-se da ideia para transformá-la em um conceito que se refere a todos os dispositivos disciplinares e de vigilância da sociedade. Nesse contexto, Foucault e o Agente 86 se aproximam. O denominador comum é o fato de que até os sapatos podem se tornar dispositivos que nos vigiam em uma sociedade hiperconectada e que existem câmeras de circuito interno observando até o lugar onde Judas bateu as botas. Trazendo essa questão para o contexto brasileiro, os manifestos do mmnehcft acabaram resultando, em 2006, na ação Manifesto21.TV.
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Com a proposta de unir ativismo, interação, arte e comunicação, o coletivo decidiu explorar a questão das mídias on e off-line, criando uma espécie de estação móvel de tevê que transmitia via internet, possibilitando a qualquer pessoa fazer o próprio manifesto em tempo real. “Nossa ideia era fazer um uso da tecnologia semelhante ao que Duchamp fez com os ready-mades. Usá-la para criar uma coisa nova e problematizar a questão da vigilância. Hoje em dia, vejo que as pessoas estão mais preocupadas em mexer com a tecnologia do que discuti-la”, relembra Milena Szafir. Para a ação, a artista vestia-se como uma espécie de ninja – toda de preto – e saía pelas ruas à caça de quem quisesse botar a boca no trombone. A dupla tomou as ruas de São Paulo, em uma série de performances com um carrinho que parecia o de vendedores ambulantes, misturando high e low-tech, algo típico da criatividade latino-americana, como lembrou Fernando Llanos ao se intitular um artista suburbano.
emito, logo existo
Fotos: Pedro David / cortesia dos artistas
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na página ao lado, no alto, O Gambiociclo, máquina móvel multimídia, à esquerda, Apresentação dos Gambiólogos em Olimpia, interior de São Paulo, em maio; abaixo, colagem de Alexandre Perocco, feita a partir de imagens da obra
E em uma sociedade em que o ethos corrente se resume ao “emito, logo existo”, obviamente o carrinho Manifesto21.TV atraía curiosos interessados em ver e serem vistos. A novidade estava no fato de que, em vez da televisão, a tela do momento era a do computador.
do manifesto à gambiarra Similar à proposta do Manifesto21.TV é o trabalho Gambiociclo, do coletivo mineiro Gambiólogos. Mais recente que o trabalho Manifesto21.TV, o Gambiociclo é uma unidade móvel de transmissão multimídia, mas não à primeira vista. Assim como o carrinho do MM Não É Confete, o Gambiociclo consiste numa bicicleta-carro que lembra a estética-camelô dos vendedores ambulantes. Trata-se de um triciclo utilizado para cargas que foi modificado para carregar equipamentos eletrônicos – um gerador elétrico, computadores, câmeras, projetores, alto-falantes –, cujo objetivo principal é a projeção de grafites digitais no espaço urbano. A obra já circulou em diferentes festivais dedicados à arte digital. “Nós do coletivo, de formas distintas, temos uma ligação muito forte com a cultura brasileira de rua. Sempre tivemos uma curiosidade grande com esses veículos ‘gambiarrentos’ que vemos nas cidades
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brasileiras”, explica Fred Paulino, membro do Gambiólogos e um dos idealizadores do projeto. Assim como Videoman, de Llanos, o Manifesto21.TV e até mesmo as botas on-line de Laura Beloff, o Gambiociclo propõe uma reflexão sobre como as sociedades criam soluções para o acesso à comunicação e à tecnologia por meio da precariedade e da mobilidade. Compartilhando a gambiarra no seu gene, o sapatofone hoje faz muito mais sentido do que qualquer caneta-espiã-que-grava-vídeo usada por James Bond em suas missões. “No início, eu pensava que o mais importante do Gambiociclo seria a sua funcionalidade, ou seja, o tipo de intervenção ou tecnologia que ele poderia propiciar. À medida que começamos a circular, me dei conta de como o próprio objeto interessava tanto e estimulava o público a interagir”, reflete Paulino. O trabalho mais recente do grupo, o MALAS CHAT – duas malas velhas que formam um sistema de comunicação tipo Skype –, é uma sátira à tecnologia de videoconferência em dispositivos móveis.
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Eu sou você e nós somos um A incrível história de amor entre dois artistas que se fundiram numa só pessoa: o músico Genesis P-Orridge e a dominatrix Lady Jaye RONALDO BRESSANE
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Foto: cortesia marie losier/adopt films
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“Ela disse que me via como uma imagem espelhada dela, e que nós deveríamos ser as duas metades de uma.” Foi o que Genesis P-Orridge ouviu de sua futura esposa, Lady Jaye Breyer, depois que ela o vestiu com suas roupas, o maquiou e colocou nele uma peruca para que se parecesse com ela. Isso foi em 1993 – o primeiro passo para um projeto artístico de transformação física que o casal chamaria de pandroginia. P-Orridge é um performer e músico conhecido por seu trabalho nas bandas de rock industrial Throbbing Gristle e Psychic TV. Na ativa desde 1967, ele é considerado um precursor do punk e do rock industrial, gênero cristalizado pelos grupos The Young Gods e Nine Inch Nails. Já Lady Jaye, à época do primeiro encontro com Genesis em Nova York, dividia seu tempo cuidando de crianças em estado terminal de manhã, enquanto à noite trabalhava como dominatrix chicoteando velhos executivos. A pandroginia tornou-se ainda mais verdadeira do que eles planejaram, conforme registrado no documentário A Balada de Genesis e Lady Jaye, de Marie Losier, que estreou em julho nos EUA. Uma década depois do casamento, os dois começaram o processo de um se tornar o outro por meio de cirurgias estéticas – a começar pelo implante de seios idênticos, no Dia dos Namorados de 2003. “O plano não era mudar de sexo. Nada seria removido dos corpos, só adicionado”, insiste P-Orridge. “O corpo não é sagrado. Como Lady Jaye costumava dizer, é uma ‘mala barata’ que carrega o seu eu real: a sua consciência, sua mente, seus pensamentos, aspirações e sonhos”, diz o artista de 62 anos, falando a seLecT por telefone de Nova York. “Esse contêiner deve ser tão maravilhoso o quanto você conseguir.” Depois de conhecer o casal durante a turnê europeia do Psychic TV, a cineasta experimental francesa Marie Losier filmou oito anos de suas vidas: no palco, em casa, no metrô, tirando onda pelo Brooklyn. Marie reconheceu uma história incrível desde o começo. “Havia uma incrível ‘cola’ entre Gen e Jaye, um jeito muito curioso de nunca deixar as mãos um do outro, usar as mesmas roupas e cabelos, um completar as frases do parceiro”, lembra Losier. P-Orridge, um dos nomes mais fortes da contracultura, foi pioneiro da body modification nos anos 1970, quando teve seus genitais espetados por piercings, imagem que foi parar nas páginas de vários jornais londrinos. “Para nós, o processo todo foi inicialmente privado, íntimo”, lembra P-Orridge. “Fizemos cursos de neu-
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“Fizemos cursos de Neurolinguística para reprogramar nossa linguagem para que fosse uma. Tentamos unir nossas consciências”, diz P-orridge rolinguística para reprogramar nossa linguagem para que fosse una. Tomamos muitos psicodélicos juntos, para encontrar pontos comuns em outras dimensões. Fomos ao Himalaia anualmente para aprender técnicas para estar fora do tempo e do espaço. Tentamos, literalmente, unir nossas consciências. É por isso que o processo ainda está em curso. O ponto crucial foi nos encontrarmos após a morte física, de um modo como os lamas tibetanos se reencarnam.” A balada de Genesis e Lady Jaye durou 14 anos. A missão compartilhada de se tornar as duas partes de um único ser pandrógino foi um projeto artístico e uma carta de amor sem igual – interrompida tragicamente quando Lady Jay, nascida Jacqueline Breyer, morreu de câncer no estômago, em 2007. Desde então, P-Orridge sempre se refere à morte da mulher como “quando Lady Jaye abandonou seu corpo”. Embora sua doença e morte tenham vindo repentinamente, P-Orridge conservou uma biblioteca de sons e textos gravados pela mulher para usar em canções da Psychic TV. Quando o Throbbing Gristle se reuniu para o Coachella em 2009, P-Orridge cantou Almost a Kiss, ajustando as letras em tributo à sua mulher e beijando a tatuagem de seu rosto em seu braço. Apesar da morte da parceira, ele
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“ O Mutante genesis p-orridge e lady jaye, em cenas do filme de marie losier
diz que os planos em comum tornaram-se realidade. “Ela dizia que queria ser lembrada como parte de uma grande história de amor”, diz P-Orridge. “Fico feliz por perceber que o único desejo de Lady Jaye em vida foi realizado.” Artista móvel Genesis sempre enfatizou a mudança e a mobilidade como pilares de seu processo artístico. Nascido Neil Andrew Megson, em Manchester, usou ainda os nomes DJ Doktor Megatrip, Megs’on, P. Ornot, PT001 e Vernon Castle. Desde a infância tem vivido em dezenas de cidades diferentes – qualidade que, de acordo com Timothy Leary em sua biografia Flashbacks, torna uma pessoa mais evoluída mentalmente. Ocultismo, prostituição, serial killers, pornografia e implosão do limite entre gêneros sexuais davam a tônica de suas primeiras performances nos anos 1960, tornando-o um personagem amplamente controverso e temido. Nos anos 1970, um deputado proclamou esse protopunk um “destruidor da civilização” em pleno Parlamento inglês. “Mudanças vêm juntamente com a reflexão”, diz P-Orridge, calmo como
um lorde. “Conforme mudávamos, refletíamos sobre essa mudança. Em princípio, o documentário era mero registro de nosso cotidiano. Mas, quando Lady Jaye deixou para trás seu corpo, o filme tornou-se minha cruzada para demonstrar a arte como a evidência de um processo, e não uma coisa acabada em si. E a mudança não é um processo linear. O truque é não se tornar viciado no objeto, e sim manter-se focado em um futuro possível”, concebe o artista. Ele enfatiza que a pandroginia é um desenvolvimento do cut-up, técnica de colagem criada por Brion Gysin e desenvolvida por William Burroughs, seus amigos desde os anos 1970. Mas como seguir vivendo, se metade de você está morta? “Lady Jaye representa para nós o imaterial, enquanto nós ainda estamos no material. E ela está em ambos os lugares. É por isso que dizemos ‘nós’”, afirma o(s) artista(s). E pensaram em como criar um canal de comunicação quando um deles morresse? “Sim, pensamos em três pontos: deveria acontecer fisicamente, deveria ter testemunhas e deveria ter um significado secreto que só nós poderíamos saber. E aconteceu! Três dias após o corpo de Lady Jaye ser enterrado, estávamos na sala do apartamento com minhas duas filhas, mais Alice, do Psychic TV, que queriam me convencer a ir para a Califórnia, onde cuidariam melhor de mim. Eu disse que só iria com uma foto especial de Jaye.” Eles foram à Parede de Beijos, painel com dezenas de fotos do casal se beijando em vários lugares do mundo, e ele escolheu uma foto tirada em Katmandu. “Levamos a imagem para a sala e nos sentamos em semicírculo, com a foto de face para baixo, e dissemos: ‘Que Jaye diga onde fiquemos’. Então a foto se levantou, atravessou a sala, veio até mim e virou o rosto para cima. Todos viram isso! E tudo se encaixou. Assim, decidimos não ir para a Califórnia”, conta o artista. P-Orridge revela que em todo aniversário de Jaye ou do casamento faz algo especial. Este ano, tatuou um ás de espadas no mesmo lugar onde ela tinha um, só que apontado na outra direção. No Dia dos Namorados, o aniversário do implante de seios de ambos, tatuou as sobrancelhas. Recentemente, ele diminuiu seus seios para que estivessem do mesmo tamanho que os dela quando ela partiu. “No fim, entendemos que o corpo humano é um projeto inconcluso. Como espécie, temos de nos tornar algo uno, ou então seremos destruídos. Esse processo de mudança é o que nos define como humanos”, conclui Genesis P-Orridge, o mutante.
