SeLecT nº 8

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arte

design

C U LT U RA C O NTE M P O R â n e A

t e c n olo g i a

DORA LONGO BAHIA GENERAL IDEA SANTIAGO SIERRA ANDRÉ LIOHN fabio COBIACO

OUT / NOV 2012 MUNDO -CÃO

BANGue-BANGue TARANTINO VOLTA À LINHA DE TIRO COM O FAROEST E DJANGO LIV RE A VINGANçA DO h omem CO M UM SELECT DENUNCIA a ind ústria dO DESIGN CANALHA IRMÃOS CORAGEM DOI S FOTÓGRAFOS experts EM MORT E CONTAM como FAZEM PaRA afugen tar os fan tasmas

A banda podre da política, da notícia e do entretenimento

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Tarantino (2012), por Dora Longo Bahia

out/nov 2012 ANO 02 EDIÇÃo 08 R$ 14,90

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Respeite os limites de velocidade. Untitled-1 3

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editora3.com.br

Visão não é só a capacidade de enxergar. É entender o que está vendo. E, para isso, não bastam olhos saudáveis ou óculos de grau. É preciso informação. Mas não qualquer informação. Não aquela mastigada de forma tendenciosa. Ela necessita ser independente, precisa, imparcial. Apurada antes de noticiada e, por isso, carregada de credibilidade.

Há 40 anos, nós, da Editora Três, rezamos essa cartilha. Noticiando com pressa, mas sem precipitação. Falando de assuntos sem tabus. Sendo isentos para investigar e expor os fatos. Sem deixar, também, de manifestar nossa opinião. E seguindo sempre o princípio da pluralidade. Pluralidade de assuntos, de informações, de opiniões. Que dá a você, leitor, não apenas a capacidade de enxergar o nosso ponto de vista. Mas de desenvolver o seu.

Ler. Entender. Opinar.

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index

C at á st rofes co n f u n d em os limites e n t re rea l i d a d e e f ic ç ão 54

Surrealismo midiático

50 capa

Tarantino, a saga Alexandre Mathias argumenta que personagens dos filmes integram grande família

94 MÍDIA

Na real O mórbido e indiscreto charme da classe média que protagoniza crimes espetaculares

98 curto-circuito

Profissão repórter Quanto tempo leva para uma bomba explodir? Os impasses do jornalismo investigativo

104 co gnição

108 território

Quem é o totó? Cachorros domesticam seus donos, dizem psicólogos e cientistas

Cracolândia A urbanista Raquel Rolnik afirma com todas as letras: a Cracolândia é uma invenção

foto: Lars Lindqvist / SCANPIX / Other Images

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index 70

artes visuais

Kama Sutra Do poodle ao vira-lata, três artistas que libertam o seu cão interior

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cultura contemporânea

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Mondo Cane A pornografia do vale-tudo e a estetização da miséria para consumo no sofá

SEXO

Proibido para menores Sangue, suor e dominação em passatempo cult nas madrugadas paulistanas

44 fotojornalismo

A câmera no front Repórteres fotográficos que encaram a linha de frente na guerra e no dia a dia do crime

seções 14 Editorial |18 cartas | 22 Navegação | 34 tribos | 36 mundo codificado | 60 portfólio 118 crítica | 120 Reviews | 125 Colunas Móveis | 126 selects | | 128 Delete | 129 obituário | 130 Reinvente

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editorial

Paula Alzugaray

Ricardo van Steen

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Divirta-se Na entressafra das edições do Big Brother Brasil, o programa mais moralista e sexista da televisão brasileira, fomos abastecidos nos últimos meses por outras categorias de reality show: em território nacional, o julgamento do esquema do mensalão, além dos barracos e baixarias de praxe nas campanhas eleitorais municipais; e nas páginas internacionais dos jornais e revistas, assistimos de camarote ao oportunismo do candidato republicano à eleição presidencial nos EUA, que se aproveita da revolta islâmica contra a cultura americana para aferir um golpe sobre o rival. Esses novelões da vida real rivalizam em gênero e grau com o esfuziante cardápio de atrações das tevês abertas e pagas. Datena, Ratinho, Roberto Cabrini, Marcelo Rezende e as lutas do UFC engrossam o caldo dos casos escabrosos que fazem o Bom Dia Brasil das emissoras. E assim caminha a humanidade, rumo a um mega-ataque de nervos ou a uma melancolia sem-fim. Em tempos estridentes e sombrios como estes, seLecT opta pela estética do choque. Se, como afirma Susan Sontag, para muitas pessoas a brutalidade física é antes um entretenimento que um choque, nós assumimos, como propôs Guy Debord, usar da estratégia do espetáculo no contra-ataque ao espetáculo. É a lei do mundo-cão. Essa é uma pauta com tentáculos para todas as áreas da vida cultural. Para além da política, da corrupção, do jornalismo marrom, do cinema catástrofe, do terror e dos pet shops, evoquemos também as formas mais sutis e sofisticadas da vida canina no design, nas artes visuais, na arquitetura, na música e afins. Revoltosos, nossos editores, repórteres e colaboradores levantam a bandeira do homem comum: abaixo o design canalha! Na capa criada por Ricardo van Steen, a partir da apropriação da linguagem dos tabloides e produzida sobre uma pintura especialmente criada pela artista Dora Longo Bahia, elegemos como ícone do mundo-cão o cineasta Quentin Tarantino. Enquanto aguardamos o lançamento de seu novo filme, Django Livre – a saga de um escravo no Sul dos Estados Unidos, às vésperas da guerra civil –, temos a chance de atualizar o tema no site Slavery Footprint (leia no texto de Giselle Beiguelman, em Navegação). E conhecer o mapa da escravidão hoje e saber o que você tem a ver com isso. Basta seguir 11 passos para saber quantos escravos trabalham para você, em que região do planeta eles vivem e quais os maiores vilões de seu estilo de vida. Seu smartphone, seus sapatos de couro, seu cafezinho. A escravidão está por trás de tudo que nos cerca. Nesse passo a passo em linguagem lúdica e divertida, descobrimos fatos insuspeitos. Qual a relação de Bill Clinton e Justin Bieber com a escravidão? Muitos meninos paquistaneses são afastados da família, com a idade de 13 anos, e levados ao trabalho escravo. Os contratos duram até eles completarem 30 anos. Se esses meninos fossem libertados hoje, eles teriam começado seu trabalho quando Bill Clinton entrou no Congresso americano pela primeira vez e quando Justin Bieber nasceu. Você não vai mudar o mundo deixando de lado os objetos do seu cotidiano. Mas ter consciência é o primeiro passo.

Paula Alzugaray Diretora de Redação

Giselle Beiguelman

Juliana Monachesi

Angélica de Moraes

Nina Gazire

Ronaldo Bressane

Kareen Sayuri

Roseli Romagnoli

Hassan Ayoub

Mariel Zasso

Ana Moraes Ilustrações: Ricardo van Steen, a partir do aplicativo face your mangá

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expediente

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EDITOR E DIRETOR RESPONSÁVEL: Domingo Alzugaray EDITORA: Cátia Alzugaray PRESIDENTE-executivo: Carlos Alzugaray diretora De redação: Paula Alzugaray editora-Chefe: Giselle beiguelman direção de arte : ricardo van steen editora-adjunta: Juliana Monachesi repórteres especiais: Angélica de moraes e Ronaldo Bressane repórter: Nina Gazire repórter online: mariel zasso COLABORADORES

Adriano Vanni, Alexandre Matias, André Forastieri, Antônio Carlos Prado, Cristina Padiglione, Edu Mendes, Emília Vandelay, Fabio Cobiaco, Fernando Costa Netto, Fernando Lazlo, Guto Lacaz, Lucas Rampazzo, Mario Gioia, Raquel Rolnik, Valéria Hevia Cabello

projeto gráfico DESIGNER secretária de redacão edição de fotografia copy-desk e revisão pré impressão contato Serviços Gráficos mercado leitor assinaturas

Cassio Leitão e Ricardo van Steen Kareen Sayuri Roseli Romagnoli Ana Moraes Hassan Ayoub Retrato Falado faleconosco@select.art.br Gerente Industrial: Fernando Rodrigues CoordenadorA gráficA: Ivanete Gomes diretor: Edgardo A. Zabala Diretor de Vendas Pessoais: Wanderlei Quirino Supervisora de Vendas: Rosana Paal Diretor de Telemarketing: Anderson Lima Gerente de Atendimento ao Assinante: Elaine Basílio Gerente de Trade Marketing: Jake Neto Gerente de Planejamento e Operações: Reginaldo Marques Gerente de Operações e Assinaturas: Carlos Eduardo Panhoni Gerente de Telemarketing: Renata Andrea Gerente de Call Center: Ana Cristina Teen Gerente de Projetos Especiais: Patricia Santana Central de Atendimento ao Assinante: (11) 3618.4566. De 2ª a 6ª feira das 09h00 às 20h30 Outras Capitais: 4002.7334 Demais localidades: 0800-7750098

venda avulsa operaçÕES

Coordenador:Jorge Bugatti Analistas: Pablo Barreto, Thiago Macedo, Ricardo Cruz e Fabio Rodrigo Shopping 3: Dayane Aguiar Diretor: Gregorio França Secretária Assistente: Yezenia Palma Coordenador Gráfico: Marcelo Buzzo Assistente: Luiz Massa Assistente Jr.: Paulo Sérgio Duarte Auxiliar: Aline Lima Coordenadora de Logística e Distribuição de Assinaturas: Vanessa Mira Assistentes: Denys Ferreira, Karina Pereira e Regina Maria Operações Lapa: Paulo Paulino

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Diretor: Rui Miguel Gerentes: Débora Huzian e Wanderly Klinger REDATOR: Marcelo Almeida Diretor de Arte: Toni Oliveira Assistente de Marketing: Marciana Martins e Thaisa Ribeiro Diretor Nacional: José Bello Souza Francisco GERENTE: Ana Lúcia Geraldi Secretária Diretoria Publicidade: Regina Oliveira Coordenadora Adm. de Publicidade: Maria da Silva Gerente de Coordenação: Alda Maria Reis Coordenadores: Gilberto Di Santo Filho e Rose Dias Auxiliar: Marília Gambaro Contato: publicidade@select.art.br Rio de Janeiro-RJ: Diretor de Publicidade: Expedito Grossi Gerentes Executivas: Adriana Bouchardet, Arminda Barone e Silvia Maria Costa Coordenadora de Publicidade: Dilse Dumar; Tel.s: (21) 2107-6667 / (21)2107-6669 Brasília-DF: Gerente: Marcelo Strufaldi; Tel.s: (61) 3223-1205 / 3223-1207; Fax: (61) 3223-7732 SP/Campinas: Mário EsTel.ita - Lugino Assessoria de Mkt e Publicidade Ltda.; Tel./Fax: (19) 3579-6800 SP/Ribeirão Preto: Andréa Gebin - Parlare Comunicação Integrada; Tel.s: (16) 3236-0016 / 8144-1155 MG/Belo Horizonte: Célia Maria de Oliveira - 1ª Página Publicidade Ltda.; Tel./Fax: (31) 3291-6751 PR/Curitiba: Maria Marta Graco - M2C Representações Publicitárias; Tel./Fax: (41) 3223-0060 RS/Porto Alegre: Roberto Gianoni - RR Gianoni Com. & Representações Ltda. Tel.: (51) 3388-7712 PE/Recife: Abérides Nicéias - Nova Representações Ltda.; Tel./Fax: (81) 3227-3433 BA/Salvador: Ipojucã Cabral - Verbo Comunicação Empresarial & Marketing Ltda.; Tel./Fax: (71) 3347-2032 SC/Florianópolis: Paulo Velloso - Comtato Negócios Ltda.; Tel./Fax: (48)3224-0044 ES/ Vila Velha: Didimo Benedito - Dicape Representações e Serviços Ltda.; Tel./Fax (27)3229-1986 SE/Aracaju: Pedro Amarante - Gabinete de Mídia - Tel./Fax: (79) 3246-4139/9978-8962 Internacional Sales: GSF Representações de Veículos de Comunicações Ltda - Fone: 55 11 9163.3062 - E-mail: gilmargsf@uol.com.br Marketing Publicitário - Diretora: Isabel Povineli Gerente: Maria Bernadete Machado Coordenadora: Simone F. Gadini Assistentes: Ariadne Pereira, Regiane Valente e Marília Trindade 3PRO Diretor de Arte: Victor S. Forjaz Redator: Bruno Módolo

SELECT (ISSN 2236-3939) é uma publicação da EDITORA BRASIL 21 LTDA., Rua William Speers, 1.000, conj. 120, São Paulo - SP, CEP: 05067-900, Tel.: (11) 3618-4200 / Fax: (11) 3618-4100. Comercialização: Três Comércio de Publicações Ltda.: Rua William Speers, 1.212, São Paulo - SP; Distribuição Exclusiva em bancas para todo o Brasil: FC Comercial e Distribuidora S.A., Rua Dr. Kenkiti Shimomoto, 1678, Sala A, Osasco - SP. Fone: (11) 3789-3000 Impressão: Editora Três Ltda. Rodovia Anhanguera Km. 32,5 - CEP 07750-000 - Cajamar - SP.

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cartas

A R T E D E S I G N C U LT U R A C O N T E M P O R Â N E A E T E C N O LO G I A

R I NE K E D I J KST RA S I M O N STA R L I NG A RA M BA RT H O L L J OA NA VASCO NC E LOS TO M Á S SA RAC E NO

Gracias a @revistaselect por la mención de Vide-

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Para todos nós que trabalhamos com design, arte... Esta é a revista mais inteligente que existe nas bancas atualmente. Augusto Tiburtius, via Facebook Pessoal, gostei muito da matéria de Nina Gazire sobre as capas de Andy Warhol, mas tenho uma crítica: as imagens podiam ser maiores! Luiz Navarro, via e-mail Sem sombra de dúvida, a melhor revista do mercado editorial latino-americano! Maurício Sampaio, via Facebook Sensacional a capa de Cássio Vasconcellos!! Max G. Pinto, via Facebook

M EGA , M AC RO E M I C RO M OST RAS D O CU ME N TA , BI E N A L D E S Ã O PAU LO E H A N S U L RI C H - O BRI ST D O M I N A M CA L E N D Á RI O A RT Í ST I CO

H O M E N S -S E TA O L A D O B D O ME RCA D O I MO BI L I Á RI O

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Arte feita para multidões... (Este texto do obituário da película, na seLecT 07) me lembra o mp3. As novas gerações não entendem que antes dele tínhamos de comprar um CD sem ter ouvido uma música sequer dele, se esta não tocasse em rádios. Quanto à película, o celular que tenho no meu bolso pode captar imagens para um filme. Ao ir ao trabalho sou filmado no trajeto de ida e volta por uma infinidade de câmeras de prédios e da polícia. A captação da imagem em movimento tornou-se banal. O que conta agora é o estilo, a pegada, a forma como o filme, ou história, é contado. Ser Cabral, via Facebook O corpo da imagem suscetível ao erro e aos riscos do meio ambiente muda de forma significativa a linguagem. Na Europa ainda se produz película, ela não vai morrer. O que vai mudar na cadeia industrial de distribuição e exibição é a agilidade do digital. Pedro MC, via Facebook

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Nomadismo transforma hábitos, consumo, cultura e tecnologia

AGO/SET 2012 ANO 02 EDIÇÃO 07 R$ 14,90

´ ADMIRAVEL MUNDO MÓVEL

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Aeroporto (2012), de Cássio Vasconcellos

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This is a great stor y! Fantastic work. Thank you so much for reporting on drone journalism, Nina Gazire. Fantastic job. Matthew Schroyer, criador da Sociedade Profissional dos Jornalistas Drone nos EUA

I loved the magazine on On the Road. You did a very good job on your research. Melton Magidson, via e-mail

JO R N A L I S M O D RO N E CO BE RT U RAS A É RE AS E M LUGA RES I N AT I N G Í V E I S

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Escritório de Arte

Ótima a nova edição da seLecT (@revistaselect): textos muy buenos de @rbressane e o obituário da secretária eletrônica, por @gbeiguelman. Cassiano Elek Machado, via Twitter

Foi interessante conhecer a história da secretária eletrônica, porém tendo a acreditar que a “explosão dos celulares e sua imbatível caixa postal, sempre alertas no bolso do seu senhor”, não foi o “golpe mortal”, mas sua ressurreição, uma vez que a essência permanece. Priscila Borges, via e-mail

ADMIRÁVEL MUNDO MÓVEL

Germana Viana e Beatriz Yunes Guarita, Coleções

oman en su reportaje sobre arte con dispositivos móviles. Fernando LLanos, midiartista, Cidade do México

AGO / SET 2012

Antes de qualquer coisa, gostaríamos de parabenizar toda a equipe da seLecT. A revista tem-se mostrado imprescindível para qualquer conhecedor ou amante das artes. A pluralidade de assuntos é formidável e ainda assim não esbarra no erro da superficialidade, pois cada tema é tratado com respeito, dedicação e profundidade que só podem ser conseguidos com pessoas realmente envolvidas. Estamos escrevendo, ainda, para elogiar a fantástica matéria escrita por Angélica de Moraes sobre tapeçaria contemporânea. Uma modalidade milenar e ao mesmo tempo contemporânea merecia um relato tão primoroso e apaixonado. E quem melhor para nos convidar a uma passeio por esse mundo do que Angélica de Moraes? Mais uma vez parabéns pela escolha de temas tão pouco visitados e maravilhosos!

L I T E RAT U RA E M T E M P OS D E M O BI L I DA D E P O C KE T CO N TOS D E BRESSA N E , RE I N ES T E RRO N E XE RXE N ES KY

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Foi mal

Na página 34 (seção Tribos do Design) da seLecT 06, o nome dos criadores da coleção Megabytes of Spring é Reed & Rader. O crédito correto da imagem é Cortesia Pamela Reed + Matthew Rader - www.reedandrader.com.

Na página 121 da seLecT 07, o crédito correto do retrato de Hans Ulrich-Obrist é da fotógrafa Luci Lux.

escreva-nos Rua Itaquera, 423, Pacaembu, São Paulo - SP CEP 01246-030

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colaboradores

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Cristina Padiglione Jornalista, vê tevê como ofício há 22 anos, 12 deles no Estadão, onde assina a coluna Sem Intervalo e o blog Teleguiados. É professora de Crítica de TV na pós-graduação de Jornalismo Cultural da Faap. – colunas

Lucas Rampazzo

Fabio Cobiaco

Designer, artista visual e (quase) músico nas horas vagas. E nas ocupadas também. – psicologia

Desenha profissionalmente há mais de 25 anos. Publicou ilustrações e quadrinhos no Brasil e nos EUA. Lança em outubro álbum em parceria com Eric Acher e Ronaldo Bressane (Cia. das Letras). – quadrinhos

cognitiva P 104

P 112

móveis P 126

Edu Mendes Morou em Nova York, onde estudou fotografia e trabalhou como fotógrafo free lance por cinco anos, para veículos como Reuters, TV Globo, Village Voice e O Estado de S. Paulo, entre outros. Faz direção de fotografia para comerciais de tevê. – sexo P 90

Raquel Rolnik

Fernando Costa Netto

Arquiteta e urbanista, é professora da FAU-USP e Relatora Especial para o Direito à Moradia do Conselho de Direitos Humanos da ONU. – território

Jornalista e fotógrafo. É um dos fundadores da revista Trip, onde foi repórter especial e diretor de redação (1986-1992). Cobriu três conflitos armados: El Salvador (1989), Bósnia (1993/1994) e Palestina (2001). Idealizou a Mostra SP de Fotografia e é sócio proprietário da DOC Galeria + Escritório de Fotografia. – fotojornalismo P 44

Alexandre Matias

Mario Gioia

Jornalista, dono do site Trabalho Sujo (www.trabalhosujo.com.br) e editor do Link Estadão, o caderno de tecnologia e cultura digital do jornal O Estado de S. Paulo. – cinema P 50

É jornalista, crítico e curador de arte. Trabalhou no jornal Folha de S.Paulo e colabora para a revista Trópico e o portal UOL, entre outros veículos. É coautor de Roberto Mícoli (Bei Editora). – crítica P 118

Emilia Vandelay

André Forastieri

Guto Lacaz

Fernando Lazlo

Formada em jornalismo pela Unisinos, cursa o Master of Arts Program in Cinema Studies na Universidade de Toronto, no Canadá. – selects P 127

Jornalista desde 1988, escreve sobre cultura e tecnologia. Fundou a Editora Conrad, que dirigiu por 12 anos. Dirige a Tambor, a única empresa de comunicação brasileira especializada em games, e escreve diariamente no blog que leva seu nome, no R7. – cultura

Arquiteto pela FAU S. José dos Campos, dirige o estúdio Arte Moderna. Recebeu os prêmios 1a Mostra do Objeto Inusitado, Bolsa Guggenheim e APCA Obra Gráfica, entre outros. É autor dos livros Desculpe a Letra (Ateliê Editorial), Gráfica (Arte Moderna) e omemhobjeto ( Decor Books). – design P 80

Fotógrafo desde 1991, viveu em Nova York até 2005, onde se especializou em fotografia artística. Expôs na Henry Urbach Architecture Gallery. – design P 80

P 108

Antônio Carlos Prado Jornalista, é editor-executivo da revista IstoÉ. Aos 4 anos viu na televisão o filme Eu Quero Viver, sobre a história real de Barbara Graham, executada em San Quentin. Formou uma inabalável convicção contra a pena de morte, ainda mais inabalável atualmente. – mídia P 94

contemporânea P 38

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ESTUDIOBUCK

Rodrigo Bueno 27 de outubro | 15 de dezembro Detalhe da obra Cacau | 2012 | acrílica e colagem s/ madeira recuperada | foto: Duda Covett

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Rua Lopes Amaral 123 | 04544-040 | São Paulo | SP | Tel 5511 3846 4028 | 3044 4575 | www.estudiobuck.com.br | estudio@estudiobuck.com.br

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notícias + tendências + transcendências

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um dos destaques da mostra no victoria & albert museum, de londres, são os figurinos excêntricos fotos: kansai yamamoto, e divulgação

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retrospectiva

Bowie revelado Exposição programada para 2013 será a maior sobre a carreira do eterno camaleão do rock

David Bowie Is, de 23 de março a 28 de julho de 2013, Victoria & Albert Museum, Londres http://www.vam.ac.uk/ content/exhibitions/ david-bowie-is/

Sumido dos palcos e da mídia desde 2005, David Bowie é mais do que um astro do rock. Ao todo são mais de 50 anos de carreira musical e 27 trabalhos no cinema. Muito se especula sobre a sua ausência, porém, o nome do cantor voltou aos jornais quando o londrino Victoria & Albert Museum anunciou uma retrospectiva sobre a extraordinária carreira do artista. Desde que a notícia foi anunciada, em setembro deste ano, falou-se em todos os cantos que o próprio Bowie seria o curador da exposição. Recentemente, o artista desmentiu esses boatos, mas fato é que de 23 de março a 28 de julho de 2013, o V&A realiza a mostra David Bowie Is, a maior exposição já feita sobre ele, expondo itens do arquivo pessoal do

artista, inéditos e nunca mostrados anteriormente. Serão mais de 300 objetos que incluem letras manuscritas, fotos, vídeos, objetos usados nas cenografias de seus shows e instrumentos do próprio cantor. E como ícone da moda, é claro que os excêntricos figurinos usados pelo camaleão não ficarão de fora, já que a exposição é patrocinada pela badalada grife italiana Gucci. Dentre os destaques estão os figurinos feitos por Kansai Yamamoto, usados por Bowie quando este incorporou o personagem Ziggy Stardust, durante a turnê de seu álbum antológico The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars, em 1972. No site do museu já é possível reservar os ingressos, pois a mostra promete bater recorde de público. NG

música

Liga metálica David Byrne e St. Vincent reúnem-se para criar um álbum de peso, que já é sucesso de crítica

Metal! Não é de música pesada que estamos falando, mas sim dos metais: grupo dentro dos instrumentos de sopro como trombone, eufônio, tuba, trompete e flautas transversais dos quais David Byrne e Anne Clark abusaram com muita propriedade em seu novo álbum intitulado Love This Giant. O disco, fruto da parceria entre o lendário ex-líder da banda Talking Heads e o projeto St. Vincent, comandado por Anne, foi lançado nos Estados Unidos em setembro pelos selos 4AD e Todo Mundo e já é sucesso de crítica. Os dois artistas começaram a colaborar após um concerto beneficente realizado em 2009, no qual estava programada apenas uma única apresentação ao vivo. A sugestão dos metais partiu de Clark, que com Byrne escreveu

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capa do disco de david byrne e St. vincent ahsduahsdiuuha

as letras por meio da troca de e-mails. Para este novo trabalho, a dupla convidou um time gabaritado de trompetistas, o que dá às músicas uma levada funk e soul. O disco ainda não tem data de lançamento no Brasil, mas já pode ser adquirido via iTunes Store e Amazon. NG

Love Th is Gia n t , de David Byrne e St. Vincent, 4AD e Todo Mundo, US$ 9,99

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fotografia

Realidade enquadrada Roberto Wagner reencena o mundo a partir de enquadramentos rigorosos

