SeLecT nº 12 completa

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a r t e D e S I G N e C U Lt U r a C O N t e M P O r â N e a

YAng Fudong HéCToR ZAmoRA ALBERTo BARAYA CHEn mAn JiA AiLi

Foto de Chen Man, da série Vision

´

São PAULo x PEqUIM

Duas cidades espelhadas por seu gigantismo

REIS PÓS -CELESTIAIS

A nova geração de artistas que desponta com a ascensão meteórica chinesa ExPLoSão INFoRMAL

A vida da população em topos de prédios e porões de Hong Kong A GRANDE MURALHA DE BITS

Estratégias para driblar a censura e o bloqueio digital

jun/jul 2013 AnO 03 EDIÇÃO 12 R$ 14,90

CHINA






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fACES DA CHINA

As narrativas silenciosas e as sobreposições de tempos e espaços na 68 cinematografia do artista contemporâneo Yang Fudong

42

84

92

96

100

território

design

Cultura digital

games

vernissage

UrBANISMO INfOrMAl

CÓpIA OrIGINAl

NEGÓCIO DA CHINA

ArtE rElACIONAl

AlBErtO BArAyA

O fenômeno das

Entrevista com Aric Chen,

Censura e lucros

Jogos são práticas

Artista revisita fauna

habitações aéreas e

curador do museu de

astronômicos marcam

artísticas no Brasil e na

exótica e legado das

subterrâneas em Hong

cultura visual M+,

Internet na China

China e viram ítens de

expedições botânicas

Kong e Pequim

em Hong Kong

coleção nos EUA

dos séculos 16 e 17

FOTO: yang FudOng / cOrTesia marian gOOdman gallery


index

seções

9

13

E d I To R I a l

14

C a R Ta s

16

N av E g a ç ã o

32

ColuNas MóvEIs

34

MuNdo CodIfICado

106

REvIEws

112

dElETE

113

obITuáRIo

114

sElECTs

48 96 96

96 arquitetura

66 artes visuais

Cartão postal

nova geração

Monumentos e cidades

Quem são os sucessores dos

européias clonadas são sonho

Quatro Reis Pós-Celestiais da

de consumo na China

arte contemporânea chinesa

54 gastronomia

paixão pelo tinto Quatro rótulos de vinhos chineses chegam às prateleiras dos merchants da Rainha da Inglaterra

78 F96 oto g r a F i a

Chen Man Tradição milenar e tecnologia fazem a diferença da fotografia de moda chinesa

FOTOs: MaTThew Niederhauser; jia aili; pedrO MaTallO e cheN MaN / cOrTesia esTudiO 6




expediente

EDITOR E DIRETOR RESPONSÁVEL: DOmINgO ALzugARAy EDITORA: CÁTIA ALzugARAy PRESIDENTE-ExECuTIVO: CARLOS ALzugARAy

12

DIRETORA DE REDAçãO: PAuLA ALzugARAy EDITORA-ChEfE: gISELLE bEIguELmAN DIREçãO DE ARTE : RICARDO VAN STEEN EDITOR-ADjuNTO: mARCOS DIEgO NOguEIRA REPóRTER: NINA gAzIRE REPóRTER ONLINE: mARIEL zASSO COLABORADORES

Ana maria maia, Camila bechelany, Emília Vandelay, fernanda Chieco, gabriela Longman, Kauê garcia, Lucas Rampazzo, Luciana fernandes, mara gama, marcelo bicudo, Pedro matallo, Peifen Sung, Rachel Costa, Tereza Arruda.

pROjEtO gRáfiCO DESigNER SECREtáRiA DE REDACãO

Ricardo van Steen e Cassio Leitão michel Spitale Roseli Romagnoli

pESQUiSA DE fOtOgRAfiA

Leticia Palaria

COpy-DESk E REviSãO

hassan Ayoub

RELAÇÕES pÚBLiCAS pRé-impRESSãO CONtAtO SERviÇOS gRáfiCOS mERCADO LEitOR ASSiNAtURAS

Victor fresi Retrato falado faleconosco@select.art.br gERENTE INDuSTRIAL: fernando Rodrigues DIRETOR: Edgardo A. zabala DIRETOR DE VENDAS PESSOAIS: Wanderlei Quirino SuPERVISORA DE VENDAS: Rosana Paal DIRETOR DE TELEmARKETINg: Anderson Lima gERENTE DE ATENDImENTO AO ASSINANTE: Elaine basílio gERENTE DE TRADE mARKETINg: jake Neto gERENTE gERAL DE PLANEjAmENTO E OPERAçõES: Reginaldo marques gERENTE DE OPERAçõES E ASSINATuRAS: Carlos Eduardo Panhoni gERENTE DE TELEmARKETINg: Renata Andrea gERENTE DE CALL CENTER: Ana Cristina Teen CENTRAL DE ATENDImENTO AO ASSINANTE: (11) 3618.4566. De 2ª a 6ª feira das 09h00 às 20h30 OuTRAS CAPITAIS: 4002.7334 DEmAIS LOCALIDADES: 0800-888 2111(ExCETO LIgAçõES DE CELuLARES)

vENDA AvULSA

gERENTE: Luciano Sinhorini COORDENADORES: jorge burgatti e Ricardo Augusto Santos CONSuLTORAS DE mERChANDISINg: Alessandra Silva e Talita Souza Primo ASSISTENTES: fábio Rodrigo, Ricardo Souza e gislaine Aparecida Peixoto.

OpERAÇÕES

DIRETOR: gregorio frança. SECRETÁRIA ASSISTENTE: yezenia Palma. SuPERVISOR: Renan balieiro. COORDENADOR DE PROCESSOS gRÁfICOS: marcelo buzzo. ANALISTA: Luiz massa. ASSISTENTE: Daniel Asselta. AuxILIAR: Aline Lima. COORDENADORAS DE LOgíSTICA E DISTRIbuIçãO DE ASSINATuRAS: Karina Pereira e Regina maria. ANALISTA jR.: Denys ferreira. OPERAçõES LAPA: Paulo henrique Paulino.

mARkEtiNg pUBLiCiDADE

DIRETOR: Rui miguel gERENTES: Débora huzian e Wanderly Klinger REDATOR: marcelo Almeida DIRETOR DE ARTE: Thiago Parejo ASSISTENTE DE mARKETINg:Andréia Silva DIRETOR NACIONAL: josé bello Souza francisco gERENTE:maurício Emanuelli SECRETÁRIA DIRETORIA PubLICIDADE: Regina Oliveira COORDENADORA ADm. DE PubLICIDADE: maria da Silva gERENTE DE COORDENAçãO: Alda maria Reis COORDENADORES: gilberto Di Santo filho e Rose Dias AuxILIAR: marília gambaro CONTATO: publicidade@select.art.br RIO DE jANEIRO-Rj: Diretor de Publicidade: Expedito grossi gERENTES ExECuTIVAS: Adriana bouchardet, Arminda barone e Silvia maria Costa COORDENADORA DE PubLICIDADE: Dilse Dumar; Tel.s: (21) 2107-6667 / (21)2107-6669 bRASíLIA-Df: gerente: marcelo Strufaldi; Tel.s: (61) 3223-1205 / 3223-1207; fax: (61) 3223-7732 SP/CAmPINAS: mário EsTel.ita - Lugino Assessoria de mkt e Publicidade Ltda.; Tel./fax: (19) 3579-6800 SP/RIbEIRãO PRETO: Andréa gebin - Parlare Comunicação Integrada; Tel.s: (16) 3236-0016 / 8144-1155 mg/bELO hORIzONTE: Célia maria de Oliveira - 1ª Página Publicidade Ltda.; Tel./fax: (31) 3291-6751 PR/CuRITIbA: maria marta graco - m2C Representações Publicitárias; Tel./fax: (41) 3223-0060 RS/PORTO ALEgRE: Roberto gianoni - RR gianoni Com. & Representações Ltda. Tel.: (51) 3388-7712 PE/RECIfE: Abérides Nicéias - Nova Representações Ltda.; Tel./fax: (81) 3227-3433 bA/SALVADOR: Ipojucã Cabral - Verbo Comunicação Empresarial & marketing Ltda.; Tel./fax: (71) 3347-2032 SC/fLORIANóPOLIS: Paulo Velloso - Comtato Negócios Ltda.; Tel./fax: (48)32240044 ES/VILA VELhA: Didimo benedito - Dicape Representações e Serviços Ltda.; Tel./fax (27)3229-1986 SE/ARACAju: Pedro Amarante - gabinete de mídia - Tel./fax: (79) 3246-4139/9978-8962 Internacional Sales: gSf Representações de Veículos de Comunicações Ltda - fone: 55 11 9163.3062 - E-mail: gilmargsf@uol.com.br mARKETINg PubLICITÁRIO - DIRETORA: Isabel Povineli gERENTE: maria bernadete machado COORDENADORA: Simone f. gadini ASSISTENTES: Ariadne Pereira, Regiane Valente e marília Trindade 3PRO DIRETOR DE ARTE: Victor S. forjaz REDATOR: bruno módolo

SELECT (ISSN 2236-3939) é uma publicação da EDITORA bRASIL 21 LTDA., Rua William Speers, 1.000, conj. 120, São Paulo - SP, CEP: 05067-900, Tel.: (11) 3618-4200 / fax: (11) 3618-4100. COmERCIALIzAçãO: Três Comércio de Publicações Ltda.: Rua William Speers, 1.212, São Paulo - SP; DISTRIbuIçãO ExCLuSIVA Em bANCAS PARA TODO O bRASIL: fC Comercial e Distribuidora S.A., Rua Dr. Kenkiti Shimomoto, 1678, Sala A, Osasco - SP. fone: (11) 3789-3000 ImPRESSãO: Log & Print gráfica e Logística S.A.: Rua joana foresto Storani, 676, Distrito Industrial, Vinhedo - SP, CEP: 13.280-000 www.SELECt.ARt.BR


editorial

Caixa de surpresas A China não é só o país onde tudo atinge a dimensão de megaescala. Não é somente o maior território, palco do crescimento econômico mais sensacional, com os maiores índices de densidade urbana e de poluição. Nem tão somente o maior importador de vinho tinto do planeta, ou o líder do mercado de arte mundial pelo terceiro ano consecutivo, com vendas que em 2012 somaram US$ 5.068 milhões (em um Mercado global de US$ 12.269 milhões), segundo a Artprice. Para além de todos os clichês de grandeza, a China é um território de oposições. Desde sua cultura do controle – que inibe a liberdade de expressão e o acesso à internet –, até a explosão da moradia e da economia informal, a China é palco de extremos que convergem. Caixa de surpresas, o gigante asiático nos leva a rever nossos paradigmas. Desapegue-se, por exemplo, de tudo o que você pensa sobre a relação entre inovação e cópia. Na arte contemporânea, na arquitetura ou na moda, os chineses mostram-se céticos sobre a ideia convencional de original versus cópia. Em meio à sua profusão de cidades clonadas e de “mercados ching ling”, a China lidera o discurso sobre a cultura da cópia como legítima e necessária geradora da criatividade. Conheça o design original chinês! Ele existe! Quem garante é Aric Chen, curador do museu de cultura visual M+, entrevistado por Mara Gama. Mesmo em defesa da inovação, o curador não menospreza a cópia e polemiza: “A ideia de que copiar é ruim é uma herança comercial e legal da economia industrial”. Na indústria da moda e do luxo não é diferente. Marcelo Bicudo, especialista em branding e autor da Coluna Móvel desta edição, afirma categoricamente: “Ser copiado é bom. A cópia só se desenvolve se a marca for fortemente desejada pelos consumidores”. O desafio à originalidade também é uma questão cara à arte contemporânea chinesa. Como aponta a consultora arte asiática Peifen Sung, em texto produzido especialmente para seLecT, o artista Xu Zhen lançou mão do próprio nome para adotar como identidade a marca “MadeIn” e abdicar do mito do artista como criador onipotente. E como nada se cria, tudo se reinventa, esta edição sobre a China vem dar mais uma volta à chamada da capa número 1 de seLecT, em que decretamos “Abaixo a originalidade”.

13 Paula Alzugaray

Ricardo van Steen

Giselle Beiguelman

Nina Gazire

Hassan Ayoub

Michel Spitale

Roseli Romagnoli

Marcos Diego Nogueira

Mariel Zasso

Paula Alzugaray Diretora de Redação

Ilustrações: rIcardo van steen, a partIr do aplIcatIvo face your mangá

Victor Fresi


cartas

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Excelente esta edição. Parabéns e vida longa para a seLecT! Xico Sá , escritor e jornalista via Twitter Gosto porque até ontem era surreal para mim o Neymar dar uma entrevista numa revista de arte. Gosto porque até ontem eu não imaginava uma revista de arte indo entrevistar o Neymar. Gosto porque num primeiro olhar parece ser uma sacada comercial, mas no segundo olhar não é, porque é óbvio que o público da revista vai olhar torto. Tudo é muito legal porque dá um nó naquilo que já estava definido como “certo”. Carla De Bona, designer e webdesigner, via Facebook Parabéns pela capa e matéria! Não poderia ser melhor. Ousadia e inovação são sempre bem-vindos. Uma grata surpresa, sucesso sempre! Manoel Novello, via facebook

Adorei o Neymar na capa da seLecT!

Paula Garcia, artista Na matéria Distintos Distintivos, a descrição sobre o CABJ está certinha, menos pelo número de títulos: atualmente, o Boca Juniors tem 51 títulos (conquistou o Torneo Apertura 2011). Confesso não saber se a 51ª estrela entrou no distintivo, mas até o próprio site do clube está desatualizado. Grande abraço. Pedro Dias, carta recebida via Faleconosco

Mais do que ter um Neymar na capa como privilégio acho que foi um privilégio do Neymar ser retratado de forma tão elegante: as cores, o prateado dos brincos e da corrente, o meio sorriso. E a pupila com uma imagem (um fotógrafo? Ele mesmo?...)? Dá pra fazer pôster. Jane de Almeida, professora da Universidade da Califórnia em San Diego e do Mackenzie

Acostumando-me com o perfil da seLecT tanto tempo com o rosto da Abramovic agora o do Neymar. Ludmila Nascy, via Twitter

Escreva-nos Rua Itaquera, 423, Pacaembu, São Paulo - SP CEP 01246-030

revistaselect revistaselect www.select.art.br faleconosco@select.art.br

Top 10 siTe seLecT ABR/MAi Próxima Bienal já tem curador – O britânico Charles Esche, diretor do museu holandês Van Abbe, é conhecido por tratar as questões políticas na arte http://va.mu/cWK9

Gols de cinema – Dez lances que ganharam plasticidade da Sétima Arte e se tornaram momentos sublimes da história do futebol, por André Barcinski http://va.mu/cWLB

Para que serve um curador? – Dez análises lúcidas e debochadas de artistas e curadores sobre o papel desse profissional no meio da arte contemporânea http://va.mu/cWLA

Hangout com Hans Ulrich Obrist – seLecT entrevista, com transmissão ao vivo pela internet, o curador mais badalado do mundo das artes http://va.mu/cWLC

Virada Cultural apresenta sua nova cara – Intervenções urbanas e obras de artemídia terão forte presença na Virada Cultural. Google desenvolve app exclusivo para o evento http://va.mu/cWLK Prêmio ICCO/SP-Arte anuncia ganhadores – Artistas selecionados farão residência em Roma e Nova York http://va.mu/cWLD

Vídeos para postar no Facebook – Uma seleção de vídeos para assistir e compartilhar com os amigos online é o que propõe Sweeney para Mostra Tudo http://va.mu/cFPp Eleitos pela crítica – A Associação Brasileira de Críticos de Arte premia os melhores de 2012. Adriana Varejão, Regina Silveira e Paulo Herkenhoff estão entre os vencedores http://va.mu/cWLE

Buzz – O editorial da nossa 11ª edição, que traz o jogador Neymar na capa http://va.mu/cWLG Já estamos dançando – Festival Baixo Centro negocia, tensiona e ocupa o espaço público http://va.mu/cWLIw


colaboradores

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Mara gaMa Jornalista com especialização em design. É consultora de qualidade de texto da Folha de S.Paulo. Participa de comissões julgadoras de diversos prêmios de design no país. Fez parte da direção editorial do UOL. – design p 84

Marcelo Bicudo

rachel coSta

Peifen Sung

Sócio e vice-presidente de estratégia do escritório de comunicação e branding Epigram e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. –

Jornalista, passou os últimos três anos trabalhando na Revista IstoÉ. No último carnaval, fez as malas e foi estudar na Europa. – gastronomia P 54

Vive e trabalha em Londres. Editora internacional da Harper’s Bazaar Art China e consultora de arte asiática, prestando serviços para colecionadores. – artes visuais P 66

colunas móveis P 32

tereza de arruda

ana Maria Maia

fernanda chieco

Kauê garcia

Vive em Berlim. É historiadora de arte e curadora. Realizou projetos na Documenta11, Casa das Culturas do Mundo/Berlim, ZKM/Karlsruhe. – portfólio P 60

Jornalista e mestre em História da Arte. É curadora assistente do Panorama de Arte Brasileira do MAM-SP e integrante do Núcleo de Pesquisa e Curadoria do Instituto Tomie Ohtake. – vernissage P 100

Artista, mestre em Fine Arts pelo Goldsmiths College, Londres. Representada pela Galeria Eduardo Fernandes e orientadora de artistas no Atelier A Pipa, SP. – fogo cruzado p 28

Artista e ilustrador de Campinas com raízes na cena punk, onde ganhou notoriedade criando cartazes de shows com técnicas de colagem. Já participou de diversas exposições e publicou trabalhos na revista Prego. – delete p 112

Pedro Matallo

caMila Bechelany

gaBriela longMan

Lucas Rampazzo

eMília Vandelay

Atua em fotografia, ilustração e cenografia. Trabalhou nas revistas Trip, Tpm, Bravo! e Status. É sócio do Estúdio Luzia e diretor de arte da revista 2016. – gastronomia P 54

Curadora pela NYU e EHESS-Paris, onde faz doutorado em Teoria da Arte, e pesquisadora do Centre Georges Pompidou. – reviews P 106

Jornalista e mestre em História da Cultura pela EHESS-Paris. Foi repórter da Ilustrada, na Folha de S.Paulo, coordena a Comunicação da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). – navegação P 16

Designer, artista visual e (quase) músico nas horas vagas. E nas ocupadas também. – colunas móveis P 32

Formada em jornalismo pela Unisinos, cursa o Masters of Arts Program in Cinema Studies pela Universidade de Toronto, Canadá – selects P 114


notícias + tendências + transcendências

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Pa l a c e o f a r t e P o w e r S tat i o n a r t ( a b a i xo ) , a m b o S lo c a l i z a d o S e m S h a n g a i

turiSmo cultural

Museus a perder de vista China vive boom de instituições dedicadas às artes moderna e contemporânea

Na China não há só um boom econômico, há também um boom de museus. Só em 2011, cerca de 390 instituições foram inauguradas no país. Em meio à euforia, a novidade é o surgimento de grandes museus públicos dedicados às artes contemporânea e moderna, antes restritos a poucas casas de capital privado. Exemplo do entusiasmo são os dois museus inaugurados em Xangai no fim de 2012. O Power Station Art é o primeiro museu público dedicado à arte contemporânea chinesa e ocupa uma antiga usina de energia do século 19. Foi inaugurado em outubro com a coletiva Electric Fields: Surrealism and Beyond, com trabalhos de Andreas Gursky e Christian Boltanski, entre outros, e atualmente recebe a mostra Andy Warhol: 15 Minutes Eternal. O Shanghai Palace of Art, também inaugurado em outubro de 2012, tornou-se um lar para a arte moderna chinesa produzida no século 20. O local, que foi sede da World Expo 2010, também recebe exposições temporárias vindas do The British Museum, de Londres, do Rijksmuseum, de Amsterdã, e do Whitney Museum, de Nova York, apresentando ao público a produção do gênero no Ocidente. A inovação vem também em museus históricos, como o sítio arqueológico de Dunhuang, conhecido por suas milenares cavernas com pinturas de temática budista. Localizado à beira do Deserto de Gobi, o local ganhará um centro para receber turistas com um projeto do arquiteto Cui Kai, conhecido por suas construções futuristas. Com 10 mil metros quadrados, começou a ser construído em 2010 e deve ficar pronto em 2014. NG Fotos: DIVULGAÇão


FotograFia

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Luz, câmera e cor Dupla de artistas usa tecnologia digital para pintar com a luz

