a r t e D e S I G N C U Lt U r a C O N t e M P O r â N e a t e C N O L O G I a
ExEmplAR DE ASSINANTE venda proibida
Carmela Gross ThiaGo honório renaTa luCas omer FasT harun FaroCki
AGO/SET 2013 ANO 03 EDIÇÃO 13 R$ 14,90
Fotomontagem a partir de trabalhos de Lenora de Barros e Barbara Kruger
estéticas da vigilância ´
cidade ocupada
Urbanistas explicam por que a melhor segurança é o seu vizinho os olhos não MenteM
O corpo humano é o novo alvo das tecnologias de controle
Uma radiografia da cultura dos rastreamentos e das clonagens, para viver sem medo da
Das câmeras aos drones, artistas desvendam sistemas secretos Muito aléM da barra antipânico
Design do luxo se arma para combinar prazer e segurança
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12
46 CAPA
PARANOIA 2.0 Imagine uma ameaça sem base na realidade, que seja difundida por redes sociais, existindo unicamente nesses meios de comunicação
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teRRitóRiO
eNtRevistA
DesigN
PANORAMA
v 96e R N i s s A g e
CAmpo DE bAtAlhA
thiAgo honóRio
EStilo blinDADo
REDES E RUAS
Muito além da leitura
A paranoia vivida
A cultura da segurança
Big Data, a dimensão
da íris, corpo é alvo de
e gerada no processo
redefine o universo
informacional das
RoChEllE CoSti E mARilá DARDot
técnicas de rastreamento
de criação de uma
do luxo
manifestações de rua
abrem individuais em
obra de arte SELECT.ART.BR
AGO/SET 2013
São Paulo e no Rio
FOTO: BAnkSy/ REPRODUçãO
iNDex
seções
16
E D i to R i A l
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C A R tA S
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SElECtS
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tRiBoS Do DESign
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ColunAS MóvEiS
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M unDo CoDiF iCA Do 96 96 96
96
CRítiCA
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REviEwS
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DElEtE
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oBituáRio
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EM ConStRução
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Au D i Ov i suA l
PORtfóliO
gAmES AntiEStRESSE
CARmElA gRoSS
Harun Farocki faz série de
Escadas pontuam obra da
videoinstalações que
artista desde 1968 até
reencenam traumas de guerra
instalação na Casa França Brasil
70 CuRADORiA
vigiAR A vigilÂnCiA Artistas expressam visões críticas à cultura do receio
88 uRbANisMO
tUDo pElA ConvivênCiA Em vez de muros e grades, arquitetos propõem a ocupação das ruas FOTOS: HARUn FAROCki/ CORTESiA AnGELS BARCELOnA; CARmELA GROSS/SERGiO ARAÚJO; JAmES BRiDLE/ CORTESiA DO ARTiSTA; POP-UP-POOL/CORTESiA DAViS BRODy BOnD+ SPACESmiTH
EXPEDIENTE
EDITOR E DIRETOR RESPONSÁVEL: DOmINgO ALzugARAy EDITORA: CÁTIA ALzugARAy PRESIDENTE-ExECuTIVO: CARLOS ALzugARAy
14
DIRETORA DE REDAçãO: PAuLA ALzugARAy EDITORA-ChEfE: gISELLE bEIguELmAN DIREçãO DE ARTE : RICARDO VAN STEEN EDITORA CONVIDADA: mARION STRECkER REPóRTER: LuCIANA PAREJA REPóRTER ONLINE: mARIEL zASSO COLABORADORES
Alexia Tala, Ana maria maia, fernanda bruno, João Pedrosa, Leo Lama, Luciana fernandes, Luisa Duarte, marcos Diego Nogueira, mario gioia, moa Sitibaldi , Nelson Aguilar, Nelson Aguilar, Paulo klein
pROjEtO gRáfiCO DESigNER SECREtáRiA DE REDACãO pESQUiSA DE fOtOgRAfiA COpy-DESk E REviSãO RELAÇÕES pÚBLiCAS pRé-impRESSãO CONtAtO SERviÇOS gRáfiCOS mERCADO LEitOR ASSiNAtURAS
Ricardo van Steen e Cassio Leitão michel Spitale Roseli Romagnoli moa Sitibaldi hassan Ayoub Victor fresi Retrato falado faleconosco@select.art.br gERENTE INDuSTRIAL: fernando Rodrigues DIRETOR: Edgardo A. zabala DIRETOR DE VENDAS PESSOAIS: Wanderlei Quirino SuPERVISORA DE VENDAS: Rosana Paal DIRETOR DE TELEmARkETINg: Anderson Lima gERENTE DE ATENDImENTO AO ASSINANTE: Elaine basílio gERENTE DE TRADE mARkETINg: Jake Neto gERENTE gERAL DE PLANEJAmENTO E OPERAçõES: Reginaldo marques gERENTE DE OPERAçõES E ASSINATuRAS: Carlos Eduardo Panhoni gERENTE DE TELEmARkETINg: Renata Andrea gERENTE DE CALL CENTER: Ana Cristina Teen CENTRAL DE ATENDImENTO AO ASSINANTE: (11) 3618.4566. De 2ª a 6ª feira das 09h00 às 20h30 OuTRAS CAPITAIS: 4002.7334 DEmAIS LOCALIDADES: 0800-888 2111(ExCETO LIgAçõES DE CELuLARES)
vENDA AvULSA
gERENTE: Luciano Sinhorini COORDENADORES: Jorge burgatti e Ricardo Augusto Santos CONSuLTORAS DE mERChANDISINg: Alessandra Silva e Talita Souza Primo ASSISTENTES: fábio Rodrigo, Ricardo Souza e gislaine Aparecida Peixoto.
OpERAÇÕES
DIRETOR: gregorio frança. SECRETÁRIA ASSISTENTE: yezenia Palma. gERENTE: Renan balieiro. COORDENADOR DE PROCESSOS gRÁfICOS: marcelo buzzo. ANALISTA: Luiz massa. ASSISTENTE: Daniel Asselta. AuxILIAR: Indianara Andrade. COORDENADORAS DE LOgíSTICA E DISTRIbuIçãO DE ASSINATuRAS: karina Pereira e Regina maria. ANALISTA JR.: Denys ferreira. AuxILIAR: Cesar William. OPERAçõES LAPA: Paulo henrique Paulino.
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SELECT (ISSN 2236-3939) é uma publicação da EDITORA bRASIL 21 LTDA., Rua William Speers, 1.000, conj. 120, São Paulo - SP, CEP: 05067-900, Tel.: (11) 3618-4200 / fax: (11) 3618-4100. COmERCIALIzAçãO: Três Comércio de Publicações Ltda.: Rua William Speers, 1.212, São Paulo - SP; DISTRIbuIçãO ExCLuSIVA Em bANCAS PARA TODO O bRASIL: fC Comercial e Distribuidora S.A., Rua Dr. kenkiti Shimomoto, 1678, Sala A, Osasco - SP. fone: (11) 3789-3000 ImPRESSãO: Log & Print gráfica e Logística S.A.: Rua Joana foresto Storani, 676, Distrito Industrial, Vinhedo - SP, CEP: 13.280-000 www.SELECt.ARt.BR
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E D I TO R I A L Paula Alzugaray
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Quem tem medo da paranoia? Nesta edição, seLecT faz dois anos e brinda seus leitores com novas seções que reforçam nosso papel de curadoria do panorama artístico e cultural contemporâneo. A seção Selects cresceu e agora abre a edição, encorpando uma seleção imprescindível de exposições, bienais, feiras, links, eventos de design e cultura contemporânea. A última página, que tem o papel de apontar para o futuro, recebe a seção Em Construção, que apresenta, em primeira mão, os bastidores da criação de uma obra de arte ou de um projeto cultural que em breve entrará em cartaz. seLect 13 aponta para os grandes eventos que marcam os meses de agosto e setembro de 2013, como a Bienal de Arquitetura de São Paulo, a Bienal do Mercosul, a Bienal de Curitiba, a Bienal de Istambul, e feiras como a SP-Arte/Foto e a RioArt. Mas o compromisso de apontar o que é relevante na agenda artística e cultural não nos afasta de nosso projeto central: focar e amplificar as grandes questões e ansiedades do momento. Concebemos esta edição ao longo de junho e julho, quando Edward Snowden, ex-consultor da Agência de Segurança Nacional (NSA) dos EUA, divulgou documentos ultrassigilosos e preveniu o mundo sobre a amplitude de um sistema global de espionagem digital. Da noite para o dia, a espionagem deixou de ser um capítulo da
história, apontado para um alvo conhecido, tornando-se uma ação em rede, que, com a colaboração de empresas de internet e telecomunicações, se volta para um inimigo sem rosto, que pode ser eu ou você. Na era da espionagem digital, quando qualquer cidadão é suspeito até que se prove o contrário, seLecT direciona seus olhos para a maneira como os artistas processam os mecanismos de informação e monitoramento no século 21 e, fundamentalmente, como lidam com a paranoia contemporânea. A jornalista Marion Strecker, que se integra à redação como editora convidada, em seu artigo inaugural, vai buscar as origens do conceito da paranoia para especular sobre como a extensão dos sistemas digitais que usamos em nosso dia a dia alimentam delírios persecutórios. As patologias mentais resultantes do estresse pós-traumático em soldados submetidos à guerra ao terror também estão na mira da repórter Luciana Pareja Norbiato, que estreia com uma reportagem sobre uma série de game-instalações do cineasta Harun Farocki. Para anunciar as estéticas paranoicas desta edição, o designer Ricardo van Steen criou uma capa que homenageia duas obras clássicas do gênero: Procuro-me (2000-2003), de Lenora de Barros, e Your Body is Battleground (1989), de Barbara Kruger. Essa última, inspiração para um artigo sobre monitoramento fisiológico, em que a editora-chefe, Giselle Beiguelman, reflete sobre como o nosso corpo, último reduto da soberania individual, já é alvo de disputas biotecnológicas. Com o bom humor e a perspicácia de sempre, a equipe de seLecT lhe dá as boas-vindas à ciberparanoia.
Ricardo van Steen
Giselle Beiguelman
Marion Strecker
Luciana Pareja
Hassan Ayoub
Michel Spitale
Luciana Fernandes
Roseli Romagnoli
Mariel Zasso
Victor Fresi
Paula Alzugaray Diretora de Redação SELECT.ART.BR
AGO/SET
ILuSTRAçõES: RICARdO vAn STEEn, A pARTIR dO ApLICATIvO fACE yOuR mAnGá
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c a r ta s
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A seLecT está linda este mês. Estou gostando muito desta edição. Tudo muito bem escrito e muito bem editado. Douglas Negrisolli, doutorando em História da Cultura no Mackenzie, São Paulo, SP, via Twitter
Parabéns a toda equipe, o conteúdo desta edição está estupendo. E é motivo de disputa quando chega em casa, pois meu filho e meu pai também são leitores assíduos. Apollonya Corleonne, profissional autônoma, Campinas, SP, via Facebook Adoro a revista de vocês e sempre que dá tô vendo. Gosto das matérias, mas queria dar uma sugestão: matérias sobre blogueiras. Juliana Silveira, Fortaleza, CE, via Facebook
Quero dar os parabéns, porque a seLecT é referência e sempre achei o trabalho de vocês excelente, desde o primeiro exemplar que recebi na SP-ARTE, no ano de lançamento. Giovanna Graziosi Casimiro, estudante de Artes Visuais na Universidade de Santa Maria, RS, via Facebook
Agora vende a revista seLecT no ES, obaaaa! Encontrei na XYZ do Shopping Praia da Costa. Finalmente !
Stefânia Masotti, jornalista, Vitória, ES, via Twitter
Escreva-nos Rua Itaquera, 423, Pacaembu, São Paulo - SP CEP 01246-030
revistaselect revistaselect www.select.art.br faleconosco@select.art.br
Top 10 siTe seLecT jun/juL 1. Fala, Fábio Malini – Big Data das manifestações mostra que a atividade política acontece na confluência das redes com as ruas, por Giselle Beiguelman http://va.mu/cj5m
3. Caixa de surpresas – O editorial da edição impressa nº 12 http://va.mu/cdQE
5. Mulheres de plástico – Barbie e Ângela Bismarchi, duas histórias que se encontram, por João Carrascosa http://va.mu/clji
7. Cinema expandido – William Raban é pioneiro no conceito e na prática de um cinema que extrapola os formatos tradicionais, por Mariel Zasso http://va.mu/cljk
9. O xis da questão – Bienal de Arquitetura quer discutir esfera pública, por Giselle Beiguelman http://va.mu/cljp
2. Mais amor, por favor – No ritmo dos protestos e dos afetos, por Paula Alzugaray http://va.mu/cljf
4. Arquivo – Todas as edições da seLecT http://va.mu/cljh
6. Favela: moderna ou contemporânea? – São Paulo é laboratório urbanístico para solução das favelas, por Fernando Serapião http://va.mu/cljj
8. Tudo o que você precisa saber sobre o PRISM – A vigilância eletrônica não é ficção de George Orwell, por Giselle Beiguelman http://va.mu/cljn
10. O terreno instável da pedra dura – Nelson Brissac fala do impacto da mudança de paradigma da economia brasileira sobre a zona leste paulistana, por Paula Alzugaray http://va.mu/cljq
SELECT.ART.BR
AGO/SET
clemens krauss spielraum | galeria laura marsiaj 03.09 > 03.10 bienal internacional de curitiba 31.08 > 01.12
galeria laura marsiaj www.lauramarsiaj.com.br
19
colaboradores
20
3. leo laMa
4. alexia tala
Colecionador, consultor e curador de arte e antiguidade. No momento assina uma curadoria com obras dos anos 1980 na Galeria Berenice Arvani. –selects p 22
Dramaturgo, escritor, roteirista, diretor e músico. Ganhou os prêmios Molière e Mambembe. Dirigiu programas de tevê, fez trilhas sonoras. E este ano lança seu primeiro romance. – colunas móveis P 42
Curadora independente. Atualmente é curadora do Clube de Gravura do Museu da Solidariedade Salvador Allende e diretora artística da Plataforma Atacama, projeto focado na relação entre arte e lugar. – vernissage P 104
5. Moa Sitibaldi
6. FerNaNda bruNo
7. Mario gioia
8. aNa Maria Maia
pesquisa de imagem
Jornalista, crítico e curador. Trabalhou no jornal Folha de S.Paulo e colabora para a revista Trópico e o portal UOL, entre outros veículos. É coautor de Roberto Micoli (Bel Editora). – reviews p 98
Jornalista e mestre em História da Arte. É curadora assistente do Panorama de Arte Brasileira do MAM-SP e integrante do Núcleo de Pesquisa e Curadoria do Instituto Tomie Ohtake. – vernissage P 108
9. NelSoN aguilar
10. NelSoN aguilar
11. MarcoS diego Nogueira
Crítico e curador. Foi curador da 4a Bienal do Mercosul e das 22a e 23a edições da Bienal Internacional de São Paulo. – crítica p 96
Fotógrafo e retratista. Estudou fotografia e cinema na Academy of Art em São Francisco, na década de 1990. – crítica p 96
Escreve sobre urbanismo, arte, turismo, esporte, música e cultura. Foi editor adjunto de seLecT e adjunto de Cultura da Istoé. – urbanismo P 88
1. luiSa duarte Crítica de arte e curadora independente. Mestre em filosofia pela PUC-SP, vive e trabalha entre Rio e São Paulo. Membro do conselho consultivo do MAM-SP e crítica de arte do jornal O Globo. – portfólio P 62
2. João PedroSa
Fotógrafo, há 23 anos no mercado publicitário e editorial. Intimidades, projeto pessoal em processo, contempla a edição de livro, instalação itinerante e livreto arte educação.
SELECT.ART.BR
AGO/SET
Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e diretora do MediaLab da mesma instituição. – colunas móveis P 40
12. Paulo KleiN Jornalista, fotógrafo, crítico e curador premiado. Membro da International Association of Art Critics (AICA) e da Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA-SP). – reviews p 98
EXPOS
22
bRaSília
Rio de janeiRo
S ã o pa u lo
coLeção itinerante
Lenora versus Lenora
naturezamorta
Um acervo de peso com
O universo pop conceitual de
Uma cabeça de camelo pende
expoentes do modernismo e
Lenora de Barros ganha mostra
de gancho em armazém.
obras da cena atual chega a
que explora sua relação com
Partes de um porco em plano
Brasília, em 7 de agosto, depois
outros artistas, com curadoria de
fechado. O fotógrafo Adolfo
de estrear em Porto Alegre,
Glória Ferreira. Esse diálogo
Leirner não tem medo de cara
em maio deste ano. Narrativas
está presente nos cerca de 50
feia. A provocação faz parte
Poéticas – Coleção Santander
recortes do Jornal da Tarde que
Brasil tem recorte que privilegia a
belo hoRizointe
universo apichatpong
relação entre visuais e literatura em versos, com pinturas, gravuras e desenhos de Candido
de seu trabalho: ele registra cenas de animais expostos in natura em mercados ao redor do mundo, evidenciando a transformação de corpos em
Portinari, Di Cavalcanti e Alfredo
Onírico, surreal e selvagem, o
produtos. Como o nome da
Volpi, entre outros, mesclados a
universo do cineasta e artista
exposição diz, são crueldades
nomes contemporâneos como
multimídia Apichatpong
impessoais. Mas a composição
Tuca Reinés e Renata de Bonis.
Weerasethakul está em cartaz
rearranja e dilui o choque em
A mostra, que segue depois
em Belo Horizonte, onde ele
enquadramentos rigorosos e
para Belo Horizonte, é a primeira
apresenta seu novo filme,
tratamentos de cor que
selecionada no conjunto de
Hotel Mekong, de 61 minutos. O filme se passa no hotel
obras do banco.
Narrativas Poéticas – Coleção
emolduram a coluna “... umas”,
onde Weerasethakul ensaiava
publicada pela artista entre 1993
outro de seus roteiros, Ecstasy
e 1996 e na obra Jogo de Damas,
Garden. A narrativa embaralha
díptico projetado em duas salas
diversos níveis de realidade e
diferentes com performances
personagens, como mãe e filha
vocais, parte da série Crítica de
vampiras e um jovem casal.
Arte, que remete a Lygia Clark,
Dois outros títulos ampliam
Cindy Sherman e Yoko Ono.
a compreensão de sua obra:
Já a obra Em Si as Mesmas
Cactus River e Uma Carta
enfoca uma partida de xadrez
para Tio Boonmee, que mostra
em que Lenora de Barros joga
a viagem feita pelo diretor
consigo mesma e amplifica os
em busca dos parentes do
ruídos produzidos pelas peças no
protagonista de seu longa Tio
devolvem calor à cena. Não é
atrito com o tabuleiro por todo
Boonmee Que Pode Recordar
de espantar que Leirner tenha
o espaço expositivo. A projeção
suas Vidas Passadas, vencedor
uma longa carreira pregressa
sonora Duplicar Imagens É
da Palma de Ouro de Cannes
como médico, tendo sido
Multiplicar ou Dividir Ideias?…
em 2010. Com curadoria de
um dos responsáveis pelo
completa a ocupação da Casa
Francesca Azzi, a mostra
desenvolvimento do coração
de Cultura Laura Alvim, no Rio,
acontece no festival Fluxus.
artificial humano, nas décadas de 1950 e 1960.
invadindo a área externa.
Santander Brasil. Museu Nacional
Fluxus: Apichatpong Weerase-
da República, Setor Cultural Sul, lote
Umas e Outras – Lenora de Barros, de
thakul. Até 1º/9, na Galeria de Artes
Crueldades Impessoais Fotogra-
2, Zona 0, Brasília. De terça a domingo,
28/8 a novembro, na Casa de Cultura
Visuais do Oi Futuro, Av. Afonso Pena,
fias de Adolfo Leirner. De 20/8 a
das 9 às 18h30. De 7/8 a 23/9.
