Select Inaugural, maio 2011

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index

56

Real em dúvida O fim das fronteiras entre o real e o artificial aparece no trabalho de cinco artistas brasileiros, como Caio Reisewitz

Seções Editorial Navegação Tribos do Design Mundo Codificado Review Crítica Colunas Móveis Obituário Selects Delete Reinvente

18 20 31 36 107 112 116 121 122 128 130



index 38

Futuro do presente A cultura digital ocupa todos os espaços do cotidiano e o virtual já é ideia do passado

84

62

Fotonovela Os últimos lançamentos do design numa aventura surreal

Curvas sinuosas Arquitetos comentam as formas orgânicas que prevalecem nos projetos contemporâneos

52

Bisturi Páreo entre Barbie e Ângela Bismarchi: padrão de beleza é transformado pelas novas tecnologias 78

48

116

70

128

Paraísos artificiais Ele criou uma cachoeira em Nova York e instalou um sol dentro de um museu: um perfil de Olafur Eliasson

Naturezas fabricadas Como a paisagem dos Países Baixos modificada pela tecnologia influencia a obra de dois criadores holandeses

Rock on-line A internet modifica circuitos de exibição e leva os concertos musicais para muito além dos palcos

Janaina Tschäpe Artista desenha dicionário imaginário de seres marinhos e projeta mundos aquáticos

Tempos cínicos Documentário sobre o trabalho de Vik Muniz com catadores de lixo promove estética da miséria


expediente

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EDITOR E DIRETOR RESPONSÁVEL: DOMINGO ALZUGARAY EDITORA: CÁTIA ALZUGARAY PRESIDENTE-EXECUTIVO: CARLOS ALZUGARAY DIRETORA DE REDAÇÃO: PAULA ALZUGARAY EDITORA-CHEFE: GISELLE BEIGUELMAN EDITORA DE ARTES VISUAIS: ANGÉLICA DE MORAES DIREÇÃO DE ARTE : RICARDO VAN STEEN REPÓRTER: NINA GAZIRE COLABORADORES

Berta Sichel, Carla Caffé , Cia. de Foto, Daniel Vincent, Dora Longo Bahia, Facundo Guerra, Fernanda Chieco, Gabriel Menotti, Ivana Bentes, João Carrascosa, Juliana Monachesi, Leo Vas, Lusa Silvestre, Paulo Vainer, Renata Gomes, Roberto Moreno, Ronaldo Lemos, Ucho Carvalho, Vera Bighetti, Vivian Caccuri

PROJETO GRÁFICO

Cassio Leitão e Ricardo van Steen

DESIGNERS

Alexandre Macedo Costa e Bruno Pugens

PRODUÇÃO

Anna Guirro

COPY-DESK E REVISÃO

Hassan Ayoub

PRÉ IMPRESSÃO

Retrato Falado

CONTATO SERVIÇOS GRÁFICOS OPERAÇÕES LOGÍSTICA E DISTRIBUIÇÃO DE VENDA AVULSA MARKETING

faleconosco@select.art.br GERENTE INDUSTRIAL: Fernando Rodrigues COORDENADOR GRÁFICO: Marcio Rodrigues Cardoso DIRETOR: Gregório França GERENTE DE OPERAÇÕES: Thomy Perroni ASSISTENTE: Luiz Massa ASSISTENTES JR.: Fábio Rodrigo e Paulo Sergio COORDENADORA: Vanessa Mira COORDENADORA ASSISTENTE: Regina Maria ASSISTENTES: André Barbosa, Karina Pereira e Denys Ferreira GERENTE DE VENDA AVULSA: Rosemeire Vitório COORDENADOR :Jorge Burgatti ANALISTAS: Cleiton Gonçalves e Fernando Damas ASSISTENTES: Sandra Sabino e Guilherme Almeida DIRETOR: Rui Miguel GERENTES: Débora Huzian e Wanderly Klinger DIRETOR DE ARTE: Bruno Barbosa REDATOR: Raphael Henriques Pasquini ASSISTENTE DE MARKETING: Marciana Martins e Marina Bonaldo

PUBLICIDADE

DIRETOR NACIONAL: José Bello Souza Francisco SECRETÁRIA DIRETORIA PUBLICIDADE: Regina Oliveira COORDENADORA ADM. DE PUBLICIDADE: Maria da Silva GERENTE DE COORDENAÇÃO: Alda Maria Reis COORDENADORES: Gilberto Di Santo Filho e Rose Dias CONTATO: publicidade@select.art.br RIO DE JANEIRO-RJ: Diretor de Publicidade: Expedito Grossi GERENTES EXECUTIVAS: Adriana Bouchardet, Arminda Barone e Silvia Maria Costa COORDENADORA DE PUBLICIDADE: Dilse Dumar; Tel.s: (21) 2107-6667 / (21)2107-6669 BRASÍLIA-DF: Gerente: Marcelo Strufaldi; Tel.s: (61) 3223-1205 / 3223-1207; Fax: (61) 3223-7732 SP/CAMPINAS: Mário EsTel.ita - Lugino Assessoria de Mkt e Publicidade Ltda.; Tel./ Fax: (19) 3579-6800 SP/RIBEIRÃO PRETO: Andréa Gebin - Parlare Comunicação Integrada; Tel.s: (16) 3236-0016 / 8144-1155 MG/BELO HORIZONTE: Célia Maria de Oliveira - 1ª Página Publicidade Ltda.; Tel./Fax: (31) 3291-6751 PR/CURITIBA: Maria Marta Graco - M2C Representações Publicitárias; Tel./Fax: (41) 3223-0060 RS/PORTO ALEGRE: Roberto Gianoni - RR Gianoni Com. & Representações Ltda. Tel.: (51) 3388-7712 PE/RECIFE: Abérides Nicéias - Nova Representações Ltda.; Tel./Fax: (81) 3227-3433 BA/SALVADOR: Ipojucã Cabral - Verbo Comunicação Empresarial & Marketing Ltda.; Tel./Fax: (71) 3347-2032 SC/FLORIANÓPOLIS: Paulo Velloso - Comtato Negócios Ltda.; Tel./Fax: (48)3224-0044 ES/VILA VELHA: Didimo Benedito - Dicape Representações e Serviços Ltda.; Tel./Fax (27)3229-1986 SE/ARACAJU: Pedro Amarante - Gabinete de Mídia - Tel./Fax: (79) 32464139/9978-8962 MARKETING PUBLICITÁRIO - DIRETORA: Isabel Povineli GERENTE: Maria Bernadete Machado COORDENADORA: Simone F. Gadini ASSISTENTES: Ariadne Pereira, Laliane Barreto e Marília Trindade 3PRO DIRETOR DE ARTE: Victor S. Forjaz REDATOR: Alessandro de Araújo

ASSINATURAS

DIRETOR: Edgardo A. Zabala DIRETOR DE VENDAS PESSOAIS: Wanderley Quirino GERENTE NACIONAL DE PROMOÇÕES E EVENTOS: Jason A. Neto GERENTE DE ASSINATURAS: Marcelo Varal SUPERVISORA DE VENDAS: Rosana Paal DIRETOR DE TEL.EMARKETING: Anderson Lima GERENTE DE ATENDIMENTO AO ASSINANTE: Elaine Basílio GERENTE DE TRADE MARKETING: Jake Neto GERENTE DE PLANEJAMENTO: Reginaldo Marques GERENTE DE OPERAÇÕES DE ASSINATURAS: Carlos Eduardo Panhoni GERENTE DE TEL.EMARKETING: Renata Andrea GERENTE DE CALL CENTER: Ana Cristina Teen GERENTE DE PROJETOS ESPECIAIS: Patrícia Santana

SELECT é uma publicação da EDITORA BRASIL 21 LTDA., Rua William Speers, 1.000, conj. 120, São Paulo - SP, CEP: 05067-900, Tel.: (11) 3618-4200 / Fax: (11) 3618-4100. COMERCIALIZAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO: Três Comércio de Publicações Ltda.: Rua William Speers, 1.212, São Paulo - SP; DISTRIBUIÇÃO EXCLUSIVA EM BANCAS PARA TODO O BRASIL: Fernando Chinaglia Distribuidora S.A.; Rua Teodoro da Silva, 907, Rio de Janeiro-RJ, Tel.. (21) 2195-3307. IMPRESSÃO: Pancrom Indústria Gráfica - Rua dos Alpes, 381, Cambuci - São Paulo/SP CEP:01520-030

WWW.SELECT.ART.BR


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colaboradores

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Vivian Caccuri

Lusa Silvestre

Ucho Carvalho

Gabriel Menotti

Ronaldo Lemos

Berta Sichel

Renata Gomes

Juliana Monachesi

00

Paulo Vainer

WWW.SELECT.ART.BR

Marilia Scalzo

O FIM DO VIRTUAL / NATUREZAS FABRICADAS

Ivana Bentes

JUNHO 2011

João Carrascosa

Select é transdisciplinar. Cruza artes, saberes e gostos, sempre atentando para o que, em cada campo, merece ser destacado, repensado, previsto e pinçado. Do acadêmico ao pop, do científico ao improvisado, do massivo ao erudito, passando pelo que é inclassificável, tudo nos interessa. E assim são os colaboradores da Select. Flâneurs 2.0 fazem botânica de asfalto, mas também garimpo de bytes. Reverberam o espectro de uma nova ecologia midiática produzida por uma multidão inteligente com quem nos interessa falar, ouvir e dialogar.

capa select 00 def_RF V5.indd 1

Capa:

Landscape 2, Levi van Veluw, cortesia Ronmandos Gallery/Amsterdã

4/28/11 11:14 PM



editorial

Paula Alzugaray

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Ricardo van Steen

Giselle Beiguelman

Selecionar tudo ou apenas uma área? A palavra select ganha centralidade com a digitalização da cultura. As capacidades de discernir, enfocar e selecionar tornam-se, subitamente, algumas das necessidades mais prementes neste tempo de transbordamento de informações. Imbuída do revigoramento dessa palavra, a revista seLecT se oferece como mais uma ferramenta de navegação na cultura contemporânea. Buscamos, por isso, enfocar uma área selecionada, um tema que pode ser urgente, mas também estar negligenciado, escondido no mar de fenômenos arquivados nas redes de comunicação. Queremos introduzir ao leitor ideias que ele não estava esperando, criar discussões sobre temas que estão na rua, na web, na tevê, na mídia, mas que haviam passado despercebidos. O fim do virtual é o primeiro desses grandes temas. Mas, atenção, não estamos dando a falsa pista de uma nova bolha da internet, colocando a vida digital sob suspeita ou promovendo a volta do analógico em detrimento do uso das mídias digitais. Giselle Beiguelman, editora-chefe de seLecT, atualiza essa discussão: vivemos um novo paradigma cultural, em que é impossível sustentar os antigos muros que separavam a realidade da virtualidade. A escolha desse tema para a edição inaugural é significativa. seLecT é um projeto pensado para uma nova geração de leitores que transitam livres e criativamente por ambos os universos. Uma revista que mostra como as novas tecnologias modificam diariamente a cultura, a sociedade e o meio ambiente. Sintomática dessa percepção foi a nossa escolha por trabalhar com colunistas convidados a cada edição, que ocupam nossas seções de Colunas Móveis e áreas editoriais abertas – os Selects –, em que convidados dão suas listas de links e são acompanhados por ilustradores. Neste número, contamos com Ivana Bentes, Ucho Carvalho e Renata Gomes nas Colunas Móveis, e

com Facundo Guerra, Cia. de Foto, Dora Longo Bahia, Fernanda Chieco e Carla Caffé nos Selects. O que é real e o que é virtual? É a pergunta que fizemos aos colaboradores desta edição. João Carrascosa conta as histórias paralelas de duas “bonecas”, Barbie e Ângela Bismarchi, para dizer que estamos próximos da total indiferenciação entre corpos naturais e artificiais. Marília Scalzo entrevista quatro arquitetos para entender a influência da tecnologia no aparecimento de uma nova estética construtiva, baseada em formas tortas. Ronaldo Lemos e Vivian Caccuri expandem essa discussão para o rock e explicam por que a internet amplia os espaços da música ao vivo para além dos palcos. Com o fim da diferenciação entre real e virtual, entramos em novo território: um lugar no qual natureza e cultura também são indistintas. Angélica de Moraes, editora de Artes Visuais de seLecT, é a autora do perfil do artista Olafur Eliasson, que em projetos como a cachoeira da Brooklyn Bridge de Nova York mimetiza paisagens e fenômenos naturais por meio de uma complexa articulação de conhecimentos científicos. Já Nina Gazire, repórter de seLecT, destaca cinco artistas brasileiros que trabalham na linha que delimita o natural e o artificial. A costura visual de todos esses inputs ficou a cargo de Ricardo van Steen e Cassio Leitão, que respondem, respectivamente, pela direção de arte e projeto gráfico da revista. A área selecionada na edição inaugural de seLecT aponta para uma “próxima natureza”, resultado da abrangência das redes e da presença do digital em todos os campos. Aponta também para a necessidade de outro jornalismo cultural, comprometido com o nosso presente.

Cassio Leitão

Angélica de Moraes

Bruno Pugens

Nina Gazire

Alexandre Macedo

Anna Guirro

Paula Alzugaray Diretora de redação

Hassan Ayoub

ILUSTRAÇÕES: RICARDO VAN STEEN, A PARTIR DO APLICATIVO FACE YOUR MANGÁ



navegação

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MODA

CORPOS DE PEDRA Designer italiana cria roupas que reagem à luz e interagem com o corpo

A COLE Ç ÃO LI VI N G CLOTHES REPRODUZ A GEOMETRIA DE ROCHAS E: PROMOVE A INTEGRAÇÃO ENTRE T EC N O LO G I A E N AT U R E Z A À ESQUERTDA: GIUSEPPE FOGARIZZU; À DIREITA: ROSA BARBA, OUTWARDLY FROM EARTH’S CENTER (2007), CORTESIA DA ARTISTA, GALERIA CARLIER | GEBAUER (BERLIN) E GIÓ MARCONI


navegação

21

AUDIOVISUAL

ROSA BARBA: PAISAGENS SOB A PAISAGEM Artista documenta processo de submersão de ilha sueca

FRA ME DO DO CUMENTÁRIO OUTWA RDLY FRO M EA RTH ’S CE N T E R D E ROSA BA R BA


navegação

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ARTE

LEVE DOIS, PAGUE UM Exposição em Porto Alegre acontece simultaneamente em espaço físico e na web

I N STAL A Ç Ã O D E ANA H O LC K : MET ÁFO RA DAS REDES


navegação

DESIGN

CAD E I RA DA S É R I E T RAN S P L ÁST I COS, E M EX P OSI ÇÃO N O M USEU VAL E

OBJETOS EM MUTAÇÃO Retrospectiva dos Irmãos Campana mostra design emergente do contraste entre orgânicos e artificiais

À ESQUERDA: FOTO PAT KILGORE; À DIREITA: MEIO E IMAGEM

23


navegação

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ARQUITETURA

MORAR NO SÉCULO 21

Morada Ecológica Museu de Arte Moderna de São Pa ulo, Parqu e do Ibirapuera, portão 3 Te l . : 5 5 ( 1 1 ) 5 0 8 5 - 1 3 0 0 a t é 2 6 d e j u n h o www.mam.org.br

Exposição mostra respostas arquitetônicas aos desafios da consciência ecológica

PARQU E RES I DENCIAL SANGRUBENW EG NA ÁUSTRI A : SO LU Ç Õ ES S U ST E N T Á V E I S


navegação

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A LUZ É T RA NSFO RMA DA EM ESCULTURA NA INSTA LA ÇÃO LINE DESCRIBING A CO NE, DE AN T H O N Y M CCA L L

ARTE

CINEMA MÍNIMO Como sustentar uma obra usando apenas a luz

Anthony McCall Lu c ia n a B rito G a le ria Rua Gomes de Carvalho 842 Vila Olímpia, SP De 10 de maio a 2 5 d e j u n h o Entrada gratuita

À ESQUERDA: BRUNO KLOMFAR ; À DIREITA: CORTESIA DO ARTISTA E DA SEAN KELLY GALLERY/NY; FOTÓGRAFO: FREDDY LE SAUX


navegação

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ARTE

54º BIENAL DE VENEZA RETOMA FOCO NA ARTE EUROPEIA Mostra principal terá 82 artistas, a maioria jovem, além da participação recorde de 88 representações nacionais

54º Bienal de Veneza G i a r d i n i , A rse n a le e inúmeros espaços da cidade 3 de junho a 27 de novembro www.labiennale.org

DA N O ‘BRIEN, CAMPEÃO AMERICANO DE GINÁSTICA O LÍMPICA , PA RTIC I PA DE PE R FO R M A N C E

À ESQUERDA: DIVULGAÇÃO/SANTIAGO CALATRAVA; À DIREITA: GETTYIMAGES


navegação

Livro traz cópia traduzida do blog de Ai Weiwei deletado pelo governo chinês

A i We i w e i ’s B l o g : Writings, Interviews and Digital Rants, 2006-2009. MIT Press, 2011 US$ 24 http://bit.ly/dwdsTy AI WEW E I , UM D OS MA IS IMPO RTA NTES A RTISTAS CO NTEMPO RÂNEOS E CRÍTICO CO NTUMA Z DA PO L Í T I CA C H I N ESA

FOTO: GAO YUAN

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tribos do design

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As tribos con te m p o r â n ea s s ã o baseadas em i n te res ses co m u n s e laços imaginá r i os . C ó d i gos v i s u a i s organizam se u vo ca b u l á r i o e se p rojet am em a ces s ó r i os , o b j etos , u tilidades e in uti l i d ad es d o cot idiano. Preparamos u m a s é r i e d e e n s a i os visuais que dest r i n c h a m , p e la s le n tes do desi g n, al guns d os abecedári os q ue organizam cer tas tr i b os . A seguir, duas tr i b os : Neodéco e Diam an te. Nas próximas e d i ç õ es te m mais R I C A R D O VA N S T E E N

Colaborou Vera Bighett i

a língua dos objetos


tribos do design

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Ne o d é co Nem qua drada ne m re donda. Es s a tribo é híbrida. Entre o prata e o preto, aposta nos princípios d o art déco em versão hi-tech P9350

Celular conceito criado pelo jovem designer português André Silva (abaixo) foi inspirado nos carros Porsche, nas latas de café Illy e na Leica

Twist Speakers

Os alto-falantes do designer Isaac Teece moldam-se às necessidades de quem escuta seu som

LG Prada mais que um telefone, o celular da estilista italiana Miuccia Prada é um assessório que veste a fala

Void VO2 clock Design sueco de ponta para gente sintonizada com seu tempo

iPhone 4

O celular que reinventou a comunicação móvel chega à sua versão neodéco

Confederate P120 Fighter Design orientado para velocidade e potência é o segredo de beleza dessa motocicleta

Leica M9

Um clássico da fotografia entra na era digital revisitado por Walter Maria da Silva, designer da Volkswagen

Relógio Hermes Carre H Com uma

edição de 173 peças, o Hermès Carre H foi projetado pelo arquiteto e francês Marc Berthier FOTOS: DIVULGAÇÃO


A MÁQUINA QUE ILUMINA O AMBIENTE

O MELHOR ESPETÁCULO DA CIDADE

chr1.com.br

M I L H Õ E S D E M E G A S D I G I TA I S N A V I D A R E A L

A Q U E L E Q U E O U V E O V O C A L I S TA C H O R A R

A Ú LT I M A M Ú S I C A

FAZ DO SEU, O MELHOR SHOW DA CIDADE. Coloque o seu iPod, iPhone ou iPad no BeoSound 8. Ou conecte seu player de MP3, PC ou Mac. E deixe que cada bit de cada nota, acorde ou frase, pegue sua mente, onde quer que você esteja. Venha conferir em uma das lojas: Jardins SP (11) 3082-8277, Fashion Mall Rio (21) 2422-6079 e Iguatemi SP (11) 3819-5770 ou visite o site www.bang-olufsen.com


tribos do design

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Nokia X7

Dia m a n te

Com câmera de 8 megapixels e tela de qualidade, o modelo da Nokia é ideal para jogos em HD

U m a tribo devotada à lapidação d o gosto e do consumo. Cortes p re cisos, elaborados e prismáticos rea l inham as tendências do design e resignificam a instrumentalidade d os o bjetos coti di anos Citroen Karin

Pérola vintage, esse protótipo foi desenhado por Trevor Fiore em 1980

ASUS gravador Blu-Ray e 3D O player e gravador da ASUS é o mais rápido do mercado

Invisible Shoes

Os sapatos da designer paulistana Andreia Chaves são feitos à mão por artesãos italianos.