A partir de um aplicativo para iPad chamado Tagtool, o fotógrafo Pedro Dias e o artista e ilustrador Rica Ramos criaram um novo jeito de fotografar. O Tagtool permite que os usuários conectem seus tablets entre si via Wi-Fi, possibilitando que animações sejam feitas e projetadas em tempo real. Desde que foi lançado, o app vem sendo amplamente empregado para projeções em Live Imaging e Vjaying. A dupla deu ao “brinquedo” um novo emprego, quando Ramos construiu um hardware que transforma o software do aplicativo em uma palheta de cores que permite “pintar com a luz”. A técnica foi chamada Lighttag. “Por ser efêmera e dinâmica, essa técnica de pintura digital é um convite irresistível ao fotógrafo. Pode-se sentir a simbiose: são duas pessoas criando ao mesmo tempo”, explica a dupla. NG m o d e lo t e m a suPerFcie do c o r P o P i n ta da c o m lu z P o r m e i o da t é c n i c a l i g h t tag

s e m t í t u lo P o l i c a r b o n ato e a ç o i n ox , d e i o l e d e F r e i ta s

artes Visuais

escuLpir com a Luz Iole de Freitas apresenta produção inédita que faz ponte com os anos 70

O que cinema e escultura têm em comum? Para Iole de Freitas, tudo. Em individual no Rio, ela resgata a série fotográfica Light Work, dos anos 70, como inspiração para cinco esculturas inéditas. Das películas Iole extraiu a dimensão formal da luz, dando origem a objetos tridimensionais. A técnica usada nas esculturas é a do policarbonato dobrado a frio, na qual superfícies translúcidas são tencionadas por linhas de aço. O efeito da luminosidade que perpassa essas superfícies é semelhante ao da luz solar em filme fotográfico. Juntamente com as esculturas está exposta a série fotográfica Light Work, marcando o encontro entre passado e presente. NG

Iole de Freitas, até 17 de junho, Galeria Silvia Cintra, Rua das Acácias, 104, Rio de Janeiro, www.silviacintra.com.br


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Artes visuAis

ExpEriência parisiEnsE Flavia Junqueira estreia na Baró Galeria com nova série fotográfica e instalação

Flavia Junqueira expõe na paulistana Baró Galeria duas séries inéditas. Em Cartografia Afetiva, imagens dos carrosséis de Paris feitas originalmente em Polaroid são redimensionadas e apresentadas juntamente com seus dados de localização. Já A Criança e sua Família reúne ampliações em grande escala de fotos antigas de famílias, encontradas por Junqueira em sebos, sobrepostas a pequenas imagens de parques de diversão. A artista contextualiza suas obras com uma instalação montada no meio da galeria, composta de um carrossel que gira ao contrário, ao mesmo tempo que uma música também toca de forma invertida. MDN cArrossel pArisiense registrAdo em polAroid por flAviA junqueirA nA série cArtogrAfiA AfetivA (2013)

Fotos: DIVULGAÇão. nA pÁGInA Ao LADo. JonAthAn hökkLo/FrIeze

Flavia Junqueira, de 15/6 a 20/7, Baró Galeria, Rua Barra Funda, 216, São Paulo www.barogaleria.com


Perfil

Trilhos urbanos Cecilia Alemani, curadora do High Line Art, pontua com arte contemporânea a vegetação selvagem do passeio nova-iorquino

Cecilia Alemani nunca havia trabalhado com arte pública antes de 2011, quando assumiu a curadoria do High Line Art, o programa que faz do passeio sobre os desativados trilhos urbanos do Chelsea nova-iorquino uma experiência artística a céu aberto. Mas ela admite que a experiência das piazze italianas influenciou seu pensamento curatorial, cada vez mais

Artes VisuAis

MeMórias do subsolo Betume, carvão e matérias subterrâneas compõem a nova obra de Eduardo Climachauska

direcionado para espaços de convívio e troca. A arquitetura sempre esteve no horizonte de interesse dessa italiana, nascida e criada em Milão e residente em Nova York desde 2003. Pensar de que forma a arte contemporânea responde às especificidades do espaço em que está inserida tem sido seu foco desde que começou a trabalhar como curadora independente ligada a instituições como o Artists Space, o Creative Time, o MoMA/PS1 e a bienal de performance Performa. Em maio, ela foi a curadora do Frieze Projects, na feira que acontece em Randall’s Island, NY, e recriou o legendário restaurante FOOD, criado por Gordon Matta-Clark e Carol Goodden, em 1971. “Embora ainda muito vivo na memória das pessoas, o FOOD não pertence à história da arte. Então, é muito interessante ver o que acontece quando você traz essa energia para a atualidade e ver se podemos encontrar um FOOD equivalente hoje em Nova York”, disse a seLecT. Carol Bove – CaterNo High Line Art, em 2012, Alemapillar, até maio de 2014, ni mostrou uma seleção de vídeos High Line Art, Nova York. da artista mineira Cinthia Marcelle. Busted – até maio Atualmente, ela acaba de abrir dois de 2014, High Line Art, grandes projetos: esculturas de CaNova York. rol Bove, que pontuam a vegetação h tt p : / /w w w.t h e h i selvagem do trecho final do passeio, g h l i n e . o r g /a b o u t / e a mostra Busted, que subverte e public-art/bove atualiza o conceito de monumento http://www.thehighlie que lançou uma enquete na interne.org/about/publicnet para saber quem merece ganhar -art/busted um busto no High Line. PA

Eduardo Climachauska – O Fundo do Poço, de 29/5 a 27/6, Galeria Laura Marsiaj, Rua Teixeira de Melo, 31C, Rio de Janeiro www.lauramarsiaj.com.br

A galeria carioca Laura Marsiaj realiza a segunda individual do artista visual, cineasta e compositor Eduardo Climachauska. A partir de 29 de maio, ele apresenta pinturas inéditas a óleo, betume e carvão sobre tela, parte das obras Rua Belgrado e Ilusão à Toa, além de algumas esculturas das séries Ho-Ba-La-Lá e O Fundo do Poço, elaboradas com o emprego de materiais como mármore, concreto e madeira. MDN

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Bienais

Arte pArA um sonho universAl Curadoria de Massimiliano Gioni para a 55 a Bienal de Veneza se inspira em Palácio Enciclopédico, obra utópica Marino Auriti, de 1945

A tradicional Bienal de Veneza chega à sua 55ª edição com a aguardada curadoria de Massimiliano Gioni, que também está à frente do New Museum de Nova York e da Fundação Trussardi, de Milão. Apesar da estreia em um dos maiores eventos da arte mundial, Gioni não é novato e foi cocurador da mesma bienal, em 2003. Para esta edição, ele propõe o conceito Il Palazzo Enciclopedico. A ideia para o “Palácio Enciclopédico” surgiu a partir da invenção patenteada pelo excêntrico artista e inventor ítalo-americano Marino Auriti, que em 1955 teve a ideia de um museu imaginário que reuniria todo o conhecimento da humanidade. O museu de Auriti nunca foi realizado, mas serviu para que Gioni definisse seu plano curatorial a partir de “cosmologias pessoais”, que navegam em tempo de vertiginosa circulação da informação, em permanente confronto de subjetividades. O curador escalou artistas cujas poéticas pessoais vêm da proscrição, da marginalização e até mesmo da mística pessoal. Artistas cujas produções estiveram longe do mercado e do circuito. Exemplo é a apresentação do Livro Vermelho, do psiquiatra suíço Carl Gustav Jung, no pavilhão central do Giardini. Os desenhos e escritos das visões de Jung serão mostrados pela primeira vez em um contexto artístico. A mostra O Palácio Enciclopédico, “um programa sobre obsessões e o poder transformador da imaginação”, segundo Gioni, inclui artistas como os norte-americanos Morton Bartlett e James Castle, que em vida nunca obtiveram reconhecimento e são donos de uma obra solitária e autodidata. Mas o circuito mainstream também está representado. Trabalhos dos norte-americanos Richard Sierra e Bruce Nauman fazem parte da mostra que tem curadoria especial da fotógrafa Cindy Sherman. Outra novidade é a criação de novos pavilhões nacionais. Reconhecido como território soberano, o Vaticano será um dos 88 estados que participam pela primeira vez da Bienal de Veneza. Com o título Holy See (Olhar Sagrado), a curadoria da Sagrada Sé trará arte contemporânea feita por dez artistas de diferentes lugares do mundo, com obras centradas no primeiro livro do Gênesis que conta a história da construção da Torre de Babel. Para o pavilhão Brasil o venezuelano Luiz Perez-Oramas selecionou Helio Fervenza, Odires Mlászho, Max Bill, Lygia Clark e Bruno Munari. NG

no alto e à esquerda , Palácio encicloPédico, de Marino auriti, no alto e a direita, untitled, de Morton Bartlett, à esquerda eMPty set , do Brasileiro Helio Fervenza e aBaixo, ButcHerv, de odires MlászHo

55a Bienal de Veneza, Palazzo Enciclopedico 1º de junho a 24 de novembro, Veneza


Artes VisuAis

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Duas Chinas Pinchuk Art Centre, da Ucrânia, mostra os efeitos da globalização sobre a arte asiática

O passado e o presente de um país contado por meio de obras de arte. Esse é o mote da exposição China China, em cartaz no Pinchuk Art Centre, localizado em Kiev, na Ucrânia, um dos mais importantes centros dedicados à arte contemporânea do Leste Europeu. A mostra traz 11 nomes chineses de diferentes gerações, cujos trabalhos investigam a relação histórica da arte em decorrência das recentes mudanças que o país vem enfrentando, como, por exemplo, a abertura econômica e o choque de valores tradicionais, diante do fenômeno da globalização. Entre os artistas estão o dissidente Ai Weiwei, que apresenta sua antológica instalação Rooted Upon, feita de raízes de árvores colhidas em toda a China, e obras do duo Sun Yuan e Peng Yu. A dupla é conhecida pela obra controversa, tendo usado materiais como gordura humana e cadeiras de roda em suas obras de arte. NG

t e e n Ag e r t e e n Ag e r , de sun YuAn e Peng Yu

China China, até 18 de outubro, Pinchuk Art Centre, Kiev, Ucrânia www.pinchukartcentre.org

CinemA

Cinema brasileiro no oriente Filmes brasileiros devem lotar salas de cinema chinesas no 16º Shanghai International Film Festival

Shangai International Film Festival – Siff, de 15 a 23 de junho, SHANGHAI TV FESTIVAL – STVF, de 10 a 14 de junho, em Xangai, China. www. siff.com

Fotos: DIVULGAÇão

Nada menos do que cinco filmes representam o Brasil no 16º Shanghai International Film Festival – SIFF, que acontece entre os dias 15 e 23 de junho na cidade chinesa. Assalto ao Banco Central, Elena, A Última Estação, RIO 2096 – A Story of Love and Fury, e Ouvir o Rio: Uma Escultura Sonora de Cildo Meireles serão exibidos para os espectadores de cinema no oriente. “Existe um interesse especial pelos filmes brasileiros, talvez pelo lado mais exótico da nossa cultura para os chineses. Os cinemas lotam quando se trata de filme brasileiro. Em anos anteriores, durante a exibição do filme Tainá 1, que participava da mostra competitiva Golden Globet,

na gigantesca sala do Art Film Center tinha gente sentada no chão”, recorda Uta Schwietzer, diretora executiva da Câmara Brasil-China. O festival, que costuma ter todas as suas sessões lotadas, teve mais de 2 mil trabalhos inscritos de cerca de cem países diferentes. Seu comitê de organização caprichou ao selecionar um programa de filmes incomuns, como uma série de filmes mudos de Hitchcock e também uma seção Tribute to Masters, que inclui retrospectivas de filmes de Leslie Cheung e Tang Xiaodan, homenagens à Yasujiro Ozu e Oliver Stone e o Presidente do Júri e do Júri Painel Film Festival. Stone é o convidado de honra do festival. Para ferver o mercado, uma semana antes, entre 10 e 14 de junho, o 19º Shanghai TV Festival reúne investidores internacionais interessados em comprar e vender conteúdo para televisão e tecnologias modernas. MDN


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Mercado de arte

Guia de sobrevivência em mandarim Em busca de novos compradores, galerias brasileiras participam de feira em Hong Kong e ampliam relações com o segundo maior mercado de arte do mundo

Gabriela lonGman

São mais de 25 horas de voo, com obras de arte dormindo nos bagageiros. Na última semana de maio, três galerias paulistanas atravessaram 18 mil quilômetros em direção à feira de Hong Kong. Administrado a partir deste ano pela Art Basel, o evento é uma porta de entrada para o mercado asiático, reunindo 245 galerias, entre elas as gigantes internacionais. Ninguém está lá à toa. Em 2007, o mercado de arte chinês ultrapassou o da França em volume de vendas. Três anos depois, passaria o da Inglaterra, tornando-se o segundo maior do mundo, atrás apenas do norte-americano. Próxima de outros centros financeiros importantes, como Taiwan, Japão, Cingapura, Coreia do Sul e Austrália, Hong Kong parece ter vindo para abalar definitivamente o duopólio Londres/Nova York, que definiu o comércio de arte nos últimos 50 anos. Unindo esforços em direção à nova meca, Nara Roesler, Casa Triângulo e Mendes Wood embarcaram pela segunda vez para a feira. “É um salto no vazio, como diria Yves Klein… um projeto diferente de tudo que a gente já fez”, diz Daniel Roesler. Segundo o galerista, ficou do ano passado a sensação de não comunicação e a dificuldade de atingir o publico chinês. “Vendemos mais para os ocidentais expatriados.” O acesso aos colecionadores asiáticos ainda é cheio de obstáculos. O primeiro deles é a grande predominância de leilões, responsáveis por 70% das vendas de arte na China – no Brasil, a fatia é de 21%. Mais que isso, porém, existe a questão do gosto: o interesse pela arte contemporânea ainda é pequeno, quando comparado ao da pintura tradicional, da caligrafia e das artes decorativas. Quando se volta para o Ocidente, grande parte dos milionários da região se concentra em grandes nomes da arte moderna europeia.

“Hong Kong funciona como ponto de conexão com a Ásia e com a Oceania. No ano passado, levamos cinco obras e vendemos duas, uma para uma colecionadora suíça que mora em Cingapura e outra para um banco”, conta Rodrigo Editore, diretor da Casa Triângulo. Devido à influência de temáticas orientais em seu trabalho, Sandra Cinto foi a artista escolhida para ser exposta pela galeria na feira de 2012, ao lado de obras de Mariana Palma, Marcia Xavier e do grafiteiro Nunca. Por conta das dificuldades legais e burocráticas que vigoram na China, Hong Kong estabeleceu-se como centro de transações artísticas desde os anos 1970, com o primeiro leilão da Sotheby’s realizado em 1973. Em 2008, a Gagosian Gallery abriu uma filial na cidade, seguida pela White Cube. Como parte de um fenômeno ainda mais recente, a Pace Gallery e outras casas resolveà e s q u e r da , o u o u ( 2 0 1 3 ) , e s c u lt u r a e M l at ã o d e a rt u r l e s c h e r ; a b a i xo, o bj e to c i n é t i c o K- 0 6 ( 1 9 6 6 ) , d e a b r a h a M Pa l at n i K , da g a l e r i a n a r a r o e s l e r


ram enfrentar os trâmites da China continental, instalando-se em Pequim ou mesmo em Xangai. Criada em 2008, a Art HK reuniu 101 galerias de 20 países e atraiu cerca de 19 mil visitantes em sua primeira edição. No ano passado, o número de galerias era 266, com 67 mil visitantes. Para facilitar a vida dos galeristas, a organização da feira preparou uma espécie de “guia de sobrevivência”, numa tentativa de diminuir o abismo cultural: “Cartões de visita (assim como presentes e dinheiro) devem ser entregues e recebidos com as duas mãos”. Mais uma diferença: diante do recato que asiáticos possam ter em perguntar o preço, a recomendação é para que os estandes exibam os valores ou ao menos uma indicação escrita “por favor, pergunte o preço” estampada em inglês e chinês. A fim de firmar relações entre os dois países, a Associação Brasileira de Arte Contemporânea (Abact) convidou quatro jornalistas chineses para a última SP-Arte, quando participaram de debates sobre arte e Mercado. “Esperamos que agora retribuam e nos recebam bem por lá”, brinca Monica Novaes Esmanhotto, gerente de promoção internacional da entidade. Num mercado de dragões, afinal, é sempre bom ter conhecidos que falam mandarim. à e s q u e r da , p i n t u r a s e m t í t u lo ( 2 0 1 3 ) d e sa n d r a C i n to, da C a sa t r i â n g u lo. a b a i xo, a rt b a s e l H o n g ko n g , s i t u a da e m V i Cto r i a H a r b o u r

Fotos:valentino Fialdini e art Basel. na outra página: everton Ballardin/ cortesia galeria nara roesler e casa triÂngulo

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EmprEEndEdorismo

PENSANDO NO PÓS-COPA Imagina na Copa! A frase que hoje simboliza o descontentamento da população com a Copa do Mundo 2014 torna-se símbolo da luta de jovens para melhorar o lugar onde vivem

Um grupo de jovens preocupados com o legado que a Copa do Mundo de 2014 deixará ao povo brasileiro. Assim se apresenta o pessoal do ImaginaNaCopa.com.br, website criado através de crowdfunding e que tem como objetivo apresentar, discutir e expor atitudes transformadoras de pessoas de todo o país em áreas como a saúde, educação, mobilidade urbana, intervenções artísticas e meio ambiente. O nome do projeto não poderia ser melhor, pois significa a expressão comumente dita por quem acredita que o país precisa de mais do que um ou dois “empurrõezinhos” para melhorar de forma efetiva. Sempre que se percebe uma falha em algum serviço básico, o grupo lança a frase: “Imagina na Copa!”. A cada semana, um vídeo é produzido contando a história de alguém que transforma o Brasil com ideias simples, mas efetivas. Como, por exemplo, a Bibliocicleta, uma biblioteca comunitária e itinerante criada por Augusto na cidade paraense de Simões Filho. Ou o grupo mu-

sical Seu Estrelo e o Fuá do Terreiro, que percorre o Distrito Federal divulgando as raízes culturais do Brasil. E a Júlia, filha de boxeador, que montou ou projeto Todos na Luta, para tirar crianças da rua e usar o esporte como forma de educação: nele, os alunos se tornam professores de novos alunos. Serão ao todo 75 projetos divulgados até o pontapé inicial do jogo de abertura do maior evento esportivo do planeta. E como o objetivo aqui é inspirar pelo exemplo, jovens associados à ação ImaginaNaCopa.com. br vão circular pelas 12 cidades-sede veiculando esse conteúdo que mostra quem hoje está virando o jogo para o país, mas também exibindo vídeos e dando palestras a quem quiser associar-se à iniciativa. Em Salvador, de 10 a 13 de abril, uma oficina debateu o significado de ser agente transformador e de quais atitudes podem fazer a diferença para cada comunidade. Foram discutidos também problemas e causas cotidianas do país para chegar a possíveis soluções. Se hoje o projeto já está dando certo, imagine você depois da Copa? MDN

o l i x a rt E , d o c u r i t i ba n o g u stavo, é m a i s u m a da s a ç õ E s m ost r a das p E lo s i t E co m a n da d o p o r F E r n a n da ca b r a l , m a r i a n a ca m pa n at t i , t i ag o p E r E i r a E mariana ribEiro (ac i m a)

PATROCÍNIO


tribos do design

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Ching lings Irresistíveis, esses produtos têm, no mínimo, três qualidades: são divertidos, úteis e feitos na China!

Relógio-batata Ficou sem batata? Então perdeu a hora! Energia completamente verde, faça de suas batatas uma bateria elétrica com duas placas de ferro e zinco + fios condutores

Jarras de Chá O designer Richard Hutten reutiliza restos dos vidros de sua produção, para aliar sustentabilidade à criatividade

Evil, Happy, Wounded Tão doce, tão fofo, tão maldoso. Essa foi a combinação divertida do designer Jiji para caracterizar os seus bonecos panda, símbolo do país.

Aquecedor de caneca Muito ocupado no trabalho e seu café esfriou? Esses dias acabaram. Plugue o aquecedor de caneca no seu computador e curta o café da maneira que ele tem de ser

Capacete porta-copos Se você vai a um jogo de futebol ou show de rock, beba tranquilo seu drinque usando o capacete porta-copos, onde cabem duas latas da sua bebida favorita. Propício para misturas

Plastic Chair in Wood A parceria entre a Contrast Gallery, de Xangai, com o designer Maarten Baas deu origem a um mobiliário para um churrasco chique

fotos: divulgação

Gasoline Dispenser para bebidas Perfeito para animar a festa, ou para decorar a casa, possui capacidade para 900 ml de um bom chope ou qualquer outra bebida

Copo beleza feminina Sua bebida favorita em forma de mulher



fogo cruzado

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Compartilhar ou piratear, eis a questão Prática cada dia mais corriqueira, seja na china ou na cultura digital, a Pirataria movimenta humores e mercados. ninguém escaPa ileso. há quem leve vantagem e quem saia Prejudicado. com oPiniões divergentes e convergentes, sete entrevistados Ponderam: a Pirataria democratiza a informação ou Pune o autor e inibe a criatividade?