Laura Alvim, Av. Vieira Souto, 176, RJ
4.001, Mangabeiras, Belo Horizonte
11/10, na Galeria Fass, Rua Rodésia, 26, SP
SELECT.ART.BR
AGO/SET 2013
FOTOS: DIVULGAÇãO / CHRISTIAN GAUL
peRfil
anos, nada menos que 30
as quatro estações de Beatriz miLhazes
individuais em 11 países. Este ano ela faz 30 anos de carreira e ganha a mais abrangente mostra panorâmica de sua obra no Paço Imperial, no Rio. A exposição
Sucesso de crítica e de público
traz ao Brasil obras que, embora
desde sua primeira exposição
tenham sido produzidas no ateliê
individual, em 1985, Beatriz
da artista, no Rio, nunca foram
Milhazes define-se hoje
expostas por aqui. Elas vêm
como “uma artista brasileira
diretamente das maiores coleções
internacional”. Com obras nas
do mundo, como a Fundação
principais coleções do mundo,
Beyeler, de Basel, na Suíça, para a
como MoMA e Guggenheim,
qual Milhazes criou a série Gamboa
Milhazes realizou, nos últimos
Seasons, em 2010. São quatro telas que representam as quatro estações do ano no bairro carioca da Gamboa. Com curadoria do francês Fréderic Paul, a mostra tem um percurso cronológico que começa em 1989, passa pelos anos 2000, quando Milhazes começa a experimentar técnicas paralelas à pintura e arremata em uma série de móbiles concebidos especialmente para o Paço Imperial. Manifestando interesse na arte cinética latino-americana, ela diz que seus últimos trabalhos tentam criar uma conversa visual entre a op art e a arte tribal. “Todos os períodos da minha pintura estão relacionados com a construção. Sempre me considerei uma artista geométrica, mas, a partir da primeira década do século 21, meus trabalhos começaram a ganhar uma força mais abstrata” (leia a íntegra da entrevista com Beatriz Milhazes em www.select.art.br). Meu Bem, de 29/8 a 27/10, no Centro Cultural Paço Imperial – Iphan/MinC, Praça 15 de Novembro, 48, Centro, Rio de Janeiro
23
EXPOS
24
feira SP-arte/foto
FotograFia deFinitiva
regiões áridas e distantes do Brasil, apenas ele e Sebastião Salgado possuem trabalhos na coleção de livros Photo Poche,
A sétima edição da feira
da editora francesa Actes Sud.
SP-Arte/Foto confirma a
Já a paulistana Jaqueline Martins
fotografia como investimento
estreia na feira em grande estilo
preferencial entre novos e
com uma coleção antológica
tradicionais colecionadores.
de fotografias de performance.
A adesão de novas galerias
Os maiores clássicos do gênero,
ao evento também confirma
como trabalhos de Rebecca
a tendência. Este ano, entre
Horn, Vito Acconci, Ben vautier
as 25 participantes, cinco são
(foto), Jannis Kounellis, Ulay,
estreantes. Duas de fora do eixo
Chalotte Moorman e Sandro
Rio-São Paulo trazem nomes
Chia comparecem em peso,
fortes da vertente documental.
emprestando brilho e vigor ao
Da Kamara Kó, de Belém
evento. A Jaqueline Martins
do Pará, destaca-se Miguel
mostra na SP-Arte/Foto um
Chikaoka, ganhador do Prêmio
recorte da exposição de 107
Brasil de Fotografia em 2011.
fotos de Arte/Performance do
Tiago Santana, representado
colecionador romano Giuseppe
pela Casa da Luz Vermelha,
Casetti, que estará na referida
de Brasília, primeira galeria do
galeria a partir de 27 de agosto.
Centro-Oeste a se especializar
SELECT.ART.BR
AGO/SET 2013
em foto fine art, tem uma
SP-Arte/Foto/2013, de 22 a 25/8,
estrela no currículo. Dono de
no Shopping JK Iguatemi, 3º piso,
uma iconografia de registro de
Av. Juscelino Kubitschek, 2.041, SP
Rio de janeiRo
S ã o pa u lo
trinta anos esta noite
agLutinação crítica
Tadeu Jungle comemora 30
Camada sobre camada, o artista
anos de carreira com uma
urbano Sesper cria obras pelo
exposição multimídia como ele. Com curadoria de Alberto Saraiva, a mostra reúne vídeos, fotos, cinema, poesia visual e instalações que tomam as
madRi
códigos de ciLdo meireLes
S ã o pa u lo
renascimento fotográfico
aglomeramento de matérias que problematizam o caos contemporâneo. A crítica da produção industrial que gera resíduos permanentes pontua o
paredes, a fachada e a porta de
Em sua nova exposição, Arnaldo
universo do artista, ele mesmo
entrada do Oi Futuro Flamengo.
Pappalardo mistura renascimento
uma mescla de influências.
Destaque para o Cine TAMTA
e fotografia sem perder a
Skatista e autor de
(Tudo ao Mesmo Tempo Agora),
atualidade. No jardim interno do
instalação que revisita trabalhos
Museu da Casa Brasileira, uma
icônicos do artista em um pot-
câmara escura reproduz em seu interior cenas externas captadas por pequenos furos, como um
Cildo Meireles embaralha
pinhole gigante onde o público
os códigos do sistema de
pode entrar. Outro estratagema
arte, da cultura de massa e
renascentista reinventado está
do capitalismo em jogos de
na série Tavoletta, que nomeia
ressignificação do mundo
a mostra. Se o dispositivo que
contemporâneo. Uma seleção de
o arquiteto italiano Filippo
suas obras, algumas inéditas em
Brunelleschi criou com um
todo o mundo, está em cartaz
espelho colocado defronte
em Madri e depois viajam para
a um desenho servia para
o Porto e Milão. A curadoria é
mimetizar a paisagem, o artista
de João Fernandes. Entre as
pourri imagético de sua carreira.
contemporâneo subverte essa
fanzine, Sesper, pseudônimo
obras nunca montadas está
Uma das paredes reproduz em
função, “quebrando” a foto com
do santista Alexandre Cruz, é
Amerikka, que, ao lado de Olvido
tempo real o próprio espaço
o artefato aplicado diretamente
também vocalista de uma das
e Abajur, problematiza questões
expositivo, incluindo o público
sobre ela, assimilando o reflexo
bandas ícones da cena indie
territoriais e geográficas, numa
como parte da obra. Na porta
do que está além. Vídeos, filmes
paulistana, a Garage Fuzz, na ativa
compreensão da história
de entrada, o poema visual
em super- 8 e textos de Nelson
desde os anos 1990. Já fez vídeo,
universal como sucessão da
Fuga, em vermelho gritante,
Brissac completam a mostra.
curadoria, intervenção urbana
dominação colonial no mundo.
convida para uma escapada ao
com sticks, estamparia para
Tensionando elementos díspares,
universo pop.
camisetas e design para capas de
que vão de ícones publicitários
Completa a mostra a exibição
disco. Em sua primeira individual
a imagens invertidas, caso do
dos cadernos de anotações,
na Galeria Logo, uma instalação e
seu Atlas, Meireles rompe com a
desenhos e insights de Jungle
dez painéis de grandes dimensões
massificação do real.
nunca antes presentados.
exploram a assemblage como crítica à sociedade de consumo.
Museo Nacional Centro de Arte
Tadeu Jungle Videofotopoesia.
Reina Sofía, Calle Santa Isabel, 52,
Oi Futuro Flamengo, Rua 2 de Novem-
Tavoletta – Arnaldo Pappalardo, de
Reprovado, por Sesper, de 14/8 a
Madri. Todos os dias, das 10 às 22h00.
bro, 63, Rio de Janeiro. De terça a do-
10/8 a 22/9, no Museu da Casa Brasi-
5/10, na Galeria Logo, Rua Artur de Aze-
Até 29/9
mingo, das 10 às 20h00. Até 3/9
leira, Av. Brig. Faria Lima, 2.705, SP
vedo, 402, SP
FOTOS: DIVULGAÇãO
25
EXPOS
26
S ã o pa u lo
áfrica na oca Ao fazer um recorte da produção
londReS
seLeção aBerta
histórica e recente da África
Foi de maneira democrática
na mostra Transit_São Paulo,
que Adriano Pedrosa convidou
o brasileiro Daniel Rangel e
artistas a participar da curadoria
o angolano Fernando Alvim
Open Cube que assina na galeria
evitaram uma visão regionalista.
White Cube, de Londres. A única
Em 35 obras de 19 artistas,
condição imposta no anúncio
a proposta é evidenciar
veiculado no informe virtual Art
a pluralidade estética e
Agenda era a de que pudessem
conceitual do continente. Uma
ir a Londres em março deste ano
das vertentes exploradas é
para uma entrevista presencial.
exatamente a desconstrução
Dos 2,9 mil inscritos, 38 foram
do imaginário exótico e tribal
selecionados para o tête-à-tête
e a revelação de uma região
e, desses, 17 chegaram à exibição.
que, mesmo com problemas
Não foi uma estratégia inocente.
endêmicos, já se desvinculou da
Com isso, o curador procurou
carga de colônia e encontra na
S ã o pa u lo
mãos ao aLto
killer londrino John Williams,
arte a tradução de sua situação
cujo estilo de assassinato
socioeconômica e política. Um
é avalizado de acordo com
dos destaques é o angolano
O que nomes como Sandra
cânones de gosto”, escreve
edson chagas (foto), ganhador
Gamarra, Douglas Gordon,
Ricupero em seu texto
do Leão de Ouro na Bienal de
Antonio Manuel, Zé do Caixão,
curatorial.
Veneza deste ano.
Cildo Meireles e Rosângela
Entre as obras selecionadas,
Rennó têm em comum?
estão pinturas da série
Transit_São Paulo. Até 15/11, no Pa-
Segundo a curadora Cristina
Controle (2008), de Regina
vilhão da Oca, Parque do Ibirapuera, Av.
Ricupero, todos trabalham de
Parra, feitas a partir de imagens
Pedro Álvares Cabral, s/nº, portão 3, SP
alguma forma ou em algum
de câmeras de vigilância
momento na fronteira entre o
registrando o momento
quebrar o sistema fechado que
crime e a arte. Tomando como
anterior a acontecimentos
opera na definição do cast das
base o ensaio Sobre o Crime
trágicos. Será exposta também
galerias, partindo de artistas
Considerado como uma das
a instalação Armas.OBJ (2008),
desconhecidos dele e, muitas
Belas Artes (1827), de Thomas
de gisela motta e Leandro
vezes, do público. O resultado
de Quincey,
Lima (foto), que consiste em
traz nomes de nove países e
A curadora selecionou 22
modelos tridimensionais de
dois eixos conceituais fortes: a
artistas. Com base no texto,
pistolas, submetralhadoras,
problematização das noções
a exposição questiona o
rifles e snipers utilizados em
de espaços público e privado e
embaralhamento das fronteiras
videogames, impressas em
a contraposição de diferentes
entre ética e estética,
papel e reconstruídas em
formas de abstração, baseadas
autenticidade e pistas deixadas
tamanho real.
na geometria e as de caráter
– ou não – pelo artista. “Entre
orgânico.
os numerosos exemplos
Suspicious Minds, de 28 de agosto
do ensaio, o principal foco
a 21 de setembro, na Galeria Verme-
Open Cube. Até 21/09, na White
recai sobre o notório serial
lho, Rua Minas Gerais, 350, SP
Cube Mason’s Yard, Londres
SELECT.ART.BR
AGO/SET 2013
FOTOS: DIVULGAÇãO
juazeiRo do noRte
f e i R a /a R t R i o
grafite no cariri
paisagem monumentaL
Juazeiro do Norte, no Ceará,
Feiras de arte são eventos
ganha cor com exposição e
comerciais que, cada vez
intervenções urbanas do staff da
mais, reforçam seus objetivos
Choque Cultural. Selecionados
curatoriais e criam projetos de
pela possibilidade de diálogo
incentivo a artistas e galeristas.
entre suas obras e a cultura
Desde seu lançamento, em 2011,
local, nomes como stephan
a ArtRio explora a grandiosidade
doitschinoff (foto), Daniel
da paisagem na qual está
Melim, Mariana Martins, Presto
inserida – a estonteante vista
e Znort invadem o Cariri com
da Baía de Guanabara – e
trabalhos nas mais diversas
orienta seus projetos curatoriais
técnicas: serigrafia, gravura,
de forma a evidenciar escalas
instalação, escultura e até
monumentais e temáticas
bonecos. Um mapeamento da
paradisíacas. Julieta Gonzalez
arte de rua da cidade produzido
e Pablo Leon de La Barra, que
pelo grafiteiro SHN completa as
assinam o projeto Solo com
atividades da caravana, que se
artistas convidados, escolheu
iniciam com oficinas gratuitas,
trabalhar com a temática de
bate-papos e leitura de portfólios
Visão do Paraíso, de Sérgio
nos três primeiros dias de agosto.
Buarque de Hollanda. A feira
27
também dedica uma área para Ponte: São Paulo-Juazeiro do
a exibição de esculturas em
Norte, de 1º/8 a 30/9, no Centro Cul-
grande escala. O programa
tural Banco do Nordeste – Cariri, Rua
foi intitulado LUPA, e ganha
São Pedro, 337, Juazeiro do Norte (CE)
curadoria da iraniana abseh mirvali (foto), ex-diretora da Fundación/Colección Jumex, no México. Entre os artistas, figuram James Turrell, Artur Lescher e Daniel Steegman.
afirma Abseh Mirvali, que
galerias internacionais. Este ano
“O conceito curatorial previsto
conheceu o Brasil na infância, em
estreiam Gladstone (NY), Marian
para LUPA é multifacetado.
viagem com seu pai, urbanista e
Goodman (NY, Paris) e Pace
Por um lado, é inspirado pelo
ex-vice-ministro de Planeamento
(NY, Londres). Porém, deixam de
seu local de tirar o fôlego, o
e Urbanismo no Irã. “Fui atraída
comparecer Sonnabend (NY),
Píer Mauá”, admite a curadora.
pelas formas abstratas, mas
Sikkema Jenkins (NY), Stephen
“Minha intenção é que as obras
também pela beleza das curvas
Friedman e Tanya Bonakdar. (Leia
tentem reconhecer, reinventar e
da arquitetura de Niemeyer.
a íntegra da entrevista com Abseh
explorar as implicações culturais
Esse conhecimento influenciou
Mirvali em www.select.art.br)
e sociológicas desse rico
a minha inclinação em relação à
cenário. A monumentalidade,
arte abstrata e geométrica”.
ArtRio, de 5 a 8/9, no Píer Mauá (Ar-
para mim, é medida em termos
A vibração da paisagem do
mazéns 1, 2, 3, 4 e 5), Av. Rodrigues
de impacto, não de tamanho”,
Rio seduz a cada ano mais
Alves, 10, RJ, www.artrio.br
C U LT U R A C O N T E M P O R Â N E A
28
música
Brincando de safári Mariá Portugal, Danilo Penteado e Natalia Mallo, jovem trio de figuras carimbadas da música independente paulistana, acaba de lançar o belíssimo primeiro álbum da banda sinamantes. Produzido por John Ulhoa (Pato
cinema
Fu), o disco dá sequência a
como Trash Pour 4, Dona Zica e
Beach Boys e Mutantes, muito
Mestre do suspense coMpleto e eM 3d
três anos de estrada em turnês
da cantora Fernanda Takai, e no
Mutantes, que influenciaram
nacionais e internacionais, a
Twitter diz que “também faço
direta ou indiretamente o
partir do lançamento da banda
carreto, website, imposto de
disco. http://www.rdio.
no festival SXSW, em Austin,
renda e cupcake”. Ouça o disco
com/people/Sinamantes/
no Texas, em 2010. Entre as
em streaming no rádio, compre
playlists/3970536/Influ%C3%
gratas surpresas, a estreia como
no iTunes e curta a playlist com
AAncias_1.o_%C3%A1lbum/.
Cheio de classe e inconfundível,
compositora de Mariá Portugal,
as músicas de Massive Attack,
Alfred Hitchcock conseguiu
que foi baterista de bandas
Devo, Rufus Wainwright, The
aliar estilo autoral ao sucesso comercial. Ao longo de cerca de 50 anos, ele produziu a quantia espantosa de 54 filmes. Esse
Livro
Grande nanoartista
conjunto e mais algumas de suas
Do alto de seus 80 anos,
produções para tevê estão em
a artista Anna Barros não se
exibição na reinauguração do
cansa de inovar. No FILE 2013,
Cine Humberto Mauro, em Belo
ela monta nova instalação,
Horizonte. Psicose, sua obra-
feita em parceria com Alberto
prima, tem programação especial:
Blumenschein, e lança o livro
além da exibição em digital e
Nanoarte. “Na minha pesquisa
película, uma palestra conta
em nanoarte, dois reinos se aliam:
os segredos de sua realização.
o da natureza e o da tecnologia.
Para completar, será mostrado o
Minha obra resulta da união entre
remake quadro a quadro feito por
amostras de materiais concretos
Gus Van Sant, em 1998. Como o
da natureza e a tecnologia
Palácio das Artes ganhou projetor
dos microscópios eletrônicos
também em 3D, o único longa do
empregada para desvendá-las em
mestre do suspense compatível
escala manométrica”, diz Anna
com o sistema salta aos olhos do
Barros. O Festival Internacional
público: Disque M para Matar.
de Linguagem Eletrônica fica em cartaz em São Paulo até 1 de de
Mostra Hitchcock É o Cinema. Até
setembro, na FIESP, em SP.
5 de setembro, Cine Humberto Mauro, Palácio das Artes/Fundação Clóvis
Nanoarte. Anna Barros. Sesi-SP,
Salgado, Av. Afonso Pena, 1.537, BH
2013, 96 págs.
SELECT.ART.BR
AGO/SET 2013
PerfiL/Cláudia de almeida
a nova cara da Wired A nova diretora de design da Wired Magazine é brasileira. Mas, embora nascida em Martinópolis, no interior de São Paulo, e criada em Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, Cláudia de Almeida estudou e se formou na School of Visual Arts de Nova York. Todas as suas fontes e referências são, portanto, designers gráficos e editoriais americanos, como Carin Goldberg e Debra Bishop, legendária diretora de arte da Rolling Stone, com quem a brasileira trabalhou. Mas, se Cláudia de Almeida não imprimiu ao novo projeto gráfico da Wired um acento brasileiro, optou por dar às suas linhas gráficas um tom afirmativamente intimista, humanista e até mesmo feminino. “Quando cheguei à Wired, Scott Dadich (atual editor-chefe e ex-diretor criativo) me disse que gostaria de criar uma revista mais inclusiva, o que era algo extremamente importante para mim também”, diz ela a selects. “Como mulher, sempre achei que as revistas de tecnologia não falavam comigo – e existem toneladas de mulheres trabalhando no campo da tecnologia também sem representatividade. A tecnologia é para todos, não só para os homens, e a Wired precisava refletir isso.” A ferramenta escolhida pela designer para tal tarefa foi a fonte serifada Ambroise, de pegada levemente nostálgica. “A Wired é mais que uma publicação sobre tecnologia, é uma revista sobre inovação e sobre as pessoas por trás disso, então deve expressar calor e ‘humanidade’.” Reconhecendo o estágio atual da tecnologia, o novo projeto da Wired também troca a referência na bidimensionalidade do pixel pela tridimensionalidade da rede. (Leia a íntegra da entrevista em www.select.art.br)
FOTO: iAn ALLEn
29
BIENAIS
30
curitiba
fotografia/masP
todas as artes
outros pontos de vista
Com curadoria geral de
pretende confrontar a fotografia com outras linguagens próximas, como a pintura, o vídeo e a
i sta m b u L
o inferno são os outros
instalação. Participam da exposição 30 artistas do Brasil
Já no título da próxima Bienal de
Teixeira Coelho e Tício Escobar,
Organizada por Ricardo Resende,
e do exterior, como Cia de Foto,
Istambul, Mom, Am I Barbarian?,
a 20 Bienal de Curitiba,
curador convidado por Teixeira
pedro Motta (foto) e Albano
a curadoria de Fulya Erdemci
em cartaz de Setembro a
Coelho, o Masp recebe a primeira
Afonso.
deixa claro o caráter político da
Dezembro, apresenta um leque
edição da Bienal Internacional
de linguagens artísticas que
de Fotografia. O evento marca
1 a Bienal Internacional de Foto-
palavra “bárbaro” para designar
vão das artes visuais ao
o redirecionamento da parceria
grafia, Masp, Av. Paulista, 1.578, São
quem não pertence a uma
cinema, passando pela
entre o museu e a Pirelli, e
Paulo, www.masp.art.br
determinada cultura evidencia
a
performance e a net arte,
mostra. De que forma o uso da
relações de poder? Partindo
estando essa última a cargo da curadora convidada Maria Amélia Bulhões. Entre os destaques, duas obras que problematizam esteticamente a comida: a performance Esmagamento Sensível, do mineiro Marco Paulo Rolla, no Mercado Municipal, na qual ele
dessa premissa, a mostra traz a
caminha sobre frutas e
reflexão sobre as possibilidades
verduras, tocando um
de a arte abrir novas posições e
acordeom, e a pintura
construir outras subjetividades
Grande Utilidade – Comer,
que deem vez aos excluídos pela
do chinês Wang
quebra dos discursos opressivos
cheng Yun (foto).
vigentes.