Lamborghini Reventón Roadster Fetiche de gente

grande e gente pequena, esse Lamborghini circula nas ruas e lojas de brinquedos

Chair ONE

A cadeira de Konstantin Grcic tem como referência a bola de futebol

HTC Touch Diamond Com navegação baseada no Opera, o celular foi concebido para otimizar o acesso à internet FOTOS: DIVULGAÇÃO



On-line e Off-line

mundo codificado

A popularização da internet borrou os limites entre o mundo off- e on-line. Isso se reflete nas suas taxas de crescimento e na emergência de novos hábitos. Mas se reflete, também, na continuidade das discrepâncias socioeconômicas e correlação de forças geopolíticas PESQUISA: NINA GAZIRE COLABORAÇÃO: ROBERTO MORENO ILUSTRAÇÕES: DANIEL VINCENT INFOGRÁFICO: RICARDO VAN STEEN E BRUNO PUGENS

população

PAÍSES X REDES

OCUPAÇÃO

6,85

POPULAÇÃO MUNDIAL

Se o Facebook fosse um país, seria o terceiro mais populoso

bilhões de pessoas

Europa

813,3

Ásia

3834,8

344,1

592,5

1013,8

Oceania

bilhão

63,2

475,1

445% 6,45 bilhões

bilhão de usuarios

Oriente Médio

6,85 bilhões

1 bilhão

1,97

USUÁRIOS DE INTERNET Europa

milhões

Facebook

34,7

212,3

361 milhões

17%

6,07 bilhões

Ásia

América do Norte

2010

825,1

266,2 204,7

1,2

1,97 bilhão

Índia

630

África

Oriente Médio

América Latina e Caribe

bilhão

POPULAÇÃO MUNDIAL USUÁRIOS DE INTERNET

China

América do Norte

América Latina e Caribe

1,3

TAXA DE CRESCIMENTO

África

110,9

2005

Oceania

21,3

2000

infraestrutura

DOMICÍLIOS E DOMÍNIOS

CASAS CONSTRUÍDAS DOMÍNIOS .BR CRIADOS

De 2000 a 2010 no Brasil

13,2 milhões

TRANSPORTE DE DADOS X TRANSPORTE COLETIVO

Distribuição dos celulares 3G e 2G

TRANSPORTE COLETIVO TRÂNSITO DE DADOS ENTRE IPs

Entre 2006 e 2010 em São Paulo

de casas

30% -60% 2 milhões

de domínios .br

GEOPOLÍTICA DO ACESSO

Custo do trânsito entre IPs caiu 60% Custo do transporte coletivo aumentou 30%

2G 3G


cotidiano

MASSAS DE INFORMAÇÕES

COMUNICAÇÃO ESCRITA

Pesos e medidas

Tráfego de mensagens

MENSAGENS DE TEXTO

CARTAS ENVIADAS POR ANO E-MAILS ENVIADOS POR ANO

Taxa de crescimento do SMS no mundo em trilhões

@

iPod de 120 GB

7

140 gramas 30.000 músicas

107 trilhões

2.667 Vinis

dos e-mails

400 kg

Isso equivale a:

6

89,1%

5

são Spam

4 3

1.500 CDs

433 bilhões

22,5 kg

2 1

1.000 Fitas

0

Cassetes 39 kg

2008

2007

2009

2010

cultura e informação

VENDAS DE E-READERS

PUBLICIDADE

Número estimado de vendas para 2014: 26.5 milhões de unidades

Destino das verbas publicitárias em 2010 nos EUA

30 20

16,9% Sites de notícias

Total

2014

2013

2012

2011

2010

0

14,9% Jornais impressos

153 bilhóes

10

68,2% Outras mídias

Crescimento de 39, 6% ao ano

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Fontes: Amazon, CETIC.br, Dieese, Double Click Ad Planner, Google Trends, IBGE, International Telecommunication Union (ITU), Instituto Verficador de Circulação, Social Bakers, Telegeography, The Arts Newspaper, YouTube Blog

2u6ntmando aVs tdroês Estado T J s de rede


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40

Falar no fim do virtual não quer dizer apostar numa volta ao mundo analógico. Ao contrário, significa asas sumir que as redes se tornaram tão presentes no coco tidiano e que o processo de digitalização da cultura é tão abrangente que se tornou anacrônico pensar na dicotomia real/virtual. O mundo da Internet das CoiCoi sas já se anuncia no presente, prevendo que todos os objetos do cotidiano estarão conectados. Não chegamos ainda nessa escala de interconectiviinterconectivi dade, que deixará nos arquivos da história a definição de internet como uma rede mundial de computadocomputado res. Mas ela deverá ser atualizada em breve como rede mundial de computadores, pessoas, geladeiras e tudo mais que nos cerca. Enquanto a Internet das Coisas não se impõe, a rápida evolução das aplicações, que envolvem nanotecnolonanotecnolo gia, sensores e sistemas de redes sem fio, confirma a sua probabilidade. O uso cada vez mais comum de etieti quetas inteligentes baseadas em códigos de barra com grande capacidade de armazenamento de informainforma ções, como o QR-Code, é um indicador preciso desse processo de coisificação das redes. Escaneadas pela câmera do celular, por meio de um programa leitor de código, essas etiquetas expandem as informações contidas na legenda de um quadro em um museu, por exemplo, adicionando conteúdos em vídeo, links e textos, que são apresentados na tela do aparelho. Antigo telefone com câmera, o celular se transforma, agora, em um controle remoto de cidades interativas,

um órgão de visualização do que os olhos não veem. Exagero? Não. Basta pensar na popularização dos aplicativos relacionados à Realidade Aumentada. No seu próprio nome esse tipo de tecnologia parece trazer embutido o atestado de óbito da era do virtual. Trata-se de um processo que suplementa o mundo físico com informações, fazendo com que objetos virtuais e reais coexistam no mesmo espaço. Hoje, com celulares equipados com programas específicos combinados ao GPS do aparelho, é possível visualivisuali zar informações que acrescentam dados a um local determinado, por meio de animações em computação gráfica que se superpõem, em tempo real, às imagens enquadradas pela câmera. Parece ficção científica, mas não é. Campanhas publipubli citárias, jogos e sites de serviços, escolas, laboratórios de diagnóstico e a indústria da moda têm feito uso sistemático de seus recursos. O sucesso desse tipo de tecnologia é fruto da aproximação que promove com os sentidos humanos. Afinal, como diz o designer inin diano Pranav Mistry, do Six Sense Lab do MIT (Ins(Ins tituto de Tecnologia de Massachusetts): “Integrar as informações aos objetos do cotidiano não só vai nos ajudar a eliminar o abismo digital, mas também nos ajudará de alguma forma a nos manter humanos, a eses tar mais conectados com o nosso mundo físico. E nos ajudará, na verdade, a não ser máquinas sentadas na frente de outras máquinas”. Etiquetas com QR-Code ou Realidade Aumentada, portanto, fazem mais do


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que converter seu celular em um mix de lente de aumento com visão de raio X. Elas confirmam uma antiga hipótese aristotélica: o homem é um ser político. Seu lugar é a polis. A cidade, a rua. Não o escritório.

MÍDIAS TANGÍ VEIS

Estamos diante de uma nova tangibilidade. Ela é sensen sorial, táctil, concreta, mas também midiática. As imaima gens deixam de ser superfícies clicáveis e se transfortransfor mam em interfaces expandidas que borram os limites entre o real e o virtual. Consoles de jogos como o Wii, da Nintendo, e o Kinetic, da Microsoft, e, num nível mais elementar, o iPad, da Apple, são exemplos quase autoexplicativos dessa diretriz de pesquisa e produção. As telas ficarão maleáveis e poderão ser redimensioredimensio nadas. Os dispositivos de projeção vão aderir a susu perfícies diversas, inclusive ao corpo, conforme nossa necessidade. A computação será vestível. Não invejainveja remos mais o incrível sapatofone do Agente 86 nem o não menos incrível relógio-faz-tudo de Dick Tracy. Nesse contexto, somos ciborguizados por aparelhos que nos transformam em um híbrido de carne e coco nexão e os objetos convertem-se em instâncias matemate

À ESQUERDA: VIRGINIA MUSEUM OF FINE ARTS E LAYAR.COM ; À DIREITA: PRANAV MISTRY


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riais dos fluxos de dados. Nada mais esclarecedor desse processo que a diversificação dos usos das etiquetas com RFID (Identificação por RadiofreRadiofre quência). Elas podem ser lidas a grande distância e armazenar uma diversidade de informações sem ser desativadas. São menores que um grão de arar roz e cada uma delas é única. Só existe uma para cada produto, mas a sua decodificação remota não

é associada a um leitor específico. Permitem, por isso, a otimização de uma série de rotinas do cotidiano e também potencializam o controle e monitoramento da privacidade numa escala sem precedentes. Imagine a seguinte situação: você é cliente de uma loja onde experimentou várias roupas. A loja usa etiquetas invisíveis de RFID nas roupas que vende. Meses dede pois, você volta a essa mesma loja e uma tela lista, auau tomaticamente, todos os produtos que você pode vir a gostar. E se você gostar de alguma coisa, não precisará nem passar seu cartão de crédito no caixa. Suas inforinfor mações já estarão no banco de dados e sua roupa nova será debitada automaticamente. Isso parece ótimo, não? É como se a experiência do consumo se transformasse numa grande Amazon. com. Afinal, um dos segredos de sedução dessa loja on-line é sua célebre lista de recomendações – o “quem comprou esse livro, comprou também...” Lista que é feita, é bom lembrar, pelo cruzamento dos seus dados com o de outros perfis de clientes semelhantes ao seu. Mas, e se você entrar, com sua roupa rádiorádio -etiquetada em outra loja, onde nunca passou antes, e essa loja tiver leitores de RFID, o que acontece? Simples: a loja pode acessar informações que estão asas sociadas à sua roupa. Onde você a comprou, quando, se sempre compra nessa loja. E como você usou carcar tão de crédito, dados pessoais, como endereço, nome completo e telefone, podem rapidamente ser rastrearastrea dos e incorporados ao banco de dados da nova loja.


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CORPOS INFORMACIONAIS

Num mundo mediado por bancos de dados de toda sorte, somos uma espécie de plataforma que disponibiliza informações e hábitos, conforme construímos nossas identidades públicas nos diversos serviços relacionados ao nosso consumo, lazer e trabalho. Somos, portanto, corpos informacionais que podem não só transportar dados, mas que passam também a ser entendidos como um campo de escaneamento e digitalização de informações. Tomografia computadorizada, ressonância magnética, mamografia e vários tipos de ultrassonografia são alguns dos métodos corriqueiros desse processo de intelecção da vida como um campo da computação e das ciências da informação. Isso tende a se acirrar, conforme se popularizam os métodos de investigação genética e sua distribuição pela internet. No limite, foi isso o que o Projeto Ge Genoma fez: converteu nossa compreensão do corpo, antes entendido como um arranjo de carne, ossos e sangue, em um mapa de informações sequenciadas em computador. A situação faz pensar que um dia poderemos subita subitamente encontrar parte do nosso código genético no Google ou haquear o DNA de alguém via um site

de compartilhamento baseado em Torrents. Mas faz também pensar que estamos testemunhando a reconrecon ceituação do que se entendia por natureza. A emergência de novos padrões de beleza é sintomásintomá tica desse processo. Eles nascem em uma realidade midiática que corporifica Lara Croft, protagonista do jogo de computador homônimo, e transforma AngeliAngeli na Jolie em sua cópia real. Contudo, essa é uma via de mão dupla. Evidência disdis so é o aumento do interesse nas pesquisas relacionarelaciona das à biomimética. Essa linha de investigação busca na natureza parâmetros para o desenvolvimento inin dustrial. Um de seus resultados mais antigos é a fita adesiva Velcro, uma invenção de 1941 baseada na obob servação de pequenas sementes de grama com espiespi nhos aderentes. Entre as mais recentes, destacam-se as telas finas, de alta resolução e economia de energia, que mimetizam as asas translúcidas de borboletas, e estruturas leves de fibra de carbono para carros, concon cebidas a partir do estudo da distribuição do peso de grandes árvores. Os limites entre natureza e cultura perdem definição. Indicam novas relações entre real e virtual. Elas têm dimensões estéticas, cognitivas e políticas.

À ESQUERDA: ILUSTRAÇÃO DANIEL VINCENT ; À DIREITA: MAGGIE BARLETT, NHGRI


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UMA PRÓXIMA NATUREZA NAT

Os limites entre natureza e cultura nunca foram prepre cisos e não são estanques. A conceituação do que perper tence a um campo ou a outro é um tema recorrente desde a Grécia Antiga. A filosofia contemporânea contesta a visão dualista dessa relação. Propõe uma reflexão sintonizada com a emergência de dispositidispositi vos que não cabem mais em definições puras do que é humano e o que não é. Expoente dessa corrente de pensamento é o filófiló sofo e antropólogo francês Bruno Latour. Ele rere flete sobre o caráter híbrido da nossa contempocontempo raneidade, mediada pela experiência de objetos e situações que são uma mistura de elementos da natureza e da cultura. Como numa ligação telefôtelefô nica, explica Latour, em que se aliam nossos desedese jos, nossa fala, cabos, aparelhos etc. Não se fala aqui de uma pós-natureza, mas de uma

próxima natureza. Até mesmo porque vivemos hoje em meio a uma constelação de produtos, como toto mates transgênicos e gatos hipoalergênicos, que são autenticamente artificiais, diz o designer holandês Koert van Mensvoort, editor do blog Next Nature. Nesse mundo, configura-se todo um novo imagináimaginá rio, em que as noções de gênero, reinos – vegetal, animal e mineral –, idade e nacionalidade se diluem,


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abrindo-se em direção a outros modos de ser e de existir. Trata-se de uma experiência emergente da subjetividade e da sensibilidade contemporâneas. Nela, vestem-se papéis e constroem-se identidaidentida des momentâneas, subvertendo os limites entre o tubo de ensaio e o Photoshop. Isso tem aparecido de forma marcante na produção artística, como fica evidente nas séries I Want To Put You On, Tell me

How to Put You On (Eu Quero Vestir Você, Diga-me como Vestir Você), do artista americano Sean Fader, e na série Andros Hertz, da brasileira Helga Stein. Fader dedica-se a um exercício rigoroso de manipumanipu lação de imagens, criando seres sexualmente ambiambi valentes. Stein brinca com identidades que ela cria e disponibiliza em redes sociais como o Flickr. Com métodos e filiações a tradições artísticas disdis tintas, ambos problematizam a manifestação de uma terceira via, além das dicotomias entre a natureza e a cultura. Mas como isso afetará nossas relações afetivas e soso ciais, quando a ciência genética conseguir sistematisistemati zar uma técnica segura de clonagem humana ou de hibridação de códigos genéticos de animais e vegetais? Questões que atravessam a obra de Eduardo Kac, brabra sileiro radicado nos EUA. Projetos como GFP Bunny (Coelhinha Proteína Verde Fluorescente), de 2002, e Natural History of the EnigEnig ma, Edúnia (História Natural do Enigma, Edúnia), de

À ESQUERDA: JIAN SHI/XUDONG WANG ; À DIREITA: SEAN FADER


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2008, são bons exemplos de suas preocupações teóriteóri cas e poéticas. No primeiro caso, uma coelhinha albina teve seu emem brião modificado em laboratório, com a introdução de uma proteína artificial. Quando o animal é exposto a uma determinada temperatura e iluminação, seu oror ganismo reage e assume a coloração verde. Com isso,

Kac não objetivava produzir uma série de animais fluorescentes, mas fazer-nos atentar para novas al alteridades e prestar atenção nas afetividades que o emergente mundo da próxima natureza nos traz. No segundo, desenvolveu um plantimal (um híbri híbrido de planta e animal), introduzindo um de seus genes na estrutura molecular de uma petúnia. A porção animal da Edúnia é visível nas veias verme vermelhas das suas pétalas. O gene do artista que foi sequenciado para esta obra é associado ao reconhecimento de organismos exteexte riores ao corpo. Ao introduzi-lo em um organismo vegetal, faz com que o elemento biológico responsável pela rejeição ou defesa bioquímica converta-se num enigmático dispositivo de interrogação sobre a concon tiguidade das espécies e a multiplicidade da vida, os limites cada vez mais difusos entre natureza e cultura, material e digital, real e virtual.


DA INTERNET DAS COISAS À INTERNET DAS PESSOAS Nada mais contundente sobre essa discussão acerca do esmaecimento dos limites entre real e virtual que a rere cente Primavera dos Povos Árabes. Muito se tem falafala do sobre se essas revoluções foram realmente feitas pelo Twitter e pelo Facebook, ou se isso tudo é apenas mama rketing dessas empresas e teria acontecido, de qualquer forma, por circunstâncias históricas. Nem uma coisa nem outra. Foram revoluções híbridas. Produzidas pelas pessoas, em um contexto histórico dede terminado, com os recursos do Facebook e do Twitter. Sem pessoas, obviamente, não ocorreriam. Sem as redes sociais, tampouco. A desconfiança com relação à importância das chamachama das redes sociais e celulares nesses levantes está diretadireta mente relacionada ao seu potencial para funcionarem como dispositivos de controle. Contudo, esse potencial é mais um dos elementos que os caracterizam como emem blemáticos desses tempos de cultura híbrida. Ao mesmo tempo que abrem possibilidades inéditas de fomento ao consumo, são também dispositivos de uso crítico e criacria tivo das mídias existentes. Essas tensões implicam a cadeia de variáveis que gragra vitam em torno das relações de poder na sociedade em rede. Elas são constitutivas, afirma o sociólogo Manuel Castells, das possibilidades de mudança cultural. MuMu danças essas que são operacionalizadas por movimentos sociais, ao propor e desencadear descontinuidades com as relações de poder que estão embutidas em instituições de vários tipos. Movimentos sociais não são, contudo, meros conjuntos de indivíduos. São grupos que atuam no espaço público. Esse espaço público hoje é constituíconstituí do também pelas redes de comunicação. Ocupá-las, relarela tivizando, como ocorreu recentemente no mundo árabe, suas funcionalidades meramente publicitárias, é hoje, por isso, questão política fundamental. Essa ocupação indica uma guinada na experiência concon temporânea. Se cerca de dez anos atrás, como diz André Lemos, um dos principais teóricos da cibercultura, disdis cutíamos a desmaterialização da cultura, dando ênfase ao upload das práticas sociais, hoje estamos fazendo o download do ciberespaço. Esse download se realiza na demanda por aplicativos de Realidade Aumentada, no design cada vez mais táctil e ergonômico das telas e dispositivos, na ciência e na filofilo sofia que avançam dinamitando as compartimentações entre natural e artificial, nos novos horizontes artísticos e políticos que se impõem para além das velhas dicotodicoto mias entre real e virtual. Bem-vindo ao mundo da Internet das Pessoas. Bem-vindo ao fim do virtual.

À ESQUERDA: HELGA STEIN E EDUARDO KAC ; À DIREITA: RIK SFERRA E GETTY IMAGES

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território H o l a n d a / Pa í ses B a i xos

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Primeiro, o controle do nível do mar. Logo, a criação de zonas ecológicas no ambiente urbano para estimular a geração de novos biótipos. Nos Países Baixos, a natureza é tão programada e artificial quanto o ambiente urbano. Após séculos de domesticação, a paisagem ainda é tema e estratégia de criação para artistas e designers holandeses, como Levi van Veluw e Koert van Mensvoort

Paula Alzugaray

Outras

naturezas

Nos Países Baixos, mais da metade da terra foi elevada das águas. Num país onde quase um terço de sua área e 60% de sua população vivem de fato abaixo do nível do mar, o controle da paisagem é condição básica de sobrevivência. A luta pela conquista da terra sobre o mar começou a se organizar no século 14 e desde então é tamanha que, além de ter gerado uma das mais sofisticadas infraestruturas de tecnologia ambiental do planeta, deu origem a uma palavra. Landscape (paisagem, em inglês) deriva do holandês Lantscap, que significa criação da terra, ou terreno cultivado. E é no momento em que as técnicas de drenagem e de construção de aterros se tornam uma realidade, no século 16, que a paisagem passa a ser incorporada como gênero na pintura holandesa. Com o trabalho de várias gerações de paisagistas, engenheiros ambientais, agrônomos, geólogos, urbanistas e arquitetos, hoje todo e qualquer metro quadrado desse país tem a peculiaridade de ter sido planejado para um propósito específico. Os diferentes estágios de manipulação da natureza ensinam que, hoje, na Holanda, é impossível encontrar uma distinção precisa entre natural e artificial; natureza real e natureza fabricada. O conceito está em permanente revisão e surgem, ano após ano, novas “estéticas da natureza”. Segunda natureza, pós-natureza e próxima natureza são algumas delas.

“USEI OS VALORES DA NATUREZA PARA

Levi van Veluw: a terra inteligente Na série Landscapes (2008), Levi van Veluw usa sua própria cabeça como suporte para quatro paisagens, que sugerem as quatro estações do ano. Nesse trabalho em fotoperformance, o artista negocia com as tradições do retrato fotográfico e da pintura de paisagem. Ao eleger nos quatro retratos sempre o mesmo posicionamento transversal em relação à câmera, com corte um pouco abaixo dos ombros, van Veluw adota como parâmetro visual a mesma tipologia dos primeiros retratos em daguerreótipo. Esse modelo, por sua vez, remonta ao retrato pictórico flamengo, do século 15, que conferia individualidade ao modelo.


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CRIAR UM CONTRAPONTO AOS VALORES DO RETRATO. PROCURO BALANCEAR ESSES DOIS VALORES”

Sobre essa base neutra, a cabeça fotografada em 3/4, van Veluw aplicou diferentes texturas e materiais, compondo quatro paisagens. “Usei os valores da natureza para criar um contraponto aos valores do retrato. Procuro balancear esses dois valores”, diz o artista, que inaugura individual na galeria Ronmandos, em Amsterdã, em 21 de maio. Mas, para além da vontade de dialogar com a tradição do retrato, há pelo menos outro bom motivo para van Veluw eleger a cabeça como base sobre a qual repousa sua visão de natureza. O mato que cresce em sua cabeça acaba por nos lembrar que é o intelecto humano, afinal, o agente de transformação da natureza. “No futuro, não haverá natureza selvagem, toda natureza

será controlada pelo homem e não poderá funcionar sem nós. Nós controlaremos os sistemas ecológicos.” Na fotoperformance de van Veluw, não são apenas a paisagem e o retrato que são colocados em balanço. Transformação (da paisagem) e repetição (do suporte) também são forças em tensionamento. A alternância de paisagens sobre o mesmo suporte acaba por advogar pela continuidade de um cenário controlado, em que as estações do ano se sucedem docilmente umas às outras. No calendário fotográfico desse jovem artista holandês, não há espaço para a imprevisibilidade que, em uma onda ou em uma intempérie climática, pudesse vir a alterar a perfeição dessa natureza fabricada.