MARCOS DIEGO NOGUEIRA ilustraçÃO FERNANDA CHIECO

Milton HatouM escritor

como autor, vivo de direitos autorais, então, para mim, a pirataria é a morte do meu trabalho, é o sumiço dele. cantores e artistas dão shows e os escritores, não. e não devem dar shows, dão palestras por um valor minguado. o escritor vive à míngua, então, se imprimirem ou fizerem edições piratas dos meus livros, estou perdido. a pirataria não democratiza nada, porque então todo mundo teria de trabalhar de graça, não só o artista, que tem um trabalho do qual ele vive e depende. fotos: Bel pedrosa. Na págiNa ao lado: Mario Cesar Carvalho e duda lopes


Marion Strecker cofundAdorA do uoL , coLunistA dA foLhA

Claro que a pirataria democratiza a informação. Ela derruba as barreiras financeiras para o acesso a obras intelectuais e artísticas. Mas a pirataria pode punir o autor, subtraindo potencial de receita. Pode também, ao contrário, servir para popularizá-lo, potencializando as receitas. Acho que tanto a internet quanto a pirataria obrigam os agentes do mercado a reinventar o seu negócio. Essa é a dificuldade, pois nem todo mundo quer, sabe ou pode reinventar um negócio. Há negócios que são destruídos nesse processo. Outros sofrem metamorfose. Mas não acho que a pirataria iniba a criatividade. Nem os regimes políticos opressores inibem a criatividade, por que a pirataria inibiria?

Fred Zero Quatro músico do grupo mundo Livre s/A

Acho que esse paradigma digital coloca várias cadeias produtivas em xeque, principalmente na área da cultura. O próprio lance do conhecimento acadêmico – tem um pessoal que acha que tem de compartilhar o banco de dados do MIT, por exemplo. Essa questão é delicada quando envolve o universo da internet por conta da falta de controle e credibilidade. O cara se dedicou anos a um trabalho acadêmico e o coloca na internet. Quem garante que aquele trabalho não foi adulterado por um sabotador só por uma questão de vandalismo? Nesse ponto, se é para colocar de forma antagônica, sou pelo direito do autor, não por conta do avanço da tecnologia, mas sim porque você vai abrir mão da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que garante o direito autoral. Se falarmos da democratização da cultura digital, se eu fosse hacker dos mais preparados, as primeiras coisas que gostaria de democratizar seriam as contas bancárias e as senhas dos donos da Monsanto ou de fábricas de armamentos, por exemplo. Se você achar que só a cultura ou a propriedade intelectual é que deve ser democratizada, aí estará sendo um pseudossocialista.

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fogo cruzado

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sERGIO COHN poeta e editor da azougue

O grande problema dessa questão reside na conjunção “ou”. Também é importante a diferenciação entre a pirataria e o compartilhamento – a primeira, uma indústria ilegal com fins lucrativos, que utiliza a reprodução não autorizada de produtos de mercado. A outra é uma troca entre pares de informação e produtos culturais, sem fins lucrativos. Ambos permitem o acesso de camadas mais amplas da sociedade à informação e são importantes armas da cultura hoje. Ao mesmo tempo, é inegável que punem o autor, ao não permitir que ele receba os recursos dos direitos autorais, que são importantes para que esse autor tenha tempo livre para elaboração de novos processos e obras. Ao mesmo tempo, a divulgação maior de seus trabalhos permite uma interlocução com mais pessoas, o que, a princípio, estimula a criatividade. Em conclusão, sou favorável ao compartilhamento de informações, mas sonho com um mundo socialista, onde o compartilhamento se estenda para a comida, as roupas e outros bens de consumo.

ROsaNa HERmaNN escritora, roteirista e apresentadora de tevê

A pirataria aprendeu a recriar. O criador precisa reaprender a criar. O autor precisa usar a pirataria a seu favor. Dar a ela as mensagens que quer ver espalhadas, privar dela os trabalhos autorais que devem ser preservados. fotos: acervo pessoal e divulgação


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Bia granja criadora do youPix

É aquela velha discussão: o consumidor não tem problema em pagar pelo conteúdo, o que não dá mais é embutir no conteúdo o valor da mídia e da estrutura paleontológica que ela sustenta (gravadoras, produtoras, distribuidoras etc.). O autor é punido? Provavelmente. Apenas aqueles que ainda teimam em se agarrar a modelos de negócios velhos continuam repetindo essa máxima de que a pirataria está matando alguma coisa. Mas existem outros universos onde a pirataria e o copy+paste desvairado são diretamente prejudiciais ao autor, como no caso de blogueiros que vivem de seus conteúdos na rede. E, para fechar, a pirataria só inibe a criatividade de quem vê no lucro o objetivo final da criação. Se for esse o caso, o “artista” tem mais é que parar de criar mesmo.

Luciano “curumin” nakata músico e Produtor

A pirataria, no mínimo, gera uma discussão interessante, que é sobre a relação entre a quantidade de produção que existe hoje em dia e o preço que ela tem. Entra também um pouco nessa questão de haver hoje em dia uma produção muito grande por um custo alto, e por outro lado uma busca de consumo também grande e que, para ser grande, não pode ter um custo alto. Ou seja, se as pessoas querem conhecer bastante coisas, não dá para ficar comprando CD e DVD de todo mundo, então elas acham uma forma alternativa para escutar aquele som ou ver aquele vídeo. Não sou a favor da pirataria, não acho que ela seja a democracia da informação porque alguém está ganhando muito dinheiro com isso. Mas acho que a cultura e a arte estão caminhando para a liberdade. O custo não tem de ser pago por quem quer usufruir, mas sim por formas alternativas, como o apoio governamental, por exemplo. Ainda não sei exatamente qual é o caminho, mas acho que em algum momento vai aparecer outra forma de essa conta fechar no final.


colunas móveis / branding

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Marcelo Bicudo

Ser copiado é bom Em um mundo que vive em constante “beta teste”, inovação e cópia acontecem simultaneamente, obrigando as marcas a trabalharem em sistema de código aberto

Modelos recentes de Brand Equity, que definem parte do valor de uma marca medindo sua penetração de mercado a partir de seu reconhecimento, lealdade de seus públicos e reação às adversidades, reforçam uma afirmação do importante estudioso de marcas Andrea Semprini: “A cópia só se desenvolve se a marca for fortemente desejada pelos consumidores”. Encontramo-nos em um ambiente desconhecido para as marcas tradicionais, pois elas definem suas estratégias de produto, escolhendo entre inovação constante, customização e posicionamento por preço. No mundo contemporâneo, essa visão não é mais possível, pois as inovações tecnológicas e as “cópias” têm transformado mercados inteiros da noite para o dia. Apenas para ilustrar o que se diz, a Zara, com sua enorme área de pesquisa e tendências, praticamente criou o conceito de fast-fashion. O Google Maps, gratuito, transformou por completo o mercado de navegação por GPS. A Samsung e a Apple disputam cabeça a cabeça o mercado de smartphones com produtos semelhantes. Esses e outros exemplos demonstram que a cópia passa a ter valor e está mais disseminada do que imaginamos, obrigando as empresas a trabalharem entre a inovação e o original de segunda geração.

ILUSTRAÇÃO: LUCAS RAMPAZZO

Essa nova visão sobre a cópia sugere um novo ciclo de vida para os produtos, denominado por Larry Downes e Paul Nunes, do instituto de análise de tendências Accenture, de efeito Big-Bang. Nesse novo modelo, as cópias e as evoluções de produto aparecem quase que imediata e simultaneamente. Isso acontece porque hoje o mundo, por ser mais conectado, ter tecnologias mais acessíveis e pelo próprio fato de a cultura ser mais fluida, vive em “beta teste”. Essa visão reverte a teoria sobre difusão de inovações de Everett Rogers, que já foi um dos pilares do pensamento sobre marcas. Suas bases eram a noção de um mercado que se movimentava em torno de early adopters e em que a cópia, a pirataria e o original de segunda geração demoravam mais a aparecer. O branding de hoje pede modelos mais generosos para com as cópias, obrigando as marcas a trabalharem mais próximas ao conceito de código aberto, no qual códigos-fonte, que se configuram em ativos de marca, são mais compartilháveis e dialógicos. Para tanto, é preciso compreender melhor os fenômenos acima, bem como ajustar a gestão de marca à cultura contemporânea, trazendo para as marcas mais capacidade de resposta no curto prazo e vitalidade no longo, incorporando as maravilhas de ser uma marca copiada.



mundo codificado

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P e q u i m

北 京

Nos lados opostos do globo terrestre, duas potências mundiais compartilham diferenças e semelhanças que vão além das grandes sedes corporativas, do tráfego intenso e dos índices alarmantes de poluição

1.522.986 km2 459 anos

16.801.25 km2

898 anos

ÁREA

IDADE

11.376.685 6,6 milhões

X

7.469.99 hab/km2

19.162.368

POPULAÇÃO

Fotos: stock.xchange. na página ao lado: gabriela bataglia/creative commons

888 hab/km2

DENSIDADE URBANA

5 milhões

CARROS EM CIRCULAÇÃO


Morumbi

66.750 espectadores

1,14 euro

Entre 150 e 200 mcg3

Ninho de pássaro

0,24 euro

80 mil espectadores

Entre 200 e 250 mcg3

PREÇO DO METRÔ

MAIORES ESTÁDIOS

POLUENTES Níveis por m3

600 mil 5 linhas - 74,3 km 45 anos

12 milhões

52 anos

16 linhas - 442 km

BICICLETAS EM CIRCULAÇÃO

METRÔ

EXTENSÃO DO METRÔ

圣 保 罗

S Ã O P A U L O

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urbanismo

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enTre carros e cigarros 汽车和香烟之间 Importantes centros de atuação econômica e cultural em seus países, São Paulo e Pequim convivem com o trânsito carregado, a superpoluição e a efervescência cultural que só as megalópoles podem proporcionar Marcos diego nogueira

São Paulo e Pequim comPartilham váriaS caracteríSticaS e outraS tantaS diferençaS. com número elevado de habitanteS (São Paulo tem cerca de 12 milhõeS e Pequim PoSSui 19 milhõeS de moradoreS), ambaS São imPortanteS centroS de atuação econômica dentro de SeuS contextoS. mesmo que xangai seja considerada o grande centro financeiro chinês, é em Pequim que o poder está concentrado e onde as decisões políticas são tomadas. ambas também compartilham um cotidiano bem parecido e peculiar. “assim como São Paulo, Pequim é uma cidade planejada para automóveis”, diz o arquiteto conhecedor das duas cidades fernando brandão. “mas lá eles estão mais avançados, Pequim já tem sete anéis viários, enquanto São Paulo está terminando o primeiro”, diz. Fotos: Jorge ArAúJo / FolhApress. nA páginA Ao lAdo: peter MorgAn

quem mora nas duas cidades deve saber conviver em sociedade, já que a densidade demográfica é alta e qualquer lugar onde se circule tende a ter uma grande concentração de pessoas. o metrô é um ótimo exemplo. apesar de contar com 16 linhas – 11 a mais que São Paulo –, é preciso ter paciência para circular nos 442 quilômetros subterrâneos de Pequim: a aglomeração conhecida dos paulistanos em horários de pico também é comum por lá. e não causará estranhamento se alguém sacar da bolsa um macarrão instantâneo e prepará-lo ali mesmo, na lotada plataforma da estação, com direito a água quente diretamente da garrafa térmica. isso é comum. É a refeição rápida no melhor estilo chinês.


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Há outras disparidades no jeito como cada uma das duas cidades trata a culinária. São Paulo é uma das capitais gastronômicas do mundo, abrigando uma variedade enorme de opções da cozinha internacional. Entre elas está o D.O.M, o sexto melhor restaurante do mundo em 2013, eleito pela revista britânica Restaurant. Já Pequim, mesmo registrando um crescimento nessa área de tempos para cá, principalmente desde os Jogos Olímpicos, tem uma culinária que chega a custar 40% menos, mas que ainda pode causar surpresa. Não só pela variedade nem sempre muito ortodoxa de opções, que inclui os famosos espetinhos de insetos ou escorpiões e a sopa de enguia, mas pelo jeito peculiar com que é tratada a higiene. Explicação para isso está na chamada Grande Fome Chinesa, quando, por conta de péssimas políticas econômicas no período entre 1958 e 1961, muitas pessoas morreram no país por falta de comida. “Eles explicam que, por causa disso, adquiriram o

A s d i f e r e n ç A s e n t r e A s d uA s c i dA d e s e st ã o d i s s i m u l A dA s e m m e i o à c ot i d i A n A Ag lo m e r A ç ã o d e s e u s m o r A d o r e s

Pequim é realmente um lugar que leva o termo “cidade grande” ao pé da letra hábito de comer basicamente qualquer coisa em qualquer lugar”, diz Luciano Andretta, tecnólogo paulista que costuma ir à capital chinesa a trabalho. É comum o cidadão chinês morar na mesma barraca onde trabalha, vendendo quitutes e recolhendo, com a mesma mão, o dinheiro dos clientes. “Isso causa uma desconfiança inicial. Mas depois você se acostuma. Ou vai embora de vez”, diz Andretta, que já se adaptou aos modos chineses e, quando está lá, sente falta de apenas uma coisa: ver o sol. “A poluição lá é tão densa que é difícil vê-lo, ele está sempre escondido atrás da fumaça”, explica, lembrando-se dessa outra similaridade com São Paulo.


Nenhum número é tão díspar entre Pequim e São Paulo quanto o de bicicletas. São 12 milhões contra 600 mil

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Ano-novo sem fogos de Artifício Atribui-se, inclusive, ao nadador César Cielo a frase ao desembarcar em Pequim para a Olimpíada: “Para quem vive em São Paulo, como eu, aqui está tudo bem. Não acredito que, quanto à poluição, Pequim seja pior do que a cidade onde moro”, disse ele, abrindo mão do uso de máscaras de pano cedidas pelo Comitê Olímpico Brasileiro. Apesar de parecida, a poluição nas duas cidades tem diferentes culpados. Em São Paulo, os carros são os responsáveis por 90% da sujeira no ar, enquanto a sua “irmã” oriental sofre com os resíduos da construção civil. “Lá é possível ver as partículas suspensas no ar, uma espécie de poeira flutuante”, conta Caroline Barros, enfermeira residente na cidade. Atualmente, o nível de gases tóxicos presentes no ar na capital chinesa ultrapassou 25 vezes o limite considerado seguro pela Organização Mundial da Saúde, levando o governo a criar campanhas de incentivo para que os cidadãos deixem seus carros em casa, fábricas dispensem seu funcionamento e até para que o ano-novo chinês seja comemorado sem fogos de artifício. Mas tanta fumaça não é suficiente para barrar o consumo de cigarros na cidade, onde a variedade de marcas passa de 200, com preços que variam de Fotos: stock.xchange

R$ 2 a R$ 100 o maço. “Esse é um dos casos em que eles seguem a filosofia oriental, dizendo que o cigarro faz mal para o coração, mas bem para o espírito”, diz Andretta. Diferentemente da lei antifumo paulistana, em Pequim é permitido fumar em qualquer lugar. Nenhum número é tão díspar entre São Paulo e Pequim quanto o de bicicletas. Enquanto lá existem 12 milhões de unidades em circulação, aqui o número é pouco mais de 600 mil, mostrando o quanto as políticas brasileiras de incentivo aos ciclistas caminham lentamente. Já em Pequim, como em toda a China, o exagero corre tanto para os lados do bem quanto do mal. “A dimensão das construções em Pequim é realmente assustadora”, analisa Brandão. Mesmo que a arquitetura seja parecida, com seus arranha-céus em ambas as cidades, a China está a pelo menos 160 metros à frente do Brasil. Ou melhor, mais alto. O China World Trade Center Tower 3 é o 30º maior edifício do mundo, com 330,10 metros de altura e 74 andares, enquanto o centro paulistano exibe o Mirante do Vale, com 170,08 metros de altura e 51 andares. “O Aeroporto Internacional deles tem um tamanho que não temos nada parecido. Eles estão muito à frente e mais bem preparados em infraestrutura”, diz Andretta, referindo-se ao Aeroporto Internacional de Pequim, o maior do mundo, com 986 mil metros quadrados.

Arte, monumentos e botequins Pequim é realmente um lugar que leva o termo “cidade grande” ao pé da letra. Mas, na realidade, nunca foi chamada desse jeito pelos mo-


A p e sA r d e c o m pA r t i l h A r e m o m e s m o t r â n s i to cA r r e g A d o, A c i dA d e c h i n e sA ( à d i r . ) e st á m A i s AvA n ç A dA e m relAção à brAsileirA ( à e s q. ) . “ p e q u i m j á tem sete Anéis viários, e n q uA n to s ã o pAu lo e st á t e r m i n A n d o o p r i m e i r o ”, d i z o A r q u i t e to FernAndo brAndão

radores. Em 1949, o regime comunista de Mao Tsé-tung mudou o nome da cidade de Beiping para o que é usado hoje, Beijing, que já havia sido da cidade no século 15. É dessa época que data um dos cartões-postais mais conhecidos e bem conservados da capital chinesa, a Cidade Proibida, local de 720 mil metros quadrados construído predominantemente em madeira, onde por séculos somente o imperador, sua família e os empregados especiais podiam entrar. Uma verdadeira “cidade dentro da cidade”, declarada Patrimônio da Humanidade em 1987. “Lá a presença de grandes monumentos é considerável, a história chinesa é evidente”, diz Brandão, em contraponto à capital paulista, que, apesar do seu centro histórico conservado, é mais conhecida pela tendência de destruir o passado em prol do crescimento desenfreado. O explorador cultural em Pequim terá um banquete de opções, a começar pelos clássicos Grande Teatro Nacional, com capacidade para 5.452 pessoas, e o Museu Nacional da China, o maior do mundo, com 200 mil metros quadrados. A grande novidade fica por conta do Distrito 798, uma área de Pequim antes degradada que recentemente foi transformada em centro de artes visuais, onde charmosos cafés dividem a cena com intervenções urbanas e ateliês de artistas. O hype da arte contemporânea chinesa é provado em números: as visitas ao bairro artístico superam o número de turistas da Cidade Proibida. Essas zonas turísticas são identificadas por sinalização em inglês disposta no espaço urbano. Já nos bairros nativos, os moradores abrem suas

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O explorador cultural em Pequim terá um banquete de opções, a começar pelo Museu Nacional da China, o maior do mundo, com 200 mil metros quadrados casas para vender comida e bebida, funcionando como versões orientais dos botequins paulistanos de esquina. “Esse locais são o melhor jeito de entender como vivem os habitantes de Pequim”, diz Barros. Movimentar-se pela cidade é mais simples do que em São Paulo, já que a maioria dos quarteirões é disposta como um tabuleiro de xadrez, tornando fácil seguir os mapas. Mas, antes de pedir a conta em algum lugar tradicional, não se esqueça de pechinchar. “Em Pequim, a barganha é comum até na hora de comprar um prato de comida”, diz Andretta.




território / informal

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Fora de controle 管理不到

Antigos Abrigos Aéreos construídos por MAo tsé-tung trAnsforMArAM-se eM residênciAs subterrâneAs onde A populAção MigrAnte vive eM pequiM Foto: RuFina wu

Giselle BeiGuelman


A ocupação informal das cidades chinesas revela o potencial subversivo das arquiteturas sem pedigree e pode dar novo sentido ao lema maoísta que pregava, pelo comunismo de Estado, o grande salto adiante