20 a Bienal Internacional de Curi-
Mom, Am I Barbarian? – 13 a Bienal
tiba, de 31/8 a 1º/12, Casa Andrade
de Istambul, de 14/9 a 20/10, Istam-
Muricy e diversos lugares. Curitiba,
bul Foundation of Culture and Arts,
www.bienaldecuritiba.com.br
Istambul, Turquia
SELECT.ART.BR
AGO/SET 2013
mercosuL
arte e indústria
31
as interfaces entre natureza, tecnologia e trabalho. A seleção divide-se em dois grupos: artistas que apresentam obras
Em pesquisa realizada no
já prontas e outros convidados
laboratório prático da Faculdade
a realizar trabalhos de forma
de Engenharia em Controle e
colaborativa com empresas e
Automação da PUC/RS, o artista
indústrias gaúchas. Entre os
gaúcho Luiz Roque projetou
artistas, Trevor Paglen, Allora &
um robô para atuar como
Calzadilla, Eduardo Kac, Gilda
personagem da ficção científica
Mantilla & Raimond Chavez,
Ano Branco. Ambientado na
Allan McCollum, Cinthia Marcelle,
cidade de Porto Alegre no ano
David Medalla, Marta Minujín,
de 2030, o vídeo será exposto
Sara Ramo, Thiago Richa Pitta e
na 9a Bienal do Mercosul, a partir
Erika Vezutti.
de setembro. Roque está entre os 60 artistas de 26 países
Bienal do Mercosul, de 13/9 a
selecionados pela mexicana
10/11, Usina do Gasômetro, Museu
Sofía Hernández Chong Cuy
de Arte do Rio Grande do Sul (MAR-
para um projeto curatorial que
GS) e Santander Cultural,
tem como área de investigação
www.bienalmercosul.art.br
acima, obra do artista e geógrafo norte-americano trevor Paglen; abaixo, cena do vídeo ano branco (2013), de Luiz roque
DESIGN por João Pedrosa
utilitário
32
Dish Doctor O escorredor de pratos Dish Doctor, de Marc Newson, é um dos poucos produtos desenhados por esse expoente genial do design atual, que pode ser encontrado no mercado brasileiro. Criado em 1997, suas linhas são mais atuais do que nunca. Feito de polietileno moldado e injetado, produzido pela marca italiana Magis, já é uma peça histórica, pois foi um dos primeiros objetos globais desenhados diretamente da tela do
expo
o mágico Da Decoração O milanês Piero Fornasetti foi um desses artistas cuja vida é indissociável de sua arte. Designer sem formação, criou soluções bidimensionais, com um traço gráfico, num universo fantástico, erudito, bem-humorado e irônico. Gostava de matemática, artes técnicas e arquitetura. Sua parceria com o arquiteto, designer
computador para a produção. Extremamente moderno, ele já é um clássico. Fora do seu uso intencional, mas com a mesma funcionalidade e beleza, pode ser usado também como porta-objetos e papéis, numa escrivaninha. Marc Newson criou a chaise-longue mais emblemática dos anos 1980, uma silhueta de mulher rechonchuda e rebitada de placas de alumínio, que vale milhões de euros.
perfil
thomas heatherwick
múltiplos de engenheiro, construtor, artesão e designer. Seu know-how faz dele um virtuoso em muitas
Muitos designers são
e diferentes manufaturas.
conhecidos por um estilo
Isso influencia e guia suas
formal, mas poucos podem
soluções estético/poéticas.
ser reconhecidos pelo seu
Já criou ou edificou coisas
estilo conceitual. Thomas
tão diferentes como gazebos,
Heatherwick é uma dessas
poltronas que giram como
raridades. Ele é o mestre
um pião (foto), bancos de
da ideia genial, que é óbvia
alumínio que simulam uma
pela simplicidade, mas que
pincelada, assim como
só depois de realizada é
templos, hotéis e pontes,
décadas como algo único, sempre
óbvia. A maneira como seu
que são obras-primas.
na moda, e além dela.
pensamento se expressa num
e editor da revista Domus, o também formidável Gio Ponti, lhe trouxe fama mundial. Foi o mestre da metáfora divertida. Seu ornamentalismo gráfico foi influenciado pelo surrealismo, pela natureza, e seu símbolo predileto, o sol. A loja Poeira realiza, a partir de 17/9, uma mostra sobre sua obra, que atravessa
objeto de design é fascinante e Poeira. Rua Dr. Melo Alves, 276. Jardins. SP, www.poeiraonline.com SELECT.ART.BR
AGO/SET 2013
A Lot oF. Al. Gabriel Monteiro da Silva, 256, SP, www.alotof.com.br
autoexplanatória. Heatherwick combina em si os talentos
A Lot oF. Al. Gabriel Monteiro da Silva, 256, SP, www.alotof.com.br FOTOS: DIVULGAÇÃO
e s pa ç o
ouviDor, por tryptique O escritório Tryptique desenhou esta loja espetacular em Fortaleza, idealizada como uma galeria de arte. Sem janelas, e com o mínimo de aberturas necessárias, ela ostenta essa arquitetura monolítica, multifacetada, de traço limpo, ao estilo da arquitetura Tryptique. Construída com piso de concreto e paredes e teto com placa cimentícia, foi desenhada para que não interferisse nas obras em exposição. De propriedade de Alexandre Jereissati, foi inaugurada em 16/5/2013, após 18 meses de construção. Concebida originalmente como uma loja de mobiliário e produtos conceituais, a Ouvidor vai se dedicar à comercialização de produtos de marcas famosas internacionais, como Moroso, Vitra, Missoni, Kartell e Mooi, e grandes designers brasileiros, como Sérgio Rodrigues. Também mostrará exposições de fotografia, escultura e arte. É o exemplo perfeito de como a arquitetura contemporânea de qualidade internacional é adaptada a um uso específico, e que, apesar do apelo formal global, pode ser inserida num contexto regional com propriedade, mas também com originalidade e surpresa.
Ouvidor. Av. Santos Dumont, 3.621 Fortaleza, CE FOTOS: ROBERTO WAGNER
33
LINKS
34
a era Da vigilância DistribuíDa
E nós com isso? O sistema de vigilância norte-americano tem pelo menos cinco outros programas secretos de rastreamento. Um deles chega
Internet reage ao PRISM com jornalismo investigativo e memes bem-humorados
ao Brasil. http://bit.ly/13NRjNm
Yes, We Scan: os memes tomaram conta da internet e
PRISM é o nome do sistema de
responderam com mais humor,
vigilância eletrônica da Agência
por favor, à truculência da
de Segurança dos Estado Unidos
vigilância distribuída.
(NSA, National Security Agency).
http://bit.ly/13NSJHC
Permite monitorar e recuperar chamadas telefônicas, e-mails,
Tchau, Privacidade (Goodbye Privacy):
posts no Facebook, arquivos
esse foi o tema do Festival Ars
armazenados no Google Drive,
Electrocnica, o mais importante
conversas no Skype e uma
evento de artemídia do mundo,
informações a partir de
O Informante sem Fronteiras: tudo sobre a
em 2007. O livro que resultou do
line feitas corriqueiramente. Desenvolvida em nome do
ferramenta de visualização de
Medosch e Ina Zwerger, é leitura
combate ao terrorismo e o
dados da NSA (Agência Nacional
mais que obrigatória hoje.
zelo pela segurança nacional,
de Segurança dos EUA)
http://bit.ly/13NST1R
essa garimpagem de dados,
http://bit.ly/153Bw9V
infinidade de atividades on-
festival, organizado por Armin
baseada na associação entre o governo dos EUA e empresas
Direto da fonte:
de tecnologia e comunicação,
o denunciante Edward Snowden,
tem escala planetária e acirra
que vazou as informações que
um debate sobre privacidade
deram origem ao escândalo do PRISM
na rede que não é recente, mas que certamente ganha novos
Bê-á-bá do PRISM
contornos. A esse modelo
http://bit.ly/153B2kf
http://bit.ly/13NRdVR
de vigilância capilarizada, a internet reage criticamente.
É tudo verdade: os slides
Nessa vertente, apresentamos
oficiais que revelam como o
uma seleção de reportagens,
PRISM atua e é alimentado
livros para baixar e memes para
por nove grandes empresas de
entender, pensar e rir em vez de
tecnologia
chorar.
http://wapo.st/153BeQp
Era uma vez... 1984,
Não é comigo?! Entenda
A Sociedade de Controle:
o romance distópico de George
a conivência das empresas
ensaio visionário de Gilles
Orwell é o hit da estação. Baixe,
de tecnologia envolvidas no
Deleuze, filósofo que deu o tom
leia e entenda por quê.
escândalo do PRISM
ao século 21.
http://bit.ly/1b0N18k
http://nyti.ms/153BnU1
http://bit.ly/13NTcJS
SELECT.ART.BR
AGO/SET 2013
FOTOS: DIVULGAÇÃO
35
s u s t e n ta b i l i d a d e
36
SurfiSta de rio No verão europeu, alemães tiram proveito de recursos naturais e surfam ondas formadas pelo degelo de montanhas nevadas Surfar em Munique não parece ser uma
a natureza, foi transformado em parque
possibilidade viável, afinal, a maior cidade
posteriormente e aberto ao público em 1792.
da Bavária, na Alemanha, fica bem longe
Trata-se, enfim, de um parque localizado na
do mar. Mas quem acha que surfe é um
região central da cidade, uma das maiores
esporte exclusivo de costas marítimas
áreas verdes do mundo, ultrapassando
precisa conhecer a criatividade da galera da
o Central Park de Nova York. Nas Olimpíadas
Bavária, que na época de degelo dos Alpes,
de Verão de Munique (1972) foi o palco da
entre junho e setembro, costuma surfar na
prova de tiro com arco. Entre os pontos de
correnteza forte do Rio Eisbach. O local é
interesse do Parque Inglês destacam-se a
um hit do verão e fica no Englisher Garten
torre chinesa, a casa de chá japonesa e o
(Parque Inglês), uma denominação utilizada
lago Kleinhesseloher. A eles se junta agora
apenas fora da Inglaterra. Criado no século
o surfe fluvial. Para os interessados, a água
18 pelo arquiduque Carl Theodor como
é geladíssima e, além de roupa de neoprene,
espaço militar para oferecer aos soldados
requer desenvoltura para manobras
uma área de lazer e conhecimento sobre
arriscadas de alta velocidade.
SELECT.ART.BR
AGO/SET 2013
PATROCÍNIO
37
tribos do design
38
Mascarados Em tempos de manifestações e monitoramento de massa, ruas e telas viram palcos de disfarces. Escolha o seu
Cavaleiro Solitário Um dos ítens mais famosos e antigos do cinema, a máscara do Zorro é reeditada no filme O Cavaleiro Solitário, com Johnny Depp, usada por Armie Hammer, como John Reid. Excelente para aparições de gala. Charlie Sheen O ator de Two and a Half Men é o bad boy da vez. Deitou na cama e criou fama de mal-educado e sem noção. Se algum dia você quiser dar umas voltas com Lindsay Lohan ou outra parceira de crime, esta é a máscara ideal. À venda na Amazon.
Máscara de Gás Ítem recorrente nas manifestações de rua que tomaram todo o Brasil em junho e julho, as máscaras de gás viraram até receita de do-ityourself no site http://www.instructables.com/
Homem de Ferro Esta máscara vem pra avisar que os robôs estão mesmo chegando. Não apenas a cabeça, mas também o corpo é tão perfeito que deixa qualquer humano se sentindo um herói indestrutível.
M de Manifesto Eternizada pelo filme dirigido por James McTeigue, a icônica máscara de V for Vendetta (V de Vingança) é utilizada em manifestos em todo o mundo
Pânico! Desde 1997, esta máscara vem assombrando os vidrados no terror, nos cinco filmes da série Pânico – ou causando ataques de riso nas cinco versões de paródias do filme.
Cavaleiro das Trevas A máscara do Batman é um dos maiores hits de todos os tempos. Talvez o único páreo para ela seja o carão do Mickey. À venda nas lojas do ramo. Chifrudo A tradicional máscara de bode é, provavelmente, uma referência para a criação do Batman. Versão medieval do Cavaleiro das Trevas, esta é desenvolvida em couro e está disponível em www.teonova.com
Jogos Mortais A máscara Saw, da série Jogos Mortais, é um pastiche das máscaras do mal de todos os tempos. Nem por isso é menos incrível. Versões disponíveis em www.ibei.com fotos: divulgação
39
FEIRA INTERNACIONAL DE ARTE DO RIO DE JANEIRO
05 - 08 | 09 | 2013 PIER MAUÁ
SECRETARIA DE CULTURA
PATROCÍNIO
artrio.art.br
A PO I O
APOIO INSTITUCIONAL
MÍDIAS O F ICIA IS
LOCAL OFICIAL
PRODUÇÃO
REALIZAÇÃO
Co lu n a m ó v e i s / v i g i l â n C i a
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Fernanda Bruno
Na coNtramão da criação Um caminho para pensar os víncUlos entre paranoia e criação é aqUele das relações, extremas, entre arte e loUcUra. caminho pleno de possibilidades e bem explorado pela estética, pela filosofia, pela psicanálise e pela própria arte, com destaque para o conhecido método paranoico-crítico de savador dalí. vou, contudo, apontar outro aspecto da paranoia que, diferentemente, é cheio de armadilhas. refiro-me a um ideal securitário com fortes traços paranoides, materializado em uma série de tecnologias de vigilância nos espaços da vida urbana contemporânea. Uma das faces mais explicitamente paranoides dessas tecnologias consiste na chamada videovigilância inteligente. do que se trata? de câmeras providas de algoritmos que se pretendem capazes de detectar signos de comportamento suspeito ou perigoso. câmeras que, por exemplo, fazem soar o sinal de alarme de uma casa ou condomínio toda vez que for detectada a presença de pessoas num determinado local. ou que rastreiam e realçam na imagem capturada pessoas andando no contrafluxo do movimento corrente dos corpos em aeroportos, estações de metrô e afins. Ficção? no contexto brasileiro, sistemas dessa natureza são anunciados como a ponta da segurança dos grandes eventos esportivos por vir. tais dispositivos pretendem impedir crimes, incidentes e delitos em larga escala, capturando-os antes que aconteçam, vigiando os signos que emitem antes de se atualizarem. o olho paranoico dessas câmeras encarna, no âmbito social, o “modo patológico de defesa”, que na definição freudiana acomete o indivíduo paranoico, fazendo com que o seu delírio seja pleno, inclusive, de signos perceptuais. se no plano individual essa defesa está a serviSELECT.ART.BR
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ço da proteção de uma coerência ou integridade ideal do eu, no plano social ela aposta em um ideal de segurança que vai na contramão de processos criativos de ocupação e experimentação do espaço e da vida urbana. ainda que não se oponha pontualmente a esses processos, o delírio securitário, que se assemelha ao paranoide também em sua formulação “racional e lógica”, supõe um ideal de defesa e proteção que busca banir todo acaso e vulnerabilidade por meio da antevisão de índices de ameaça. além disso, o delírio securitário declara-se, como na paranoia, inabalável em suas certezas. lembremos, mais uma vez com Freud, que os paranoicos “amam seus delírios como a si mesmos”. a videovigilância inteligente, e boa parte da lógica securitária baseada na previsão e prevenção, uma vez pretendendo agir antes do fato, lida com o que ainda não ocorreu e pretende conjurá-lo. deseja, assim, como disse o escritor William Burroughs, possuir todos os fatos, inclusive aqueles que ainda não aconteceram. condena, desse modo, o possível e o futuro a uma antevisão que só reconhece neles signos de perigo e aposta na tarefa impossível de nos proteger do imponderado, que é próprio ao fato de estarmos vivos. nesse sentido, opõe-se crucialmente aos processos criativos, pois não há criação de formas de vida na ausência do risco do futuro.
À direita, ilustração do guru do mangá Shintaro Kago, famoso pelo seu estilo “paranoico fashion” IMAGEM:CORTESIA dO ARTISTA
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co lu n as m ó v e i s / F e l i n os
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Leo Lama
Medo de gatos Entro no ElEvador. Em vEz dE dEscEr, sobE para o último andar. a porta sE abrE, alguém ia Entrar, mas EsquEcEu-sE dE alguma coisa. um vulto adEntra arisco. Estou trancado Em um ascEnsor com o mEu mais sincEro mEdo. Ele mia. Eu me urino. uma de muitas situações envolvendo minha fobia. você tem gato em casa? pergunto sempre antes de ir a algum lugar que não conheço. passo vergonha, saio no meio de reuniões de trabalho, termino relacionamentos. paranoico, muitas vezes eu os vi até onde não estavam. é preciso voltar à infância, dizem, regressar mentalmente ao dia em que a armadilha psicológica foi armada. uns afirmam que o medo é hereditário. quando foi transferido para mim? é preciso investigar. o pânico se expande. uma fobia, se não for enfrentada, cresce, sabe-se. o medo é ar. a cidade é perigosa, nós também. mês passado participei de um arrastão em um bar. como vítima. Eles pulam, comem, dormem, atacam, somem a hora que querem sem avisar. assustador para quem quer sempre ter o controle. dizem que me comporto como um gato. tenho pavor de mim. quero controlar tudo. não controlo nada. é medo de amar, dizem alguns terapeutas. é temor do feminino, sugerem algumas senhoritas que namorei. moças com felinos. tranca-se o bicho, entro no quarto, libera-se o animal. o amor cresce e chega a hora de escolher entre mim e aquele que demarca território ao redor da privada que usei. mesmo sendo eu o escolhido, quando surge a primeira briga ele volta, jogado na cara em forma de acusação, causando culpa. Em uma cantina romana, eu e a moça linda. luz de velas, clima romântico. um dos restaurantes mais badalados da capital italiana. na outra mesa, marcello mastroianni. não pode ser. sim, é ele mesmo. SELECT.ART.BR
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Fernando Lemos, artista português radicado no Brasil, apresentou um conjunto de 27 desenhos relacionados a diversas formas de temores cotidianos na exposição Medo a Medo, na galeria Fass, em São Paulo.
Estamos eufóricos. mas de novo o vulto vem. passa lânguido por minhas pernas. assustado eu bato o joelho na quina da nossa mesa, que derruba todas as outras em efeito dominó. o grande ator italiano está no chão. o gato roeu a roupa do rei de roma. memórias humilhantes. tenta-se a umbanda, a programação neolinguística, a troca de namorada, o exorcismo, mas o medo é soberano. o gato representa o mistério, o desconhecido. doméstico, mas com o espírito selvagem. são inúmeras as analogias, poucas as soluções. só resta o enfrentamento. é daquilo que nos faz bem que mais fugimos, dizem. agora estou com o gato da minha professora de canto no colo. bigode é o nome dele. o pânico é macio, não tenho receio de amar. mas antes de visitar alguém pergunto: você tem medo em casa? CORTESiA GALERiA fASS
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M U N D O CODIFICADO
BiChos CiBErnétiCos 44
Entomofobia é o medo desmedido de insetos e artrópodes em geral. Mais comum do que se pensa, deve diminuir, conforme se popularizam as metáforas “insetófilas” no reino computacional. De vírus a enxames, passando por celulares, vermes e parasitas, insetos e outros bichos saem de seus nichos e tomam de assalto o outrora asséptico mundo da tecnologia digital Giselle BeiGuelman
Bug Em tradução literal é inseto e assombra a história da tecnologia desde Thomas Edison, quando um deles foi responsável por travar o seu fonógrafo, nos idos de 1857. Hoje remete a qualquer problema inesperado que ocorre em computadores, celulares, tevês etc.
ColmEia
CElular Tornou-se sinônimo de telefone, mas tem esse nome porque ele explica a base de funcionamento das redes de telefonia móvel: baseadas em células, que definem o raio de alcance de sinal das antenas.
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O pensamento de colmeia, ou hive mind, em inglês, remete a processos de consciência coletiva, que são mobilizados quando grupos de pessoas deixam de operar individualmente para compartilhar, dinamicamente, recursos e conhecimentos
EnxamE Bastante conhecido no mundo animal, tornou-se um conceito de sociologia das redes, identificando comportamentos emergentes que brotam a partir de regras simples e são seguidos sem coordenação central. Pense nos trending topics do Twitter que isso fica claro.
Vírus Noção herdada da biologia, é hoje um termo recorrente da informática. Define programas com códigos maliciosos e capacidade autorreplicante que danificam outros programas de computador e os modificam. Quem nunca foi vítima que atire a primeira pedra.
parasita Marca registrada da e-conomia, na qual a riqueza não é necessariamente baseada na produção, mas na capacidade de dar vazão e apropriarse do que já foi feito. Basta lembrar do programa de busca Google que essa lógica fica compreensível.
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WEB Fonte: Jussi Parikka. Insect Media: An Archaeology of Animals and Technology. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2010.
supErorganismo FormiguEiro Do ponto de vista da ciência da computação, é difícil não pensar nos formigueiros como máquinas de computação, otimizando seus algoritmos, por exemplo, para encontrar melhores rotas de alimentos. Isso é o que diz o estudioso da relação entre insetos e mídia, Jussi Parikka.
Organismo formado por organismos menores, como no caso de um formigueiro, em que a manutenção do coletivo depende do trabalho de todos individualmente. O termo se aplica à metodologia de trabalho de vários coletivos contemporâneos.
VErmE O worm é um programa malicioso que funciona de forma semelhante a um vírus, mas não depende de outro “organismo” (outro programa) para infectar o equipamento.
(teia de aranha) Principal símbolo da cultura contemporânea, a teia é a grande metáfora das redes do século 21 e coloca a aranha no centro da produção simbólica do nosso tempo.