O Real e o Imaginário é o título da exposição individual de Roberto Wagner na Fauna Galeria, em que apresenta uma série de 15 fotografias de rigor formal e enquadramento inusitado. De percepção urbana altamente autoral, as imagens retratam estacionamentos, um ponto de ônibus, elementos arquitetônicos, um cachorro de cerâmica num jardim e outros temas em princípio mundanos, mas sofisticados – tanto no enquadramento simétrico quanto na ênfase à padronagem geométrica. Segundo o curador da exposição, Armando Prado, o trabalho de Wagner encontra abrigo no imaginário, moldando-o através da fotografia, em um esforço de reconstrução do mundo. “Não há contexto evidente: a realidade transcende e se recria através da soma das imagens e das relações que se estabelecem entre elas”, afirma Prado. Dois destaques da exposição são a foto perfeitamente simétrica dos carrinhos de supermercado e a que retrata um senhor em meio a uma demolição, que possuem uma atmosfera quase oposta entre si: uma é construtiva e otimista, a outra beira o absurdo e transmite certa melancolia. JM

instalação escadas, de carmela gross, no hall do sesc

Carmela Gross, de 9 de outubro a 3 de novembro, Galeria Vermelho, Rua Minas Gerais, 350, tel. 0/ xx/11/3138-1520, São Paulo http://www.galeriavermelho.com.br

foto de roberto wagner exposta na fauna galeria

Roberto Wagner - O Real e o Imaginário, até 17 de novembro, na Fauna Galeria, Alameda Gabriel Monteiro da Silva, 470, tel. 0/xx/11/3668-6572, SP www.faunagaleria.com.br

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artes visuais

Carmela Gross de casa nova Artista passa a ser representada em São Paulo pela Galeria Vermelho, onde inaugura exposição individual neste mês

Quem gosta de arte sabe bem: a mudança de contexto tem o potencial de transformar o significado de uma obra. As intervenções de Carmela Gross são exemplares nesse sentido. Quando a artista instalou a escultura luminosa Hotel na fachada do pavilhão da Bienal de São Paulo, em 2002, chamaram de crítica institucional. Mas quando o néon monumental foi exposto na retrospectiva de sua trajetória na Estação Pinacoteca, entenderam como ruína urbana, já que a paisagem de fundo era o centro velho de São Paulo. Contexto é tudo. De casa nova, a artista realiza a primeira exposição individual na Galeria Vermelho, e entre obras produzidas especialmente Carmela leva para a galeria a instalação Escadas, que foi apresentada no átrio do Sesc-Belenzinho no começo do ano. A obra é composta de um conjunto de escadas de fabricação industrial, que é muito diversificado, devido ao material, à altura ou largura. Todas as escadas têm seu desenho original realçado por lâmpadas fluorescentes brancas, criando linhas de luz no espaço. Como é que elas vão ressignificar o espaço da sala central da Vermelho? Confira! JM

artes visuais

Cores vivas, voadoras Estela Sokol faz individual na Zipper Galeria assinalando nova fase na obra, agora em grandes formatos

O título da exposição é um verso de Alberto Caeiro, heterônimo do poeta português Fernando Pessoa: “A cor é que tem cor na asa da borboleta”. Um conceito a apontar o melhor da obra de Estela Sokol, que faz dos fenômenos cromáticos a raiz de seu trabalho. Nesta individual, a jovem artista paulistana deixa de lado as fotos de paisagens com insólitas intervenções de cor (que contribuíram para sua visibilidade crescente nos últimos cinco anos) para dedicar-se a pinturas e esculturas de grande formato. A mudança de registro é assinalada especialmente pelo uso do mármore, material tradicional, que passa a empregar em associação com as chapas de acrílico translúcido e de cores ácidas e vibrantes. A trajetória de Estela

escultura de sokol mescla mármore e acrílico

Sokol está ancorada nas pesquisas de cor-luz de nomes como James Turrel e Dan Flavin, mas com frescor de propósitos bem nítido nas séries fotográficas ou nos pequeninos protótipos tridimensionais que agora saem das gavetas do ateliê para a execução em escala bem maior. A cor-luz reverbera neles ou se entrelaça às superfícies brancas do mármore, construindo sedutoras flutuações cromáticas tanto no entorno da superfície quanto no seu interior, seja por projeção, sobreposição ou incisão. AM

Estela Sokol - A Cor É Que Tem Cor na Asa da Borboleta, de 27 de outubro a 24 de novembro, na Zipper Galeria, Rua Estados Unidos, 1.494, SP www.zippergaleria.com.br

FOTOS: cortesia dos artistas e divulgação

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sem título (2001), óleo sobre madeira de palatnik

Abraham Palatnik, de 20 de outubro a 24 de novembro, Galeria Nara Roesler, Avenida Europa, 655, São Paulo www.nararoesler.com.br

artes visuais

Com luz própria Pioneiro da arte cinética, Abraham Palatnik faz retrospectiva na Galeria Nara Roesler

Reunir um grande artista e um grande curador só pode resultar em ótima exposição. Um dos pioneiros em âmbito internacional da arte cinética e do emprego de novas tecnologias nas artes visuais, Abraham Palatnik, expõe na Galeria Nara Roesler um conjunto de 19 obras, em diversos suportes e técnicas, produzidas desde a década de 1980 até a atualidade. É um recorte muito especial, selecionado e contextualizado pelo crítico Frederico Morais, que acompanhou e escreveu sobre a trajetória do artista quase desde seus começos, nos anos 1950. Uma exposição, portanto, duplamente histórica. Assinala seis décadas de produção artística e mais de meio século de um olhar afiado sobre essa produção. O público só tem a ganhar com esse conhecimento de causa. São pinturas e relevos monocromáticos em madeira, além de es-

culturas e objetos cinéticos multicoloridos, que seduzem pelo rigor técnico e pela absoluta alegria da cor. São ao mesmo tempo cerebrais e calorosos. Ainda inventivo aos 84 anos, Palatnik apresenta diversas obras inéditas. Não tão inéditas, é verdade, quanto as peças inusitadas que exibiu na primeira Bienal de São Paulo, em 1951, inaugurando por aqui uma nova arte, hibridizada com a tecnologia. Elas causaram espanto aos críticos, que não sabiam como classificar aqueles trabalhos que incorporavam luz e movimento nas telas antes estáticas, trazendo para o vocabulário pictórico um raro frescor experimental. Desde então colecionadas mundo afora, as obras de Palatnik integram acervos ilustres, como o do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), entre outros. AM

fotos: cortesia Galeria Nara Roesler, cortesia galeria leme, e divulgação

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games

Quando o barraco vira brincadeira Jogo faz mash-up entre o mundo da novela Avenida Brasil e o dos clássicos games de lutas marciais

Tempo com a Filha (2012), pintura de Felipe Cama

artes visuais

Estatísticas íntimas Felipe Cama cria autorretratos a partir de planilhas de dados

O dia a dia do artista quantificado para se transformar em autorretratos geométricos, que seriam a expressão visual de sua personalidade. A proposta é de Felipe Cama e o resultado pode ser visto na exposição individual Autorretratos Estatísticos, a partir de 4 de outubro na Galeria Leme, em São Paulo. Durante o ano de 2011 Cama registrou todos os dias as condições do seu humor: durante cinco meses planificou o tempo que passou com sua filha e ao longo de cinco anos tabulou os resultados de seus exames de sangue. Contabilizou ainda todas as vezes que olhou para o relógio e viu os números das horas coincidirem com os dos minutos, como 12h12 ou 22h22. As informações foram inseridas em um programa de planilhas que quantificou e qualificou esses dados, gerando em seguida gráficos. Essas formas geométricas e curvas matemáticas foram transformadas em pinturas e impressões digitais abstratas. JM

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Faz muito tempo que uma novela não atingia tantos pontos de audiência como Avenida Brasil. A trama, que deve chegar ao fim agora no mês de outubro, mobilizou o Brasil em torno do duelo entre as personagens Carminha e Nina/Rita, que trouxeram de volta para a tela da televisão o bom e velho antagonismo entre mocinha e vilã. Há ainda quem duvide das atitudes da cozinheira/justiceira, mas a verdade é que a personagem não conseguiu fugir do destino de donzela indefesa e está passando por maus bocados. E, enquanto estamos na torcida pela madrasta má ou pela heroína, é possível levar mais do que na brincadeira essa história que enfeitiçou o País. O jogo Avenida Fighter faz um mash-up entre o mundo da telenovela e o dos games ao misturar os personagens da trama de João Emanoel Carneiro com o clássico game Street Fighter. Criado pelo estúdio Flux em parceria com o portal UOL, no jogo você pode colocar para brigar não só as personagens Chun-Lina, inspirada na personagem interpretada por Debora Falabella, e Carmela – que dispensa apresentação –, bem como outros lutadores que parodiam os personagens Tufão, Leleco, Suelen e Nilo. O game é bem simples e para jogar basta usar o teclado. Essa é uma boa chance para os frustrados de plantão, decepcionados com a certeza de que os vilões sempre se dão mal no último capítulo. NG

Autorretratos Estatísticos, a partir de 4 de outubro, Galeria Leme, Av. Valdemar Ferreira, 130, tel. 0/xx/11/30938184, São Paulo www.galerialeme.com tela do jogo inspirado em street fighter

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brillo boxes (1964), obras de Andy Warhol puseram fim ao modernismo

Andy Warhol, de Arthur C. Danto (trad. Vera Pereira). Editora Cosac Naify, 224 págs., R$ 49

Teoria

Viva a américa Ensaio de Arthur C. Danto propõe nova leitura da obra de Andy Warhol, conferindo relevo histórico à Brillo Box

Warhol está em voga. O Metropolitan Museum of Art, em Nova York, que raramente dá espaço para a arte contemporânea, organizou Regarding Warhol: Sixty Artists, Fifty Years, em cartaz até 31 de dezembro. A mostra reúne, em torno da obra de Warhol, trabalhos de nomes como Ed Ruscha, Jeff Koons, Allan McCollum, Douglas Gordon e Christopher Wool, avaliando o legado do rei da pop art na produção atual. Além disso, causa frisson a iminência da venda em uma casa de leilões de parte significativa do acervo da Fundação Warhol, a partir de 12 de novembro. Outros eventos comemoram a efeméride em torno dos 50 anos de Campbell’s Soup

Cans, a série de 62 silkscreens que transformou a latinha de sopa em ícone da cultura norte-americana. Mas foi dois anos depois que Andy Warhol criou sua obra-prima, a Brillo Box, segundo a análise do filósofo Arthur C. Danto no livro que leva o nome do artista. Para Danto, a caixa de sabão em pó marca o fim do modernismo e o início de uma mudança filosófica na natureza do objeto de arte. O ponto alto da interpretação de Danto é a tese de que nada na obra do artista pop configurava uma crítica ao consumismo, pelo contrário, a obra de Warhol seria uma declaração de amor ao american way of life. JM

fotos: divulgação; cortesia dos artistas e reprodução

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arte digital

Baía tecnológica Em sua quarta edição, bienal de novas mídias Zero1 Biennial celebra a inovação no Vale do Silício

Gisela Domschke é a única brasileira entre os cinco curadores de diferentes partes do mundo nesta edição da bienal de arte e tecnologia Zero1 Biennial. O evento, que acontece a partir de 12 de setembro, ocupa o (SFMoMA) San Francisco Museum of Modern Arts, o Berkeley Art Museum e várias outras instituições culturais da região da Baía de São Francisco e San José durante três meses. Sob o tema Seeking the Silicon Valley (Em busca do Vale do Silício), o time de curadores – que é composto apenas de mulheres – selecionou mais de 150 artistas de 13 países, que mostram trabalhos em mídias digitais, alguns realizados em parceria com empresas do próprio Vale do Silício. O tema da edição de 2012 foi inspirado na região que

ficou conhecida como o maior polo industrial de tecnologia do mundo, que influencia não só os rumos da informática, mas também o mundo da arte. Ao todo serão 24 exposições, sendo a mostra principal denominada Zero1 Garage, que acontece na cidade de San José. Entre os brasileiros participantes desta mostra está o artista Lucas Bambozzi, que apresenta o trabalho Mobile Crash V2 – em que um dispositivo esmaga e tritura celulares e equipamentos de comunicação em estado de obsolescência – e o coletivo Gambiólogos, que mostra a série Armadura Gambiológica. A obra é composta de acessórios vestíveis – capacetes, luvas, cintos – feitos de sucata e lixo eletrônico, que ganham novos usos e funções. NG

cinto reinventado: Armadura gambiológica

Zero1 Biennial: Seeking the Silicon Valley, de 12 de setembro a 8 de dezembro de 2012, Bay Area – São Francisco e San José, Califórnia

mundo digital

Contra-ataque ao império escravo O site Slavery Footprint mapeia seus padrões de consumo e calcula quantos escravos trabalham para você no mundo

Minas de carvão, olarias e fábricas nas regiões mais pobres da China operam ilegalmente, usando muito dos 150 milhões (estimados) de migrantes interiores como escravos. Matérias-primas da escravidão incluem acrílico, cashmere, carvão, algodão, ouro, grafite, couro, pedra calcária, linho, mercúrio, náilon, pérola, quartzo, silicone, seda, prata, estanho, tungstênio, lã, ferro-gusa, chumbo, lítio e poliéster. Em Zâmbia, mulheres e crianças são exploradas em setores domésticos, agrícolas e têxteis do país, enquanto os homens são forçados a trabalhar em minas e em canteiros de obras. Nos Estados Unidos, de 14,5 mil a 17,5 mil são vítimas de tráfico humano a cada ano. A maioria é de mulheres e crianças forçadas a trabalhar na indústria do sexo. Matérias-primas de escravidão incluem cobre, milho, ouro, náilon, soja, calcário e propano. Este é o raio X dos seus hábitos de consumo, segundo o site Slavery Footprint, que mapeia os produtos e padrões de alimentação, vestuário e nível de dependência de gadgets do visitante. O resultado da navegação pelo mapeamento é um número preciso e inalienável: quantos escravos trabalham para você. Ao final, você pode baixar o app Made in a Free World para delatar lojas suspeitas de empregar trabalho escravo em sua linha de fornecedores. GB http://slaveryfootprint.org

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Dança

Vaivém entre Norte e Sul Malba – Fundación Costantini organiza retrospectiva de Beatriz Milhazes em Buenos Aires

Com cerca de 30 pinturas feitas entre 1999 e 2012, a exposição individual de Beatriz Milhazes no Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires é a primeira grande mostra institucional na América Latina dedicada à obra da artista carioca. O curador Frédéric Paul reuniu obras de coleções particulares e públicas no Brasil e nos EUA, inclusive dois trabalhos que pertencem ao acervo do Guggenheim Museum de Nova York. O título da mostra, Panamericano, alude ao jogo entre Norte e Sul, ou entre Ocidente e Oriente, tema onipresente nas pesquisas visuais de Milhazes. JM

detalhe da obra Pierrot e Colombina (2009–2010), de beatriz milharez

Obra em cartão-postal, de Bruno Miguel, da Galeria Emma Thomas, por R$ 1.000,00

mercado

Tudo o que você queria saber sobre arte... 40 Galerias de cinco capitais brasileiras disponibilizam obras de arte contemporânea a preços acessíveis na segunda edição da feira PARTE

O céu não é limite. As obras de cerca de 480 artistas brasileiros expostas na segunda edição da PARTE Feira de Arte Contemporânea, em São Paulo, têm como teto o valor R$ 18 mil. Mas 60% dos trabalhos disponíveis não deverão exceder os R$ 4 mil, garantem as organizadoras Lina Wurzmann e Tamara Perlman. O objetivo é facilitar o acesso aos que se interessam por arte, contemplando todos os orçamentos. Outra premissa da feira é que todas as obras estejam identificadas com os preços e dados sobre a obra e o artista, para deixar o visitante mais à vontade, sem constrangimentos na hora de perguntar. Tudo muito transparente. Mas nem só de jovens galerias – ou daquelas que se voltam para os jovens artistas – é feita a PARTE. Novos espaços e coletivos, com projetos fora de padrão, como o Grupo Aluga-se ou a Casa Contemporânea, e importantes instituições ativas fora do eixo Rio-SP, como o Centro Cultural Banco do Nordeste, também terão espaço na feira, dentro da programação de bate-papos e palestras. O espaço também promete: este ano, a feira é armada no subsolo do Paço das Artes, em uma área generosa que já abrigou festas e exposições dedicadas à performance. PA FOTOS: divulgação / cortesia do artista

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Move Cine Arte – Festival de Cinema de Monte Verde, de 15 a 18 de novembro, Monte Verde (MG)

cena do documentário life in movement

cinema

Arte sobe a serra Brasil ganha seu primeiro festival dedicado aos documentários sobre arte

A Alemanha tem o Doku Arts, a Itália tem o Asolo Art Film Festival, e o Canadá tem o Fifa. O Brasil ainda não tinha um festival de cinema dedicado aos filmes sobre arte. Mas, em novembro, os cineastas Tassia Quirino e André Costa, premiado no Asolo Film Festival de 2010 e autor do documentário Regina Silveira: Blindagem, levam para as montanhas do sul de Minas uma seleção especial de filmes que retratam as mais diversas linguagens artísticas. Arquitetura, pintura, escultura, teatro, fotografia, dança, gastronomia, poesia, música, design, moda e performance estão entre as áreas contempladas. A primeira edição do Move Cine Arte – Festival de Cinema de Monte Verde promete encher os olhos com a apresentação de filmes como Life in Movement, sobre a coreógrafa australiana Tanja Liedtke, e My Playgroung, filme dinamarquês que aborda a relação entre praticantes de parkour e arquiteturas de grandes centros urbanos. Mas o evento também ativará neurônios em debates com artistas, diretores e curadores. PA

PARTE - Feira de Arte Contemporânea, de 17 a 21 de outubro, Paço das Artes, Avenida da Universidade, 1, Cidade Universitária, São Paulo

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invenção

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sustentabilidade

Concreto reciclável Fruto de pesquisas da Universidade de São Paulo e feito com rejeito industrial, o material é inovador e altamente resistente

São da tradição da arquitetura modernista brasileira os edifícios retilíneos feitos em concreto bruto. Em um país onde o concreto deu forma à arte de arquitetos como Paulo Mendes da Rocha e Marcio Kogan, nada mais natural do que o fomento a pesquisas de ponta que buscam saídas sustentáveis na utilização desse material na construção civil. Assim surgiu o Concreto Não Estrutural, fruto da parceria entre o Instituto de Arquitetura e Urbanismo e a Escola de Engenharia da USP. A tecnologia desse concreto sustentável, que utiliza resíduos industriais em sua composição, foi patenteada em julho deste ano e já está pronta para chegar ao mercado. A invenção é resultado de uma combinação de areia de fundição, aglomerada com argila e resíduos despejados em aterros industriais por companhias siderúrgicas, aproveitamento que é atribuído ao grande número de indústrias desse tipo existentes no Brasil. Além de ser ecologicamente correto, o material é altamente resistente, podendo ser utilizado na pavimentação de vias.

Dados de 2009, do Concrete Centre – entidade norte americana especializada em consultoria na área da construção civil – apontam que a produção mundial de concreto chegou a algo em torno de 24 bilhões de toneladas. Entre 9% e 21% da massa do produto convencional é composta de cimento, material cuja produção implica alta emissão de CO2 na atmosfera. Por utilizar material reciclável, o Concreto Não Estrutural será uma ótima solução para a indústria da construção civil nacional, que vem crescendo em ritmo acelerado nos últimos dez anos. NG

O concreto é o elemento principal da arquitetura moderna de Paulo Mendes da Rocha, autor do projeto da Galeria Leme. Invenção brasileira, o concreto não estrutural trará soluções sustentáveis à arquitetura civil

patrocínio:

Foto: cortesia Metro Escritório de Arte

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tribos do design

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Cinófilos Pelados e peludos terão direitos iguais dentro da família (ou seria matilha?) desta tribo. Um mundo de mimos e delícias para quem tem filhos cachorros. Porque mãe é quem cria! Bob Bedding Este lençol estampado, da Snurk, é para quem não pode dormir com seu cão ou mesmo para quem não tem um pet, mas gosta da ilusão (de ótica) de poder ter um por perto

DrinkBetter® Bowl Projetada pela empresa Contech, especializada em assessórios para pets, esta vasilha é ideal para que o cãozinho beba água sem derramar e evitando molhar o focinho

Custom Pet Nose Print Necklace O que você faria como sinal de amor a seu pet? Que tal um pingente moldado no focinho dele? A designer de joias Jackie Kaufman inventou o equivalente canino dos pingentes que toda mamãe adora usar Rocking Gether Chair Criada pelo arquiteto Paul Kweton, esta cadeira de balanço, além de proporcionar um descanso relaxante ao dono, serve também de casinha para o seu cachorro

Zombie Foot Dog Toy Na moda dos mortos-vivos, nem os cães ficam de fora. Este pé de zumbi de borracha faz barulhinhos e a alegria do seu dog

Doggie Barrel Umbra Inspirado no design dos barris de conhaque que os cães carregam nos Alpes, este puxa-saco pode ser acoplado à coleira do seu cão na hora do passeio

Hot Doll - Boneco inflável para cães Sabe quando o seu cachorro atinge a maturidade sexual e começa a agarrar a primeira perna que vê pela frente? A empresa francesa Inouy criou uma cadela inflável para esses momentos excitantes

Fotos: divulgação / Umbra, cortesia Paul Kweton, e, as demais, divulgação

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mundo codificado

Uma dúziA DE

crimes

Maníaco do Parque Quando: 1999 O quê: estupro e morte Como: seduzia as vítimas no Parque do Estado, em São Paulo, com promessas de emprego em agência de modelos Quem: o motoboy Francisco de Assis Pereira violentou e matou oito mulheres e estuprou mais outras nove Condenação: 270 anos Páginas relacionadas no Google: 42.200

que abalaram o Brasil

Facadas, tesouradas, esquartejamentos, parricídio e até uma criança defenestrada pelo pai e a madrasta deram o tom dos últimos 20 anos Pesquisa e texto: Giselle Beiguelman / Infográfico: Lucas Rampazzo

Suzane von Richthofen

Quando: 2008 O quê: parricídio Como: com barras de ferro Quem: Suzane, mentora, e os irmãos Daniel e Cristian Cravinhos atacaram Manfred e Marisia von Richthofen, pais da moça, dormindo Condenação: Suzane e Daniel, 39 anos, Cristian, 38 Páginas relacionadas no Google: 297.000

Exclusivo

Daniella Perez Quando: 1992 O quê: assassinato Como: 18 golpes de tesoura Quem: Guilherme de Pádua e sua então esposa, Paula Thomaz Condenação: ele, 19 anos. Ela, 15. Ambos já estão em liberdade Páginas relacionadas no Google: 302.000 Fotos: João Wainer / Folhapress (parque), Tuca Vieira / Folha Imagem (suzane), Antonio Batalha / Folhapress (perez), Arquivo pessoal (elize), Alex de jesus / O Tempo (bruno), Ana Carolina Fernandes / Folhapress (174), Rivaldo Gomes / Folhapress (eloá) e Mastrangelo Reino / Folha Imagem (nardoni)

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Massacre no cinema Quando: 1999 O quê: invasão de sala de cinema e tiroteio

Como: estudante de Medicina

invadiu sala de cinema no Morumbi Shopping e disparou contra a plateia

Tim Lopes

Quando: 2002 O quê: tortura e execução Como: jornalista foi capturado por traficantes que investigava na favela Vila Cruzeiro, Rio de Janeiro. Incinerado e esquartejado Quem: Elias Maluco, líder do Comando Vermelho Condenação: 28 anos e 6 meses Páginas relacionadas no Google: 222.000

Quem:

Mateus da Costa Meira matou três e feriu cinco

Condenação: 120 anos reduzidas para 70 em 2007

Páginas relacionadas no Google: 31.700

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Elize Matsunaga

Quando: 2012 O quê: matou e ocultou o corpo do marido Marcos Matsunaga Como: tiro na cabeça, esquartejamento e ocultação do cadáver, no mato, em Cotia Condenação: Ainda não foi julgado Páginas relacionadas no Google: 460.000

Goleiro Bruno

Quando: 2010 O quê: na época goleiro do Flamengo, ele, supostamente, contratou a morte de Eliza Samudio, sua ex-amante Como: provalvemente, foi enforcada, esquartejada e entregue a cães Quem: possivelmente, Marcos Aparecido dos Santos, o Bola, foi quem matou Eliza Condenação: ainda não foi julgado Páginas relacionadas no Google: 2.130.000

Ônibus 174

Quando: 2000 O quê: sequestro e morte Como: sobrevivente do massacre da Candelária sequestrou ônibus no Rio de Janeiro e manteve passageiros reféns por 4 horas, seguidas ao vivo pela Rede Globo de Televisão Quem: Sandro do Nascimento matou com três tiros a refém Geisa Gonçalves Condenação: Baleado no local por policiais, morreu por asfixia no camburão, rumo ao hospital Páginas relacionadas no Google: 26.800

Antônio Pimenta Neves Quando: 2000 O quê: Matou a namorada à queima-roupa Como: Dois tiros pelas costas em um haras Quem: Antônio Pimenta Neves, então Diretor de Redação do Estadão e a ex-namorada, a vítima, Sandra Gomide, assassinada Condenação: 19 anos e dois meses Páginas relacionadas no Google: 2.630.000 Quando: 2008 O quê: sequestro,

cárcere privado e morte Como: foi refém do ex-namorado, Lindemberg Alves por quatro dias e depois baleada na cabeça Quem: Lindemberg Alves Condenação: Aguarda julgamento