A ChinA reesCreve A históriA dA ArquiteturA e do plAnejAmento urbAno. megAesCAlA é um termo que não dá ContA do ritmo e do rAio de seus proCessos de trAnsformAção. seu crescimento urbano é único na história mundial. entre 1991 e 2004, sua área urbana construída passou de 13 mil para 31 mil quilômetros quadrados, uma taxa de crescimento de 7% ao ano. já o número de migrantes rurais aumentou de 78 milhões, em 2001, para 120 milhões em 2005. baseada nessas tendências, a urbanista qi Changqing mostra que a taxa de urbanização no país deve chegar a 60% em 2020, e a população urbana deve alcançar a monumental cifra de 780 milhões de pessoas – não se descartando a hipótese de 850 milhões. desse contingente, 260 milhões, ou talvez 330 milhões, serão migrantes rurais. Chama a atenção que as projeções estatísticas tenham variações da ordem de 100 milhões ou mais. Contudo, isso pode ser entendido como mais um indicador da intensidade e de um ritmo de urbanização que colocam os analistas diante de um panorama inédito de crescimento econômico. um de seus sintomas mais evidentes é a imensidão dos fluxos migratórios internos. eles evidenciam a fragilidade administrativa para lidar com a emergência urbana. espremidos em verdadeiros enclaves, onde prevalecem os regimes de informalidade, a situação dos migrantes remete a processos em curso desde 1978. nessa época, no âmbito das reformas econômicas lideradas por deng Xiaoping, foram flexibilizadas as leis que controlavam a migração rural-

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-urbana, a fim de atender à demanda por mão de obra barata e trabalho não especializado nos centros urbanos. Daí em diante, esse fluxo, tornou-se massivo. Em 1995, estimava-se que mais de 80 milhões de chineses eram migrantes rurais vivendo nas grandes cidades. O problema se agravou com uma reforma na legislação de moradia de 1998, que pôs fim ao estado de bem-estar habitacional que obrigava os governos locais a oferecer moradia grátis para todos os habitantes das cidades. A especulação imobiliária chegou, triplicando os preços dos imóveis. O conjunto dessas transformações políticas e econômicas, sem balanceamento com polícias de planejamento urbano, explica o crescimento das cidades e a explosão da informalidade ocupacional. As dificuldades políticas em acomodar essas massas humanas são contornadas, de acordo com Changqing, com o conceito de população flutuante (liudong renkou), que “camufla” os problemas de planejamento. Mais do que isso, legitima, pela

Fotos: J. CarmiChael. na página ao lado: VinCent Yu/ap/glow images

estratégia da invisibilidade, a informalidade como marca da paisagem urbana chinesa. O grande saltO adiante São essas dinâmicas entre visibilidade e invisibilidade que a arquiteta Rufina Wu pesquisa desde o seu mestrado, defendido na Univerisdade de Waterloo, em Vancouver, Canadá, em 2007. Em sua dissertação dedicou-se à investigação de um único tipo de habitação para migrantes rurais em Pequim: albergues subterrâneos instalados em antigos porões das forças aéreas chinesas. Esses milhões de migrantes constituem a chamada população flutuante porque não têm o registro de status familiar adequado (hukou). Na China, cada cidadão é registrado com a sua autoridade local. O sistema exige que cada cidadão se registre em um, e somente um lugar, de residência regular e tem duas partes: local de registro e tipo de inscrição. O lugar do hukou “fixa” uma pessoa ao local de registro de seus pais e o tipo


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n o to p o d o s p r é d i o s o u e m p o r õ e s , a s o c u pa ç õ e s i n f o r m a i s n a c h i n a r e d e f i n e m , d e c i m a a b a i xo, a s c o n v e n ç õ e s u r b a n í st i ca s e a s ú lt i m a s u to p i a s da r e vo lu ç ã o d e m ao ts é -t u n g

Em Hong Kong, a população pobre vive em porões, onde se alugam gaiolas de menos de 2 metros quadrados. Mais de 10 mil pessoas vivem nessas condições. Outras dezenas de milhares espalham-se em cubículos de menos de 10 metros quadrados no topo dos prédios


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pode ser urbano ou rural, sendo esse status geralmente herdado da mãe. Esse sistema de registro, explica Wu, é o que transforma os migrantes em uma classe de subalternos, excluídos de qualquer forma de representação nos lugares em que vivem. “Sem hukou, os migrantes rurais têm pouco ou nenhum acesso ao bem-estar social, incluindo subsídios habitacionais. Por isso, os migrantes têm, necessariamente, desenvolvido hábitats não convencionais. Na ausência de espaço oficialmente sancionado, procuram abrigo nas rachaduras e fissuras do sistema formal e moldam, em paralelo à cidade modelada pelo fluxo de capital, uma geografia urbana alternativa que é em grande parte invisível”, comenta a arquiteta. Localizados em vários bairros, os subterrâneos foram construídos nos anos 1950, no contexto de enfrentamentos entre a China e a União Soviética, e faziam parte do plano de defesa epitomizado na chamada de Mao Tsé-tung à nação: “Cavem túneis profundos, armazenem comida e preparem-se para a guerra” (深挖洞, 廣積糧, 不稱霸, shenwadong, guangjiliang, buchengba). Nesses albergues subterrâneos de Pequim, o espaço de moradia é de 4 metros quadrados por habitante. Para acomodar a atual população migrante da cidade nesses espaços ínfimos, seriam necessários 16 milhões de metros quadrados, algo equivalente a 36 sedes da Televisão Central da China (CCTV), um arranha-céu de 234 metros de altura e 44 andares construído por Rem Koolhas, em 2008, no centro financeiro da capital chinesa. O fenômeno de ocupação de subterrâneos não se restringe a Pequim. Em Hong Kong, a população pobre vive em porões, onde se alugam gaiolas de menos de 2 metros quadrados, ao preço de cerca de R$ 325 por mês. Mais de 10 mil pessoas vivem nessas condições. Outras dezenas de milhares espalham-se em cubículos de menos de 10 metros quadrados no topo dos prédios. Em uma pesquisa posterior ao seu mestrado, a arquiteta Rufina Wu juntou-se com o fotógrafo alemão Setephan Cahan, para estudar esse modelo ocupacional. A pesquisa resultou no livro Portraits From Above: Hong Kong’s informal rooftop communities (Peperoni, 2009). Os edifícios que têm essa ocupação informal no teto são antigos e não possuem eleva-

dores. Nos telhados imensos vivem, em média, de 30 a 40 famílias, em um misto de labirinto e aldeia. Repõem-se aqui as dinâmicas de visibilidade/invisibilidade da pobreza e da informalidade que Wu detectara em Pequim. Contemplando os telhados de um arranha-céu, ela conclui: “Do lado de fora, é impossível adivinhar o que se vê do interior”. Difícil não concordar com a arquiteta quando ela diz que essas habitações renderiam uma reedição do clássico Architecture Without Architects (1964), de Bernard Rudovsky, dedicado à arquitetura “sem pedigree” pré-moderna. As técnicas de construção informal, defende ela, são extremamente responsivas às urgências políticas e econômicas. Seus resultados mostram que se criam soluções inteligentes que “transformam os desafios em catalisadores construtivos”. Para o editor da revista Urban China, Jiang Jun, essa estratégia tem dimensões políticas profundas. O informal não é apenas um aspecto do processo de urbanização chinesa. É uma força que desafia a cultura do controle que está, segundo ele, milenarmente entranhada na história no país. Visto desse ponto de vista, torna-se um dispositivo da dialética entre o controle e o fora de controle, afirma. A grande questão por isso, diz, é: “Se o controle constitui um dos aspectos da China, como as forças informais constituem o outro aspecto dela?”

Para Jiang Jun, editor da revista Urban China, o informal não é apenas um aspecto do processo de urbanização chinesa. É uma força que desafia a cultura do controle que está milenarmente entranhada na história no país


ArquiteturA dAs crAcAs

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Pro j e to d o m ex i c a n o ra d i c a d o e m S ã o Pa u lo H é c to r Za m o ra d es a f i a a s le i s d a a rq u i te t u ra e d e o c u p a ç ã o u r b a n a , i n co r p o ra n d o t e c n o log i a s p o p u l a res d e co n st ru ç ã o C ra c a s s ã o c r u st á ce os q u e a d e re m à s ro c h a s , f u n d os d e b a rcos e a t é o u t ros a n i m a i s . Fo r m a m co l ô n i a s q u e d es a f i a m o co n t ro l e, p o r s u a c a p a c i d a d e d e re p ro d u ç ã o p e rm a n e n t e. A a rq u i t e t u ra d e so b rev i v ê n c i a p rese n t e e m v á r i a s m e t r ó p o l es p a re ce o b e d e ce r à m es m a l ó g i c a . E m ge ra l i r reg u l a res , s ã o co n s t ru ç õ es q u e se gu e m u m a l ó g i c a p a ra s i t á r i a , co l o c a n d o e m q u es t ã o os s i s t e m a s d e exc l u s ã o h a b i t a c i o n a l q u e v i go ra m n os g ra n d es ce n t ros u r b a -

n os . N a c i d a d e d o M é x i co, o t i p o d e h a b i t a ç ã o t í p i c a q u e p reva l e ce n os s u b ú r b i os é s u s p e n s a e co n fe re a os se u s m o ra d o res o a p e l i d o d e “ p a ra q u e d i s t a s” ( p a ra c a i d i st a s e m es p a n h o l ) . E m 2 0 0 4 , o a r t i s t a H é c to r Za m o ra n ã o s ó i n c r u s t o u - se n a fa c h a d a d o m u se u C a r r i l lo G i l , co m o m o ro u p o r t r ê s m eses n es s a h a b i t a ç ã o, n o m ea n d o o t ra b a l h o d e Pa ra c a i d i s t a , Av. Revo l u c i ó n , 1 .6 0 8 B i s . O B i s fa z re fe r ê n c i a à o c u p a ç ã o d u p l a d e u m m es m o lo c a l .

Pa r ac a i d i sta , P r oj e to f e i to e m 2 0 0 4 P o r h é c to r Z a m o r a , incorPora técnicas de c o n st r u ç ã o P o P u l a r c o m u n s n a P e r i f e r i a da c i da d e d o m é x i c o

Foto: HECtoR ZAMoRA


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o c a r t ã o - p o sta l m a i s fa m o s o da f r a n ç a t r i u n fa e m l i t t l e pa r i s , p r ó x i m a a p e q u i m : c o n st r u í da e m 2 0 0 7 pa r a 1 0 0 m i l h a b i ta n t e s , a b r i g a at ua l m e n t e p o u c o mais de 2 mil moradores


Chop suey a la française 法国杂锦 Quer conhecer a Torre Eiffel sem estar em Paris? Ou Manhattan sem ir a Nova York? Simples: mergulhe na “copiarquitetura” chinesa MARCOS DIEGO NOGUEIRA

f oto s M At t h E w N I E D E R h A U S E R

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Que as companhias chinesas têm um gosto especial pela clonagem não é novidade. de telefones celulares a artigos esportivos, o made in china ganhou fama por se apropriar e reproduzir a tecnologia e o design de sucesso no mundo. de duas décadas para cá, alguns escritórios de arquitetura do país têm adotado essa filosofia, reproduzindo monumentos, construções icônicas e até cidades inteiras em seu território. para se ter uma ideia, existe uma parte da toscana no distrito de Wuqing, em tianjin. o terreno onde há alguns anos havia um grande milharal hoje está tomado por centenas de casas no estilo italiano, abriga um shopping center de design baseado no coliseu e ostenta um canal à moda florentina. “os chineses, nessa abertura dos últimos 20 anos, compraram de tudo que o mundo tinha para oferecer”, diz o arquiteto fernando Brandão. professor da universidade de Xangai, Brandão está em fase final de concepção da filial chinesa do seu escritório. “o dinheiro compra tudo e o novo-rico, mais ainda. Basta ter o poder. os eua já fizeram isso. las vegas, por exemplo, tem até pirâmide do egito”, diz ele. o florentia village, por exemplo, comprova a teoria do arquiteto brasileiro e foi financiado por uma companhia que atua na área de mineração. Quem preferir a frança à itália pode ir a tianducheng, também conhecida como pequena paris, que fica próxima a Xangai. construída em 2007 com recursos de

As cidades clonadas foram projetadas para grandes populações, mas sofrem de baixa populacional

A s c o n st r u ç õ e s t í p i cA s d e A m st e r d ã e A s c A sA s lo n d r i n A s n o e st i lo t u d o r s ã o u m s u c e s s o dA copiArquiteturA chinesA


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uma empreiteira local, a cidade é formada por casas no estilo da capital francesa em volta de uma Torre Eiffel de dimensões próximas à original e um campo verde que remete ao Champ de Mars. “Costumo dizer que o ‘sem noção’ vem da China. Lá não temos domínio da escala, tudo tem um volume e uma dimensão que a gente não domina. Tudo é grande, ambicioso e rápido”, diz Brandão. Little Paris foi projetada para abrigar 100 mil habitantes, mas até hoje conta com apenas 2 mil, o que lhe dá ares de cidade fantasma. Outra localidade que sofre de baixa habitacional é a Pequena Londres, ou Thames Town, que, como o próprio nome diz, oferece casas no estilo Tudor, uma igreja em estilo gótico e, claro, um falso Rio Tâmisa. Mas a falta de moradores é, em geral, compensada pelo número de visitantes. Por Little London passam hordas de noivos rumo ao altar, que fazem do local um cenário idílico para suas fotos de casamento. Tido como o município mais rico do país, Huaxi tem sua Village de Knockoffs com um verdadeiro pot-pourri de clones arquitetônicos. Lá é possível visitar alguns dos destinos mais cobiçados do mundo, como a Sydney Opera House e o Arco do Triunfo. Em Huaxi, acredite, até o autoplágio é permitido nas réplicas da Praça da Paz Celestial (cuja original está em Pequim) e a Grande Muralha da China. A explicação para tantos monumentos juntos em um só

Alguns arquitetos encaram esse tipo de prática como homenagem, outros, definitivamente, não levam na esportiva


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Ac i m A , p i r â m i d e d o lo u v r e s e m i st u r A Ao cA st e lo d e m o n tA i g n e n A “ f r A n c e s A” t i A n j i n . Ao l A d o, A s r u A s vA z i A s d e t h A m e s to w n : c e n á r i o fAvo r i to d o s cA s A i s r u m o Ao A ltA r . Ao l A d o, c h i n e s e s pA s s e i A m à s m A r g e n s d o “ cA n A l i tA l i A n o ” e m f lo r e n t i A v i l l Ag e , n o d i st r i to d e w u q i n g , e m t i A n j i n

lugar está na carga de trabalho da população. Como a maioria trabalha até sete dias por semana, não tem tempo para viajar e desfrutar sequer dos ares da capital do seu próprio país. Mas, se alguns arquitetos internacionais encaram esse tipo de prática como homenagem, outros, definitivamente, não levam na esportiva. Atualmente, a badalada arquiteta iraquiana baseada em Londres Zaha Hadid processa uma construtora chinesa que duplicou seu complexo de edifícios Wangjing Soho, em Pequim, e batizou-o de Meiquan 22nd Century, em Chongqing. Já em 2000, a versão chinesa da Capela Notre-Dame-du-Haut, construída seis anos antes, teve de ser demolida por ordem da Fundação Le Corbusier, que cuida do espólio do arquiteto franco-suíço. Mas ações como essas não chegam a inibir as réplicas na potência mundial. Com previsão de entrega para 2019, os chineses de Tianjin, um vilarejo do século 15, aguardam a entrega de sua Manhattan, com direito a Empire State Building e até o icônico Rio Hudson.

Em Huaxi, até o autoplágio é permitido nas réplicas da Grande Muralha da China e da Praça da Paz Celestial (cuja original está em Pequim)


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gastronomia

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O dragãO tem sede de tintO 龙要喝葡萄酒 Os chineses já são o quinto maior consumidor de vinho no mundo. Mas nem só de mercado interno vive a ambição das vinícolas chinesas. Sua produção é a nova aposta dos fornecedores da família real britânica. O próximo passo é a sua adega R ac h e l c o s ta , d e Lo n d r e s

I L U s T r A Ç Õ e s P e D R o M ata l l o

Próximo ao Palácio de Buckingham, em londres, funciona há séculos um conhecido Ponto de encontro Para os amantes do vinho. na fachada marrom-escura do número 3 da st. James street, os letreiros dourados anunciam a loJa Berry Bros. & rudd, famosa Por fornecer vinhos à coroa Britânica desde o reinado de Jorge iii, no século 18. as últimas novidades do tradicional endereço, Porém, nada têm a ver com elizaBeth ii e família. o assunto do momento entre os “merchants” da rainha vem do outro lado do gloBo: são quatro rótulos recém-chegados às Prateleiras, identificados Pelas cinco estrelas amarelas imersas em um quadrado vermelho da Bandeira chinesa. “é uma pequena seleção, mas sinaliza o que vem por aí”, profetiza o sommelier mark Pardoe, chefe do setor de compras da Berry Bros. Para os incautos, pode parecer estranho encontrar opções made in china em uma loja de vinhos finos. mas a verdade é que este é apenas mais um mercado no qual os chineses resolveram investir. “eles estão produzindo cada vez mais e com mais conhecimento”, fala robert Beynant, chefe-executivo da vinexpo, uma das maiores feiras do mundo dedicadas à bebida, cuja próxima edi-

ção se inicia em 16 de junho, na cidade francesa de Bordeaux. de acordo com dados encomendados pelo evento, os chineses já são o quinto maior consumidor e o sexto maior produtor de vinho do mundo. em 2011, eles ultrapassaram a austrália em litros produzidos por ano, restando à sua frente apenas frança, itália, espanha, estados unidos e argentina. e, dentro de sete anos, prevê-se que a dianteira seja ocupada pelo gigante oriental. Por isso, como não se preparar para se deparar com um vinho chinês à mesa?


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Paixão Pelo tinto “A China vai se tornar o maior player em termos de volume e podemos esperar boas surpresas em relação à qualidade”, defende Laurenz Moser, exportador de vinho e consultor da companhia chinesa Changyu, uma das maiores do país. O interesse dos chineses pelo vinho, e em especial pelo mercado externo, é bem recente. Antes de 2000, a Changyu ainda não possuía as parreiras que hoje abastecem a produção de seus vinhos finos. As mudas chegaram naquele ano e a primeira safra foi em 2008. “Em 2005, a China apareceu pela primeira vez na lista dos dez maiores consumidores globais de vinho”, recorda Beynant. E com uma característica peculiar: a paixão pelo tinto, que representa 92% dos vinhos consumidos pelos chineses. De lá para cá, o crescimento ocorreu com a voracidade típica do dragão e parreiras têm se tornado uma vegetação nem tão incomum nos vales chineses. Em muitos deles, com direito a castelos inspirados nas paisagens francesas. Essa ideia de imprimir certo ar europeu ao cenário pode reforçar o receio de que esse seja apenas mais um caso de produção à chinesa, ou seja, cópias feitas em larga escala e com bem menos qualidade que o original. Mark Pardoe, da Berry Bros., garante que esse medo pode ser afastado. Isso, claro, com algumas considerações. A primeira delas é a de que, como em todo lugar do mundo, os bons vinhos são exceção, e não regra. “A maioria do vinho produzido na China é feita em larga escala e destinada ao mercado doméstico. São bebidas bem simples e pouco interessantes para o mercado internacional”, diz Pardoe. O segundo ponto a se levar em conta é que, por mais que os chineses estejam se esforçando, um Bordeaux francês ainda é um Bordeaux francês. Nada disso, porém, deve ser entendido como razão para não se provar um bom vinho chinês. Prova disso é que, no último concurso global realizado pela revista Decanter (prestigiosa publicação internacional sobre a bebida), 17 rótulos e nove produtores chineses foram premiados. No ano anterior, em 2011, o júri do concurso havia pela primeira vez agraciado um rótulo chinês, o Jia Bei Lan, safra de 2009, com um dos prêmios máximos. A decisão deu o que falar, especialmente Fotos: divulgação

porque muita gente começou a comentar nos bastidores que o produto era apenas engarrafado na China, mas produzido em outro país. As suspeitas, porém, foram desfeitas e o título serviu para abrir os olhos (e as portas) do Ocidente para o interesse do gigante oriental na produção da bebida. Hoje, as maiores vinícolas chinesas vêm investindo pesado na produção para o mercado de luxo e com alguns destaques, como a produção dos chamados “ice wines”. Tipo de vinho raro, os ice wines exigem que a colheita das uvas seja realizada em temperaturas baixíssimas – o que pode ser feito em poucas regiões do planeta. Dentre os quatro rótulos selecionados pela Berry Bros., três são ice wines. O mais caro de todos, o Chateau Changyu Black Label Ice Wine, não sai por menos de 65 libras na loja inglesa, o equivalente a quase R$ 200. A bebida, de acordo com Pardoe, poderia perfeitamente frequentar as taças da realeza britânica. E por que não também a mesa do leitor? Revolução à mesa Mas se o senhor consumidor de vinho, mesmo após ler a matéria, seguir convicto de que suas taças não serão afetadas pela popularização dos rótulos chineses, saiba: blindar-se da influência oriental quando o assunto é vinho é mais difícil do que se imagina. Isso porque, mesmo que opte por nunca comprar uma garrafa made in China, pode ser que esbarre com capital chinês espalhado por aí. Especialmente se for um amante de rótulos produzidos na região francesa de Bordeaux. Se esse é o seu caso, atenção: os chineses também são apaixonados pela bebida. Primeiro, eles se tornaram seu maior importador no mundo. Por ano, 71 milhões de garrafas deixam esse pequeno pedaço da Europa endereçadas à China e a Hong Kong. Mais que consumidores, alguns milionários investidores do outro lado do globo têm escolhido aplicar seu capital em terreno francês. Só nos últimos quatro anos, eles adquiriram 30 vinícolas francesas e há outras 20 em negociação. Portanto, é melhor não fazer desfeita. Mesmo que você não compre nenhum fermentado chinês, o país tem cada vez mais poder para decidir preços e demandas nesse mercado. O dragão tem sede de vinho e não veio para brincar.