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Conhecer a extensão do poder político, econômico e policial sobre sistemas como Google e Facebook alimenta o delírio persecutório contemporâneo M a r i o n St r e c k e r
Paranoia reloaded SELECT.ART.BR
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As pAlAvrAs, sempre As pAlAvrAs. QuAndo eclodirAm As mAnifestAções de ruA no BrAsil, em junho, vimos ressurgir umA série de termos Que estAvAm em desuso, como “vândAlos”, “BAderneiros”, “ArruAçA” e “AlienAdo”. Quando edward snowden, técnico de informática, ex-agente da Agência nacional de segurança dos euA e ex-funcionário da empresa de inteligência Booz Allen, revelou que a segurança americana tinha acesso a servidores de empresas de internet como google, facebook, microsoft e Yahoo, foi chamado não apenas de traidor, mas também de herói e delator. essas palavras carregam um partido, uma carga moral. por mais que tentemos nos ater a um significado específico, a memória de uso da linguagem traz consigo pesos e valores, lembra contextos outros, aproxima personagens de diferentes períodos da história. vândalos eram um povo germânico, oriundo de duas tribos distintas da região da escandinávia, que, ao menos desde o século 2º, alternava períodos de guerra e de paz com o império romano, no continente europeu, no mediterrâneo e no norte da África. seu reino entrou em colapso no século 6º, quando foram rendidos pelos bizantinos e acabaram por se misturar com outros povos e desaparecer como etnia. restou o sentido pejorativo, que seria uma alusão aos métodos violentos com que assaltaram e saquearam roma no ano 455, destruindo obras de arte. no Brasil do século 21, vandalismo virou sinônimo de quebra-quebra, arrastão, incêndio criminoso, apedrejamento e roubo, sendo usado a torto e a direito por rádios, tevês, jornais, governantes, políticos e boa parte da população, sem paciência, interesse ou vontade de diferenciar um tipo de violência de outro. evocamos a memória dos vândalos quando poderíamos ter evocado os bárbaros, também em seu sentido pejorativo. A palavra “bárbaro” vem do grego e quer dizer simplesmente “não grego”, ou qualquer povo cuja língua materna não era o grego. foi uma alusão aos persas e sua língua que os gregos entenderiam como “bar-bar-bar”, mas que serviu também para designar os romanos ou S.A.C.R.E.D., site-specific do artista chinês Ai Weiwei que ocupa a igreja de Sant’Antonin durante a Bienal de Veneza; o público espia representações dos 81 dias em que o artista esteve preso sob vigilância ostensiva de dois guardas FOTO: DIVULGAÇÃO
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qualquer estrangeiro. no império romano, veja só, tornou-se sinônimo de “não romano” e, por extensão, “incivilizado”. entre os séculos 5º e 8º, a palavra serviu para identificar povos bem distintos, como os hunos, os godos e os gauleses, cuja principal semelhança era o fato de terem invadido o império romano. o inferno são sempre os outros, como escreveu jean-paul sartre (1905-1980). e foi assim que o agente de segurança americano edward snowden se transformou num contraespião, expondo ao mundo as práticas de invasão de privacidade do governo dos euA contra cidadãos que usam serviços de empresas daquele país, como o facebook ou o google. depois de revelar a trama a glenn greenwald, um nova-iorSELECT.ART.BR
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Freud afirmou que os paranoicos são capazes de construir com surpreendente engenhosidade e sutileza os maiores absurdos
quino que mora no rio de janeiro e é colunista do jornal inglês the guardian, snowden fugiu do havaí para hong Kong e de lá para moscou, onde vagou pelo aeroporto por conta de seu passaporte americano cancelado, sem poder entrar nem sair da rússia. A rússia, por sua vez, se recusou a entregar o rapaz, apesar dos insistentes pedidos de Washington, sob o argumento de que os dois países não mantêm tratado de extradição. enquanto este artigo era escrito, snowden estava com seu destino indefinido e pedia asilo político a mais de 20 países com a ajuda da advogada sarah harrison, da equipe jurídica do Wikileaks. o jornalista e ativista australiano julian Assange, fundador do Wikileaks, por sua vez, continuava refugiado na embaixada equatoriana em londres, depois de ter vazado, entre outros, documentos sigilosos militares e diplomáticos norte-americanos. não, não estamos mais na guerra fria, embora os conflitos internacionais de ordem política, militar, econômica, tecnológica e ideológica não tenham desaparecido da face da terra. poder e hegemonia permanecem na ordem do dia. o prism confirma essa hipótese e não deixa dúvida de que, possivelmente, sempre estarão, como provavelmente estão desde que o mundo é mundo.
Trabalho da série Mise-en-Scène, em que a artista Regina Parra explora cenas corriqueiras e aparece ela mesma sob o olhar impessoal de uma câmera de segurança em circuito fechado
FOTO: CORTESIA DA ARTISTA
O nOvO estatutO da paranOia prism é o codinome do programa ultrassecreto de vigilância que a Agência de segurança nacional dos estados unidos mantém desde 2007 para obter informações sobre alvos específicos e vigiar a comunicação em tempo real, ou seja, ao vivo, enquanto acontece. o prism seria capaz de fornecer à agência e-mails, conversas em áudio e vídeo, vídeos, fotos, conversas usando tecnologia de voz sobre ip (internet protocol), arquivos transferidos, informações sobre logins e outros dados de redes sociais, além de registros de ligações telefônicas. Quando o escândalo veio à tona, as grandes empresas de tecnologia afirmaram em uníssono, sob ceticismo internacional, que respeitam as leis americanas e que não dão acesso direto a seus servidores para o governo, como foi aventado. o fato é que agora sabemos a extensão do poder tecnológico, político, econômico e policial dos sistemas que usamos cotidianamente, tantas vezes na maior inocência. A privacidade já era. sejamos todos paranoicos de novo, como fomos durante a guerra fria e durante a ditadura militar brasileira. ou vamos parar de valorizar a priva-
cidade, como os jovens e os ultrajovens parecem fazer hoje em dia, nossos jovens e doces bárbaros, agora na acepção positiva do termo que entre nós também virou sinônimo de “legal” e “bacana”. outro termo negativo que ganhou conotação positiva é justamente “maluco”. isso aconteceu bem antes de sair o novo dsm-5 (diagnostic and statistical manual of mental disorders), publicado pela Associação Americana de psiquiatria em maio último. o polêmico dsm-5 traz centenas de categorias de patologias mentais. é fácil se identificar com muitas delas, ainda mais porque não há clareza na linha demarcatória que separa o transtorno mental da normalidade. problemas leves se resolveriam espontaneamente, sem necessidade de diagnóstico ou tratamento. paranoia é um dos mais antigos conceitos na história da descrição de estados mentais. na tragédia grega, serviu para descrever o amor apaixonado de édipo por jocasta e também o estado de orestes depois que assassinou sua mãe, clitemnestra. o conceito mudou ao longo do tempo e ficou mais popular no século 19, quando passou a ser entendido como um estado mental caracterizado por mania de perseguição. o neurologista austríaco sigmund freud (18561939), mais conhecido como o pai da psicanálise, afirmou que “os paranoicos são capazes de construir com surpreendente engenhosidade e sutileza os maiores absurdos”. um diagnóstico moderno é de transtorno delirante, que se manifesta com sensações angustiantes, como estar sendo perseguido por forças incontroláveis, ou ser escolhido para uma missão importante, como salvar o mundo (neste caso, chamado de delírio de grandeza). entre características relacionadas à personalidade paranoide estão ainda a desesperança, o distanciamento emotivo, a hipersensibilidade a críticas e o pessimismo. Agora temos o dsm-5, quinta versão do documento publicado pela Associação Americana de psiquiatria desde os anos 1950 e que serve de referência para médicos, indústria farmacêutica, seguros de saúde e para o sistema judiciário americano, além de influenciar a alocação de verbas para pesquisa. o dsm-5 não lista o transtorno de personalidade paranoide como um tipo específico, mas continua a listar características que permitem descrevê-lo como um comportamento injustificadamente desconfiado, hostil ou de aversão à intimidade. o dsm-4-tr, do ano 2000, descrevia o transtorno de personalidade paranoide como um padrão
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Paranoia é um dos mais antigos conceitos na descrição de estados mentais. Na tragédia grega, serviu para descrever o amor de Édipo por Jocasta e o estado de Orestes depois de assassinar sua mãe cujo diagnóstico poderia ser feito em pacientes que apresentassem ao menos quatro dos seguintes comportamentos: 1) suspeita, sem base real, de estar sendo explorado, maltratado ou enganado por terceiros. 2) preocupação infundada com a lealdade ou confiabilidade de amigos. 3) relutância em confiar em outras pessoas por medo de que informações possam ser usadas contra si. 4) interpretar significados ocultos humilhantes ou ameaçadores em observações ou acontecimentos benignos. 5) guardar rancor persistente, apresentando dificuldade de perdoar insultos, injúrias ou deslizes. 6) interpretar elogios de forma negativa. 7) perceber ataques ao caráter ou reputação que não são notados pelos outros, reagindo rapidamente com raiva ou com contra-ataque. 8) ter suspeitas recorrentes, injustificadas, quanto à fidelidade do cônjuge ou parceiro sexual. entre as inúmeras críticas que o dsm-5 vem sofrendo está o fato de que ele define os transtornos mentais com base em sintomas, em vez de fundamentá-los em causas biológicas. cientistas buscam razões para os transtornos mentais há décadas. o fundamento biológico seria o santo graal da psiquiatria.
Procuro-me (2000-03), de Lenora de Barros, à esquerda, impõe ao observador uma dúvida: “Essa cara de assustada é porque ela se achou ou porque não conseguiu se achar?”, interroga a escritora Noemi Jaffe. E ela mesma responde: “Se no meio de um mundo de tanto disfarces não nos achamos, talvez a solução não seja desnudar-se, mas disfarçar-se ainda mais, até enfeiar-se, ‘desmedar-se’
O elOgiO à paranOia “A ideia de que se possa mapear a mente é reconfortante, pois com um mapa sabemos onde estamos e para onde ir”, disse numa recente visita ao Brasil o neurocientista português António damásio, professor na universidade do sul da califórnia que atualmente estuda a diferença entre as estruturas do cérebro humano ligadas aos sentimentos e aquelas relacionadas às emoções. damásio prepara um livro sobre aquilo que acontece no cérebro e permite criar cultura e civilização, artes, justiça e moralidade. o neurocientista se pergunta o que há nas artes que contribui para o nosso bem-estar. vale lembrar, porém, que nem toda arte pretende produzir bem-estar. Às vezes ocorre justamente o contrário. e a graça pode ser essa. o elogio à paranoia apareceu explícito no come-
ço dos anos 1930, quando o pintor surrealista catalão salvador dalí (1904-1989) decretou que a paranoia era uma atividade criativa. por causa dessa ideia, em 1931, o psicanalista e psiquiatra francês jacques lacan (1901-1981) o procurou para uma entrevista. o entusiasmo foi mútuo. lacan escrevia sua tese de medicina “da psicose paranoica em suas relações com a personalidade”, concluída em 1932. dalí desenvolveu o que veio a chamar de método paranoico-crítico, uma técnica de criação artística baseada na habilidade do cérebro de perceber ligações entre coisas cuja racionalidade não está propriamente vinculada. em outras palavras, seria um “método espontâneo de conhecimento irracional baseado na objetividade crítica e sistemática das associações e interpretações de fenômenos delirantes”. o resultado da aplicação: imagens ambíguas que permitem múltiplas interpretações. psiCOse de Massa o poeta francês André Breton (1896-1966), conhecido como o pai do surrealismo, aplaudiu a técnica de salvador dalí e afirmou que ela constituía um “método de primeira importância, perfeitamente aplicável à pintura, à poesia, ao cinema, à elaboração de objetos surrealistas, à moda, à escultura, à história da arte e, inclusive, a qualquer tipo de exegese”. um fenômeno mais recente foi descrito na Wikipedia como paranoia cibersocial. imagine uma ameaça sem base na realidade que seja difundida por redes sociais, existindo unicamente nesses meios de comunicação. o fenômeno afetaria a realidade de um grupo, comunidade ou sociedade, causando temor ou algum estado maior de pânico nas pessoas que recebem, difundem e tratam de prevenir os fenômenos anunciados que poderiam afetá-las. seja um novo vírus de computador, seja o que for. A consequência seria um ato de paranoia massivo, sem fundamento real, que poderia evoluir para uma psicose de massa. seria essa a contemporaneidade?
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Teu corpo é um campo de baTalha Giselle BeiGuelman SELECT.ART.BR
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Último reduto da propriedade inalienável do homem, o corpo é agora alvo de disputas biotecnológicas que levam a escala da computação para o nível molecular do indivíduo
Em Stranger Visions (2012), à direita e na página anterior, a artista Heather Dewey-Hagborg faz esculturas baseadas em perfis genéticos rastreados em material coletado nas ruas, como bitucas de cigarro, e chama a atenção para o potencial de uma cultura pautada pela vigilância biotecnológica
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EsquEça a época Em quE você tinha mEdo dE tEr sEu cpF, sEu cartão dE crédito, sEus dados pEssoais rastrEados, haquEados ou clonados, simplEsmEntE por tê-los compartilhado dE alguma Forma pEla intErnEt. anotE aí: você ainda vai tEr saudadE do tEmpo Em quE invasão dE privacidadE signiFicava manipular inFormaçõEs rElacionadas a você. Elas agora vêm de você, do seu corpo, e são codificadas computacionalmente para ser combinadas a outras que permitem maior precisão de controle e vigilância. a leitura de íris, por exemplo, mapeia anéis e pontos no globo ocular. a representação matemática dessa leitura é arquivada em um banco de dados e permite a identificação do indivíduo em segundos e cruzar as informações com outras. como se sabe, os olhos não mentem. contudo, o que nem sempre se sabe é que esse tipo de análise biométrica é frequentemente associada a uma série de aplicações comerciais e procedimentos que vão muito além da segurança e da saúde pública. sistemas ópticos de escaneamento podem revelar, instantaneamente, o consumo de drogas, álcool, gravidez e doenças como o diabetes em um clique, dispensando procedimentos considerados invasivos. mas podem estar, e cada vez mais estão, associados a aplicações comerFOTO: CORTESiA dA ARTiSTA
ciais, como o monitoramento de funcionários no trabalho e transações bancárias. patenteados e monopolizados por empresas, os algoritmos relacionados a esse tipo de tecnologia convertem-se em um imbróglio entre poder público, poder corporativo e soberania do indivíduo sobre seu corpo. a obra da artista norte-americana, Barbara Kruger, de quem emprestamos o título destas páginas, ganha uma súbita atualidade. Esquartejado em inumeráveis algoritmos proprietários, o corpo, último reduto da propriedade inalienável do homem, é agora o grande filão em disputa de um novo território biopolítico. termo caro ao pensamento do filósofo francês michel Foucault (1926-1984), a biopolítica é um sistema de poder relacionado à emergência da economia capitalista. no contexto do aumento de produção sempre crescente em meados do século 19, aparece a necessidade de controle e monitoramento da população, por meio de dados estatísticos de nascimento, morte, migração e estratégias de normatização de práticas sexuais e de trabalho, como sexo para fins reprodutivos, produção em linha e turnos, entre outros. Essas tecnologias sofisticaram-se muito desde as últimas décadas do século 20. “os parâmetros, hoje, não só permitem identificar esse indivíduo e compor uma base de dados, como também possibilitam verificar essa identidade e tra-
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çar um perfil histórico das ações do mesmo. Em vez de termos um arquivo físico com medidas cranianas e retratos falados em papel, agora lidamos com uma base de dados digital que compara em tempo real informações colhidas por webcâmeras instaladas no espaço urbano com as informações fisiológicas também armazenadas em um banco de dados”, diz a pesquisadora brasileira Fernanda duarte, doutoranda da universidade da carolina do norte, nos Eua, e dedicada ao estudo das biotecnologias contemporâneas. a pesquisadora alerta, ainda, que é preciso levar em conta dois aspectos fundamentais do desenvolvimento biotecnológico, no que diz respeito ao monitoramento. por um lado, é importante lembrar que, além da biometria propriamente dita, outros métodos de monitoramento do corpo, como microchips, rFids (etiquetas de radiofrequência) implantáveis, nanorrobôs e proteínas biossintéticas que coletam dados sobre a fisiologia molecular, são campos de investigação cada vez mais promissores. por outro, que diversas formas de computação e câmeras vestíveis, como o google glass, indicam que estamos nos candidatando a formas de vigilância consensuais e laterais, que implicam compartilhamento de dados associados a gestos e históricos pessoais, sobre os quais não temos controle ou consciência alguma. MonitoraMento por biossensores ainda que em grande parte em estágio experimental, ou restritos ao uso militar e em centros avançados de pesquisa medicinal, vários dispositivos biotecnológicos estão disponíveis para o público e conectados em rede. prova disso é a popularidade de aplicativos para iphone e afins relacionados à saúde. um deles, chamado miKat, por exemplo, permite, com o uso de um biossensor, que o paciente monitore o nível de ansiedade para evitar que ele evolua para uma crise de pânico. com o uso de sensores na pele e de controle do batimento cardíaco, o aplicativo reporta ao paciente informações sobre seu estado emocional e disponibiliza exercícios e técnicas clínicas criadas com base em terapia cognitiva comportamental. caso o monitoramento fisiológico indique a ocorrência de uma crise de pânico, os dados são automaticamente enviados para o médico responsável, que então pode tomar as ações necessárias para o cuidado do paciente. “a inserção da computação no corpo humano não só fornece informações mais precisas sobre SELECT.ART.BR
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Acima e à direita, bustos de pessoas mapeadas a partir de análises genéticas feitas pela artista Heather Dewey-Hagborg a partir da análise de vestígios encontrados em lugares públicos. O código genético é interpretado por um programa criado pela artista, que estabelece e identifica os traços pessoais e estabelece os parâmetros para a impressão tridimensional dos rostos
Câmeras vestíveis, como o Google Glass, indicam que estamos nos candidatando a formas de vigilância consensuais e laterais, que implicam compartilhamento de dados associados a gestos e históricos pessoais FOTO:CORTESiA dA ARTiSTA
a performance do corpo, mas também sobre a localização daquele corpo no espaço físico. você pode optar por não compartilhar a sua localização quando acessa um website ou pode desligar o celular se não quiser ser incomodado, mas não pode desligar o seu corpo. caso a computação pervasiva chegue em um nível de intimidade com o corpo humano, no qual haja uma contaminação e corpos sejam ‘naturalmente’ haqueados, o compartilhamento de dados fisiológicos será inevitável”, comenta duarte. Esse prognóstico, no momento em que o mundo toma conhecimento do prism, o sistema de vigilância eletrônica norte-americano, e de como ele é retroalimentado pelos dados armazenados em serviços populares como o google e o Facebook, faz pensar que informações tão íntimas e particulares também podem um dia “vazar” de instâncias corporativas a governamentais, e vice-versa. E isso deve ser suficiente para preocupar o mais analisado dos seres sobre a face da terra. para tranquilizar ou descabelar de vez, é importante deixar claro que esses sistemas biotecnológicos são sofisticados, mas não perfeitos. Especialmente porque podem falhar ao lidar com a alteridade social. a artista e pesquisadora colombiana radicada nos Eua micha cardenas, que é transgênero, comentou em uma conferência recente no canadá que o sistema de escaneamento tridimensional dos corpos nos aeroportos norte-americanos deixava pessoas como ela em uma situação de total vulnerabilidade. o sistema, que inclui o agente de segurança responsável pelo controle das imagens, simplesmente trava. não reconhece aquele corpo fora do padrão e direciona a pessoa automaticamente para uma revista pessoal. é no mínimo paradoxal, como, aponta duarte, pensar que esse corpo, que é inserido em rede por um dispositivo biotecnológico, seja pervasivo em um limite tão extremo que, ao fazer essa conexão e identificar a aparência do corpo biológico, não seja capaz de revelar sua condição ubíqua, irredutível a modelos absolutos do que seja masculino ou feminino. definitivamente, para além de todas as conquistas que ainda estão por vir, na área da saúde e em outros campos, a era da vigilância biotecnológica coloca em pauta a gestação de novas políticas de controle e mobilidade. Elas embaralham, sob parâmetros inéditos, os limites entre público e privado, corporativo e governamental, máquinas e homens. E essa era está apenas começando.