Eloá Pimentel Páginas relacionadas no Google: 257.000

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Massacre do Realengo

Quando: 2011 O quê: Invasão de escola e assassinato de crianças Como: exaluno invadiu escola municipal em que estudou, em Realengo, Rio de Janeiro, abriu fogo contra centenas de crianças, matando 12 Quem: Wellington Menezes de Oliveira Condenação: suicidou-se no local. Corpo ficou 15 dias no IML sem ser reclamado por ninguém Páginas relacionadas no Google: 52.300

Isabella Nardoni

Quando: 2008 O quê: Criança de cinco anos é morta pelo pai e madrasta Como: defenestrada do 6º andar Quem: Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá Condenação: 31 anos, ele, 26 anos ela Páginas relacionadas no Google: 311.000

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cultura contemporânea

a vida no mundo que

o cão criou Mundo-Cão significa transformar a miséria alheia em entretenimento, com fins lucrativos. É só business. É diabólico

André Forastieri

Cachorros devora m outro cac h o r ro. Fã s e nsa nd ec i das r a s g a m a c a m i s a d e s e u í d o l o . T e r c e i r o - m u n d i s ta s i do latram d e u s es pagãos. Garotas seminuas se expõem nas calçadas. Jovens enchem a cara e aprontam nas ruas. A ni m a i s m a ltrata d os, esca l p e l a d os, mortos, devorados. Funerais macabros. Danças provocantes. Homens vestidos de mulher. Uma máquina esmaga automóveis. E mais: gente como a gente fazendo besteira! Gente diferente da gente fazendo o inimaginável! A vida nua e crua, como ela é! Fim. ricardo van steen / fotomontagem baseada no cartaz original da versão italiana do filme mondo cane

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cultura contemporânea

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Não: começo. O mundo de 2012 nasceu com Mondo Cane, o documentário que deu origem ao termo, e ao entretenimento que domina hoje nossas atenções, formata nossos medos e desejos, e nos leva às compras. Está tudo prefigurado no filme italiano de 1962. É a matriz da moderna mídia de massa. Cinquenta anos depois, vivemos no mundo que Mondo Cane criou. Atenção: Mundo-Cão não é trash. Não é exploitation nem sensacionalismo. Mundo-Cão não tem tradução exata, nem tem nada a ver com cachorro. Cane é o Cão. Mondo Cane é o mundo do capeta. Dos valores invertidos; do anormal; da presença do mal. Mundo-Cão significa transformar a miséria alheia em entretenimento, com fins lucrativos. Miséria de qualquer tipo: falta de dinheiro, de saúde, de cultura, de normalidade, de noção. É mais que faturar com a desgraça alheia. É empacotá-la como produto. Implica humilhação das vítimas e afetar ares de neutralidade, ou até solidariedade. É só business. É diabólico. Explorar os outros é o que mais fazemos, desde as cavernas. O homem é o cão do homem. Fazer disso fonte de receita ou espetáculo também não é novo. A novidade, da estreia de Mondo Cane para cá, é a ascensão da comunicação de massa, que simultaneamente massificou e especializou a exploração. Tem grana nas duas pontas e em tudo entre elas. No mínimo denominador comum que anestesia as multidões. E na sub-sub-segmentação, no fetiche para poucos, que pagarão pela exclusividade. Esses estiveram e estarão sempre conosco.

cena de Super Nanny, programa que apresenta crianças que desafiam a paciência do público

gente como a gente fazendo besteira! Gente diferente da gente fazendo o inimaginável! A vida como ela é! Fim? não: Começo

fotos: Roberto Nemanis / SBT, e divulgação

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ista on, vsita off II, de denise agassi. metanarrativa construída na internet levou prêmio de mídias ¬ocalitavs ado vivo arte.mov 2012 73

As mídias digitais só facilitam. É mais fácil ser tarado. O entretenimento que mais cresce na internet é a pornografia. O esporte que mais cresce no mundo é a luta livre ou, como se chama agora, MMA, Mixed Martial Arts. A programação que mais cresce na tevê são os reality shows. Os três são rigorosamente Mundo-Cão. É gente de verdade, ganhando entre pouco e nada, para lucro dos donos do circo. Um e outro ganham um grande prêmio, às vezes. Uns emulam prazer, uns sangram para nosso deleite, outros traem e armam e choram para ganhar os votos do público. Tudo por dinheiro. Alguns shows têm mais script, outros menos. Varia a marmelada, a graça dos palhaços e a voracidade dos leões. Não muda o espírito dos participantes nem o de seus contratantes: tudo por dinheiro. É entretenimento para massa. Mas controlado por poucos. Como o alemão Fabian Thylman, 34 anos, fundador da Manwin, 60 milhões de usuários por dia. Thylman não é um pornógrafo – não só. Começou como programador. É mestre do marketing de afiliados e CEO. A empresa, com mais de 700 funcionários, é baseada em Luxemburgo. Controla megassites de pornografia, como o Brazzers, o YouPorn, o PornHub, o Mofos, o Webcams e outros. O UFC, ou Ultimate Fighting Championship, domina o segmento de luta livre. Um lutador ganha de US$ 10 mil a US$ 50 mil por luta, mas, dependendo do campeonato, o cachê pode chegar a

momento ogro do programa man VS food, que mostra disputas infames para ver quem é capaz de comer mais

Reality show não é mais uma febre: é a forma dominante de programação de tevê no mundo; Reality show é automaticamente mundo-cão, seja assumido ou não

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cultura contemporânea

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Prova estilingue humano no programa cante se puder, do SBT

é o Programa Legal adulando os desgraçados. Mesmo perneta, analfabeto e faminto, ele toca violão superbem, gente!

meio milhão. Cada lutador tem direito a US$ 50 mil para cobrir seus problemas de saúde, por ano. Os donos do UFC são a família Fertitta, seu garoto-propaganda Dana White e o governo de Abu Dabi. Ganham dinheiro no pay-per-view, com publicidade e merchandising. O UFC vai faturar mais de meio bilhão de dólares em 2012. Reality show não é mais uma febre: é a forma dominante de programação de tevê no mundo. Reality show é automaticamente Mundo-Cão, assumido ou não. As cirurgias plásticas do Dr. Rey, as comidas nojentas de Man x Food, os gordos chorosos de The Biggest Loser, as crianças insuportáveis de Super Nanny, o desafio de continuar cantando coberto de baratas em Cante se Puder... a lista vai embora. Uma categoria extrema é a da violência de animais contra animais, em canais natureba, verdes. Frequentemente humanizam os bichos, para depois abatê-los. O pequeno impala não é só mais um. É batizado de Billy, e acompanhamos seus primeiros passos e pulinhos sapecas, o amor da mamãe impala – para depois Billy ser devorado por uma leoa malvada. Em câmera lenta. Pornografia, luta livre e reality shows são caricaturas. Mas a abordagem escandalosa, lacrimosa, esteróidica está em todo canto. Onde você encontrar a miséria humana transformada em atração (ou cenário, o que talvez seja ainda pior), o cão estará solto. A estratégia mais ma-

fotos: Lourival Ribeiro / SBT, e, demais, divulgação

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quiavélica e condescendente embaralha as motivações: estou aqui entre esses pobres diabos, mas para benefício deles, e eles não são demais? É o Programa Legal: Regina Casé adulando os desgraçados, e quanto mais banguela e feio, melhor. Mesmo analfabeto, perneta e faminto, ele toca violão superbem, gente! Esse espírito está no DNA do jornalismo, desde sempre. E não só nesses programas policiais de fim de tarde, especializados em tortura de meliantes. Exploitation Journalism, batizaram os americanos: como a senhora está se sentindo?, pergunta o repórter galã para a mãe que acaba de perder a família na enchente. Não perca as fotos que o paparazzo tirou da mocinha do Crepúsculo corneando o namorado, chama o portal. Leia a biografia que revela minúcias da implosão de Amy Winehouse, escrita pelo pai da cantora – já nas livrarias. Mundo-Cão está em toda parte, porque Mundo-Cão funciona. A maneira mais fácil de turbinar a arrecadação de uma ONG é com foto de menininho moribundo, moscas sobrevoando, olhinhos fitando o nada, a mãe uma Pietá esquelética. Poverty Porn, batizaram ianques chateados com cenas tão apelativas. Corta o coração. Motiva a ação. Explicita o contraste: antes ele do que eu. Claro que rir do tombo alheio é humano. Vide o eterno sucesso das videocassetadas, veneranda diversão dominical da família. Mas colocar a casca de banana na calçada e depois vender o vídeo do tombo para um patrocinador é tão humano quanto desumano. Nada se compara em audiência e brutalidade aos reality shows modelo Big Brother Brasil – a humanidade reduzida a carne traiçoeira. Burrice, fofoca, alianças se fazendo e se dissolvendo, imposições idiotas, atividacompetidores do reality show de emagrecimento des inúteis e tensão sexual permanente, sem possibilidade de satisfaThe Biggest Loser, da NBC; acima, o ator brasileiro ção; a única moque interpreta o cirurgião plástico dr. rey ralidade é a do prostíbulo, faturar. É isso que somos, na escola, na empresa, na vida, diz Bial. É, mas não só. O mundo não é só do cão. A prova é a internet. Agora bilhões de pessoas produzem e publicam conteúdo. Pois uma fatia surpreendentemente pequena é de Mundo-Cão. Há muito mais gatinhos brincando com novelos, mensagens edificantes e criatividade em estado bruto do que exploração das desgraças alheias.

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A maneira mais fácil de turbinar a arrecadação de uma ONG é com foto de menininho moribundo, moscas sobrevoando, olhinhos fitando o nada, a mãe uma Pietá esquelética

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André Liohn já encarou o front sem colete à prova de balas. Zé Maria da Silva clicou por 30 anos a vida e a morte bandida nos confins da metrópole. Em ação, dois pioneiros do fotojornalismo mundo-cão

EM CORES SEM FLASH

R o n a l d o B r e s s a n e e F E R NANDO C OS TA n e tt o

A sangue-quente

André Liohn escapou do crack e do três-oitão na adolescência e chegou à linha de frente dos conflitos na Líbia e na Síria De Pedro Álvares Cabral a Dilma Rousseff, o Brasil produziu apenas dois fotógrafos especializados em documentar países dominados por ditadores e grupos radicais de direita ou de esquerda. Um deles é Mauricio Lima, que trabalha para o New York Times e, em 2010, foi eleito Wire Photographer of the Year pela Time Magazine, a revista semanal mais importante e de maior circulação no planeta. O outro é André Liohn, repórter fotográfico freelance da Foto: fernando costa netto

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Clicados por liohn, rebeldes se preparam para invadir a base de soldados da força militar da líbia; abaixo, o fotógrafo em São Paulo

CNN, Der Spiegel, Le Monde, Time, Newsweek e da Human Rights Watch, que este ano se transformou no grande personagem do fotojornalismo mundial ao ser agraciado com a maior honraria da fotografia de guerra, a Robert Capa Gold Medal, pelo registro da rebelião armada que depôs o exótico ditador líbio Muammar Kaddafi. Lima afirma que, ao ser apresentado ao conterrâneo, sentiu confiança. “Liohn cobria a revolução Líbia já há alguns meses.

Não o conhecia e não reparei como ele fotografava, exceto em um momento em que o vi exposto, num local muito arriscado e sem colete à prova de balas ou qualquer proteção”, diz Lima. Desde a criação desse prêmio, em 1955, André Liohn é o primeiro sul-americano numa lista dominada por norte-americanos e europeus. A medalha que recebeu em Nova York faz parte do enredo de uma vida que começou na periferia de uma cidade no interior de São Paulo, Botucatu, em 1996. Esta é a data e o local do início do segundo round na vida de Liohn. Envolvido com companhias duvidosas na adolescência, convivendo com todos os problemas de uma região dominada pela prostituição, pelo crack e pelo três-oitão, aos 22 anos viu-se obrigado a tomar uma decisão. O filho mais velho de dona Maria, auxiliar de enfermagem num hospital público, e de seu Zé, porteiro da Faculdade de Medicina de Botucatu (Unesp), ganhou uma passagem de ida e mudou-se para a casa de um amigo suíço que havia conhecido em sua cidade natal. “Fui submetido a todo tipo de dificuldade de um imigrante ilegal”, conta. Da Suíça para a Noruega, depois para a Ale-

Fotos: fernando costa netto (retrato) e, demais, cortesia André Liohn / doc galeria

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Liohn transformou-se no grande personagem do fotojornalismo mundial, ao ser agraciado com a maior honraria da fotografia de guerra

manha e de volta à Noruega, arrumou um bom subemprego num asilo de idosos, juntou algum dinheiro e iniciou um curso de comércio exterior. Casou pela primeira vez e comprou uma câmera digital. Começou a clicar sustentado pelo sentimento de questionamento e insatisfação com a própria realidade. Dez anos se passaram rápido e, em 2005, resolveu tirar férias no inferno africano. Com um amigo, embarcou para Mogadíscio, capital da Somália. A caminho do Quênia, fotografou os campos de refugiados e, quase sem querer, se inseriu no fotojornalismo. “Percebi a importância do trabalho e de criar uma história, explicar uma situação.” André Liohn nascia naquele momento para a profissão. Uma década depois, fotografava e se desviava dos tiros em Misrata, na Líbia, na tarde em que um bombardeio abreviou as brilhantes carreiras de Tim Hetherington, da Vanity Fair, e Chris Hondros, norte-americano da Getty Images. Apesar de ter sido duramente criticado por divulgar a morte dos colegas pelo Facebook, os corpos dos dois foram levados de barco de Misrata para a cidade portuária de Bengasi, graças ao esforço do colega brasileiro. “Não tive alternativa, foi a maneira mais rápida de avisar a família e as redações de que eles estavam mortos.” Pai de Lyah e Anton – em homenagem ao amigo e fotógrafo tcheco Antonin Kratochvil –, Liohn esteve no Brasil em agosto para visitar a família em Botucatu. Na semana que a revista chegar às bancas, ele estará entre a fronteira da Síria e da Turquia. “A Síria está pirando os meus amigos”, diz recebendo pelo celular a mensagem do fotógrafo catalão Ricardo Vilanova: “Você pode sobreviver,

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Nestas imagens, andré Liohn registra a ação revolucionária nos países árabes. No alto, rebeldes na linha de frente em sirte, cidade líbia que ficou em ruínas após conflito contra as forças muammar kaddafi ; abaixo, rebelde pede ajuda durante batalha contra o ditador

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sob a luz do camburão Atual diretor de peteca do Corinthians, Zé Maria da Silva foi o maior fotógrafo de ocorrências policiais da história do jornalismo brasileiro Super Zé, repórter fotográfico do Notícias populares durante 30 anos, acompanhou a evolução da fotografia: clicou em preto e branco, tem cores, mas não chegou ao digital

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Repórter fotográfico do Notícias Populares durante 30 anos, José Maria da Silva, o Super Zé, foi o cara que mais clicou cadáveres fresquinhos na história do jornalismo brasileiro. Não pense que isso fez de Zé um sujeito amargurado, depressivo, baixo-astral. Pelo contrário. Ele recebe a seLecT em sua casa, nas imediações do Parque São Jorge, território corintiano, todo empoeirado e com resquícios de cimento nos chinelos: aos 60 anos, resolveu fazer uma baita reforma na casa, abrir uma laje pro churrasco com os amigos, aumentar a cozinha, quebrar escadas... é que, aposentado das lentes, sua grande atividade hoje é ser diretor de peteca do Corinthians, onde dá expediente três dias por semana. Mas Zé é indissociável do NP, onde trabalhou até a edição 13.413, a última, publicada em 20 de janeiro de 2001. Foi o primeiro fotógrafo brasileiro a clicar a vida bandida nos confins da metrópole, onde levava sua Leica M8. No começo, batia tudo em preto e branco; mais tarde, vieram as cores e o flash; aos poucos, porém (ou melhor, aos muitos e muitos cadáveres), Zé Maria iria encontrar sua linguagem, sem flash, com altos contrastes e sombras dramáticas. “A gente percebeu que, pra dar mais precisão ao contorno do morto a melhor luz era a de automóvel”, explica. Pedia à viatura policial ou ao motorista que o levava à ocorrência para jogar luzes enviesadas sobre o cadáver. Isso, curiosamente, fazia com que as imagens, hoje vistas fora de seu registro de jornal, ganhassem contornos irreais. “O que eu mais adorava era quando fazia cerração. Com garoa, então, eu me esbaldava”, conta. Carregava dez filmes de 36 poses por noite: se o caso rendesse, clicava todo o filme. E pra dormir,

“a gente percebeu que pra dar mais precisão ao contorno do morto a melhor luz era a do automóvel”, conta zé maria

depois do trampo? “Uma época fiquei meio deprimido, sonhava com o próprio trabalho, coisas estranhas... Teve uma vez que um morto veio me visitar em casa, pedindo que eu o fotografasse. Mas essa fase durou só uns dois anos, depois voltei ao normal, sempre xingando um bem-te-vi desgraçado que cantava na minha janela”, conta o fotógrafo. Não é brincadeira: Zé Maria calcula ter fotografado milhares de crimes. Nos anos 1970 e 1980, ainda sob o domínio dos grupos de extermínio, os bairros da periferia paulistana eram frequentemente cenários de chacinas. “Cheguei a ir em três massacres na mesma noite. Cliquei uma família toda uma vez”, conta. Momentos insólitos eram corriqueiros. “O pessoal era muito, muito humilde, você não tem ideia. Uma vez me disseram que eu não poderia tirar foto... porque não tinham como me pagar! Mas o mais forte foi um caso em que o garoto havia sido assassinado e ainda estava jogado no meio da sala, aquela sangueira toda, e a mãe, pra receber a gente bem, foi passar um cafezinho. Fazer o quê? Ficamos todos tomando café com o filho morto nos olhando.” Apesar de tanto mergulho na barra-pesada, instantes de diversão também apareciam. “Quando o crime era num boteco, a gente sempre terminava de tomar a cerveja pela metade do morto”, lembra Zé Maria. Tiros, facadas, enxadadas e enforcamentos eram os mais frequentes, mas Zé se lembra de uma história que rendeu uma das manchetes mais divertidas do jornal: “Morreu de metal pesado”. É que o sujeito havia sido assassinado com uma picaretada na cabeça. “A banda Sepultura quis usar a foto pra fazer uma camiseta, mas parece que a gravadora achou meio pesada demais”, ri o boa-praça Zé Maria. RB

Fotos: fernando costa netto (retrato) e, demais, cortesia José Maria da Silva

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O UNIVERSO PARALELO DE QUENTIN TARANTINO Às vésperas de lançar um novo longa, Django Livre, cogita-se a possibilidade de todos os filmes do diretor de Pulp Fiction serem, na verdade, um só A L e x a n d r e m at h i a s

Se você não assistiu a Bastardos Inglórios, o mais recente filme de Quentin Tarantino, pare por aqui, porque a tese discutida aqui não só parte do pressuposto de que você já tenha assistido a grande parte da obra do cineasta norte-americano como tem como principal amarração o final de seu filme sobre a Segunda Guerra Mundial. A teoria é relativamente simples: todos os filmes de Tarantino são um só. Ou, melhor dizendo, fazem parte de uma grande história em que diferentes personagens se encontram na fronteira da realidade com a ficção. A ideia não é propriamente nova e virou, inclusive, um curta feito pela produtora brasileira Republikka, em que Selton Mello e Seu Jorge discutem, em inglês, uma série de coincidências nos filmes de Tarantino que não seriam propriamente coincidências. (http:// vimeo.com/15565470) Não há nada de metafísico no fato de a maleta que John Travolta e Samuel L. Jackson caçam em Pulp Fiction brilhar quando é aberta. São os diamantes roubados em Cães de Aluguel. O personagem de Travolta em Pulp Fiction tem quase o mesmo nome do personagem de Michael Madsen em Cães de Aluguel: Vincent Vega e Vic Vega seriam irmãos. Mia Wallace, Uma Thurman em Pulp Fiction, fez um teste para atuar em um seriado chamado Fox Force Five, que consistia em um quinteto de assassinas de aluguel – o que nos leva a crer que esse seriado pode ter virado o filme Kill Bill. As conexões entre personagens de mesmos sobrenomes, atores Foto: divulgação / Imagem Filmes

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cartaz do filme Um drink no Inferno (1996), com george clooney e Quentin Tarantino

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uma thurman em pulp fiction e em kill bill: conexões

Bastardos Inglórios funcionaria como vórtex dessa realidade barra-pesada de Tarantino, modificando a cultura dos Estados Unidos

recorrentes e temas parecidos são dissecadas pelos dois atores brasileiros num papo de boteco que não leva em consideração Jackie Brown pelo fato de a história original não ser de Tarantino (e sim de Elmore Leonard) e que esta teoria misturaria todos os filmes escritos por Quentin, não apenas os que ele dirigiu. Aí a lista aumentaria para incluir Amor à Queima Roupa (dirigido pelo recémfalecido Tony Scott), Assassinos por Natureza (de Oliver Stone) e até filmes menores como Um Drink no Inferno e Eles Matam, Nós Enterramos (de Red Braddock), os dois últimos com Tarantino e George Clooney vivendo o papel dos assaltantes irmãos Gecko. O que nos leva a Bastardos Inglórios, que funcionaria como vórtex dessa realidade barra-pesada de Tarantino. Como vimos, o filme não só deturpa completamente o final da Segunda Guerra Mundial como elege uma sala de cinema como palco da última aparição dos nazistas, com Hitler e seus principais oficiais sendo metralhados e queimados vivos por uma gangue de soldados judeus que atravessou os anos 40 colecionando escalpos de soldados alemães durante o maior conflito do século passado. Em nossa realidade, Hitler tirou a própria vida num bunker e seu corpo nunca foi encontrado- o que tornou as décadas seguintes uma era de desconfiança, frustração e paranoia (a Guerra Fria e suas consequências). Na realidade de Tarantino, ele não só foi assassinado como sua morte teve requintes de crueldade. Além de ter acontecido dentro do cinema. Isso muda completamente a forma como a história foi contada e o que aconteceu com os Estados Unidos, que venceram a Segunda Guerra daquele jeito tornando-se um país que não só assimilou a violência de forma muito mais ampla que o de nossa realidade como tornou cada americano uma máquina de citações e referências de cultura pop. Mais que isso: um dos Bastardos Inglórios, vivido pelo ator e diretor Eli Roth, é o soldado Donny Donowitz, também conhecido como Urso Judeu, que, depois da guerra, envolve-se com a produção de filmes a ponto de seu filho, Lee Donowitz, ser um dos personagens de Amor à Queima Roupa, ele também um produtor de filmes. Assim, dentro do universo de Quentin Tarantino, os personagens são mais violentos e sarcásticos, sacam mais de estilo e de formas de torturar pessoas e assistem a filmes ainda mais violentos que sua realidade (como nós). Segundo essa teoria, filmes como os dois Kill Bill e Um Drink no Inferno são filmes que estão em cartaz no universo habitado por Mia Wallace

Fotos: nesta página, divulgação / Imagem Filmes; à direita, Andrew Cooper / Sony Pictures

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e Mr. White. Filmes que são bem mais malucos e violentos que os próprios filmes de Tarantino. Agora o mundo está às vésperas do lançamento de mais um novo Tarantino, Django Livre, que estreia dia 25 de dezembro, nos EUA. Resta saber como o novo filme – um faroeste estrelado por Jamie Foxx, Christopher Waltz, Leonardo DiCaprio, Samuel L. Jackson e Jonah Hill, entre outros – se encaixa nessa teoria. Seria o personagem-título – um escravo que luta pela sua liberdade, vivido por Foxx – um ancestral do personagem de Samuel L. Jackson em Pulp Fiction – capanga que larga o crime depois de uma revelação religiosa? Ou é mais um filme dentro de outro filme? Por mais que Tarantino não se preocupe essencialmente com essas conexões para tornar seu filme incrível, vai ser interessante ver como ele lidará com esse tema.

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Jamie Foxx estrela o filme Django livre, de tarantino, que estreia em 25 de dezembro, nos EUA

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A BELEZA SERÁ CONVULSIVA Se a fotografia – em forma de notícia – torna seu objeto mais “real” para quem está longe, não raro uma catástrofe vivenciada de perto se assemelhará, de maneira misteriosa, à sua representação Pau l a A l z u g a r ay

No fim d os anos 1960, a revista francesa Paris Match tornou-se o carro-chefe d o fotojornalismo mundial e seu slo gan prometia: “O cho que das fotos, o peso das palavras”. Esse foi o ápice de uma fórmula consagrada pela Life no pós-guerra, em que a foto grafia mandava no texto.

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Isto é, em que o texto servia como “ilustração” para a imagem. Mas todas as fotos esperam sua vez para ser explicadas ou deturpadas por suas legendas. Em muitos casos, a reação do leitor depende de como a imagem é identificada (ou falsamente identificada), observou Susan Sontag em seu último livro (Diante da Dor dos Outro), publicado em 2003, no qual analisou as oportunidades oferecidas pela vida moderna de

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, s o t o f s s a a d r e v u pal a q o h O c o das o p es

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Destruição em câmera lenta o aviso veio no fim dos anos 1990, mas os Estados Unidos não se sensibilizaram, se negaram a assinar o Protocolo de Kyoto e sua indústria de cinema seguiu investindo pesado em filmes sobre a iminência do fim do mundo, precipitado por desastres naturais. No filme 2012 (acima), o membro de uma equipe de pesquisadores descobre que o centro da Terra está superaquecido e que o fim está próximo. Entre geleiras derretendo e placas tectônicas se deslocando, a subjetiva de um jato que avança em direção às duas torres, já em desabamento. Até o dia 11 de setembro de 2001, o fim do mundo americano era coisa de cinema...