E M LA N DSCA P ES , D E VA N VE LU W, A CA B E Ç A COM O AG E N T E D E TRAN S FO R M A Ç Ã O DA NATUR E ZA

FOTOS: LEVI VAN VELUW, CORTESIA DE RONMANDOS GALLERY/AMSTERDÃ


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JOGO DA MEMÓRIA ESPECULA SOBRE RELAÇÃO DÚBIA ENTRE NATUREZA E A RTIFÍCIO

Koert van Mensvoort: a próxima natureza A natureza tornou-se uma categoria cultural. A partir desse pressuposto – compartilhado por nove entre dez cidadãos do mundo –, o artista, editor e designer Koert van Mensvoort começou a explorar a ideia de que os poderes naturais estão se transferindo da natureza para um novo campo: o cultural. “As plantas, animais, átomos e o clima são cada vez mais governados pelo homem. Ao mesmo tempo, produtos da cultura que costumavam ser controlados, tendem a nos superar e a se tornar autônomos”, apontou van Mensvoort no ensaio Exploring Next Nature (Explorando a Próxima Natureza), seu primeiro texto sobre esse conceito criado em 2004, publicado no livro Next Nature Pocket (140 páginas, à venda na amazon.com). De lá para cá, procurando mapear e pensar sobre as


NATUREZA E CON SU M O S ÃO T E M AS DE IN T H E W ILDE R N ESS (2 0 0 8 ) , Ó L EO SOBR E T E L A , D E KO E RT VA N M ENSVOORT

“SÓ RECENTEMENTE COMEÇAMOS A NOS DAR CONTA DE QUE A NATUREZA NÃO É UMA ENTIDADE RÍGIDA E ESTÁTICA, MAS UMA FORÇA DINÂMICA QUE MUDA COMO NÓS”

formas que a natureza assume quando é provocada pelo homem, van Mensvoort cultiva a tribo Next Nature no Facebook, Twitter e em um blog que conta com a participação de autores de diversas especialidades. O Mundo Não É um Desktop, N de Natureza, Ecologia: um Novo Ópio Para as Massas, Nós Deveríamos Clonar Neanderthals? e Fake for Real são alguns dos ensaios publicados em posts diários no blog www.nextnature.net. “A natureza é transformada por uma cachoeira de invenções. Já que o verdadeiro propósito da tecnologia é nos emancipar das forças da natureza, ela também pode dar forma a uma nova definição, uma próxima natureza, que pode ser tão selvagem e imprevisível como sempre. Só recentemente começamos a nos dar conta de que a natureza não é uma entidade rígida

e estática, mas uma força dinâmica que muda como nós”, diz o artista. Fake for Real é um jogo de memória que especula sobre as relações dúbias e incertas entre realidade e cópia, natureza e artifício. Os pares não são idênticos: eles confrontam objetos de naturezas diversas: fotografias de folhagens sem retoques e folhagens fotoshopadas; a Terra em fotografia de satélite e vista pelo Google Maps; A Mona Lisa original e sua cópia. À medida que o jogo avança, nos damos conta de que imagens são sempre mais reais que o real. “Tenho de enfatizar que não penso que a dicotomia entre natureza e cultura seja totalmente obsoleta. Acho que os limites entre como definimos natureza e cultura estão aumentando e não desaparecendo”, diz van Mensvoort. FOTOMONTAGEM À ESQUERDA: RICARDO VAN STEEN; À DIREITA: KOERT VAN MENSVOORT

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comportamento

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Mulheres de plÁstico Barbie nasceu em 1959 num

laboratório nos Estados Unidos e há 52 anos vem tentando sair do plástico para o real. Ângela nasceu numa maternidade em Cascadura e há 39 anos vem tentando sublimar o real através da plástica. Em algum momento, no meio do caminho, essas duas trajetórias

1

Em 1959, Ruth Handler, proprietária da Mattel Toys, teve a ideia: uma boneca inspirada na vida real, com formas muito próximas às de uma pessoa comum. Enfim, uma boneca humana. Mais do que isso, uma boneca adulta, com seios e formas definidas. Nasce a Barbie, assim batizada em homenagem à filha pré-

adolescente de Ruth. Aos 15 anos, sem seios ou formas definidas, Barbara Handler foi a primeira menina a ter nas mãos a tal boneca longilínea e peituda. A partir daquele momento, a pequena Barbara ganhou um problema: um padrão tirânico a seguir. E, como ela, várias outras bárbaras espalhadas pelo mundo. As medidas, o corpo e o guarda-roupa da Barbie definiriam comportamentos estéticos e de consumo pelos próximos 50 anos. Mas essa ainda não era a boneca quase gente que conhecemos hoje. Para chegar até aqui ela passou por sucessivas remodelações, para se aproximar cada vez mais do mundo real.

1959 | Nasce Barbie, seios e formas definidas

ainda vão se encontrar. João Carrascosa

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Fotos Paulo Vainer

1965 | Joelhos flexíveis 1968 | Olhos que abrem e fecham Jack Ryan, o designer que desenvolveu o corpo longilíneo da Barbie, já tinha feito sucesso antes com os também longilíneos mísseis Sparrow e Hawk – que até hoje definem as medidas de nove entre dez bombas que caem sobre o

Oriente Médio. Jack foi o Pigmaleão da vez. Costumava dizer que

1968 | Fala frases inteiras

combinado permitia a Barbie dançar ao som dos Beatles, enquanto

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piscava para o namorado Ken – sim ela já tinha um namorado,

queriam ter voz para falar de liberdade, política, sexo, revolução. A também

extraído de sua costela. Como efeito colateral, as poses limitadas

jovem Barbie ganhou o poder da fala. O problema era o que ela dizia: “Tenho

e nada naturais dessa Barbie articulada foram imediatamente

um encontro. O que devo vestir?”. Naquele momento, a boneca que queria

assimiladas pelos editoriais de moda – e continuam ainda muito em

ser gente não podia estar mais distante da realidade. Pobre Barbie, andou

voga entre modelos de carne e osso.

vários passos para trás.

estava criando a mulher perfeita e que era o único homem na sua vida. Nos anos 1960, coube a ele a tarefa de humanizar ainda mais a boneca. Em 1965 criou os joelhos flexíveis. Em 1967 deu movimento à sua cintura. Em 1968, olhos que abriam e fechavam. Tudo isso

Em 1968 Jack Ryan grita Parla! e Barbie ganha uma voz, avançando vários passos em direção ao real. Criou-se um mecanismo que permitia à boneca falar frases inteiras e não apenas grunhir ou chorar, como a maior parte de suas companheiras de vitrine. Era

o momento certo: no mundo todo jovens iam às ruas para ser ouvidos,


numa pessoa de verdade, as pessoas de verdade é que devem se parecer

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com ela. Ela tem poder para isso: nesse exato segundo, pelo menos três

trazendo à tona sua verdadeira origem: ela seria cópia da boneca

bonecas Barbie estão sendo vendidas em algum lugar do planeta. E é

erótica Lili, personagem de quadrinhos do jornal alemão Bild-Zeitung

assim a cada segundo de cada minuto. O sucesso comercial fez dela um

e ícone do pós-guerra, mulher de vida fácil, sempre de lingerie preta e

dos personagens mais influentes no século 20. Seu corpo virou o padrão

salto agulha em busca de milionários incautos. No fim dos anos 1950,

definitivo da beleza feminina americana.

Em 1969, surgiu Christie, a

Ruth Handler teria dado de cara com uma boneca Lili numa tabacaria

primeira Barbie negra. Começa a produção da linha étnica. Barbie agora não

suspeita da Suíça. Levou pra casa, tirou a maquiagem pesada, suavizou

está pronta para a realidade, mas para as realidades. Em qualquer parte

a sobrancelha arqueada e os lábios rubros, deu-lhe um banho de loja e

do mundo, qualquer criança pode se identificar com a sua Barbie. Mas, do

transformou uma alemã safada e decadente em mocinha americana

Japão ao Ceilão, muda apenas a cor da pele e os cabelos. Permanecem as

de família. Os boatos, afinal, revelaram-se verdadeiros. Os respectivos

medidas tirânicas, o mesmo narizinho fino, a mesma pequena e discreta

direitos foram pagos ao fabricante da original Lili e nossa Barbie ganhou

bunda branca anglo-saxônica. O mundo real que se adapte.

uma história menos rósea, mais crua, desmanchando sua aura de menina

4

Vozes inúteis, movimentos articulados e olhos piscantes foram aos poucos deixados de lado. Barbie invadiria o mundo real não por suas opiniões ou por sua capacidade de mexer os quadris. Se ela não pode se transformar, por imagem e semelhança,

1969 | Pele negra

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Nos anos 1970, a boneca cai na real. Afinal, a vida de verdade não é assim tão fácil. No auge do sucesso, com um guarda-roupa de mais de 1 bilhão de pares de sapatos e uma coleção de modelos assinados por Dior, Armani e Versace, Barbie descobre a inveja.

Seus detratores anunciam: Barbie é uma filha da puta! E provam,

perfeita. E assim avançou vários passos em direção à vida real.

1970 | Denúnciada de cópia da boneca erótica Lili

1970 | Perdeu um pouco de seio, ganhou um pouco de cintura e quadril e ganhou um umbigo É nos anos 1990 que Barbie dá o maior salto para a humanização. Foi obrigada a isso. Alguém teve a ideia de fazer uma projeção das proporções da boneca adaptando-as ao corpo humano. Resultado: se fosse uma mulher de verdade, mediria 2,13 metros, com 96 centímetros de busto, 45 de cintura e 83 de quadris. O peso disso, em carne e osso, seria de, aproximadamente, 50 quilos. A criatura não seria capaz de caminhar e provavelmente

estaria agora estrelando um documentário da National Geographic. De repente, o modelo de beleza que norteou quatro gerações de meninas no mundo inteiro prova-se inatingível. De onde feministas, psicólogos e antropólogos concluíram que era Barbie a culpada por todas as frustrações da adolescência, pelas anorexias e bulimias várias que assolaram o

> http://br.barbie.com > twitter: @barbiestyle

fim do milênio. A pobre boneca virou até nome de doença: o Complexo de Barbie, que define um transtorno da imagem corporal que leva mulheres insatisfeitas a alterar seus corpos em sucessivas cirurgias plásticas. Antes que fosse tarde demais, o departamento de marketing da Mattel Toys movimentou designers, engenheiros e cientistas para salvar a imagem de sua boneca mais famosa. Uma manobra tão drástica quanto sutil: suas pequenas consumidoras não poderiam rejeitar as mudanças – afinal, estava em jogo uma economia que movimenta mais de US$ 2 bilhões por ano. Ainda que tivesse passado quase despercebida, essa foi a mudança mais radical já sofrida pela Barbie em seus 52 anos. Para ficar mais realista, Barbie perdeu um pouco de seio e ganhou um pouco mais de cintura e quadril. A boneca que quer ser gente ganhou medidas mais humanas, de 14 centímetros de busto, 10 de cintura e 12,5 de quadril. E, detalhe fundamental, ganhou um umbigo – e tudo o que isso sugere.

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comportamento

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1

bronzeado exclusivo e cabelos longos, muito mais ondulados. Na caixa,

2

decorada com paisagens californianas, estava o slogan da época: Be

orgulhosa de seus novos atributos plásticos, foi sucesso imediato – e

Anything... Mas Cascadura não se parece nada com Malibu. É um lugar

sem volta. Os flashes dos paparazzi balizaram o caminho para uma vida

de vida real, quente e modorrento. Ângela deve ter tido também uma

extraordinária, cada vez mais longe do mundo real. Como Barbie Malibu,

adolescência sem graça: perdeu a virgindade aos 20 anos. Casamento,

Ângela agora é celebridade.

Nascida em Cascadura, subúrbio pobre do Rio, Ângela deve ter tido uma infância sem graça: nunca teve uma Barbie. Conhecia a boneca só de vitrine. Do lado de fora da loja, ela sonhava com Barbie Malibu, o sucesso de então. Vinha com um novo

filho aos 21, curso de instrumentação cirúrgica... Vida comum, vida chata. Até que um dia, finalmente, ela descobre o significado de Be

Ângela se despediu do passado em Cascadura no carnaval de 2000. Tinha acabado de fazer sua primeira intervenção cirúrgica: dois peitos de 160 mililitros cada um. E foi com eles que surgiu nua na avenida, pintada com as cores da bandeira do Brasil. O

carnaval proporcionou o contexto irreal, o cenário de sonho. Exibida,

2000 | 160ml nos seios

Anything: se Cascadura não é Malibu, Ângela pode ser Barbie. Make Up Catia Marques Tratamento de imagem Leo Vas

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seios maiores, lipoescultura, sobrancelha levantada, dois furos no queixo O primeiro percalço na sua trajetória. As mesmas próteses que abriram o caminho para a fama causaram-lhe também uma infecção de mama. O irreal cobra o seu preço. Ângela vai ao consultório do doutor Ox Bismarchi e encontra não só uma solução clínica, mas um enredo para a realidade paralela que começava a criar para si mesma. O cirurgião plástico se apaixona. Empresta-lhe um sobrenome de fotonovela e transforma seu 1,80 metro de carne e osso em canteiro de obras. Ox foi o Pigmaleão da vez. Mais que artista e musa, o

caso aqui é de criador e criatura. Juntos, Ox e Ângela brincam de deuses, remodelando a natureza: seios maiores, lipoescultura, uma sobrancelha levantada, um furo no queixo... Não, dois furos no queixo! Começa ali uma maratona em busca da plástica perfeita que hoje já ameaça entrar para o Guinness, com quase 50 intervenções cirúrgicas.


> www.angelabismarchi.com.br > twitter: @angbismarchi

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É estabelecida uma tradição de carnaval: Ângela Bismarchi estreia nova plástica na avenida! Tão certo quanto mestre-sala e porta-bandeira, já se conta, todos os anos, com a presença de criador e criatura, Ox e Ângela Bismarchi. Sempre com uma novidade: um novo nariz, lábios recheados, novo desenho de bumbum, novas panturrilhas, novos peitos: 250, 340, 400 mililitros... Foto certa na revista. Retorno garantido para o mercado da medicina estética, alimento farto para a mídia de celebridades e

um atrativo a mais para o carnaval carioca. Ângela vira um case de marketing pessoal e vive da história que criou para si. A tradição só falhou no carnaval de 2006, quando foi proibida de desfilar. Ela havia anunciado com antecedência a surpresa da vez: cirurgia de diminuição dos lábios vaginais. Prevendo o contorcionismo de fotógrafos e cinegrafistas para registrar a novidade, o presidente da Portela dispensou o destaque nas vésperas do desfile. Tudo bem, Ângela voltaria radicalizando: em 2008, inspirada no enredo oriental da escola Porto da Pedra, ela surge na avenida transformada em japonesa, por meio de cirurgia com fios de ouro nas pálpebras. A gueixa platinada avançou vários passos em direção a Malibu. Be anything! Mas deixou a pergunta no ar: até onde ela pode ir?

2006 | 400ml nos seios, diminuição dos lábios vaginais 2008 | fios de ouro nas pálbebras

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No auge de sua epifania, em pleno voo, a fada virtual quase perde as asas. O cirurgião Ox é assassinado com três tiros. Ângela é acusada de ser a mandante do crime e expande suas fronteiras midiáticas,

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2009 | reconstituição hímen A saga continua: no carnaval de 2009, a surpresa da vez é a reconstituição do hímen. Aos 37 anos, mãe de um rapaz de 18 e com uma vida sexual mais do que ativa, Ângela volta a ser virgem. Era um fetiche do marido, explica. Ângela e

o Pigmaleão da vez manipulam assim não apenas as formas, mas

invadindo também as páginas policiais. O crime nunca foi esclarecido,

também o tempo. Quem precisa de cronologia é a vida real. Em

mas entrou para os anais como latrocínio – roubo seguido de morte. A ausência

2010, Ângela assume o caráter virtual de sua personagem e entra

do Pigmaleão poderia selar o fim da história. Mas a realidade mostra que

definitivamente na rede – mais de 20 mil seguidores no Twitter. Em

também sabe brincar e coloca diante dela um novo amor: Wagner de Moraes.

2011, a polêmica mais recente: no dia 1º de abril, o YouTube veicula

E quis o destino que ele também fosse um cirurgião plástico. Ele recomeça de

uma entrevista em que ela afirma que será a primeira brasileira a

onde o outro parou. Novas experiências estéticas retomam a tradição – e vão

implantar um terceiro seio. A brincadeira caiu na rede e foi levada

muito além. Ângela Bismarchi vira marca de lingerie e assinatura em livro de

a sério. Vários sites e jornais embarcaram, seus leitores reagiram

autoajuda sexual. De uma forma ou de outra, ela atinge o objetivo de fugir da

indignados. Parece que ninguém achou a notícia tão bizarra assim.

vida comum – com tanta polêmica, tanto marketing, tanto caso esquisito, sua

Não para Ângela Bismarchi... O melhor sinal de que ela já não faz

história já não se parece mais vida real.

parte da nossa realidade.

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Artes visuais

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Nina Gazire

Ao olharmos a foto Goiânia Golf Club, do artista paulistano Caio Reisewitz, não sabemos se estamos diante de uma paisagem real ou uma daquelas feitas em computador. Existe algo de asséptico na paisagem de incrível nitidez: o verde é muito uniforme e o gramado parece tão milimetricamente aparado que duvidamos existir algo assim no mundo real. A surpresa está no fato de que a foto foi feita de modo analógico e a paisagem é mesmo real, de um clube verdadeiro de golfe, existente na capital goiana. Reisewitz admite que tem forte influência dos mestres pintores paisagistas, como o holandês Frans Post ou o francês Nicolas Taunay. Ele pensa os enquadramentos, os ângulos, amadurece a composição da paisagem em sua mente antes de se posicionar diante da câmera. Fotografa tudo com uma Linhoff, especial para fotos em grandes formatos. “Ela possibilita extrema nitidez para ampliações enormes. Uma câmera digital não consegue essa qualidade”, explica Reisewitz. A imagem do campo de golfe, feita em 2007, integrou a grande exposição monográfica do artista, denominada Parece Verdade, realizada de janeiro a março de 2010, no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro. Apesar de Reisewitz focar sua obra na produção analógica, na memória pictórica e no vocabulário visual da paisagem (um dos gêneros de maior prestígio da pintura romântica), seu objetivo explícito é gerar estranhamentos entre o que é real e o que é construído. O artista trata de embaralhar representação e fabulação em fotos como Joaçaba e Suiará. À primeira vista, Joaçaba, de 2010, parece documentar um rio em uma mata fechada. Suiará, de 2005, estaria retratando uma floresta e, ao fundo, um horizonte com mar. Essas duas leituras são feitas por alguém desavisado. Olhos mais atentos percebem que, no meio da corredeira de Joaçaba, há a presença surreal e em escala reduzida de uma cidade com seus arranha-céus. Em Suiará, há uma insólita e pequenina favela no meio da floresta. Ambas as imagens são fotografias do real que, reunidas na mesma composição, são também um artifício: colagens manuais feitas pelo fotógrafo para destacar sua temática recorrente de defesa do meio ambiente. A colagem é uma técnica que remonta aos dadaístas do início do século passado, mas as realizadas por Reisewitz acrescentam a essa matriz histórica o toque autoral da camuflagem e da simulação. Ele propõe uma cena ilusória em que o riacho Joaçaba, subitamente agigantado pela escala mínima da cidade, pudesse engolfar e destruir os edifícios de concreto. O território da simulação hiper-real pertence hoje,

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EM JOAÇABA (À ESQ.), UMA CIDA D E S U RG E N O M E I O DA CO RREDEI RA . CA IO REISEWITZ QU EST I O N A A I D E I A D E QU E A VERDA DEI RA N ATU R E ZA É AQU E LA QU E N U N CA FO I TO CADA GO IA NIA GO LF CLUB (ABAI XO), PRO PÕ E U M DI L E M A: A PA ISAGEM É A N AL Ó G I CA OU DI G I TAL?

massivamente, ao digital. Mas pode ser analógico e manual, sem perder a característica de artificialidade construída. Se não fosse o artista ter usado tesoura e cola, as imagens bem poderiam ter sido feitas por qualquer programa digital de edição. Reisewitz nota que o próprio título da exposição de 2010, Parece Verdade, destaca o fulcro do seu trabalho. “Faço imagens que são captadas da realidade e parecem À ESQUERDA E À DIREITA: FOTOS CAIO REISEWITZ