U m a da s p r i n c i pa i s p r o d U to r a s c h i n e sa s , a c h a n gy U c o n q U i sto U o mercado inglês com seUs r a r o s “ i c e w i n e s ”, q U e c h e g a m a c U sta r r $ 2 0 0, c o m o o b l ac k d i a m o n d e o g o l d e n d i a m o n d (ac i m a) , e o c h at e aU m o s e r xv (a b a i xo )


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No 煤ltimo concurso global da revista Decanter, 17 r贸tulos e nove produtores chineses foram premiados




portifólio

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ye jiang (the nightman cometh), 2011 f i l m e 3 5 m m t r a n s f e r i d o pa r a H d

Linguagem da cinematografia clássica de Xangai e espectros de uma China pré-revolucionária são evocados no filme mais recente de Yang Fudong


YaNG FudONG ViVer em OuTrO LOcaL 杨福东 生活在另一个地方 Narrativas silenciosas e sobreposições de tempos e espaços no cinema de Fudong conduzem a uma China mítica, imemorial e incógnita T e r e z a d e a r r u da

Yang Fudong despontou como um dos mais instigantes precursores da arte contemporânea chinesa celebrada no Fim da década de 1990. Fiel à cultura e à tradição de seu país de dimensões continentais, onde sempre viveu, Fudong explora seus centros urbanos de norte a sul, sempre atento à grande variedade de características locais. uma china composta de distintos países em um, regidos por um sistema autoritário e onipresente, que induz sua população a se camuflar e a se comportar de modo oscilante entre instâncias oficiais e não oficiais da sociedade. eis as diversas faces da china que direcionam a poética de Yang Fudong. FOTO: yang FudOng / cOrTesia marian gOOdman gallery

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Nascido em Pequim, em 1971, formou-se em pintura na Academia Nacional de Belas Artes em Hangzhou, em 1994. Lá deparou-se com uma paisagem lúdica e exuberante beirando o romantismo – cenário ideal para um processo introspectivo que culminou na negação da comunicação oral. Optando pela mudez como recurso criativo, o jovem estudante de arte referia-se às suas experiências sem o recurso da fala, como o ato de Viver em Outro Local. Anos depois de finalizar os estudos, regressou a Hangzhou com uma equipe reduzida para produzir um de seus primeiros filmes, Paraíso Distante, que definiria as características de toda a sua produção: imagens em preto e branco, forte narrativa, diálogo minimalista e atmosfera de silêncio dominante. Essas são as marcas de seu mais recente trabalho, o filme Ye Jiang (The Nightman Cometh), exibido em 2011 na galeria Marian Goodman, em Paris, em que o artista evoca espectros de uma China pré-revolucionária. Aqui, o recurso adotado é o da cinematografia clássica de FOTO: yang FudOng / cOrTesia marian gOOdman gallery

Xangai, absorvida nos primeiros anos no novo milênio, quando o artista se mudou para a cidade, a fim de intensificar seu contato com a indústria cinematográfica e trabalhar com animações tridimensionais. Foi em Xangai, em 2000, que ele produziu seu primeiro vídeo, Luzes da Cidade, tendo como temática o isolamento de jovens excluídos diante do esplendor de grandes centros urbanos em ebulição. Uma geração à margem da evolução. Essa ideia se expandiu para uma das poucas séries fotográficas que produziu, O Primeiro Intelectual. A obra relata visualmente a melancolia, as fraquezas e a incapacidade do homem chinês em compreender e vivenciar sua realidade e a velocidade incontrolável de crescimento da China, onde os valores pessoais se dissolvem em necessidades emergenciais e temporárias. A partir daí, sua produção evoluiria e conquistaria o panorama nacional e internacional, propagando uma sociedade chinesa crescendo entre o frenético e o melancólico – em trabalhos com forte caráter autobiográfico.


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h ot e l i n t e r n ac i o n a l , 2 0 1 0 , f oto g r a f i a

Fotografias da série são construídas como stills cinematográficos de um filme inexistente


portif贸lio

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FOTO: yang FudOng / cOrTesia marian gOOdman gallery


s e t e i n t e l e c t ua i s n a f lo r e sta d e b a m b u, 2 0 0 7 f i l m e 3 5 m m t r a n s f e r i d o pa r a H d

Obra em cinco partes, que totaliza cerca de 4 horas de filme, aborda dissonâncias entre individualidade e sociedade

No Brasil, Fudong obteve grande repercussão com a obra Sete Intelectuais Na Floresta de Bambu, apresentada no Paço das Artes, em 2007. No mesmo ano, o artista se projetara com essa obra na Bienal de Veneza. Mais uma vez, o encanto e o magnetismo das cenas em preto e branco remetem à tradição do primeiro momento do cinema, apresentado de forma clássica, sem grandes ruídos visuais. Esse recurso se expande por toda a sua obra, a exemplo de Fifth Night, de 2010. Aqui a narrativa é dividida em uma instalação com sete projeções de vídeos sincronizados, que inserem o espectador na trama de um cinema expandido. O cenário é uma Xangai urbana de décadas atrás, dominada por charretes e carros antigos, assim como construções dos primórdios de sua história. Uma praça vazia e central é palco de ações individuais dos diversos atores, sem sincronia, como se estivessem perdidos no tempo e no espaço. Por meio de poucos e fortes recursos poéticos, Yang Fudong insere seu público na problemática evolutiva dos grandes centros urbanos chineses. A série fotográfica Hotel Internacional, também de 2010, tem o mesmo tratamento dos filmes: explora narrativas silenciosas e isoladas como se fossem stills cinematográficos. Aqui as protagonistas são figuras femininas agrupadas em um local público, sugerindo histórias imprecisas, subjetivas. A beleza intocável das modelos seduz e hipnotiza o espectador, levando-o à realidade distante de uma China incógnita.

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Depois De Mao a Geração Dos reis pós-Celestiais

毛氏之后

天王后的一代

Quem são os sucessores de Lijun, Minjun, Xiaogang e Guangyi, que no boom da arte contemporânea chinesa ficaram conhecidos como os Quatro Reis Celestiais T e x To : p e i f e n G s u n G

T r a d u ç ã o : l u i z r o b e r t o M . G o n ç a lv e s

A ChinA, o primeiro dos pAíses BriC A Adquirir poder eConômiCo gloBAl, iniCiou suA AsCensão meteóriCA há pouCo mAis de 30 Anos. A veloCidAde do CresCimento e dA trAnsformAção surpreendeu o mundo. A Arte ContemporâneA ChinesA, uma expressão desconhecida há apenas 20 anos, tornou-se a mais nova tendência, dominando o mercado na aurora do novo milênio. entre 2003 e 2008, museus e instituições de todo o mundo competiram para expor a arte contemporânea chinesa. o mercado dessa arte cresceu com tal rapidez que redefiniu completamente as regras em nível internacional. Artistas chineses frequentemente bateram recordes em leilões contemporâneos, atingindo o apogeu em 2008, quando uma pintura de Zeng fanzhi foi comprada por us$ 9,7 milhões, fazendo dele o contemporâneo mais caro da China e um dos mais lucrativos do mundo. Cinco anos depois, o universo da arte parece ter esquecido esses pintores, que costumavam ter listas de espera intermináveis, cobravam preços vultosos e batiam recordes em leilões cada vez que uma obra entrava no mercado. Alguns alcançaram o sucesso tão rapidamente que ganharam o apelido de quatro reis Celestiais: fang lijun (nascido em 1963), Yue minjun (1962), Zhang Xiaogang (1958) e Wang guangyi (1957). no auge do mercado, entre 2007 e 2008, parecia que todo mundo queria pelo menos uma de suas criações majestosas.

seus trabalhos com frequência falavam das mudanças sociais, econômicas e políticas que a China sofreu entre 1966 e os anos 1990. hoje o país está firmemente estabelecido como um dos mais poderosos do mundo, e aqueles artistas podem parecer parte de um passado irrelevante. enquanto a economia mundial continua em declínio e as pessoas estão cansadas de ver imagens da pós-revolução Cultural na China, os quatro reis Celestiais, assim como um grande número de artistas, gradualmente foram perdendo o predomínio nessa modalidade. A arte contemporânea chinesa entrou em declínio? – perguntamo-nos sobre a geração de artistas mais jovens, nascidos nos anos 1970, que não vivenciaram a revolução Cultural e foram menos afetados por ela. seus antecessores alcançaram o sucesso transformando em arte suas experiências de repressão e dificuldades. A geração mais jovem não tem tal necessidade de catarse. eles levam vidas confortáveis, são instruídos e têm acesso à arte internacional. não adotaram a mesma linguagem visual que fez de seus antecessores um sucesso global. Continuam em busca de sua própria linguagem, que poderia ser a da China contemporânea. esses artistas mais jovens pertencem ao grupo diretamente posterior aos reis Celestiais, que ficou conhecido como geração pós-reis Celestiais. não são reis nem deuses, mas simplesmente artistas que produzem obras relevantes para o seu tempo, tentando personificar o Zeitgeist atual.


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贾蔼力 Um pintor do sUblime

Jia aili

Jia Aili nasceu em 1979. Foi o ano em que a China começou oficialmente sua reforma econômica, após a chegada de Deng Xiaoping à liderança no ano anterior. Foi também o ano em que se implantou no país a política do filho único. Aili estava destinado a ser uma criança solitária, sem a

E st á d i o F i r u l E t E , 2 0 1 2 - 2 0 1 3 , i n sta l a ç ã o E st á d i o F i r u l E t E , 2 0 1 2 - 2 0 1 3 , i n sta l a ç ã o

companhia de irmãos. A figura solitária aparece em sua pintura com frequência e pode ser considerada como ele vê a si próprio, só e isolado em uma paisagem árida. Como muitos artistas de sua geração, ele se preocupa com as consequências da rápida expansão econômica sobre os valores tradicionais. Depois de testemunhar o colapso do mais antigo distrito industrial da China e o horror que isso causou em Shenyang, cidade onde estudou, Aili não quis pintar uma imagem bonita da Era de Ouro de seu país. Seguindo o exemplo de artistas do século 19, que


procuravam refúgio espiritual na natureza, decidiu explorar a possibilidade de uma utopia através da pintura de paisagens. Lamentavelmente, tendo nascido em Dandong, perto da fronteira com a Coreia do Norte, a paisagem familiar para Jia é um horizonte plano e frio, com extensões ilimitadas. Quando ele se mudou para Shenyang, uma cidade industrial a cerca de 250 quilômetros de Dandong, para estudar na Academia de Belas Artes de Luxun, em 1997, enfrentou a dura brutalidade de uma cidade industrial em declínio. Até sua mudança para Pequim, em 2007, Aili permaneceu em Shenyang durante dez

anos e incorporou à sua obra o que viu e vivenciou. A série Terras Desoladas, de 2007, oferece um exemplo perfeito da paisagem pós-industrial setentrional de Jia Aili. Uma figura nua usa uma máscara de proteção, no meio de eletrodomésticos descartados: essa é a terra desolada moderna, onde produtos de consumo substituem os valores tradicionais. Fazendo eco à série Terras Desoladas, as pinturas que representam terríveis acidentes aéreos também simbolizam o horror do fim da indústria pesada. Muitas pinturas de Aili são sobre um mundo sem esperança, além da redenção.

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Na págiNa aNterior, obra de jia aili, uNtitled ( 2 0 1 2 ) . a b a i xo, d o m e s m o a r t i sta , we are from the c e N t u ry ( 2 0 1 0)


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Falando tecnicamente, Aili herdou o estilo realista particularmente em suas primeiras obras. No entanto, sua paixão pelos antigos mestres o distingue de seus colegas. Os mestres lhe permitiram desenvolver um estilo muito pessoal, que ultimamente influenciou muitos artistas chineses mais jovens. À diferença de pintores chineses que fazem paródias de pinturas icônicas, a abordagem de Aili aos velhos mestres é mais sutil e reverente. Ele transformou a Mulher Banhando-se em um Rio (1654), de Rembrandt, na figura da primeira astronauta chinesa, Yang Liwei. Em 2008, na véspera de uma exposição coletiva em Pequim, diante de uma grande parede oferecida pela galeria, Aili não conseguia encontrar uma obra que o satisfizesse. Para ele, a única imagem lúcida era seu estado de espírito. Sem demora, pintou sua vida na parede na noite anterior à abertura da exposição. Há cópias em miniatura de seus outros quadros, a máscara de gás, uma prateleira em trompe l’oeil com objetos para a pintura de naturezas-mortas. Na época, ele estava com problemas de saúde, por isso incluiu seus raios X na imagem. O mural foi pintado depois da exposição, mas a imagem ficou na história da arte contemporânea chinesa. Para uma exposição intitulada Hibernação, Aili transferiu seu ateliê para a galeria durante vários meses, para criar uma pintura de 6 x 1 metro, intitulada Somos do Século (2008). Uma câmera de vídeo foi montada no estúdio durante os três meses que durou a exposição, gravando e transmitindo via internet a obra em progresso. A pintura é como um compêndio artístico para o artista, ilustrando sua visão de um mundo apocalíptico com os leitmotivs que aparecem em muitas de suas criações. Além de criar uma paisagem sublime, o fascínio de Aili pela viagem espacial, que o levou à sua última série de astronautas, revela seu desejo de escapar de um mundo catastrófico. Em seu trabalho, o astronauta torna-se o salvador que poderia nos levar para um mundo melhor e mais seguro.

untitled ( 2 0 0 7- 2 0 0 8 ) , de jia aili

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孙逊 um animador em buSca da verdade

Sun Xun

Sun Xun desfrutou uma rápida ascensão nos últimos anos. Sua animação, feita de milhares de imagens desenhadas à mão em diferentes mídias, em geral incluindo iconografia das tradições ocidental e chinesa, refere-se a como a história foi manipulada, mitificada e disseminada. Ele é o animador de mais rápida ascensão na história chinesa recente e recebeu diversos prêmios notáveis. Xun já expôs da Suécia à Nova Zelândia, incluindo na ShanghART Gallery e no Recife, no Brasil, em importantes museus como o Centro Pompidou, o MoMA, o Smithsonian e o Hammer Museum, e participou de festivais de cinema de Berlim a Veneza. No momento da redação deste texto, Sun Xun acabava de abrir uma exposição no Pinchuk Art Center, em Kiev, na Ucrânia. Em 2006, Xun havia completado sua primeira grande obra, Choque do Tempo, uma animação de cinco minutos, feita de centenas de imagens desenhadas à mão sobre jornais dos anos 1950 e 1960. Nascido muito depois da Revolução Cultural, Sun Xun é sempre ambíguo sobre como a história é registrada. Para ele, o jornal antigo é o documento perfeito das mentiras. Semelhante à teoria de que quando uma pessoa entra em estado de choque sua memória muitas vezes se apaga, ele levanta a hipótese de que no momento em que o tempo entra em estado de choque, a história é apagada. Assim que terminou seu Choque do Tempo, Xun embarcou em um projeto de três anos para fazer 21KE, uma animação de 15 minutos, da qual ele concluiu cinco minutos por ano. A nova animação foi desenhada à mão, com giz, carvão, pastel e lápis sobre papel e tela, e refere-se ao peso da alma, à perda de peso quando uma pessoa morre. A animação foi um sucesso instantâneo. Todas as oito edições foram vendidas logo no início da exposição. No mesmo ano, 21KE estreou na Europa e nos EUA, no Festival de Cinema de Veneza e na Art Basel Miami Beach. Depois de trabalhar a animação com desenhos a

carvão, Sun Xun passou à próxima mídia – pintura à tinta – e criou Além-zismo (2010). A obra examina a estrutura do mundo. Na opinião do artista, o mundo é estruturado em camadas de mitos e promessas vãs, como a imagem romântica de uma miragem que pode desaparecer em segundos. No projeto seguinte, Algumas Ações Que Ainda Não Foram Definidas na Revolução (2011), Sun Xun empregou xilogravura, uma técnica secular desenvolvida na China e usada amplamente durante a Revolução Cultural. Em sua opinião, as gravuras feitas com madeira são inerentes ao “espírito da revolução”. De certa maneira, “a mensagem está no meio”. A animação continua no atual projeto de pesquisa sobre o passado e como a história está cheia de mentiras. Como memórias que muitas vezes contêm episódios fragmentados, as cenas da animação nunca são uma narrativa contínua, sempre saltando de um lugar estranho para outro, como a história inconfiável que muitas vezes nos contam. Essa animação foi indicada para o Festival de Cinema de Berlim em 2012, a primeira participação chinesa nessa categoria na história da Berlinale. Também foi exibida em outros festivais ao redor do mundo, incluindo o MoMA. Sun Xun acaba de terminar uma nova animação sobre monumentos, os santuários da história. Se ele conseguirá encontrar a verdadeira história através de sua investigação artística, ainda é uma incógnita. Mas seu uso de pinturas à tinta, xilogravura, pinturas murais, instalações e esculturas para criar animação conecta a mídia tradicional com a contemporânea e, de certa maneira, cria sua própria história.

de sun xun, some act i o n s w i c h h av e n ’ t been defined yet in t h e r e vo lu t i o n ( 2 0 1 2 )


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徐震 Made in China

Xu Zhen

Nascido em Xangai, em 1977, em uma família operária, Xu Zhen tem uma trajetória bastante incomum em comparação com a de seus colegas artistas. Em primeiro lugar, não teve uma educação artística convencional. Cursou design grafico no Instituto de Artes e Ofícios de Xangai. Depois de formado, para descobrir como se tornar um artista, Xu Zhen mudou-se para Pequim para “estar entre pessoas criativas”. No entanto, cansou-se de lá após um ano e retornou a Xangai. Fundou sua empresa, a BizArt, e trabalhou como ator para complementar seus ganhos. Um ano após retornar a Xangai, fez Arco-Íris (1998) – um curta-metragem na época em que sexo e violência dominavam o gosto chinês e também invadiram a produção de arte visual no país. A representação da nudez e da violência foi a visão do artista, então com 21 anos, sobre as ansiedades de sua geração em relação a esses temas. Em 2001, foi convidado para exibir o vídeo na 49ª Bienal de Veneza. Em suas obras mais famosas, 8.848-1,86 (2005), Zhen documenta uma expedição ao Monte Everest, que ele supostamente realizou com sua equipe, depois de sobreviver às condições climáticas severas. Ao chegar ao topo da montanha, o artista cortou 1,86 metro de terra gelada – que equivale à sua própria altura – e levou “a ponta do Monte Everest” de volta para casa. “A ponta do Monte Everest” foi colocada em exibição em uma grande vitrine refrigerada, juntamente com o vídeo e as documentações da expedição. A peça chamou a atenção sobre a futilidade e o absurdo da política da China em relação ao Tibete. No auge da carreira, ele adotou uma nova identidade: MadeIn. Em inglês, MadeIn é uma abreviação bem-humorada de Made in China, cuja tradução tem uma conotação mais sinistra – poderia significar “sem topo” ou “afogando”, dependendo de como for pronunciado. Desafiando diretamente a ideia romântica do artista como gênio criador, a arte torna-se uma produção corporativa, o autor passa a ser uma marca e a arte, mercadoria. Imagens Reais (2010) é uma série de fotografias que mostram instalações e esculturas como um desafio direto à celebração da originalidade na arte. As instalações e esculturas originais que constituíam a obra foram destruídas depois da gravação das imagens; sua representação substituiu os originais, transformando-se em “Imagens Reais”. Quando o mundo da arte continua a perseguir avidamente a aura original dessacralizada pelos ready made e pela crítica de Walter Benjamin, e artistas famosos faturam sobre o mérito de seus nomes, MadeIn subverte a própria estrutura das ideias românticas de arte.