Fotos: Sony Pictures Entertainment e James Nachtwey

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ver – a distância, por meio da fotografia – a dor de outras pessoas. Sontag argumentava que fotografias de guerras e desastres, por mais que virem o estômago ou partam corações, não falam por si mesmas. Elas precisam de legendas para que leituras equivocadas, recordações enganosas e novos usos ideológicos não se produzam. Ainda assim, quando se refere à coleção de fotografias amadoras que foram expostas em Nova York logo após o atentado do World Trade Center, ela arrefece: para ver as fotografias dos detritos na exposição Nova York é Aqui, o público

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não tinha necessidade de legendas. Vinte e cinco anos antes, o artista Antoni Muntadas afirmou que uma imagem jornalística não precisa de uma legenda, mas de muitas. Se uma fotografia tem um ponto de vista, a legenda lhe confere outros. Esse é o subtexto da obra On Subjectivity: The Best of Life (Sobre a Subjetividade), em que o artista desafiou a objetividade de legendas tradicionalmente neutras e informativas, ao confrontar uma série de fotografias apropriadas da Life com comentários criados por colaboradores do trabalho. Alguns anos depois, a cineasta Agnès Vardá criou um programa para a

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FIM DE SEMANA PIROTÉCNICO Família sai para curtir o domingo na cidade de Amuay, na Venezuela, mas, em vez de sol, é aquecida por uma bola de fogo expelida pela explosão de uma refinaria de petróleo (abaixo). No passeio bucólico sob a luz de explosivos, no lugar de ar puro, as pessoas aspiram óleo queimado. Desastres dessa magnitude têm, afinal, um efeito nostálgico, evocando a lembrança dos singelos filmes de ação – do gênero Transformers (À ESQUErda) – que acalentaram nossa mais tenra infância

Fotos: divulgacão e Ariana Cubillos / The Associated Press 2012

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televisão francesa intitulado Une Minute Pour Une Image (Um Minuto para uma Imagem). Tratava-se de um minuto de transmissão de uma imagem com um comentário em off, provindo de um convidado, que poderia ser um escritor, um fotógrafo ou um feirante. Os comentários provocados pelos trabalhos de Muntadas ou de Vardá vieram na forma de análises, críticas, citações, mas também de invenções. Negando-se a descrever, para atestar a “realidade” da imagem, essas legendas eram releituras que abriam possibilidades ao imaginário. Mas muito antes da Paris Match, de Muntadas, de Vardá e de Sontag, André Breton havia desafiado a literatura descritiva inventando uma narrativa baseada no choque e no acaso. O surrealismo tem seu primeiro grito na frase final do romance Nadja, de 1928: a beleza será convulsiva ou não será. Se a fotografia – em forma de notícia – torna seu objeto mais “real” para quem está longe, continua Sontag, não raro uma catástrofe vivenciada de perto se assemelhará, de maneira misteriosa, à sua representação. Por isso, o atentado das Torres Gêmeas foi classificado de tão irreal – ou surreal – quanto um filme, por quem estava lá. O atentado ao WTC, a última catástrofe de dimensões multimidiáticas analisada por Sontag em seu livro, é o ponto de partida deste ensaio visual, que pontua fatos que beiraram a ficção, ocorridos nesses primeiros dez anos do século 21. A eles incorporamos o exercício proposto por Muntadas e Vardà. Fotos: no alto, nibariki - gndhddt; e Lars Lindqvist / SCANPIX / Other Images

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RASTROS DA CATÁSTROFE O desenho animado Ponyo (2008) (À ESQUERDA) chegou a ser vetado da programação televisiva de um canal japonês, depois que o tsunami devastou o nordeste do Japão, em março de 2011, resultando na morte de mais de 16 mil pessoas. Muitos atribuíram ao filme de Hayao Miyazaki um caráter premonitório. Mas é fato que os tsunamis, maremotos, erupções vulcânicas submarinas e outras ameaças vindas do mar são, desde sempre, a grande influência da ficção científica da ilha

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Quem tem medo do vermelho? Dora Longo Bahia tem na pintura um espaço de reflexão sobre a violência. Mas em sua obra o tema vaza também para o vídeo, a fotografia, a instalação, as artes gráficas e o rock PA U L A A L Z U G A R AY

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cena do vĂ­deo petit a, de 2011

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Em Série de 1995, dora longo bahia se apropria de legendas de fotografias de páginas policiais de jornais e se autoretrata como Vítima de violência Doméstica

O vermelho é a cor predominante na obra de Dora Longo Bahia. A cor se afirma em toda a sua potência a partir da série Who is Afraid of Red? (2002), que rende homenagem ao atentado a facadas sofrido pela pintura de Barnett Newman, Who is Afraid of Red, Yellow and Blue, dentro do Stedelijk Museum de Amsterdã. Mas muito antes desse evento – que modificaria o curso da obra da artista, é verdade –, o vermelho já existia em intenção, desde meados dos anos 1990, nas pinturas que retratavam a violência do mundo, presente nas representações de corpos de mulheres espancadas, vítimas de violência doméstica, que apareciam diariamente nas páginas do noticiário policial. No entanto, é a partir de Who is Afraid of Red? que a violência passa a ser a estratégia do próprio ato artístico de Dora Longo Bahia, materializando-se no uso ruidoso que ela faz de sua pintura.

FOTOS: Marcelo Arruda e, na página à direita, Rafael Assef

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Na página à esquerda, DLB, Grávida de 6 meses, foi espancada pelo marido porque o jantar não estava pronto Itaquaquecetuba 10.09.95; e DLB apanhou do irmão porque arrumou um amante muito jovem para ela Jardim Baronesa 04.07.95, ambos óleos sobre tela de 1995 nesta página, quatro pinturas da série DEsastres da guerra, realizadas em tinta acrílica sobre pergaminho de cabra, em 2012. Acima, reprodução de Robert capa (D-Day, Battle of Normandy, World War II, France, 1944); abaixo, Nheim Ein (Khmer Rouge), Cambodja, 1975-1978)

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À esquerda, Escalpo africano, de 2004; acima e abaixo, duas acrílicas sobre papelão da série Canções de amor no templo do rock, de 2003

as pinturas arranhadas e os escalpos surgem quando a artista troca a representação da violência pelo ato de violar a própria obra

FOTOS: Edouard Fraipont

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cartaz de show da banda cão, realizado em 2012, em são Paulo. integram a banda Bruno Palazzo (guitarra), Maurício ianês (voz, baixo e samples), ricardo carioba (sequenciador de áudio) e dora longo bahia (baixo). Entre 1992 e 2012, a artista integrou as bandas disk-putas, maradonna, vera fischer, bla bla bla e cão

“Comecei a pensar no corpo violado. Em vez de fazer o retrato da violência, as obras é que são violadas”, afirma ela. O vermelho se pronuncia nos arranhões que empreende sobre a pintura ainda molhada, nos riscos em negativos de fotografias de paisagens paradisíacas feitas com filme infravermelho e também no gesto de arrancar a pintura de sua superfície, técnica empreendida nos Escalpos Africanos (2004), Escalpos Cariocas (2009) e Escalpos Ferrados (2010). “O escalpo é uma pintura sem corpo, arrancada de seu corpo original e colocada sobre outro corpo. Geralmente esse outro corpo sobre o qual trabalho é podre, precário: é o jornal, o papelão, são madeiras de tapume, placas de fibrocimento e amianto, que são supertóxicas”, diz ela. O vermelho está também no vídeo e na música. Da mistura de ketchup com tinta acrílica para a fabricação de sangue falso nos vídeos da “trilogia do sangue” – Terror no Tatuapé (2009), Vinil (2009) e Petit a (2011); das manchas de tinta brilhante que delimitam os territórios em

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FOTOS: Rafael Assef e, na página à direita, Edouard Fraipont

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À esquerda, no alto, escalpo ferrado (paquistão), acrílica aplicada sobre ferro velho, em 2009; abaixo, Ocupação (Alemão). acrílica sobre tela, de 2011. Lado a lado, Ambos os trabalhos foram realizados com imagens apropriadas de blogs de soldados (americanos e brasileiros) na internet Nesta página, duas ACRíILICAS SOBRE PAPELãO DA série pobre pintura (fernando de noronha), de 2003

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conflito das pinturas Gel Poetics (2012), até a música bruta das bandas que integrou desde os anos 1980 – Disk Putas, Maradonna, Vera Fischer, Bla Bla Blá e Cão –, Dora Longo Bahia exercita arrojados deslocamentos de suportes. Nesses movimentos sinuosos, a artista confirma o trecho que apropriou de Walter Benjamin e colocou na boca de Carmela Gross, no vídeo Terror no Tatuapé: “O pintor deve ser um bom dramaturgo, um bom figurinista e um hábil diretor”. Na série mais recente de pinturas, Desastres da Guerra, apresentada na Galeria Vermelho entre agosto e setembro deste ano, Dora Longo Bahia voltou à iconografia do sofrimento. Alinhada com a reflexão da teórica Susan Sontag sobre o efeito das imagens de dor e violência na vida daqueles que as recebem diariamente pelos meios de comunicação, a série atualiza o álbum de gravuras realizado por Goya no século 18. Nas pinturas não há vermelho. São retratos em preto e branco dos maiores conflitos e tragédias do século 20. Mas a cor de sangue está lá, desdobrando-se no impacto que até hoje essas imagens provocam no observador.

as pinturas da série who’s afraid of red? são inspiradas no atentado a facadas sofrido pela pintura de Barnett newman, em amsterdã

Abaixo, acrílica sobre tela da série Who’s afraid of red? (carneiros), de 2002. à direita, pinturas da série gel poetics, de 2012, que reproduzem mapas de países ou regiões do planeta que vivem atualmente em situação de conflito interno ou com vizinhos

FOTOS: Edouard Fraipont e, na página à direita, rafael assef

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o artista COMO CÃO

Para o coletivo canadense General Idea, o poodle é a melhor metáfora do artista contemporâneo. Já Rodrigo Braga se reconhece em um rottweiler e Graziela Kunsch incorpora o vira-lata

J U L I A N A M O N AC H E S I

Nos anos 1980, o grupo canadense General Idea elegeu como alter ego u m c ac hor ro. O t r a ba l ho f oi r ecentemente r evisitado em uma mostr a r etrospectiva itiner ante sobre o coletivo, que perdeu dois de seus integrantes, em 1994, para a Aids – a epítome mais funesta do mondo cane contemporâneo. No Brasil, a convite de seLecT, dois artistas falam de trabalhos antigos – e fundantes – em que se autorretrataram como cães: Rodrigo Braga, que participa atualmente da Trigésima Bienal de São Paulo, e Graziela Kunsch, que integrou a 29ª edição da mostra. Ambos recorreram a metáforas caninas para explicitar a condição humana em trabalhos do início de suas trajetórias e demarcaram com essas obras um contundente testemunho sobre a condição do artista na sociedade atual. Apresentada em Paris e Toronto (até janeiro deste ano), a retrospectiva Haute Culture: General Idea vem lançando luz sobre a importância cultural do grupo, ativo entre 1969 e 1994, formado pelos artistas Felix Partz, Jorge Zontal e AA Bronson (que adotaram esses nomes ao fundarem o coletivo). Importância que não pode ser dissociada da proposta de equivalência entre artista e cão ou, mais precisamente, entre artista e poodle. O grupo defendia que o cãozinho frufru era a metáfora ideal para a situação do artista contemporâneo. Escolhidos pela banalidade e pela arbitrariedade da sofisticação a eles associada, os poodles possuem um ar de importância semelhante ao do artista. A retrospectiva iniciou o percurso no Museu de

P Is for Poodle (1983), do General idea

Foto: cortesia do artista AABronson / Coleção National Gallery of Canada, Ottawa

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Arte Moderna de Paris em 2011, com curadoria de Frédéric Bonnet, e foi organizada em torno de temas onipresentes na prolífica produção do coletivo: o glamour como ferramenta de criação, cultura de massa e sociedade de consumo, identidade gay, sexo como símbolo de um sistema social a ser subvertido, e a Aids. No cartaz de divulgação da mostra em Paris figurava o famoso retrato, de 1983, dos três artistas do grupo travestidos de poodles. Inscrito em escudos e brasões, fotografias e instalações, o cachorro comparece também em uma paródia das pinturas-happenings de Yves Klein (Antropometrias), cobertos de tinta azul: a obra Bleu (1984), que se vale de três poodles franceses brancos em tamanho real para espalhar pinceladas azuis formando a letra xis em telas de grandes dimensões. Os poodles foram fabricados por um taxidermista de Berlim de acordo com as especificações do General Idea, mas sem usar animais de verdade.

A imagem zoomórfica e antropofágica da fusão da cabeça do artista Rodrigo Braga com a de um rottweiler espelha e rebate as fantasias e desejos humanos

Nesta página, foto da série Fantasia de Compensação (2004), de rodrigo Braga; à direita, obras da série Mondo Cane Kama Sutra (1984), do General Idea

Intenção antropofágica O artista Rodrigo Braga, quando sentiu a necessidade de se retratar como cão, escolheu um rottweiler, pela força e agressividade da raça. A obra de 2004 tinha dois objetivos: discutir a potência ficcional das tecnologias de manipulação digital da imagem e formalizar uma semelhança subjetiva que o artista sentiu, na adolescência, com um cão. Em relato sobre o episódio de juventude que o marcou, Braga observa: “Hoje vejo que tive uma identificação imediata com aquele animal. Eu me reconheci nele”. A identificação ocorreu quando se deparou, a caminho da escola, com um cachorro fragilizado e doente na rua e percebeu que precisava de ajuda para enfrentar o pânico que então vivenciava. Gênese forte para explicar por que surgiria subitamente, anos depois, a “imagem zoomórfica com intenção antropofágica da fusão da minha cabeça com a de um rottweiler”. Ele escreve ainda, em seu relato Dos Bastidores de um Autorretrato (2005), que, “depois de curado, tanto tempo após esse episódio, ainda não me vejo como um rottweiler, mas às vezes acho que precisaria ser...” A série Fantasia de Compensação (2004), que mos-

Foto: cortesia do artista

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tra um passo a passo da transformação, com ares científicos, gerou protestos e incompreensão, comprovando a hipótese de Braga sobre a potência da ficção digital. O artista precisou, em 2008, divulgar uma nota esclarecendo que recebeu autorização formal do Centro de Vigilância Ambiental da Prefeitura do Recife para utilizar legal e eticamente o corpo do animal eutanasiado como procedimento-padrão das autoridades sanitárias no controle de zoonoses. Isso em resposta a uma enxurrada de ameaças que recebeu quando a obra foi exposta na feira SP-Arte daquele ano.

Ciclos alterados Atualmente, enquanto prepara seu retorno ao pavilhão da Bienal, agora para participar da 30a Bienal de São Paulo, Braga avalia os desdobramentos de Fantasia de Compensação como uma experiência legítima de espelhamento. “A arte espelha o mundo, mas devolve um espelho também: um rebatimento que mostra o que as pessoas são; e as pessoas são tão cruéis quanto a arte possa parecer”, afirma. “Acho bom que a arte ainda consiga mexer com o público. Essa obra mexe com as fantasias das pessoas. E talvez toda a minha produção faça isso em alguma medida, porque lido sempre com coisas arquetípicas”, explica. Nas séries que se seguiram à obra zoomórfica, como Comunhão (2006), Leito (2008) e Desejo Eremita (2009), Braga se valeu de outros bichos para simbolizar o contato com os elementos primordiais que povoam seu trabalho. “O artista não é como Joseph Beuys, que ensina arte a uma lebre morta”, escreve o crítico e curador Paulo Herkenhoff no ensaio do livro Ciclos Alterados, monografia sobre a obra de Braga. “A apateia [indiferença] do bode e o confronto de olhares interiores profundos de Rodrigo Braga entre os dois animais é a cena mental do conhecimento e da concentração da meditação. O artista, sem a culpa, opõe-se a Beuys. Nada ensina a bichos, não é amestrador de pathos do drama do barroco alemão”, reflete Herkenhoff acerca da fotografia de Comunhão que mostra a cabeça do artista encostada à de um bode morto, os dois corpos ocultos sob a terra. Fotos: Ilona Ripke / Cortesia do artista AABronson e Esther Schipper, Berlim

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comunicação por meio de latidos Nem poodle nem rottweiler, o cão que a artista Graziela Kunsch elegeu incorporar nas obras Nightshot (2000) e Nightshot 3 (2000) foi um vira-lata. Para realizar o primeiro vídeo, Kunsch se fechou sozinha em uma sala escura da faculdade onde estudava e passou a madrugada inteira latindo para a câmera. No outro trabalho, que resultou em uma videoinstalação, a artista perambula pelas ruas de São Paulo – também de madrugada – latindo para as pessoas que cruzam seu caminho. São cinco horas de filmagem, em que ela se comunica apenas por meio de latidos, sendo acolhida por uma ou outra demonstração de empatia, mas também ridicularizada e enxotada. Recentemente, ela revisitou os trabalhos de formação ao participar do Festival de Inverno da UFMG, que tinha como tema “o bem comum” e contou com a presença de muitos índios. “Eles entoavam cantos lindos em diversas situações e, no dia do debate em que eu era uma das convidadas, pedi permissão aos presentes para fazer o meu canto também. Foi difícil, mas eu lati por alguns minutos, após anos sem latir”, conta Graziela Kunsch. “Sobre o entendimento desses trabalhos como tendo informado minha produção posterior, eu precisaria de tempo para pensar. Uma possibilidade é o sentimento de margem em relação ao sistema. Mesmo dentro, não me sinto exatamente dentro ou aceita. Participei de uma bienal, em breve estarei numa exposição grande no Museu de Arte do Rio (MAR), a ser inaugurado em novembro, mas a única coisa que parece fazer sentido para mim é o ‘não caber’, como na época dos Rejeitados (projeto coletivo de envio de portfólios ao Salão da Bahia que incluíam a cláusula ‘só aceito ser selecionado se todos os outros Rejeitados também forem incluídos’, que inviabilizava o processo de seleção). Acho que

Cao Fei sintetiza as agruras da china hoje Na série Rabid Dog, que mostra a essência mundo-cão do escritório

há algo de vira-lata nisso, não?” Uma resistência que muitos artistas encontram no mundo da arte, a dificuldade de sentir um real pertencimento, aparece nos vídeos na forma da incomunicabilidade: o latido pode ser interpretado como angústia, solidão, como violência ou defesa, como tentativa de aproximação e de sentido, mas, sempre e infalivelmente, é algo que apenas se pode interpretar, nunca entender. A comunicação fica sempre aquém de qualquer racionalização, e isso reforça o aspecto do vira-lata como retrato emblemático da condição do artista e da arte. “Acho importante dizer que os latidos não são só incomunicabilidade, mas, antes, outra forma de comunicação, não verbal, corporal. Os latidos têm muito a ver com liberdade, com romper certos limites”, reflete. Nos trabalhos que vieram depois, Graziela Kunsch afastou-se de um retrato subjetivo do artista para documentar situações de exceção bastante objetivas do mundo-cão. As manifestações documentadas no Projeto Mutirão têm o aspecto de subverter ordens e regras ou controles, mas também (ou por isso mesmo) funcionam como flagrantes de condições injustas, desumanas, autoritárias etc.

no alto, frames da videoinstalação Nightshot 3 (2000), de graziela Kunsch; à direita, Dog Days e, acima, Hungry Dog, fotos da série Rabid Dog (2002), de cao fei

Foto: cortesia da artista

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Vida de mascote Pioneiras da arte conceitual e de base midiática, é possível dizer que as ações do General Idea também anteciparam muito do mundo-cão cultural. Os trabalhos do grupo em geral mimetizavam o maquinário do estrelato, se apropriando e subvertendo formas da cultura popular, como concursos de beleza, butiques, programas televisivos de entrevista, pavilhões de feira comerciais. “Estar em um trio nos liberta da tirania do gênio individual”, escreveram os integrantes do grupo em um manifesto intitulado How our Mascots Love to Humi-

liate us... Revelations from the Doghouse (Como os nossos Mascotes Amam nos Humilhar... Revelações da Casa de Cachorro). O grupo publicou durante dois anos a revista FILE, anagrama e paródia da revista Life, apropriando-se de elementos do fluxo da mídia cultural e da arte contemporânea. Ela antecipou zines queercore e punk dos anos 1970 e 1980, bem como intervenções mais recentes na mídia de massa, como a revista antiglobalização Adbusters, de Vancouver, no Canadá. E não é só por meio de autorretratos como cão que os artistas expressam seus desejos recônditos de latir para o mercado ou para o sistema. Exemplo disso é Cao Fei, artista chinesa que participou da 29ª Bienal de São Paulo, em 2010, com uma instalação que apresentava as aventuras de seu alterego China Tracy, avatar da artista no Second Life que inventou uma construção utópica chamada RMB City, caricatura fantasiosa das contradições da China contemporânea. Em uma série anterior ao mergulho na vida digital, Cao Fei havia sintetizado as agruras de hoje em seu país. Nos vídeos e fotografias de Rabid Dog Series (2002), a artista mostra como o ambiente do trabalho esconde um mundo de submissão, em que nos comportamos como cachorros em troca de uma bolsinha Burberry no fim do mês.

Fotos: cortesia da artista e da galeria Lombard Freid, NY

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comportamento

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Angélica de Moraes

Quando, em 1514, o artista alemão Albrecht Dürer (1471-1528) gravou no metal a magnífica imagem da obra Melancolia, o Brasil era recém-descoberto. Porém, essa síndrome que atinge e corrói as fibras da alma já assolava a humanidade há milênios. Há quem diga que ela é a mais fiel companheira do homem depois do cão. Um deles, aliás, está enrodilhado aos pés da personagem mitológica que Dürer criou para representar esse estado de espírito. O cão galgo, na imagética renascentista, é um dos símbolos da melancolia. Um cão submisso, ávido pelo raro agrado do dono e entregue ao sono para preencher o vácuo da espera. O cão no aguardo do comando, como potência de ideia capaz de farejar soluções. Um cão veloz. À luz da mentalidade renascentista, a imagem alada que domina a composição de Dürer pode ser entendida como um autorretrato do artista. Ou o retrato mesmo da condição do artista no mundo. Naquela época, a melancolia estava associada à criatividade, que, por sua vez, costuma derivar da densidade de espírito. Algo que podia se espraiar melhor em um tempo distendido, menos avaro, raso e agendado em fatias finas do que o tempo contemporâneo. A melancolia já foi chamada de spleen, termo popularizado em versos pelo poeta romântico francês Charles Baudelaire, no século 19. Mas spleen é a palavra inglesa que denomina um dos órgãos do corpo humano: o baço. Conforme o pai da medicina, o grego Hipócrates (séc. 5º a.C.), esse órgão fabricaria a bílis negra, substância que escureceria o humor do indivíduo e o levaria ao ânimo melancólico.

paul dano como Dwayne, no filme little miss sunshine; e, Na página da esquerda, a gravura Melancolia (1514), de Dürer

Da gravura de Dürer aos sensíveis e bem-comportados emos, breves capítulos da história de um estado de espírito

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o uivo da

melancolia fotos: Cortesia National Gallery of Art, Washington; e divulgação (à direita)

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ensaio

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O cão galgo, em escultura de Alberto GiacomettI: símbolo da melancolia

Essa secreção escura ocorreria, ainda conforme Hipócrates, sob influência do planeta Saturno. Um dos sinônimos para a melancolia no século passado era a palavra inglesa blue (azul). Na música, remete aos blues arrancados da guitarra por B.B. King e outros que extraem nossa alma pelos pés. Lars von Trier dedicou um belo filme ao tema (Melancolia, 2011), jogando por terra todas as utopias humanas (família, felicidade, amor) sob a iminência da destruição da Terra pelo choque com o fictício planeta Melancolia, tão azul quanto ela. Nós, terráqueos, sabemos que somos azuis desde que o cosmonauta russo Yuri Gagárin, em 1961, nos informou isso. Na mesma ocasião, ele também deu conta da imensidão de nosso desamparo sideral: “Olhei para todos os lados e não vi Deus”. Órfãos de Deus, azuis e cada vez menores a cada nova descoberta científica que alarga e aprofunda os abismos do universo pelas lentes do telescópio espacial Hubble, os humanos estão mesmo em rota de colisão com o planeta Melancolia. Não é estranho que sintam desejo de uivar para a lua, como já fazem os premonitórios cães e lobos. Atrás da lua, supõe Von Trier, está o que vai nos destruir. Nem o brasileiríssimo culto sincrético a São Jorge, cuja efígie estaria impressa na superfície lunar, poderá nos salvar. Certeiro observador da alma verde-amarela, o escritor Nelson Rodrigues (1912-1980) identificou, nos anos 1950, que sofremos de algo tão acabrunhante quanto a melancolia: o complexo de cachorro vira-lata. Para o escritor, o brasileiro seria “um narciso às avessas, que cospe na própria imagem”. E sentencia: “Não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima”. Atualmente, o Brasil ensaia algum orgulho nacional na esteira de recente e dúbia prosperidade, mas ainda oscila entre sentimentos ufanistas e de vira-lata. Por exemplo, como explicar a imagem do brasileiro pelo estereótipo do feliz compulsivo, tripulante de uma nave louca na qual apenas existem três alavancas de comando (carnaval, futebol e samba), todas levando fatalmente ao alvo onírico da celebração e do riso?