Artes visuais

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artificiais; ao mesmo tempo, crio imagens artificiais que parecem reais. É mais ou menos nesse campo que eu ando”, afirma. A entrada da lógica digital no campo da arte parece acelerar e potencializar dúvidas sobre as noções de real/analógico e real/virtual. Se a fotografia libertou a pintura da representação do real, no fim do século 19, dando espaço para que outras artes se tornassem livres para expressões mais subjetivas, a tecnologia digital do século 21 parece querer usar a realidade para chegar ao simulacro dela, libertar o próprio real de si mesmo, pela hiper-realidade e excesso de perfeição da imagem. Nada mais adequado aos tempos céticos em que vivemos. O artista pernambucano Rodrigo Braga parece levar essa questão às últimas consequências, em uma série denominada Fantasia da Compensação. Assim como Reisewitz, Braga também é fotógrafo e também aborda a relação entre o homem e o meio ambiente, mas está longe de ter uma ideia romântica sobre a natureza. Filho de biólogos, Braga passou a infância acompanhando os pais em laboratórios e pesquisas de campo. Resolveu traduzir em linguagem artística as similaridades dos processos da arte e da ciência. Em Fantasia da Compensação, apresenta fotos de uma suposta cirurgia, na qual ele próprio teria recebido implante da face de um cão. Fantasia da Compensação é a tentativa de Braga de se apropriar daquilo que ele diz faltar a si mesmo: a força e a braveza de um cão. Tudo começou em 2005, após ele ter conseguido, na Clínica Veterinária da Universidade Federal de Pernambuco, a cabeça de um rottweiler. O processo de criação da imagem envolveu muitas horas em que o artista ficou imóvel, em uma cadeira, para que professores da Escola de Belas Artes tirassem um molde de sua cabeça. A cirurgia em parte foi verdadeira. Médicos da Escola Veterinária fizeram os implantes das estruturas de tecidos moles da cara do cão no rosto da cabeça artificial moldada a partir da fisionomia de Braga. Depois, o artista sentou-se na mesma cadeira, na posição do molde, para gerar a imagem de seu rosto, logo a seguir sobreposta digitalmente à imagem da cabeça modificada pela cirurgia veterinária. A imagem choca e, segundo seu autor, gera indignação em algumas pessoas. O resultado final é um homem híbrido, com focinho, orelhas e olhos de rottweiler. “Usei recursos digitais e manipulação de imagens para criar uma metáfora para o real. Eu queria uma metáfora para o outro, o animal”, comenta Braga. O autorretrato de Braga como rottweiler traz, além da

incongruência zoológica, hiper-reais cicatrizes vermelhas da cirurgia recente. Cirurgia verdadeira em uma face falsa que, sobreposta à fisionomia verdadeira do artista, cria um híbrido pós-natural. O pintor surrealista René Magritte já avisava, em 1928, à distinta clientela: a pintura representando um cachimbo não é um cachimbo, ou seja, não equivale ao cachimbo real. A idéia de representar o real nas artes já não é um território nítido, de bordas definidas. “Quero deixar o espectador flutuando entre o virtual e o palpável, quero colocá-lo em uma situação de dúvida, uma vez que manipulo sutilmente a imagem”, diz Braga. “Estou interessado não só no corpo, mas, principalmente, na

EM FA N TAS I A DA CO MP E N SAÇ Ã O (AC I M A), UM H Í B R I D O D E H O M E M E ANIM A L É P RO DUZ I D O P E L A MANI P U L A Ç Ã O D I G I TA L D E RO DRI GO BRAGA . RO DRI GO MAT H E U S BRINCA CO M A H I ST Ó R I A DA PI N T U RA D E PA I SAG E N S NA INSTAL AÇ Ã O TRAV E L EX PR ESS . (À DI R. )

À ESQUERDA: RODRIGO BRAGA; À DIREITA: EDUARDO ORTEGA


construção de dúvidas”, completa ele. O que é verdadeiro em um mundo onde a realidade, manipulada pelo meio digital, alcança resultados equivalentes ou melhores do que aqueles conseguidos pela tecnologia analógica ou pela observação direta do olho humano? Surge aí um segundo problema, segundo o qual a mediação da realidade (ou realidades) pelas tecnologias diria respeito ao artificial, não-real. O trabalho de Braga trata também de um mundo de próteses artificiais, de biotecnologia, do surgimento de outra natureza, híbrida, feita da mistura indissolúvel entre real e artificial. Há a mentalidade segundo a qual a natureza, que não sofreu nenhum tipo de interferência da técnica, seria o que existe de mais verdadeiro. O terreno da manipulação, da tecnologia, da ação do homem transformando a natureza – o processo civilizatório, enfim – equivaleria ao mundo artificial. Esse não é um impasse apenas no campo das ciências e da filosofia, mas também das artes. Em passado recente, a arte-mídia ou as artes digitais eram relegadas a um segundo plano por trazerem esse caráter “artificial”, supostamente menos legítimo do que as artes tradicionais. Mas ambas são cultura e, portanto, artifício. O que Reisewitz e Braga têm em comum é que tanto as paisagens, aparentemente intocadas e analógicas, quanto o homem-cão, supostamente real, são construções arbitrárias, fruto de expressões autorais. Nenhuma arte é natural, como já apontavam Magritte e seu cachimbo. Brincando com a questão magrittiana, o artista Rodrigo Matheus desenvolveu a instalação Travel Express, de 2008. O trabalho apresenta a foto de uma paisagem em um cavalete, com vasos, pedras e refletores de luz em volta. Matheus observa que natureza e paisagem são noções padronizadas pela prática artística. Para ele, a própria ideia de natureza é artificial. “Esta obra parte do princípio de que tudo que é feito pelo ho-

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INSTA L A Ç Ã O P E RZ E PT I O N E DE RO B E RTO CA B OT ( À ESQ. ), DE 2006, DESCO N ST R Ó I A N O Ç Ã O D E PERSPECT I VA . PINTU RA DE R EG I N A PARRA , DA S É R I E RU M O R É REA L I Z A DA A PA RT I R D E IMAG E N S CA PTA DAS P O R CÂMERAS DE V I G I L Â N C I A . (ABAI XO)

mem é artificial. Gosto da ideia de relacioná-la com os museus de história natural, onde os objetos que compõem o cenário dos dioramas reiteram e conferem realismo a um suposto ambiente natural”, afirma. Em produções mais recentes, como as de Regina Parra e Roberto Cabot, é na pintura que a crise da representação do real nas artes provocada pelo digital aparece mais diretamente. Ao contrário das obras de Reisewitz, Braga e Matheus – que desconstroem a paisagem e a anatomia da natureza –, Parra traduz para a pintura, meio tradicional de documentação de paisagens e retratos, as imagens turvas e desfocadas das câmeras de circuitos de vigilância. Antes de trabalhar com as imagens dessas câmeras, Parra apropriava-se de recortes de fotos publicadas em jornais, revistas e internet. Até que viu frames de circuitos de vigilância. “O frame do CCTV funciona como testemunha eletrônica do acontecido”, explica Parra. A sigla CCTV significa Closed Circuit TV, em português Câmera de Circuito Fechado de TV. São de acesso proibido, a menos que algo aconteça (um crime, por exemplo) e motive sua divulgação. O uso dessas imagens deu origem à série de pinturas que a artista denominou Rumor, de 2009. “O que me interessou foi a possibilidade de utilizar imagens sem nenhuma resolução ou definição, uma imagem efêmera, descartável. Eu me interessei por deslocar essa imagem precária para o campo da pintura a óleo, que é tida como a mais nobre e tradicional das linguagens”, continua. A série O Gesto, de Parra, resume a crise da representação do real não só na pintura, como na fotografia e em outras mídias. A realidade foi investigada em todos os seus recantos pelos dispositivos digitais: câmeras de vigilância, telescópios, endos-


Artes visuais

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cópios, câmeras fotográficas e microscópios eletrônicos. Restou à pintura as imagens fugidias transpostas para a paleta de tons pastel das pinturas de Parra. De certa forma, são antipaisagens. A artista afirma nunca ter trabalhado com uma imagem real: “Procuro sempre trabalhar com imagens mediadas, para incorporar os rastros das mediações na pintura. Tento evidenciar o percurso daquela imagem, reproduzindo os ruídos, a falta de profundidade ou foco. Vejo essas sujeiras da imagem como rastros, cicatrizes que comprovam a distância do real”. A crise da representação da realidade na história da arte é apenas parte de uma crise maior: a própria noção de realidade. Há muito a criação e a mediação da realidade por tecnologias digitais fazem supor que elas estariam criando uma realidade paralela, virtual. Não só a realidade imersiva de ambientes de jogos eletrônicos ou simuladores, mas aquela configurada pela conexão constante no Twitter, no BlackBerry, no Facebook. Até que ponto essas ferramentas trazem algo diverso daquilo que chamamos de real? O próprio pensamento já é uma mediação e a noção da arte como meio para representar o real há muito perdeu a validade. Aliás, não existem imagens que não sejam mediadas. Ainda em torno do paradoxo da representação do real, Roberto Cabot brinca com a estrutura das grades, redes e coordenadas cartesianas que determinam a perspectiva. Na pintura A Máquina Impossível, de 2004, retrata uma malha distorcida, ondulada. “A grade perspéctica é usada desde o Renascimento para determinar proporções e estruturar uma composição na pintura ou no desenho”, lembra ele. “Hoje, a grade é aquilo que estrutura as redes eletrônicas. Uma página na internet não é nada mais do que uma grade, uma malha de linhas e pontos”, comenta. Com a multiplicidade de linguagens e suportes artísticos, a grade deixou de ser a ferramenta principal da representação. O abstracionismo cancelou a perspectiva e espalhou os elementos da composição em outras espacialidades. A grade também já não é o único modo de organizar dados do mundo digital. Hoje há dados virtuais na Nuvem, ou seja, em estruturas não hierarquizadas, tão nebulosas e multiformes quanto a metáfora escolhida para designá-las. Feita de modelos arbitrários e mutáveis, a arte atual é como as malhas distorcidas e frágeis de Cabot: sinalizam que, cada vez mais, vivenciamos diversas realidades, que se amoldam e flexionam conforme vemos e pensamos o mundo. À ESQUERDA: ROBERTO CABOT; À DIREITA: CORTESIA GALERIA LEME


curto circuito 62

MARILIA SCALZO


FORMAS ORGÂNICAS DOMINAM OS PROJETOS DE DESIGN E ARQUITETURA, SINAL DE TEMPOS QUE MUDAM E DA TECNOLOGIA QUE AVANÇA. QUATRO ARQUITETOS – MARCIO KOGAN, EDUARDO LONGO, ANNA DIETZSCH E GUILLAUME SIBAUD – REVELAM O QUE PENSAM DAS LINHAS TORTAS E RETAS

RETOS

SERÁ QUE O HOMEM ENTORTOU DE VEZ?

Da rigidez das linhas retas à folia das curvas, a arquitetura tomou um caminho que vem mudando aceleradamente juntamente com os homens nos últimos anos. Basta folhear revistas especializadas para notar que as formas orgânicas (tortas) ocupam cada vez mais espaço em suas páginas, tanto em projetos de casas, prédios e edifícios públicos como em objetos. Se, de um lado, a tendência aponta para a flexibilidade, de outro também pode indicar desperdício e exibicionismo – excessos de um mundo que precisa urgente se reorganizar. O que já aparecia no desenho de Oscar Niemeyer e nas tímidas curvas do arquiteto finlandês Alvar Aalto (1898-1976) chegou às formas vertiginosas de Frank Gehry, graças à tecnologia. Gehry, que projetou a obra-marco dessa arquitetura “torta”, o Museu Guggenheim de Bilbao, consegue fazer o que faz com um programa de escaneamento em três dimensões desenvolvido pela Nasa. A era digital pode trazer para a arquitetura o fim do ortogonal. Com programas de computador capazes de fazer cálculos estruturais em três dimensões, é possível transformar em realidade projetos que antes jamais se ergueriam. A ciência então, paradoxalmente, teria o poder de afastar o homem do racionalismo. A tecnologia consegue aproximar a criação humana da natureza, em formas orgânicas, livres. Distantes da busca pela funcionalidade pregada por seus antecessores, arquitetos como o espanhol Santiago Calatrava, o inglês Norman Foster ou o canadense naturalizado norte-americano Frank Gehry procuram o efeito visual, para que suas obras enfrentem tudo, menos a indiferença dos olhares. As formas do Guggenheim de Bilbao, de Gehry, concluído em 1997 (ano em que foi capa de todas as revistas de arquitetura do mundo), por exemplo, lembram pétalas de flor ou escamas de peixe. Ele classifica o prédio como “a catedral do século 20” e defende a força de seus detalhes. “Para os modernistas”, diz, “decoração é pecado, mas, se não decorar, como humanizar?” Balançando entre o “torto” e o “reto”, três arquitetos brasileiros e um francês, de diferentes gerações e opiniões, respondem aqui às mesmas perguntas sobre a tendência e revelam suas escolhas e impressões.

TORTOS

RESIDENCIAIS

COMERCIAIS

PÚBLICOS

RELIGIOSOS

M A P E A M E N T O DA S PU B LI CAÇ Õ E S A R C H IT E C T U R A L R E VI E W, D E Z E E N , T H E C O O L H U N T E R E WA L L PA P E R , C O M I N F O R M AÇ Õ E S R E F E R E N T E S À S R E A L I Z A Ç Õ E S D O S Ú LT I M O S Q U AT R O A N O S

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“E S S E S

PROJETOS

DITOS

ORGÂNICOS

OU

T O R T U R A D O S S Ã O A B S O L U TA M E N T E I R R A C I O N A I S ” 64

MARCIO

KO G A N

sempre adotou as linhas retas em seus projetos e com elas ganhou prêmios nacionais e internacionais, como o Leaf Awards, um dos prêmios mais importantes da arquitetura mundial, e o Design Awards, da revista Wallpaper. Juntamente com seu filho Gabriel, também arquiteto, ele responde às nossas perguntas.

usual, porque ela é derivada de uma incrível intuição estrutural. O que estamos vendo, porém, em geral pelo mundo, é um show de riqueza e desperdício.

O HOMEM ESTÁ DANDO MAIS VALOR AO SEU LADO TORTO OU O HOMEM ENTORTOU?

As novas tecnologias, obviamente, trouxeram conquistas incríveis, tanto para difusão de informação quanto para organização e processo de trabalho. Na arquitetura, isso não é diferente. Hoje podemos enviar um arquivo de um projeto para um arquiteto do outro lado do mundo em segundos, estabelecendo um processo colaborativo antes impensável. A inserção da prancheta eletrônica dos computadores há quase duas décadas foi uma revolução incrível, umas das maiores da história da arquitetura. O problema, no entanto, é que a tecnologia abre muitos caminhos possíveis e é fundamental, mais do que nunca, que o homem consiga julgar quais são as melhores escolhas e como usar os novos meios. Nem todos os caminhos abertos são necessariamente positivos para a própria humanidade.

Provavelmente, o homem está cada vez mais torto. Esses projetos ditos orgânicos ou torturados são formas dispendiosas de construir, são absolutamente irracionais. Elas só interessam àqueles que querem, a qualquer custo, fazer uma movimentação econômica do setor da construção civil, sem que essa produção tenha qualquer relação com a necessidade dos usuários e com a racionalidade construtiva derivada das leis da física. Trata-se de uma revisão constante da arquitetura do espetáculo, em que a arquitetura deixa de ser uma ciência que satisfaz as necessidades do homem para se tornar um simples produto de marketing. Os espaços resultantes dessa arquitetura torturada têm uma péssima qualidade funcional e seu processo de construção é irracional e muito caro. Há um gasto gigantesco e desnecessário de material e de espaço. P O R Q U E VO C Ê AC H A Q U E I S S O AC O N T E C E ?

É como um modismo. Essas arquiteturas têm espaço porque chamam a atenção do público. São como grandes esculturas que servem como chamariz para um produto qualquer. É interessante, no entanto, que em momentos de crise, como agora, essas arquiteturas perdem espaço para arquiteturas racionalistas e mais simples. Mesmo na arquitetura a crise serve como lição para o homem. EM QUE LUGAR D ESS E P ROCESSO VO C Ê S E EN QUAD RA? COMO VO CÊ S E M OV E E NTR E O TORTO E O RE TO?

A questão não é um duelo entre o reto e o torto. O que me perturba bastante nesse processo é um esforço descomunal para produzir essas formas orgânicas, muitas vezes criando sistemas estruturais extremamente caros e complexos, contrariando muitas vezes o bom senso e a própria natureza. A arquitetura sempre é, sempre foi e sempre será construção e, nesse sentido, a arquitetura orgânica muitas vezes contraria a maneira mais racional de se vencer a força da gravidade. Existem exceções. A arquitetura orgânica de Oscar Niemeyer é uma espécie de contraexemplo da arquitetura orgânica mais

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VOCÊ SENTE QUE TEM DE SE ADAPTAR A UM NOVO MODO DE PENSAR NESSE MUNDO EM QUE TODOS REAPRENDEM AS MANEIRAS DE GUARDAR COISAS, SEJA NO COMPUTADOR OU EM CASA?

QUEM MOVE QUEM NESSA SUPERAÇÃO DE MODOS DE VIVER E PENSAR? É O ARTISTA QUE SONHA, A INDÚSTRIA QUE EVOLUI OU O PÚBLICO QUE REIVINDICA?

É um conjunto. Todos inventam e utilizam essas novas tecnologias. Cientistas, por exemplo, desenvolvem tecnologias imaginadas por artistas. E os artistas depois se valem dessas tecnologias. O grande problema é imaginarmos que podemos não presenciar essa superação de modos de viver e pensar, mas sim uma reprodução dos mais velhos e piores modos de vida e pensamentos. Devemos sempre desconfiar de que isso pode acontecer. QUE PROJETOS VOCÊ JULGA MARCANTES DESSA FASE EM QUE VIVEMOS?

É interessante reparar que a arquitetura contemporânea pós-1968, produziu muito menos obras-primas do que a arquitetura moderna da primeira metade do século 20. Os novos edifícios raramente permanecem atuais em uma década e mais raramente permanecem assim pelos próximos cinco séculos. O Centro Georges Pompidou, em Paris, de Richard Rogers e Renzo Piano, é um raro exemplo feliz dessa arquitetura contemporânea, executada quando esse “novo pensamento” começava a aparecer. Mais recentemente, o Rolex Learning Center, do escritório japonês Sanaa, que parece beber muito do próprio Niemeyer, também é um bom exemplo.

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“ TO R N E I - M E , TA LV E Z , U M N E O M O D E R N I S TA , E V I TA N D O O ORGÂNICO, A D O TA N D O A R E TA E O C Í R C U L O ” Das retas às curvas em 27 passos:

E D U A R D O L O N G O , nome que vem

sempre acompanhado dos adjetivos visionário e não convencional. Autor do projeto da Casa Bola, em São Paulo, nos anos 1970, o arquiteto se autointitula um neomodernista bem-humorado.

1.Marcio Kogan Casa em Paraty, Brasil

2.Correia e Ragazzi Arquitetos Casa no Geres, Portugal

O HOMEM ESTÁ DANDO MAIS VALOR AO SEU LADO TORTO OU O HOMEM ENTORTOU?

De fato, a arquitetura torta tem feito sucesso. Algumas dessas propostas de arquitetura espetáculo são, a meu ver, monumentos ao desperdício irresponsável, ainda que, algumas vezes, belos.

3.Charlotte Wilson Projeto RAF Bempton Bunker, Inglaterra

4.Kjellander + Sjöberg Arkitektkontor Projeto Casas de Verão, Suécia

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P O R Q U E VO C Ê AC H A Q U E I S S O AC O N T E C E ?

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5.Ateliereen Architecten Torre para o Parque Ruesel, Holanda

EM QUE LUGAR DESSE PROCESSO VOCÊ SE ENQUADRA?

6.Primus Architects Casas de Roble, Nova Zelândia 9

7. Eduardo Longo Casa do Mar Casado Guarujá,Brasil 8.Emmanuelle Moureaux & Design/Banco emTokidawai, Japão

9.Steven Holl Atkins Museum Kansas City, EUA

10.Suppose Design Office Casa em Hiroshima, Japão

Talvez pela convergência de diversos fatores: computação, consumismo, exibicionismo, ampliação do turismo, tédio, liberdade. As peças retas começaram a se render ao cansaço lá pelos anos 70; o racionalismo do less is more, do international style, o funcionalismo da máquina de morar, a austeridade dos projetos e a ausência de ornamentos foram dando lugar ao pós-modernismo, com suas marcantes referências ao classicismo e à fantasia, numa concessão ao humor e à libertação dos cânones do modernismo. Paralelamente, desenhos desconstrutivistas iam surgindo, relegando modulação, prumo e nível em busca do inusitado. Hoje, nota-se que há espaço para todas as tendências; do neorracionalismo dominado pelo ortogonal às elucubrações, que são temas desta matéria.

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Ainda estudante e por alguns poucos anos depois, elaborei os meus projetos de maior sucesso; obras que se destacavam pela quase ausência de ângulos retos, simetria ou modulação – autênticas arquiteturas tortas. Aos 30 anos, autocriticando meus exageros formais e complexidades construtivas, fechei por alguns anos o escritório em busca do oposto, isto é, da racionalidade e da síntese, cujo símbolo é a esfera. Tornei-me, talvez, um neomodernista, evitando o orgânico, adotando a reta e o círculo. Fiz também diversas incursões pelo humor pós-moderno. VOCÊ SENTE QUE TEM DE SE ADAPTAR A UM NOVO MODO DE PENSAR, NESSE MUNDO EM QUE TODOS REAPRENDEM AS MANEIRAS DE GUARDAR COISAS, SEJA NO COMPUTADOR OU EM CASA?