Fotos: cortesia marie losier/adoptf
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televisão comportamento
VICIADOs
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em
RESIDENCIAS ARTISTICAS
J U L I A N A M O N AC H E S I
Tidelands (2010), instalação da artista kika nicolela
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As exposições viajam como nunca, o dinheiro muda de um mercado emergente para o seguinte à velocidade da luz, mas o nomadismo no campo da arte contemporânea está, acima de tudo, no corpo: conheça os artistas radicantes, que trocam de caixa postal como quem troca de suporte
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viciados
em residências artísticas Diante da ideia de desenvolver um projeto de residência numa pequena ilha na Coreia do Sul, a artista e cineasta Kika Nicolela imaginou um lugar com praias de areia macia, mar, natureza... “Na verdade, era uma ilha cercada de lama por todos os lados; e esse era o cenário natural mesmo daquela região, pois existe uma variação grande de maré. O mar está quase sempre recuado, e o que fica visível é uma lama cinza na qual você afunda até a cintura”, descreve a artista. Quase sempre amanhecia com uma neblina intensa. E, além do clima peculiar, o enorme complexo de prédios interligados onde funcionava a residência havia sido, antes de sediar uma escola técnica, uma espécie de prisão para adolescentes coreanos durante a ocupação japonesa. “Tinha uns porões
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nos prédios, onde, segundo dizem, os japoneses torturavam os jovens coreanos... Apesar disso tudo – ou até por causa disso –, essa residência foi uma das minhas experiências favoritas”, completa Kika Nicolela. O contraste entre expectativa prévia e choque de realidade posterior é um dos ingredientes favoritos nas residências artísticas, segundo quem busca esse tipo de experiência de formação e produção nas áreas culturais. Kika Nicolela, Fernanda Chieco e Wagner Morales são três artistas brasileiros que têm embarcado com certa periodicidade para os cantos mais remotos do globo, em busca de outras rotinas que alimentem de novas maneiras seus processos de criação. Eles contam, em depoimentos saborosos a seLecT, por que se apaixonaram por esse modelo de imersão total na obra e de alta carga de mobilidade e maleabilidade.
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Estrangeiros por necessidade e vocação “Existem diversos modelos de residência, e o que busco são residências que forneçam uma estrutura e uma bolsa para o artista, passagem aérea, de preferência em países onde não falo nem entendo a língua. Sou muito atraída por países onde me sinto completamente estrangeira. Sempre me coloco também a obrigação de fazer uma exposição no final da residência, mesmo que não seja uma exigência da instituição. Para mim, é importante ter um deadline, ter um objetivo concreto, nem que eu apresente um work-in-progress”, conta Kika Nicolela, que está embarcando para a nona residência, em Toronto, no Canadá. O artista Wagner Morales, que soma quatro residências, conta que uma dessas experiências foi definidora: “Antes do período passado no Palais de Tokyo, no programa Le Pavillon, eu realizava essencialmente vídeos. Durante a temporada no Palais, passei a considerar a possibilidade de trabalhar com tudo que conseguisse: som, fotografia, instalação, tevê, cinema, livro, impressão. Meu trabalho hoje deve muito àquela vivência”. Quatro pode parecer pouco, mas, somando o tempo passado em cada uma, dá um total de dois anos e pouco de residência artística. “O lugar mais inusitado e bonito foi em Suommenlina, uma ilhota em frente a Helsinque, capital da Finlândia. Passei o inverno de 2010 inteiro lá”, conta ele. Um dos principais atrativos das residências, na opinião de Morales, é poder produzir fora de casa: “São Paulo é uma cidade péssima para se trabalhar: o dia é curto, as distâncias são longas, em geral, os materiais e os equipamentos são caros. Basicamente, o tempo não rende”. Para Fernanda Chieco, o que mais transformou sua produção ao longo do périplo de oito residências “oficiais”, como ela as descreve, foi “conhecer pessoas, ouvir histórias, resolver problemas em situações inusitadas, ficar doente, apaixonar-me, levar foras, ser roubada, descobrir tesouros, ficar sozinha etc. Ou seja, coisas normais do dia a dia, porém, com temperos produzidos em códigos estrangeiros”. Mas a artista recusa o epíteto de viciada em residência: “Sou viciada em trabalho, isso sim. Não consigo ficar sem trabalhar, mesmo quando estou dormindo, descansando... As residências são ferramentas de trabalho, elas fazem parte do vício, mas não são protagonistas”
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FERNANDA CHIECO 36 anos 8 residências
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Peixe pênis (2011), e, abaixo, Arraia (2011), desenhos da série Trono de Pescador, de Fernanda Chieco
Rumo calculado ao desconhecido “Oficialmente, já fiz oito residências. Posso dizer que cada uma teve lá suas peculiaridades, então escolho aqui três que saltam agora à mente, puxando pela memória: passei três meses dentro de um moinho de trigo e aveia, do século 18, no meio do nada na Irlanda; vivi à beira de um penhasco, numa cottage das ruínas do período da Grande Fome, também na Irlanda; e até morei em um castelo na República Tcheca. Em minha opinião, as residências são muito importantes para a pesquisa de um artista, mais do que para a produção. Na maior parte das vezes, elas oferecem ótimos ateliês e estrutura para produção. Porém, acredito que o que mais contam são os materiais de pesquisa encontrados em seus arredores. No Brasil, a ideia de residências artísticas é ainda muito recente, espero muito um dia conseguir participar de uma residência por aqui. Hoje em dia, meu ateliê fica em São Paulo. Quando não tinha ateliê fixo, usava as residências para produzir obras; agora posso usar essas oportunidades de viagem para focar mais em pesquisa e coleta de materiais para realizar os trabalhos no ateliê. Recen-
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temente, concluí uma residência na Coreia do Sul, onde iniciei a produção das obras que constituem uma série que estou finalizando no Brasil, por exemplo. O período que passei lá foi bastante rico para a descoberta de novos materiais para a realização dessa série, como o papel coreano. O que me levou, em princípio, a buscar a experiência de uma residência foi o fato de, quando estava no último ano de Artes Plásticas na ECA, em 1999, não saber como seria a minha vida fora da faculdade. Deparei-me com um edital de residências artísticas da Unesco e resolvi enviar um projeto, despretensiosamente. Um belo dia, recebi uma carta dizendo que havia sido selecionada. Nessa época, os programas de residências artísticas estavam começando, ninguém sabia do que se tratava ou o propósito deles, mas fiquei curiosa com a descrição do programa, para mim, inédito. Não tinha a menor ideia de como seria a minha primeira residência, nunca tinha tido experiência de trabalhar em ateliê e muito menos de mostrar meus trabalhos. Essa primeira residência foi a que me deu o empurrão para continuar batalhando na vida de artista. Além da oportunidade de trabalho e pesquisa, o que mais contou nessa oportunidade foi o contato com outros artistas mais experientes e profissionais da área, que me questionavam muito. Hoje em dia vou atrás de histórias e culturas que desconheço ou que me intrigam. Gosto de investigar lugares, materiais, pessoas etc. Em geral, busco cidades ou vilarejos onde nunca estive e para onde nunca havia pensado em ir. Sou mais criteriosa na escolha hoje, mas iria com toda certeza, sem pensar, para uma estação espacial ou submarina.” Fernanda Chieco vai apresentar os resultados da residência artística na Coreia do Sul, de onde trouxe sua recém-descoberta de material, o Hanji (papel coreano), em uma exposição individual entre 30 de agosto e 27 de outubro na Galeria Eduardo Fernandes, em São Paulo.