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a folclórica alegria do brasileiro é um mito,uma construção social

Em que momento foi ejetada dessa cabine a funda melancolia que brota das raízes da pátria, nas veias por onde circulam o banzo do escravo trazido pelo navio negreiro, a tristeza do índio desaculturado e desarvorado nas margens da civilização e, não menos importante, a nostalgia do português que cultua a plangência dos xales pretos e dos fados? Como dessas três melancolias ancestrais resultou a sorridente mulata emplumada com samba no pé? Conseguimos nos identificar com esse clichê? Ou sabemos desde sempre que somos feitos de outro estofo, da bile negra de Hipócrates? A folclórica alegria do brasileiro é um mito, uma construção social que inconscientemente ajudamos a perpetuar e cuja incongruência é denunciada pelas estatísticas. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelecem que a depressão e o estresse crescem a níveis epidêmicos nos países industrializados, e que, em 2020, serão a segunda maior causa de comorbidade (fator associado à morte) do mundo ocidental. O Brasil participa com destaque nesse mapeamento dos ânimos. Levantamentos realizados pela Isma-Brasil, filial da International Stress Management Association (associação internacional que avalia e estuda o estresse), dão conta de que os brasileiros estão entre os povos mais estressados do planeta. Somam 30% da população economicamente ativa do País. Nestas supostas paragens idílicas cresce também o fenômeno do burn out, o esgotamento mental intenso resultante de demandas abusivas internalizadas na esfera do trabalho. O burn out (expressão inglesa que remete à imagem de uma cabeça de fósforo queimado) produz exércitos de melancólicos, exauridos

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cena do filme Melancolia (2011), de Lars Von Trier: o fim das utopias

pelo desequilíbrio entre esforço e recompensa. A mesma pesquisa constatou que os ambientes de trabalho no Brasil não favorecem o mérito profissional. O que conta mais por aqui, diz o estudo, são as relações pessoais. Talvez um desdobramento contemporâneo perverso do que o historiador Sérgio Buarque de Holanda, no livro Raízes do Brasil (1936), denominou “brasileiro cordial”. Cordial (do latim cordis, coração), para assinalar que essas atitudes passam longe dos critérios racionais que deveriam pautá-las. A psicanalista Maria Rita Kehl, no livro O Tempo e o Cão (Boitempo, 2009), esclarece que “o mundo contemporâneo demonizou a depressão, o que só faz agravar o sofrimento dos depressivos com sentimentos de dívida ou de culpa em relação aos ideais em circulação”. Um dos maiores humoristas brasileiros, Chico Anysio, depressivo clínico e usuário confesso de Prozac, afirmava: “O humor só existe em países com problemas. Não existe humorista sueco ou finlandês”. Talvez a história da melancolia contemporânea necessite de outra linguagem para ser contada. Talvez ela seja o desesperanto, neologismo criado pelo escritor cubano Guillermo Cabrera Infante para definir os angustiados diálogos dos replicantes (robôs orgânicos) do filme Blade Runner (direção de Ridley Scott, 1982). Especialmente quando o replicante Roy, sentado no beiral de um alto prédio da megalópole e encharcado pela chuva que desenha finas linhas d’água no seu rosto e disfarça as lágrimas, observa que suas memórias são sobre perdas e morte. Roy uivava para dentro, no beiral do mundo futuro. Filmes e telesséries reunindo vampiros e lobisomens atravessaram gerações com sucesso garantido. São a melhor metáfora para acolher os conflitos adolescentes surgidos com a transformação do próprio corpo. O peludo lobisomem é, na real, um garoto na puberdade. Ele foge e uiva de medo do adulto que nasce dentro dele e das urgências do despertar do sexo. A desesperança atinge a adolescência desde sempre, mas não se fazem mais Rimbauds como antigamente. O teen melancólico é um Peter Pan sem a coragem de lutar contra os piratas. Os sensíveis e

comportados emos, que saíram de moda no fim da primeira década deste século, morreriam de susto diante do visual podreira e das malcriações do seu ancestral remoto no uso de roupas pretas, rímel pesado e tachinhas: o punk. Os emos jamais entenderiam a revolta cheia de som e fúria das meninas da banda punk russa Pussy Riot. Mas seus irmãos em utopia, os jovens brasileiros que se organizam em microativismos pontuais contra políticas públicas falidas e em defesa dos direitos da cidadania, certamente entendem. Eles são a verdadeira alternativa à melancolia, porque insistem em construir e sinalizar uma saída. É um Brasil que muda de mentalidade e solta os cachorros.

Kirsten Dunst interpreta Justine no filme Melancolia

fotos: divulgação / Warner Bros. Pictures (acima), e divulgação / California Filmes (imagens à direita)

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cotidiano Que tal queimar as mãos, manchar uns móveis, estragar documentos importantes e, de quebra, poluir um pouco mais o planeta com plástico de quinta categoria? Aceita um cafezinho?

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A palavra design contém uma bela ambivalência: a abstração de projetar e o propósito concreto de configurar. Canalha é um adjetivo relativo ao socialmente desprezível. Design canalha é, portanto, uma traição. Não só da disciplina, mas de nós. Precariado, uni-vos! À desforra!

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Como jogar no lixo da história a forma mais perfeita da natureza? Com uma embalagem que te obriga a esmagar os ovos para ser aberta fica fácil

O jornal da manhã e as tragédias de ontem ganham bem mais emoção com um tsunami lácteo

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do jeito que as coisas andam, a colherinha de café está com os dias contados, mais da metade já não desempenha. a extinção de uma espécie

Não basta gostar de trash food. Tem de ser porcão. E os acessórios colaboram. Vai nessa, ogro. 81

DESIGN CANALHA

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G i s e ll e B e i gu e l m a n

a r t e G U TO L AC A Z s t i l l s f e r n a n d o la s zlo

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cotidiano

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Com uma simples tomada, você pode passar horas imerso em jogos de encaixe...

Não perca a paciência tentando lembrar o que liga a tevê e o que trancará para sempre o portão da sua casa. Controles remotos são um ótimo substituto do lego e substituem até os antigos dominós Um feixe de cabos pode se transformar em um passatempo interminável de busca pelo orifício correto...

a tecnologia está nos roubando o prazer do ócio? Os designers de aparelhos celulares são sádicos ou estudaram em escolas de tortura física e psicológica?

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E quem disse que a tecnologia nos afasta da natureza? Cabos e fios dão um clima selvagem à decoração e são ótimos meios de cultura para aranhas e outras pestes

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cotidiano

Inspirado no conceito “nu com a mão no bolso”, este shampoo é um item de higiene projetado para a alegria do banho do míope

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0cm

20cm

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pega-trouxa. é brincadeira o que os caras abusam do direito de fazer a gente desperdiçar compulsoriamente, tem o gatilho que acerta o seu pé e outro que manda no vizinho. confira a distância que cada frasco é capaz de alcançar na olimpíada diária de arremesso de sabonete líquido

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O papel em geral não absorve nada a não ser poeira. E, ainda por cima, o porta-guardanapo corta as mãos do funcionário e despeja trocentas folhas inúteis, ganhando status de obra-prima. De design sem forma nem função

Privilégio feminino sem preconceito de classe ou idade: trocar a cor do esmalte a toda hora e sentir-se linda. Melhor que isso, só espatifar as unhas a cada vez que se decide trocar o esmalte

Criadores de apetrechos domésticos, no afã de poupar tempo, pesam a mão e acabam criando clássicos da inutilidade e do desperdício

Olha que ideia incrível: uma vassoura que reconhece a majestade do trabalho doméstico SHuctorbisse, nius spiostatid patu que publictumus e te empodera com um cetro em vez de limpar aperi pra quo temuscre tam porternum Produção: Anna Guirro; Assistente SHuctorbisse, nius spiostatid patu de quefotografia: publict Charly Ho; Modelo mãos: Geovana Ribeiro (Elite Models); Agradecimento: OVO design.

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Veteranos das Guerras do Camboja, Ruanda, B贸snia, Kosovo, Afeganist茫o e Iraque Virados para a Parede (2012), no museu Kunstverein Nuremberg, na Alemanha

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crime

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castigo Santiago Sierra denuncia a escravidão do trabalho em instalações e performances contundentes J U L I A N A M O N AC H E S I

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artes visuais

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O artista espanhol Santiago Sierra não é homem de meias palavras. Nem mede esforços para delatar a obscenidade do mundo do trabalho e do capital. Não se pode dizer que ele tenha inventado o procedimento artístico de contratar mão de obra barata para executar tarefas humilhantes. O mundo já funcionava assim quando ele chegou ao universo da arte, nos anos 1990. Mas pode-se dizer que Sierra sistematizou e escancarou o modus operandi do capital em uma sólida (e controversa) trajetória artística que consiste, em poucas palavras, em contratar mão de obra barata para executar tarefas humilhantes. Quatro prostitutas viciadas em heroína receberam o equivalente a uma dose da droga para terem uma linha contínua tatuada em suas costas (Salamanca, 2000). Seis trabalhadores foram pagos para permanecer durante quatro horas diárias, e por seis semanas, no interior de caixas de

“O sistema em que vivemos é sádico, algo tão intenso não poderia estar ausente do meu trabalho” papelão (Berlim, 2000). Seis refugiados albaneses foram contratados para mover à mão três cubos de cimento de 100 x 100 cm de um lado a outro do espaço expositivo (Sankt Gallen, Suíça, 2002). Oito militantes anarquistas receberam 100 euros cada um para ficar de castigo ouvindo a Missa do Galo no Natal (Roma, 2006). Mais recentemente, Sierra tem pago a veteranos de guerra para ficarem de cara para a parede em suas exposições. O artista também organiza performances para serem filmadas: Los Penetrados, filme de 45 minutos em oito atos, foi originalmente encenado em 12 de outubro de 2008, Día de la Raza (Dia da Raça), feriado espanhol em que se comemora a des-

vídeo Os Anarquistas (Dia 25 de dezembro de 2006), apresentado em roma

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coberta das Américas por Colombo. O filme mostra um espaço espelhado com dez cobertores geometricamente dispostos no piso, em que todas as combinações possíveis de masculino e feminino, brancos e negros, são experimentadas em uma maratona de sexo anal. Os participantes foram convocados por anúncios de jornal, o que atraiu protestos diante do espaço de filmagem. Os voluntários receberam pela participação na performance, tiveram seus rostos digitalmente ocultados no vídeo preto e branco sem áudio final e, na opinião de um crítico engajado, protagonizaram uma ação que transformou o sexo anal em ato mecânico e discurso político, tornando-se alegoria para as engrenagens da máquina capitalista. Leia a seguir a entrevista que Sierra concedeu por e-mail a seLecT.

Qual a sua opinião sobre as condições precárias de vida de trabalhadores braçais latino-americanos que vivem de subempregos na Europa? Esse tipo de condição é o principal tema de suas obras como artista?

Sem dúvida, a ditadura reside no trabalho. A pessoa vende seu tempo, sua inteligência, seu corpo e, portanto, sua liberdade aos interesses do empregador. Mas grande parte das pessoas não tem o “privilégio” de trabalhar, são a massa dos zumbis para aterrorizar o trabalhador, se você não trabalhar você vai ser como eles. O Estado, propriedade e sucursal do capital, destrói implacavelmente qualquer tentativa de emancipação do povo, promove comportamentos masoquistas de obediência e reprime a criatividade e a elevação intelectual do ser humano. Ser pobre é viver em um mar de problemas, resolver a vida minuto a minuto é viver pouco e mal. O sistema em que vivemos é sádico e eu vivo aqui, de modo que algo tão intenso não poderia estar ausente da minha vida e, portanto, do meu trabalho como artista.

Quando concebe uma obra potencialmente controversa, como Los Penetrados (2008), como você garante que a obra seja finalizada e exibida?

Controverso é qualquer coisa que não aplauda as virtudes do Estado e o capital, ou qualquer de seus deuses menores. Desse modo, polêmico é algo que desperta o interesse das pessoas, porque aqui parece falar sempre o mesmo, mas com muitos tons de voz. Assim, quando algo não é o pensamento único é controverso. As controvérsias são organizadas pelos meios de comunicação para indicar e tentar intimidar os dissidentes.

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Los Penetrados (2008), ação na espanha no dia em que se celebra a chegada de colombo às américas

Qual performance ou ação apresentou os maiores desafios nesse sentido?

Sinceramente, e sem subestimar suas presas, eu não faço minhas peças pensando no que a mídia dirá. Os meios de comunicação têm dono, são propriedade de pessoas específicas, de grupos de poder específicos, a opinião pública não fala por meio deles. Então, eu simplesmente não me importo com o assunto.

Você tem como alvo assuntos sociais, étnicos e políticos da sociedade contemporânea, mas nunca tematizou o próprio circuito de arte. Qual a sua opinião sobre as condições de trabalho em instituições de arte e galerias? No mundo da arte conheci pessoas extraordinárias, bons profissionais, amigos inclusive, mas eu acho que um funcionário de banco te diria a mesma coisa. O sistema bancário e a arte estão no mesmo planeta. Um mundo capitalista, do qual a arte é um subconjunto. Eu trabalho com outros artistas constantemente, mas, como diz o ditado, entre ciganos não se leem as mãos.

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Sado maso quismo cordial

Bo eS cu

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O sucesso mundial do pornosoft Cinquenta Tons de Cinza, de E.L. James pode ter despertado por aqui a atenção de muita gente para o sadomasoquismo – prática tão antiga quanto as maldades perpetradas por Jeová para cima desses bonecos de barro que o veneram. As peripécias do lindo, inteligente, bem-sucedido, educado e rico Grey, que propõe a Anastasia, uma virgem indefesa, que seja sua escrava na cama – incluindo uma cena em que o dominador espanca as nádegas da submissa e, cavalheiro, depois passa creme de arnica para lhe acalmar a pele –, provocaram por todo o mundo uma corrida às sex shops e a clubes SM. No Brasil, enquanto antigos clubes como o Dominna permanecem fechados (a dona, a lendária Deusa Bella, casou-se e acabou com a brincadeira após 12 anos de tapas e beijos), festas cada vez mais bombadas, como a Projeto Luxúria, recebem os novos aficionados do BDSM. O acrônimo refere-se a Bondage, Disciplina, Sadismo e Masoquismo. O fim de uma balada e o sucesso de outra mostram como a tara nacional pelo bateu-

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Bondage, Disciplina, Dominação e Submissão viram passatempo cult nas noites paulistanas fot ografia edu mendes text o Ronaldo Bressane

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o d a h c a M : a s a m d e t n a t u o e f a r o c r r e o p pl S s a e x s z e í u ra assis a C a d e co n to no

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-levou se desenvolveu: se no prosaico Dominna o livro de E.L. James poderia ser leitura de cabeceira, na descolada Luxúria a turma faz a cabeça mesmo é com os velhos Sade e Masoch. Em ambas, porém, embora à primeira vista couros, correntes e carrancas assustem os incautos, reina mesmo é o sadomasô arte, o sadomasô moleque. No antigo Clube Dominna, perto da estação Ana Rosa do metrô, em São Paulo, toda sexta-feira havia a noite dos podólatras. Homens com fetiche por calcanhares, solas, unhas, dedinhos, dedões, perfumes, chulés e derivados – de sapatos sujos a saltos perfurocortantes – cumprem o ritual de submissão às suas Senhoras e se deixam pisar e chutar; se tiverem sorte, ganham o direito a lamber, beijar e cheirar os membros inferiores de tais damas dominadoras. Ali também havia a Noite do Espancamento, as Tardes Bondage (em que o praticante é amarrado pelo parceiro, ou vice-versa), workshops sobre a prática de agulhas – tudo intercalado com episódicas soirées, em que se promovia a culinária italiana, com direito a pizzadas e choppadas. Donas de casa, juízes, empresários, secretárias bilíngues, professores, fisiculturistas e técnicos de informática dividiam-se entre os papéis de dominador e submisso e partilhavam saudavelmente suas fantasias: brincadeiras consentidas que teatralizam a violência, o domínio e o passivo. A moça do telemarketing podia dar chibatadas no lombo de um poderoso advogado, que era levado por uma corrente no pescoço, as quatro patas no chão, uma bola de couro no chão e um penacho acoplado ao popô. A dona de padaria podia ser amarrada, estapeada e esculachada pelo atendente da loja de videogames. E, ritual plenamente gozado, todos depois se congraçavam entre choppinhos e abraços, alguns até repartiam o táxi de volta para casa, onde pijamas e lençóis macios os aguardavam. Mais estiloso e frequentado pela fina flor do mundo descolê, o Projeto Luxúria, que funciona toda semana no Mini Club, no centro paulistano, é organiza-

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do por Heitor Werneck, criador da Escola de Divinos – clássica marca de inspiração fetichista, gótica e punk. Cria do Madame Satã, casa paulistana dos anos 80, “com fixação pela Idade Média e pela figura dos vampiros”, Werneck adora viver dos extremos do BDSM: leia-se deixar-se pendurar no teto de uma casa noturna por meio de ganchos enfiados na pele. Ele acha ridículo a mania existente na liturgia da cena BDSM brasileira em que os praticantes se rebatizam com nomes começados por Lorde, Senhor, Amo, Mãe etc.: “Tentam compensar com esses títulos pomposos a mediocridade do seu dia a dia”, brinca, criticando a “falta de requinte na maldade” e a estética esquisita do mundinho sadomasô. Por isso propõe em suas festas caracterizações sofisticadas – quem chega vestido com roupas “normais” paga dez vezes mais do que quem vem montado em couro ou em caracterização burlesca. Há noites crossdresser e até mesmo steampunk. Também são ministrados workshops, como o de shibari, milenar arte nipônica de imobilização militar, então aplicado para o gozo sexual de seus praticantes. “Na parte teórica falamos sobre cuidados, riscos, segurança, tipos ideais de cordas; na prática são ensinados nós e amarrações básicas e duas amarrações de corpo completas. No almoço serão servidos salada de rúcula com morangos e sorvete de rosas com bijou”, sugere o programa, divulgado na página de Werneck no Facebook. Se um tapinha não dói, já ensinava o Bonde do Tigrão, no Brasil a carnavalização do sadomasô é um dado natural – e não falamos só da clássica coleirinha de Luma de Oliveira com o nome de seu então dono, Eike Batista, desfilada pela musa no Sambódromo. Interpretado por Suzana Alves, o personagem Tiazinha, criação do editor Paulo Lima (Trip) para o programa de Luciano Huck (nosso próximo presidente, saibam, masoquistas), brincava com o estereótipo da dominatrix em chave infantojuvenil – algo bem próximo, não é forçar a barra, à sexy e dominadora Xuxa tratando

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seus baixinhos com petelecos, nos anos 1980. Falar em sadomasoquismo no Brasil lembra, obviamente, o sistema escravocrata – daí essas representações meio ridículas parecerem um jeito de mascarar e terraplenar nossa mais antiga chaga social. Afinal, a prática cujo gozo sexual se atinge quando um dos praticantes puxa para si o papel de mestre, proprietário e soberano e o outro personifica o escravo, o servo e o rebaixado chegou a ser corriqueira e pedestre – ainda que disfarçada sob forma de controle social, político e econômico. Mas as raízes são profundas. Machado de Assis sempre teve um olho fino para o assunto. Em uma passagem exemplar de Memórias Póstumas de Brás Cubas, o escritor carioca descreve o prazer que o protagonista sentia ao cavalgar seu escravo Prudêncio, quando criança. Mais tarde, maduro, Brás Cubas assistirá a Prudêncio, então escravo forro, lidar do mesmo jeito com seu próprio servo: a chutes e pontapés. No conto A Causa Secreta, Machado evolui o tema do sadismo ao contar a história de Fortunato, um médico que gostava de torturar ratos, cortando-lhes as patas e queimando-os vivos. “Nem raiva nem ódio; tão somente um vasto prazer, quieto e profundo, como daria a outro a audição de uma bela sonata ou a vista de uma estátua divina, alguma coisa parecida com a pura sensação estética.” Mais recentemente, o poeta Glauco Mattoso elevou ao status de arte sua obsessão com pés masculinos (malcheirosos) e sua volúpia por ser espancado, em centenas de sonetos fartamente elogiados pela crítica pela originalidade e humor. Masoquista confesso, certa vez Glauco revelou, em entrevista a este que vos digita, que seu grande sonho era “ser um sádico” – pouco antes de prosaicamente servir ao repórter mais um cafezinho na sala de sua casa, decorada com bibelôs de pezinhos e botinhas. Como diria Madonna, pobre do homem cujos prazeres dependem da permissão de outro. No mundo sadomasô brasileiro, mesmo que dando cordiais risadas entre violentas palmadas, ninguém nunca parece estar satisfeito.

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A n to n i o C a r lo s P r a d o

Atores de si próprios

Protagonistas de crimes que se tornaram midiáticos e espetaculares, eles ativam o voyeur-perverso-mórbido-adicto-negativo que habita cada um de nós fotos: acima, Carol Guedes / Folha Imagem; à direita, Rubens Cavallari / Folhapress

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As imagens de Elize descendo pelo elevador de seu prédio com três malas de rodinhas, que agora se sabe escondiam as partes do cadáver picado, alcançam imediata e repetitivamente as telas da tevê

Do todo, as partes; de tudo, um pouco. Fragmentos concretos, mas de um corpo não mais inteiro – e, portanto, um Do todo, as partes; de tudo, um pouco. Fragmentos concretos, mas de um corpo não mais inteiro – e, portanto, um corpo não mais real –, foram chegando ao Instituto Médico Legal da cidade paulista de Cotia: uma perna, um braço, outra perna e outro braço, o tronco, a cabeça – e com ela o reconhecimento do corpo do empresário Marcos Matsunaga, assassinado e esquartejado por sua mulher, a ex-garota de programa Elize Araújo Matsunaga. Na mesa inclinada do IML a intimidade do corpo e daquilo que ocorreu com ele é registrada por filmadora e câmera fotográfica da perícia médica: de tudo que foi o corpo, um pouco do que agora forma o corpo é desnudado e, no patamar simbólico, novamente fragmentado. As fotos voam para a internet. As imagens de Elize descendo pelo elevador de seu prédio com três malas de rodinhas, que agora se sabe escondiam as partes do cadáver picado, alcançam imediata e repetitivamente as telas da tevê. É a cortina se abrindo. E tomemos coragem e respiremos fundo, porque são também as nossas cortinas interiores começando a mostrar que, dentro de nós, o cenário não é dos mais desejáveis. Os telespectadores, olhos vitrificados, fixos e ávidos, veem e reveem tais imagens, as emissoras as passam e

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repassam, e pronto, o crime se transformou em crime-espetáculo: de tudo que foi o crime assistimos a um pouco do que foi o crime. Mas o assistimos excessivamente. Não se perde um capítulo, embora eles se repitam, pois exibem sempre a mesma cena. Por que isso nos seduz, aqui e em qualquer canto do planeta? Por que a mídia atua dessa maneira? Responde a advogada civilista Maristela Bacco: “A expressão de-tudo-um-pouco explica essa sedução e paixão. Os que fazem a mídia são seres da mesma espécie humana à qual nós, telespectadores, pertencemos. E todo ser humano traz em si uma porção perversa. Esse é o fio invisível que une criminoso-crime-mídia-público. O fascínio é perverso. Existe uma voz, na emoção de cada telespectador, que lhe sussurra: olha como a vida do outro é ruim e a minha vida é melhor. Há um voyeur perverso em nossa alma”. Assim como o crime de Elize, outros tantos se tornaram midiáticos e espetaculares, todos eles a despertar e a atiçar o nosso “voyeur mórbido”, na designação da artista plástica Mariana Pimenta Cama, mestre em comunicação e semiótica, autora de O Crime-Espetáculo na Tela – Entre a Realidade e a Ficção. São exemplos emblemáticos a morte da garotinha de 5 anos Isabella Nardoni, em São Paulo, o sequestro do ônibus 174, no Rio de Janeiro, e o cárcere privado seguido de morte da jovem Eloá Pimentel, em Santo André, no ABC paulista. E quando ligamos a televisão ou navegamos em sites para ver tragédias como essas, o voyeurismo é o traço comum. Vale aqui destacar que 98,2% da popula-

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na página ao lado, o casal nardoni; acima, elize vista por câmera de segurança

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ção brasileira, conforme pesquisa CNT/Sensus, acompanhou o caso Isabella. Trata-se, então, do nosso lado “voyeur-mórbido-perverso”, e tal lado se alicerça em um movimento psíquico projetivo. Como já se disse, nosso cenário é nebuloso. Explica-se: se o criminoso, em sua personalidade transtornada, faz-se um ser que se comporta em essência por meio da projeção, nós também projetamos nele e no crime o que há de ruim em nós – ruindade que preferimos pensar que temos do que sentir que possuímos. “É como se o mal estivesse fora da gente”, diz Mariana. “O que alimenta essa ciranda do crime-espetáculo é o egoísmo. Saber que o drama está fora nos dá enorme sensação de alívio. E o nosso voyeurismo funciona como droga, por isso sempre queremos mais e mais, porque o efeito do prazer dura pouco”, explica a psiquiatra, psicoterapeuta e psicodramaticista Therezinha Esteves. “Onde existem regras existirá, na mesma proporção, a vontade de transgredi-las. E aquele que burlou a lei conseguiu concretizar o desejo natural reprimido. Sublimamos nossos instintos, afinal o inferno são os outros”, afirma a advogada penal Flávia Guimarães Leardine. O mais renomado penalista do País, com doutorado em