Guardar coisas no computador (e, agora, nas nuvens virtuais) é uma das maravilhas da modernidade. Guardar coisas em casa – no sentido de adquirir, colecionar,

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11.Álvaro Leite Siza Vieira Casa Fez, Portugal 66

armazenar – foi comportamento abandonado, confesso que com certa dificuldade, desde os anos 1970. QUEM MOVE QUEM NESSA SUPERAÇÃO DE MODOS DE VIVER E PENSAR? É O ARTISTA QUE SONHA, A INDÚSTRIA QUE EVOLUI OU O PÚBLICO QUE REIVINDICA?

12.Peter Pichler Projeto Casa para Fotógrafo, Itália 13

13.Pedrocchi Architekten Foeger Woman Pure Fashionhouse, Suíça

O artista propõe, o público escolhe e a indústria fornece. QUE PROJETOS VOCÊ JULGA MARCANTES DESSA FASE EM QUE VIVEMOS?

O museu de Bilbao, de Frank Gehry, é um ícone pioneiro e máximo da bela arquitetura torta (que deveria ter esgotado o tema sem inspirar tantos seguidores até hoje, quando sustentabilidade e consumo responsável seriam as desejáveis palavras de ordem). O adendo em vidro translúcido do Atkins Museum, em Kansas City (EUA), por Steven Holl, é um elegantíssimo representante da arquitetura reta. Lembrei do espremedor de laranjas de Philippe Starck como exemplo da emoção associada ao prosaico. E das diversas iCoisas criadas pelo genial Steve Jobs. No geral, surpreendo-me com a vitalidade, variedade e quantidade de audaciosos, bonitos e inteligentes projetos da arquitetura e engenharia contemporânea.

A N N A D I E T Z S C H é diretora do escritório DBB Aedas e atua no Brasil e nos Estados Unidos. Entre os projetos que capitaneou na empresa está a Praça Victor Civita, em São Paulo. Formada pela Universidade de Harvard, hoje ela dá aulas no City College of New York, no New Jersey Institute of Technology e na Escola da Cidade, em São Paulo. O HOMEM ESTÁ DANDO MAIS VALOR AO SEU LADO TORTO OU O HOMEM ENTORTOU? POR QUE VOCÊ ACHA QUE ISSO ESTÁ ACONTECENDO?

A admiração pela beleza de formas naturais e orgânicas não é nova, ela sempre acompanhou a disciplina da arquitetura e do design. Leonardo da Vinci, Gaudí e Frei Otto se inspiraram no orgânico para construir grandes obras. Alvar Aalto, o mestre modernista, chegou a evoluir os processos de industrialização de laminação e prensagem de madeira para reproduzir a sensualidade das curvas naturais em seus objetos e edifícios. A novidade é mesmo a facilidade tecnológica, que possibilitou o acesso a softwares e processos produtivos para quem queira utilizá-los. Com a implantação do scanner 3D, o software CATIA (sigla para Computer Aided Three-dimensional Interactive Application) em seu escritório, Frank Gehry passou a poder escanear um papel amas-

14.Herzog & de Meuron Anexo da Tate Modern, Inglaterra

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15.Eduardo Souto de Moura Casa das Histórias Paula Rego, Portugal

16.Esteban & Sebastían Suárez Capela Pôr do Sol, México

17.Steven Holl Architects Projeto Victoria & Albert Museum, Escócia

18.Frank Ghery Museu Guggenheim Bilbao, Espanha

19. Anna Dietzsch National September 11 Museum, EUA

20.Coop Himmelb(l)au Arquitetos/Projeto para Parlamento Albanês, Albânia

21.Axel Enthhoven Casa Móvel, Bélgica


PU B LI CAÇ Õ E S E SPECIA LIZ A DA S M OS T R A M A PR ED O M I N Â N CIA DA A R Q U IT E T U R A TO R TA EM TO D OS OS SE TO R E S . PODER PÚBLICO E EMPRESAS LIDERAM A PREFERÊNCIA E IGREJAS ACOMPANHAM. SÓ RESIDÊNCIAS CONTINUAM RETAS

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“A A D M I R A Ç Ã O P E L A B E L E Z A D E F O R M A S N AT U R A I S E O R G Â N I C A S S E M P R E AC O M PA N H O U A D I S C I P L I N A DA A R Q U I T E T U R A E D O D E S I G N ” 17

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sado e fazer dele um objeto passível de ser construído. Esse processo é muito libertador e abre um mundo de possibilidades formais deliciosas para quem projeta. O risco é fazer disso um fim em si mesmo. Prédios não são esculturas, apesar de serem objetos formais e terem um forte cunho simbólico. Prédios são lugares, carregados de funções, significados e memórias. A qualidade da experiência desses lugares vai além do espetáculo e é preciso ter cuidado para não cair na armadilha de projetar imagens em vez de espaços e lugares.

COISAS, SEJA NO COMPUTADOR OU EM CASA?

EM QUE LUGAR DESSE PROCESSO VOCÊ SE ENQUADRA? COMO VOCÊ SE MOVE ENTRE O TORTO E O RETO?

QUEM MOVE QUEM NESSA SUPERAÇÃO DE MODOS DE VIVER E PENSAR? É O ARTISTA QUE SONHA, A INDÚSTRIA QUE EVOLUI OU O PÚBLICO QUE REIVINDICA?

A expressão orgânica está presente em muitos dos projetos que desenhamos no escritório, embora seja muitas vezes apenas uma das forças motivadoras do desenho, juntamente com outros fatores, como o programa e o contexto. Nosso Museu do Memorial do World Trade Center (o National September 11 Museum), por exemplo, gira em torno de uma grande rampa que funciona como circulação, espaço de exposição e suporte para a própria exposição. É um objeto 3D que flutua no espaço subterrâneo das antigas torres, onde os planos horizontais se transformam em planos verticais sem transições bruscas ou ângulos retos. Outros exemplos, aqui no Brasil, são nossa fábrica para a Valeo, em São Paulo, com formas sinuosas, e um parque que estamos projetando na Vila Madalena. Ele percorre o traçado de um córrego, hoje canalizado, e tem como tema a água, os rios urbanos. Nesse projeto, estamos moldando e esculpindo o próprio terreno, a própria paisagem, com formas fluidas que remetem ao tema da água, definindo também espaços urbanos agradáveis e marcados pelo design. VOCÊ SENTE QUE TEM DE SE ADAPTAR A UM NOVO MODO DE PENSAR, NESSE MUNDO EM QUE TODOS REAPRENDEM AS MANEIRAS DE GUARDAR

Sinto muito a mudança no modo como hoje a informação permeia todos os ângulos e momentos da minha vida. Somos, o tempo todo, solicitados a participar de experiências e conversas alheias ao nosso momento e contexto. O bombardeio de e-mails e de informações sobre assuntos não relevantes, via internet e TV, nos tiram do foco do que é importante para nós mesmos, gerando ansiedade e desgaste.

O artista sempre sonha, a indústria sempre alavanca e aproveita o sonho como maneira de se superar, e o público reivindica aquilo que entende que é bom e pode aproveitar. A grande revolução, creio, é que hoje o artista, a indústria e o público não podem mais ser separados em gavetas distintas. Podemos todos ser os três ao mesmo tempo, fazendo filmes com nossos iPhones, propondo novas maneiras de comunicação e consumindo informações no mundo expandido em que vivemos. QUE PROJETOS VOCÊ JULGA MARCANTES DESSA FASE QUE VIVEMOS?

Para mim, os projetos significativos hoje, mais do que obras isoladas, são nossas cidades. Elas são a expressão e o suporte do novo mundo virtual, nossa capacidade de interação, produção e relação. As grandes cidades são caldeirões de fertilidade intelectual e facilitam, ou não, a evolução das nossas capacidades criativas. Assim, tenho admiração pelas cidades que respeitam e incentivam a troca, por meio do cuidado com seus espaços públicos, sua dedicação política às artes e à boa qualidade de vida das pessoas que ali vivem.


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“A C I DA D E E N TO R TO U . O E S PA Ç O F Í S I C O DA S G R A N D E S METRÓPOLES CONTEMPORÂNEAS FUGIU DO CONTROLE” 23

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GU I L L AU M E S I BAU D

é um dos sócios do escritório franco-brasileiro Triptyque. Em 2008, o escritório foi um dos ganhadores do prêmio Jovens Arquitetos Franceses (Nouveau Album des Jeunes Architects – Naja) e representou esse país na Bienal de Arquitetura de Veneza. Trabalha no momento na implantação do projeto do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual, em Paris. 24

O HOMEM ESTÁ DANDO MAIS VALOR AO SEU LADO TORTO OU O HOMEM ENTORTOU?

A cidade entortou. O espaço físico das grandes metrópoles contemporâneas fugiu do controle, do planejamento. Ocupações orgânicas informais se multiplicam, a cidade se espalha em arquipélagos, o centro histórico não coincide mais com o baricentro da vida urbana, nem com o centro do poder. As representações simbólicas e a maneira de viver a cidade e a arquitetura foram alteradas.

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P O R Q U E VO C Ê AC H A Q U E I S S O AC O N T E C E ?

Isso acontece em paralelo a outros fenômenos. O enfraquecimento do ideal modernista/racionalista como referência dominante abriu espaço a formas alternativas de viver, de se relacionar e de conceber a arquitetura. EM QUE LUGAR DESSE PROCESSO VOCÊ SE ENQUADRA? COMO VOCÊ SE MOVE ENTRE O TORTO E O RETO?

Escolhemos enfrentar os desafios da cidade contemporânea no cenário paulistano. Descobrimos uma metrópole subtropical, cujas características principais são ruptura de escala, descontinuidade, colagens, destruição, reconstrução etc. Um cenário caótico extremamente estimulante e fértil, indomável por natureza, com essa ameaça tropical permanente. Esses fatores impactaram o nosso modo de criar os projetos, jogando uma luz nova sobre a nossa formação influenciada pelo modernismo e a formação clássica. Um certo gosto pelo torto, o mal foutu, o oblíquo – ou pelo curvo –, tornou-se um traço permanente dos projetos. QUEM MOVE QUEM NESSA SUPERAÇÃO DE MODOS DE VIVER E PENSAR? É O ARTISTA QUE SONHA, A INDÚSTRIA QUE EVOLUI OU O PÚBLICO QUE REIVINDICA?

Não tenho a menor ideia! QUE PROJETOS VOCÊ JULGA MARCANTES DESSA FASE EM QUE VIVEMOS?

Sem dúvida, projetos que questionam e se posicionam em relação à realidade e os desafios da cidade atual, misturando os usos e a alma contemporânea. Enfim, projetos que procuram formular, sem descansar, novos paradigmas para a cidade.

22.UNStudio Projeto para Museu de Arte Moderna, Dubai

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23.Guillaume Sibaud Prédio Colômbia 325, Brasil

24.Changki Yun Torre de Observação, Coreia

25.Zaha Hadid Pavilhão temporário Burnham, Chicago

26.Zaha Hadid Centro de Artes Performáticas, Abu Dabi

ILUSTRAÇÃO: DANIEL VINCENT GRÁFICOS: BRUNO PUGENS

M A R I L I A S C A L Z O É J O R N A L I S TA E A U TO R A D E J O R N A L I S M O D E R E V I S TA ( C O N T E X TO, D E 2 0 0 7 ) E 30 ANOS DE MODA NO BRASIL ( E D I TO R A L I V R E , 2 0 1 0 ) .

27.Snøhetta Arquitetura Centro para Conhecimento e Cultura, Arábia Saudita

TODAS AS IMAGENS DE ARQUITETURA SÃO DE DIVULGAÇÃO DOS ESCRITÓRIOS



portfólio

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PA U L A

A ameaça global de elevação do nível dos oceanos faz artistas, designers e arquitetos planejarem casas e cidades flutuantes, para uma vida no mar. Entre esses espaços urbanos de vocação fantástica, sobressaem dois novos projetos de Janaina Tschäpe, orientados para um futuro em que a terra será escassa e a saída parece ser habitar os oceanos. Os trabalhos, em fase de gestação, enfatizam a relação dessa artista com o meio líquido. É das águas claras e turvas, das ondas e tempestades, do sangue e das lágrimas que brotam as criaturas imaginárias habiA L Z U G A R AY tantes dos vídeos, fotografias, pinturas e desenhos de Janaina Tschäpe. Jellyspace será uma nave penetrável, concebida para flutuar como uma prancha de surfe.


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“Sempre quis construir um objeto entre um submarino e um foguete, que pudesse navegar a água, a terra e o céu, algo que nos transportasse entre todos os elementos”, diz a artista. Criada em parceria com o arquiteto Lloyd Huber, a estrutura será construída em poliuretano e coberta com uma pele de silicone. A ideia é que essa massa epidérmica forme tentáculos leves e pesados, que boiem ou afundem, dando vida e movimento ao objeto. Por outro lado, Tschäpe se associa atualmente ao biólogo David Gruber para realizar um dicionário imaginário de seres marinhos. “Acredito em um paralelo entre arte e ciência e tento desenvolver uma linguagem fictícia que encontre um espaço real”, diz. Os seres contemplados pelo dicionário são reais. São espécies com bioluminescência, a propriedade de uma proteína fosforescente produzida por algas, águas-vivas, corais e peixes, atualmente pesquisadas por Gruber. Os desenhos de Tschäpe são interpretações da narrativa científica dessas espécies. O livro original, todo desenhado a lápis, será como um diário de pesquisa, elo entre arte e ciência. “Uma ponte para ver e entender a proximidade desses dois mundos.” O elo entre mundos vem sendo tecido pela artista desde o início de sua formação, nos anos 90, quando a biotecnologia já transformava organismos, favorecendo a aparição de uma natureza extra-humana. Contextualizada nesse ambiente de mutações físicas e a partir de uma prática artística que promove a coexistência entre ciência, realismo fantástico e ficção científica, Tschäpe criou sua extranatureza.


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PORTIFOLIO DE FOTOS JANAINA TSCHÄPE


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Angélica de Moraes

FOTO: STUDIO OLAFUR ELIASSON; CORTESIA DO ARTISTA, TANYA BONAKDAR GALLERY / NOVA YORK E NEUGERRIEMSCHNEIDER / BERLIM

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“A natureza não me interessa”, diz Olafur Eliasson. A declaração, taxativa, foi feita ao crítico Hans Ulrich Obrist e publicada em livro. O artista esclarece: “Para mim, o mais importante é construir algo que interfira no olhar do público. É esse olhar que, de um modo complexo, constitui ou cria a peça. Isto significa que eu penso muito sobre o que é o espaço e, mais importante ainda, o que pode fazer entender um determinado espaço”. O artista dinamarquês radicado em Berlim cria ilusões do que culturalmente entendemos como natureza e, para isso, utiliza enorme arsenal de conhecimentos técnicos, que transitam das leis da ótica à mecânica dos fluidos, à engenharia e à arquitetura. Conhecido internacionalmente há mais de uma década por suas instalações impactantes que criaram cascatas sob a ponte do Rio Hudson (New York City Waterfalls, Nova York, 2008) ou um luminoso sol no interior da Tate Modern (The Weather Project, Londres, 2003), Eliasson frisa que tudo é artifício e nada é mera representação de uma suposta realidade. Sanford Kwinter (professor de Teoria e Crítica da Arquitetura, na Universidade de Harvard, EUA), é ainda mais claro: “Eliasson, como Marcel Duchamp, não produz obras de arte. Ambos organizam e transformam as condições de uma experiência sensível. Cada trabalho envolve a produção de uma máquina que ativa outras máquinas, especialmente a máquina de produção de sensações que é o nosso corpo”. Foi para destacar essa característica maquínica da obra do dinamarquês que Kwinter organizou, em Harvard, de março a maio deste ano, uma mostra com 54 “máquinas experimentais que poderíamos chamar de máquinas de perceber (perceiving machines) de Eliasson, cada uma delas explorando um aspecto de como o corpo humano e o seu sistema nervoso se orientam no espaço e no tempo, tateando pistas implícitas ou explícitas do seu entorno”. Como não há uma única e irredutível visão do aqui e agora, mas sim infinitas interpretações pessoais do que vemos e sentimos, fica nítido que a obra de Eliasson é uma das mais definidoras do mundo relativizado e contingente em que vivemos. O público brasileiro viu pela primeira vez uma obra desse artista na Bienal de São Paulo de 1998. Era uma divertida pista de patinação, denominada The Very Large Ice Floor (O Grande Chão de Gelo), que atravessava os janelões de vidro do local e dividia a experiência em externa e interna. Feita apenas três anos depois de Eliasson concluir a formação universitária na Academia Real Dinamarquesa de Belas Artes (1989-1995), a obra já apontava o foco central de tudo que se seguiria: a natureza transformada e apropriada. No caso, na pouco eficaz metáfora sobre as rígidas coerções sociais que ele notava no Brasil e que tentou simbolizar no vidro dividindo ambientes e experiências. Para atualizar e contextualizar a eficientíssima envergadura atual da obra de Eliasson, o curador Jochen Volz organiza para setembro, em São Paulo, um conjunto de três exposições. Elas vão ocupar o Sesc Belenzinho, o Sesc Pompeia e a Pinacoteca À ESQUERDA: JENS ZIEHE; CORTESIA DO ARTISTA, TANYA BONAKDAR GALLERY / NOVA YORK E NEUGERRIEMSCHNEIDER / BERLIM; À DIREITA: STUDIO OLAFUR ELIASSON; CORTESIA DO ARTISTA

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do Estado. Será a maior mostra do artista já realizada na América Latina. Além de produzir peças inéditas para a ocasião, realiza um filme com o cineasta cearense, de origem argelina, Karim Aïnouz (do bem-sucedido longametragem Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo, de 2010). A visibilidade internacional de Eliasson consolidou-se em 2003, mesmo ano em que realizou The Weather Project (O Projeto do Tempo) no hall das turbinas da Tate Modern, em Londres, e o magnífico The Blind Pavillion (O Pavilhão Cego) no prédio da representação dinamarquesa na Bienal de Veneza. A obra veneziana foi um emocionante tributo aos constructos artificiais criados pelos artistas e cientistas ao longo da história para explicar o mundo ou armar ilusões de ótica e armadilhas para a percepção dele. O Pavilhão Cego tinha estratégias visuais tão singulares ou ancestrais quanto a reflexão e refração de espelhos distorcidos. Trazia caleidoscópios perfurando as paredes e comunicando suas visões fragmentárias do entorno do prédio. Havia até câmeras obscuras, antigo equipamento (avô da câmera fotográfica) utilizado

Mais informações: OBRIST, Hans Ulrich. Interviews Volume 1 (Ed. Charta, Milan, Italy 2003; 968 págs) BIRNBAUM, Daniel; Grynsztejn, Madeleine; Speaks, Michael. Olafur Eliasson (Ed. Phaidon, 2008) www.olafureliasson.net


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para transferir, por meio de um jogo de espelhos, o espaço tridimensional para a superfície plana do papel. Eliasson usou esses recursos para levar o espaço verde dos Giardini da exposição para dentro da caixa branca da mostra, criando transparências e convergências vertiginosas. O percurso ilusionista se completava com elementos arquitetônicos (escadas e mirantes) sobrepostos à estrutura original do prédio. Um passeio visual suntuoso, solidamente fincado na ciência e na arte. Veneza e Londres foram catapultas definitivas para um reconhecimento de público e crítica que lhe renderia, desde então, crescente e quase avassaladora demanda de exposições nos mais diversos pontos do planeta. Um ritmo de produção que acabou extravasando seu modesto ateliê, instalado em um galpão ao lado da estação ferroviária berlinense Hamburger Bahnhof. O atual Estúdio Olafur Eliasson ocupa as dimensões industriais de uma antiga cervejaria em Prenzlauer Berg (bairro boêmio de Berlim). Desde 2008, o artista imprime um ritmo intenso de produção a esses imensos espaços, com uma equipe de 35 assistentes. Além da equipe fixa, integrada por arquitetos, calculistas, projetistas, marceneiros, serralheiros e artesãos em geral, o artista recorre a diversos especialistas, conforme o trabalho em gestação. Trabalham juntos para conceber, construir, testar e produzir desde enormes instalações para locais específicos até obras para espaços urbanos, esculturas e máquinas/obras ópticas. Em paralelo ao atendimento da demanda do circuito internacional de mostras culturais e do mercado de arte, Eliasson dedica boa parte de seu dia ao ensino e à pesquisa. Como professor na Universidade de Arte (Universität der Künste) de Berlim, fundou o Instituto para experimentos com o espaço (Institut für Raum experimente), em abril de 2009. Ele está pesquisando “a antigravidade que começou com a geometria euclidiana e depois com a relatividade de Einstein”. O que interessa a ele é que, “quando você mede ou quantifica algo, você tem o impacto cultural do que mede”. A transformação causada no observador pela coisa observada é seu foco central. O que não o impede de mirar projetos aparentemente utópicos, como o Climetrondom, uma enorme cúpula para engastar nela um jardim botânico. Sim, a natureza não o interessa. Apenas se puder apropriar-se dela para uma estratégia artístico/ científica capaz de preservá-la em equilíbrio e viço, coisa cada vez mais artificial no mundo pré-apocalíptico do aquecimento global deste século. Para entender a percepção que Eliasson tem da natureza nunca é demais lembrar que ele nasceu e foi criado em um país onde existe o fenômeno do sol da meia-noite. A luz nórdica e seu rebatimento em imensas superfícies geladas desorientam o olhar, instalando a dúvida entre o que é real e o que é irreal. Entre o que é a noção espacial de um determinado local e as convenções de realidade e luz existentes em outras latitudes menos radicais do planeta. Em todas essas dimensões, o olho humano cumpre papel ativo na construção da imagem. Arbitrária e artificial, sempre, porque feita através das lentes da cultura. Olhos bem abertos e equipados

À ESQUERDA: CHRISTOPHER BURKE STUDIO; CORTESIA DO ARTISTA E TANYA BONAKDAR GALLERY / NOVA YORK


fotonovela QUANDO ELE PODERIA IMAGINAR QUE UM PASSEIO COM A MULHER POR LOJAS DE DESIGN PODERIA LEVÁ-LO A UMA EXPERIÊNCIA TÃO DELIRANTE? ESCOLHA VOCÊ TAMBÉM UM BOM SOFÁ E SE DELICIE COM ESTA PEQUENA FÁBULA

GRAZI GRASSONE

RENATO DE CARA RAFAEL RAPOSO

VIAGEM AO CENTRO DO

HISTÓRIA DE LUSA SILVESTRE FOTOS DE PAULO VAINER DIREÇÃO DE RICARDO VAN STEEN Mesa Mezanino, aço inox e vidro colorido - Poltrona Tiras, aço inox e estofado de linho - Cadeira Tobogã, aço inox estofado ultra suede e pintura laqueada, OVO


POIS NÃO?