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KIKA NICOLELA 35 anos 9 residências vida em ritmo de set de filmagem “Essa vida mambembe acaba viciando. Depois de um tempo de volta a São Paulo, confesso que já ficava ansiosa para viajar novamente. Mas vários fatores contribuem para isso. É um desafio delicioso chegar em um novo ambiente, um ambiente estranho, estrangeiro, em que você é inicialmente um completo alienígena, e aos poucos fazer daquele lugar o seu lar e o seu local de trabalho. A primeira coisa que faço, sempre, é ir ao supermercado local. Dá para entender muito da cultura vendo o que eles comem, como organizam o supermercado, os preços dos produtos... Fico feliz quando começo a ter os meus lugares favoritos – meu restaurante favorito, minha praça favorita, meu passeio favorito e, claro, minhas pessoas favoritas. Estar numa residência é também criar laços afetivos com o local e com as pessoas, laços temporários e, algumas vezes, duradouros. Tenho amigos que conheci em residências que reencontro mundo afora, anos depois, e a ligação continua forte. Só consigo comparar uma residência com a experiência de um set de filmagem. Em pouco tempo, nos envolvemos emocionalmente com as pessoas em uma situação suspensa, quase irreal, que não pertence ao cotidiano, mas durante a qual criamos uma rotina. Por exemplo, durante uma residência na Áustria, todos os dias eu ia acordar o meu vizinho, um sírio muito doidinho que, se deixassem, dormia o dia todo. Ele falava mal o inglês e era a imagem perfeita de Jesus Cristo,
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fisicamente. Ele também se esquecia de comer e era magérrimo. Todo dia eu levava café e às vezes algo para ele comer de manhã. No dia em que nos despedimos, chorei como poucas vezes na minha vida. E nem tinha percebido esse laço que havia se criado. Minha última residência foi em Zurique, entre julho e outubro de 2011. Eu me apaixonei pela cidade de tal forma que acabei resolvendo me mudar para lá. Ou melhor, acho que hoje em dia dá para assumir o meu lado nômade, e considero que sou baseada em Zurique e em São Paulo. Vou começar um mestrado na universidade de Zurique, então vou diminuir o ritmo de residências para uma por ano... o que já está ótimo. De forma geral, essas experiências dão estrutura para o artista criar e eu me sinto num estado mais focado de criação, por causa dessa situação que não faz parte de um dia a dia comum. Lá só tenho de produzir. E é claro que é muito interessante se recriar a cada experiência. Cada residência tem uma dinâmica diferente, e fiquei perita em rapidamente entender qual era essa dinâmica e me adaptar de forma a tirar o melhor proveito possível das situações. Eu sou definitivamente uma viciada em residências. Mesmo com essa mudança de existência, que está pedindo que eu foque minha vida em São Paulo e Zurique, não consigo deixar de checar as chamadas para residências... Este ano só me inscrevi em uma, estou tentando me conter. E o meu sonho é fazer uma residência no Japão. Quem sabe em 2013 ou 2014...” Kika Nicolela, além de artista residente, é agitadora cultural e curadora; ela acaba de assinar, com colaboração de Gabriel Soucheyre (Videoformes), a curadoria da mostra de vídeos Imagem Contato, em paralelo à Mostra SESC de Artes 2012, em julho.
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The End (da série White Screen), 2010, Impressão jato de tinta em papel de algodão, obra de Wagner Morales
WAGNER MORALES 41 anos 4 residências Nomadismo e profissionalização “Faz quase dez anos que recebi a notícia de que faria uma residência artística por conta de um prêmio ganho no 14º Videobrasil. Foi algo que me pegou de surpresa, já que essa história de residência era um tanto desconhecido à época. O prêmio seria uma temporada no Le Fresnoy, uma instituição dedicada à arte contemporânea e ao cinema experimental que fica em Tourcoing, uma cidadezinha decadente e pós-industrial no norte da França. Outra surpresa bem-vinda: minha estada coincidiria com os seminários de um dos meus artistas preferidos, Jean-Luc Godard. Não tinha do que reclamar: ganharia bolsa, passagens, curso de francês, estadia, verba para produção de um trabalho novo, além de poder assistir aos cursos da escola ou simplesmente tomar cerveja com um surfista veterano chamado Gary Hill, um dos professores do lugar e também um dos tiranossauros da videoarte.
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Diante desse pacote, o outro prêmio oferecido pelo festival, um cheque de alguma quantia xis, ficara totalmente desinteressante. Logo depois, talvez em virtude da minha teimosia em entender o porquê da rabugice crônica dos franceses, emendei mais um ano na França, no programa de residência do Le Pavillon, laboratório de criação do Palais de Tokyo, em Paris. Naquela época, eu já havia participado de algumas exposições em instituições públicas e organizado alguns projetos coletivos com o grupo Olho Seco e a Galeria 10,20 x 3,60. Apesar de não ter cursado artes plásticas, eu era um artista. Ainda estava fora do mercado, nunca tinha vendido uma obra, não possuía galeria e tampouco me preocupava com isso. Remarco esses aspectos porque eles apontam para algo que mudou bastante daquela época para cá: o artista se profissionalizou. Pouca gente cogita de não fazer escola de arte nem em sair da faculdade sem já ter uma galeria e algumas exposições individuais no CV. Creio que essa profissionalização se deve, entre outros fatores, ao intenso trânsito dos artistas nos últimos dez anos e, nesse caso, o aumento da oferta de residências artísticas pelo mundo foi um dos facilitadores desse fluxo. Hoje, sinto que uma carreira artística de sucesso depende da passagem por uma residência artística de prestígio, pelas viagens pelo mundo visitando bienais e mostras e, claro, pela capacidade de chamar a atenção de curadores. Tenho dúvidas se isso é bom.” Wagner Morales viajou com passagens cedidas pelo programa de Intercâmbio e Difusão Cultural 2012, do MinC, para participar da mostra Ça & Là / This & There, que comemorou os 10 anos do programa de residência artística Le Pavillon, do Palais de Tokyo.
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Designer holandesa Anouk Wipprecht usa tecnologia e inventividade para criar roupas inteligentes NINA GAZIRE com movimento próprio
Fã declarada das vestimentas imaginadas pela ficção científica e das histórias escritas por J.G. Ballard, a holandesa Anouk Wipprecht Wipprecht desenvolveu um estilo próprio a partir de mecanismos maquínicos e do uso do corpo como fetiche erótico-simbiótico. Em 2009, ao cursar na Suécia um curso universitário voltado para a relação entre moda e tecnologia, a futura designer tinha um objetivo: aplicar o sistema Arduino – um hardware aberto usado por artistas das novas mídias – na confecção de tecidos inteligentes. Um ano depois, ao participar da Viena Fashion Week, desfilou o vestido Pseudomorph, uma roupa equipada com tubos ligados a um recipiente controlado eletronicamente que aplicava tinta no vestido, tingindo-o aleatoriamente à medida que a modelo se movia. Essa interseção entre moda e performance fez de Wipprecht uma das poucas designers a transitar entre o mundo da moda e o da arte contemporânea. Uma de suas mais incríveis criações é o vestido Daredroid 2.0 – uma coqueteleira móvel com dois compartimentos para bebidas, que pode ser usada por garçonetes em eventos e festas. O vestido tem regras de uso: para receber a bebida desejada, é necessário que o cliente acerte uma pergunta no estilo “verdade ou desafio”. Acertada a resposta, a roupa produz o drink automaticamente. Toda essa inventividade conduziu o talento de Wipprecht às casas de mais de 111 milhões de telespectadores do mundo todo, quando foi convidada a criar o figurino da banda The Black Eyed Peas, na apresentação do Super Bowl, final do campeonato de futebol americano de 2011. Para a ocasião, criou uniformes de torcida high tech, em fibra óptica, que reagiam aos movimentos dos cantores e bailarinos. Com sua coreografia inusitada, Anouk Wipprecht mostrou que o futuro da moda está muito além do LED, em efeitos visuais que fazem do corpo uma interface para o espetáculo.
Corpo espetáculo Fotos: Robert Lunak (acima) e Jean-Sébastien senécal
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daredroid 2.0, vestidocoqueteleira, de anouk Wipprecht; à esquerda, a estilista veste uma de suas criações high tech
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angélica de moraes de Kassel
Jonas dentro da baleia Joan Jonas, pioneira do vídeo, brilha em Documenta de matriz operística e proporções gigantescas, com 176 artistas participantes
Aci m a , casi n ha n o pa rque ab r i ga se le ção de ví deos d e J oan J o n as; ao lad o, Tar e k Atoui ap r ese n ta sua mús i ca e letroacústi ca; n a p ági n a ao lad o, in stalaç ão son ora de Jan et Car d i f f
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Os mais afoitos decretaram que a Documenta atual é a melhor de todos os tempos. Outros, que é um desastre total. Calma. O que se pode afirmar por enquanto é que esta é a Documenta mais extensa de toda a história do evento. Não se tem ainda distância suficiente para avaliar qual o tamanho da cauda desse cometa, nem se o seu brilho será duradouro no firmamento das artes do século 21. Mas torço para que a bravura curatorial de Carolyn-Christov Bakargiev seja premiada. A única certeza possível agora é que a Documenta (13) expandiu a patamares inéditos o conceito de Gesamtkunstwerk, ou seja, a obra de arte total. A expressão alemã foi criada pelo compositor Richard Wagner para denominar a reunião de várias artes em uma só. No caso de Wagner, é o resultado cênico que reúne música instrumental, representação teatral, dança, canto lírico e artes visuais. Para organizar a Documenta (13), a curadora norte-americana Carolyn Christov-Bakargiev (CCB) deu um tratamento wagneriano à pequena cidade de Kassel, que verdeja às margens do sinuoso e limpo Rio Fulda, ornamentada por dois castelos e com bosques e gramados a perder de vista. Um cenário idílico que, bem ao gosto teatral, convive com um passado indelével e trágico. Filha de arqueóloga, CCB não poderia deixar de escavar o substrato histórico de Kassel, cheio de esqueletos de memórias. Kassel concentrou tropas e armamentos do exército de Hitler, além de ser rota ferroviária no transporte de judeus aos campos de extermínio. Motivos suficientes para atrair bombardeios aéreos dos aliados, que arrasaram até os alicerces da maior parte da cidade. Quando o crítico e historiador alemão Arnold Bode organizou, em 1955, a primeira edição da Documenta, a cidade ainda era um amontoado de ruínas e sua indústria pesada (de armas) era sucata. Quase seis décadas depois, a prosperidade germânica em meio à crise econômica europeia é bem visível nessa pequena urbe de 200 mil habitantes, rodeada de fábricas de
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Documenta (13), em Kassel (Alemanha). Até 16 de setembro
http://d13.documenta.de
automóveis. A Documenta (realizada a cada quatro ou cinco anos) fez milagres ao turismo e à restauração da tradição humanista da cultura alemã. A cidade e sua história estão sendo lembradas por diversos trabalhos de arte. Que resgatam também os adoráveis irmãos Grimm, escritores de literatura infantil que tinham uma casa em Kassel, que agora é um dos locais de exposição da Documenta (13). Bem perto dali fica uma residência habitada por obras de Anna Maria Maiolino, ponto alto da presença brasileira. Renata Lucas também se destacou, reconfigurando simbolicamente o subsolo do Fridericianum Museum e do estacionamento subterrâneo da praça ao lado. São oito locais principais de exposição, além de dezenas de outros espalhados pela cidade, o que inclui um bunker (abrigo antiaéreo escavado na rocha). Nem as mais importantes edições anteriores (como as dos curadores Jan Hoet e Catherine David, em 1992 e 1997, respectivamente) se preocuparam em tecer um diálogo com a cidade. CCB o fez de modo denso e vibrante. A exposição de obras de arte é o núcleo da vasta oferta cultural. Nessa centena de artistas e incontáveis obras, é impossível destacar neste texto tudo que há de mais importante. Mas cabe mencionar a pioneira da videoarte feminista, Joan Jonas. Ela exibe uma seleção primorosa de vídeos em casinhas de janelas-monitores no enorme parque Karlsaue, que concentra outras 51 áreas expositivas, entre site specifics, instalações, esculturas e construções efêmeras. Entre elas, a emocionante instalação sonora de Janet Cardiff, que rememora o bombardeio de Kassel. Nesta edição, a Documenta se estende a Cabul (Afeganistão) Alexandria e Cairo (Egito), além de Banff (Canadá). Expande-se em espetáculos de música de várias origens, peças de teatro e dança. Completa o banquete pantagruélico da Documenta (13) uma caudalosa produção de textos e até uma oficina de produção de cuscuz por tribos do Saara.