Coimbra, Roberto Podval, que atuou no caso Isabella Nardoni, fecha a teoria do circuito desse “sentimento de atração pelo crime-show”. A humanidade é voyeur pela perversidade (como afirma Maristela Bacco); é voyeur pela morbidez (como quer Mariana Pimenta); voyeur adicta (na palavra de Therezinha); e, agora também pela explicação de Podval, a humanidade é dona de “uma dose de voyeurismo negativo”. Tem-se então o voyeur-perverso-mórbido-adicto-negativo. Assim somos nós, histriônicos a “espetacularizar a tragédia”, quer como ativos agentes da mídia, quer como passivos assistentes dela. E, novamente, chega-se ao conceito inicial: de tudo, um pouco, e no voyeurismo como um todo existe um mínimo de cada espécie do próprio voyeurismo. É por isso que o crime-espetáculo agrada a tantos olhos. É por isso que coloca todos diante de suas cenas. Existe o crime-espetáculo frio: cenas gravadas que a televisão repisa. Existe também o crime-espetáculo quente: aquele que tem transmissão ao vivo e em cores. São exemplos maiores desse último tipo o sequestro do ônibus 174 e o fatal cárcere privado da jovem Eloá. Sandro, o moço que escapou da morte no massacre da Candelária, também no Rio, e que tantos anos depois tomou

acima, o sequestro do ônibus 174 alvejado pelas câmeras de todo brasil. À direita, sandro no ato da prisão

fotos: Ana Carolina Fernandes / Folhapress; na página ao lado, Luiz Bettencourt / Folhapress

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Ao acompanhar uma história criminosa como se fosse novela, o ser humano tem a possibilidade de julgar o seu par, de apontar o dedo para a culpa do outro, sem que ele mesmo seja julgado a culpa do outro, sem que ele mesmo seja julgado”, afirum ônibus para assaltar, acabou sequestrando quando se viu cercado pelas tropas do Bope e por outra tropa, a da mídia. Em dado momento, como diz Mariana, ele passa a dirigir o seu teatro, pede para que as passageiras gritem histéricas, já não negocia o sequestro olhando para a polícia, mas, isso sim, para as câmeras de tevê. O moço transtornado de paixão, Lindemberg, que mantém Eloá sob a mira de seu revólver, percebe-se um ator sem volta à realidade quando apresentadores da televisão começam a entrevistá-lo por telefone enquanto o rapto se desenrola. Tanto Sandro quanto Lindemberg se tornaram atores de si próprios. E a plateia? “O público, o telespectador, poderá ‘viver’ tudo isso projetando impunemente no outro os seus sentimentos e desejos, enquanto, na vida real, aquele que faz parte efetiva da cena sofrerá consequências também reais de seus atos”, diz a professora de pós-graduação em perícias criminas Roselle Adriane Soglio. “Tudo isso se baseia no binômio projeção e julgamento. Ao acompanhar uma história criminosa como se fosse novela, o ser humano tem a possibilidade de julgar o seu par, de apontar o dedo para

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ma Luiz Antonio Santos de Oliveira, assistente da Polícia Técnico Científica de São Paulo. Esse fenômeno, na verdade, não é novo, e tão somente se sofisticou na medida em que o mundo tecnológico também tornou-se mais sofisticado. Ao cobrir para a revista The New Yorker o julgamento do carrasco nazista Adolf Eichmann, a genial filósofa Hannah Arendt, uma das mais profundas conhecedoras do egoísmo da alma humana, criou a expressão “banalidade do mal”. Se ela servia à época para o burocrata Eichmann, hoje também serve, guardadas as devidas proporções, para o olho voyeur do crime-espetáculo. Assiste-se ao crime-espetáculo com a mesma naturalidade com que se toma um copo d’água. Muda-se de canal e da novela-crime-real passa-se tranquilamente para o futebol ou para a novela-ficcão. Quem são os personagens fictícios e quem são os de carne e osso? Essa distinção nossa mente já não processa. Sabe-se, isso sim, que nós somos os egoístas que gostam de ver, nós somos aqueles que “têm inveja e admiração por quem conseguiu concretizar alguma transgressão que a nossa noção de ‘ser social’ nos impede de realizar”, diz a psiquiatra Therezinha. Nós somos aqueles que estão à procura da próxima vilã de novela ou do próximo crime na mídia. Os olhos não param e, por isso, o show não pode parar.

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Q UA N TO t e m p o l e va pa r a u m a b o m b a j o r n a l í s t i c a e x p lo d i r ?

Militares contra a abertura política 5 meses

Impeachment de Collor 7 meses e 20 dias

10 de dezembro de 2009

9 de maio de 1992

O jornalista da Rede Globo Geneton Moraes

A imprensa publica dossiê feito por Pedro Collor,

Neto procura o General Newton Cruz para

irmão do presidente Fernando Collor,

entrevista sobre os bastidores do fim do regime

denunciando Paulo César Farias,

militar, que inicialmente é negada.

tesoureiro da campanha presidencial, que

10 de abril de 2010

A entrevista vai ao ar pela Globo News. Nela o general revelou que militares do DOI tramavam outros atentados no Rio de Janeiro, depois do

movimentava contas em paraísos fiscais. 29 de dezembro de 1992

Senado cassa direitos políticos de Fernando Collor por oito anos.

frustrado ataque ao Riocentro, para demonstrar força contra a abertura política.

Obras de arte sumidas da coleção de Cid Ferreira 5 A N OS

Mensalão 7 a n o s e quat r o m e s e s

1º de janeiro de 2006

6 de junho de 2005

O repórter especial da Folha de S.Paulo Mario Cesar

Roberto Jefferson, presidente do PTB,

Carvalho noticia que o ex-banqueiro Edemar Cid

denuncia, em entrevista à Folha, esquema de

Ferreira havia retirado do País as obras mais caras

corrupção no governo Lula, com parlamentares

de sua coleção, listadas em um processo criminal

recebendo “um mensalão” de R$ 30 mil em

de 2005 contra ele.

troca de apoio político no Congresso.

5 de Março de 2011

2 d e ag o s to d e 2 0 1 2

Laudo feito por perito constata falta de 17 das 612

O STF inicia o julgamento do mensalão,

obras listadas no processo de 2005. Por esse e

em um processo de 35 réus.

outros crimes, foi condenado, no fim de 2006, a 21 anos de cadeia, que cumpre em prisão domiciliar. Em 2012, foi incluído na lista internacional de corrupção do Banco Mundial.

fontes: http://bit.ly/LdZEAB / infográfico: Ricardo Van steen

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Operação Condor 21 meses N ov e m b r o d e 1 9 7 8

Denúncia feita em série de reportagens por Luiz Cláudio Cunha do sequestro de um casal de uruguaios em Porto Alegre, em ação conjunta da Polícia Federal brasileira com as forças de repressão da ditadura do Uruguai, é repercutida pela imprensa e se transforma em escândalo internacional. Lilian e Universindo Dias foram os únicos sequestrados que sobreviveram dos 180 refugiados uruguaios presos e torturados pela Operação Condor, aliança entre as ditaduras latino-americanas para intercâmbio de refugiados políticos.

Caso Cachoeira 8 anos 12 de fevereiro de 2004

o nome do bicheiro Carlinhos Cachoeira surge na mídia a partir de um vídeo gravado por ele, em que Waldomiro Diniz, assessor do então ministro José Dirceu, pede propina para a campanha eleitoral do PT e do PSB no Rio de Janeiro 29 de fevereiro de 2012

Carlinhos Cachoeira é preso pela Polícia Federal, acusado de explorar jogo ilegal em Goiás

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?

Geneton Moraes Neto, da Globo News, Mario Cesar Carvalho, da Folha de S.Paulo, e Luiz Cláudio Cunha, autor do premiado livro Operação Condor: O Sequestro dos Uruguaios – Uma Reportagem dos Tempos da Ditadura, discutem a situação da reportagem em tempos de internet, dossiês e acesso remoto às fontes

q u e fim le vo u a rep o rtag em ANG É LI C A DE MORAES

O clássico exemplo da reportagem mais bem conduzida da história do jornalismo, o Caso Watergate, nos EUA, está a anos-luz de distância da performance da maior parte da mídia brasileira no escândalo do mensalão. Em Washington, os fatos e provas foram se acumulando como resultado de persistente investigação jornalística. Aqui, boa parte do material explosivo manuseado pelos juízes do Supremo Tribunal Federal passou ao largo da reportagem e fluiu de investigações e análises do próprio Poder Judiciário. A reportagem investigativa está em extinção no Brasil? O público não é bem informado sobre o mundo-cão dos bastidores do poder?

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seLecT ouviu três experientes repórteres para discutir o tema. Geneton Moraes Neto, entre outras façanhas, arrancou declarações explosivas para a Globo News (canal por assinatura da TV Globo) de dois generais da ditadura: Newton Cruz e Leônidas Pires Gonçalves, este o ex-comandante do DOI-Codi do I Exército, no Rio de Janeiro, na época mais sanguinária do governo Ernesto Geisel (19741977). Mario Cesar Carvalho realizou para o jornal Folha de S.Paulo uma série de reportagens nas quais radiografa as estripulias fiscais e aduaneiras do ex-banqueiro, suposto mecenas das artes e atual presidiário Edemar Cid Ferreira. Luiz Cláudio Cunha conquistou, em 1979, um Prêmio Esso pelo conjunto de reportagens em que revelou a existência de um macabro intercâmbio entre as ditaduras do Cone Sul (entre elas Argentina, Uruguai, Chile e Brasil) para o sequestro, tortura e morte de refugiados políticos desses países. São eles que analisam, nestes tempos de muitos dossiês envenenados oferecidos grátis às redações, se o ofício da reportagem está em extinção.

O Google dá a falsa impressão de que o mundo inteiro está ao alcance de seus dedos, mas a essência do jornalismo exige que se ponha o pé na rua luiz cláudio cunha

O jornalismo investigativo tem futuro ou é um luxo do passado?

GENETON MORAES NETO Não pode existir jornalista mais identificado com o “jornalismo investigativo” do que Carl Bernstein, que, em parceria com Bob Woodward, publicou no Washington Post uma série de reportagens, o Caso Watergate, que provocou a renúncia de um presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon. Bernstein é o primeiro a fazer restrições ao rótulo de “jornalismo investigativo”. Passo a palavra a ele: “Não acredito que o jornalismo investigativo seja diferente do resto do jornalismo. Jornalismo é persistência, é ser um bom ouvinte, é respeitar quem você aborda, é ter tempo”. Penso que Bernstein tem razão. O jornalismo, sem adjetivo, já é, por natureza, investigativo. Mas, se você me perguntar se a grande reportagem parece um luxo do passado, direi que sim. Feitas as contas, somos todos órfãos dos anos de ouro da revista Realidade: grandes pautas, grandes textos, grandes reportagens. Os tempos mudaram para pior. MARIO CESAR CARVALHO Infelizmente, não tenho bola de cristal para saber. O que sei é que esse gênero custa muito caro e, com a crise econômica pela qual a imprensa passa, ficou para segundo plano. Mesmo assim, o Brasil tem uma tradição incrível de investigação. É só ver os casos de Fernando Collor, de Antonio Palocci e, para ficar na esfera da arte, de Edemar Cid Ferreira. Só para se ter uma ideia de custo, a reportagem em que descobri que as obras mais caras da coleção de Edemar (Basquiat, Léger e Lichtenstein, entre outros) estavam fora do País demorou cerca de cinco meses para ser feita. A Polícia Federal mal falava em sumiço de obras do País no inquérito sobre Edemar antes dessa reportagem. É óbvio que fiz dezenas de outros textos nesse período, mas trabalhar cinco meses num tema é um prazo cada vez mais raro para a produção de uma reportagem. LUIZ CLáUDIO CUNHA Jornalismo investigativo é pleonasmo, porque o bom jornalismo é sempre investigativo. Talvez esse tipo de reportagem que vai mais fundo nos fatos possa ser chamado de jornalismo intensivo. Porque ele resulta de uma concentração maciça do repórter em uma única pauta. Minha matéria sobre o sequestro dos uruguaios prolongou-se por 21 meses, quase dois anos. Foram 630 dias, 86 semanas. Acho que isso não se repete na imprensa brasileira nunca mais. Eu trabalhava na sucursal da revista Veja em Porto Alegre e estava totalmente dedicado ao assunto. Estava liberado pela direção da revista de cobrir o dia a dia, que tira o

Fotos: acervo pessoal

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foco e a intensidade do trabalho investigativo. Não era época ainda do Google, que dá a falsa impressão de que o mundo inteiro está ao alcance de seus dedos. A essência do jornalismo exige que se ponha o pé na rua. Gay Talese, o mestre do new journalism, afirma que o jornalismo atual está ficando preguiçoso. O dossiê substituiu a investigação do repórter? O caso Cachoeira, por exemplo, surgiu de dossiês. Isso coloca em risco a credibilidade do jornalismo?

moraes neto Não acredito que dossiês sejam necessariamente um mal. Uma denúncia que chega de graça à redação pode ter o efeito de uma bomba atômica. Há um perigo, claro: o de o jornalismo ser transformado em massa de manobra de disputas políticas. Qual é a saída? Usar o dossiê como ponto de partida para uma apuração, não como produto acabado. Não é fácil. O repórter pode enfrentar dilemas quando vive uma situação dessas. Mas há muitos casos de matérias que foram literalmente oferecidas a jornais e revistas e tiveram efeito devastador. A entrevista de Pedro Collor – em que denunciava o esquema PC – é um exemplo, entre tantos. Quem não publicaria? carvalho O dossiê é uma peça que existe na imprensa brasileira desde o fim do século 19, pelo que sei. É parte da disputa política. Pode até se converter em jornalismo, desde que tenha sido exaustivamente checado, rechecado e desidratado de todo e qualquer viés político. O dossiê em estado puro, sem esse trabalho de desidratação, não deve ser publicado como jornalismo. É propaganda. cunha Para mim, o foco preferencial do jornalismo são as pessoas que têm a coragem de dizer “não”, a coragem de enfrentar desafios, de contrariar interesses, de rebater dogmas, de fazer as perguntas mais impertinentes, mais abusadas, mais necessárias. Paulo Totti, grande jornalista com quem tive a honra de trabalhar, disse certa vez que “a função do repórter é a única que vai sobreviver no jornalismo do futuro. Sempre vamos precisar de alguém que pergunte”. Totti disse e eu completo: o importante – ontem, hoje e sempre – é duvidar e perguntar. A reportagem presencial, cara a cara com o entrevistado ou no local do fato, é prática em desuso? Quais as consequências disso para a qualidade da informação? Estamos vivendo hoje um jornalismo de controle remoto?

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moraes neto Nada substitui a reportagem presencial. A qualidade da informação apurada olho no olho é sempre superior. Mas há casos em que a única alternativa pode ser o telefone ou o e-mail. Um exemplo: eu sabia que Carlos Drummond de Andrade evitava o contato pessoal, mas gostava de falar ao telefone. Era, como me disse um de seus amigos, “um ser eminentemente telefônico”. Preparei um questionário de cerca de 60 perguntas. Comecei a gravar quando ele disse “alô”. Convenci o poeta a me dar a entrevista por telefone. E ele falou longamente. A transcrição da entrevista-telefonema rendeu cerca de 90 páginas do livro Dossiê Drummond. Detalhe: Drummond morreu 17 dias depois da gravação. A entrevista virou uma espécie de testamento do poeta. Indiscutivelmente, é um documento sobre ele. Se eu tivesse desqualificado o telefone como instrumento de apuração, não teria obtido a última grande entrevista do maior poeta brasileiro.

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carvalho Não dá para generalizar sobre a reportagem presencial. Depende do caso. Há casos em que o contexto é tudo, é a própria reportagem. Mas há casos de excelentes reportagens feitas por telefone ou e-mail. No caso de crime financeiro, a delicadeza da informação é tamanha que às vezes as fontes preferem conversar com telefones pré-pagos, cujo número é jogado fora depois da conversa. Seria in-

Ou os jornais apostam radicalmente no diferencial, em reportagens autorais, ou podem sumir do mapa num futuro não tão remoto geneton moraes neto

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gênuo pedir um encontro face a face com uma fonte dessas. A ideia de jornalismo controle remoto pode ser verdadeira para o jornalismo de celebridades, um subgênero do qual entendo quase nada. cunha Volto a citar Gay Talese: “Um bom trabalho não é rápido nem fácil. Ele demora um longo tempo, mas também dura um longo tempo. Muito do jornalismo de hoje é feito a partir de um laptop. Eles procuram informações a partir da internet, não falam com muitas pessoas. Os jornalistas, hoje, não estão descobrindo nada por tentativa ou por acidente. O que estão fazendo é muito imediatista. O jornalismo tem se tornado muito previsível. Nada é profundo, pensado ou divagado. Então o jornalismo está se tornando preguiçoso, porque os jornalistas não querem se mexer. E estão perdendo todo o contexto da vida”.

cunha Não acredito nesse jornalismo em que o chefe da contabilidade é tão importante quanto o editor-chefe. Nesse modelo não interessa a qualidade da pauta, e sim se ela vai ser rapidamente rentável. E esse modelo parece não estar dando certo mesmo para as finanças das empresas. A tiragem dos jornais, por exemplo, está caindo. Em 1998, a Folha de S.Paulo apregoava ter tiragem de 1 milhão de exemplares. Hoje, segundo a Associação Nacional de Jornais (ANJ), todos os maiores jornais do País têm tiragem média de 290 mil exemplares, e a Folha perdeu o primeiro lugar no ranking nacional para o Super Notícia, um jornal popular de Belo Horizonte, vendido a 25 centavos para as classes C e D, e que atrai leitores com prêmios como panelas, faqueiros e outras bugigangas. O Rio de Janeiro é o melhor exemplo dessa preocupante retração. Nos anos 1950, quando ainda era a capital federal, a cidade de 3 milhões de habitantes tinha 18 jornais diários, com tiragem diária de 1,2 milhão de exemplares. Hoje, com o dobro da população, o Rio tem apenas um grande jornal e 500 mil exemplares/dia. Ou seja, os jornalistas que entram na profissão hoje, entusiasmados pelo Caso Watergate ou até pelo impeachment de Collor, terão uma dura luta pela frente, se quiserem fazer jornalismo a fundo, apostando na reportagem.

A perda de espaço da reportagem não seria um círculo vicioso? Veículos de comunicação estão com menos recursos para bancar uma boa investigação porque têm menos público e isso aconteceria porque há menos reportagens boas para o público ler ou assistir?

moraes neto Ou os jornais apostam radicalmente no diferencial, em pautas próprias, em assuntos exclusivos, em reportagens autorais, ou podem sumir do mapa num futuro não tão remoto. Pelo menos na forma como existem hoje, quando as informações são divulgadas em tempo real, na internet. Ou seja, é como se a própria apuração já fosse transmitida ao consumidor, aos poucos. O jornal precisa desesperadamente ser diferente no dia seguinte. Se não for, cedo ou tarde vai virar algo dispensável. É esse o grande desafio de quem faz jornalismo impresso. A boa notícia: nunca se precisou tanto de talentos! carvalho Tenho dúvidas se essa hipótese é verdadeira. Apesar de toda a crise que a imprensa atravessa, os jornais continuam investigando. A melhor reportagem do ano, na minha opinião, foi uma longa investigação do New York Times sobre a Apple. Após a reportagem, a Apple forçou a Foxconn a reduzir a jornada de trabalho e aumentar salários dos trabalhadores chineses. No Brasil, no ano passado, foi uma reportagem investigativa que revelou que o então chefe da Casa Civil do governo Dilma, Antonio Palocci, mantinha uma empresa de consultoria enquanto estava no governo. Palocci acabou demitido com a revelação.

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O dossiê pode até se converter em jornalismo, desde que tenha sido checado e desidratado de qualquer viés político MARIO CESAR CARVALHO

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Pesquisas indicam que os cães sabem muito mais sobre como nos condicionar do que nós achamos que sabemos sobre a sua linguagem

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A maioria dos pesquisadores coincide que a convivência entre cães e homens teve início há perto de 15 mil anos. Essa amizade, que teria sido travada no começo do período paleolítico, fez com que, além dos primatas, os cães se tornassem o grupo mais estudado pelos centros de psicologia cognitiva do mundo. Hoje se sabe que um cão bem treinado é capaz de compreender nada menos que 165 palavras diferentes, segundo estudos realizados pelo doutor Stanley Corey, do Centro de Psicologia Animal da Universidade de British Columbia, no Canadá. ilustrações: Lucas rampazzo

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Segundo o mesmo estudo, os cães também podem resolver problemas complexos, o que atribui à espécie capacidade mental próxima da de uma criança de 2 anos. No livro How Dogs Think: Understanding the Canine Mind, ainda não publicado em língua portuguesa, o doutor Corey descreve seus mais de 40 anos comandando pesquisas sobre a cognição canina. Em uma delas, ele analisou as respostas de mais de 200 juí zes de provas de trabalho do American Kennel Club. A pesquisa resultou na criação de três categorias para distinguir a inteligência canina: instintiva, adaptativa a trabalho e obediência. De acordo com os critérios usados pelo doutor Corey, a raça Border Collie seria a mais inteligente, seguida por Poodle e Pastor Alemão. Mas definir a capacidade da inteligência canina ligando-a apenas à raça é uma estratégia controversa que gera debates acalorados. Pesquisadores da Universidade de Duke, na Carolina do Norte (EUA), realizam pesquisas ligadas à aprendizagem de cães e garantem que qualquer cachorro é capaz de apreender níveis aprofundados de linguagem. As pesquisas revelam que, na grande maioria das vezes, estamos enganados quando achamos que os cães trabalham no mesmo nível de comunicação que os seres humanos. “Quando chegamos em casa e um cão vem nos receber dando lambidas, muitas vezes pensamos que são como beijos de boas-vindas, ou que sinalizam um amor incondicional, quando, na verdade, a lambida pode ser um jeito de seu cão dizer que está com fome”, explica o doutor em psicologia Brian Hare, do Centro de Estudos de Cognição Canina da Universidade de Duke, em entrevista por e-mail à seLecT. Hare e outros cientistas estão realizando experimentos para determinar o que comportamentos caninos – como o referido “beijo” – realmente significam. Em alguns casos, a pesquisa sugere que os nossos animais de estimação estão nos manipulando para conseguir o que querem. “O que diferencia os cães dos

Pesquisadores garantem que qualquer cachorro é capaz de apreender níveis aprofundados de linguagem lobos é a característica da neotenia: eles sofreram mutações genéticas para parecerem sempre mais dóceis do que realmente são”, completa Hare. O estudo quer provar que talvez os cães saibam muito mais sobre como nos condicionar do que nós achamos que sabemos sobre sua linguagem. A bióloga e professora de História da Consciência da Universidade da Califórnia, Donna Haraway, declara em seu texto The Companion Species Manifesto: Dogs, People and Significant Otherness, escrito em 2003 e sem tradução para o português, que durante séculos os cães foram usados erroneamente como medida para o surgimento da cultura na civilização humana. No manifesto, Haraway afirma que a espécie canina foi a primeira a ser domesticada pelo homem. A aproximação dos primeiros cachorros dos aglomerados humanos certamente não se deu só porque restos de comida eram deixados para trás, mas também porque esses homens primitivos necessitaram da sua presença. “Flexibilidade e oportunismo nomeiam o jogo de ambas as espécies, que, na realidade, modelaram uma a outra ao longo de uma história que diz respeito a uma coevolução”, escreve Donna Haraway no documento produzido por ela, considerado um marco nos estudos sobre consciência animal. Este ano, na Documenta de Kassel, o texto ganhou uma forma artística na obra do dinamarquês Tue Greenfort. O projeto The Worldly House, uma casa localizada no Karlsaue Park, reúne em arquivo livros, textos e trabalhos artísticos que abordam as relações sociais entre humanos e outras espécies, inclusive cães. No espaço, atividades como provas de agility – prova de obstáculos para cachorros –, comidas e brinquedos deram lugar a um ambiente de convivência entre espécies e onde as alteridades podiam entrar em harmonia.