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summit of the mount e v e r e st, d e xu zhen (2005)




fotografia

estilo

CHEN MAN 陈曼

Ao combinar tradição milenar com alta tecnologia, ela torna-se a principal fotógrafa de moda da China e conquista o Ocidente

Chen Man nunCa saiu da China para estudar e se orgulha de ser uMa fotógrafa “nativa “, que pesquisa as próprias raízes eM vez de se espelhar no que a europa, o Japão ou a Coreia estão fazendo. aos 33 anos, ela é também uma “nativa digital”, integrante da primeira geração de fotógrafos digitais chineses. dona de um estilo pessoal e intransferível que integra pintura, design gráfico e técnicas de pós-produção, Chen Man é a atual estrela chinesa na fotografia de moda mundial. Mas seu sucesso não veio simplesmente da combinação de suas habilidades técnicas. há um charme especial e uma pegada original em seu discurso. Man costuma dizer que manifesta um pensamento humanista e tradicional chinês através de meios contemporâneos. “Meu background cultural de uma China humanista e antiga é o software instalado no meu hardware de cultura contemporânea ocidental”, disse ela em fOTO: chen man/cORTeSIa eSTUDIO 6

entrevista recente ao site Blouin artinfo. o discurso de alto impacto visual chamou a atenção das grandes revistas de moda e, desde 2012, Man vem clicando dezenas e mais dezenas de capas das edições chinesas de vogue, elle, Bazaar, Marie Claire, officiel, esquire etc. logo vieram também requisições para campanhas publicitárias para marcas de beleza. entre seus últimos trabalhos comerciais está a imagem da empresa de beleza MaC para o ano da serpente. sua descoberta no ocidente veio após a jovem ter participado da exposição China design now, no victoria & albert Museum, de londres, em 2008. depois disso, foi convidada a criar uma série de capas para a revista inglesa i-d. naquela mostra, Chen Man mostrou séries realizadas na fase mais experimental da carreira, quando ainda estudava na escola de Belas artes de pequim. a seguir, a série original vision, na qual Chen Man esboçou as grandes linhas de seu estilo.


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estilo


estilo

t r A B A l h o dA s é r i e v i s i o n ( 2 0 0 4 ) e , Ao l A d o, c h e n m A n pA r A m Ac , lov e A n d AgrAdecimentos especiAis Ao ArtistA FrAncisco mAringelli, wAt e r ( 2 0 1 2 ) . n A Ao produtor Bid, à modelo e escritorA pág i n A A n t e r ieo compositor r, e r ó t i c A ( 2provensi 003) michelli e à stylist lArA gerin, nossos destAques

fOTOs: chen man/cORTesIa esTUDIO 6


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f oto f e i ta pa r a c a pa da r e v i sta v i s i o n ( 2 0 0 4 ) . ao l a d o, i m ag e m f e i ta pa r a a m a r c a de cosmĂŠticos m ac , lov e a n d wat e r ( 2 0 1 2 ) .

fOTOs: chen man/cORTesIa esTUDIO 6


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AutenticidAde no design chinês 中国风貌的设计

Em entrevista exclusiva, Aric Chen, curador do museu de design chinês M+, diz que quem promove a cultura da cópia é o Ocidente e que os chineses têm muito a aprender com Lina Bo Bardi Mara GaMa

Um dos maiores especialistas em design contemporâneo chinês, aric chen, 38 anos, está mapeando a arqUitetUra e o design chineses na perspectiva da ásia. curador do ambicioso projeto m+, um supermuseu de cultura visual dos séculos 20 e 21 que deve ficar pronto em 2018, no distrito cultural de West Kowloon, em hong Kong, chen está encarregado de criar uma coleção permanente, uma programação educativa e de eventos, em uma plataforma aberta, para fomentar e expor as narrativas locais. chen nasceu em chicago (eUa), de pais chineses. estudou arquitetura na Universidade da califórnia, em Berkeley, e se graduou em antropologia. Fez mestrado em história do design no cooper-hewitt, em nova York, e começou a atuar como jornalista. colaborou com the new York times e mudou-se para pequim, em dezembro de 2008. em 2009, foi convidado pelo governo chinês para ser o consultor de uma pequena mostra de design. a mostra tornou-se o embrião da Beijing design Week e aric assumiu como seu diretor criativo, revelando jovens talentos chineses. Foto: divulgação


C O P I A N D O, R E C R I A N D O E I N V E N TA N D O. P O R M E I O D E S S A S E ST R AT É G I A S , A C H I N A R E P R O P Õ E O D E S I G N D E O BJ E TO S E M O B I L I Á R I O E G A N H A O M U N D O C O M A S C A D E I R A S P I X E L I Z A DA S D E Z H A N G Z H O UJ I E O S O BJ E TO S D O P R E M I A D O E ST Ú D I O SA N SA D E DAV I D J I A , Q U E A PA R E C E N O TO P O D I R E I TO D E STA P Á G I N A

Fotos: divulgação

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O que está acontecendo na China hoje é um processo cultural fascinante que não pode ser entendido pelo simplismo das noções de original versus cópia resultante de visões estereotipadas e xenofóbicas sobre os chineses Em dezembro de 2012, foi para Hong Kong, já como curador do projeto M+, que será erguido numa área de 62 mil metros quadrados, com urbanização a cargo do escritório Foster + Partners, de Norman Foster. A área expositiva do museu terá 17 mil metros quadrados e seu orçamento de aquisição, divulgado em 2012 para arquitetura, design, arte e imagem em movimento, era de cerca de 170 milhões de euros (R$ 445 milhões). Chen diz que não pretende seguir o modelo de outras importantes coleções de design ocidentais, como a do MoMA, do Museu de Design de Londres ou do Victoria and Albert Museum. Seu objetivo é expor narrativas da cultura visual da perspectiva da Ásia. “O mundo está cada vez mais multipolarizado. Temos sorte de estar num lugar tão dinâmico”, disse ele. Em entrevista a seLecT, Chen fala sobre design, arquitetura, originalidade e cópia na China. Alguns edifícios famosos, e até cidades inteiras, continuam a ser clonados na China. Recentemente, a arquiteta Zaha Hadid anunciou que vai tomar providências legais contra um projeto em Pequim que aparentemente foi copiado em Chongqing. Como entender isso? A Chiswick House, de Lord Burlington, erguida no início do século 18 nas cercanias de Londres, é famosa cópia de uma villa renascentista italiana de Palladio. Me pergunto se Palladio teria ficado triste ao saber disso. Nos Estados Unidos, de onde eu venho, posso pensar em muitos edifícios que copiaram predecessores europeus. Além disso, europeus também fizeram uma série de cópias através dos tempos. Voltando a Palladio, posso imaginar que

ele provavelmente não teria ficado chateado com a cópia de Burlington, e Burlington provavelmente não teria considerado a si mesmo como um copiador. Temos de lembrar que nossas noções de cópia são uma recente invenção ligada à Revolução Industrial, como um mecanismo para proteger interesses comerciais. Palladio e Burlington, ambos antecedem isso e em seu tempo a cópia fazia parte. O Renascimento italiano não foi apenas influenciado pela Roma Antiga, mas fez exatas cópias ou réplicas de antigas estátuas e outras peças de arte admiradas. O que está acontecendo na China agora, claro, é um fenômeno diferente. Mas temos de pensar na significação desse fenômeno como um processo cultural fascinante, em vez de nos determos em ultrassimplificadas noções de original versus cópia, que são, francamente, resultado de uma visão estereotipada e xenofóbica sobre os chineses. O que pensam os arquitetos e designers chineses sobre essas cópias? Há críticas individuais ou de instituições contra isso? Sim, claro. Há uma grande ênfase na China agora em promover o design original. Contudo, o que eu acho interessante é que, enquanto a China está buscando design original, muitos no Ocidente estão questionando a validade disso. É, de fato, o Ocidente que está liderando o discurso sobre a cultura da cópia como legítima e necessária geradora da criatividade. Mas eu penso que o que estamos vendo é uma ruptura geracional, com os jovens, a geração da internet, tendo muito mais nuances em suas visões sobre cópia. A ideia de que copiar é ruim seria uma herança comercial e legal da economia industrial. Os mais jovens são mais próximos da economia digital, com suas de-


c o m b i n a n d o t r a d i ç ã o e i n ova ç ã o, o s d e s i g n e r c h i n e s e s f u n d e m o p o p o c i d e n ta l à s m at r i z e s da m i l e n a r c u lt u r a c h i n e sa

FOTOs: divulgaçãO

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No passado, aristocratas ocidentais criavam salas ou chinesas em suas propriedades. O que temos agora, na China, é o reverso, mas em escala bem maior, acessível a muito mais gente e sem a mentalidade colonialista finições mais fluidas, o creative commons e coisas assim. Eu, recentemente, vi um vídeo num importante site de design em que havia entrevistas de vários designers e criadores conhecidos, durante a Feira de Móveis de Milão. Eram caras da indústria e, claro, contra a cópia. Interessantes, contudo, eram os comentários no site. Quase a totalidade dos comentários – muitos presumivelmente escritos por jovens designers ocidentais – era cética sobre a ideia convencional de original versus cópia. Alguma coisa está mudando. E será fascinante ver onde a China e o Ocidente vão convergir nesse aspecto. O que esse movimento de cópia diz sobre a maneira como os chineses veem as cidades ocidentais? Penso que os chineses veem as cidades, produtos e marcas ocidentais representando qualidade, comodidade e certo estilo de vida. Contudo, eu não misturaria esses desejos pragmáticos com confusão cultural ou sentimentos de inferioridade cultural. Viver em uma cidade de estilo inglês representa para os chineses certa expressão de uma individualidade comunal depois de tantos anos de comunismo homogeneizante. Mas não quer dizer que os chineses morando lá estejam começando a tomar chá inglês toda tarde, indo ao pub para torcer pelo Manchester United. Eles estão comprando um estilo de aparência. Há certo exotismo em viver numa cidade europeia na China. No passado, aristocratas e gente da alta classe ocidental criavam salas japonesas ou chinesas e pavilhões em suas propriedades. O que temos agora é o reverso, mas em escala bem maior, acessível a muito mais gente e sem a mentalidade colonialista.

Existe algum movimento de preservação para manter a memória do país? Há um pequeno, porém crescente movimento de preservação. Contudo, interesses comerciais e políticos são mais fortes e, em nível de governo, preservação na verdade significa demolição e recriação com propósitos turísticos. É a Disneyficação da história. Preservação é especialmente complicada na China por uma série de razões: muitas estruturas antigas foram na verdade reconstruídas inúmeras vezes no decorrer da história, então, há uma confusão sobre o que é o original. Sob Mao, casas históricas foram divididas para criar espaços multifamiliares e o regime de propriedade hoje não é claro. Muitas áreas carecem de infraestrutura sanitária adequada e os moradores não querem viver nelas. Muitos dos edifícios tradicionais foram construídos com materiais frágeis, que agora estão instáveis e precisando de reparos. O que pode ser dito com certeza é que a China está fazendo um trabalho ainda muito pobre de preservação de seus edifícios históricos. A destruição tem acontecido muito rapidamente. Qual é a sua visão sobre a arquitetura e o design chineses atualmente? A China está num período de excitante transição, com muita experimentação sendo feita em todas as áreas. As pessoas não estão com medo de arriscar. Muitos erros têm sido cometidos, mas erros são parte inevitável no processo de progresso. Qual é o papel da China no panorama internacional do design? A China já surpreendeu o mundo do design com seu poder de produção. Mas a Revolução Indus-

FOTOs: divulgaçãO 1. YabaO Hi-TecH enTerprises HeadquarTer park/ 10 design; 2. HuangsHan mOunTain village/ mad arcHiTecTs; 3. Wangjing sOHO/ ZaHa Hadid arcHiTecTs


P r oj e to s a r q u i t e t ô n i c o s e v i d e n c i a m q u e a c h i n a é o t e r r i t ó r i o P r i v i l e g i a d o Pa r a a c r i a ç ã o da s Pa i sag e n s q u e s e r ã o a c a r a e a i d e n t i da d e d o s é c u lo 2 1

4. HOTel OF mOdern arT 5) asian cairns / vincenT callebauT arcHiTecTs 6. spanisH paviliOn FOr expO sHangHai 2010/ miralleTagliabulle arquiTecTs assOciaTs

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Lina Bo Bardi viu nas deficiências industriais não simplesmente algo a superar, mas a gênese de algo novo. Penso que a China poderia aprender muito com ela nesse aspecto

trial, começada na Inglaterra no século 18, trouxe muito mais mudanças massivas do que a reemergência da China. O mundo está se ajustando aos avanços da China e nosso trabalho coletivo é nos certificarmos de que o mundo se beneficia com isso. Em termos de design, a China não causou grande impacto e há ainda caminhos a percorrer antes disso. De qualquer modo, não penso que teremos de esperar muito para isso. Há muitas tendências de design atualmente na China? Qual a importância delas no mercado doméstico? O mercado doméstico na China é ainda guiado por marcas estrangeiras. Não é resultado de uma devoção cega a coisas estrangeiras, mas se deve ao fato de as marcas estrangeiras oferecerem mais qualidade e integridade. Na China, tem havido uma quebra generalizada da confiança na indústria, devido à corrupção e outros problemas desse tipo. As marcas chinesas sofreram com isso e, francamente, elas ainda não têm demonstrado como planejam mostrar integridade em sua produção. Qual é a relação entre o design e o artesanato na China, hoje? Com essa quebra de confiança na sociedade, está havendo um interesse crescente em redescobrir o trabalho artesanal. Muitos chineses estão desejosos de alguma noção de autenticidade, ao mesmo tempo que redescobrem sua história, que foi muito violentamente atacada no século 20, sob Mao.

A China investe na educação para o design? O país investe altas somas na educação de design. Contudo, assim como na infraestrutura cultural, geralmente a ênfase tem sido em importantes investimentos no hardware – novos edifícios, campi etc. – porque esses são relativamente rápidos e fáceis de fazer, e são favorecidos pelos interesses da burocracia por serem tangíveis e fáceis de enxergar. Muito pouco – bem menos que o suficiente – tem sido investido em software – gente, treinamento, programas, e assim por diante. Em uma entrevista você recomendou aos designers chineses que leiam sobre a arquiteta brasileira Lina Bo Bardi, pois haveria um paralelo entre a visão que ela tem da autenticidade e da moral do design e da arquitetura do Brasil e o esforço da China em definir sua própria marca da modernidade. Você poderia dar mais detalhes sobre esse paralelo? Bardi era uma figura complicada, mas o que eu admiro nela é que ela acreditava de verdade no modernismo e no seu mandato social. Particularmente em design, ela não apenas procurou uma expressão nativa brasileira da modernidade, mas também abordou as capacidades – e as limitações – de seu contexto. Ou seja, ela viu nas deficiências industriais não simplesmente algo a superar, mas a gênese de algo novo. Penso que a China poderia aprender muito com ela nesse aspecto.


FEIRA INTERNACIONAL DE ARTE DO RIO DE JANEIRO

05 - 08 | 09 | 2013 PIER MAUÁ

SECRETARIA DE CULTURA

PATROCÍNIO

A POI O

MÍDIAS OFICIAIS

PRODU Ç Ã O

R EA LIZA Ç Ã O

artrio.art.br


cultura digital

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I lu st r a ç ã o u s a da p o r b lo g u e I r o s c h I n e s e s pa r a p r ot e sta r contra o fIm d o a n o n I m ato da r e d e s o c I a l weIbo


Muralha de bits 长城的位数

Censura, controle, estratégias de resistência e lucros astronômicos são as marcas da internet chinesa NiNa Gazire

O Ullens Center Of COntempOrary arts atUalmente é Um dOs CentrOs mais impOrtantes de arte COntempOrânea da China. sitUada em peqUim, a institUiçãO esCOlheU Um tema pOlêmiCO nO qUe tange à qUestãO da liberdade de expressãO nO país gOvernadO pelO partidO COmUnista desde a revOlUçãO de 1949. em Cartaz até abril de 2013, a expOsiçãO On|Off: China’s yOUng artists in COnCept and praCtiCe teve entre seUs temas Centrais O virtUal p r i va t e n e t w O r k ( v p n ) , s O f t wa r e U s a d O e m l a r g a e s C a l a e n t r e O s Chineses, para driblar O blOqUeiO digital das aUtOridades. Desde que chegou à China, em 1994, a internet é regida por uma série de medidas regulamentares, transformadas em leis e implantadas com vigor no ano de 2006. As proibições vão desde o veto às buscas por termos como “despotismo”, “ditadura”, “protestos na Praça da Paz Celestial (Tiananmen Square)”, “opressão” e “genocídio” até medidas técnicas como o Golden Shield Project, gigantesco programa de segurança tecnológica, cujas ações mais destacadas são a criação de uma polícia cibernética com mais de 50 mil funcionários e a implantação do sistema de rede que impede os chineses de buscarem informações em redes online fora do país. A armadura cibernética foi apelidada de The Great Firewall of China. O Firewall é um programa de proteção contra invasões de vírus ou hackers. No caso chinês, serve como um trocadilho com a Grande Muralha da China, em inglês conhecida como The Great Wall of China. No país, todos os provedores são estatais e para criar um site ou serviço online é necessário registrá-lo no Ministério da Indústria, Informação e Tecnologia. E mesmo que se queira criar um provedor privado e

oculto, a tentativa terá vida curta, já que é obrigatória a conexão com um dos quatro backbones – sistemas de ligação central das redes de computadores de um país – que na China são todos controlados pelo Golden Shield Project. “A relação do chinês com a internet é binária porque, se você não usa uma VPN, não consegue burlar o Firewall e acessar sites presentes na internet global. E isso é como ficar desligado, ou seja, estar off dentro de uma rede de computadores que se torna insular e distante do que está se passando no resto do mundo”, explica o professor Carlos Affonso Pereira de Souza, vice-coordenador do Centro de Tecnologia e sociedade da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro. Pereira esteve na China, durante o mês de abril, para participar de um evento da Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (Icann). Para o professor, a mostra em cartaz no Ullens Center resume as contradições da internet chinesa. Mais contraditório ainda parece ser o fato de que uma exposição que mapeia, por meio do trabalho de jovens artistas, maneiras de subversão contra um sistema draconiano passe

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cultura digital

23% 94

P R ES EN Ç A DA C H I N A N A INT E RN ET

Média mundial de conectados

2,4

bilhões

Conectados à rede

42%

P E NET RA Ç Ã O DA R EDE N A CH IN A

570

milhões

População da China

1,35

bilhão

GANHOS D O E - CO M ME RC E CH IN Ê S 2012 US$

107 bilhões

foto: ImagInechIna/aP Photo/glow Images

380%

2016 US$

458

bilhões

(previsão)


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Há um temor por parte do governo chinês diante de fenômenos como a Primavera Árabe ou o Occupy Wall Street, nos quais as redes sociais foram usadas para organizar protestos antigoverno Contando os tijolos da muralha Em números, a internet chinesa alcança dígitos astronômicos. A penetração da rede é de 42%, isso significa que de 1,35 bilhão de chineses, 570 milhões estão conectados. Comparada à média mundial de 2,4 bilhões de conectados mundo afora, isso significa que 23% são chineses. Segundo dados do We Are Social, evento que mapeia a internet em âmbito global e cuja última edição aconteceu em janeiro em Cingapura, 80% dos chineses conectados possuem entre 10 e 40 anos, 420 milhões usam a internet em celulares e 600 milhões estão cadastrados em redes sociais. Só em 2012, o e-commerce chinês faturou US$ 107 bilhões, que podem chegar a US$ 458 bilhões em 2016. Esses números explicam em parte o porquê do bloqueio sistemático que os sites ou empresas de e-business ou tecnologia estrangeiras sofrem. A razão, portanto, vai muito além da censura. Um caso memorável é o do Google, que interrompeu suas atividades no país, em 2010, por não aceitar aplicar as sanções impostas pelo governo aos usuários que utilizavam seus

serviços. “O modelo econômico chinês passa por uma base nacional. Com um mercado de consumo na casa dos bilhões, o que acontece é que se adota essa estratégia de cópia melhorada de modelos de e-businesses ocidentais e as marcas copiadas são fortalecidas dentro do próprio país”, ressalta Pereira. Além de ferramenta de busca própria, o Baidou, os chineses também possuem suas versões do YouTube, o Youkou e o Tudou, recentemente fundidos. Ali, o acesso chega ao número de 310 milhões em uma única semana, gerando 1,6 bilhão de horas de visualizações. O intervencionismo no mercado interno começa a se mostrar um tiro saído pela culatra. “O problema é que essas empresas chinesas estão no ramo da tecnologia, onde só é possível prosperar por meio da melhora constante e de um cenário para ideias livres, terreno típico da internet. Isso terá de ser modificado se essas marcas quiserem enfrentar o mercado global para além das muralhas”, avalia Pereira, que acredita que o segredo para o gigante asiático crescer ainda mais é apostar na neutralidade da rede.


cultura digital

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Muito alÉM da interface 远远超过了接口 Games flertam com as artes e movimentam a economia. O maior mercado do mundo é o chinês, mas o brasileiro é o que cresce mais rápido. Friccionando os circuitos comercial e audiovisual, os jogos emergem como elemento fundamental da cultura contemporânea NiNa Gazire

O MoMA de NOvA YOrk ANuNciOu suA cOleçãO de gAMes receNteMeNte, MAs já eM 2010 MOstrAvA que gAMes e Arte reNdeM uMA bOA ApreciAçãO críticA. FOi Nesse ANO que O Museu iNcOrpOrOu AO AcervO A iNstAlAçãO iNterAtivA de uM gAMe eM grANde escAlA, the lONg MArch: restArt (2008), de Feng Mengbo. Artista nascido no interior da china e radicado em pequim, já participou da documenta de kassel (1987), foi premiado no ars electronica (linz, áustria, 2004) e teve mostra individual no ps1, Nova York (2010). em todos esses lugares, apresentou games, de sua autoria, que mesclam a história da china ao imaginário de jogos conhecidos, como Mario bros e street Fighter. Mengbo dialoga, portanto, com a cultura local e global de seu país. Mais do que isso, traduz a vitalidade econômica de uma das mais surpreendentes e criativas indústrias da atualidade.