A maior parte dos textos foi reunida em The Book of Books (O Livro dos Livros), com 768 páginas de anotações de processos criativos dos artistas, relatos, ensaios sociológicos e de crítica de arte. Um guia de 538 páginas oferece a localização e a sinopse das obras, algo utilíssimo em percurso tão atomizado. The Logbook (Livro para Logar), de autoria de CCB, é o making off da curadoria. Enfim, leitura e informações visuais para ser digeridas durante e (bem) depois desta Documenta. Ou ao infinito e além, como diria Buzz Lightyear.
CRÉDITOS: Angélica de Moraes/Select e Eide Feldon/cortesia
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Foto g ra f i a
Corpo em transe Paula Alzugaray, de Nova York Vídeos e fotos de Rineke Dijkstra retratam corpos vulneráveis, em transição e sob a influência visível da passagem do tempo
Em A Pequena História da Fotografia, Walter Benjamin afirma que a duração da pose do modelo é o grande diferencial dos primeiros retratos, produzidos com daguerreótipos, em relação aos instantâneos da modernidade. “O próprio procedimento técnico levava o modelo a viver não ao sabor do instante, mas dentro dele; durante a longa duração da pose, eles cresciam dentro da imagem.” Essa mesma síntese expressiva, obtida a partir da imobilidade do modelo, é encontrada nos retratos de Rineke Dijkstra, fotó-
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The Krazyhouse (Megan, Simon, Nicky, Philip, Dee), Liverpool, UK (2009), projeção de vídeo HD quatro canais em loop; na página ao lado, fotografia Kolobrzeg, Poland, July 26, 1992, obras de Rineke Dijkstra
Rineke Dijkstra: A Retrospective, até 8 de outubro. Solomon R. Guggenheim Museum, 1071 Fifty Avenue, Nova York http://www.guggenheim.org/
grafa holandesa que hoje expõe 70 fotografias e cinco videoinstalações, em retrospectiva no Guggenheim Museum, em Nova York. A presença física do tempo é uma característica marcante das imagens de Dijkstra. Em seus primeiros retratos, da série Beach Portraits (1992-2002), o tempo é uma entidade tão fugaz quanto permanente. Nessas imagens feitas em praias dos EUA, da Polônia e da Ucrânia, ele se expressa na transitoriedade e na vulnerabilidade dos corpos, em plena passagem da infância para a adolescência. Por outro lado, a serenidade do ambiente em que esses jovens são retratados – praias desertas e semiobscurecidas – acaba por transportá-los a outros tempos da fotografia e por lhes atribuir uma condição atemporal. Inevitável a associação entre a menina da praia de Kolobrzeg, na Polônia, a um retrato da pintura holandesa do século 17, ou mesmo a uma ninfa renascentista. A ação do tempo é ainda mais demarcada em séries como Almerisa (1994 -2006), que acompanha durante mais de uma década o crescimento de uma
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timidez ao prazer de dançar, ou do êxtase ao cansaço. Diferentemente dos Screen Tests (1964-1966) de Andy Warhol, em que a câmera enquadrava a face de seus retratados, o corpo é o protagonista dos vídeos de Dijkstra. Como nos primeiros tempos da fotografia, seus video portraits evocam no observador uma impressão mais persistente e mais durável do que aquela produzida pelas fotografias instantâneas.
música
Quando Gainsbourg encontra Robert Moog NINA GAZIRE Álbum-solo de Dudu Tsuda Revisita Chanson Française com propriedade
menina bósnia, desde sua chegada a um campo de refugiados até sua maternidade, passando por todo um processo de adaptação à nova cultura; ou Olivier (2000-2003), que retrata o desenvolvimento físico e psicológico de um jovem que se torna soldado. Mas a pesquisa temporal de Rineke Dijkstra encontra sua máxima expressão nos video portraits. São os vídeos de Dijkstra que nos fazem entender que os assuntos de sua fotografia são o movimento e a transição. Não só a duração. Assim como o fotógrafo do daguerreótipo levava seu modelo para locais isolados, para preservar sua concentração durante a longa exposição – David Octavius Hills levava seus modelos para o cemitério de Edimburgo –, Dijkstra tira seus modelos da pista de dança, filmando-os em estúdios improvisados em salas reservadas, contra paredes brancas. Nos vídeos Buzz Club/Mysery World e The Krazyhorse, nomes de clubes noturnos na Inglaterra e na Holanda, a câmera de vídeo de Rineke Dijkstra se demora tempo suficiente em cada um dos adolescentes para presenciar a passagem da
Le Son par Lui Même, Dudu Tsuda, YB (gravadora), preço não definido
Le Son Par Lui Même, primeiro álbum-solo de Dudu Tsuda, revisita o icônico momento da chanson française, regando o estilo com muitos sintetizadores eletrônicos. Passando por bandas como Stereolab, Kraftwerk e, claro, Serge Gainsbourg, Tsuda cria um disco digno de tocar na vitrola – não só em noites românticas, mas também nas pistas de dança. O fim da década de 1950 é uma época marco que define o antes e o depois da chanson – gênero melódico cujas canções seguem predominantemente o ritmo da língua francesa. No disco, Serge Gainsbourg – divisor de águas do estilo – encontra com Robert Moog, que revolucionou ao inventar, em 1963, o sintetizador Moog, precursor dos teclados que adentrariam com força não só o mundo da música como um todo, mas também a tão orquestrada chanson française. A homenagem fica evidente ao longo das 12 faixas em que inclusive Let’em In, famosa composição de Paul McCartney, ganha versão nos sintetizadores de Tsuda. Já na música como Le Jour Où Erik Satie A Recontré Stereo Lab, o músico propõe uma genealogia sonora que vai do piano minimalista de Sati aos seus descendentes eletrônicos, como é o caso da banda inglesa
Fotos: Rineke Dijkstra / Cortesia da artista e Marian Goodman Gallery, NY e Paris
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à esquerda, o músico Dudu tsuda; abaixo, capa do livro de jonathan franzen; e, na página ao lado, Armadilha II (1973), Litografia de Jasper Johns em exposição no instituto tomie ohtake, em SP
Stereolab. O disco, cantando em inglês, francês e japonês, foi inteiramente produzido pelo músico. A única canção em português traz a participação de Fernanda Takai, no dueto em Música para Videogame Brasileiro, que possui forte levada J-Pop. Tsuda – que já participou de inúmeras bandas, como Cérebro Eletrônico e Jumbo Elektro, entre outras – mostra que é um formidável homem de uma banda só.
arte
0123456789 AFONSO LUZ Na exposição de Jasper Johns, criações para além do encanto da virtuosa técnica artística, confundem o juízo classificatório
l i t e r at u r a
gênero móvel ronaldo bressane Como Ficar Sozinho, de Jonathan Franzen, mistura memória, ensaio e ficção
O ensaísta Franzen é tão ou mais interessante que o romancista Franzen, conforme revela esta seleta de ensaios publicada pela Companhia das Letras. Se nos verborrágicos romances As Correções e Liberdade o autor norte-americano estende os limites da narrativa até se aproximar de um novelão russo, com destaque para os diálogos ultrarrealistas, nos ensaios ele se sente à vontade para usar a própria biografia como suporte para suas mais ferrenhas teses – como o excesso de intromissão da tecnologia, a louvação da vida outdoor, doenças mentais e o individualismo como bandeira antibanalização –, tornando a leitura muito mais provocadora por aproximar com engenho a ficção e a não ficção. “A dor não nos matará” é uma diatribe anti-Facebook e o verbo “curtir” que já virou hit na... internet. “Só
liguei pra dizer que te amo” discute a mania de as pessoas precisarem dizer “eu te amo”, o que, para Franzen, não significa nada. “Unidades de controle” visita algumas das penitenciárias de segurança máxima dos EUA. O tocante “O cérebro do meu pai” entrelaça memória e ensaio científico ao tratar do Alzheimer que devastou sua família. E, no memorável “Mais distante”, Franzen narra sua visita à ilha de Robinson Crusoe, onde passou alguns dias totalmente isolado na tentativa de observar um pássaro raro – enquanto meditava sobre o suicídio de seu amigo, o também escritor David Foster Wallace, cujas cinzas espalha na ilha.