A GENTE QUERIA UM SOFÁ.

Estante Clack, pintura em microtextura - Tela Sem Título de Ronaldo Grossman, óleo sobre madeira, OVO

Sofá New Hall, tecido exclusivo linha Fauna, Micasa

ISSO FICA BONITO NA CASA DO MEU VIZINHO, QUE USA CALÇA SARUEL.

EU ACHO ELE LINDO.


INCRÍVEL! É GOSTOSO COMO ANDAR DE MEIA NO SÁBADO.

Poltrona Quilt, Designers: Ronan e Erwan Bouroullec -Estante Cloud/Capellini. Designers Ronan e Erwan Bouroullec, Micasa

PARECE QUE EU TÔ NA BARRIGA DA MINHA MÃE.


TEM COISA EM TOM CLARO? FICA MAIS PRA ESSE LADO.

ADORO VELUDO, FAZ COSQUINA NA PELE.

Cachorro Puppy/Magis. Designer: Eero Aarnio - Tapete Moooi Carpet, Model 6/Moooi. Designer Marcel Wanders, Micasa

Sofá Square, de couro preto, Micasa

CARAMBA! ISSO NÃO É SOFÁ É LATIFÚNDIO.


ESTE É DE ALMOFADINHA. UMA DELÍCIA! 88

Módulo campo, tecido sunbrella - Luminária RGB, acrílico colorido, OVO


ENGRAÇADO, NÃO PARECIA TÃO GRANDE. 89

Mesa Etc. ferro pintado e madeira com pintura laqueada/acetinada - Tapete Large Curt, OVO


Mesa de laca vermelha, suportes em formato de bola de sinuca

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Banco com Varetas, de acrílico e aço inox - Poltroninha Tobogã, de aço inox, pintura laqueada e estofado ultra suede, OVO

Estante Biss, com pintura laqueada - Cabideiros Huevos Revueltos, com pintura laqueada, OVO

ME SINTO NA DISNEY.


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Luminária Cubo, de acrílico colorido - Aparador S, de aço inox e vidro, OVO

SEMPRE QUIS PULAR DE UM PRÉDIO PRO OUTRO. COMO NO MATRIX.


JÁ ESCOLHI.

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Poltrona Laterais, frejó estofada em rio areia, OVO

Poltrona Wooden/Cappellini. Designer: Marc Newson, Micasa

MAS ESSA AQUI É PREMIADA...

SUZANA, VAMOS LEVAR AQUELE.


CADร MINHA MULHER?

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Poltrona Tiras, de aรงo inox e estofado de linho, OVO


QUEREM DIVIDIR EM QUANTAS ?

PAGO À VISTA. QUERIDA, TROUXE O TALÃO?

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Estante Stack/Establish e Sons. Designers: Raw Edges e Shay Alkalay - Luminária Tank/Established E Sons. Designer: Alexandre Taylor, Micasa

Estante Modular Caruaru/Marcelo Rosenbaum, Micasa

VAMOS NUM RESTAURANTE JAPONÊS? MAS VOCÊ QUER DESIGN ATÉ NA COMIDA? ESSA DAÍ TEM O MARIDO NA PALMA DA MÃO.


AH, VOCÊ QUANDO VIRA MINIATURA FICA UM SACO.

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Estante Elysée/Magis. Designer: Pierre Paulin - Font Clock/Established e Sons. Designer: Sebastian Wrong, Micasa

Tratamento de imagens LEO VAS, Produção Executiva VALERIA ANDRIGHETTI, COCOH ALMEIDA e ANNA GUIRRO Make Up CATIA MARQUES Assistência de câmera LUCIANA IZUKA, FERNANDO QUEIROZ, PEDRO NASSER Assistente Digital LEANDRO GALAN Agradecimentos a M&GUIA, JULLY FERNANDES Galeria de Babel, RONALD SCLAVI e CARLA DE LIMA RIBEIRO da Micasa e BRUNO BELLUSCI da OVO


bagagem

O FIM DO VIRTUAL, EM LETRAS E IMAGENS Da ficção aos estudos sobre arte, passando pela filosofia e ciências, selecionamos uma lista de livros e filmes para mergulhar no universo de diluições entre o real e o virtual

Os Três Estigmas de Palmer Eldrich Phillip K. Dick. Editora Aleph, 2010 Romance de 1965 do autor do conto Do Androids Dream of Electric Sheep? (1968), que deu origem ao filme Blade Runner. Conta a história de Leo Bulero, um homem enviado a Marte para trabalhar em uma colônia terráquea. Para sobreviver ao ambiente inóspito, os colonos consomem uma droga que permite o acesso a uma realidade paralela. Inspirou o filme eXistenZ (1999), de David Cronenberg, e a logomarca da plataforma on-line Second Life. How We Became Posthuman: Virtual Bodies in Cybernetics, Literature and Informatics N. Katherine Hayles. University of Chicago Press, 1999 Neste livro, são analisadas três histórias interligadas. A primeira conta como a informação perdeu materialidade, isto é, como se tornou uma entidade separada do seu meio de transporte físico (livros, cartas, papel). A segunda diz respeito à construção cultural e tecnológica da ideia do ciborgue e, por último, o surgimento do conceito pós-humano.

Jamais Fomos Modernos

Bruno Latour. Editora 34, 2ª ed., 2009 O filósofo e antropólogo francês discute a formação do pensamento moderno e sua necessidade de operar o mundo a partir de categorias puras, com sujeito e objeto. Neste livro, ele apresenta sua teoria dos objetos híbridos e conclui que ainda não chegamos à modernidade. Web Aesthetics – How Digital Media Affect Culture and Society

Vito Campanelli. Nai Publishers, 2010 Campanelli observa alguns fenômenos importantes da atualidade, tais como redes sociais, compartilhamento de arquivos e listas de discussão. Discute como essas novas práticas estão modificando nossa experiência do mundo e apontando para uma estetização da vida e da política. A Vida Imortal de Henrietta Lacks Rebecca Skloot. Cia. das Letras, 2011 Baseado na história real de uma mulher negra e pobre que se tornou imortal nos laboratórios de pesquisa genética do mundo todo, por meio das células Hela. Sem que ela ou sua família soubessem, quando morreu, em 1951, Henrietta teve células de seu útero retiradas para cultivo em laboratório. A humilde senhora (ou sua referência vital mínima) foi submetida a radiações atômicas, microgravidade do espaço sideral e mil e uma práticas de biomedicina. Lunar Direção: Duncan Jones, 2009. Distribuição: Sony Pictures O astronauta Sam Bell é o único funcionário de uma empresa de mineração na Lua. Ele trabalha ao lado de seu computador, Gerty, enviando parcelas de um recurso que tem ajudado a diminuir os problemas energéticos do planeta. Clonagem e robótica são alguns dos temas desse longa-metragem, premiado pela British Academy Film Awards (Bafta).

Culturas e Artes do Pós-humano Lucia Santaella. Editora Paulus, 2003 Discute a passagem da cultura das mídias para a cibercultura, investigando seu impacto nas ciências humanas e tendo como núcleo temático a hibridação homem-máquina. O fenômeno é analisado no âmbito da história da cultura, com abordagem transdisciplinar, baseada na filosofia, na semiótica, na psicanálise e nas teorias da comunicação e das artes.

eXistenZ Direção: David Cronenberg, 1999. Distribuição: Dimension Films / Miramax Films O filme é inspirado no livro Os Três Estigmas de Palmer Eldrich, de Phillip K. Dick. A protagonista, Allegra Geller, é uma designer de jogos que descobre que sua vida está em perigo quando sua mais nova criação é testada por um grupo de pessoas em um ambiente virtual. Cronenberg trabalhou a temática da fusão homem-máquina e realidades mediadas em outros filmes como Crash (1996) e Videodrome (1983).

Shaping Things Bruce Sterling e Lorraine Wild. The MIT Press, 2005 Segundo o autor, Bruce Sterling, o futuro verá um novo tipo de objeto que caberá nos nossos bolsos e armazenará dados modificáveis. Um guia para a próxima era da tecnologia, quando os objetos se tornarão programáveis e parte de um sistema imaterial de informação.

Ghost in the Shell II Direção: Mamuro Oshii, 2002. Distribuição: Flashstar No ano de 2032, o detetive Batô investiga o caso de uma robô feminina – criada exclusivamente para o prazer sexual – que assassina seu proprietário. Avatares, biotecnologia e pirataria são os temas centrais do segundo episódio da série de animação sobre policiais ciborgues.

From Technological to Virtual Art Frank Popper. The MIT Press, 2007 O respeitado historiador da arte e da tecnologia Frank Popper, professor emérito da Universidade de Paris VIII, traça a história do desenvolvimento da artemídia e da criação de ambientes virtuais.

Wall-E Direção: Andrew Stanton, 2008. Distribuição: Walt Disney A animação da Pixar é protagonizada pelo robô WALL·E, que tem a função de limpar pilhas de sujeira deixadas no planeta Terra pela humanidade – agora confinada em uma nave espacial, à espera da faxina. Ele eventualmente se apaixona por uma robô de traços femininos, EVA, enviada para sondar as condições do planeta.

Arte Virtual: Da Ilusão à Imersão Oliver Grau. Editora Senac-SP , 2007 Segundo o autor, a realidade virtual não é um fênomeno recente e deve ser compreendida no âmbito da história das imagens técnicas. Apresenta diversos estudos de casos que mostram como a arte de cada época usou os meios técnicos disponíveis para produzir experiências de ilusão de ótica e imersão.

Signs of Life Eduardo Kac (org.). The MIT Press, 2007 A conjunção entre arte e biologia deu origem a uma nova prática artística denominada bioarte. O livro apresenta e discute criticamente exemplos de trabalhos de artistas de destaque nessa área de criação.

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Lucky Tiger #151, de 2009. O poder da câmera é o tema central da obra de Laurel Nakadate.

HOMEM SOLTEIRO PROCURA (CENAS DA VIDA REAL) PAULA ALZUGARAY, DE NOVA YORK Em vídeos e fotos, Laurel Nakadate contracena com estranhos e documenta o poder e a vulnerabilidadedo corpo feminino O YouTube nem tinha nascido. Em 2002, quando a cultura das fotos instantâneas ainda não fora substituída pela webcam, Laurel Nakadate já tinha produzido seis séries de autorretratos em vídeo. Eles pareciam antecipar o fenômeno das redes sociais, teatros públicos onde agora publicamos nossas vidas privadas. Hoje, a produção dessa artista nascida em Austin, no Texas, e criada no estado de Iowa, é ainda mais prolixa e inquietante. Seus vídeos, fotografias e

Laurel Nakadate: Only the Lonely MoMA PS1, 22-25 Jackson Avenue Queens, Nova York até 8 de agosto www.ps1.org

longas-metragens reunidos em individual no MoMA PS1, em Nova York, configuram um reflexo do poder manipulador que a câmera atingiu nesses dez anos de reality shows na internet. Uma câmera, um corpo (o seu) e outro corpo com o qual contracenar – de preferência de homens desconhecidos, encontrados em classificados de jornais e da internet – são os três ingredientes básicos das ações performáticas de Laurel Nakadate. Nas situações em que aparece dançando ou posando para sujeitos cabeludos de meia-idade, dentro de suas cozinhas e quitinetes, ela evoca formas de exibicionismo sexual bem mais rudimentares do que as que são facilitadas hoje pelos meios digitais. Desde Happy Birthday (2000), em que se autorretrata promovendo festinhas de aniversário particulares, ou We Are All Made of Stars (2002), em que dorme nos tapetes das salas alheias, até Exorcism in January (2009), em que entra em transe vestindo botinhas country, a artista é sempre a estrela do show. A unica exceção é o longa-metragem Stay the Same Never Change (2009), exibido no Sundance Festival, em que a câmera se volta para a ação de outras personagens femininas. O que aparenta ser um jogo puramente exibicionista assume um viés psicodramático na medida em que a artista se expõe a situações de perigo. Isso fica eminente quando ela aponta uma arma para os parceiros em Beg for Your Life (2006). Ou quando interage com caminhoneiros, em estradas remotas do Meio-Oeste americano. Em qualquer um desses casos, Nakadate está, de certa forma, atualizando o estilo contundente de artistas-feministas, como Valie Export, quando documenta a vulnerabilidade das relações e do corpo feminino. FOTO: LAUREL NAKADATE 2010


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NOVA YORK, LUGAR-COMUM GABRIEL MENOTTI, DE LONDRES Mostra apresenta produção de Gordon Matta-Clark, Laurie Anderson e Trisha Brown, vizinhos na cena nova-iorquina dos anos 1970 Splitting, 1974: com um corte transversal, Gordon Matta-Clark divide ao meio uma casa de dois andares em New Jersey. O Superman, 1981: parodiando gravações de secretária eletrônica, o single de Laurie Anderson chega ao segundo lugar nas paradas de sucesso do Reino Unido. M.O., 1995: Trisha Brown prepara uma coreografia para a Oferenda musical de Bach, que, segundo a crítica, faz jus à complexidade estrutural da composição. Uma semelhança óbvia entre esses trabalhos é a relevância que cada um possui em determinado campo: arquitetura, música, dança. Outra coisa, menos notável, é que seus autores já foram vizinhos. É justamente essa peculiaridade que a exposição Pioneers of the Downtown Scene, New York, 1970s (Pioneiros da cena downtown, Nova York, 1970) busca trazer à tona. Em cartaz na galeria principal do Barbican Centre, em Londres, a exposição vai além das obras mais conhecidas de Matta-Clark, Anderson e Brown e enfoca um momento inicial de suas carreiras, quando os três viviam na área de Manhattan que mais tarde se tornaria o badalado SoHo. Na época, a região era um reduto industrial decadente. Um grande número de artistas foi atraído pelos imóveis amplos e baratos. Os artistas não só moravam em seus locais de trabalho, como também começaram a atuar em espaços públicos. Instantâneos do bairro no início de 1970 revelam Laurie Anderson dormindo (Institutional Dreams, 1972-1973) ou tocando violino (Duets on Ice, 1974-1975) nas mesmas ruas em que a companhia de Trisha Brown encenava coreografias que tomavam lugar nas paredes (Man Walking Down the Side of a Building, 1971) e telhados dos prédios (Roof Piece, 1973), a alguns metros de onde teria

Gordon Matta-Clark diante de seu restaurante Food no Soho, em 1971

estado Food, o restaurante de que Gordon Matta-Clark era sócio-proprietário. Essas novas práticas causaram um reposicionamento das técnicas tradicionais, sem expurgá-las do fazer artístico. Grande parte da exposição é dedicada a mostrar como o desenho se manteve essencial para a obra performática de seus três personagens, exercendo o papel de uma ferramenta de planejamento. A vasta coleção de rascunhos e anotações é uma das partes mais interessantes da mostra, com destaque para as partituras de movimento de Brown e os croquis dos instrumentos de Anderson. O trabalho desses artistas pode ser visto como uma guinada no rumo que a cena nova-iorquina


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vinha seguindo. Na década anterior, a cidade era o território da produção conceitual, marcada por práticas que sublinhavam o caráter autorreferente da arte e que terminaram por desmaterializar seu objeto. Como se esse desaparecimento simbolizasse a desintegração da própria cidade, os pioneiros do SoHo pareciam reagir também a ele, por meio de ações concretas e devidamente localizadas, que substituíam a “ideia pura” por “artimanhas”. Nesse sentido, não é coincidência que sua obra privilegie o uso das coisas, a despeito de sua função predefinida. Isso fica claro em trabalhos como Open House (1972) e The Handphone Table (1978), que encerram a exposição. O primeiro é uma escultura feita a partir de um contêiner de lixo industrial, que Matta-Clark instalou na rua e convidou amigos a utilizar como palco de dança e performance. O segundo, uma mesa em que Anderson embutiu um gerador sonoro, sem conectar qualquer canal de saída. Para ouvir a obra, a audiência precisa encostar os cotovelos nela, empregando o próprio corpo como meio de propagação acústica. A exposição do Barbican Centre não apresenta com seu foco histórico-geográfico um simples ponto de contato na carreira dos três artistas, mas a sua “origem comum”. Ela nos mostra como o espírito da vizinhança persiste em sua obra tardia, ao questionar a separação entre arte e vida cotidiana. Mas também nos faz olhar para o SoHo de hoje em dia, após anos de “gentrificação”, e perguntar o quanto dessa obra persiste por lá.

Laurie Anderson, Trisha Brown, Gordon Matta-Clark, Pioneers of the Downtown Scene, New York 1970’s Barbican Art Gallery, Londres até 22 de maio www.barbican.org.uk

Na escultura Embora, de Tatiana Blass, cão de parafina derrete com calor de refletores

é a arte de dar forma a algo que expirou, há algo de taxidérmico no entendimento de que algumas produções artísticas, como por exemplo, os retratos, paisagens, naturezas mortas e esculturas tentam representar um momento ou um ser. A artista Tatiana Blass questiona essa lógica em suas catorze obras expostas no espaço da Caixa Cultural Salvador. Com curadoria do crítico de arte José Augusto Ribeiro, a exposição faz um balanço dos últimos cinco anos da produção da artista, que freqüentemente recorre ao recurso da taxidermia em instalações e esculturas. A mostra também apresenta obras inéditas em vídeo com o objetivo de oferecer uma visada abrangente da trajetória da artista, inclusive os próximos passos da produção. Mas a taxidermia de Blass não é uma taxidermia literal, apesar de suas obras mais conhecidas, Aquele que contava as horas e Cerco fazerem o uso de animais embalsamados. Exemplo da taxidermia metafórica de Blass é a instalação Embora, feita a partir do molde e de um contramolde de um cachorro inseridos em uma parede. Um cão parece fugir do invólucro que é o seu próprio corpo, feito de latão. Mas escapar é uma missão impossível, o correto aqui seria evanescer. Escapar significaria continuidade, permanência em outro lugar. O cão é feito de parafina e derrete com o calor incidente dos refletores, desaparece.

ARTE VIVA NINA GAZIRE Tatiana Blass usa taxidermia como metáfora do fim da representação axidermia em grego significa dar forma à pele. É a arte de reconstruir um ser morto para exibição ou estudo, e principalmente, uma ferramenta de conservação de uma aparência expirada pela morte. É uma paralisia do que antes foi o invólucro de um ser, permitindo a falsa sensação de que é possível a contenção do que antes foi o corpo vivo. Se taxidermia À ESQUERDA: COURTESY CAROL GOODDEN; À DIREITA: EVERTON BALLARDIN


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reviews A obra é uma referência ao processo de criação artístico da realização da escultura em metal, onde a forma final só é conseguida após sucessivos erros e infinitos moldes de parafina que não aparecem como parte da obra acabada. A artista realiza uma reflexão com muita poesia ao ironizar a noção da arte como uma esfera autônoma. Como se a arte fosse produto que existe por si só e independe do público quando acabada. Para Tatiana Blass o que vale não é o troféu de caça, cabeça de uma presa embalsamada como as obras estáticas de um museu ou galeria. E essa é a revelação anti-taxidérmica da produção de Tatiana Blass presente não só em Embora, mas em outros trabalhos dessa exposição.