R e d e s v e st í v e i s (2011), de claudio b u e n o, g a m e pRemiado na c at e g o R i a d e a R t e i n t e R at i va d o f e st i va l a Rs eletRonica

O mercado chinês de games é o que mais cresce no mundo. Em 2012, movimentou mais de US$ 5 bilhões, segundo dados da empresa iResearch, com sede em Pequim. De acordo com o Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação do país, o número de jogadores online chegou a 330 milhões em junho de 2012, o dobro em relação a 2011. Isso equivale a 60% dos 538 milhões de usuários da internet na China. Além disso, companhias americanas, japonesas e sul-coreanas – que tradicionalmente dominam o mercado – perdem lugar para os games online desenvolvidos por empresas chinesas, como a NetEase, dona da franquia Fantasy Westward Journey, com cerca de 25 milhões de usuários registrados. No Brasil, a relação entre games e cultura, do ponto de vista institucional e mercadológico, ainda engatinha, se comparada ao caso chinês. Toren, do estúdio Swordtales, do Rio Grande do Sul, é o primeiro jogo a ser contemplado com a Lei Rouanet. Fotos: DIVULGAÇÃo

“Acreditamos que essa conquista não é só nossa, mas de toda a comunidade gamer brasileira”, comemorou a equipe do estúdio em sua página no Facebook. A empresa pretende captar R$ 370 mil que serão direcionados à pós-produção do jogo, nos próximos dois anos. Toren mescla os estilos puzzle e aventura e recebeu diversas condecorações em festivais especializados, como o Independent Games Festival e o E-Games 2011. De acordo com pesquisa divulgada em dezembro do ano passado pela Newzoo, consultoria norte-americana especializada em entretenimento, o mercado de games do Brasil é o que, provavelmente, cresce mais rápido no mundo. As taxas de crescimento no Brasil são de 32% em relação aos 7% da taxa global, e 1% e 3%, taxas dos EUA e da Europa, respectivamente, economias que se encontram em retração. “Temos um grande crescimento em termos de consumo de consoles e jogos online, mas a nossa produção ainda é muito pequena, se comparada com a de outros mercados, principalmente em relação aos países que formam o BRICS, como a China”, explica André Forastieri, jornalista e diretor da Tambor, única empresa de comunicação brasileira especializada em games. Forastieri, que também está à frente da Game World – maior feira de jogos eletrônicos do Brasil – destaca que, embora o mercado esteja em ebulição, a chegada de empresas estrangeiras e o surgimento de estúdios brasileiros não são fatores suficientes para que o país se consolide como produtor mundial, apesar de sua potência econômica.

Games e desenvolvimento social “Países como a Finlândia e a Coreia, que há dez anos não tinham protagonismo na área, hoje estão à frente na produção mundial de games, graças a medidas públicas de fomento. Os criadores do Brasil precisam de mais incentivos do governo e devem pensar os games para além do mercado de entretenimento. É preciso pensar que a cultura digital é parte intrínseca da realidade de gerações mais novas. Com o barateamento das condições de produção, algo que faz parte da realidade atual do mercado, é preciso usar a tecnologia dos jogos na educação também”, diz Forastieri. Essa realidade não é impossível. A rede Games for

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Changes, fundada nos EUA em 2004 e com ramificações em toda a América Latina, é uma organização sem fins lucrativos que faz uso de jogos eletrônicos para o desenvolvimento social. No Brasil, a ONG é coordenada pelo economista e professor da USP Gilson Schwartz e um de seus exemplos recentes no uso da tecnologia gamer na área de educação é o VRUM, um jogo desenvolvido para a educação no trânsito de crianças e adolescentes. Propostas como as da Games for Changes estão alinhadas com as atividades desenvolvidas pelo Oi Futuro, desde 2008, na sua escola Oi Kabum. “As obras trazem não só a preocupação em articular arte e tecnologia, mas também propõem um diálogo com questões sociais, políticas e culturais que inquietam os jovens, como acessibilidade, meio ambiente e valorização da cultura local”, diz Jean Cardoso, do Oi Kabum! Salvador. Iniciativas recentes, como a do MoMA de Nova York, que adquiriu uma seção de 14 games, expostos na instituição, e que pretende consolidar um acervo com mais 40 títulos, indicam que, aos poucos, os games passam a ser aceitos no contexto artístico e cultural. Assim como inúmeras formas de arte que hoje possuem linguagens híbridas e que se apropriam da estética e da lógica dos jogos eletrônicos, os games mais comerciais também começam a dar os seus primeiros passos em busca de experimentações. “Hoje, a maior parte das áreas do conhecimento e também da produção de entretenimento segue uma tendência crescente de hibridização. Há filmes que se inspiram em games, desde suas qualidades estéticas até a própria ideia de ambientes virtuais, nos quais é possível controlar os personagens.

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“Os criadores do Brasil precisam de mais incentivos do governo e devem pensar os games para além do mercado de entretenimento. É preciso pensar que a cultura digital é parte intrínseca da realidade de gerações mais novas”, diz Andre Forastieri Fotos: DIVULGAÇÃo


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na página à e s q u e r da , n o a lto, tela do game a h _ q, v e r s ã o m o d i f i c a da d o j o g o quake, de feng m e n g b o ; a b a i xo, o jogo minecraft incorpora cenário da s é r i e t e l e v i s i va game of thrones. ac i m a , o g a m e b r a s i l e i r o to r e n ; t h e pat h e j o u r n e y, d o e st ú d i o independente t h atg a m e c o m pa n y

Por outro lado, muitos games contam histórias envolventes para impulsionar o jogador a completar as missões, e a forma como essas histórias são construídas bebe das convenções do cinema tradicional”, explica Paula Perissinotto, fundadora do Festival Internacional de Linguagens Eletrônicas (File) e curadora do File Games, que leva os games para o formato expositivo com eventos que acontecem em grandes instituições de arte do Brasil.

Games e arte Até mesmo importantes críticos de cinema, como Roger Erbert, do Chicago Sun Times, falecido em abril deste ano, era conhecido por sua posição tradicionalista diante da produção audiovisual, rendeu-se ao encanto dos games, depois de uma experiência com o jogo para plataforma PlayStation2, Shadow Of The Colossus. Esse game possui todos os elementos essenciais a um ambiente de ação-aventura, comum às produções comerciais, mas é reconhecido por sua direção de arte impecável e forte aproximação da linguagem cinematográfica. No YouTube, por exemplo, é possível assistir a criações audiovisuais conhecidas como Machinimas, animações inteiramente feitas com softwares usados na criação de games. “Muitos deles já foram aproveitados em grandes produções hollywoodianas para pré-visualização de cenas. Eles também são a base de softwares que foram desenvolvidos para a produção de animações em tempo real”, comenta Perissinotto. Uma das explicações para o crescimento de games com linguagens experimentais no âmbito comercial acontece devido ao aumento de pequenos estúdios que disponibilizam suas criações sem maiores

custos em plataformas online, como a iTunes Store ou a PlayStation Store. Jogos como Minecraft, que permite construir cenários feitos de blocos, são fruto desta nova configuração em que criadores independentes conseguem usar o circuito comercial com sucesso para propostas inovadoras e que flertam com o circuito das artes. Há muito tempo artistas visuais vêm incorporando a estética gamer em seus trabalhos. A dupla belga Auria Harvey e Michael Samyn, conhecida como Tale of Tales, é uma das pioneiras em mostrar obras de arte com estética gamer no circuito artístico tradicional. Eles são autores de trabalhos que são sucesso de crítica, como o premiado The Path, narrativa de terror em 3D, exibido tanto como instalação quanto em formato de jogo. A chegada das tecnologias móveis permitiu a criação de interfaces lúdicas e maior integração com espaços físicos. Em Redes Vestíveis, trabalho premiado na categoria arte interativa do Ars Electronica 2011, por exemplo, o midiartista brasileiro Claudio Bueno desenvolveu um aplicativo com geolocalização que cria uma espécie de rede online elástica acessada pela tela do celular. Ao ser usada por duas ou mais pessoas, a rede deve ser expandida pelo movimento dos jogadores – em praças, ruas ou dentro de casa –, caso contrário são desconectados do jogo. “É preciso usar essa tradição mais relacional e interativa dos jogos eletrônicos para criar situações críticas, em que a participação coletiva deve estar no centro da questão. O mundo é feito de espaços ambíguos que não estão em oposição. Estamos tanto em um espaço informacional quanto em um espaço físico”, observa Bueno.


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Falsos testemunhos de lugares reais ou vice-versa A presença de artefatos produzidos na China na composição das obras de Alberto Baraya favorece pensar o ponto cego entre o autóctone e o estrangeiro, o original e a réplica, a realidade e a representação AnA MAriA MAiA

CinCo séCulos separam os primeiros relatos do expediCionário Hans staden sobre o Continente ameriCano e a atividade de alberto baraya, artista Colombiano que, desde o iníCio dos anos 2000, trabalHa em torno de proCedimentos Como viagens, Coleta de materiais – prinCipalmente plantas – e organização de taxonomias CientífiCas. apesar do longo intervalo de tempo que os separa, o conjunto de práticas de baraya demonstra o seu interesse por revisitar o legado das expedições botânicas e de belas artes que, entre os séculos 16 e 17, foram um importante instrumento na construção do imaginário europeu sobre as colônias, suas fauna e flora “exóticas”, sua população “selvagem”. Como em um exercício de espelhamento, ou numa reencenação histórica, baraya assume o papel de expedicionário, ou viajero, para questionar tais atribuições (o exótico, o selvagem, o primitivo, o virgem, o descoberto) e a assimilação delas como documento verossímil e correspondente à realidade. a mostra individual do artista na galeria nara roesler, em são paulo, reúne tudo o que ele coletou e organizou, com rigor metodológico e muita ironia, em três de suas últimas viagens pelo

oceano pacífico: nova zelândia (2009), austrália e machu picchu (2013). o resultado são vitrines, composições didáticas, anotações e exemplares de amostragens que, juntos, criam o ambiente de um herbário ou de um catálogo de espécies, aos modos do tipo de display que se costuma encontrar em um museu de história natural. as vegetações artificiais, através das quais esses museus recriam hábitats naturais para fins educativos – em instalações circulares e parcialmente imersivas chamadas de dioramas ou panoramas –, mais do que referência, viraram material da coleta de baraya. em um mês de estada no sul da austrália, o artista frequentou alguns desses espaços e extraiu deles diversas espécies de plantas do mar e da savana, todas feitas em plástico, tecido ou vidro. retiradas do seu contexto, em que se procura exatamente a ilusão de realidade, elas tornam-se visivelmente falsas. o artista as analisa e disseca, para efeitos de estudo e comprovação de sua existência. torna evidente, com isso, toda sorte de falácia que o conhecimento científico é capaz de encobrir e validar, inclusive ao fundamentar projetos de recenseamento e controle, como as missões coloniais e os museus positivistas que nasceram no auge do iluminismo francês.


ac i m a , p l a n ta s a r t i f i c i a i s fa b r i ca da s n a c h i n a + i m ag e n s d i g i ta i s + g r a f i t e , f i o s e s e lo s , a b a i xo, p i a n o e e s p é c i e s va r i a da s d e u m a c o l e ç ã o p r i va da d o m u s e u d o s u l da a u st r á l i a , da s é r i e e x p e d i ç ã o s u l da au st r á l i a : h e r b á r i o d e p l a n ta s a rt i f i c i a i s ( 2 0 1 3 )


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DESMONTE DE NARRATIVAS

Os registros da viagem à Nova Zelândia, realizada por Baraya em 2009, agregam outro dado dessa lógica de desmonte das narrativas expedicionárias à exposição. Nessa iniciativa, o artista dedicou-se a introduzir na natureza do país uma coleção de folhagens cenográficas, imitações de diversos tipos de fetas, ou samambaias, que se diferenciam de outras plantas por não terem sementes ou reservas nutritivas e, por isso, dependerem de condições ambientais muito favoráveis para se reproduzirem. Em um gesto simbólico, plantou-as em recantos das serras e florestas neozelandesas, indicando um desejo de hibridização daquela paisagem. De lá para cá, é provável que o ambiente não só não as tenha fecundado, mas tenha, pelo contrário, iniciado seu processo lento e incontornável de decomposição, transformação de matéria estrangeira em solo nativo. Ao mesmo tempo que Baraya comprova a inexistência da tão proclamada “terra virgem”, ou de qualquer lugar destituído de autoimagem ou passivo de convívio sem disputa, ele também sinaliza para o efeito contrário, que o traz com toda força para o seu presente. Não se trata mais de sustentar apenas as idiossincrasias das ex-colônias em seu ainda inconcluso processo de emancipação cultural, mas também de perceber um vetor de pasteurização que, na dinâmica da economia global, torna a América, a Europa e a Oceania igualmente made in China.

F oto g r a F i a s da série expedição M ac h u p i c c h u : antropoMetrias a p r ox i M a da s ( 2 0 1 3 )


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Como em um exerCíCio de espelhamento ou numa reenCenação históriCa, Baraya assume o papel de expediCionário, ou viajero, para questionar o exótiCo, o selvagem, o primitivo, o virgem, o desCoBerto


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Ao mesmo tempo que BArAyA comprovA A inexistênciA dA tão proclAmAdA “terrA virgem”, ou de quAlquer lugAr destituído de AutoimAgem ou pAssivo de convívio sem disputA, ele tAmBém sinAlizA pArA um efeito contrário, que o trAz com todA forçA pArA o seu presente

A presença dos artefatos produzidos nesse país na composição das obras de Baraya, tanto as da Nova Zelândia quanto as da Austrália, torna-se mais uma variável para se pensar o ponto cego entre o autóctone e o estrangeiro, o original e a réplica, a realidade e a representação, o lugar e o não lugar, como os shopping centers e os aeroportos similares em qualquer parte do mundo. A origem dos materiais é descrita nas fichas técnicas de cada trabalho. Respaldado pelo cartesianismo do botânico-catalogador, o artista não se furta de inscrever esse desvio de rota (antes de tudo comercial, dada a competitividade da indústria chinesa) entre as dúvidas e contradições do seu projeto, todas ditas com a retórica da assertividade. Seja como personagem inventado, seja sob a alcunha de uma suposta instituição responsável por um herbário de plantas artificiais de quase 15 anos, Alberto Baraya poucas vezes tornou a sua presença explícita no resultado de suas obras. Na expedição para Machu Picchu, ele fugiu a essa regra, deixando-se fotografar repetidas vezes, sempre de perfil, por visitantes do sítio arqueológico peruano. Nessa situação, também incomum pelo curto tempo de duração, apenas uma semana, o artista abordou os turistas individualmente ou em grupo, ofereceu-lhes um antropômetro e pediu-lhes que

Fotos: cortesia galeria nara roesler


O bj e tO s e n c O n t r a d O s “ m a d e i n c h i n a”, d e s e n h O s e s e lO s e m pa p e l , da s é r i e e x p e d i ç ã O n Ova Z e l â n d i a ( 2 0 0 9)

testassem o instrumento nele, para medir o tamanho do seu crânio, como faziam os expedicionários e antropólogos em tribos indígenas. Nas fotografias, as extremidades do antropômetro primeiro aparecem tocando da ponta da testa ao queixo de Baraya, mas logo a informalidade dos encontros começa a deturpar a cena documental. O instrumento oscila para mais e para menos, a depender de quem o porta. A empatia relaxa e humaniza ambas as partes, apesar dos poucos instantes de contato. A sequência de fotos não deixa explícitos referenciais de uma catalogação demográfica, mas ratifica a perda do domínio do viajero e a crise de sua ética de trabalho. A reencenação histórica, neste caso, cumpre o papel de aguçar a crítica sobre o passado colonial e suas reminiscências e, talvez principalmente, sugerir o pequeno passo e a grande responsabilidade que hoje acarreta não mais se assumir como vítima ou ponto passivo, e sim como agente de/em outra geopolítica.

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e st u d o s d e f r a n k g e h ry pa r a a c o n st r u ç ã o d o c o n s e r vat ó r i o da residência lewis em o h i o ( 1 9 8 5 -1 9 9 0)

cariocas f oto g r a fa m a c i da d e n o mirante, sob a c o b e rt u r a f lu i da do museu de arte do rio

s e x ta f e i r a 24 d e a b r i l 1 5 0 0 6 de abril 197 1 (197 1),pintura de glauco rodrigues, que foi c a pa da a r t p r e s s d e m a i o

Artes visuAis

DArcy ribeiro, sungA e cocAr em sAint-germAinDes-Prés cAmilA bechelAny, De PAris

Tropicalismo crítico de Glauco Rodrigues ganha evidência na França, pelas mãos do curador Nicolas Bourriaud Fotos: reprodução: Vicente de mello. na página ao lado, gehry partners, llp.

L’Ange de l’Histoire, até 7 de julho, Palais de Beaux Arts, Paris

O artista brasileiro Glauco Rodrigues (Bagé, 1929 – Rio de Janeiro, 2004) ganhou exposição monográfica com curadoria de Nicolas Bourriaud. O reconhecido crítico e curador francês, atual diretor da Escola Superior de Belas Artes de Paris, selecionou 25 pinturas da fase figurativa pop de Rodrigues para a exposição L’Ange de l’Histoire, que reinaugura o Palais de Beaux Arts, espaço de exposições da legendária escola de Saint-Germain-des-Près. Em meados de 1960, Glauco Rodrigues deu início a uma obra figurativa provocadora, influenciada pelo pop americano e pelo hiperrealismo. O artista construiu um vocabulário visual que o especialista Roberto Pontual classificou, em 1990,


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de tropicalismo crítico: um universo iconográfico pautado por uma politização intensa, mas camuflada pela utilização de clichês como a bandeira brasileira, a paisagem carioca e o carnaval. A delirante série Carta de Pero Vaz de Caminha (1971), parcialmente exposta em Paris, é uma reconstituição visual atemporal da mítica carta de 1500, em que o artista resgata os mitos do nascimento da nação brasileira com um gesto pictural antropofágico, articulando história e simbologias da brasilidade. Figuras e personagens são destacados e planam sobre um fundo branco que funciona como uma cortina anulando tempo e espaço, estratégia que permite ao artista fazer figurar personagens históricos ao lado de banhistas de Copacabana, carnavalescos e índios. A fusão de identidades resulta em figuras como um índio de sunga em Copacabana, negro vestido de índio ou americanos conversando com papagaios, como num desfile de escola de samba, que é como Rodrigues identificava essas pinturas. A escolha de Glauco Rodrigues por Bourriaud é acertada. O artista, quase desconhecido das cenas europeias, representa a ideia do anjo da história introduzida por Walter Benjamin em 1940: “O anjo que olha para o passado e vê uma única catástrofe...”. Sua pintura pop dá força às ideias de Bourriaud, que debatem a construção da história e a simultaneidade entre passado e futuro – ou o que ele chama de característica heterocrônica de nossa época. Deslocadas para o contexto parisiense, essas pinturas agora fazem uma crônica do Brasil fora do Brasil. Darcy Ribeiro não está mais de sunga e cocar em Copacabana – como aparece na pintura que foi capa da revista Art Press de maio –, mas no coração de Saint-Germain-des-Prés. Os textos e as imagens que constam no catálogo da exposição foram reimpressos em publicação avulsa, o que favorece a circulação da obra do artista na França. Bem organizada, traz um texto do artista brasileiro Roberto Cabot, que participou da organização da mostra e fez uma conferência sobre o artista em 25 de abril.