C o m o F i ca r S ozi n h o, tradução Oscar Pilagallo, editora C i a d a s Le t ra s , 2 0 1 2 , 3 3 6 p á gs , R $ 4 6
A ótima exibição de Jasper Johns no Instituto Tomie Ohtake enfatiza a arte gráfica na inteligência criativa desse mestre que desfez consensos modernistas e redefiniu escalas da pintura para além de um métier plástico. Ponto alto na mostra de obras entre 1960 e anos recentes, sua série de “números” é das coisas essenciais nesse conjunto. Ali se funda a percepção que se desdobra em conceito e transpõe limites entre arte, design e filosofia. Apenas a singela sugestão performática do traçado impresso, linhas e manchas que singularizam cada dígito estampado, é o que nos faz intuir a ordem metafísica dos ícones e o imensurável artifício sobre o qual assenta toda a civilização, sua identidade visual e operativa. Tudo é simples quando dado tipo numérico arábico surge em contorno gráfico substantivo. Tal entidade imaginária traduzida em fonte-padrão permite circunscrever noções usuais de quantidade e seriação, como no título deste texto. Mas sob o traço de Johns nada surge em termos comunicativos e ordinários, eis a questão. Capturados de pronto pelo olhar, nos pequenos desvios operados no clichê e em nossa
Fotos: Ariel Martini / divulgação (no alto) e cortesia editora companhia das letras
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reviews retina advém instabilidade no que está tatuado em nossa massa cefálica e automatizado no olhar. Até por vício, percebemos a completude significativa na forma, apagando ruídos vistos e voltando à unidade, na busca de sempre realizar em abstrações a matemática das coisas. Mas tornou-se impossível à arte representar algo, pois a dissonância instaura-se no intervalo entre artefato e proposição estética, ecos ainda presentes. Johns nos diz que a obra de arte é um estatuto circular em traços de um desenho infinito. Perturbações de superfície aproximam Johns e Andy Warhol, reduzindo ao elementar a fantasia da “gestalt”, à quase ironia formal. No uso de imagens de segunda geração, dão saltos sobre a compreensão moderna da inteligência visual sobre objetos. Suas obras embaraçam aspectos lúdicos e epistemológicos na alternância entre figura e fundo, cheios e vazios, continentes e conteúdos, superfície e profundidade, ser e nada, fetiche e inconsciente, e assim por diante. A psicologia da forma não é novidade nos anos 1950, quando Johns realiza seus primeiros trabalhos. Nunca nossa civilização automatizara códigos sensoriais tanto quanto na época em que imagens são publicidade no capitalismo midiático do pós-guerra. Na edificação do way of life americano, a dimensão absoluta dessa codificação é inscrita na pele dos produtos industriais que circulam meticulosamente desenhados, agenciam programações visuais e interferem na paisagem humana. Como indicou Vílem Flusser, prefigurando a cultura digital, o espaço comum se recompunha como segunda natureza de todo existente. Essa escala sensorial realinhou o mundo das artes e instalou-se no coração de acontecimentos pop, minimal e conceitual. O clássico de John Berger, Modos de Ver, compilaria tal inteligência coletiva e retórica da imaginação. Mas só bem depois de Jasper Johns recodificar nosso intelecto geral sobre coisas artificiais, quando refundou o mundo moderno usando tão somente os dez numerais básicos e uma fonte de design gráfico que flamulava como moeda no intercâmbio sensível e calculável. Na sobreposição dos dez ícones na mesma mancha gráfica, descobre-se, na confusão elegante de silhuetas serifadas, a quadratura de todos os círculos, sempre voltando ao paradigmático zero. Está tudo lá, mesmo que nunca consigamos destacar uma coisa da outra, para enxergar.
Jasper Johns, até 26 de agosto. Instituto Tomie Ohtake, Av. Fa r i a L i m a , 2 0 1 (e n t ra d a p e l a R u a C o ro p é s) , S ã o Pa u l o
Johns nos franqueia essa percepção conceitual, considerando o re-design autoral como recurso da arte, sua veia duchampiana. Performático e analítico, ele antevê situações em que a vivência subjetiva seria também desenhada, um “design de experiência” programável nas criações. Hoje tais recursos são abusados na reciclagem do contemporâneo em seus últimos momentos de vitalidade ocidental.
Foto: Universal Limited Art Editions, 1973, licenciado por VAGA, New York
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entrevista
Hans Ulrich-Obrist
Da cozinha para a Casa de Vidro Curador estreia mostra no Brasil, qualificando o projeto como “reconhecimento de terreno” para projetos futuros de maior porte J ULIANA M O NAC H ESI
Entrevistador inveterado, o curador suíço Hans UlrichObrist vem periodicamente ao Brasil, desde a Bienal de São Paulo de 1998, principalmente pelos interesses como entrevistador – em seus inúmeros volumes de entrevista publicados, Obrist já conversou com Lygia Pape, Zé Celso, Cildo Meireles, Waldemar Cordeiro e Paulo Mendes da Rocha, entre outros. Mas ele já veio para seminários, como no Arte/Cidade de 1999, ou para lançar livros – cinco volumes de entrevistas foram publicados pela Cobogó. Pela primeira vez, em setembro, ele virá ao País para apresentar sua faceta curatorial: um projeto com nomes badalados na Casa de Vidro, projeto da arquiteta Lina Bo Bardi onde funciona a Fundação Lina Bo e P. M. Bardi, no Morumbi. Na entrevista a seguir, feita no local e devidamente registrada por cinegrafista (para o making of do projeto), Obrist fala da paixão por entrevistas e do seu singelo início de carreira de curador mais poderoso do mundo, que se deu em uma pequena cozinha suíça. Chove torrencialmente em São Paulo e Hans Ulrich-Obrist interrompe a entrevista para contemplar a cachoeira surgida temporariamente em uma canaleta da residência modernista, demonstrando outra paixão pelo espaço vivido das casas-museus: “Fascinante. Nunca estive na Casa de Vidro durante uma tempestade!” O que mais o apaixona em fazer entrevistas?
Minha atividade principal é a de curador, mas sempre tive essa realidade paralela de fazer entrevistas. Essa realidade paralela surgiu quando eu ainda era estudante, lendo livros como o de entrevistas com Francis Bacon, por David Sylvester, que me inspiraram. Como tenho conversas muito intensas com artistas – porque é o que sempre estou fazendo, ao longo do processo de fazer curadorias –, percebi que poderia começar a gravá-las. Aos poucos imagino que isso possa virar um arquivo. No início não era nada sistemático. Até que o cineasta Jonas Mekas me sugeriu que as filmasse. De lá para cá tenho 2,5 mil horas de filmagem. É uma ideia de uma
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história polifônica do tempo em que estou vivendo. É difícil racionalizar porque é uma paixão minha, eu não conseguiria não fazer isso. Acho interessante que a palavra “curador” tem uma raiz comum com o termo “curiosidade”, e acredito que a curiosidade sempre foi o principal motor do meu trabalho. Isso é também o que leva às entrevistas, que são uma forma de tentar entender. Mas uma entrevista pressupõe, geralmente, uma postura incisiva da parte do entrevistador. As suas funcionam mais como conversas?
Creio que são mesmo um tipo de “conversa infinita”, nos termos de Blanchot. O que acontece é que muito frequentemente essas conversas não terminam. Ontem, por exemplo, fiz a quarta entrevista com Cildo Meireles. Já tinha feito entrevistas com ele em Paris, na ocasião de uma exposição com curadoria de Carlos Basualdo, em seu ateliê, agora conversamos no contexto da exposição na casa de Lina Bo Bardi. São conversas infinitas, que podem durar uma vida. Atualmente estou trabalhando com estudantes da academia de Karlsruhe na tecnologia de tagueamento. Ela torna possível arquivar e também acessar o arquivo de entrevistas de diferentes maneiras. Por exemplo, nós tagueamos todas as minhas entrevistas com Cedric Price, que é um visionário arquiteto britânico, que foi tão influente quanto Lina Bo Bardi e agora está sendo redescoberto. Eu fiz entrevistas com ele ao longo de um ano, eu o visitava pela manhã uma vez por semana e gravamos muitas e muitas horas de conversa ao longo de um ano. Então os estudantes de Karlsruhe taguearam todas as gravações e agora você pode pesquisar online a palavra “museu”, por exemplo, e aparece tudo o que ele disse sobre museu. E você ainda consegue ter uma conversa comum com alguém, sem pensar em registro ou arquivo?
Em pulpo (2011), Yoshua Há momentos que são mais informais, mas ainda que Okón encena uma eu mantenha minhas entrevistas informais, existe batalha da guerra civil da guatemala no um certo grau de formalidade, porque envolve uma espaço vigiado de um gravação. Mas, ao modo Andy Warhol, poderíamos estacionamento de gravar 24 horas. Foi assim que surgiram as Maratonas outlet em los angeles
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de Entrevistas. Uma vez, em Zagreb, o coletivo WWW, que havia me convidado para fazer uma palestra, gravou meu dia inteiro. Eles registraram cada conversa, cada aula, transcreveram tudo e publicaram um livro. Depois da experiência de Zagreb, eu me dei conta de que um dia pode ser um livro. Como surgiu seu interesse pela Casa de Vidro?