Foto: Rusten Hogness

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Novas espécies

Donna Haraway, autora de um manifesto sobre a alteridade canina

óvulo fertilizado

A

protonúcleo masculino

protonúcleo feminino

DNA inseminação em fêmea

B C esquema do projeto GFP K-9, de Eduardo Kac, que propõe a modificação genética de um cão com uma proteína verde fluorescente

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D prole

gfp

Acirrando o debate sobre alteridade, o artista pernambucano Edson Barrus se apropria do cão como alegoria para ilustrar uma sociedade que ainda se apoia na teoria da evolução natural para justificar a ideia de pureza genética. Na obra Cão Mulato, de 2010 e ainda em andamento, Barrus criou um programa de computador que simula geneticamente a criação de uma raça canina que seria sempre mestiça. A ideia surgiu quando o artista foi alvo de preconceito racial em uma viagem à Alemanha. “Foi um maneira que escolhi de responder ao preconceito. Usei meu conhecimento de melhoramento animal e cheguei a esse projeto. Criei um modelo teórico no qual crio uma raça canina que sempre será mestiça e que não permite que outro a nomeie ou categorize com padrões. É o inverso do que os criadores de cães fazem. Se fizéssemos com humanos o que fazemos com cães, isso seria politicamente incorreto”, diz Barrus. Grande parte dos criadores defende com unhas e dentes o não cruzamento entre diferentes raças e a esterilização para “cães de raça indeterminada” – os famosos vira-lata. Há mais de 400 anos a criação de raças assistida pela reprodução controlada é outra prática que serve para falsamente conservar a repetição de certos padrões genéticos e reproduzir a ideia de pureza de raças caninas. “A ideia é uma falácia, o conceito de raça parte do pressuposto de pureza, quando na verdade é apenas a repetição de certos padrões genéticos. Pensei o projeto para discutir a questão da clonagem, do controle reprodutivo, da promessa que toda a ciência faz da possibilidade de se desenhar um filho, e de ter um design ideal na hora de se criar um humano”, desabafa o artista, que, assim como todos os humanos, compartilha 82% de seus genes com a espécie canina. Em suma, em parte, nós também somos cães, assim como os cães são humanos. Em outra direção, pensando a emergência de novas afetividades no contexto tecnocientífico, está o brasileiro Eduardo Kac, que também participou do projeto de Greenfort, na Documenta de Kassel. Em 1998, no artigo Manifest on Transgenic Art, Kac propôs o projeto GFP K-9, que modificaria geneticamente um cão com a proteína GFP – Proteína Verde Fluorescente presente em certas algas marinhas. O cão brilharia quando colocado sob luz fosforescente, em determinadas condições de temperatura. Ao idealizar esse trabalho, que em sua época não foi rea lizado devido a limitações tecnológicas, Kac buscava não apenas criar uma nova espécie transgênica, mas investigar os sentimentos surgidos quando esse novo ser híbrido passasse a conviver em seu cotidiano.

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crônica de um

assassinato uRBANO Projeto Nova Luz vem para promover a “revitalização” urbanística da Cracolândia, concedendo-a “limpinha” para que construtoras realizem seus empreendimentos R aq u e l R o l n i k

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O nome já carrega o estigma: lugar de viciados em crack, decadente, degradado, marginal. A que lugar estamos nos referindo? Ao bairro mais antigo da cidade de São Paulo, Santa Ifigênia, onde fica parte da chamada Cracolândia. Esse é o único bairro que ainda preserva traços de uma morfologia urbana do século 18, de lotes compridos e estreitos, nos quais se encaixam sobrados com grandes aberturas no andar térreo e segundo e terceiro andares avarandados. Santa Ifigênia combina o mais antigo e o mais novo dos devires urbanos: sobre essa trama de uma São Paulo desaparecida está instalado e potente o maior polo de eletrônica da América Latina, onde podem ser encontrados os últimos gadgets da parafernália eletroacústica digital a preços competitivos. Nesse mesmo lugar, em um ponto atrás da trajetória presente, habitava a “boca” paulista, polo de produção de cinema em suas múltiplas derivações. Como esse lugar – desde o século 19 – era ponto de chegada de trens e, desde os anos 1940, de ônibus interurbanos, sua apropriação foi marcada também pela presença efêmera e permanente dos viajantes, dos que passavam rapidamente e dos que vinham para ficar. E mais: moradores, muitos, de vários tipos, idades e condições, constituindo um tecido vivo em permanente transformação. Até que um dia, alguém achou que o bairro precisava ser “revitalizado”. Sem dúvida, esse, como todos os outros pedaços da cidade, necessita de investimentos permanentes na manutenção e reforma de sua infraestrutura, na adaptação de sua trama a novos usos e na preservação dos valores que ali estão gravados. Entretanto, a ideia de “revitalizar”, ao contrário dos processos que acabamos de descrever, tem como pressuposto a ideia de que o bairro está morto e, portanto, deve ser desconstituído para ser reconstruído. É exatamente disso que trata o projeto Nova Luz, que, para fazer o que pode e deve ser feito todos os dias e em todos os lugares da cidade – cuidar, proteger, reformar, manter, atualizar –, propõe a destruição do lugar para ressignificá-lo, destinando-o para outrem. Constituir a Cracolândia foi essencial justamente para construir a ideia de “bairro morto” e essa operação foi minuciosamente construída pela prefeitura e governo do estado de São Paulo. Sigamos então os passos dessa operação. Passo 1: o abandono – a deficiência na coleta de lixo, a falta de cuidado com as ruas e calçadas, a falta de manutenção nas instalações e equipamentos públicos vão degradando fisicamente a região. Passo 2: fechamento, pela prefeitura, do Shopping Fashion

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foto: Apu Gomes / Folhapress

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o projeto pretende apagar da paisagem e da vida urbana os usuários de drogas e, com eles, os mais de 12 mil moradores do bairro Luz, que gerava um enorme movimento comercial, semidemolindo sua estrutura e transformando esse espaço, semiabandonado, em polo de atração de pessoas semiabandonadas. Evidentemente, o problema das pessoas viciadas em crack não é urbanístico; precisa ser enfrentado no âmbito da assistência social e da saúde mental, campos onde existem estratégias e profissionais capacitados para cuidar dessas pessoas que, pelas mais diversas razões, acabaram numa situação-limite entre a vida e a morte. Mas, no fim de 2011 (passo 3), a imprensa noticiou as intenções do governo estadual e da prefeitura de se livrar da população viciada em crack, enviando os envolvidos para suas cidades de origem. Em janeiro deste ano, a Polícia Militar iniciou uma ação de “limpeza” na região que durou 14 dias. Mais de cem usuários de drogas e frequentadores da região foram presos de forma truculenta. Ao mesmo tempo, o projeto Nova Luz abre espaço para que um processo massivo de demolições – que associa claramente a demolição do espaço físico à eliminação do “problema” da Cracolândia – seja empreendido, destruindo mais de 60% dos edifícios da área. Assim, o projeto vem para promover a “revitalização” urbanística da Cracolândia,

concedendo-a “limpinha” para que construtoras realizem seus empreendimentos. A partir dessa leitura que identifica a região como Cracolândia, o projeto pretende apagar da paisagem e da vida urbana de parte do centro de São Paulo os usuários de drogas e, com eles, toda a população em situação de rua, o comércio, os mais de 12 mil moradores do bairro de Santa Ifigênia, sua história e sua memória. Remover lojistas e moradores para demolir o bairro, a fim de erguer edifícios mais altos, tem a ver com uma estratégia de renovação urbana baseada em um conceito de parceria público-privada, no qual é necessário garantir uma alta rentabilidade para viabilizar o negócio. Sob essa lógica, portanto, o melhor é demolir o máximo possível para construir um modelo de ocupação do solo totalmente distinto do existente e mais atraente às tipologias de construção mais aderentes ao mercado. Isso nada tem a ver com respostas ao problema do vício do crack. Entretanto, comerciantes da região de Santa Ifigênia, moradores e apoiadores procuram, desde o tecido vivo existente, resistir a esse projeto (passo 4) de extermínio da área. Como este, que é um conflito de projeto de cidade, saúde e cidadania, vai terminar só os próximos anos dirão.

foto: Apu Gomes / Folhapress

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Arte que você vai querer e poder lev ar para casa 40 galerias de todo o Brasil of icinas de criação ciclo de palestras

18 - 21 DE OUT UBRO

P A Ç O D A S A RT E S / s u b s ol o C I D A D E U N I V E R SI T Á R I A - U SP q ui - s e x / 1 4 - 2 2 h s ab - d o m / 1 2- 2 0 h e nt r ad a g r at ui t a

con f ira a prog ramação

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Símbolo das contradições do Brasil, Mr. Catra, dito Operário do Funk, lança disco de samba em que fala de maconha, violência, política – e até de amor verdadeiro

“Nosso cérebro tem várias gavetas, é só se organizar. Ou você acha que eu vou parar com uma mulher pra ficar com a outra?”, pergunta Mr. Catra à guisa de explicação para o susto: como é que o rei do funk carioca lança um disco de samba? Para quem não acompanha a carreira desse carioca de 42 anos, pode parecer jogada de marketing. Mas o disco, Com Todo Respeito ao Samba, é na verdade uma espécie de súmula musical desse funkeiro mais conhecido por suas letras polêmicas e peripécias românticas (é casado com quatro mulheres e pai de 20 filhos) do que respeitado pela originalidade artística. Entertainer nato, frasista de fina verve, alma de Chacrinha em biótipo de Mano Brown, Mr. Catra sintetiza as contradições do Brasil. Sua figura é seu discurso: olhos caídos e sorriso constante pela permanente adição de THC, cuja legalização defende sem pudor, voz grave que transita entre o zombeteiro, o sensual, o assustador e o professoral, músculos talhados pelo boxe tailandês e pança lapidada por incontáveis brejas e churrascos (ele diz que não tem barriga tanquinho, e sim “máquina de lavar” – “Porque já vem com mangueira, tá ligado?”). Surgido na Rua Doutor Catrambi, na Tijuca, daí o apelido, Wagner Domingues Costa foi adotado desde o berço por uma família de classe média.

“Estudei nos melhores colégios do Rio e descobri o funk quando subi o Borel atrás de uma jaqueta do Mickey Mouse que me tomaram”, conta. Começou em banda de mpb, depois foi vocalista de um grupo de hard rock e surgiu no funk cantando os chamados proibidões, funk-relatos que narram a guerra entre facções criminosas e a polícia. No primeiro disco, segura uma Bíblia na contracapa (todo show ele louva a Deus) e canta coisas como O Fiel: “Minha facção é o bonde de Deus/ já fui ladrão e conheço o breu/ .../ Minha facção claro que é o CV/ .../ se ajoelhou, mano, vai ter que orar.” Anos depois, ao fazer um show em Israel, teve uma iluminação e se descobriu hebreu – não tira do pescoço um grosso colar de ouro com o Leão de Judá. Monarquista, machista e liberal, a figura de Catra casa a expressão artística mais moderna, o funk, com a cartilha arcaica que glorifica o polígamo provedor que exalta o sexo sem fronteiras – desde que todas as cachorras estejam salomonicamente em seu nome. Sua voz baixa, rouca e profunda é um buraco negro que tritura funk Miami Bass, soul carioca, refrões de samba e hinos evangélicos. Nos últimos anos, tem feito 50 shows por semana para pagar as contas das quatro famílias – apresentações de meia hora em que mistura funks de apelo altamente erótico com recriações de clássicos da mpb. Lançado em agosto, o novo álbum foi precedido pela inacreditável Mama, dueto com Valeska Popozuda que enaltece as delícias do adultério – o vídeo foi visto milhões de vezes. A exaltação do prazer sensual Happy End é cantado de jeito blues, mas a melodia acelerada funkeira faz contraste com a cama de teclados e a batida ralentada típicas de um pagodão responsa. A complexa Mangueira É uma Mãe pareceria mero samba-exaltação à Estação Primeira não fosse cantada em dicção próxima ao rap, com direito a guitarras pesadas. Outros hits potenciais são o samba-rock Chapa Quente e o pagode-denúncia Baseado na Lei, que defende a legalização da maconha. O disco é o primeiro de uma trilogia a ser lançada este ano, que se completa com um CD de rap com a Sagrada Família e MPBCatra, em que ele, hum, revisita clássicos como Manhã, de Dorival Caymmi: “Tira o meu calção de banho/ vem pra cama pra mamar/ e o meu pau ficou deste tamanho/ Não deu nem pra acreditar/ .../ É bom, uma mamada de manhã/ Halls com sabor de hortelã/ Pra relaxar dá dois no can/ Num natural de Amsterdã.” Entendeu?

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Foto: divulgação / yuri graneiro

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Mario Gioia

Sem gritos, mas com escutas Pouco estridente, Trigésima Bienal de São Paulo apresenta elos bem desenvolvidos e relevantes ressonâncias entre obras

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Algumas obras-farol podem servir de guia para esta nada estridente Trigésima Bienal de São Paulo, constituída na forma de constelações, segundo o curador Luis Pérez-Oramas e equipe. Uma delas ganhou um título a posteriori, colocado a caneta em escrita algo trêmula, Half Buried Monument to the Continental Drift, pelo artista mineiro Thiago Rocha Pitta. Os grandes montes de terra mesclados a tecidos encimentados que compõem a peça ficam na saída de uma das rampas do difícil e belo Pavilhão da Bienal. As intrincadas junções entre o mais básico – a terra – e o indicial do construído – os tecidos agora rijos e de um cinza urbano que parecem levitar na composição – pedem um olhar menos atrelado a abordagens de espalhafato.

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Há elos muito bem desenvolvidos entre poéticas difíceis de ser ligadas. A escolha dos artistas surpreendeu positivamente. Nomes que não são endeusados pelo sistema das artes têm espaço para atestar suas qualidades. O projeto expográfico opta por dar ao público um trajeto o menos cansativo possível, deixando que as obras falem mais que os espaços expositivos. Discretas e funcionais, as salas expõem antologias dos artistas ou trabalhos feitos especificamente para a Bienal. A junção de um projeto curatorial consistente e de um modo de exibição menos confuso faz com que a 30ª Bienal galgue degraus para tornar-se uma edição memorável. Exemplificando os diálogos entre poéticas, é relevante e fecundo que um artista hoje consagrado, como o israelense Absalon (1964-1993), guarde, por meio do conceito de abrigo, ligações com a obra do paulistano Nino Cais, de 43 anos. Se o primeiro opta por uma reação ao projeto modernista por ações e construções de “células” de habitar, o segundo cria um espaço de abrigo, mais próximo ao intimista e ao doméstico. A sala Espetáculo compila mais de cem obras de Nino Cais, resumindo uma produção que transitou muito tempo por lugares experimentais no nosso sistema de arte e que hoje ganha uma visibilidade merecida. Robert Smithson (1938-1973) é outro nome-chave em A Iminência das Poéticas. Os vídeos Spiral Jetty, Mono Lake e Swamp são um dos trunfos da edição. A influência decisiva de suas ideias (que ampliam a land art para muito além de solitárias intervenções na natureza) sobre gerações posteriores ganha corpo, nesta exposição, em trabalhos nada ruidosos, como os da norte-americana Helen Mirra, que tanto pode apresentar uma obra sonora feita no deserto como ostentar a delicadeza de pequenas sentenças poéticas feitas em “horizontes” de tecido. O rolar alegre de Smithson nas pequenas falésias de Mono Lake tem a ver com as quedas iminentes dos inquietantes vídeos de Bas Jan Ader (1942-1975), outro grande artista que ganha exibição inédita por aqui. O espaço climatizado com o gigantesco trabalho de August Sander (1876-1964), ladeado pela estandardização atestada pelas centenas de registros de Hans Eijkelboom, é dos pontos altos da curadoria de Oramas. No mesmo espaço ainda há a comovente obra de Mark Morrisroe (1959-1989), que antecipa práticas hoje celebradas por Nan Goldin e Wolfgang Tillmans, entre

outros. Jovens como a paulista Sofia Borges e o amazonense Rodrigo Braga também apresentam produções fotográficas encorpadas. Hans-Peter Feldmann cria laços que poderiam ser improváveis, mas se revelam produtivos, com um dos hits da 30ª Bienal, a sala de Arthur Bispo do Rosário (1909-1989), impecável. O público pode também se aproximar de produções mais silenciosas, mas de grande potência, de variados artistas. Como Cadu e seu projeto Estações, que mudará durante o período da exposição; o amálgama de suportes e abordagens do carioca Eduardo Berliner, entre o fantástico e o descritivo; os desenhos instalativos de Nicolás Paris; a escrita de Erica Baum; a sala low fi de Icaro Zorbar; as ações sutis de Hreinn Fridfinnsson. Mas para quem quer ruído – e bom – Kriwet, com sua babélica urbe de signos, e Franz Mon, com um hexágono de sons perto de cartazes retorcidos, podem inquietá-lo pelo vigor.

ac i m a , l avan da , foto g rafi a de n i n o cai s , afi r m a u m a po é t i ca de ab r i gos; n a pá g i n a à esqu e r da , Cam a de Ro m e u e J u l i e ta , de art h u r b i spo do rosá r i o

Trigésima Bienal de São Paulo, até 9 de dezembro (de terça a domingo, 9h às 19h; quartas e sextas, até às 22h), no Parque do Ibirapuera, portão 3

fotos: cortesia trigésima bienal de são paulo

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Artes visuais

Fina trama de conceitos

acima, Chrysler Tapete (1970), serigrafia de Thomas Bayrle, e à direita Louis Vuitton voyage avec Karl Marx et nous voyageons avec Louis Vuitton (2009), objeto de Carlos Garaicoa

ANGÉLICA DE MORAES Coletiva faz pensar sobre as relações de trabalho inscritas no mercado de arte

Quantas vezes você já foi a uma exposição de arte e saiu frustrado, com a sensação de que as mais nobres intenções curatoriais resultaram em um amontoado de coisas que não chegam a se constituir em conjunto coerente? Relaxe, seus problemas acabaram. Visite a exposição Parque Industrial, na Galeria Luisa Strina, e terá satisfação garantida. Nela, a própria mercância da arte é analisada com muito humor, inteligência e precisas referências teóricas, sem citacionismos de brilhatura. A autora dessa façanha é Julieta González, atual curadora-chefe do Museo Tamayo, na Cidade do México,

Parque Industrial, até 3 de novembro. Galeria Luisa Strina, Rua Padre João Manuel, 755, São Paulo

www.galerialuisastrina.com.br

e ex-curadora associada de arte latino-americana na Tate Modern (2008-2011). O visitante vai logo observar que todas as obras do elenco de 28 artistas ocupam postos-chave e convergem para um resultado finamente urdido ao longo de todo o percurso. Com isso instaura-se uma dupla fruição: as poéticas individuais respiram em espaço próprio, enquanto potencializam as obras do seu entorno. Não há uso ilustrativo nem panfletário dos trabalhos exibidos, não há construção de discurso que seja externo ao discurso de cada um dos artistas do elenco. Uma aula de curadoria, enfim. A crítica ácida de Antoni Muntadas aos sistemas de vigilância e controle do indivíduo (Quarto dos Fundos, 1987-2012) estabelece de imediato o clima de toda a mostra, logo na entrada. A ironia de Muntadas soma-se aos objetos de Sylvie Fleury, exatas simulações em bronze de ícones do consumo: sapatos de luxo e sacolas de compras. Ou seja, a vigilância é (também) a guarda patrimonial. Para completar esse primeiro ambiente dos cinco organizados pela curadoria, uma assemblage de Carlos Garaicoa reúne uma bolsa Louis Vuitton com um livro dentro: nada menos que O Capital, de Karl Marx. Encadernado em verme-

Foto: Wolfgang Gunzel / Cortesia Galeria Barbara Weiss e Galeria Luisa Strina

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reviews lho, lógico. Marx é onipresente, seja no busto de pedra colocado no jardim da galeria, seja nas leituras entrecruzadas de ideias que derivam do marxismo. Em entrevista a seLecT, Julieta González observa que organizou a mostra em torno das relações de trabalho que se inscrevem na prática mercantil, para se contrapor “à sensação crescente de que o espaço da galeria anula qualquer discurso político porque exerce efeito de achatamento da radicalidade presente nos trabalhos”. Já que a galeria protagoniza de qualquer forma a exposição que se inscreve nela, a solução foi incluir esse protagonismo e semantizá-lo no corpo da proposta curatorial. “Resolvi somar o aparato produtivo da galeria ao percurso da exposição”, observa González. Assim, entre os ambientes visitados estão os escritórios dos funcionários da galeria. O que inclui a sala/acervo onde Luisa Strina recebe os clientes. Nesta sala, para não deixar dúvidas, a curadora colocou a inscrição/título: “Onde se gasta a mais-valia”. A mostra foi articulada como uma peça em cinco atos/salas. Cada uma delas (com exceção da sala de entrada) tem inscrito nas paredes o título de um dos capítulos do romance Parque Industrial, de Patrícia Galvão. A citação de Pagu, personagem da vanguarda modernista brasileira, visou “ter um símbolo de São Paulo na mostra e também porque ela, ao escrever o romance Parque Industrial, fez uma obra de arte e não uma propaganda política, o que, aliás, causou sua expulsão do Partido Comunista”. Perpassam quase toda a mostra trabalhos em teci-

do, tapeçaria ou bordado, referências ao marco zero da industrialização: o desenvolvimento da indústria têxtil inglesa no fim do século 18, a chamada Revolução Industrial. Mesmo momento histórico que iria gestar o movimento operário e a luta capital versus trabalho, analisada por Karl Marx. Uma das obras mais emblemáticas do percurso é de Renata Lucas (Sem Título, 2010-2012), que fixa um tapete no chão com uma camada de cimento. Uma exposição, enfim, que estabelece novo marco de competência curatorial no âmbito das galerias. Arte é, afinal e antes de tudo, uma máquina de pensar. Embora também possa ser e seja máquina de acumular capital.

Livros

Mandando a real Ronaldo Bressane Cinco relançamentos colocam Philip K. Dick na ordem do dia: quando a ficção científica se tornou a literatura contemporânea?

Realidades Adaptadas, de Philip K. Dick (trad. Ludmila Hashimoto), editora Aleph, 304 páginas, R$ 48

Ele pode não ter inventado o futuro, mas certamente criou muito do cinema que assistimos hoje. Nada menos que 20 produções foram inspiradas em romances ou histórias curtas de Philip Kindred Dick, ou PKD, como o chamam os iniciados na literatura desse que é considerado o mais influente escritor de ficção científica – dado que suas histórias cada vez mais se parecem com certos temas que vivemos hoje. É que esse norte-americano de Chicago (1928-1982) não se satisfazia com os limites que muitas vezes travam a ficção científica em clichês usando viagens espaciais, robozinhos, teletransporte, gadgets milagrosos etc. A ficção de PKD fala de metafísica, estados alterados de percepção, busca por identidade, confronto entre sagrado e profano e, acima de tudo – nada mais contemporâneo do que isso –, o conflito entre o real e o virtual. Acima de todos os seus livros paira uma serpenteante sentença do próprio PKD: “Realidade é aquela coisa que, quando você para de acreditar nela, continua lá”. Os Três Estigmas de Palmer Eldritch é um dos livros que a Aleph reedita em uma coleção agraciada com o belo design do paulistano Pedro Inoue, diretor de arte da revista canadense Adbusters. Nesse romance, o personagemtítulo, para brigar no mercado com a droga Can-D Fotos: Edouard Fraipont / cortesia Galeria Luisa Strina e divulgação

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reviews – cujos efeitos são semelhantes aos da ayahuasca, do LSD ou de uma imersão prolongada na internet –, cria uma droga chamada Chew-Z, cujo slogan é “Deus promete vida eterna; nós cumprimos a promessa”. No pacote está também Realidades Adaptadas, reunião de contos que inspiraram filmes como O Vingador do Futuro, Minority Report e O Pagamento, entre outros. Fluam, Minhas Lágrimas, Disse o Policial é a aterrorizante história de um astro pop planetário que um dia acorda totalmente anônimo. Ubik, uma comédia metafísica, é ambientado em um mundo onde os mortos são mantidos por seus parentes em uma “meia-vida” e podem até falar com eles – até que um acidente faz um desses mortos carregar pedaços do presente para o passado. Por fim, na leva de lançamentos há o livro de PKD favorito de Jorge Luis Borges – um romance que não trata exatamente de ficção científica: O Homem do Castelo Alto. A premissa é que os EUA perderam a Segunda Guerra Mundial para o Eixo e foram fatiados entre Alemanha e Japão. Mas, lendo o I-Ching, um homem percebe que esta é uma realidade alternativa, e que a realidade verdadeira mora em outro lugar... Mesma sensação que se tem ao finalizar qualquer narrativa de Philip K. Dick.

artes visuais

Paradoxos morais JULIANA MONACHESI Roesler Hotel, projeto experimental da galeria Nara Roesler, ganha espaço próprio e aposta em vocação institucional

Uma mulher de semblante triste escuta citações dos relatórios do julgamento da inquisição de Joana d’Arc na instalação com projeção de slides e áudio Du Mentir-Faux (2000), da artista belga Ana Torfs. Fotografias da série Gambiarras (2010), de Cao Guimarães, apresentam recursos low-tech que funcionam como alternativa às soluções pré-fabricados do design. Uma mulher lê cartas de amor anônimas no centro de Manhattan - a fala da oradora é amplificada por microfone e alto-falantes - na instalação sonora Everything Else Has Failed! Don’t You Think It’s Time for Love? (2007), da norte-americana Sharon Hayes. No vídeo Zeide Isaac (2009), do uruguaio Alejandro Cesarco,

Lo Bueno y lo Malo, curadoria de Patrick Charpenel, até 03 de novembro, no Roesler Hotel, avenida Europa, 655 - São Paulo

um sobrevivente do Holocausto, avô do artista, lê uma pensata sobre a memória. Estas obras dão o tom da engajada exposição Lo Bueno y lo Malo, curadoria do mexicano Patrick Charpenel que discute a natureza moral da crise econômica das sociedades contemporâneas – tema espinhoso que o curador tem o cuidado de permear de ambigüidades. Exemplo: a obra de Fernando Ortega, duas fotografias aparentemente idênticas de um piano, na realidade mostra registros do instrumento antes e depois de um cuidadoso processo de afinar as cordas. Moral da história: as aparências enganam e o mundo atual (a arte feita nesse tempo, inclusive) é mais complexo do que gostaríamos de admitir. A coletiva inaugura o anexo da galeria Nara Roesler, espaço que vai sediar projetos curatoriais de média duração, imprimindo um perfil híbrido ao local. O Roesler Hotel é um projeto de diálogos transnacionais criado por Daniel Roesler em 2006, que trouxe ao Brasil individuais de nomes como Alberto Baraya, Sutapa Biswas e Melanie Smith, e que agora se firma como um programa institucional de periodicidade regular. Novo modelo de gestão de espaços comerciais? Conflito de interesses? É gritante a contradição de se deparar com a instalação de Claire Fontaine (coletivo anti-globalização sediado na França), um néon com a frase “Capitalism kills love” piscando no térreo, enquanto no primeiro piso está exposto (no acervo) um valioso Relevo Espacial de Hélio Oiticica. Paradoxo irremediável? Especialmente tocante é o trabalho de Danh Vo, artista nascido no Vietnã do Sul e naturalizado dinamarquês. The Project, 02.02.1861 – Last Letter of Jean-Théophane Vénard to His Father before He Was Decapitaded (2009) consiste em uma cópia manuscrita da carta do missionário francês que o pai do artista vai reproduzir até a sua morte. Vénard (1829-1861) foi executado no Vietnã por proselitismo cristão. Com a transcrição

Fotos: Everton Ballardin / Cortesia Galeria Nara Roesler

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Vista da exposição que inaugura novo espaço da galeria Nara Roesler, em São Paulo

periódica da carta, por um lado Dahn Vo garante ao pai uma renda fixa com a venda dos desenhos. Por outro, ele faz uma dupla evocação, da história colonial do Vietnã e de uma história de pais-e-filhos separados por 150 anos. Uma das cartas foi incluída este ano na coleção do MoMA. Até a exposição no Roesler Hotel, Danh Vo não havia exposto no Brasil, assim como Sharon Hayes ou Ana Torfs. Será que o luminoso de Fontaine será lido no futuro não mais como hipocrisia, mas como um atestado da independência entre galeria e Hotel? O tempo dirá. No meio tempo, será desperdício não acompanhar a programação de alto nível deste novo espaço em São Paulo.