Ta t i a n a B l a s s C a i xa C u l t u ra l B ra s í l i a Q u a d ra 4 - L o t e 3 /4 Edifício Anexo da Matriz 4 º a n d a r B ra s í l i a – D F 21 de junho a 31 de julho www.caixacultural.com.br

AO MESTRE COM CARINHO ANGÉLICA DE MORAES Exposição em Porto Alegre é uma das melhores e mais abrangentes mostras de Regina Silveira O convite para expor na Fundação Iberê Camargo (FIC) foi recebido por Regina Silveira de modo especial. Não era mais um compromisso, dos muitos de sua agenda lotada de mostras em locais prestigiosos, de diversas latitudes do planeta. Desde logo, ao comentar o que fazia em seu ateliê, no bairro paulistano do Sumaré, notava-se emoção na voz e o brilho nos olhos. E, nítido, aquele desassossego do desafio. Expor no belo prédio criado pelo arquiteto português Álvaro Siza à beira do Rio Guaíba para celebrar o legado de Iberê Camargo, seu professor de pintura, grande amigo e incentivador, era reatar uma conversa interrompida, uma última carta que ela sempre lamentou não ter respondido a tempo. Era ombrear-se com o mito. Algo assim como nutrir-se uma vez mais do legado do mestre, mas no mesmo patamar de excelência. A correspondência com Camargo foi frequente no período em que a artista iniciava formação no exterior (Espanha), no fim dos anos 1960. O hábito tornou-se descontínuo ao longo da vida, mas nunca cessou. Esse diálogo se restabelece desde as primei-

www.iberecamargo.org.br

ras obras do percurso de Regina Silveira: Mil e Um Dias e Outros Enigmas. Um dos primeiros impactos da mostra ocupa a parede ao fundo do andar térreo: Desaparência. É um tradicional cavalete de pintura e o entorno de objetos de um ateliê, desenhados em perspectiva aguda e linhas tracejadas, convenção gráfica para ausência. Em certo ponto de observação, o conjunto gráfico parece elevar-se do chão e flutuar, feito objeto tridimensional imaterial. Desaparência é evidente e bela homenagem ao pintor e mestre (1914-1994). Ausência sentida, emocionada. Mas, para quem conhece a obra de Silveira, sabe que seu mote constante é que as aparências sempre são enganosas ou, no mínimo, suporte para diversas indagações que podem transitar do filosófico ao irônico e metafórico. Nessa mesma obra e quase como uma nota ao pé da página de toda a gigantesca mostra, que ocupa três andares do edifício, a artista faz um comentário cifrado que tanto aponta sua dúvida sobre a permanência da pintura na contemporaneidade como se refere a um fato que lhe marcou a trajetória: a ruptura com as tintas e pincéis. Se é verdade o que a teoria psicanalítica apregoa sobre a necessidade de o filho matar simbolicamente o pai para poder afirmar sua própria personalidade, Silveira cumpriu à risca sua tarefa de individuação e emancipação estética. Ao longo das últimas quatro décadas, desenvolveu e consolidou uma obra extremamente autoral tanto no panorama nacional como internacional. Nada deve ao cavalete. Mas admite dever muito à atitude autoexigente que Camargo demonstrava na profissão. Quando Silveira abandonou a pintura e adotou práticas associadas à arte desmaterializada de raiz conceitual, soube dar fôlego e consistência ao novo trajeto, fundamentando-o no entendimento expandido da gravura. Esplêndida gravadora, Silveira é também dos raros artistas que têm pleno domínio do espaço arquitetônico em que inscreve suas obras. Sabe que precisa alterar escalas para melhor impactar os olhos de quem observa seu trabalho em um ou outro ambiente. Foi isso que ela fez na exposição em Porto Alegre. Adaptou à escala e à configuração arquitetônica do prédio alguns de seus mais importantes trabalhos. Sem dúvida alguma, e apesar de existir há três anos, o prédio de Álvaro Siza nunca foi ocupado por


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reviews

uma exposição que entendesse tão completamente o programa estabelecido pelo seu autor para o uso do espaço. Um dos aspectos mais fascinantes dessa mostra é poder olhar o conjunto de obras de uma única mirada, do vão central para onde converge a visibilidade ampla de todas as salas expositivas, em seus diversos níveis. Essa visão concentrada e simultânea a várias séries de trabalhos e vários tempos – realizadas pela artista desde os anos 1980 até a atualidade – confere uma característica inédita à exposição. Além de reunir o maior e mais coeso conjunto de obras de Silveira já exibido no Brasil, ela propõe e incentiva leituras cruzadas, mutuamente fertilizadoras de metáforas. Ajuda o público a penetrar melhor no complexo e

Atractor, 2011 Instalação em vinil adesivado prata, aplicado na fachada da Fundação Iberê Camargo

Regina Silveira: Mil e Um Dias e Outros Enigmas Fundação Iberê Camargo Av. Padre Cacique, 2.000 Porto Alegre, RS Até 29 de maio www.iberecamargo.org.br

fascinante universo simbólico dessa grande artista. A curadoria é do crítico José Roca, mesmo curador da próxima edição da Bienal do Mercosul (setembro a novembro deste ano, em Porto Alegre). Mas todos os que já fizeram curadorias de exposições de Regina Silveira (como esta escriba que vos tecla) sabem que a tarefa é compartilhada em todos os detalhes com a artista. Que detém a concepção geral da mostra, mas dialoga sobre o elenco de obras e o modo de reuni-las. Que ninguém se iluda: Regina Silveira é a melhor curadora de Regina Silveira, sempre. E nenhum curador acharia essa parceria desvantajosa porque aprende muito no processo, até a entender melhor o espaço onde realiza a curadoria. FOTO: CARLOS STEIN/DIVULGAÇÃO FIC


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BERTA SICHEL LYNDA BENGLIS NO NEW MUSEUM: O OUTRO LADO

, DE NOVA YORK

É uma tendência deste jovem século XXI: mulheres artistas na faixa etária dos 60 aos 90 anos, como Suzanne Hiller, Valie Export ou Maria Lassing, ressurgem do túnel obscuro da terceira idade e voltam a fascinar. Todas elas tiveram recentemente mostras importantes em museus de grande prestígio, como Tate Modern (Londres), Belvedere (Viena) e Städel Museum (Frankfurt). Recordar e exibir o legado artístico destas e outras artistas maduras tornou-se inevitável. A próxima grande artista que já começa a circular pelos museus europeus este ano é a japonesa Yayoi Kusama, que tem 81 anos e vive em um hospital psiquiátrico de Tóquio. Muitas delas passaram a juventude à margem dos registros dos grandes acontecimentos artísticos, como


B E R TA S I C H E L É B R A S I L E I R A R A D I C A D A N A E S PA N H A . F O I C U R A D O R A - C H E F E D E AUDIOVISUAL DO MUSEU REINA SOFIA (MADRI) DE 2000 A 2011

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FOTO DA I N STA L A Ç ÃO PRI M A RY ST RUCT UR ES, D E 2 0 1 1 , NO N EW M US E UM , E M N OVA YO R K

Lynda Benglis New Museum, Nova York até 19 de junho www.newmuseum.org

a norte-americana Lynda Benglis, que em outubro festejará 70 anos. Há quem afirme que os 70 de hoje são como os 50 de antes. A julgar por Benglis, isso se confirma. Depois de abrir, no outono europeu de 2010, no Museu de Arte Contemporânea de Dublin (Irlanda), a primeira exposição na Europa, sua singular e diversificada obra está, em versão resumida, no New Museum (Nova York), até o fim de junho. A artista criou uma peça nova para a cidade de Dublin: uma enorme escultura de bronze, em quatro partes. Elas lembram ondas e foram instaladas no centro de uma fonte, nos jardins do museu. Lá, a mostra era acompanhada de uma seleção bastante completa da sua produção em vídeo. Em Nova York, a mostra ocupa apenas um andar do museu e está muito editada. A curadoria, realizada pelo diretor de exposições Massimiliano Gioni, praticamente ignora as obras mais controvertidas e de conteúdo sexual de Benglis. Essa era sua maneira de expressar-se contra a discriminação das mulheres artistas nos EUA. Mesmo assim, o New Museum não esconde a extraordinária força criativa da escultora e seu talento para explorar materiais diversos. Em paralelo à produção de esculturas, Benglis criou um conjunto radical de trabalhos em vídeo e fotografia, explorando noções de poder, relações de gênero e de papéis sociais. A grande maioria dos vídeos foi produzida nos anos 1970 e está quase toda na internet, em diversos sites. Neles fica nítido que a sexualidade feminina e a identidade são temas fundamentais para entender sua trajetória e seu legado. É uma personalidade que construiu não só uma carreira artística, mas foi capaz de lutar contra a discriminação das mulheres no circuito das artes. As obras mais atrevidas e rompedoras foram relegadas a um segundo plano ou, mesmo, eliminadas da seleção em cartaz no New Museum. Muitos não se lembram, ou não chegaram a ver, a foto do corpo escultural da artista, nu e untado de óleo, com as mãos segurando, na altura do púbis, um enorme pênis de borracha. Essa imagem antológica de Benglis foi impressa nas páginas da revista ArtForum, de novembro de 1974. Mas Gioni preferiu destacar a escultora madura que segue experimentando materiais com enorme segurança. A foto da Artforum foi uma publicidade paga pela artista e faz parte da serie Sexual Mockeries (Ironias Sexuais). Não deixa de ser cômico que, na exposição nova-iorquina, haja um exemplar da revista, aberta na página que balançou o mundo das artes naquele mo-

mento e provocou a saída de Rosalind Krauss como editora da publicação. Tamanho escândalo está exibido de modo comportado, dentro de uma caixa de vidro e sobre um pedestal, como se fosse uma relíquia. A foto não pode ser reproduzida. Está blindada por todas as leis de direitos autorais, mas pode ser vista em baixa resolução na Wikipedia (http://en.wikipedia. org/wiki/Lynda_Benglis). Embora o New Museum reconheça até mesmo em seu material de divulgação que essas obras, em conjunto com as esculturas, são uma crítica ao domínio masculino na arte e nas instituições artísticas, é difícil entender a reduzida seleção delas na mostra e que tenham sido quase ocultas em uma sala escura. Isso provoca enorme contraste com as outras salas, algumas iluminadas pela pintura fosforescente das esculturas. Felizmente, um catálogo de 480 páginas, fartamente ilustrado com material de arquivo (artigos de revistas, fotografias, cartas, instalações), reproduz ou faz menção ao que não está no espaço expositivo. Deixando de lado certo puritanismo da seleção, é a primeira vez, em 25 anos, que um museu norte-americano abre suas portas a Benglis, hoje uma senhora elegante de cabelos grisalhos. Nascida em 1941, na Louisiana (EUA), ela vive e trabalha entre Nova York, Santa Fé (Novo México) e Índia. Sua carreira começou em 1968, como pintora influenciada pelo minimalismo e pela pintura de campos de cor (color field painting).Foi nessa época que pintou a série Fallen, derramando látex colorido em sobreposições que fluem diretamente para o chão, em soluções formais sintonizadas com a pintura de seus contemporâneos Jackson Pollock e Helen Frankenthaler. Mesmo com o caráter recatado que não corresponde à artista iconoclasta que homenageia, esta mostra do New Museum é importante. Especialmente para as gerações que estão vendo essa obra pela primeira vez. É o caso das pinturas iniciais em cera, as coloridas e derramadas obras de látex e as raras séries da década de 1970. Desta primeira fase há muitas obras históricas raramente expostas. É o caso de Phantom (1971), dramática instalação de poliuretano constituída por cinco monumentais esculturas fosforescentes. Ou a instalação Paula Props, de1975. Há uma elegante seleção de experiências recentes com plástico, vidro fundido e folha de ouro. Desde a década de 1980 vivendo seus anos dourados (belo eufemismo para a maturidade), Benglis vem demonstrando que sua mente e sua criatividade não têm idade. Ela continua uma artista avant-garde. FOTO: BENOIT PAILEY


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JULIANA MONACHESI PELA REINVENÇÃO DE CIRCUITOS LATINOS Artistas de prestígio organizam coletiva de formato mais ágil, sem curadoria, para exposição viajar pelo continente O Projeto Ideal começou a ser gestado em 2007, quando os artistas Albano Afonso (Brasil) e Patrick Hamilton (Chile) se conheceram na Mostra Vento Sul (em Curitiba) e resolveram realizar uma exposição de intercâmbio latino-americano, para levar a vários países da América Latina. Antes de ser apresentado em São Paulo reunindo elenco de dez nomes, o projeto foi exibido no Museu de Arte Contemporânea de Santiago do Chile, em 2010. Quem conta é Sandra Cinto (Brasil), que exibe obras que idealizam e internalizam o mar intercontinental. “Queríamos fazer uma mostra que pudesse viajar e tivesse baixo custo, visto que seria organizada pelos próprios artistas, sem captação de recursos nem curadoria. Um dos objetivos de Projeto Ideal é mostrar que é possível fazer uma exposição com colegas de trajetória internacional sem que sejam necessárias cifras exorbitantes.” Mas não há intenção de criticar esse tipo de exposição, esclarece ela. “Simplesmente entendemos que também é possível trabalhar com poucos recursos.” Se a ideia era mesmo que cada participante discutisse em suas obras aquilo que entende por ideal, então todos se aferraram à negatividade do termo. Ou quase todos. O peruano Jota Castro, com sua depredação de ícones, aponta uma interpretação positiva do conceito: um mundo que não cultuasse seus governantes, filósofos, escritores e músicos. Afonso também aponta um ideal, ao mapear e decompor um céu de verão. Na maioria das obras, entretanto, o assunto é visto por sua antítese. O cubano Carlos Garaicoa denuncia a cultura de erguer muros para segregar o outro. A guatemalteca Regina Galindo trata da vio-


J U L I A N A M O N A C H E S I É J O R N A L I S TA , C R Í T I C A , CURADORA INDEPENDENTE E MESTRE EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA PELA PUC-SP

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Projeto Ideal Centro Cultural São Paulo Ru a Ve rg u e i ro, 1 .0 0 0 S ã o Pa u lo, S P até 26 de junho www.centrocultural. sp.gov.br/

NO S EN TI D O HOR ÁR I O, J OSÉ RUF I N O (À ESQ) , DAR I O ESCO BAR, AL BAN O AFO N SO E SA N D RA CI N TO, N A EXP OSI Ç ÃO P ROJ E TO I DE AL

lência dos mecanismos de limpeza social. Porém, se o ideal do título não é temático e se refere mesmo à maneira como o projeto foi desenvolvido – cuja única regra organizativa era que cada convidado convidasse o seguinte –, então estamos em terreno mais fértil. Entendido assim, o Projeto Ideal atende à necessidade inadiável de os artistas latino-americanos se frequentarem mais e reinventarem juntos os circuitos de diálogo entre países tão próximos e tão distantes. É bom para a arte brasileira ter visibilidade nos Estados Unidos e na Europa – isso nem se discute –, mas é ainda melhor começar a vê-la visitar nossos países vizinhos, como é o caso desta exposição, que também traz obras de Dario Escobar (Guatemala), José Falconi (Peru) e José Rufino (Brasil). Para Hamilton, “o conceito de ideal foi pensado de maneira irônica, mostrando as contradições dos modelos econômicos ideais, cidades ideais e mundos ideais. Por isso, foi entendido de uma perspectiva muito ampla, afastada de visões complacentes”. Ele justifica que, “para as visões complacentes, existe o mundo da publicidade”. Com esse ideário em mente, o artista chileno transforma ferros pontiagudos de proteção, utilizados no alto dos muros, em sofisticados objetos de parede (Composição com Diamante, 2011). Nas suas colagens, edifícios corporativos da cidade de Santiago são embrulhados para se tornar monumentos kitsch ao neoliberalismo chileno. O espanhol Santiago Sierra destoa do conjunto com seu Los Anarquistas (2006), registro em vídeo de uma ação em que um grupo de oito anarquistas militantes recebeu 100 euros (cada participante) para escutar a Missa do Galo em uma madrugada natalina. O conflito ideológico-religioso posto em evidência na obra combina mais com a Europa – palco de conflitos e intolerâncias intermináveis – do que com o nosso sincrético continente, onde não seria tormento algum para um anarquista ouvir o papa celebrando o nascimento de Cristo. É possível até que alguns deles, anarquistas graças a Deus, façam isso com regularidade. Muitas outras obras de Sierra conversariam melhor com o cenário latino-americano do que essa. Sua questão primordial é a exploração do homem pelo homem, a contradição moral e os paradoxos da constituição do valor (econômico, social, estético), assuntos constantes em todos os tempos e geografias deste continente. FOTOS: PATRICK HAMILTON E JULIANA MONACHESI


colunas móveis / música

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RONALDO LEMOS E VIVIAN CACCURI O ROCK E O VIRTUAL Internet amplia os espaços da música ao vivo para além dos palcos

Toda a parafernália necessária para um show de rock’n’roll, quando ele ainda estava nascendo, já servia para o que hoje achamos óbvio: multiplicar o poder da performance ao vivo. Ninguém, nem o mais chocho dos ânimos, passaria impune a uma guitarra e uma voz exageradas, rasgadas e distorcidas por um amplificador. Era para isso: tecnologia para mover, excitar, desconcertar (sobre o tema, veja o incrível documentário da performance Rock My Religion (1984) de Dan Graham, disponível em bit.ly/ffduAC). Mas o que acontece com esse ao vivo quando a performance tem de conviver com uma série de eventos simultâneos, coisas que não param de acontecer no mesmo tempo do show, mas fora do palco e da “realidade”? Em “lugares” como a sua caixa de e-mails, suas mensagens em redes sociais, sua conta no Twitter, e assim por diante. A performance no rock pode ficar ainda mais ao vivo. Não é coincidência que o ao vivo torna-se vez mais importante no mundo conectado (inclusive para se ganhar dinheiro), na medida em que somos dominados por telas, fotos, posts e vídeos que se materializam da nuvem digital. Menos óbvio é que com esse novo status do ao vivo, a música – como é tocada, concebida, ensaiada, apresentada – também muda. O ao vivo torna-se um ritual de muitas faces. Ele celebra a música que consumimos virtualmente e dá vazão a uma sociabilidade suprimida, de estabelecer laços, ainda que precários, com as pessoas que consumiram o mesmo que a gente. Não é por acaso que um dos sinais do rock globalista contemporâneo é justamente a assimilação crescente da percussão. Isso pode ser visto tanto no trabalho de artistas das pontas como

Jon Mueller (EUA), MoHa! (Noruega) e OOIOO (Japão), quanto em artistas do centro, como o Animal Collective (EUA), com seu assumido caráter ritualístico, os ingleses do These New Puritans e o Gang Gang Dance (EUA). Isso para não falar em bandas do Brooklyn nova-iorquino, como Vampire Weekend e Dirty Projectors, que abraçam uma sofisticação rítmica e um flerte com a África na estrutura das suas composições e do seu ao vivo. Como que em busca de uma âncora para o real para músicas que circulam primordialmente pelo virtual. O que tem a percussão de especial para ressurgir com tanta força no pop globalista em tempos de internet? A resposta tem, no mínimo, duas partes. Trazer o corpo de volta para a cena, articulando força, movimento e som. Um contraponto a um mundo que suaviza cada vez mais o gesto físico, mediado por teclados e telas de toque (touch screen), prenúncio da profecia dos designers norte-americanos Ray e Charles Eames, que diziam ainda nos anos 1950 que “a quantidade de energia utilizada neste mundo irá de alto, para médio, para um pouco mais baixo”. A percussão no rock contemporâneo é assimilada em contraste a tudo isso, alistada na ambição de preencher com realidade e energia o espaço da performance. Nesse curioso embate entre real e virtual (como se esses conceitos ainda fizessem sentido!), sucedem-se, por falta de termo melhor, pulsões de virtualização da realidade e de realização do virtual. A desmaterialização crescente da música, que flui pela rede, é conver-

O SOM PESA DO DO MO H A ! É TOCAD O COM BATERIA , SINTETIZ A DO R, SO FTWA RE, GUITA RRA DISTO RCI DA E, NO PA LCO, ACOMPA NH A M HO LO FOTES E LÂMPADAS FLUO RESCENTES


RONALDO LEMOS É PROFESSOR V I S I TA N T E N A U N I V E R S I D A D E D E P R I N C E TO N ( E U A ) E D I R E TO R D O C E N T R O D E T E C N O LO G I A E S O C I E D A D E D A F G V- R J . F O I C U R A D O R D O T I M F E S T I VA L . V I V I A N C A C C U R I É A R T I S TA P L Á S T I C A E M E S T R A N D A E M M U S I C O LO G I A N A U F R J .

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tida em motivo para reunir pessoas, levando a novas e importantes oportunidades de peregrinação pela cidade em busca de shows. A música desmaterializada cria hoje, parafraseando o designer John Thackara, um lugar entre a ficção científica (o sonho, o virtual) e a ficção social (a prática cotidiana) que se inscreve e deixa sulcos no dia a dia urbano. Assim, é preciosa, porque faz as pessoas se deslocarem por outros caminhos, abandonando temporariamente suas rotas coti-

dianas e tarefas funcionais. Assim como a slow-food não fechou os McDonald’s, as bicicletas não diminuíram o número de carros nas cidades, nem a globalização apagou as identidades nacionais, a percussão e o ao vivo não vão rematerializar a música. Mas servem para tornar o corpo novamente protagonista, criando um espetáculo em que a atração principal é a própria ideia de realidade, que se materializa pela duração fugaz de uma canção.