Meu primeiro projeto curatorial foi feito na minha cozinha. Quando eu era estudante em St. Gallen, na Suíça, organizei essa mostra com trabalhos de Fischl & Weiss, Hans-Peter Feldmann, Richard Wentworth e Christian Boltanski. A exposição teve apenas 29 visitantes, de modo que foi bastante íntima. O que me interessou foi o fato de que a cozinha evocou outros tipos de obra. Provocou nos artistas a vontade de fazer trabalhos diferentes daqueles que eles costumavam fazer. Achei isso fascinante. Porque artistas são sempre chamados para fazer a mesma coisa, são convidados para exposições em museus, exposições em galerias. Para bienais, Documenta, comissões de arte pública etc. Mas, se você convida o artista para fazer algo diferente disso tudo que ele está acostumado, isso faz com que ele pense fora da forma. Depois da exposição Kitchen (1991), fiz outras em casas que se tornaram museus, como a mostra de Gerhard Richter na Nietzsche Haus, em Sils Maria, fizemos outra na Biblioteca do Monastério em St. Gallen, outra ainda no Robert Walser Museum (museu temporário que o curador criou no Hotel Krone in Gais, em Appenzell, Suíça), depois em um restaurante, ou seja, contextos da vida, casas. Aos poucos foi se configurando essa série de mostras em casas que fascinam artistas. Não é uma escolha minha, são os artistas que me apresentam as casas, que foi o que aconteceu com a Casa de Vidro. Dan Grahan é fascinado pelo trabalho de Lina Bo Bardi, por exemplo, e outros artistas também me falaram desse lugar. É uma ideia de casas onde artistas vêm pesquisar e pelas quais são influenciados. Essas exposições não acontecem sempre, eu as faço a cada três ou quatro anos, mas é como gosto de começar a trabalhar em um novo país, é uma forma de começar a conhecer a produção de um país. Eu estou aqui para aprender.
O curador-estrela Ulrich-Obrist conta a seLecT que seu ambicioso projeto de entrevistas configura uma história polifônica do tempo atual
Como foi a escolha dos artistas?
É muito orgânico o processo, aqui tem uma mistura de artistas conectados a Lina Bo Bardi e de jovens artistas emergentes. Alguns estão fazendo elementos estruturais, outros estão utilizando a casa como um contexto para o trabalho, como Sarah Morris, que está gravando um filme aqui. E as obras não serão mostradas todas aqui, há trabalhos que serão exibidos em outros espaços da cidade. Também podem acontecer obras imateriais. Não será uma mostra cheia de trabalhos. Mas haverá muito para ver. Só acho importante dar visibilidade, acima de tudo, para a própria casa.
foto: eduardo ortega
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Ana Letícia Fialho Arte, um negócio sustentável O MERCADO DE ARTE CONTEMPORÂNEA NO BRASIL VIVE ATUALMENTE UM MOMENTO SINGULAR E MUITO POSITIVO, DE AMADURECIMENTO E EXPANSÃO. NOS ÚLTIMOS DOIS ANOS, O VOLUME DE NEGÓCIOS DAS GALERIAS DE ARTE CONTEMPORÂNEA CRESCEU, EM MÉDIA, 44%, BEM ACIMA DE MUITOS OUTROS SETORES DA ECONOMIA
A necessidade de mapear o setor resultou na realização de uma pesquisa inédita visando conhecer o perfil, o tamanho, o grau de profissionalização e internacionalização das galerias do mercado primário. Encomendada pela Associação Brasileira de Arte Contemporânea (Abact) e o programa setorial integrado Abact-Apex-Brasil, a pesquisa – que deverá ser ampliada e realizada anualmente – abarca em uma primeira etapa 32 galerias de arte contemporânea e traz dados inéditos, aponta tendências e começa a jogar luz sobre um setor que, costumava-se acreditar, operava de forma pouco transparente, muitas vezes na informalidade e jamais revelava os segredos de seus negócios. A pesquisa contempla o mercado primário de arte contemporânea, ou seja, galerias que representam artistas em atividade. O trabalho de representação envolve muito mais do que a comercialização de obras. O valor econômico, estabelecido pelo mercado, constrói-se com base no valor simbólico aferido por outras instâncias do sistema das artes, como a institucional e a crítica. O trabalho da galeria consiste em fomentar a valorização simbólica e econômica dos artistas que representa. A média de pessoas empregadas de forma regular para as galerias é de 7,75 e os empregados com carteira assinada representam a maioria, a média é de 5,22. Isso aponta para uma forte formalização do setor em relação ao quadro funcional, contrariamente à tendência à precarização das relações de trabalho observada em outros segmentos da cultura. Além da equipe permanente, há uma gama enorme de colaboradores e prestadores de serviços. No centro dessa cadeia encontram-se os artistas. Cada galeria representa de 12 a 39 nomes, dependendo de sua estrutura. A média é de 24 artistas por galeria e o universo total é de cerca de 800 pessoas, onde estão desde profissionais com carreiras altamente consolidadas até outros em início de carreira. A média porcentual de novos artistas, que entram no mercado pela primeira vez, é de 23,6%. Esse dado fala da capacidade das galerias de lançarem novos nomes, o que envolve certo risco,
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corredor do pavilhão da bienal durante a sp-arte 2012
mas é fundamental para a renovação e expansão do mercado. Outro dado que merece destaque é o alto nível de internacionalização dos artistas, avaliado nesta pesquisa pela presença em coleções internacionais públicas e privadas e representação por galerias estrangeiras. Cerca de 48% dos artistas representados pelas galerias brasileiras estão em coleções internacionais e cerca de 18% são representados por galerias estrangeiras. Infelizmente, as instituições brasileiras não acompanham tal movimento e encontram-se totalmente defasadas em relação à produção contemporânea. A falta de recursos não deve ser o único problema, pois hoje no mercado o preço médio das obras mais baratas é de R$ 1.100 e as mais caras têm preço médio de R$ 540 mil. Fica evidente, portanto, que, além de recursos, o colecionismo institucional carece também de linhas curatoriais claras e coerentes. Isso explica por que a produção contemporânea brasileira está mais bem representada em coleções privadas no Brasil e em outras privadas e institucionais no exterior do que nas instituições brasileiras. É importante entender o contexto das recentes mudanças da cena artística internacional. Foi nos anos 1990 que agentes do sistema das artes dos Estados Unidos e da Europa passaram a buscar em regiões “periféricas” uma “renovação controlada da oferta”, dando início a uma expansão das fronteiras do mapa internacional das artes. Somente no fim dos anos 2000 é que observamos de fato o início de uma descentralização e multiplicação dos circuitos de legitimação e uma revisão da “história internacional” da arte moderna e contemporânea.
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galerias internacionalizadas
52%
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34% galerias influentes no mercado internacional
artistas representados por galerias estrangeiras
18% 48% artistas em coleções internacionais novos artistas a cada ano
23,6%
Internacionalização do mercado O nível de internacionalização de uma galeria não deve ser avaliado apenas com base no seu volume de vendas no exterior, e sim tendo em conta sua capacidade de articulação e circulação, reconhecimento e visibilidade no plano internacional. Mais de 50% das galerias contempladas na pesquisa estão, em alguma medida, internacionalizadas, e 34% delas têm uma inserção significativa e constante no mercado internacional. Nesse universo, 81% das galerias afirmaram apoiar financeira e logisticamente a participação de seus artistas em exposições internacionais. Outras 37% mantêm parcerias com galerias no exterior e quase 70% afirmam ter clientes estrangeiros. As galerias informaram ainda que a maioria dos seus clientes internacionais encontra-se nos Estados Unidos, Europa e América Latina, e algumas também têm clientes na Ásia e no Oriente Médio. As feiras são apontadas como o principal cenário para a conquista desses colecionadores. As feiras brasileiras são responsáveis por, em média, 29% do volume anual de vendas das galerias, havendo uma variação de 10% a 60%. Para as galerias que atuam no mercado externo, as feiras internacionais são a principal plataforma de vendas: 95% das exportações são negociadas durante esses eventos. Apesar dos altos custos e do acesso restrito, a participação das galerias brasileiras em feiras internacionais cresceu nos últimos dois anos, participação essa que reflete positivamente no volume das exportações, que cresceu cerca de 40% entre 2010 e 2011 (dados da Apex-Brasil referentes às galerias mapeadas).
Mas são os negócios gerados no Brasil que mais têm impulsionado o crescimento do setor. A economia brasileira passou ao largo da crise internacional, aquecendo o mercado de arte. Uma estimativa conservadora é de que as galerias mapeadas movimentem anualmente cerca de US$ 100 milhões. Por trás desse crescimento estão os colecionadores privados brasileiros, que não só estão investindo mais, como também se tornando mais numerosos. Eles movimentam cerca de 66% das vendas, enquanto as instituições nacionais representam apenas 8%. Tal dinâmica tem chamado a atenção de agentes do mercado internacional, altamente competitivos e profissionalizados; de instituições consagradas, como o MoMA e a Tate Modern, nos quais colecionadores brasileiros são convidados a integrar (e financiar) os comitês de aquisição; assim como de outros museus internacionais, que cada vez mais buscam no Brasil recursos para viabilizar seus projetos expositivos. Tal cenário traz desafios e oportunidades. Para enfrentá-los, iniciativas do setor privado, como as capitaneadas pela Abact, voltadas à expansão, profissionalização e internacionalização das galerias, são importantes, mas não suficientes. Devem somar-se a elas políticas públicas voltadas à profissionalização de todas as instâncias do sistema das artes. Somente um sistema de artes organizado e fortalecido internamente, consciente de suas fragilidades e qualidades, conseguirá se posicionar, expandir e internacionalizar de forma sustentável e tornar-se menos vulnerável às oscilações de contextos econômicos, de ordem doméstica e internacional.