Exposição

ArquitEturAs imAtEriAis GisEllE BEiGuElmAn, dE montrEAl

E st u d o s d E F r a n k G E h ry pa r a c o n st r u ç ã o d o c o n s E rvat ó r i o da LEwis rEsidEncE Em o h i o ( 1 9 8 9 -1 9 9 5 ) .

A exposição Arqueologia do Digital investiga a história da arquitetura depois do computador A exposição Archaeology of the Digital faz um mergulho na história recente da arquitetura. A mostra apresenta quatro projetos realizados entre os anos 1980 e 1990 por nomes referenciais da área: Frank Gehry, Peter Eisenman, Shoey Yoh e Chuck Hoberman. A curadoria é de um dos mais interessantes arquitetos contemporâneos, Greg Lynn, ganhador, em 2008, da Bienal de Arquitetura de Veneza. Pioneiro na criação de novos formatos construtivos apoiados em tecnologias digitais e famoso por suas estruturas biomórficas, Lynn é conhecido também pela criação de novos materiais, como um tijolo de plástico, colorido e leve, que desenvolveu em seu estúdio, o Blobwall.


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A exposição deixa claro, percorrendo a gênese de um processo que parece ter-se tornado irreversível, que a introdução dos meios digitais na arquitetura trouxe novas formas não apenas de produção e visualização do projeto, mas também de conceituação das edificações. Além disso, evidencia que softwares, plotters e sistemas de modelagem tridimensional possibilitaram a concepção de formas inusitadas e engendraram outras apreensões do espaço. Em salas amplas são apresentadas separadamente as diversas etapas de concepção de obras que se transformaram em pilares da história da arquitetura que se tornou característica da paisagem do século 21: a Lewis Residence, de Frank Gehry (1989-1995), o Centro de Biologia da Universidade J. W. Goethe, de Peter Eisenman (1987), as estruturas do teto do Centro Municipal de Esportes de Odawara (1990-1991) e o Ginásio Galaxy Toyama (1990-1992), de Shoei Yoh, e a Esfera Expandida (1988-1992) e o Domo Iris, de Chuck Hoberman (1990-1994). No painel de abertura, Lynn dá a chave de compreensão da mostra: “Com muita frequência, a palavra ‘digital’ na arquitetura tem sido qualificada com a frase ‘No futuro.’ Esta exposição propõe que a tecnologia digital deveria ser discutida no ‘passado recente’. Não há nada de promissório nesses quatro projetos expostos, no que diz respeito ao seu engajamento com a tecnologia digital. Chuck Hoberman, Shoei Yoh, Peter Eisenman e Frank Gehry já haviam projetado o papel e a influência que a tecnologia digital teria no seu processo criativo”. Uma frase de Peter Eisenman, que se notabilizou pela criação de uma linguagem diagramática de leitura do espaço, em sua respectiva sala completa o statement do curador: “Mas eu não sabia que estava pensando como um computador”.

Fotos: divulgação. Romulo Fialdini

Archaeology of the Digital, , até 13 de outubro, Canadian Centre for Architecture (CCA), 1920, Rue Baile Montréal, Québec http://www.cca.qc.ca/

Livro

A originALidAde dA cópiA MArA gAMA

Original Copies – Architectural Mimicry in Contemporary China University of Hawaii Press, Honolulu / Hong Kong University Press, 2013. R$ 78,98 na Amazon

“Duplitetura” cria simulacrascapes, contrasta com a ultramodernidade das construções das megalópoles chinesas e mostra o que o país tem de mais particular De 2006 a 2008, a jornalista Bianca Bosker, editora de Tecnologia do Huffington Post, visitou várias vezes a China, coletou informações, prospectos de vendas, anúncios imobiliários, fez entrevistas com moradores, construtores e arquitetos para escrever Original Copies – Architectural Mimicry in Contemporary China. O livro mostra como, a partir dos anos 1990, com a abertura da economia, enquanto as megalópoles chinesas viram crescer enormes, ultramodernos e ultrarrápidos edifícios, com desafios tecnológicos explícitos e monumentais, nas áreas residenciais das cidades cresciam também o que ela chama de “simulacrascapes”, paisagens de simulacros, vilas e bairros inteiros de réplicas quase instantâneas de Paris, Veneza, Amsterdã, Londres, Madri e Nova York. O que ela chama de “duplitecture” (duplitetura) não são estruturas isoladas, mas grandes áreas de cidades como Pequim, Xangai, Gangzhou, Xian, Chongqing, Chengdu, Shenzhen. As cópias são tachadas de fake, kitsch e criticadas tanto no Ocidente quanto por intelectuais chineses. Mas Bosker quer provar que essas paisagens temáticas não devem ser descartadas tão facilmente. A autora mostra como a tradição da imitação e da replicação do que é estrangeiro tem raízes históricas profundas. Remonta ao período da unificação chinesa, no século 3º a.C., e estiveram presentes até sob Mao: através do convite a arquitetos russos, a China incorporou experiências estrangeiras à sua arquitetura.


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Segundo Bosker, no seu modo de copiar o Ocidente, a China contemporânea manifesta sua originalidade. “As mensagens enviadas por esses simulacros são contraditórias. Assim como evidenciam a explosão econômica desde a abertura e a reforma de Deng Xiaoping, eles falam da preferência de uma nação por vocabulários arquitetônicos estrangeiros, em vez do autóctone, uma falta de confiança nas tradições nativas. Enquanto celebram os triunfos e as capacidades de uma nova classe em ascensão e sua ambição, também revelam uma sensação persistente de incerteza cultural que assola uma população ávida por símbolos apropriados de modernidade e conquista”, escreve a autora.

pintura de de chirico ( ao l a d o ) , q u e e st á e m e x p o s i ç n ao n o m ac- u s p, j u n to com mais de 60 obras-primas do n ov e c e n to i ta l i a n o d e s e u ac e rvo, c o m o morandi, sironi, ca s o r at i e ca m p i g l i

Exposição

outros novEcEntos Exposição de pintura italiana revela face desconhecida do modernismo europeu Fruto de longa pesquisa da curadora Ana Gonçalves Magalhães, a exposição Classicismo, Realismo e Vanguarda: Pintura Italiana no Entreguerras revela não só parte da história da formação da coleção do Museu de Arte Contemporânea da USP, que teve origem no Museu de Arte Moderna de São Paulo, mas também outras facetas do modernismo e desfaz alguns “mitos”. Na exposição é abordado o primeiro conjunto de obras adquiridas por Francisco Matarazzo Sobrinho para constituir o acervo do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Magalhães conta que “essas obras foram compradas na Itália em 1946 e 1947, juntamente com outra verten-

Classicismo, Realismo e Vanguarda: Pintura Italiana no Entreguerras, até o segundo semestre, MAC-USP, Praça da Reitoria, 160 – Cidade Universitária, São Paulo

te de compras feitas em Paris. O conjunto de 71 obras adquirido em galerias milanesas, na Itália, era bem mais significativo que o proveniente da França (32 obras). Isso evidenciava, primeiramente, que era frágil a hipótese de que o MAM-SP havia sido feito à imagem e semelhança do MoMA de Nova York, pois as obras em nada dialogam com o acervo inicial desse museu nova-iorquino. Também mostrava que era necessário relativizar a tradicional interpretação da influência francesa pela relação estreita, que parecia exclusiva, com a intelectualidade parisiense, sem qualquer referência à influência italiana”. Essa outra leitura do modernismo brasileiro é reforçada pela desconstrução da leitura das coleções Matarazzo como “coleções de gosto pessoal, escolhidas sem nenhum critério e, portanto, sem uma relação legítima com a noção de arte moderna construída pelo debate crítico dos modernistas daqui”, diz Magalhães. A hipótese é calibrada com a inserção de obras nacionais, sobretudo do artista Paulo Rossi Osir, que explicitam essas relações. A mostra é complementada com um site que permite ao visitante remoto reorganizá-la e remontá-la de acordo com seus princípios curatoriais. Desenvolvido com o Instituto de Matemática da USP, enriquece o projeto, conferindo-lhe um aspecto transdisciplinar. Esse


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aspecto se destaca com a presença dos processos de restauração de algumas obras que demandaram recursos do Departamento de Física Nuclear Aplicada do Instituto de Física, os quais utilizam técnicas não destrutivas de análise física das superfícies das pinturas. A curadora explica o que a levou a procurar essa colaboração: “Foi a descoberta de que cinco pinturas da coleção estudada possuíam composições inteiras no verso, que também mostraram ser um fenômeno excepcional das práticas artísticas do período”. Por todos esses motivos, o professor e crítico Jorge Coli comentou no Facebook: “Esta é, de longe, uma das mais importantes exposições hoje em São Paulo”. Não há qualquer exagero nisso. GB

Bauhaus.Foto.Filme, até 4 de agosto, SESC Pinheiros, R. Paes Leme, 195, São Paulo

Exposição

Bauhaus multimídia Mostra apresenta a famosa escola de design alemã pela ótica de sua produção audiovisual e fotográfica Geralmente ligada ao design e à arquitetura, a Bauhaus usava e experimentava também com mídias como filme e fotografia. Ao final da Primeira Guerra Mundial, foram as filmadoras e as máquinas fotográficas que captaram a vida do povo comum que se reerguia, e essa possibilidade do novo olhar também instigou, como não poderia deixar de ser, alunos e professores da Escola de Design e Artes alemã, apesar de a matéria ter sido incluída oficialmente nos currículos somente em 1929. O resultado, até hoje obscuro ao grande público, pode ser conhecido na exposição itinerante Bauhaus. Foto.Filme, que depois de São Paulo percorrerá outras cidades brasileiras. Fotos: divulgação.

Copos 1 ( 1 9 2 9 -3 0 ) , f oto g r a f i a d e g e rt r u d a r n dt

Proposta no contexto do Ano Brasil-Alemanha e feita em parceria do Sesc com o Goethe Institut (e idealizada pelo diretor do instituto, Alfons Hug), a mostra apresenta em cem fotografias, entre instantâneos e documentos históricos, nomes consagrados como László Moholy-Nagy, T.Lux Feininger e Lucia Moholy, e de artistas menos conhecidos, como Max Peiffer Watenphul e Kattina Both. Já no segundo andar da exposição, projeções de filmes originais raros dão ao visitante a percepção da produção histórica da Bauhaus, ilustrando a influência recíproca entre as diversas disciplinas estudadas na instituição. MDN


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Livros

Pintura nômade PauLa aLzugaray

Publicação mapeia pintura brasileira que transita por suportes variados Na primavera de 1979, Rosalind Krauss publicou na revista October o texto Sculpture in the Expanded Field, que se tornaria referencial para os teóricos que observam os intercruzamentos entre campos artísticos. Nove anos antes, Gene Youngblood havia escrito Expanded Cinema, que contribuiu sensivelmente para que o vídeo, o cinema e as novas mídias fossem integrados ao universo da arte contemporânea. Krauss e Youngblood foram os primeiros a sistematizar uma teoria para a arte expandida. As fronteiras entre campos, no entanto, já vinham sendo subvertidas desde a vanguarda russa e as experiências neoconstrutivas de Lygia Clark e Hélio Oiticica. Nos últimos 40 anos, o atrito e a contaminação entre áreas viraram regra e rendem incontáveis curadorias, pesquisas e publicações todos os anos. O recém-lançado Desdobramentos da Pintura Brasileira Séc. XXI (Editora Cobogó) insere-se nessa tradição. Com curadoria de Isabel Diegues e Frederico Coelho, o livro apresenta-se como um panorama da pintura expandida brasileira. Reúne obras de 30 artistas, feitas a partir do ano 2000, que estabelecem diálogos entre a pintura e outras linguagens. Estão muito bem cobertos pelo livro, por exemplo, os trabalhos que projetam experimentações cromáticas no espaço, desenvolvidos por artistas como Lucia Koch, Rivane Neuenschwander, Thiago Rocha Pitta e Assume Vivid Astro Focus. Ou mesmo a espacialização da pintura promovida por artistas que começaram sua produção nos anos 1980 com tinta sobre tela. O livro evidencia como, na última década, Dora Longo Bahia, Fabio Miguez e Leda Catunda reinventaram suas pinturas, invadindo

nômades (2007), de laura lima, pintura v e st í v e l q u e se apropria d e i m ag e n s de livros d e b ot â n i ca r e p r o d u z i da s p o r c o p i sta

Desdobramentos da Pintura Brasileira Séc. XXI, organização Isabel Diegues e Frederico Coelho, Editora Cobogó, 288 págs., R$ 160

os campos da fotografia, da colagem, da música e da instalação. Mas, se o recorte é o século 21, faltou à curadoria dedicar mais território a trabalhos que abraçam as novas tecnologias como meio ou inspiração. A obra audiovisual de Ricardo Carioba, presente no livro, sem dúvida representa uma pesquisa de ponta no âmbito do mapeamento do som e da cor no espaço. Inferninho (2010), apresentada por Luiz Zerbini na 28ª Bienal de São Paulo, é outro momento crucial da confluência de tecnologias. Mas nesse mesmo sentido poderiam ter sido apontadas as pesquisas de Dudi Maia Rosa com o reprocessamento da pintura por técnicas de reprodução, no lugar das pinturas em resina poliéster e fibra de vidro. Ainda assim, o livro apresenta um bom panorama da diversidade de diálogos da pintura. Nenhum dos trabalhos do século 21 selecionados, no entanto, tem a radicalidade da pintura que vimos se expandir nos Bólides, Penetráveis e Parangolés de Hélio Oiticica. O fértil encontro entre cor e corpo – que na história da arte do século 20 rendeu momentos catárticos de Yves Klein e do coletivo japonês Gutai – está (bem) representado no livro apenas pela série Nômades (2007), de Laura Lima, que entra no campo da encenação performática.


delete/taxa de conveniência

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Negócio da chiNa A inconveniência de se pagar pela “vantagem” de imprimir um ingresso em casa NiNa Gazire

Taxa de inconveniência: esse deveria ser o verdadeiro nome da infame taxa de conveniência cobrada por empresas especializadas na revenda de ingressos. Quem nunca passou raiva com o serviço, levante a mão. Ao adquirir sua entrada para um show, evento ou jogos de futebol fora da bilheteria oficial ou pela internet, o consumidor precisa desembolsar um valor nada con-

ILUSTRAÇÃO: KAUÊ GARCIA

veniente sob a justificativa de que a taxa chata é cobrada como forma de pagamento do ponto extra de venda, fora das bilheterias oficiais. Outra explicação estaria na “vantagem” de prestar serviços adicionais e diferenciados: entrega em domicílio e evitar filas, entre outros. Porém, mesmo que a cobrança seja justificada por suas vantagens, o ato é considerado ilegal pelo Procon. E ainda que o serviço realmente ofereça tais benefícios, a realidade se apresenta de outra forma. São inúmeros os relatos de filas imensas para pessoas que escolhem retirar seus ingressos na bilheteria de um evento para evitar taxas de entrega abusivas. O incidente cria uma espécie de “efeito fila dupla”, ou seja, além da fila convencional para entrada no evento, há outra fila para a retirada de ingressos, que mesmo que não contenham as taxas de entrega cobradas, incluem a taxa de conveniência pelo bilhete ter sido adquirido a distância. Qual a vantagem, então? Ainda que seja cabível, a taxa deverá ser cobrada pelo serviço em valor único, e não sobre o preço de cada entrada, como é frequentemente realizado não apenas em compras pela internet, mas também nos pontos de venda credenciados. No fim das contas, o que esses serviços merecem é uma grande vaia da plateia.


obituário

Rádio-táxi (1950–2013)

Aplicativos de celular selam atestado de óbito da era das viagens regadas a “na escuta/câmbio, desligo” e brindam os passageiros com silêncio no carro e eficiência geolocalizada De origens que remontam ao Império Romano, o transporte pago de passageiros, por solicitação, é filho legítimo da cultura tedesca. Foi na Alemanha, no fim do século 19, que os primeiros táxis motorizados entraram em circulação. Foi também nesse país que nasceu o acessório que acabou por lhes conferir identidade própria e tornar-se seu signo de batismo, o taxímetros (em alemão, taxameter, palavra derivada do latim, taxa, e do grego metron, que significa medida).

Intermediários entre o transporte público e o particular, os táxis rapidamente tornaram-se, com poucas modificações, a marca da paisagem urbana de todas as grandes cidades do século 20. A grande inovação nesse mercado apareceu apenas nos anos 1950, com a criação do sistema de rádio-chamada, implantado primeiramente nos EUA. Por meio desse revolucionário sistema, os táxis libertavam-se do cordão umbilical que os prendia aos telefones fixos de seus pontos e passavam a ser localizados por meio de uma central que os enviava ao passageiro. Sua praticidade e eficiência, calibrada pela introdução dos GPSs nas centrais, parecia ser o contraponto sob medida da tortura de viajar em carros barulhentos, nos quais o som das buzinas e motores das ruas era entremeado por zunidos e comandos de “na escuta” e “câmbio, desligo”. Um capítulo inédito da eterna lenda bíblica da batalha entre Davi e Golias, em versão 2.0, colocaria fim a esse processo. Minúsculos celulares, turbinados por aplicativos para encontrar táxi, viraram hit nas redes. Basta instalar, ativar o GPS e visualizar em um mapa o motorista mais próximo, com respectiva placa, nome e número de telefone. Daí em diante, qualquer passageiro e qualquer motorista é um rádio-táxi ambulante, silencioso, prático e portátil. G.B

Tá x i s, co mo ess es da ci dade d o méxi co, são parTe da pa isagem urba na desde o século 19

FOTO: GISELLE BEIGUELMAN

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selects / cinema

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Emília Vandelay PELÍCULAS CHINESAS Dos clá ssicos de a rte m arc i al aos deli ca da men te po é t i cos , pas s an d o pelos fil mes de cu n h o so c i al , u m a lista do mel h o r do ci n em a d a terra do ro l i n h o primavera

Balzac e a Costureirinha Chinesa (2001)

http : / / b i t .ly/ 7 o1j3b I n s p i ra d o n o l i v ro d o esc r i t o r D a i S i j i e. D u ra n t e a Rev o l u ç ã o C h i n es a , u m a j ove m d esco b re a l i t e ra t u ra o c i d e n t a l .

A Garota de Cabelo Bra nco ( 1 9 5 0)

The Horse Chief (1986)

O Dragão Chinês ( 197 1)

htt p: / / bi t . ly/ 1 0 Td q j O

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A d a p t a ç ã o d a ó p e ra h o m ô n i m a d e Yu a n J i n x u a n p a ra a s te l a s d o c i n e m a .

S eg u n d o M a r t i n S co rsese, é u m d os m e l h o res f i l m es d os a n os 1 9 8 0. Dirigido por Tian Zhuangzhuang.

D i r i g i d o p o r Lo We i , levo u o l u t a d o r B r u ce Le e à fa m a i n te r n a c i o n a l .

Conf usão no Paraí so (Pa r te 1 ) ( 1 961 )

La nter n a s Ver m el h a s ( 19 9 1)

Hero (2002)

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A n i m a ç ã o d i r i g i d a p o r Wa n L a i m i n g , co n s i d e ra d o o Wa lt D i s n ey d a C h i n a .

Ret ra t a a C h i n a d os a n os 1 9 2 0. Após a morte do pai, uma jovem u n i v e rs i t á r i a é o b r i ga d a a se c a s a r co m u m h o m e m r i co.

D ir ig ido p or Ying X iong, é u m clássico do g ê ne ro Wuxia , q ue retrata h e r ó is m a rcia is no p e r íodo imp e r ial ch in ê s.

A Conquista da Montanha do Tigre (1970)

Amor à Flor da Pele (2000)

CJ 7 - O B r i n q u edo M á g ico (20 0 8 )

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h ttp : / / b i t .ly/ YMVhlu

Ó p e ra c h i n es a q u e se pa s s a n o p e r í o d o d a Rev o l u ç ã o. I n s p i ro u B r i a n E n o a c r i a r u m d i sco d e m es m o n o m e.

U m d os m e l h o res d o d i re t o r Wo n g K a r Wa i . N a H o n g Ko n g d os a n os 1 9 6 0, d o i s v i z i n h os d esco b re m o a m o r.

F i c ç ã o c i e n t í f i c a c h i n es a so b re u m es t ra n h o a l i e n í ge n a e s u a a m i za d e co m u m a c r i a n ç a t e r r á q u ea .

Foto: divulgação




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