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E n t r E v i s ta | T h i a g o h o n ó r i o
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A mesA está postA Sensações de patrulha, vigilância, atração e repulsa foram constantes durante o processo de criação da instalação Documents, de Thiago Honório, que reúne diversos tipos de objetos perfurantes, adquiridos em mercados de pulga brechós
Paula alzugaray
AdAgAs, fAcões, serrotes, punhAis, enxAdAs, serrAs, cutelos, foices, lAnçAs, fAcAs, espAdAs, cuchilAs, Abridores de cArtAs. disposto sobre umA mesA de seis metros de comprimento, esse conjunto diversificAdo de instrumentos perfurAntes e cortAntes dos séculos 18 Ao 21 compõe A instAlAção documents, recentemente doAdA Ao museu de Arte contemporâneA dA universidAde de são pAulo (mAc-usp), e expostA Até outubro nAs mostrA o AgorA, o Antes, umA síntese do Acervo do mAc. realizado durante o programa de residência Artística da faap com a cité internationale des Arts, em paris, em 2012, o trabalho é fruto de seis meses de deambulações em mercados de pulgas, vendas de garagem, feiras de quinquilharias e de antiguidades. os rastros dos percursos do artista por bulevares, vielas, ruas, alamedas, praças, pontes e vilas de paris, ficaram impressos em um folheto-mostruário, distribuído ao público, que apresenta uma espécie de diagrama de ilustrações esquemáticas dos objetos. outros rastros, insuspeitos, estão descritos nesta conversa que começou na redação da seLecT e continuou por e-mail. ela revela os meandros de um trabalho que dialoga com o cinema de Alfred hitchcock, com questões como segurança e suscetibilidade e que afasta qualquer promessa de conforto e bem-estar. SELECT.ART.BR
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Thiago Hon贸rio trabalha com os sentidos da montagem desde a exposi莽茫o Corte, na galeria Laura Marsiaj, em 2011 FOTO: ThiAGO hOn贸RiO
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Como foi o recolhimento dessas peças pela cidade? logo que comecei a frequentar feiras e vendas de garagem, o “sensor” estava ligado, uma vez que havia intencionalidade na busca desses objetos e interesse específico por cortantes ou perfurantes de diferentes procedências e formatos. não foram encontros fortuitos com objets trouvés. comecei, então, a negociá-los com os vendedores e a adquiri-los. depois de um tempo dessas idas constantes às brocantes, aos marchés aux puces e às vide-greniers, notei que alguns vendedores compravam determinados objetos nas vide-greniers (onde, por serem menos estruturadas e realizadas com menos recursos, os objetos eram mais baratos) e os revendiam mais caros nas brocantes. nas vendas de garagem era preciso garimpar. no caso das feiras de quinquilharias, um ou outro vendedor já me reconhecia. por vezes, diziam: “le garçon que veut les couteaux”, algo como “o rapaz das facas”, me mostrando os objetos dos quais dispunham, se tinham algo novo. Que aspectos te chamaram a atenção para escolhê-las? o desenho. olhava para a silhueta dos objetos e esse contorno era decisivo na escolha. outro aspecto que interessava era a diversidade de tempos e procedências dos objetos. o trabalho documents, assim como prêt-à-porter (apresentado em março de 2013 na mostra estranhamente familiar, no instituto tomie ohtake), não aspiram a uma apologia ao vintage, ao antigo. há, sim, no caso de ambos, o interesse por uma reunião de temporalidades distintas e algo de uma “imaginação musealizada” – considerando o museu como locus privilegiado que também reúne temporalidades distintas e por vezes inconciliáveis. SELECT.ART.BR
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Assim, tanto interessava um serrote mais ordinário com cabo de plástico, de 2011, como um punhal gasto do século 18. Como foi o deslocamento com esses instrumentos? Algo tenso. transitei diversas vezes com esses objetos cortantes e perfurantes pelo metrô de paris, além de trazê-los no avião, ter passado por catracas, portais com detectores de metais, pela alfândega, momentos que geravam certa tensão nos quais acabava passando por “terrorista”, “psicopata”, “serial killer”, pelo porte de armas... Quase 100 quilos de objetos cortantes vieram para são paulo distribuídos em duas malas e meia. munidos das cartas da cité des Arts, de fotografias dos objetos no estúdio, dos impressos e fotos também relacionados ao open studio, trouxe comigo duas malas e meu companheiro, metade de uma mala com les instruments qui coupent. imaginava que, se integridade física das malas fosse violada, elas chegariam sem os cortantes. viemos em voos separados e em dias distintos. por ironia do destino, acabei não sendo barrado na alfândega, mas o meu companheiro foi. entretanto, ele também tinha consigo fotos, carta oficial da cité, que comprovavam que aquele material dizia respeito a uma pesquisa artística, por assim dizer. no momento em que foi barrado, foi-lhe exigida a nota fiscal dos “produtos” gastos, sujos, velhos e esfoliados. meu companheiro explicou aos fiscais que esses “produtos” que ocupavam a metade daquela mala haviam sido adquiridos em feiras de quinquilharias, que seus vendedores não emitiam nota fiscal e que esse tipo de comércio era autorizado pela prefeitura da cidade. Acabou passando. mais uma entre tantas situações delicadas,
Facas e objetos perfurantes que compõem a instalação Documents, de Thiago Honório são expostos com um folheto que permite ao visitante identificar sua procedência e data de fabricação
“Olhava para a silhueta dos objetos e esse contorno era decisivo na escolha. Outro aspecto que me interessava era a diversidade de tempos e procedências dos objetos”
ocorreu quando adquiri um facão numa precária vide-grenier na periferia de paris. o vendedor me arrumou uma sacola plástica frágil em que o facão cabia apenas parcialmente. tentei conseguir outro saco na vide-grenier, sem sucesso. voltei de metrô para casa e, num vagão lotado, a sacola se rasgou e o facão caiu no chão totalmente descoberto, fazendo um tremendo barulho. muitos me olharam, mas tive a sensação de que absolutamente todos que estavam naquele vagão me olharam. para além da condição de estrangeiro, não dava para desconsiderar os ataques terroristas ocorridos recentemente nos metrôs de algumas cidades do continente europeu. evidentemente, naquele momento, o facão completamente sujo e desprotegido que caiu no chão pode ter suscitado a paranoia – e, é claro, o desejo – do (e no) outro, em qualquer uma de suas instâncias, da mais profunda à mais banalizada, provocando sensações diversas nas pessoas que estavam naquele vagão lotado do metrô de paris. não dá para desconsiderar, igualmente, que há muitos policiais circulando pelas estações e vagões dos metrôs, validando e fiscalizando os bilhetes desse meio de transporte. fazia frio naquele dia, mas, como ato reflexo, imediatamente tirei a minha blusa, recolhi o facão do chão e o envolvi nela. havia gostado muito do desenho do objeto, gastado todo o meu dinheiro do dia nele, e não gostaria que me fosse retirado pelos policiais ou fiscais por aquele episódio, que o trabalho ficasse sem esse objeto desejante. como já não estava tão longe da cité, saí do vagão e, com o objeto embrulhado na blusa, debaixo do braço, voltei para casa a pé. E como foi a convivência com esses objetos dentro do seu espaço? havia uma desproporção entre a quantidade de objetos cortantes, o modo como eles foram dispostos e as dimensões do estúdio. À medida que esses objets qui coupent saíam de casas ou demais espaços privados, ganhavam a dimensão pública da rua e voltavam para a esfera íntima da minha “casa-espaço de trabalho”, eles eram dispostos sobre três bancadas com cavaletes que formavam uma mesa. essas bancadas foram colocadas lado a lado e ocupavam quase a metade da sala conjugada com o quarto, que tinha, aproximadamente, 50 metros quadrados. logo, a “mesa” estava posta. Algo como uma mesa sacrificial ou de dissecação, de grandes dimensões, se comparada às dimensões do estúdio. olhava diariamente para os cortantes e, a partir do convívio intenso com
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“Trata-se de instrumentos relacionados ao trabalho que, agora, destituídos de suas funções primeiras, jazem sobre uma ‘mesa de dissecação’” 60
esses objetos, o desenho relacionado, ele mesmo, à disposição quase diagramática deles sobre a “mesa” ia sendo construído. curioso que o fato de correr riscos com a presença daquela quantidade de armas sobre a bancada foi pontuado por algumas pessoas que me visitaram no estúdio. Àquela altura não foi algo que eu havia cogitado e nem sequer pensado. lembro-me de que a pesquisadora bia dias, impactada com as armas, me colocou a questão: “como você é corajoso?!” lembro de ter respondido imediatamente com duas perguntas curtas que já traziam consigo as respostas: “‘corajoso?’ o que é isso? não sei. sou artista”. falando de arte, não poderia ter sido diferente. o desejo de fazer o trabalho era o que me movia. Que memórias ou histórias eles suscitaram em você? relacionadas ao trabalho e às suas funções. o que será que aquele cortante cindiu ou perfurou? As memórias ou histórias dilatadas de cada um daqueles objetos sempre me conduziam à dimensão da ação e ao universo do trabalho, parcialmente ausentes. ora, trata-se de instrumentos relacionados ao trabalho que, agora, destituídos de suas funções primeiras, jazem sobre uma “mesa de dissecação”. eles me levaram a refletir também sobre os sedimentos e camadas de trabalho que cada um deles contém, do mais novo ao mais gasto dos objetos. Que efeitos produziram nos visitantes? não acredito que tenham produzido “efeitos” nos visitantes, mas sim, talvez, ações e reações das mais diversas, físicas inclusive. pude constatar essas reações diversas no open studio – 14 solo shows en une seule nuit, do qual participei na cité des Arts. A desproporção à qual me referi se evidenciou ainda mais nesse momento. imagine a sua “casa-espaço de trabalho” aberta ao desconhecido, das 18 às 22 horas. Quando menos se esperava, surgia um bloco de visitantes no estúdio, que àquela altura não era mais um SELECT.ART.BR
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espaço da intimidade, mas um domínio da publicização. percebi movimentos ambivalentes de atração e repulsa, aproximação e distância. muitos visitantes que entravam no pequeno estúdio 1422, quando se deparavam com aquela “mesa posta”, com mais de 6 metros e 40 armas “disponíveis” colocadas sobre ela, davam meia-volta, mal se aproximando do trabalho ou mesmo de mim. não chegavam nem sequer a falar comigo. percebi nitidamente o incômodo suscitado pelo trabalho naquela condição espacial. havia no arranjo algo de oferenda, “prova” de um “crime” alhures, ou, nos termos já citados, de mesa sacrificial ou de dissecação. era como se, a partir desse jogo de atração e repulsa, uma espécie de suspensão e, mesmo, claustrofobia fosse suscitada. mas eu já havia notado esse “jogo” presente em trabalhos que realizei anteriormente, como em imagem (quando da realização de corte, na galeria virgilio, em 2010, e no rumos Artes visuais 2012/2013). neste caso, a performática cabeça de imagem de roca do século 18, por assim dizer, “à espera” de um espectador, não deixava de despertar certo suspense, pois parecia atenta, olhando para quem quer que estivesse diante dela. em relação ao suspense e ao olhar por parte do objeto, slavoj Žižek discorre sobre o modus faciendi hitchcockiano. o autor indaga sobre como hitchcock filma uma cena em que o sujeito se aproxima de um objeto misterioso e ‘sinistro’, como uma casa, por exemplo. ele o faz alternando a visão subjetiva do objeto que se aproxima – a casa – com uma tomada objetiva do sujeito em movimento. entre inúmeros casos, Žižek ressalta dois: lilah (vera miles) se aproximando da casa da ‘mãe’, no final de psicose, e melanie (tippi hedrun), também se aproximando de uma casa onde mora a mãe de mitch, depois de ter atravessado a baía na famosa cena de os pássaros. slavoj Žižek interroga o motivo da ansiedade provocada por esse “método formal”. Questiona por que o objeto que se aproxima torna-se sinistro. para ele, neste caso, trata-se de uma dialética da visão e do olhar. ele afirma: “o sujeito vê a casa, mas o
que provoca ansiedade é o sentimento indefinido de que a própria casa, de algum modo, já está olhando para ele, observando-o a partir de um ponto que escapa totalmente à sua visão e que, assim, a torna inteiramente impotente”. Que limitações foram impostas pelas instituições onde o trabalho Documents foi exposto? documents deve ser apresentado sem a marcação de faixas sinalizadoras de delimitação e segurança, para que o jogo ambivalente entre atração e repulsa possa ser estabelecido com o espectador, ou mesmo para que possa ocorrer certa tensão, contida no desejo de tocar os objetos – ação crucial na era do touch screen, do ecrã tátil. marcações impediriam de antemão esse tipo de relação proposta pelo trabalho. mas documents não propõe a interação ou a manipulação. os objetos estão discretamente tensionados e atados ao tampo da mesa por cabos de aço quase imperceptíveis, dispostos numa sequência específica. não foram organizados, nem tampouco ordenados, por uma sucessão cronológica, gradual (do menor ao maior objeto, ou vice-versa), menos ainda por “famílias”. desejei que o desenho dessa sequência, por assim dizer, fosse mais próximo do jazz. Quando recebi o convite de marcos moraes (coordenador do programa de residência Artística da faap com a cité des Arts) para participar da 44a Anual de Arte (no museu de Arte brasileira – mAb/faap), pontuei que o trabalho teria de
Detalhe da instalação Documents, de Thiago Honório, recentemente adquirida pelo MAC-USP
FOTOS: EdOuARd FRAipOnT
apresentar-se completamente desprotegido de faixas de sinalização, redomas, cúpulas ou vitrines. na ocasião da exibição, o museu posicionou um segurança próximo do trabalho, o que foi necessário tanto para a proteção do público quanto do próprio trabalho, uma vez que, perdidos ou roubados, aqueles objetos jamais poderiam ser repostos. o mAb/faap colocou, também, uma câmera de segurança voltada para o trabalho. Quando tadeu chiarelli decidiu que documents integraria o acervo do mAc/usp, tendo sido comprado e doado ao museu por roberta matarazzo, essas condições lhe foram apresentadas. E o que você me diria sobre a dimensão performática desse trabalho? há tempos queria fazer um trabalho que questionasse as camadas da ideia de “trabalho” e a expressão “trabalho de arte”. em meio às minhas caminhadas por paris, documents foi se formando sem se anunciar previamente como um “trabalho de arte”. Além do trânsito entre as esferas íntima e pública– em toda a sua dimensão processual, performática, transitando por alfândegas e detectores de metais –, talvez o que também esteja em jogo em documents é uma espécie de testemunho da ausência. sempre pensei em documents partindo da ideia de documento como atestado de um nome sem origem, que se apresenta como prova de um “crime” – e, por que não, registro de uma ação, performática – alhures.
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Definidas por Carmela Gross como “máquinas de guerra”, escadas são associadas a invasões, ataques-surpresa. Mas as escadas que pontuam suas obras são também “máquinas de pensar” que lidam com as condições históricas e materiais dos lugares em que são instaladas Lu i sa Dua rt e
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CARMELA GROSS SAテ好AS DE EMERGテェnciA FOTO: SERGiO ARAujO/ CORTESiA CASA FRAnテァA BRASiL
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FOTO: jO達O niTSChE/ CORTESiA GALERiA vERmELhO SELECT.ART.BR AGO/SET 2013
As escAdAs são utensílios do cotidiAno usAdos pArA tArefAs simples, como trocAr umA lâmpAdA ou pegAr um livro numA prAteleirA no Alto de umA estAnte. cumprindo um papel coadjuvante, escadas possuem uma função objetiva na vida diária: pegar aquilo que está distante, o que não se encontra ao alcance das nossas mãos. A arte, por sua vez, também possui essa “capacidade”, porém, de maneira subliminar. espécie de possível “caminho vertical” (ou seja, profundo) que nos leva para outro lugar, mas que, no entanto, não nos capacita a “fazer algo com ela”. A arte não é útil. A sua subversão da utilidade, entretanto, nos faz olhar o mundo de forma diversa e, nesse mesmo lance, sim, pode ser considerada transformadora. Hannah Arendt, grande pensadora da política do século 20, nos deixou esta passagem aguda: “os únicos objetos que parecem destituídos de fim são os objetos estéticos, por um lado, e os homens, por outro. deles não podemos perguntar com que finalidade? para que servem? pois não servem para nada. mas a ausência de fim da arte, tem o ‘fim’ de fazer com que os homens se sintam em casa no mundo”. no caso das escadas de carmela gross salta aos olhos a simultaneidade entre a potência “formal” – inútil – e o desejo de diálogo com o mundo ao redor. no corpo de sua obra, a escada – ente completamente ordinário – nos interroga, pedindo que devotemos a ela uma atenção antes impensável. É o que ocorre na mostra escadas, que esteve em cartaz na casa frança Brasil, no rio de Janeiro, até 28 de julho, tomando de assalto a nave central do edifício teatral construído à época da missão francesa no Brasil, em 1820. A mesma instalação foi montada no sesc-Belenzinho, em são paulo, em 2012. sobre esse “utensílio”, a artista diz: “fáceis de carregar e armar, escadas são máquinas simples. (de)compõem o esforço do corpo para atingir alturas desejadas pelo olhar. no ritmo dos degraus, cada passo vira alavanca para mover o corpo inteiro, coordenando no plano inclinado a força combinada de braços e pernas. Hoje fazemos tudo isso quase sem perceber, pois as
À esquerda, a instalação Escadas, montada com lâmpadas fluorescentes no atrio do Sesc-Belenzinho, em São Paulo, em 2012. Na página anterior, a mesma instalação ganha novos significados na Casa França Brasil, no Rio, em 2013
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A escada apareceu pela primeira vez na obra da artista em uma intervenção urbana realizada em 1968, na periferia de São Paulo escadas já viraram utensílios banais. porém, na memória esquecida de sua quietude e discrição, no avesso, são mais que isso. nasceram como armas de guerra. foram da primeira geração de máquinas a levar a luta para além do solo, como as pedras e as flechas”. o comentário da artista contém muito do sentido de sua poética. carmela gross descreve, de forma breve, aquilo que não lembramos sobre as escadas. É da natureza da obra da artista desdobrar um elemento em diversos trabalhos, de tal forma que o mesmo reaparece constantemente, dando vigor e múltiplas significações para um mesmo dispositivo. A escada apareceu pela primeira vez na obra da artista em uma intervenção urbana realizada em 1968, na periferia de são paulo. nessa obra, ela desenha degraus sobre um barranco FOTO: CARmELA GROSS/ CORTESiA GALERiA vERmELhO
de terra batida. trata-se de fazer do barranco – lugar a princípio destinado ao esquecimento – um espaço digno de sentido. o barranco em si é feito por máquinas de terraplenagem que “desenham”, inadvertidamente, uma “escada”. Assim, realizar, de fato, uma escada sobre uma escada acidental trata-se de uma espécie de tautologia. A escada já estava ali. A artista parece somente sublinhar o que não temos olhos para ver em meio à terra abandonada e batida. esse uso de um contexto já dado mostra-se também na obra cascata, realizada especialmente para a 5ª Bienal do mercosul, em 2005. neste caso, a artista se apropria de um lugar da cidade já usado pelos moradores de porto Alegre para contemplar o pôr do sol à margem do rio guaíba. onde já havia uma inclinação que ligava
À esquerda, Escada (1968), desenho em esmalte sobre terra realizado em paisagem da periferia de São Paulo; acima, Cascata (2005), praça em concreto e ferro construída na orla do Rio Guaíba, em Porto Alegre, durante a 5 a Bienal do Mercosul
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Fáceis de armar, escadas são máquinas simples que (de)compõem o esforço do corpo para alcançar alturas atingidas pelo olhar a parte inferior (o rio) com a superior (a rua) –, tal como uma escada que liga dois pontos – com diversos patamares desencontrados, nos quais as pessoas se sentavam, a artista construiu uma escada de concreto que obedece ao desenho aleatório do terreno. dessa forma, a obra de arte surge ali quase camuflada, espécie de amálgama do espaço, camaleão que aparece e se esconde. É fruto mais da percepção da artista e de sua vontade de se ligar ao uso do lugar já feito pelas pessoas do que de uma intenção de surgir como um estandarte em um local público. trata-se da discrição na escala pública. ou seja, o trabalho “serve” ao público ao ter a inteligência formal e ética de se lançar no espaço da cidade pela via de um encontro, e não de uma invasão. escadas de emergência, por sua vez, traz à tona outras características recorrentes na obra da artista, quais sejam, o uso das lâmpadas fluorescentes, de suas cores e, talvez o mais imSELECT.ART.BR
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portante, a relação entre aquilo que se vê, é perceptível, mas não se pode pegar ou usar. se as escadas são entes utilitários por excelência, nesse trabalho de carmela gross elas atingem o auge de sua inutilidade e nos proporcionam um jogo que parece uma espécie de estereoscopia. A estereoscopia desafia o sentido do real ao criar uma falsa tridimensionalidade. ela se dá somente para os olhos. não se pode andar sobre aquelas escadas verdes e vermelhas. As cores criam no espaço uma dimensão pictórica que inunda o ar, criando mais uma camada espessa que quase podemos tocar, mas que, no entanto, se dá somente para o olhar. As escadas de carmela gross são, a um só tempo, completamente ordinárias e metafísicas, nos lembram que aquilo que vemos é bem mais do que podemos pegar ou tocar. máquinas de guerra, máquinas de pensar que nos transmutam para outro lugar.