foto: Sylvia Gosztonyi / infográfico: Ricardo Van Steen
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BERNARDO GUTIÉRREZ A era adhocrata A eclosão 2.0 e a crise levaram à nova era da adhocracia (ad hoc, aqui e agora + cracia, poder), um protótipo de organização flexível, inovadora e multidisciplinar. Do urbanismo à educação, da programação ao design, a adhocracia pede passagem e é o eixo da Bienal de Design de Istambul, que acontecerá em outubro Cory Doctorow, um importante escritor de ficção científica e ativista digital, imaginou um mundo sem burocratas em seu primeiro romance, Down and Out in Magic Kingdom, em 2003. No futuro utópico retratado no livro, os fãs dirigem a Disney World e a reputação social é a moeda mais valiosa. O interesse dos políticos é desenvolver projetos participativos de cultura popular. Burocratas simplesmente não existem. O mundo, governado por uma equipe rotativa e multidisciplinar distancia-se do passado distópico e das democracias imperfeitas do século 20. Doctorow batizou seu sistema ideal de governo de “adhocracia”, mas, na verdade, não estava inventando nada. O conceito foi criado pelos pensadores Warren G. Bennis e Philip E. Slater, em 1964, ao tentarem descrever um novo modelo de organização flexível e inovador. Na Segunda Guerra Mundial, já havia sido formulado um protótipo de organização desse tipo: equipes ad hoc, que os exércitos militares montavam e dissolviam depois de completar uma missão específica e transitória. Mas foi nos anos 1970 que o conceito de adhocracia foi amadurecido por pensadores como Henry Mintzberg e Alvin Toffler. Ambos desconfiavam de um mundo vertical. Soluções quadradas. Especialistas puros. O aparelho pesado das grandes organizações. Governos. Burocracias. Por isso, se esforçaram para criar um imaginário adhocrata, um corpo teórico de organização multidisciplinar e dinâmica. O futuro imaginado por Cory Doctorow chegou. É o presente. A crise econômica mundial e a popularização da internet estão implodindo um
modelo enroscado em velhos paradigmas. Estamos aterrissando com tudo na era do poder (cracia) ad hoc (aqui e agora). Organizações “post-it”. Grupos “pop-up” de ação. Organizações claramente adhocráticas. Mas com um toque de inteligência coletiva, colaboração, crowdsourcing e descentralização que os teóricos dos anos 1970 não anteciparam. Exemplos não faltam. Uma legião de tradutores gera títulos e legendas de séries, filmes e documentários com total eficiência. Qualquer fórum de cidadãos – forocoches. com, burbuja.info etc. – substitui os especialistas dos mais seletos clubes. Soluções urbanísticas são cozinhadas, em conjunto, por geeks, vizinhos, planejadores, designers e artistas (como faz o grupo de Ecossistemas Urbanos ou o coletivo belga Lateral Thinking Factory). De que conexão improvável uma organização precisa para deixar de ser burocrática? Os novos modelos que surgiram num mundo digitalizado se encaixam nas definições clássicas de adhocracia? Que organograma teria uma adhocracia perfeita? Henry Jenkins, em seu livro Cultura da Convergência (2006), descre-
foto: divulgação
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125 Interior da Istanbul Modern - New City Reader, primeira bienal de design de Istambul (Istanbul Tasarim Bienali)
veu a adhocracia da seguinte forma: “Ela é caracterizada pela falta de hierarquia. Cada pessoa enfrenta um problema com base em seus próprios conhecimentos e habilidades, e as lideranças mudam conforme o projeto evolui. É uma cultura que transforma o conhecimento em ação”. O estático, nas palavras de Jenkins, torna-se uma “tensão dinâmica” constante. Reputação, valor da mudança Não seria a adhocracia, no novo milênio, mais um roteiro que uma organização? Um estado de espírito poroso que permeia tudo? Uma nova receita do conhecimento remixada? Um novo marco para a convivência entre disciplinas? Marco Lampugnani, do escritório de arquitetura italiana Snarkive, fornece algumas pistas ao descrever seu trabalho na cidade italiana de Auletta: “Nós reconhecemos a impossibilidade de ter projetos complexos; abraçamos habilidades pouco ortodoxas e a participação na sociedade para além da simples comunicação”. Os projetos não são mais algo fechado, alfa final. Tudo acontece a um “estado beta eterno
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(instável, inacabado)”, como muitas vezes disse Ethel Baraona, fundadora do estúdio DPR-Barcelona. Curiosamente, Baraona é uma das curadoras associadas da Bienal de Design de Istambul, a ser realizada em outubro, que tem como eixo a adhocracia. “Bem-vindo à era da adhocracia”, diz o curador Joseph Grima. “Ela atravessa as convenções e dinamiza estruturas para capturar oportunidades, auto-organizações, e desenvolve metodologias de produção inesperadas.” A adhocracia, continua, “habita a horizontal, o reino rizomático de redes em que a inovação – inventiva, subversiva, não dogmática, espontânea – pode vir de qualquer lugar”. Esse roteiro do novo milênio privilegia as conexões em detrimento dos objetos, pessoas ou produtos. Os fios de ligação são mais importantes que a existência física de elementos isolados. A adhocracia, na era digital, está disfarçada de inteligência coletiva, conforme foi preconizada por Pierre Lévy. Anda de mãos dadas com o espírito coletivo da Wikipedia. Namora com o novo tipo de ilustração fomentada por amadores de que fala o sociólogo Antonio Lafuente. Mescla-se aos sistemas colaborativos de troca da sociedade P2P vislumbrados por Yochai Benckler. E sua definição se transforma, direcionando os novos territórios oblíquos do teórico Peter Walsh para a fusão com a horizontalidade das redes. Voltemos a um detalhe do utópico mundo adhocrata de Cory Doctorow para nos aprofundarmos em sua moeda oficial, o Whuffie: uma moeda efêmera, social e praticamente intangível. O Whuffie é como a reputação social da pessoa. Algo como a pontuação em sites de leilões como o eBay ou de comunidades de viajantes como o CouchSurfing. Traduzindo: é como se o carma de agregadores de notícias como o Digg ou Slashdot tivesse um valor monetário. A reputação funciona como uma moeda. A ligação entre as partículas gera a reputação. E a rede ligada à adhocracia, além de resolver problemas coletivos, cria um sistema sustentável, onde não há espaço para a solidão das partículas subatômicas.
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colunas móveis / e-bussines
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Rene de Paula jr. mocidade brilhante e sadia
O bumbo vigoroso do ciberotimismo pode virar mais uma relíquia de futuros que morreram no parto Era o aniversário de meu pai. Oitenta anos. Liguei, minha madrasta passou-lhe o telefone, ele disse um alô animado e eu, a plenos pulmões, cantei: Mocidade brilhante e sadia/ Sai da inércia em que estás/ Renuncia à inação criminosa / De pé, de pé! Rimos gostosamente. Eu havia tirado do baú uma lembrança boa das manhãs da infância, manhãs em que meu pai nos embebia em sua vitalidade ao som de um hino potente, hino que hoje sei fascistoide embora meu pai nunca o fosse. Quarenta anos se passaram e ainda me estarreço com a jovialidade desse homem e, seja pelo exemplo de uma vida inteira ou porque a marchinha nos marcou, criei um horror básico à malemolência. Cada geração teve lá seu bumbo, sua marcha de guerra, sua bandeira tremulante. Eu tenho aqui, sobre a mesa, uma minicoleção de sonhos de humanidade, todos com um palmo de altura: a mulher-androide do Metropolis de Fritz Lang, o Uomo Futuristico de Boccioni e o Homem Vitruviano de Da Vinci, três materializações daquilo que jamais se tornou concreto, três graus diferentes de otimismo, três relíquias de futuros que morreram no parto. A cada keynote da Apple, a cada Google I/O, a cada nova app social, as capas de revistas e as manchetes dos jornais e os posts nos blogs disparam salvas de adjetivos festivos e prognósticos bombásticos, como se toda fumaça (e haja fumaça) fosse sinal do fogo de revoluções redentoras, como se CPUs quádruplas quadruplicassem felicidades e mais memória tornasse a vida mais memorável. Acadêmicos e gurus vão magistralmente encaixar as novidades naquilo que sempre pregaram, dando
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Homem Vitruviano de Da Vinci, Uomo Futuristico de Boccioni e mulher-androide do Metropolis de Lang, três materializações daquilo que jamais se tornou concreto
novo alento às profecias. E dá-lhe eventos e cursos e palestras e TEDs inebriantes para nos embalar nos sonhos de Jobs. Otimismo all-you-can-eat, prêt-à-porter, otimismo versão pocket. Eu tenho relíquias desse otimismo compulsivo: guardo até hoje revistas gloriosas que, um mês antes da Grande Bolha, batiam o bumbo como se só houvesse um amanhã. Otimismo vende, otimismo vicia, otimismo anima. Li outro dia que otimismo, por irracional que seja, é mais saudável que realismo. Vício em realismo é coisa de deprimido. Que batam o bumbo, então. Só quero ver quando 7 bilhões de pessoas cansarem de marchar e de bater o pé.
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selects / mobilidade
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Martha Gabriel Entenda o seu aqui e agora A mobilidade alavanca diversas tendências do momento, agenciando novos termos e estilos de vida. Tempo-real (nowism), Social Everything, Cibridismo e BYOD (Bring Your Own Device) são alguns deles.
Tem po -rea l / Now i sm
Geo lo ca l i zação
h ttp : / / b i t .ly/CSa rb
h ttp : / / b i t .ly/dNttUP
N ã o ex i s t e t e m p o - re a l se m d i s p os i t i v os m ó v e i s . I s so é n o w i s m , ou a tal da modernidade líquida.
C a d a v e z m a i s i n te ra g i m os co m u m a c a m a d a d e d a d os d e lo ca l i za ç ã o a o n os so re d o r, co n s u m i n d o e c r i a n d o.
Realidade Aum e nta d a
Internet das Coisas/Social Everything
C ross- sc ree n (Second Scree n)
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h ttp : / / b i t .ly/ MZ Ec Qi
h ttp : / /on .mash.to/uxGoqC
O ce l u l a r é a “co i s a” m a i s ó b v i a d a i n t e r n e t d a s co i s a s . Pe r m i t e - n os i n t e ra g i r co m q u a l q u e r t i p o d e o b j e t o, t o r n a n d o t u d o so c i a l .
O h á b i t o d e a s s i st i r à tev ê o u a o v í d e o e n q u a n to n avega m os e m u m d i s p os i t i vo m ó ve l a u m e n t a a co n t a m i n a ç ã o d e co n te ú d os e n t re m í d i a s o n e of f l i n e.
A s p os s i b i l i d a d es d e a m p l i a ç ã o d a rea l i d a d e o n d e q u e r q u e este j a m os s ã o ex t re m a m e n te a t ra e n tes .