FOTO: VENN FESTIVAL


colunas móveis / games R E N ATA G O M E S - O U R E N ATA G A M E S É D O U TO R A E M C O M U N I C A Ç Ã O E SEMIÓTICA PELA PUC-SP COM P E S Q U I S A S O B R E G A M E S E N A R R AT I VA

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Videogames são um buraco negro no audiovisual contemporâneo, filho bastardo e pródigo do cinema, tentando, ao mesmo tempo, copiá-lo e negá-lo. Filmes implodidos e transformados em mundos a serem habitados, os carros-chefes da indústria consomem centenas de milhões de dólares para quase sempre dar vida, por meio de imagens sedutoramente realistas, a embates violentos. Fazem-nos vestir o corpo dos personagens para viver, em primeira pessoa, a dor e a delícia de ser um outro: heroínas curvilíneas, Jedis do lado negro da força, caubóis galopando rumo ao pôr do sol. Como parte de uma indústria bilionária, entretanto, pecam em forma e conteúdo bem mais do que deveriam: repetem fórmulas de jogabilidade e temáticas violentas e banais e apenas ocasionalmente lançam algo realmente novo. Do outro lado do espectro dos dólares, contudo, há muitos games surpreendentes. Boa parte é desenvolvida por pouco ou nenhum di-

nheiro, como projetos pessoais de seus realizadores, a partir de softwares livres ou muito baratos; os mais caros, ainda raros – como Braid, de Jonathan Blow –, chegam a custar em torno de US$ 200 mil, o que ainda é apenas 20% do orçamento dos blockbusters. Sem tanto dinheiro em jogo (literalmente!), games independentes dão-se o luxo de ousar: September 12th, de Gonzalo Frasca, por exemplo, dá ao jogador a missão de eliminar terroristas árabes, ironizando, com a necessária participação do jogador – que sempre acaba matando também civis inocentes –, a falência intrínseca à política de Guerra ao Terror do governo americano. Já noutro clássico, o singelo Passage, de Jason Roher, o jogador vive a experiência de passar a vida inteira ao lado de um amor – ou não. Ambos podem ser baixados gratuitamente da internet. Como estes, tantos outros viram de cabeça para baixo a pirâmide da construção de sentido: ou você o constrói jogando ou ele nunca existirá. Já que, por definição, há mais de uma maneira de jogar um jogo e, quanto mais criativo formos, maiores as chances de uma experiência surpreendente. Os dois mundos, de muitos e poucos dólares, já começam a alimentar um ao outro e agora. Móveis e usando o corpo inteiro como interface, tendem a explodir nas mais diversas manifestações. Há muito mais por vir, este é apenas o começo da história. À ESQUERDA: DIVULGAÇÃO; À DIREITA: AGÊNCIA ISTOÉ


colunas móveis / pós-televisão

I VA N A B E N T E S É P E S Q U I S A D O R A DA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO D A U F R J . PA R T I C I PA D A S R E D E S M Í D I A L I V R E , C U LT U R A D I G I TA L E U N I V E R S I D A D E N Ô M A D E . A U TO R A D E AVATA R : O F U T U R O D O C I N E M A E A E C O LO G I A D A S I M A G E N S D I G I TA I S ( 2 0 1 0 ) , E N T R E O U T R O S .

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Ela ia se jogar pela janela, mas antes escreveu uma carta para a família, enviou um depoimento/denúncia para a revista Caras e deixou uma mensagem de despedida no Twitter, que quintuplicou seus seguidores de “mídia após a morte” e compartilhou toda sua tristeza e incertezas no mural do Facebook. A “atriz e escritora” Cibele Dorsa, que se suicidou em 26 de março, repetindo o gesto do namorado apresentador de tevê, Gilberto Scarpa, que morreu em janeiro, entendeu direitinho que a mídia de massa, a revista, o jornal, a televisão, por mais visibilidade que tenham, tornaram-se mídias frias, diante da epidemia colaborativa e o gozo em compartilhar tudo, inclusive o que parecia a última das “transações solitárias”: a morte. É que as mídias sociais deram uma turbinada e tanto, verdadeira ressurreição, em vícios que não ousavam dizer seu nome, como acompanhar o “lixo extraordinário” que vemos passar pelo esgoto público das imagens, a tevê. E o melhor de tudo, as redes sociais acabaram com o crack entre real e virtual, acabaram com a fissura, virtualizando tudo, de tal modo que a forma mais divertida e inteligente de “ver tevê” é navegando pelas redes, tuitando, postando, clicando. Estava no Twitter quando soube que, na tevê, “Dilma estva na Ana Maria Braga fazendo uma horrível omelete”; “Imagens impressionantes do tsunami no Japão ao vivo”; que “Maria ganhou o BBB” e “Manifestantes tomam a Praça Tahrir em demonstração para Salvar a Revolução. CNN#Egito”. Ou seja, não preciso mais ver tevê, as notícias navegam até mim e posso acessar a tevê, compartilhar a tevê ou apenas repercutir, analisar, criticar ou gozar a partir do que se diz dela. Mais ainda, explodir a tevê em janelas, estrimando a realidade em milhares de microtransmissões ao vivo. Copresença para além do espetáculo. Acontecimento-tevê. Eis o desespero do capital, das velhas mídias e do espetáculo: ser tão nômade e fluido quanto a própria vida. Daí as ferramentas do comando e do controle serem as mesmas da colaboração e do cuidado. O Capitalismo Total Flex precisa da criação, subjetividade, inteligência, velocidade, e encontrou um campo incrivelmente fértil nesse “suicídio” vital e contagiante que nos faz seguir afetos por todas as janelas entreabertas. I love sharing! Venha comigo!


colunas móveis / design U C H O C A R VA L H O É C O N S U LTO R D E I M A G E M , T E N D Ê N C I A S E E S T I LO E D I R E TO R D A A S I A B R A N D I N G

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Faz muito tempo que as discussões sobre a sociedade de consumo dividiam opiniões. As gerações atuais assimilaram naturalmente seus prós e contras e não se incomodam com sua existência solidificada, antes tão polêmica. Hoje qualquer grupo social pode ser definido a partir do que consome. E consumado está

HI P P O WATE R RO L L E R, DESIGN DOS SUL-AFRICANOS J O HAN JO N KE R E PE TTI E PET Z ER ALTERNATIVA I NTE L IGE N T E E S EGURA PARA T RAN SP ORTAR ÁGUA

ILUSTRAÇÃO POR BRUNO PUGENS A PARTIR DE FOTO DO LIVRO “DESIGN REVOLUTION: 100 PRODUCTS THAT EMPOWER PEOPLE”

A questão passa a ser, então, como regular os excessos desse antigo monstro filosófico que dorme placidamente conosco, mas mantém um olho aberto. Seus excessos são visíveis e causaram um colapso nas escolhas. Por que consumimos tanto? Por que produzimos tanto? É porque desejamos muito? Será que o design, antes mera categoria profissional que desenhava cadeiras e bolava embalagens atraentes, e que agora define e resolve necessidades de consumo, pode ajudar o mundo a se orientar nesse emaranhado de prateleiras cheias, vitrines acolhedoras e promessas vãs? Há milhares de objetos do nosso cotidiano. São chamados de utilidades, mas nem sempre são tão úteis. As sociedades precisam considerar o impacto de todas as mudanças causadas pela inclusão de tanta tralha em nossas vidas. A sociedade do conhecimento, base da sociedade de consumo, inova mais que em qualquer outro momento da história. Muita coisa é cuspida pelas empresas e mais de 70% dos novos produtos nos EUA fracassam nas prateleiras ou em seu uso cotidiano. Na linha de frente desse jorro está o design, pois ele traduz ideias em realidade. Qual é o papel do designer nesse tempo de “inutilidade funcional”? Se o design é a adaptação intencional do ambiente para satisfazer necessidades individuais e sociais (não somente um artefato), é necessário que a relação homem–objeto seja repensada. Para ir além das questões estéticas e funcionais e ajudar a solucionar problemas de forma sustentável e otimista, o designer deve, antes de projetar, pensar em para quê/para quem/por que faz? Que tal trazer questões históricas, geográficas, culturais, legais e éticas ao projeto e assim fazer um design estratégico que contemple o problema das mudanças climáticas, da energia, do crescimento populacional, da mobilidade, da educação e da diversão? Como o exemplo bem-humorado de um clube noturno holandês, cuja pista de dança produz energia cinética a partir dos movimentos dos clubbers. O mundo não precisa de mais uma cadeira!


obituário

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RÉQUIEM PARA A PRIVACIDADE Nina Gazire

Privacidade, tradicionalmente, é definida como a capacidade de controlar a exposição pessoal e o poder de se manter anônimo. Em tempos de câmeras de vigilância ubíquas, rastreamento via satélite, GPS e redes sociais como o Foursquare, em que o usuário informa via celular sua localização de forma pública, a privacidade, na sua definição tradicional, perdeu o sentido.

Seus últimos suspiros se deram quando, já em estado terminal, ela padeceu com a popularização das redes de computadores e os telefones celulares, em meados dos anos 1990. Há quem diga que seu espírito ainda vaga por aí. Dizem que o que restou dela, assim como se fosse alma penada em eterna danação, foi o poder de revelar-se seletivamente ao mundo. Poder herdado por 200 milhões de pessoas no Twitter, outros 600 milhões presentes no Facebook e tantos milhões por aí, nas demais redes sociais. Essas redes são a máscara mortuária da falecida privacidade. Seus usuários, os responsáveis pela transformação da privacidade em encosto. Encosto é alma que, na qualidade de penada, anda entre os vivos, abusando de sua invisibilidade, para incomodá-los sem que se saiba a causa do incômodo. Ela é essa ilusão de que cada um controla e expõe seus dados e imagens da forma que quiser na internet. A privacidade morreu no fim do século passado. Mas reencarnou no seguinte sob a forma de superexposição.

EM SPI O, DE LUCAS BAM B OZZI, RO B Ô CO N ST RU Í D O CO M CÂ M E RA DE V I G I L Â N C I A E ASPI RADO R D E P Ó , CA PTA IM AG E N S D O P Ú B L I CO E T RAN SM I T E , E M T E M P O R E A L , PARA T E LÃ O E I N T ER N E T


selects / música

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Dora Longo Bahia - Canções de Amor no Templo do Rock (Newton e Carol), 2003 - 32,8 x 50 cm, acrílica sobre papelão

Facundo Guerra Facundo Guerra é sócio-

TRILHAS PARA TODOS OS TONS

proprietário do Lions Club de São Paulo, engenheiro e doutorando

Sons para aquecer suas noites e sonhos

Bolero

Ravel

em Ciências Sociais pela PUC-SP

Toca ta e Fuga em R é Menor

http://bit .ly/f5ByiN

O bra mu sica l qua se p o rn og ráfi ca. Um co i to o rq u est rado. L’Ascenseur pour l’Ec h a fa u d

Mi les Davi s

B a ch

http://bit.ly/gJ5jFL

O reverso da moeda do Bolero de Ravel, na forma de um réquiem. B o og i e Sto p S h u ff le

http://bit.ly/cD5ySF

C ha r les M ingus

http://bit.ly/IWUx8

Tr ilh a para o filme de Lo u i s Mal le. Para fazer am o r co m s ua velha senhora .

S e m a m e nor d úv ida , m e u ja z z ist a pre dileto.

Yo u Sh o o k Me All Nig ht Long

A C ava lga d a d a s Va lqu í r i a s

AC/DC

http://bit.ly/8PYcZ

O e quiva len te a o Bo le ro d e Ravel n o m et al -p rog res s i vo- de - ca be lo.

T h e “in” Crowd

The Ramsey Lewis Trio

http://bit.ly/cVWWmX

Indiscu tivelmen te, a m el h o r m ú s i ca para d an ç ar j á c ri a da . Wu th er in g Heig h ts

Ka te B u s h

http://bit.ly/9tCNZc

Trilha para quando a vida anda piegas e dramática (ou para você recordar que tudo poderia ser bem pior).

http://bit.ly/cNANtu Wa g ne r Pa ra qu a n d o vo cê a co rd a q u e re n d o co n q uist ar o mu n d o.

Fi z h eu er Z i eh eu er

Ricardo Villalobos

http://bit.ly/14egc9

Filho ilegítimo e feito pelas costas da música eletrônica com o gênero folk. Wa n n a B e Yo u r D og

T he Stooges

http://bit.ly/xGPBk

Porque sem um pouco de punk a vida fica insuportavelmente coxinha.


Para assinar, acesse: www.assine3.com.br

Para homens despidos de preconceitos. Rodeados de desejo.

Ensaios fotográficos, cultura, badalação, perfis, moda, toys for boys, viagem, esporte, gastronomia e comportamento. STATUS. Despida de ingenuidade. Coberta de inteligência. Uma revista para homens. revistastatus.com.br

Nas bancas


Giselle Beiguelman 124

TURBINE SEU iPAD

Touching Stories

Aplicativos grátis que podem transformar horas de espera em puro prazer

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Quatro vídeos interativos mesclam recursos de cinema com videogame e exploram possibilidades do audiovisual na era da portabilidade. Mo MA AB EX NY

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Traz os destaques da exposição Abstract Expressionism New York com reproduções em alta definição, informações detalhadas e recursos multimídia sobre as obras. The Use

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De autoria do músico e esc r i to r C h r i s M a n n , é u m a d a s primeiras obras literá r i a s p e n s a d a s pa ra te la s d e to q u e. Pa ra ser lida co m a s m ã os , os o u vi d os e os o l h os . Alice for the iPad-Lite

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Um dos mais belos livros de todos os tempos ganha um fac-símile interativo e recupera as ilustrações originais de John Tenniel. Gu a rdian Eyew it ness http://bit.ly/akEP1e O noticiá rio tra duzido em i m agen s d e fot ó g rafos ren o m a d os . Or bit Architect

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Manipule as órbitas dos satélites e veja como a Terra responde a essas transformações. Pa c Man Lite

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Um clássico da cultura d i g i t a l re pa g i n a d o. Po n h a a s m ã os n a tela e corra atrá s dos p o n t i n h os . Mood Finger Scan

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Para se sentir dentro d e M a t r i x . Esca n e i a s u a s d i g i t a i s e se u tom de voz e decodifi ca se u est a d o d e es p í r i to. V i r t uoso Piano

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Transforma sua tela e m te c la d o. É p os s í ve l a t é a r r i sca r u m a compos i ç ã o a qu a t ro m ãos . Z i te

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Identifica suas preferências de leitura, com base no seu Twitter ou seu Google Reader, e edita automaticamente um clipping impecável de notícias.

Fernanda Chieco - Rapunzel yearns for your sweet breath (da série Splendid Weaknesses), 2008 - 33 x 24 cm, grafite e lápis de cor sobre papel

selects / apps


O que dizer de um vinho cuja pontuação supera até os mais consagrados Supertoscanos?

A Wine Spectator foi a primeira revista a atestar a qualidade dos Supertoscanos, mudando para sempre o conceito da crítica sobre esses vinhos. Agora, 10 anos depois de sua primeira safra, o Oreno muda a história mais uma vez, com média de pontos impressionante. E o que é ainda melhor, com preço 58% mais baixo que a média entre os mais renomados vinhos da mesma classificação. Um feito surpreendente de um vinho único.

*1999 foi a primeira safra do Oreno. **Informações obtidas no site da Wine Spectator em janeiro/2011.

PRODUTO DESTINADO A ADULTOS


selects / video Cia. de Foto 126

VÍDEOS PARA VER, OUVIR E PENSAR Uma seleção de vídeos que embaralham os limites entre as linguagens sonoras e visuais

M y I mpure Hair

Mi ke Mi l l s

http://j.mp/2ZveXs

O direto r fez uma séri e d e c l i p es para a ban d a B lo n d i e Re d hea d. Este a qu i é bem espe c i a l ! O c l i p e é u m a fotog ra f i a . T h e Suburbs

Spike J o n ze

http://j.mp/cT7f06

S eguin do pelos cli pes, este d e J o n ze para o Arcad e F i re é im pe rdíve l. T i g h ten up

Ch ri s M arrs Pi l i ero

http://j.mp/cIODXD

É ma is um videoclipe pa ra favo r i t a r. Este fo i fe i to pa ra a ba n d a T h e Blac k Keys e ga n h o u o MTV Award d e 20 1 0. T h e Long G oodbye

Davi d Claerb o u t

http://j.mp/ief6uF

Um trecho do filme O Lo n go Ad e u s , d o c i n ea st a b e l ga q u e é u m m estre n a explo ra çã o d a relaç ão d as i m agen s co m o te m p o. Parangolé

Lo uriva l Cu q u i n h a

http://j.mp/feZuNP

Um ví deo do a rti sta p l ást i co p ern am b u can o q u e “ ro u bou” um Pa ra n golé d e H é l i o O i t i c i ca, em even to real i za d o n o MA M d o R io d e J a ne iro.

Carla Caffé - A(E)REA PAULISTA, caligrafias e tratamento de imagem de Juliana de Campos Silva, novembro 2010 -

How To Explain It To My Pa re nts

Lern ert an d S an d e r

h tt p : // j . m p / b 1 p Yf i

desenho, aquarela e nanquim sobre papel

Este é de uma dupla b e m ba ca n a ! N este v í d e o, e les co lo ca m o a r t i st a Ar no Co en en pa ra exp l i car ao pai o t rabal h o q u e faz . Fo n te 193

Ci n th ia M arcel le

http://j.mp/hY0xfp

Um caminhão de bom b e i ros d i r i ge i n i n te r ru pt a m e n te e m c í rc u los co m a ma ngueira apontad a pa ra o ce n t ro, s u ge r i n d o u m a es p é c i e d e fo n te inve rtida . Vi deoa rte pu ra. . . M ake t he Invisible Vi s ib le

Men t al gas s i

http://j.mp/ieXYx j

O vídeo é uma ação d o co let i vo a le m ã o M e n t a l ga s s i co m a A n i st i a Internacional. Alerta so b re o ca so d e Troy Dav i s , d et i d o p o r 1 9 a n os n o corred o r d a m o r te n os E UA , ap es a r d a s d ú vi d as so b re s ua con d e na çã o. En trevista com Clari ce Lis p ector

http://j.mp/RIjKh

Últ ima en trevi sta de L i s p ecto r, co n ced i d a ao j o rn al i sta J ulio Le r ne r, para a TV Cu ltura, em 1 97 7. Os do is v í deos que encerram n os s a seleç ão s ão u m a es p é cie d e re pe r t ór io q ue v is it a m os se m pre : Plan o- sequência do film e O J oga d or

Ro b ert Alt m a n

h tt p : // j . m p /g W 2 Uo r

Cia. de Foto é um coletivo de fotógrafos baseado em São Paulo que desenvolve projetos artísticos, publicitários e para a imprensa.

Cen a Final de Blow-u p

Mi c h elan gelo An to n i o n i

h tt p : // j . m p /6 XU Ue N

www.ciadefoto.com.br



delete C E N A D E L I XO EXT RAO R D I N Á R I O, RO DA DA N O M AI O R LI XÃ O A CÉU AB E RTO DA A M É R ICA LAT I N A: O G RAM AC H O (R J ) 128

Protagonismos equivocados Angélica de Moraes

Mesmo nestes tempos cínicos, quando causas sociais podem ser marketing pessoal, o roteiro é um amontoado de clichês. Artista famoso e bom-moço (ou bom-moço porque famoso) resolve ajudar os miseráveis. Close para o perfil preocupado do artista, fotografando o lixão do Gramacho (RJ), maior depósito de resíduos a céu aberto da América Latina. A câmera faz paralelo visual entre urubus e catadores. E por aí segue. Determinismo sociológico? Tragédia inevitável? Não, nosso herói vai agir. Mesmo sem capa vermelha nos ombros. Piedoso, sim. Paternalista? Com certeza. Nesse gênero fílmico de ONG do bem, a comunidade miserável é apenas objeto passivo de uma ação. Nunca é o herói de sua própria história. Sobra para eles o papel de coadjuvantes, testemunhas maravilhadas da bondade do herói. Chorosos diante da redenção

prometida. Foi assim no incensado filme Lixo Extraordinário, aventura de Vik Muniz na seara da benemerência midiática internacional. Com direito a indicação para o Oscar. Estatueta dourada a ser dividida com o líder dos catadores, Tião Santos, levado a tiracolo para garantir o exotismo latinoamericano necessário à ocasião. Com flor de lixo na lapela. Santo clichê, Batman! A estatueta do Oscar não foi alcançada, mas as homenagens ao filme continuam. De minha parte, aperto o botão delete. Vik Muniz, autor de muitos trabalhos de qualidade, podia ter ficado sem esse equívoco no currículo. A estética da miséria nada acrescenta à sua obra. Tião Santos, no papel de um novo Marat (alusão à tela A Morte de Marat, do pintor francês Jacques-Louis David, de 1793), não está contando a sua história de vida como líder de sua comunidade. Cumpre, obediente, o roteiro para uma história que não é a sua. É a de Muniz. A complexidade da vida no Gramacho só pode ser entendida e contada pelos próprios catadores. Quando se entenderem protagonistas.

FOTO: DIVULGAÇÃO



reinvente

Nina Gazire

Se o meu scanner falasse... Guilherme Maranhão libera o scanner da função de cópia Desde 2003, munido de um laptop e um scanner modificado, o fotógrafo Guilherme Maranhão vem se dedicando a registrar diferentes paisagens da cidade. O princípio é simples. Em tese, todo scanner é uma máquina fotográfica digital, porém adaptada para reproduzir a imagem de objetos imóveis e bidimensionais, como o papel. Maranhão modificou o dispositivo e transformou-o em uma máquina de captura de imagens em movimento. O processo de criação do artista passa por diferentes etapas, que vão desde a reciclagem de equipamentos velhos à criação de novas interfaces para o computador. Primeiro, o scanner é desmontado. Da caixa plástica coberta pelo vidro é retirada a parte que realiza a captação da imagem. O segundo passo é enganar o sistema operacional do computador para que ele não entenda que o aparelho modificado é defeituoso. Por último, o scanner tem sua lente alterada para focar objetos que estejam a longa distância, dando profundidade às fotos. O equipamento também tem sua fonte de energia modificada para ser alimentada por uma bateria. Isso permite mobilidade e que o aparelho seja transportado para diferentes lugares. “O scanner é uma câmera digital aprisionada dentro de uma caixa de plástico. O que eu fiz foi libertá-lo para fazer outro tipo de fotografia que não fosse apenas a cópia do documento de papel”, explica o fotógrafo. Fotos do artista criadas com esse tipo de processo podem ser vistas, até 12 de junho, na mostra Geração 00: a Nova Fotografia Brasileira, no SescBelenzinho, em São Paulo. FOTO: GUILHERME MARANHÃO




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