Acima, Escadas de Emergência (2012), esculturas com lâmpadas fluorescentes; à direita, Língua (2005), intervenção urbana na cidade de Istambul, como parte da mostra Karaköy Pedestrian Exhibition
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FOTOS: SERGiO ARAujO E divuLGAçãO/ CORTESiA CASA FRAnçA BRASiL E GALERiA vERmELhO
Dar visibilidade aos sistemas de controle é a estratégia de artistas como Omer Fast, Renata Lucas, James Bridle, Josh Begley, Paolo Cirio, Manu Luksch e o coletivo !mediengruppen bitnik
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CURADORIA
Estéticas da vigilância G i s e l l e B e i G u e l m a n e Pau l a a l z u Ga ray SELECT.ART.BR
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James Bridle REvElaR os sistEmas dE EspionagEm
Under the Shadow of the Drone (2013), de James Bridle, é uma intervenção urbana que dá visibilidade aos pequenos veículos aéreos não tripulados que se tornaram importantes armas de guerra e um dos itens mais vendidos no Natal de 2012 nos EUA
Tema Teu vizinho como a Ti mesmo é a lei máxima de uma sociedade em que o esvaziamenTo da políTica culmina na adminisTração coTidiana do medo, diz o filósofo slavoj ŽiŽek. olhos robóticos, spywares (programas de espionagem), câmeras de todos os portes e perfis entranham-se na vida social e tornam-se parte da paisagem urbana do século 21. artistas tomam esse arsenal de assalto em obras que expressam visões críticas e irônicas à cultura da prevenção e do receio do próximo. desde que o artista norte-americano Bruce nauman convidou o espectador de sua instalação Going around the corner piece (1970) ao exercício de autoperseguição da própria imagem captada por câmeras de vigilância, muita coisa mudou. a partir de nauman, o uso de câmeras de circuito fechado foi adotado por várias gerações de artistas interessados em investigar as tecnologias da vigilância. hoje, essa estética inclui drones e redes de comunicação em sistemas cada vez mais dissimulados e secretos. dar visibilidade aos sistemas de vigilância é a meta de artistas como omer fast, renata lucas, james Bridle, josh Begley, paolo cirio, manu luksch e o coletivo !mediengruppen bitnik. FOTOS: CORTESiA dO ARTiSTA
capa da seLecT 10 (dezembro/janeiro de 2013), james Bridle mostrará em são paulo o projeto under the shadow of the drone. a obra integra a mostra ficções radicais (iv mostra 3m de arte digital), com curadoria de Gisela domschke, no instituto Tomie ohtake, em outubro. comissionada originalmente pelo Brighton festival, em maio de 2013, trata-se de uma intervenção urbana que dá visibilidade a drones amplamente utilizados para investigações e ataques pelos exércitos americano e inglês. na definição do projeto, Bridle lembra que os drones são “as mais potentes e controversas armas de guerra”. controlados remotamente por operadores, ou diretamente por computadores, a milhares de quilômetros de distância e frequentemente usados em missões de inteligência e bombardeio em zonas como afeganistão, iraque, paquistão e iêmen, os drones devem ultrapassar a marca de mais de 10 mil usuários domésticos nos eua até 2020. o projeto pretende fazer evidente a presença dessas ferramentas invisíveis de guerra na vida contemporânea. o mesmo dispositivo é abordado na série dronestragram, em que Bridle publica no instagram, no Tumblr e no Twitter imagens de satélite do Google maps, captadas dos mesmos pontos onde a presença de drones foi documentada pelo Bureau of investigative journalism. Trata-se aqui de um arquivo público da vigilância de guerra contemporânea. “ambos os trabalhos se referem às influências das tecnologias de rede, em escala civil e militar. estou interessado particularmente na legibilidade desses sistemas: o quanto podemos vê-los, lê-los e compreendê-los de forma crítica ou consensual. parte desses trabalhos é dirigir as técnicas de vigilância sobre quem vigia”, diz Bridle a seLecT. http://instagram.com/dronestagram http://booktwo.org/notebook/dronestagram-drones-eye-view/
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JOsh Begley dEz anos Em dEz minutos a estratégia de dar visibilidade a instrumentos de guerra e mostrar sua presença na vida cotidiana foi usada também por josh Begley, web artista e estudante da new York university. em dezembro de 2012, ele tuitou, ao longo de dez minutos, uma sequência de dez anos de ataques de drones realizados pelo exército americano. o projeto registrou no Twitter todos os ataques reportados de 2002 a 2013. o mesmo artista produziu também o drone app, para iphone, que envia ao usuário uma notificação toda vez que ocorrer um ataque americano via drones. contudo, depois de três tentativas, o dispositivo não foi aprovado pela apple store.
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http://vimeo.com/joshbegley/drones
Omer Fast a vERdadE sobRE os dRonEs nascido em jerusalém, omer fast é um dos principais videoartistas da atualidade. residente em Berlim, ele é autor de trabalhos antológicos, como cnn concatenated (2002), um vídeo editado a partir de um banco de dados de 10 mil palavras e clipes dos âncoras da importante rede de notícias dos eua. fast acumula prêmios e participações em eventos do calibre da Bienal de veneza, documenta de kassel e Bienal do Whitney, onde já é considerado um veterano, dadas as várias edições em que se apresentou. no curta-metragem 5000 feet is the Best (2011), ele constrói uma narrativa ficcional a partir de uma entrevista com um operador de drones (veículos aéreos não tripulados, pilotados a distância), realizada em um hotel de las vegas. fora de quadro, o entrevistado fala sobre os incidentes em que o dispositivo disparou acidentalmente contra civis. em uma das cenas mais famosas, uma família americana típica, saindo de férias, encontra um grupo de pessoas que está implantando na estrada um explosivo doméstico (os famosos e perfuradores ieds – improvised explosive devices). a família entra na mira do drone e todos morrem. o narrador, em off, pontua a sequência que se desenvolveu quase que em câmera lenta: “ver as coisas de cima não apenas as achata, como as deixa mais nítidas, tornando as relações mais claras”. enquanto isso, as imagens mostram a família que sai do carro em chamas e caminha abraçada pela estrada. um celular toca. é inevitável ao espectador questionar ao ver uma família americana no alvo do ataque: como a visão dos drones consegue separar “nós” de “eles”? http://vimeo.com/34050994 SELECT.ART.BR
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Acima, Faceless (2007), de Manu Luksch, é uma ficção científica inteiramente gravada com circuitos fechados de câmeras de vigilância. O filme aborda a vigilância cada vez mais difundida nos espaços públicos. À esquerda, imagens de 5000 Feet Is The Best (2011), do israelense Omer Fast, e o aplicativo de Josh Begley que registra as atividades dos Drones do Exército norte-americano e foi barrado na Apple Store
manu luksch cinEma fEito com imagEns dE vigilância a artista austríaca manu luksch realizou o filme faceless sem qualquer tomada cinematográfica. a captação de imagens foi feita exclusivamente por câmeras de vídeo de vigilância públicas. londres foi o set dessa filmagem incomum. os rostos de todas as pessoas flagradas pelos circuitos fechados foram apagados em consideração ao seu direito à privacidade, exceto o da artista. o produto final é uma ficção científica narrada por Tilda swinton. conta a história de uma cidade, onde uma reforma no calendário aboliu o passado e o futuro e todos os habitantes não têm rosto. subitamente, uma mulher, interpretada por luksch, recupera sua face e dá nova atmosfera ao lugar. http://www.ambienttv.net/content/?q=faceless
FOTOS: divuLGAçãO
!mediengruppen Bitnik uma wEbcam paRa Julian assangE 74
quer dizer o nome desse coletivo suíço corretamente? pronuncie: os não Grupos de mídia Bitnik. eles são do contra. a favor apenas da liberdade – de comunicação, do direito à palavra, da expressão individual, coletiva ou anônima. hackers profissionais, ensinaram a montar um tevê pirata com base na radiofrequência que encapsula a rua santa ifigênia, em são paulo, num safári urbano em 2008, e neste ano partiram para o abraço de mr. julian assange, fundador do Wikileaks, de uma maneira sui generis. enviaram um pacote para a embaixada do equador na inglaterra, onde assange está refugiado, com uma webcam ligada no seu interior. a câmera gravou todo o percurso e automaticamente postou as imagens na internet. inclusive as de assange recebendo o tal pacote destinado a ele. em surveillance chess (2012), os hackers entortaram o sistema de vigilância eletrônica londrino. Basicamente, pouco antes dos jogos olímpicos, sequestraram as câmeras de segurança na cidade e substituíram as imagens dos monitores de controle por convites para jogar xadrez. simples assim. http://bitnik.org/assange http://chess.bitnik.org/
À direita, registro do percurso do presente enviado por correio a Julian Assange, pelos artistas , contendo uma webcam que gravou todo o itinerário do pacote de Zurique a Londres
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FOTOS: CORTESiA dOS ARTiSTAS
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renata lucas fantasia, aRquEologia E imagEns documEntais em 2005, renata lucas produziu seu primeiro trabalho com câmeras de vigilância, em colaboração com os artistas daniel steegman e dionis escorsa. embora simule um circuito fechado de vídeo, o trabalho difere sensivelmente das instalações inaugurais de Bruce nauman e dan Graham em um ponto específico: na inserção de ficção sobre imagens documentais. enquanto os pioneiros da videoarte manipulavam temporalidade e espacialidade de circuitos fechados utilizando-se tão somente dos elementos básicos desse sistema (câmeras localizadas em locais estratégicos, distribuindo sinais diretamente para monitores de visualização posicionados no mesmo espaço da instalação), lucas agrega dvd players a esse sistema. na videoinstalação Barulho de fundo (2005), cinco monitores com imagens de câmeras de segurança mostram animais exóticos vagando pelas salas e escadas do edifício vazio. aqui as imagens captadas alternam-se com imagens manipuladas. em 2006, o trabalho foi reeditado para a 27ª Bienal de são paulo e a ocupação selvagem tomou o edifício de oscar niemeyer. na documenta (13), lucas voltou à estética da vigilância, agora atualizando sua tecnologia e relacionando-a a conceitos como arqueologia e SELECT.ART.BR
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urbanismo. ontem, areias movediças (2012) é um trabalho de intervenção urbana e midiática, dividido em duas partes. na primeira, a artista criou uma pirâmide com linhas imaginárias, cujos vértices de suas bases foram instalados nos porões e subsolos de quatro pontos icônicos do centro de kassel: a friedrichplatz, o museu fridericianum e porões na rua schöne aussicht 9 e na loja de departamentos Galeria kaufhof. a segunda parte do projeto foi composta de redes Wi-fi, qr-codes, monitores de vigilância e monitores de televisão espalhados em vitrines, nos arredores da friedrichplatz. aqui lucas trabalha novamente com uma série de vídeos editados, que sobrepõem imagens da cidade de kassel com cenas de tempestades de areia retiradas da internet. uma rede de internet sem fio permitia que os vídeos fossem vistos em smartphones, laptops e tablets. as antenas dessa rede de Wi-fi aberta estavam espalhadas pelos arredores da friedrichplatz (na área da pirâmide fictícia), exibindo vídeos nos quais o espectador era visto envolto em uma tempestade de areia. durante a documenta, os mesmos vídeos poderiam ser assistidos em monitores de vigilância instalados no estacionamento subterrâneo da praça ou em vitrines de lojas dos arredores.
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Ontem, Areias Movediças, de Renata Lucas, (2012) é um trabalho de intervenção urbana e midiática apresentado na Documenta 13
paOlO ciriO captuRados pElas câmERas do googlE adepto da lei do “mais humor, por favor”, paolo cirio barbariza mais uma vez a corporativização da vida do homem comum. o alvo agora é o tom politicamente correto das câmeras do Google street view. cirio procura imagens em que as pessoas aparecem nesse serviço do Google maps com seus rostos borrados, recupera-os, imprime e reinsere seus corpos por meio de estênceis exatamente no lugar onde foram “capturados” pelas Google câmeras. o resultado é incrível. http://streetghosts.net/
FOTO: CORTESiA dA ARTiSTA E GALERiA LuiSA STRiNA
Au d i ov i suA l
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SOL SEM SOMbra Sob a mira da obra política do cineasta e videoartista Harun Farocki, a guerra, seus efeitos traumáticos e tratamentos por meio de tecnologias de simulação
L u c i a n a Pa r e j a n o r b i at o
Sob a ameaça conStante de bombardeio e fogo cruzado, o cotidiano de SoldadoS noS campoS de batalha pode Ser conSiderado o ápice do eStado de paranoia. muitoS, ao voltar para caSa, neceSSitam de tratamento eSpecífico para conSeguir retomar SuaS rotinaS de forma a minimizar oS efeitoS do exceSSo de vigília doS SentidoS. a exposição maciça a situações-limite cau-
sa quadros clínicos profundos, como o transtorno do estresse pós-traumático. tanto na preparação para o combate quanto no tratamento das sequelas remanescentes, o exército norte-americano utiliza a tecnologia de simuladores que se assemelham a jogos de videogame, como o iraque virtual (iv). o alemão harun farocki, um dos mais contundentes artistas e realizadores de cinema de sua geração, fez o registro de ambos os processos em Serious games, uma série de quatro videoinstalações apresentadas entre 2009 e 2010 em diferentes bases militares e instituições de pesquisa nos eua. o processo deu-se durante o treinamento e tratamento de tropas da guerra do afeganistão e o título da obra é homônimo à categoria em que esse tipo de recurso é incluído. Jogos Sérios são SELECT.ART.BR
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games que emulam realidades de zonas de conflito, a fim de capacitar o soldado para a vivência da guerra e, posteriormente, possibilitar sua recuperação por meio da reencenação de fatos traumáticos que o combatente guarda na memória. a série foi exibida no brasil durante a 29ª bienal internacional de São paulo. como em toda sua obra, farocki concede às quatro partes de Serious games – na ordem em que ele as classifica, Watson is down (2010), three dead (2010), immersion (2009) e a Sun Without Shadow (2010) – um tratamento contrário a qualquer sensacionalismo. na verdade, o artista se exime de opinar, deixando que a própria edição transmita ao espectador toda a carga de seu conteúdo. o tema é, por si, impactante e sua exibição crua, sem subterfúgios romanescos, dá conta sozinha de produzir uma reação crítica. nenhum frame é impune, mas quem deve formular uma conclusão diante do que vê é o público. “de tudo você precisa captar duas imagens”, diz um personagem de um dos primeiros filmes de farocki, entre duas guerras (1978). dessa maneira, o diretor consegue ampliar o sentido do que é retratado, mostrando cenas complementares lado a lado num procedimento asséptico. não há concessões estetizantes, não
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há a busca pelo plano ideal no que diz respeito ao quadro, contradizendo manuais de roteiro. “na classe onde filmamos, os soldados não foram repreendidos por haver perdido o atirador Watson (protagonista do game de Watson is down), mas por não terem se comunicado o suficiente com os outros tanques com os quais estavam em missão”, explica farocki para seLecT. isso dá a pista do que está em questão nas suas produções: trazer à tona a lógica pela qual operam certas esferas de nossa época – neste caso, a guerra. o que importa apontar aos alunos não é a morte de um combatente, mas a razão pela qual ela acontece, fortalecendo a compreensão da técnica de batalha em detrimento da perda de um companheiro.a primeira instalação da série enfoca a “morte” por tiro do atirador virtual Watson, membro de um agrupamento de quatro marines que se deslocam em um tanque, produto da simulação computadorizada em treino em 29 palms, base da marinha na califórnia – na qual também foi rodado three dead. todos os detalhes topográficos do simulador utilizado nos laptops dos soldados baseiam-se em informações geográficas fiéis ao relevo afegão e os efeitos dos movimentos e do tráfego dos tanques traduzem a realida-
Jogos Sérios são games que emulam realidades de zonas de conflito
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de. mas nem tudo é passível de transposição para o virtual. “Quanto mais vegetação há, menos poeira. na rua de asfalto não há poeira alguma. mesmo com toda essa atenção ao detalhe, a morte no jogo de computador ainda é uma coisa diferente da real”, diz o cineasta em seu site. como é possível traduzir a experiência da convivência com a morte e com o sofrimento em uma interface artificial? Cenário virtual Se tal compreensão por meio do universo paralelo do emulador não pode ser plenamente atingida por aqueles que ainda não passaram pela experiência da guerra, é quase sempre terrível para os que voltam. em immersion (2009), o foco está na capacitação dos psicólogos militares por terapeutas civis, que explicam aos primeiros como funciona a dinâmica de recuperação de veteranos de guerra por meio do game criado no institute of creative technologies, na califórnia. “É preciso levar em conta que a terapia é baseada na linguagem”, explica o diretor. como em uma sessão de psicanálise comum, o paciente relata a situação em que o choque aconteceu, mas utiliza o cenário virtual como estopim para ajudar a trazer à tona traumas que muitas vezes são mascarados pela memória e reincidem em sintomas como taquicardia, sudorese, ansiedade, pânico e aversão ao contato social. “Quando uma bomba acaba de explodir num mercado, os americanos aprenderam a não intervir porque uma segunda bomba pode explodir, então é mais uma questão de ver pessoas sofrendo do que de estar sob ataque, o que é uma experiência muito diferente”, comentou farocki à época da exibição da série na galeria angels barcelona. os gráficos dos dois games, tanto o de treinamento quanto o de tratamento, são semelhantes. Segundo o videoartista, “os cenários usados são muito funcionais, falta a eles todo o exagero fantástico de um jogo de computador comercial – por isso pertencem à categoria de ‘Jogos Sérios’”. curiosamente, a única coisa que os difere é a ausência de sombras projetadas das figuras naqueles jogos usados para terapia, como se não houvesse sol sobre o entorno. É esse o tema do quarto vídeo da sé-
Na página anterior, frames da videoinstalação A Sun Without Shadow (2010); à esquerda, frame de Three Dead (2010)
As quatro videoinstalações de Farocki foram apresentadas em diferentes bases militares e instituições de pesquisa dos EUA 81
rie, a Sun Without Shadow. a guerra é uma constante na obra e uma sombra na infância do diretor, nascido, em 1944, na república tcheca (então Sudentengau), para onde seus pais se mudaram, fugindo dos bombardeios da Segunda guerra mundial. ele nem chegou a ser considerado cidadão tcheco, pois, poucas semanas após seu nascimento, seus pais – um cidadão indiano e uma alemã – voltaram para berlim, na alemanha. aos 3 anos, o artista viveu a guerra civil na índia, para onde seu pai levou a família, na tentativa de firmar-se como médico. Desastres Da guerra esse histórico serviu de base para uma filmografia de mais de cem títulos, em sua maioria documentários em média-metragem, que têm conflitos armados como tema recorrente. alguns trazem abordagens suis generis da Segunda guerra, como imagens do mundo e inscrições da guerra (1988), que resgata fotos aéreas das fábricas de buna, realizadas por pilotos norte-americanos que ignoravam registrar o campo de concentração de auschwitz; e intervalo (2007), apropriação de um filme mudo produzido, em 1944, sob a ordem de um comandante nazista na holanda. Sobre o vietnã, algumas produções se destacam, como a ficção diante de Seus olhos, vietnã (1982), livremente inspirada no clássico hiroshima, meu amor; e fogo Que não se apaga (1969), no qual farocki em pessoa sintetiza em uma cena não só o horror e a impessoalidade dos conflitos contemporâneos, mas também a lógica interna de seu trabalho. nesse filme, o diretor apaga um cigarro no próprio braço, enquanto explica que a queimadura de cigarro ocorre numa temperatura de 400 graus celsius, enquanto a de napalm, cuja bomba foi utilizada em conflitos no oriente, é de 3 mil graus. FOTOS: CORTESiA AnGELS BARCELOnA
Frames da videoinstalação Immersion (2009), que enfoca a capacitação de psicólogos militares por terapeutas civis. Trabalho usa tecnologia do Institute of Creative Technologies da Califórnia
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PRAZERES BLINDADOS O design da segurança reinventa os matizes do consumo e se volatiliza nos meandros da arte No alto, o Range Rover Evoque, de 2014, desenhado por Gerry McGovern, é o novo sonho de consumo do segmento dos crossovers de luxo. Acima, Range Rover 3.9I SP de 1993, desenhado por Charles Spencer King, mudança radical do conceito de visibilidade
De roupas a carros, passanDo por acessórios, como bolsas e relógios, os objetos cotiDianos refletem novos moDos De estar e ser socialmente. as antigas formas voluptuosas, exuberantes e chamativas, contraem-se e impõem a tudo uma atmosfera velada. a arte, correndo na contramão dessa história, revela nuances impensadas desse processo, como a beleza das artimanhas mecâncias que grades pantográficas escondem na sua cadência retrátil.
RICARDO VAN STEEN E GISELLE BEIGUELMAN SELECT.ART.BR
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InvIsível ostentação tempos paradoxais. para marcar presença, é preciso estar oculto. a indústria do luxo alia-se à indústria da segurança, suprimindo a percepção do protagonista – o proprietário – do quadro. estar bem na foto é estar no campo de visão. estar protegido é estar invisível. novos modelos de automóveis crescem no espaço interno e encolhem, sensivelmente, todas as áreas de contato com o exterior. as janelas encolhem. Quem pode, pode. Desaparece e acontece.
À esquerda, a parka dos designers ingleses Adam Thorpe e Joe Hunter (2001), que já foi exposta no MoMA e é um dos ícones do “safe design”. Além do corte, destaque para o tecido. Ela utiliza um tipo de náilon “antitudo”(fogo, água, perfuração etc), concebido para roupas militares.