TV

Mundo Laricão MARIEL ZASSO Quem disse que vida de maluco é moleza? Culinária de guerrilha não é para fracos

Quem é que nunca abriu a geladeira para pensar? Se há nem tantas décadas um solteiro independente, fosse homem ou mulher, vivendo sozinho, era uma exceção, hoje a turma dos que precisam “se virar com as panelas” – ou com a única panela – é crescente realidade. Ao mesmo tempo, uma geladeira que incita a meditação e uma despensa onde na maior parte das vezes só se encontra eco constituem a realidade de muitos. Da fome e da apregoada mãe da invenção surgem pratos como a moqueca de ovo, o sushi de feijoada, o frango total flex, repertório que representa “o melhor da culinária de guerrilha”, as pérolas do Larica Total. Já em sua quarta temporada no Canal Brasil, o Larica Total é um tanto série, um tanto reality show e, na

Larica Total é sobre um cara chamado Paulo de Oliveira que faz seu próprio programa de culinária. No Canal Brasil, terças, às 21h30. http://www.canalbrasil.com.br/laricatotal

sua essência, um programa culinário. As situações, mesmo fictícias, são tão verossímeis que Paulo Tiefenthaler, “improvisando muito solto” seu Paulo de Oliveira, é aquele amigo malucão que todo mundo já teve – ou já foi – um dia. Yakissobra, churrasco indoor, pão “flambado” e, claro, o macarrão alho e óleo, verdadeiros clássicos das cozinhas vazias, fazem parte do repertório básico do cozinheiro de guerrilha. Tudo é válido quando a cura da ressaca depende exclusivamente de sua iniciativa ao final de uma noite agitada. Repolho vira dublê de siri, e ingrediente principal de uma casquinha inusitada, que parece mesmo deliciosa. Até o tradicional e idolatrado miojo – só 3 minutos! – ganha releitura, afinal, seguir receita da embalagem é para os fracos. Enquanto os programas tradicionais de culinária são tão assépticos que até assustam, no Larica a mesa é bamba, o liquidificador já derreteu, salgar demais é uma possibilidade sempre iminente, e já houve até um frango que estava estragado. As adversidades são incorporadas ao script: não é assim, pois, a vida nas cozinhas reais? A temporada mais recente traz receitas como pão de queijo, churros de aipim, ovos de páscoa, e até um “bolo de carne Fodex” – receita de espectador! –, mostrando que perseverar é alcançar, até mesmo para quem acredita não ter o dom. A larica evolui ao longo dos episódios em qualidade e complexidade, e os seus seguidores, guerrilheiros das cozinhas da vida real, evoluem junto: “Larica Total tirou meu medo de cozinhar. Se o Paulo consegue, qualquer um também pode conseguir”, comenta um fã no site do programa. Num mundo que “não é bolinho”, mais que uma coletânea de receitas, Larica Total é filosofia pura: felizes aqueles aptos a encontrar saídas “com o que se tem”, nesta vida cheia de adversidades. Paulo de Oliveira em cena do programa larica total, no Canal Brasil

Foto: Felipe Abrahão / Canal Brasil

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massimiliano gioni

A arte não deve tocar flauta para a Revolução Curador da Bienal de Veneza 2013 defende o interesse na artificialidade, em superfícies sedutoras e em tecnologia digital, e recusa arte que ilustra uma agenda política J U LIANA MONAC HESI

Curador da próxima Bienal de Veneza, o italiano Massimiliano Gioni passou rapidamente por São Paulo no início de setembro e falou à seLecT sobre o papel das grandes mostras – que ele confessou amar – e também sobre o que mais o apaixona no Brasil – a arte e as capivaras. Leia a seguir a entrevista, que começa por um balanço da marcante curadoria que ele assinou, com Laura Hoptman e Richard Flood, na inauguração, em 2007, da nova sede do instigante New Museum, em Nova York, onde vive e trabalha. Cinco anos após a exposição Unmonumental, no New Museum, você ainda concorda que a arte do século 21 é definida por características low key e low profile?

Tenho de, em primeiro lugar, esclarecer que o título e o conceito daquela exposição vieram, sobretudo, da minha colega de curadoria naquele momento, Laura Hoptman. Acho que ela cunhou um grande termo – unmonumental – que vai, obrigatoriamente, ficar e resumir belamente um momento muito preciso da arte recente. Obviamente, hoje ainda existem muitos artistas que trabalham com essa sensibilidade, e muitos dos artistas incluídos naquela exposição estão fazendo trabalhos fantásticos. Mas, se você me perguntar se a arte de hoje é ainda low profile (para resumir muito rapidamente), diria que as coisas mudaram

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um pouco. E é uma mudança que já registramos no New Museum com outra exposição, a nossa primeira trienal, provocativamente intitulada Younger Than Jesus, que olhou para o trabalho de uma geração de artistas nascidos por volta de 1980, que foram muitas vezes referidos como os millenials. Bem, entre aqueles artistas eu acho que notamos um interesse na artificialidade, em superfícies mais polidas e sedutoras, em tecnologia digital: o interessante é que, hoje em dia, mesmo as tecnologias e materiais mais futuristas estão amplamente disponíveis, de modo que temos essa situação estranha, em que os artistas ainda estão trabalhando com materiais muito básicos, mas o resultado parece muito mais produzido e acabado do que o dos “artistas unmonumental” que incluímos em nossa primeira exposição. Qual a sua posição sobre o impacto nas artes do horizonte político que emerge com a Primavera Árabe? A segunda trienal do New Museum, The Ungovernables (2012), apresentou alguns trabalhos que tinham relação direta com o Occupy Wall Street ou com os levantes no mundo árabe. Em sua opinião, eventos históricos reverberam depressa na produção contemporânea ou são algo a detectar anos depois (e de forma mais complexa), como você e os demais curadores da mostra Unmonumental fizeram em relação ao 11 de Setembro?

Crescendo na Europa, você aprende muito cedo uma bela citação de Elio Vittorini, um intelectual de esquerda e escritor que teve um papel crucial na formação da vida cultural da Itália após a Segunda Guerra Mundial. Ele, famosamente, afirmou que a arte não deve tocar flauta para a Revolução: em outras palavras, a arte não pode e não deve ser a ilustração de pulpo (2011), Yoshua uma agenda política. Ela tem Em outras maneiras de Okón encena uma promover a mudança política e cultural e, às vezes, batalha da guerra da guatemala no a mudança política afeta a artecivil depois de muitos vigiado de um anos e vice-versa. Ou a arte podeespaço afetar a mudança estacionamento de política por meio de revoluçõesoutlet formais, em angeles vez de em los

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políticas. Então eu acho que precisamos ter cuidado e não fazer ligações diretas entre a Primavera Árabe e mudanças na arte contemporânea. Com certeza, temos testemunhado uma incrível onda de arte nova do Oriente Médio e do mundo árabe, e diversos grandes artistas daquelas regiões passaram a ser notados por um público bem mais amplo. Mas seria simplista dizer que esses artistas são um produto dos levantes árabes. Afinal, eles também são o produto de uma nova economia de arte do mundo, que tem fortes laços e sustentação no Golfo. Qual foi a sua participação na criação da trienal do New Museum? Qual é, em sua opinião, a relevância de bienais, trienais e demais mostras periódicas de vocação prospectiva no contexto da arte hoje?

Eu tive a honra e o ônus de fazer a curadoria de várias bienais (da Manifesta, em 2004 à Bienal de Berlim, em 2006, a Bienal de Gwangju, em 2010, uma pequena seção da Bienal de Veneza em 2003, e a Trienal do New Museum, em 2009). Portanto – ao contrário de muitos colegas e muitos críticos –, posso dizer que sou um grande fã de bienais, porque elas permitem que você crie exposições em uma escala que hoje nenhum museu permite. Pessoalmente, acho que é importante lembrar que bienais são lugares onde deveríamos fazer o que não podemos fazer em outro lugar. Então, eu não estou tão certo de que elas sejam sobre capturar o zeitgeist: elas também são ferramentas maravilhosas para tentar abordar questões que vão muito além do presente e olhar para a arte a partir de uma perspectiva bem mais ampla. Finalmente, o que você achou da Bienal de São Paulo? Foi a primeira vez que visitou a mostra brasileira? Qual o seu conhecimento e interesse na arte brasileira?

Estive um par de vezes no Brasil, particularmente em São Paulo, que é uma das minhas cidades preferidas na América do Sul. Eu amo a Bienal de São Paulo, por causa de sua escala e da arquitetura em que tem lugar

“Posso dizer que sou um grande fã de bienais, porque elas permitem que você crie exposições em uma escala que hoje nenhum museu permite” (que é uma arquitetura difícil, mas contra a qual deve ser um grande privilégio trabalhar). Então eu volto a São Paulo para a Bienal sempre com grande entusiasmo. E há outros ótimos lugares que eu amo no Brasil. O Inhotim desenvolveu uma das experiências mais originais e radicais em museologia hoje. E em Belo Horizonte vivem meus animais favoritos no mundo, as pacas e as capivaras, especialmente as que ficam na lagoa do mesmo lado dos edifícios de Niemeyer. Assim como aquelas capivaras, eu fico olhando para a arte brasileira com espanto e com um senso estupefato de curiosidade.

foto: marco de scalzi / divulgação

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Cristina Padiglione Caricatura do real A televisão que se alimenta do mundo-cão, em preto e branco ou HD, na poltrona de casa ou na mobilidade do smartphone A considerar a premissa de que a televisão é essa janela para o mundo, como se diz, não causa espanto a morbidez que motiva uma audiência inconfessa a alimentar a indústria do audiovisual pela fabricação do mundo-cão. O horror que a plateia expressa pela narrativa de um José Luiz Datena ou de um Ratinho e a repulsa aos pormenores de um Roberto Cabrini ou de um Marcelo Rezende, sem falar na falsa indigestão aos envernizados documentários que brincam de CSI na tevê paga, não valem o zapping do controle remoto. Ao telespectador não basta recusar o cardápio, é preciso prová-lo até o fim, e assim é desde que os gladiadores dominavam o set, séculos antes de inventarem que estávamos sendo filmados. A isso equivale o protesto silencioso travado entre auditório e espetáculo. Como diz Nelson Piquet, ninguém vai ao autódromo para ver de perto o vencedor, e sim para testemunhar ao vivo o iminente acidente a 300 quilômetros por hora. Está na natureza humana, o.k., mas sempre haverá quem se aproveite de tal apetite. Faminta de verba publicitária, pois, a tevê bebe na fonte e serve ao circo o pão desejado – ainda que este seja um desejo pelo prazer de esbofetear. É bem verdade que a fome dentro desse segmento já foi maior. Houve um tempo em que o DNA ditado pelo Aqui Agora, do SBT, fazia de 15% a 20% de audiência na Grande São Paulo. Hoje, 20 anos depois e com um punhado de militâncias de toda espécie a coibir a repercussão em torno do dito sensacionalismo, há só um Datena fazendo 6% de bilheteria e outros canais investindo na busca de ibope pela fórmula, sem, contudo, dispor de porta-voz tão eficiente para seduzir a massa. O Judas a quem temos o prazer de malhar agora está estampado em outras máscaras, incluindo aí o humorista que tropeça numa piada mal digerida pela

Polícia 24 horas, na Band: canais buscam ibope com a fórmula do reality-show policial

torcida instalada no sofá. O sujeito então passa a ser apedrejado de um dia para o outro, em praça pública, mais ou menos como aquele prisioneiro que no filme A Vida de Brian, obra-prima do Monty Python, é alvejado por mulheres travestidas de homens só por ter pronunciado o nome “Jeová”. Não muito longe dali, em cenário vizinho e às vezes até convergente, a tevê paga dá algum polimento à receita policialesca e a serve em forma de documentário. É série para crimes passionais (do goleiro Bruno a Pimenta Neves), para tragédias familiares (vide Isabella Nardoni) e para o caos social, (do maníaco do parque ao toque de recolher do PCC). Responsável por avalizar verba pública para coproduções nacionais com canais pagos, a Ancine quase sempre abençoa tais conteúdos. Afinal, não nos esquivemos da parte que nos cabe nesse enredo: trata-se de um acervo dramático que bem faz parte da nossa história. O caso é que apenas jogar lente de aumento sobre a realidade não necessariamente credencia um conteúdo disposto a fazer o espectador se trancafiar em casa e fugir desse mundo repleto de violência que a televisão exibe em alta definição. Os mestres de cerimônia do show, gente que apresenta e produz a televisão do medo, argumentam que apenas desfilam na tela o que acontece na vida real. Verdade. Nada ali é ficcional, mas a edição se encarrega de operar a distorção. Quem vê tantas mazelas em espaço tão curto? Quem, senão a própria polícia, testemunha tanta desgraça por segundo, e ali, com direito a trilha sonora compatível? Enquanto imitamos a indústria do cinema americano, que se escandaliza com cenas de sexo, item que presumivelmente todo ser animal há de conhecer e praticar em sua existência, tiroteios e sangue escorrem à vontade pela tela, por meio de ações que dificilmente você viverá ou verá de perto no decorrer da vida. Há, nos telejornais recheados por ocorrências policiais, uma concentração de homicídios, acidentes e descasos que da vida real só carregam a caricatura.

foto: divulgação/band

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Emília Vandelay

Gi lles d e Ra i s

C a r l Pa n z ram

Maldade

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Dez malvados desconhecidos que deixam Carminha e Max no chinelo

Foi um nobre francês que, graças aos seus crimes, é considerado precursor do conceito moderno de serial killer. Foi acusado e condenado por torturar, estuprar e matar centenas de crianças, principalmente meninos, durante o século 15.

Fo i u m se r i a l k i l le r a m e r i ca n o, es t u p ra d o r, i n ce n d i á r i o e a s s a lt a n te. E l e co n fes so u 2 2 a s s a s s i n a tos e d e te r so d o m i z a d o m a i s d e m i l h o m e n s e n t re 1 9 0 8 e 1 9 2 0.

Ian Brady

Shiro Ishii

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G e n e ra l e m i c ro b i ó l o go d o ex é rc i t o j a p o n ê s d u ra n t e a S e g u n d a G u e r ra M u n d i a l . E m ex p e r i m e n t os co m a r m a s b i o l ó g i c a s , a p l i c ava i n j e ç õ es co m d o e n ç a s n os p r i s i o n e i ros , u s a n d o - os co m o co b a i a s v i va s .

Condessa húngara que viveu entre os séculos 16 e 17, também conhecida como a “Condessa Drácula”. Após torturar suas criadas, banhava-se no sangue derramado. Estima-se que tenha assassinado cerca de 600 pessoas.

N o t ó r i o a s s a s s i n o esco c ê s . Ao la d o d e s u a n a m o ra d a , M y ra H i n d ley, m a to u , es t u p ro u e to r t u ro u t r ê s c r i a n ç a s e d u a s a d o lesce n tes n a reg i ã o d e M a n c h es te r, e n t re 1 9 63 e 1 9 6 5.

Ilse Koch

h tt p: / /a lt u rl .co m /9y f 8 2 C a s a d a co m o co m a n d a n te d o ca m p o d e co n ce n t ra ç ã o d e B u c h e n wa ld , Ka r l Ko c h , d u ra n te a S egu n d a G u e r ra M u n d i a l , to r n o u - se co n h e c i d a p o r co l e c i o n a r p e d a ç os d e p e les t a t u a d a s d e p r i s i o n e i ros d o ca m p o.

D el ph i n e L a L a u r i e

h ttp : / /a lturl .com /9 yf82 Fo i u m a so c i a l i t e q u e v i v e u e m N ew O r l e a n s n o s é c u l o 1 9. A p ó s u m i n c ê n d i o e m s u a c a s a , d esco b r i u - se q u e t o r t u rava e m u t i l ava se u s esc rav os . A o t o d o, es t i m a - se q u e t e n h a m a t a d o m a i s d e ce m p es so a s .

Ranavalo na I

T h u g B eh ra m

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Ra i n h a d e M a d a g á sca r d u ra n te o s é c u l o 1 9, f i co u co n h e c i d a co m o B l o o d y M a r y d e M a d a g á sca r. M a to u m a i s d a m et a d e d a p o p u la ç ã o d e se u pa í s co m o o b j et i vo d e ex te r m i n a r a p o p u la ç ã o c r i st ã .

Pertencia ao culto Thuggee, na Índia, que em rituais à deusa Kali, assassinava viajantes nas estradas durante o século 19. Segundo historiadores, Behram pode ter matado até 931 pessoas por estrangulamento, entre 1790 e 1840.

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Myra Hindley

h ttp : / /a ltur l.com/4s8 c3 Junto de seu namorado, Ian Brady, foi responsável por uma série de assassinatos na área de Manchester, na Inglaterra, em meados de 1960. Foi responsável pelo sequestro, abuso sexual, tortura e assassinato de três crianças e duas adolescentes.

Emília Vandelay Jornalista e mestranda no programa de artes da Universidade de Toronto, no Canadá, em Cinema Studies.

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O puxadão do Masp O anexo do museu será mais um clássico de horror da arquitetura kitsch paulistana ANGÉLICA DE MORAES

Há certos fenômenos que, apesar dos objetivos heroicos que o inspiraram, acabam sucumbindo pela ausência de estofo para sua execução. Algo assim como um garnisé tentando anunciar a alvorada. Soa falso, esganiçado. É o que acontece com o prédio, em adiantado estado de adaptação, situado ao lado direito da fachada principal do Museu de Arte de São Paulo (Masp). O projeto é de autoria do arquiteto Júlio Neves, que ocupou a presidência do museu de 1994 a 2008 e ainda se mantém oficiosamente no núcleo decisório da instituição. Neves é autor

de pelo menos outras duas marcas indeléveis do kitsch mastodôntico paulistano: o prédio do falido Banco Santos, em estilo quadradão apedeuta, e o neobrega ex-templo do consumismo, a Daslu. Ambos símbolos, aliás, de um modo de ganhar dinheiro que acabou nas malhas da Justiça e da Receita Federal. Há quem diga que a audácia é atributo dos que ignoram a profundidade do abismo que pretendem vencer. O abismo, no caso, é a estreita ruazinha que separa a atual obra comandada por Neves do talento de Lina Bo Bardi ao desenhar o museu que é patrimô-

nio mundial da arquitetura moderna e um dos símbolos da cidade de São Paulo. Há escassos metros entre a inteligência visual da caixa de vidro suspensa por vigas vermelhas daquela que é sua contrafação: a torre do anexo do Masp. Com uma “tampa” transparente no estilo jarra-de-acrílico-para-suco, ele é um “puxadão” vertical de um edifício de fachada eclética (protegido pelo patrimônio do município) que, na prática, foi submerso por um lifting arquitetônico. No topo/tampa do anexo haverá bar, restaurante e cafeteria panorâmicos. Abrigará uma escola, talvez terceirizada, o que anularia a experiência de décadas da Escola do Masp. Terá também a parte administrativa do museu, liberando áreas expositivas para a sede. Entre altos e baixos, há bons objetivos em meio ao joio da execução. Quando, ó céus, será deletada a breguice arquitetônica que infesta São Paulo e, por espelhamento arrivista, a especulação imobiliária do patropi? Precisamos muito.

foto: divulgação

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Relógio de pulso (1814 – cerca de 2005)

Símbolo de uma cultura produtivista, o relógio de pulso foi fragmentado em tantos dispositivos que perdeu a função sem que ninguém sentisse sua falta Giselle Beiguelman

Quando nasceu, o relógio de pulso era apenas um mimo feminino. Não de qualquer mulher, mas sim das mais finas e cheirosas da corte. Adereço sem função mais importante que a de enfeite de madame no século 19, virou coisa de macho depois da Primeira Guerra Mundial. Foram os militares de 1914 os seus primeiros pais adotivos. Filho mutante do relógio de bolso, um antigo símbolo de poder e riqueza, teve como primeiro usuário ilustre o brasileiro SantosDumont. A aviação demandava que tivesse as mãos livres e seu não menos ilustre amigo, Louis Cartier, joalheiro, combinou um dos mais prestigiados modelos femininos de sua coleção a uma pulseira de couro. Começava a saga do minúsculo tirano que algemaria distintas gerações ao mundo do trabalho. Os primeiros eram de corda e não contavam os segundos. Nos anos 1920, mais atléticos, já eram automáticos, sendo recarregados pelo movimento do braço. A grande revolução viria com os netos, vitaminados com quartzo. Eles deram as caras nos anos 1960, na Olimpíada de Verão de Tóquio, paridos com ajuda do papai Seiko e da mamãe Epson. Ganharam o mundo, miscigenaram-se e renasceram no formato digital, com LEDs, em um design que foi às telas no filme 2001, Uma Odisseia no Espaço (1967), antes de ser industrializado e distribuído para as massas. Mandão e opressor, tornou-se símbolo de uma cultura produtivista, em que a boa administração do tempo era considerada essencial para alcançar a riqueza. Foi eternizado em um conto amargo do escritor argentino Julio Cortázar – Preâmbulo às Instruções para Dar Corda a um Relógio. Nele, o autor advertia que, quando você ganha um relógio, “não lhe dão um relógio, o presente é você; é você que oferecem para o aniversário do relógio”. Em meados da primeira década deste século, morreu esquartejado, fragmentando-se em telas de computadores, celulares, micro-ondas, televisores e câmeras. Ninguém chorou a sua ausência. FOTO: The Canterbury Auction Galleries. Reprodução

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Bibliotecas para plantar Em Nova York, orelhões esquecidos ganham vida nova por meio de boas ideias

Se há um objeto urbano que clama por reapropriação, esse objeto é o orelhão: quantas vezes você precisou de um telefone público no último ano? Com a popularização massiva dos celulares, essas figuras outrora símbolo de progresso caíram em desuso. Nova York tem mais de 13 mil telefones públicos – contra mais de 17 milhões de celulares. Não é de se espantar que o futuro dos precursores seja incerto. Mas boas ideias podem transformar o destino do mobiliário urbano antes fadado à ruína. “A melhor hora para transformar um orelhão em uma biblioteca pública é no domingo cedinho”, diz John H. Locke. O arquiteto americano projetou prateleiras de madeira leve que se encaixam facilmente nas cabines telefônicas. Ele mesmo pintou e montou, na sua própria casa, as pequenas estantes, com madeiras cortadas por um marceneiro do bairro. A preferência pelas desertas manhãs de domingo dá ares de magia à sua intervenção. Basta encontrar uma boa cabine, pendurar a prateleira e recheá-la. Num piscar de olhos, ele as instala, para a surpresa de transeuntes desavisados. Nas pequenas estantes coloridas, acopladas com ganchos a orelhões que se tornaram invisíveis, romances e livros infantis ganham as

biblioteca em estrutura de encai xe c r i ada po r j o h n h . Lo c ke

ruas, à disposição de quem quiser levá-los, devolvendo ou não, não importa. Ele também não liga quando a prateleira, após algumas semanas, também some. Para Locke, elas são estruturas vivas, que assim como aparecem, “espontaneamente” também podem desaparecer. Se não são perenes, duram o suficiente para conquistar seus fãs. Editoras, livrarias e vizinhos ficaram à espreita do sorrateiro plantador de bibliotecas para oferecer suas doações para futuras instalações. Das ruas para as galerias, o projeto está sendo apresentado na mostra Intervenções Espontâneas, na Bienal de Arquitetura de Veneza. Mas Locke faz questão de compartilhar a “receita” do projeto em seu site, incentivando as pessoas a replicarem a ideia em seus bairros, semeando mundo afora bibliotecas sobre orelhões. m z

FOTO: cortesia do artista - gracefulspoon.com/blog

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