Busca
Ví d eo
Transmídia
h tt p: / / b i t . ly/p d tt j B
h ttp : / /sc r.b i /9 5S 3yj
h ttp : / / b i t .ly/I5NxRb
Po d e r b u sca r i n fo r m a ç õ es o t e m p o to d o, e m q u a lq u e r s i t u a ç ã o, t ra n s fo r m a o n os so c é re b ro, a n os s a m e m ó r i a . G o og le E f fe ct .
U m a p es q u i s a d o M o rga n S t a n l e y co n c l u i u q u e, a t é 2 0 14 , 6 9 % d o co n t e ú d o co n s u m i d o m o b i l e se r á v í d e o.
Cibridism o
BYO D ( B r i n g Yo u r O w n D ev i ce) ̶
h tt p: / / b i t . ly/ L hm Pq b
h ttp : / / b i t .ly/ N g 5DEH
C o m a d i s se m i n a ç ã o d a ba n d a l a rga , pa s s a m os a o p e ra r d e m o d o o n e o f f l i n e s i m u lt a n ea m e n te ; co m a ba n d a la rga m ó ve l es se est a d o to r n a - se co n st a n te.
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Cada indivíduo quer cada vez mais t ra z e r o se u p r ó p r i o d i s p os i t i v o m ó v e l p a ra os a m b i e n t es o n d e o p e ra , p o i s e l e é a ex t e n s ã o d o se l f.
O s d i s p os i t i vos m ó ve i s s ã o os p r i n c i p a i s ca t a l i za d o res d a t ra n s m í d i a , p o rq u e “ l i n ka m” a s d i ve rs a s p l a t a fo r m a s .
Martha Gabriel Escritora, artista, professora e pesquisadora. Coordena o curso de MBA em Marketing da HSM Educação e é autora de Marketing na Era Digital.
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Pessoas que não sabem usar o celular Bombril do século 21, o celular tem 1001 utilidades, mas não é penico, minha gente! Aprenda a usar ou cale-se para sempre EMíLIA VANDELAY
Dia desses estava eu no D.O.M para saborear os hypados pratos de Alex Atala. E me irritei. As pessoas pagam uma fortuna para comer lá, mas deixam a comida esfriar, pois têm de fotografar os pratos e imediatamente postar tudo no Instagram. Acho um tédio ficar vendo minha timeline no Facebook entupir de comida, seja lá a hora que for. Outro dia acordei com uma panturrilha de porco, do restaurante do Eder Santos, estampada na minha tela. Tenha dó! Como se não bastasse, todos atendiam telefonemas, entre um post e outro, e respondiam com um “alô” de altíssimos decibéis, interrompendo minha linha de raciocínio para adivinhar os temperos exóticos de minha minilula cozida ao creme de beterraba. E essas pessoas que sempre, mas sempre, precisam fazer aquela derradeira ligação, antes de o avião decolar, para avisar que está no jato e que este está prestes a decolar? São as mesmas que, tão logo o avião pousa, ligam desesperadamente o aparelho – apesar dos avisos para mantê-lo desligado até o lobby – para fazer aquela ligação inaugural pós-voo e dizer “o avião já pousou, estou indo buscar a minha mala”. Parece que, para alguns seres, o celular é um dispositivo de narração passo a passo da vida, como se a sua existência precisasse de legendagem simultânea. Tudo bem. O celular é uma espécie de Bombril do século 21 e tem 1001 utilidades. Entre tantas outras, a de ser um ótimo player de música. Mas pessoas com complexo de hub, que ouvem música no último volume, são insuportáveis. E os que perguntam “de onde falam?”. Erram no português e na etiqueta mais básica da cultura da mobilidade. Como assim de onde “falam”? Do meu carro, da cama, de um precipício... E só uma pessoa por vez pode usar um mesmo aparelho, energúmeno. Agora, aquele tipinho que liga trocentas vezes por engano no seu celular e não se conforma que está com o número errado merecia uma solitária como a dos filmes americanos. Alguns dessa espécie, aliás, têm um componente raivoso que vai crescendo em equivalência ao inconformismo com o fato de você não ser o Pedrão, e sim a Emília... Medo. Pode ser meio antiquado, mas não me acostumo com gente que usa fone de ouvido com microfone para atender o telefonema. Sempre
A
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acho que alguém está em meio a um surto esquizofrênico do meu lado até eu entender que a pessoa está no telefone. E quando falam gesticulando? O problema é que eu acho que estão falando comigo e quem acaba falando sozinha sou eu. Tem também essa praga da humanidade 2.0 que assola banheiros públicos. Você está ali, no auge das tarefas íntimas, e, de repente, é assombrado por vozes do além que, entre descargas e torneiras alheias, não se constrangem de brigar com os namorados, passar a lista do supermercado para a empregada e até fechar negócio! E sabia que 4% das pessoas usam celular fazendo sexo? Sério! Eu ficaria mais satisfeita se soubesse que é algum aplicativo que transforma seu multitudo em vibrador. Mas não, é gente que só pensa naquilo. Digo, no celular. Para encerrar. A pior: mulher em estado de clemência, fazendo inalação no PS, entre uma aspirada e outra, estrebuchando, fala ao celular. Cuidado, você pode morrer assim...
ilustração: mayA messina
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obituário
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Secretária eletrônica (1935-2000)
Gestada aos poucos, essa guardiã dos recados coroou um longo processo de pesquisas sobre a gravação da voz humana Giselle Beiguelman
Moça responsável e pouco dada a fofocas, ouvia tudo e copiava o que lhe diziam, sem tirar nem pôr. Cosmopolita, sua biografia atravessa, desde o século 19, o tempo e o espaço, tendo parentesco com familiares de origem dinamarquesa, alemã, norte-americana e japonesa. Nascida em berço alemão, fruto do trabalho de Willy Müller, no entre guerras, tinha por público-alvo os judeus ortodoxos que não podiam atender ao telefone no Shabat. Müller concebeu a primeira máquina de atendimento automático de telefone, mas até se tornar essa tele-Amélia que atendia sozinha as chamadas, escutava, gravava e transmitia fielmente o que ouvia por aí, muitos rolos de cera e vinil foram sulcados. Gestada aos poucos, essa guardiã dos recados coroava o resultado de um longo processo, iniciado no fim do século 19, quando as primeiras pesquisas de gravação da voz humana começaram a dar resultado. Neta do fonógrafo de Thomas Edison, ironicamente um notório antissemita, foi prima-irmã do Telegraphone, aparelho criado, em 1898, pelo engenheiro dinamarquês Valdemar Poulsen, que gravava os campos magnéticos produzidos pela variação do som. Floresceu nos EUA, tendo como pai o Dictaphone do Laboratório Volta, de Alexander Graham Bell, batizado com esse nome, em 1907, pela Columbia Gramophone Company, com quem o Volta se fundira alguns anos antes. Garoto de sucesso, o Dictaphone reinou imbatível nos escritórios até depois da Segunda Guerra, quando seu moderno herdeiro, o Dictabelt, mandou para o espaço os velhos cilindros de cera que
armazenavam as gravações, impondo o padrão do cinto de vinil que introduzia o estilo WORM (Write Once, Read Many), e tinha a incrível capacidade de armazenar 15 minutos de gravação. Foi só nos anos 1960 que, via a genialidade do doutor Kazuo Hashimoto, finalmente o esperado rebento, a Excelentíssima Secretária Eletrônica, nasceu. Bombou nos anos 1980, quando se chegou a vender, só nos EUA, 1 milhão de secretárias eletrônicas por ano. O vigor da mocidade passou rápido e os primeiros abalos em sua carreira meteórica de sucesso começaram a ser sentidos quando as empresas de telefonia passaram a comercializar serviços de correio de voz, e ela ainda era uma balzaquiana cheia de sonhos. O golpe mortal veio com a explosão dos celulares e sua imbatível caixa postal, sempre alerta e no bolso de seu senhor. Vive moribunda, empoeirada e esquecida num canto remoto da casa. Sem nenhum esplendor, suspira seus últimos dias, definhando acoplada a um telefone fixo, parceiro de todas as horas, na alegria e na dor.
FOTO: Reprodução: Thomas A. Edison Company Ediphone Voicewriter
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reinvente
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Celular bateu asas e voou Os artistas Neil Mendoza e Anthony Goh transformam sucatas de celulares em divertidas aves pululantes
Quem cresceu nos anos 1980 deve lembrar-se de uma corujinha robótica criada pela deusa Atena no clássico Fúria de Titãs, um daqueles filmes mais repetidos na Sessão da Tarde. Bubo, como era chamado o pássaro autômato, não foi a inspiração direta para a obra Escape (Robot Birds), da dupla Neil Mendoza e Anthony Goh, uma das atrações da 18a edição do International Symposium on Electronic Arts (Isea), que acontece em Albuquerque, Novo México (EUA), em setembro. Mas ao nos depararmos com a obra, que transforma celulares velhos em aves robóticas, a corujinha desconjuntada que ajudava na comunicação do herói Perseu com os deuses ao enfrentar suas missões nos vem à memória. Reflexão divertida sobre como a presença massiva, controladora e irritantemente sonora dos celulares tomou conta das nossas vidas, as “aves” de Mendoza e Goh ganham vida quando o público liga para os números disponíveis abaixo das garras de cada ave. Isso faz com que se movam, atendam ou façam chamadas para outros telefones ou entre elas mesmas. “Na vida urbana, estamos constantemente cercados
ro bot birds é uma o bra que iro niz a so m i r r i tan t e dos c e lu l ar es
por celulares que também constantemente nos roubam a atenção. A instalação se apropria desses dispositivos chatos e cria uma realidade alternativa, despertando a curiosidade nas pessoas e fazendo com que elas possam utilizar seus telefones de forma lúdica”, explicam os artistas, descrevendo a obra. Se os nossos celulares não nos permitem comunicar com os deuses, pelo menos nos possibilitam fazer brincadeiras divertidas e não ser apenas as coleiras digitais que se tornaram. N G
FOTO: Cortesia do artista
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