FOTOS: DIVULGAÇãO
No alto, o Mercedes-Benz CLS63 Shooting Brake AMG 2013, desenhado por Ola Källenius, um station wagon para famílias estilosas. Acima, o Mercedes-Benz 220 sl Concept, de 1962, desenhado por Paul Bracq e Béla Barényi
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valores ImponderáveIs Quando lhe dão um relógio, escreveu julio cortázar, dão a você um novo pedaço frágil que não é seu corpo, mas estará a ele atado como um órgão postiço. equivalente dos grilhões que antigamente atavam os escravos ao trabalho para alguns, é também joia rara para outros, expandindo o poder do dono, simbolizando seu domínio sobre o tempo de todos. precioso, sua perda pode ter o sentido de uma verdadeira amputação. Demanda, por isso, recursos de proteção inusitados, que vão de cofres especialmente fabricados para determinadas marcas a réplicas que chegam a custar 600 reais. fica a dúvida: vale a pena consumir para seduzir o ladrão?
Acima, o cofre de 2 metros de altura e 8 toneladas exclusivamente projetado para abrigar o relógio Jaeger-LeCoultre Hybris Mechanica Grand Sonnerie. Considerado o mais complexo modelo já criado, vem acompanhado de outros dois da mesma marca. Produzido com exclusividade pela empresa de segurança alemã Doettling, no total de 30 unidades, o cofre custa mais de US$ 3 milhões. O relógio em si custa US$ 2,5 milhões. Outro modelo celebrado da marca é o Jaeger LeCoultre Master Cronograph, cuja réplica, ao lado, sai por US$ 250.
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Acima, a Reddish Brown Box Calf Vintage Lydie 2way Bag, da Hermès, de 1966. Com apenas um pequeno botão de pressão no fecho, era um convite aos assaltantes. Ao lado, a bolsa Birkin, da mesma grife, com um intrincado sistema de fechamento que deixaria qualquer bandido muito nervoso. É apresentada no site oficial da marca em uma animação que a transforma em míssil
armadura dIáfana a delicadeza das bolsas que ornavam saltitantes moçoilas pelas calçadas da champs-Élyssées sumiu da mais bela avenida do mundo. o antigo glamour da champs contudo, persiste, atualizado pelas novas convenções que amalgamaram luxo e segurança privada. saem de cena os delicados botões de pressão e em seu lugar entram dobras, costuras duplas, correntes, reforços, cadeados e inúmeros dispositivos dignos de uma verdadeira barricada militar.
A coleção outono/inverno 2011 do enfant terrible Alexander McQueen, à direita, foi marcada por caveiras. Espalharam-se por acessórios de couro, pingentes leather accessories. Alguns anos antes, em 2003, o designer alemão Matthias Megyeri também investiu na relação moda e segurança, porém de forma mais irônica: com cadeados em forma de ursinhos fofinhos e carinhosos, como este abaixo
FOTOS: DIVULGAÇãO
Estilistas e designers esmeram-se na capacidade de criar estratégias de sedução e disfarce para equilibrar luxo e proteção patrimonial
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FOTO: MOA SITIBALDI SELECT.ART.BR AGO/SET 2013
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Acima, a Soundawave Swell do designer Teppo Asikalnen (1990), concebida para isolar acusticamente os ambientes, de forma combinada e rearticulável. Ao lado, obra do artista paulistano Artur Lescher (2013), que se apropria das funções retráteis das grades pantográficas
passaGem movedIça grades são símbolos de interdição. De vários tipos e estilos, convidam o passante a afastar-se, manter distância. curiosas e ambivalentes, as grades pantográficas, como os sistemas de isolamento acústico, impõem-se como um sutil jogo de possibilidades entre a passagem e o bloqueio, o que atravessa e o que interrompe. o que vai e o que volta. sem sucumbir ao eterno retorno, evocam a figura plástica do ritornelo, como diferença e repetição.
Pop-Up-Pool (2013), projeto do escritório de arquitetura Davis Brody Bond + Spacesmith, é uma piscina pública instalada em terreno destinado a futuros empreendimentos privados que cobrirão os custos de manutenção do Brooklyn Bridge Park 88
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URBANISMO
ArquiteturAs dA convivênciA Na contramão dos muros, grades e outros itens da paranoia arquitetônica contra a violência urbana, os projetos de áreas comuns têm se tornado cada vez mais recorrentes nas grandes cidades Marcos Diego Nogueira
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Os anOs 1990 marcaram O auge arquitetônicO dO aprisiOnamentO urbanO ditadO pelas grades e murOs altOs cOnstruídOs aO redOr de casas e edifíciOs. duas décadas depois, vemos ressurgir microações que restauram a convivência urbana deixada de lado por esse aprisionamento e fazem ressurgir o espaço público comum, onde cidadãos podem desfrutar dos prazeres do convívio. bons exemplos são intervenções como as do coletivo basurama, que implanta balanços sob viadutos, a psicina pública do parque da ponte do brooklyn, em nova York, o mapeamento colaborativo de espaços desocupados que poderiam servir de mo-
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radia (conjunto Vazio, do colaboratório de são paulo) e o projeto de um parque linear para a área dos becos da Vila madalena. “Hoje temos vários estudos que provam o que Jane Jacobs decretou há cinco décadas: a melhor segurança é o seu vizinho”, diz a arquiteta e diretora do escritório dbb aedas, anna dietzsch, de nova York, para seLecT. Jacobs (1916-2006) é autora do livro morte e Vida nas grandes cidades, no qual, em 1961, criticava duramente as práticas de renovação do espaço público nos eua dos anos 1950. para dietzsch, que desenvolve o projeto arquitetura da convivência, “uma rua ocupada ‘com olhos’ não está tão vulnerável quanto aquela onde ninguém
Abaixo, o projeto #existerioemsp, do escritório da arquiteta Anna Dietzsch, que pretende implantar um parque linear na Vila Madalena, em São Paulo, sobre o antigo leito que corria sob os famosos becos do bairro. À direira, Conjunto Vazio, do coletivo Colaboratório, que mapeia e sinaliza os espaços desocupados no Vale do Anhangabaú
transita”. “isso vai na contracorrente de como estamos acostumados a pensar e agir em são paulo e precisaremos de um período – talvez longo – de transição para entender que a cidade ocupada é uma cidade mais bem vigiada e cuidada”, diz ela. quem anda a pé conhece os sinais de seu bairro, sua rotina e pode, melhor do que ninguém, atentar para alguma coisa errada. É o pedestre também que consegue ver o canteiro florido, sentir o tropeço no buraco que não foi consertado. É ele quem fará da cidade um lugar melhor, porque é a ele que a cidade “pertence”. O arquiteto e urbanista marcos l. rosa, autor de livros como micro planejamento – práticas urbanas criativas, cita o prédio onde mora, em são paulo, como uma exceção no atual cenário arquitetônico da cidade e uma prova de que esse convívio urbano, benéfico por si só, não significa o aumento da criminalidade: o edifício copan, projetado na década de 1950 por Oscar niemeyer. O prédio, localizado no centro da cidade, possui uma galeria aberta no térreo. ainda assim é vigiado com câmeras e existe controle sobre quem usa o espaço e de que forma esse local é utilizado. “um amigo estrangeiro me perguntou: ‘por que aqui é diferente dos outros?’ tudo porque você consegue chegar até o porteiro sem ser barrado por uma sucessão de muros e portas e seguranças”, diz ele. O arquiteto paulo mendes da rocha é citado como referência por rosa: “existem alguns projetos de paulo mendes que mantiveram um pouco a característica do recuo livre, em que a entrada é somente onde começam os elevadores. É interessante, em são paulo, colocar essas tipologias lado a lado para entender o que funciona e o que não funciona, porque, na verdade, os prédios de paulo mendes da rocha que estão nos Jardins ou na pompeia hoje funcionam muito bem, não acho que são mais ou menos perigosos que os outros por não possuírem grades. da mesma forma o conjunto nacional (projeto do arquiteto david libeskind – homônimo do famoso arquiteto baseado em nova York – inaugurado em 1956), que fica em plena avenida paulista e também tem uma galeria aberta, além de uma entrada fechada para o prédio, totalmente diferente”, afirma rosa. para o curador da 10ª edição da bienal internacioFOTOS: divuLGAçãO
“Um projeto como a das superquadras de Brasília, do fim dos anos 1950 e início dos 1960, é uma miragem idílica no meio de um Brasil todo gradeado. Hoje, as superquadras são quase uma peça de museu”, diz o curador da Bienal de Arquitetura, Guilherme Wisnik
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“Uma cidade ocupada é uma cidade mais bem vigiada e cuidada”, diz a arquiteta Anna Dietzsch nal de arquitetura de são paulo, guilherme Wisnik, brasília é um oásis no mundo dos condomínios fechados: “um projeto como o das superquadras de brasília, do fim dos anos 1950 e início dos 1960, é uma miragem idílica no meio de um brasil todo gradeado. Hoje você tem as superquadras todas abertas, quase como uma peça de museu”. Cidade mais humana andando em grandes centros urbanos mundiais, como nova York e berlim, percebe-se que as microações em prol da convivência urbana já superaram a timidez e agora começam a surgir com mais força, de certa forma questionando o modelo de habitação vendido como um produto dentro de uma fortaleza superprotegida. “esse modelo não representa necessariamente a segurança das pessoas. quem assalta acha muito mais interessante pular o muro. quanto mais alta a barreira for, mais atraente ela se torna”, diz rosa. para anna dietzsch, as cidades hoje estão se equipando para atrair e manter pessoas. “na base econômica das cidades pós-industriais estão os serviços, a tecnologia e a capacidade de regeneração de know-how e criatividade. assim, uma ‘cidade mais humana’ vai se desenhando e as cidades começam a se planejar tendo o pedestre como foco”, diz. “em lugares com infraestrutura desenvolvida, como nova York e londres, programas de expansão de parques, ciclovias e hortas urbanas hoje fazem parte do planejamento em direção a uma cidade mais sustentável e amistosa àquele que dela usufrui”, diz dietzsch, que comenta também o caso paulistano: “em cidades como são paulo, onde a infraestrutura não condiz ainda com seu papel global, a tarefa fica mais difícil. O interessante, no entanto, é ver que o nosso capital humano está exigindo uma cidade de maior convivência e, tanto no âmbito governamental quanto no privado, vemos iniciativas como as ciclofaixas de domingo, ocupações espontâneas de praças, sites de denúncia a SELECT.ART.BR
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calçadas ruins etc. as próprias manifestações políticas nos mostraram como as pessoas gostaram de ocupar as ruas. na avenida paulista houve várias demonstrações menores, onde o que se sentia era uma grande alegria de as pessoas poderem ocupar a avenida no lugar dos carros”. falando de berlim a seLecT, marcos l. rosa percebe que o movimento popular é a chave para que a paranoia urbana do aprisionamento voluntário se dissolva cada vez mais em áreas de ócio ou convivência. “Os modelos de construção são diversos entre as cidades, mas a semelhança está na forma como as pessoas têm começado a participar para alterar, se apropriar e viver no espaço da rua, naquele que não é definido se é público ou privado. isso não só em são paulo ou berlim, mas no mundo todo”, diz. “a cidade deveria ser um ambiente fraterno, onde as pessoas vivem coletivamente e não enjauladas nos seus paraísos privados. uma cidade onde todo mundo se enjaula é uma cidade de uma sociedade doente. e isso vem se tornando cada vez mais a realidade das cidades não só do terceiro mundo, mas do mundo inteiro, que são fruto basicamente da combinação de uma mentalidade individualista burguesa e o aumento real da escalada da violência”, opina Wisnik sobre o assunto que, ao lado da mobilidade urbana, será um dos pilares de discussão da bienal da qual é curador e que acontece entre 28 de setembro e 24 de novembro. “Vamos discutir exemplos importantes nesse sentido, como o de medellín. a cidade-sede do cartel, na colômbia, um país de terceiro mundo, que conseguiu em menos de dez anos, graças a ações concretas do poder público, reverter essa situação e virar um local exemplar em matéria de espaço público e segurança”, diz. a exposição segurança como direito à cidade, pensada pela antropóloga paula miralha, usará também exemplos da cidade do cabo, na África do sul, a questão dos banheiros públicos indianos e o papel das upps no rio de Janeiro. FOTO: BASuRAMA
A Cidade É para Brincar apropria-se dos viadutos de São Paulo para instalar balanços. Destaque do Festival Baixo Centro e da Virada Cultural 2013, é uma ação do coletivo Basurama, que realiza projetos de arte e design para a transformação social mediante estratégias lúdicas e participativas
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Pa n o r â m i c a / V i s u a l i z a ç ã o d e d a d o s
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#vemprarua O Big Data das manifestações mostra que o jogo dos dados vai muito além do acaso Giselle BeiGuelman
EsquEça aquElE tEmpo longínquo Em quE a rEgra do bom jornalismo sE assEntava sobrE CinCo Ws - Who (quEm), What (o quê), WhEn (quando), WhErE (ondE) Why (por quê) – E mais um h (hoW, Como), quando o tema apelava a um certo tom investigativo. Estamos na era dos cinco vês: velocidade, volume, variedade, veracidade e valor. isso resume a expressão big data, massas informacionais integradas que pululam em servidores de grandes serviços como o google, o Facebook e o twitter, e sistemas governamentais ou de atendimento ao público, como empresas de transporte urbano e redes de infraestrutura (esgoto, eletricidade, lixo etc.). a capacidade de ler e dar visualidade às instâncias geradas pelos números, interpretando os comportamentos que revelam, mobiliza especialistas do mundo todo para criar parâmetros de tradução e interpretação de variáveis como #vemprarua, capazes de indicar os matizes nebulosos, à primeira vista, de fenômenos como as manifestações que tomaram as ruas do brasil recentemente. quem acreditava que a noção de revolução molecular de Felix guattari (1930-1992) era mero efeito retórico, teve de engolir seus ranços. as multidões provaram que o filósofo-psicanalista estava certo. nos anos 1980, ele escreveu: “de que serviria, por exemplo, propor às massas um programa de revolucionarização antiautoritária contra os chefinhos e companhia limitada, se os próprios militantes continuam sendo portadores de vírus burocráticos superativos, (...), como perfeitos canalhas, perfeitos carolas? de que serve afirmar a legitimidade das aspirações das massas se o desejo é negado em todo lugar onde tenta vir à tona na realidade cotidiana?” Foi esse o mote que parece ter movimentado (e está movimentando) as multidões no brasil SELECT.ART.BR
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hoje. são as suas respostas que o laboratório de Estudos sobre imagem e Cibercultura (labic), da universidade Federal do Espírito santo (ufes), mapeia a partir da coleta de dados em redes sociais e revela novas possibilidades de leitura da situação. ao investigar “dilma” como palavra-chave, os pesquisadores encontraram um panorama pouco previsível da política atual, evidenciando que as tradicionais oposições entre direita e esquerda estão caducando, haja vista que as linhas gráficas com maior projeção também se interpenetram com as vinculadas às manchas de tuítes contrários e a favor da presidente. “Essa é uma rede que narra fatos que nenhuma das duas outras gosta muito de discutir: a relação entre gastos públicos e Copa, a questão indígena, a crítica do que é esquerda e direita.... Ela tem perfil mais independente. E ganha relevância na conversação na rede. possui alta conexão com as redes que circundam o centro do gráfico e estão relacionados a perfis de ativistas muito conectados com as ruas, diz Fábio malini, coordenador do labic. malini destaca que os estudos feitos revelam uma enorme diversidade de nós movimentando-se autonomamente. “Contudo, nEnhuma hashtag conseguia ser a protagonista da história. Cada grupo social enredado elegia a sua, ao mesmo tempo que participa de muitas outras, como #vemprarua, #passelivre, #ogiganteacordou, #copapraquem e #euapoiodilma. Essas hashtags são redes ricas de relações, posições e conteúdos que ajudam a explicar a transformação social que vivemos. mas elas são também novos lugares da historiografia contemporânea”, conclui o pesquisador, deixando claro que toda uma nova série de vertentes narrativas multivocais ainda serão escritas na era dos cinco vês.
Rede Dilma Infográfico dinâmico mostra as reações à presidente Dilma no Twitter Contra Dilma A favor de Dilma Ativistas críticos da situação e da oposição
FOTO: LABIC
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NelsoN AguilAr Enciclopédia dE utopias Curadoria da Bienal de Veneza aposta na relativização das fronteiras entre arte profissional e diletante A BienAl de VenezA orgAnizAdA por MAssiMiliAno gioni teM duAs fAces: o pAVilhão centrAl, introspectiVo, forteMente new Age, liderAdo pelos desenhos do psiquiAtrA suíço cArl gustAV Jung, e o Arsenale, extrovertido, que traz a maquete do edifício enciclopédico do Mundo de Marino Auriti, repertório da infinita diversidade entre natureza e cultura. os desenhos que compõem o livro Vermelho de Jung ocupam o saguão de entrada do espaço mais prestigioso do evento. lá o formulador do inconsciente coletivo, não satisfeito com textos científicos, volta-se à criação de imagens que dão as costas ao pensamento racional, hauridas de sonhos nos quais anseios primordiais da humanidade se debatem através de seres fantásticos que habitam ambientes inquietantes. os herdeiros de Jung aguardaram 48 anos para liberar o testamento gráfico e onírico do mestre. As iluminuras nunca almejaram o estatuto de arte, configuram-se como instâncias de pesquisa capazes de sondar as camadas mais profundas do psiquismo. A novidade da bienal está na mudança da impostação: Jung funciona como um mega-artista inaugurando a estética contemporânea. essa viagem continua pavilhão adentro com outros visionários, como a austríaca Maria lassnig, que trabalha as formas do corpo vivido com a perícia do conterrâneo egon schiele. A tela tu ou eu retrata a autora empunhando um revólver na têmpora e outro dirigido ao espectador, SELECT.ART.BR
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À esquerda, instalação de Vadim Zakharov no Pavilhão da Rússia, onde só podem entrar mulheres, e obra integrante da exposição English Magic, de Jeremy Deller, no Pavilhão da Inglaterra. Nesta página, no alto, maquete do Edifício Enciclpédico do Mundo, do artista italiano Marino Auriti, no Arsenale, e o tornado do chinês Ai Weiwei, convidado do Pavilhão da Alemanha
metáfora da produção artística, uma das matrizes do cinema de Michael haneke. As bonecas do bostoniano Morton Barlett iniciaram carreira após o falecimento de seu pigmalião. A existência dessas figuras pré-adolescentes surpreende pela observação apurada de pulsões ambivalentes, percorrendo um leque que vai da inocência à provocação. o Arsenale debuta pela maquete do ítalo-americano autodidata Marino Auriti elaborada nos anos 50 e que intitula a bienal, o edifício enciclopédico capaz de abrigar as mais importantes invenções, da roda ao satélite. Auriti teve uma existência movimentada. Antifascista convicto, emigrou para o Brasil, vivendo em catanduva (sp) a partir dos 20 anos, até 1938, quando se instala nos estados unidos, numa cidadezinha da pensilvânia, abrindo uma oficina de automóveis. Aposentado, dedicou-se a arquiteturas fantasiosas, construindo os modelos num dos recintos de sua garagem. falecido em 1980, sua neta passa a lutar pelo reconhecimento do avô, até convencer a direção do Museu Americano de Arte popular a abrigar sua obra capital a partir de 2003. A estrutura tem feição neoclássica, com torre em degraus ladeada por colunata com cúpulas menores em cada canto da implantação, adequada ao estilo de washington, cidade eleita por coincidir com o ideal federativo do intrépido inventor. A maquete mede 335 x 213 x 213 centímetros, com escala 1:200, o que significa 670 metros de altura, marco ultrapassado apenas em 2010 FOTOS: nELSOn AGuiLAR
pelo Burj Khalifa de dubai. nada se concretizou, contudo, pois o lado utópico de Auriti emulou o curador veneziano, a começar pela desqualificação das barreiras entre arte profissional e diletante, que caracteriza esta edição. Assim, um nosso conhecido habita o estaleiro veneziano, Arthur Bispo do rosário, convocado graças ao seu talento geográfico e espiritual, não alheio ao sítio náutico. os pavilhões nacionais defendem outras propostas. o britânico hospeda Jeremy deller, que ressuscita o socialista william Morris para lutar contra um magnata arrogante. o alemão convida, entre outros, o chinês Ai weiwei, que simula um tornado com 886 obsoletos bancos de madeira suspensos. o russo convida Vadim zakharov, que encena a chuva de ouro que fecunda a princesa dânae em instalação que só admite a participação de mulheres.
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reviews Arte
a espetacular instalação Airshaft, que justapõe impressões fotográficas sobre painéis metálicos com a vista da natureza que circunda o prédio do Paço das Artes. Nesse site specific, realizado especialmente para o local, a artista removeu as paredes que tapavam as janelas do edifício, abrindo a visão para um terreno de árvores e mato que nunca havia sido visto pelos visitantes do espaço expositivo. A natureza inesperada que entra de forma surpreendente pelas janelas se alinha ao emaranhamento geométrico das imagens de escadas e grades metálicas das impressões fotográficas em grande escala de Ana Maria Tavares, que, segundo o curador, Daniel Rangel, “formam uma espécie de floresta artificial”. A ambiguidade desse espaço, fruto da integração visual dessas florestas (natural e artificial) gera um ambiente imersivo e vertiginoso.
invenção de um meio Ambiente PAulA AlzugArAy
Instalação de Ana Maria Tavares investiga relações entre natureza, arquitetura e criação Uma palavra inventada intitula a individual de Ana Maria Tavares no Paço das Artes, em São Paulo. Tautorama é resultado da justaposição de “tautologia” (repetição de um mesmo pensamento, expresso de diferentes maneiras) e “horama” (palavra grega que significa dar a ver, vista ou espetáculo). Essa palavra se oferece como chave de leitura tanto para os elementos internos de cada uma das duas instalações da exposição quanto para a compreensão da relação especular entre os dois trabalhos. Natureza (2005) e Airshaft (2013) são igualmente espetaculares, por serem obras em grande escala, panorâmicas e imersivas. A primeira é uma videoinstalção realizada a partir de imagens de arquivo, filmadas em 16 mm por um certo capitão Sckenck entre 1932 e 1938. Lidas à luz da palavra inventada por Ana Maria Tavares, essas vistas de paisagens naturais (água do mar, água de cachoeira, mata e a pedra do Pão de Açúcar, no Rio) são ecos de um mesmo pensamento: a natureza em estado puro, qualquer rastro de vida humana. A reflexão sobre a relação entre natureza e artifício continua e se intensifica no segundo trabalho, SELECT.ART.BR
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Artes visuAis
mAtériA bináriA giselle beiguelmAn Tautorama, até 15/9, no Paço das Artes, Av. da Universidade, nº 1, SP, www.pacodasartes.org.br www.cca.qc.ca
Fantasia Exata, mostra sobre Waldemar Cordeiro no Itaú Cultural, revela possibilidades, ainda em aberto, da arte contemporânea brasileira A exposição retrospectiva da obra de Walde-
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mar Cordeiro (1925–1973), com curadoria de Fernando Cocchiarale e Arlindo Machado, dá ao visitante a oportunidade de conhecer muito mais do que a obra de um dos nomes referenciais da arte brasileira contemporânea. A reunião de mais de 200 obras do artista é acompanhada de impecável contextualização do Grupo Ruptura, formado por artistas concretos de São Paulo nos anos 1950, e que teve Cordeiro como principal mentor. Exposto no primeiro piso do prédio, esse recorte põe o visitante diante de um momento único da história da arte nacional, em que o design e as artes plásticas desfrutaram de uma rica convivência que resultou em interpenetração de linguagens e estéticas que deram rosto ao período. Outro destaque da exposição são as obras pioneiras de Cordeiro baseadas em sistemas computacionais, reunidas sob a rubrica, por ele sistematizada, arteônica. Nesse conjunto se destacam as impressões de computador, parte das quais projetos desenvolvidos com o físico Giorgio Moscati. Elas iluminam a pré-história da artemídia mundial. Revelam a peculiaridade de um momento em que esse tipo de obra demandava ousados procedimentos que combinavam cálculos, cartões perfurados, trabalho manual e desenho gráfico, para reunir fotos e infografia em imagens digitais elaboradas antes da existência do scanner. Muitas dessas obras tiveram de ser restauradas (60 no total), por serem impressões matriciais dos anos 1960. O diretor
FOTOS: PAuLA ALzuGARAy/ EdOuARd FRAiPOnT
Acima, Airshaft (2013), de Ana Maria Tavares, no Paço das Artes; abaixo, Retrato de Fabiana (1970), de Waldemar Cordeiro
Waldemar Cordeiro: Fantasia Exata, até 22/9, no Itaú Cultural, Av. Paulista, 149, SP
do Itaú Cultural, Eduardo Saron, conta que “as obras mais complicadas para restauração foram as da série Gente/People, pois havia muitas manchas sobre a tinta da impressão. Esse material é altamente solúvel e por isso foi necessário fazer um tratamento pontual e mecânico, para remover cada mancha, uma a uma”. Um original slide show de apoio, desenvolvido por Ana Livia Cordeiro, filha do artista, revela as nuances do processo de criação e produção de algumas dessas séries, evidenciando a materialidade da cultura binária e sua história.
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ouro e fogo de ArtistA PAulo Klein
Obras inéditas fazem da exposição Leonilson Inflamável um tesouro de afetividade ao filho que retorna – postumamente – à terra natal Leonilson Inflamável, mostra da vida/obra de José Leonilson Bezerra Dias (Fortaleza 1957-São Paulo 1993), apresenta na cidade natal do artista outras chaves para decifrar o universo biográfico, poético e ficcional do artista andarilho que rodou o mundo e desenvolveu, em 36 anos de vida, uma produção vasta e até hoje cativante. A aura de afetividade que moveu a vida de Leonilson revela-se em frases e anotações de viagens realizadas em projetos, em agendas e cadernos – digitalizados e manipuláveis pelo público em quatro iPads. A exposição conta ainda com um documentário e muitas obras sobre papel, lona e tecidos bordados, que preenchem 13 amplos espaços do Museu de Arte Contemporânea do Ceará. São quase duas centenas de trabalhos em diversas técnicas – produzidos da adolescência até sua fase terminal, já lutando contra a Aids – pertencentes aos acervos do Projeto Leonilson (Família Bezerra Dias), do Museu de Arte Contemporânea do Ceará e do MAM-SP. A exposição marca os 20 anos da morte do artista e antecede outra que ocorrerá ainda este ano no Museu Reina Sofía, em Madri, com curadoria de Adriano Pedrosa. Para a mostra cearense, o curador Carlos Eduardo Bitu Cassundé, que estuda a obra de Leonilson há cerca de uma década, lançou mão de itens levantados em suas investigações e raramente levados a público. Ele destaca, por exemplo, uma série de oito colagens em papel crepe, que só haviam sido expostas em Madri, além de pinturas e aquarelas de um artista ainda não consagrado pela crítica e pelo mercado. Leonilson nasceu em Fortaleza e transferiu-se ainda SELECT.ART.BR
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LEO (1983), aquarela sobre papel, de Leonilson
Leonilson Inflamável, até 8/9, no Museu de Arte Contemporânea do Ceará – Centro Cultural Dragão do Mar, www.dragaodomar.org.br
criança para São Paulo com a família, cidade onde se formaria e compartilharia conquistas e aventuras com amigos e artistas da geração 80, como Leda Catunda, Ciro Cozollino e Eduardo Brandão. Mas era no Ceará que ele passava as férias. Os recreios na Maraponga merecem na exposição um espaço próprio, com direito a um texto afetivo de Bete e Ricardo Bezerra, amigos de juventude que recordam temporadas compartilhadas na Majorlândia e viagens para Orós, Quixadá e Sete Cidades. A riqueza maior desta exposição, ouro de artista extraído de uma mina inesgotável de ternura, é a reafirmação do valor do amor nas artes, de questões sobre o desejo, o corpo e o homoerotismo num tempo em que rondava a todos o sinistro fantasma do vírus HIV. A obra de Leonilson é – e isso a exposição transmite com vigor – um brado à criatividade sem amarras. FOTO: CELSO OLivEiRA
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rAdicAlizAr o AcAso mArion strecKer
Exposição e livro trazem à luz obras de Geraldo de Barros inéditas e inacessíveis ao público por mais de 20 anos O Sesc-Vila Mariana expõe duas séries de trabalhos da fase madura do pintor, fotógrafo e designer Geraldo de Barros (1923-1998): Jogos de Dados e Sobras, com curadoria de Fabiana de Barros e Cris Faria. Jogos de Dados é um conjunto de 55 obras em fórmica fosca sobre compensado que explora a forma do cubo e evoca o poema concretista do francês Stéphane Mallarmé intitulado Um Jogo de Dados Jamais Abolirá o Acaso. Como escreveu o próprio Geraldo de Barros na época, foi uma tentativa de radicalizar as propostas que defendia no começo dos anos 1950, quando fez parte do Grupo Ruptura, alinhado com o que veio a se chamar Movimento de Arte Concreta. Realizadas depois que o artista sofreu uma isquemia cerebral que tolheu seus movimentos, essas pinturas feitas sem tela, tinta nem pincel, com material industrial e a ajuda de marceneiros da sua fábrica de móveis Hobjeto, buscam o que ele chamava de “minimum minimorum” de informação. O conjunto é impressionante. Esse trabalho foi mostrado na Bienal de Veneza em 1986 e a coleção agora exposta foi doada em vida pelo artista para a Universidade de Campinas (Unicamp), com a condição de que fosse mostrada sempre completa. O fato é que, infelizmente, a série ficou inacessível ao público por mais de 20 anos e foi armazenada em condições precárias, como se verá pelos riscos e furos que lamentavelmente alguns trabalhos apresentam.
Exposição Geraldo de Barros Jogos de Dados e Sobras (1980-1990) Até 8/9, no Sesc-Vila Mariana. Rua Pelotas, 141, São Paulo, SP www.sescsp.org.br Livro Geraldo de Barros: Isso Edições Sesc-SP Org. Fabiana de Barros 364 págs. 28 x 28 cm
A montagem é original e corajosa, fazendo pouco uso de paredes e deixando à mostra o verso de diversos trabalhos em fórmica, ressaltando o método construtivo. Recomenda-se olhar as “pinturas” de longe para melhor compreensão. A outra série exposta, Sobras, reúne quase 300 fotografias pessoais, de viagem e de família, cortadas e retrabalhadas pelo artista, um pioneiro no uso artístico da fotografia no Brasil. A maioria dessas fotos é inédita. Estão projetadas em sequência, em grande formato. Aparecem também manipuladas pelas mãos de Geraldo de Barros num filme de Michel Favre. A iluminação do espaço expositivo, porém, favorece mais os trabalhos em fórmica do que as projeções. Filha caçula do artista, Fabiana de Barros também organizou o livro de referência Geraldo de Barros: Isso, que aborda sua obra de forma bem ampla e é lançado agora pelas Edições Sesc-SP. Além de ensaios e muitas reproduções, o livro, organizado cronologicamente, traz entrevistas com Augusto de Campos, Paulo Herkenhoff, Thomaz Farkas e Hermelindo Fiaminghi.
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sedimentos de cor mArio gioiA
Exposição de Paulo Pasta reacende o necessário debate sobre pintura Visitar A Pintura É Que É Isto, individual de Paulo Pasta na Fundação Iberê Camargo, serve para atestar a maturidade de um grande artista brasileiro, num momento muito feliz de sua pintura, e também para perceber certa síntese de linguagem. Com curadoria de Tadeu Chiarelli – atual diretor do MAC-USP e interlocutor frequente na carreira do artista paulista –, aponta ademais que o edifício projetado pelo português Álvaro Siza nas proximidades do Rio Guaíba, em Porto Alegre, é um dos espaços mais privilegiados de exibição em todo o Brasil. Suas alturas, proporções e salas contíguas são especialmente satisfatórias para expor trabalhos pictóricos de densidade, como os 25 óleos e os nove desenhos presentes atualmente nesse recorte. É um bom tributo ao artista nascido em Ariranha, interior de São Paulo, em 1959. Para o público, re-
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Paulo Pasta. A Pintura É Que É Isto, até 18/8, na Fundação Iberê Camargo, Av. Padre Cacique, 2.000, Porto Alegre, RS www.iberecamargo.org.br
Viga Púrpura (2010), de Paulo Pasta
FOTOS: ROmuLO FiALdini
compensa estar em contato com uma obra segura, tão fiel a um caminho próprio e que agora revela pouco a pouco suas heranças – Pasta é professor há anos e foi grande influência de alguns dos mais interessantes pintores de safra recente, como Marina Rheingantz. Para tanto, a luz que permeia as salas expositivas do museu gaúcho é dado a se destacar. Sem ser ostensiva, banha os espaços com uma presença que joga a favor das pinturas em grande escala e de seus jogos cromáticos. Ler individualmente com mais atenção algumas das telas é tarefa facilitada pela arquitetura do prédio. Assim, um trabalho como Noturno da Consolação (2012), de série presente em individual na Galeria Millan, no ano passado, pode fornecer ao observador muitos dos sentidos contidos nessa superfície de 2,40 x 3 metros. Os fundos, as relações entre formas horizontais, verticais e os interstícios que se desenham entre eles, além das características materiais dessa tela algo enigmática, todo esse conjunto é beneficiado pela expografia ordenada e clara pensada para a exposição. Se pensarmos que Pasta, em 1984, fazia paisagens de canaviais e, um pouco mais tarde, revelava influências de Mario Sironi (1885-1961), concluímos que A Pintura É Que É Isto é um salto. Em Fortuna (2006), o artista ainda investia na relação entre abstrato e figurativo, gerando outras características que ressoavam nas questões pictóricas que o artista levantava, mas que, hoje, parecem resolvidas e catalisadoras de outras dúvidas mais ambiciosas. Chiarelli levanta em seu texto curatorial certa “crise da pintura”. Se, no Brasil, o debate no campo pictórico é frágil – já se condenou uma coletiva de pintura alemã no Masp, com nomes como Tim Eitel e Eberhard Havekost, por ter “apenas” pinturas; a Bienal de São Paulo mais recente sofreu críticas por ter destacado artistas-chave da linguagem como John Zurier e Bernard Frize –, a realização de mostras como a dedicada a Pasta tende a reforçar a contemporaneidade de trajetórias singulares, avessas a modismos e que constroem investigações e pesquisas poéticas de fôlego. Por menos pirotécnicas e mais silenciosas que sejam.
RINO COM
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v e r N i SSAG e
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A Atitude como poĂŠticA criAtivA A l e x i A TA l A
Rochelle Costi, que realiza individual na Galeria Luciana Brito, em setembro, cria verdadeiras poesias do cotidiano SELECT.ART.BR
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No muNdo em que vivemos, somos bombardeados com uma variedade de coisas materiais que eNtram em Nossas vidas através da publicidade, como apareNtes Necessidades. Há algo nessas mensagens da sociedade de consumo que faz com que apareça em nós um desejo de adquirir essas coisas. a atitude de rochelle costi em relação a isso, no entanto, é muito seletiva e não responde a esse tipo de “publicidade, nem a necessidades adquiridas”. ela escolhe e coleciona uma infinidade de objetos que muitas vezes vêm de relações de afeto e/ou experiências vividas. ela soube transformar o mundo à sua volta em um espaço próprio, cheio de encontros inesperados, cheio de vida, eventos, natureza para fotografar, objetos para colecionar e espaços para catalogar.
Ao remover o objeto de Seu coNtexto, A ArtiStA AlterA Seu SimboliSmo, criANdo muNdoS deScoNhecidoS que deSeStAbilizAm o eSpectAdor Acima, à esquerda, Cabeça de Boneca (2009); acima, Postais Dentro da Casinha (2009), ambas fotografias da série Desmedida
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À esquerda, Coleção Grandes Obras I (2013); à direita, Coleção Grandes Obras II (2013), fotografias de série exposta na individual na Galeria Luiciana Brito, em setembro
para criar suas obras, costi observa detidamente aquilo que para nós parece invisível, transformando-o em foco de interesse a partir de diferentes operações. ela o faz, por exemplo, quando se apropria do banal, ressignificando-o, como andy Warhol fez, nos anos 1960, ao se apropriar da brillo box (1964), ou das latas da sopa da campbell’s (1962) – ícones do consumo popular nos eua. ou quando remove certos objetos de um contexto, ao qual eles supostamente pertencem, inserindo-os em um novo, fazendo com que o sujeito, por vezes, perca ou ganhe escala, ou altere seu simbolismo criando mundos desconhecidos que desestabilizam o espectador e o posicionam em um lugar novo, com infinitos significados, tornando esse observador consciente das diferentes experiências do “ver”. por meio dessa aguda capacidade de observação, a artista cria verdadeiras poesias do cotidiano, usando a imagem tirada de seu próprio mundo e do mundo privado dos outros. ela cria cenas onde não há palavras, apenas imagens. No SELECT.ART.BR
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rochelle coSti Soube trANSformAr o muNdo à SuA voltA em um AmbieNte próprio, cheio de eNcoNtroS iNeSperAdoS, de objetoS pArA colecioNAr e eSpAçoS pArA cAtAloGAr
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trabalho de rochelle costi, “o ver vem antes das palavras”, como diria John berger, e, mais especificamente, a visão vem antes das imagens. assim ocorre na forma como ela corrige, seleciona, enquadra e dirige o olhar na captura de suas imagens. Finalmente, não precisa de palavras. a poesia aparece, é reconhecida e compreendida apenas ao parar e olhar. uma estratégia semelhante é usada por dziga vertov no cinema dos anos 1920, em sua proposta de capturar imagens contemporâneas para mostrar a realidade tal como ela era, destacando e expondo o que deixamos passar. sua intenção artística se desvincula de roteiros, cenários e atores; seu partido é captar o que o olho humano não consegue apreender e que, em seu caso, o olho da câmera, alcança. Nessa intenção descortina-se uma vertigem de imagens fragmentadas para contar uma história e para experimentar através das estratégias do corte e da seleção. a câmera substitui o olho humano e narra uma verdade objetiva, muito semelhante à que rochelle costi detém – FOTOS: CORTESiA dA ARTiSTA E GALERiA LuCiAnA BRiTO
por meio da lente de sua câmera fotográfica – naquilo que permanece invisível aos nossos olhos. isso significa que ela tem uma atitude perante a vida que não se dissocia da linguagem que escolheu para se expressar artisticamente. Nota-se isso ao entrar em sua casa, ao conhecer seu mundo privado, ao ouvir suas histórias e ao analisar como essa atitude de encarar a vida transcende seu universo criativo. os críticos Neil cummings e marysia lewandowska dizem que as coisas materiais têm a capacidade de falar sobre quem somos. “Há uma necessidade contínua de controlá-las, classificá-las e interpretá-las. Na verdade, usamos objetos como uma forma sofisticada de nos fazermos a nós, e ao nosso mundo, conhecidos.” Na sessão Vernissage, projeto realizado em parceria com galerias de arte brasileiras, publicamos uma análise crítica da obra de um artista contemporâneo que estará em exposição durante os meses de circulação da edição. O projeto prevê o lançamento de seLecT na abertura da exposição.
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Aquém e Além dA linguAgem Na exposição As Coisas Estão no Mundo, na Galeria Silvia Cintra+Box4, Marilá Dardot dá continuidade às suas leituras transversais entre os campos das artes visuais e a literatura AnA MAriA MAiA
O títulO deste textO fOi emprestadO da própria artista. em uma cOnversa em seu ateliê, enquantO me mOstrava O prOjetO da individual e afirmava certOs caminhOs e recOrrências dO seu trabalhO, marilá dardot me presenteou com esse termo-síntese para o que persegue como artista. a escrita é referendada quase sempre em sua obra: páginas de livros, citações de autores, a forma literária, os arquivos e índices remissivos, as palavras e as letras. apesar desse universo, que a artista toma como matéria, assunto e imagem, ela ratifica: “não optei por ser escritora”. Optou por acercar-se da linguagem escrita pelas bordas e submetê-la a outros espaços de fruição. com isso pôde, por um lado, corromper o estado de reclusão e autonomia que é particular à literatura e, por outro, atribuir e ampliar sensações, visualidades e espacialidades a partir do que os textos prescrevem. aquém e além de obras de nomes como mallarmé, cortázar, borges, barros e leminski, dardot apresenta-se como intérprete que suscita, a partir deles, experimentos de leitura que reinventam o original. Ou seja, nem só de perdas e ganhos é feito o trabalho da artista. como em terceira margem (2007), dupla de livros que, ao SELECT.ART.BR
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serem encadernados um em frente ao outro, a partir do mesmo miolo, ganha a solidez velada de uma escultura, as ambiguidades incontornáveis são comuns em outros projetos. na exposição as coisas estão no mundo, a artista mostra duas obras novas, que bem exemplificam esse ponto intermédio entre as artes visuais e a literatura. a instalação que dá título à individual é composta de 20 pilhas de papel de testes de impressão comprados em gráficas industriais. em cada uma das pilhas, a artista desbastou com um estilete as letras da estrofe de paulinho da viola na música coisas do mundo, minha nêga (1969). a frase toma toda a porção central da galeria. ela própria “está no mundo”, infletida da partitura para a vida, convivendo com os visitantes e organizando seu trânsito na sala de exposição. CitAçõeS à múSiCA e à liteRAtuRA apesar da possibilidade de tocar as folhas, não se trata de uma obra interativa, como a anterior, a Origem da Obra de arte (2002-2011), que consiste em um conjunto de letras do alfabeto em cerâmica para manuseio do público. em uma chave oposta à desta instalação atualmente montada nos jardins do instituto inhotim, em brumadinho (mG), qualquer movimento desmancha o arranjo de as coisas estão no mundo. essa condição
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mARilá dARdot optou poR ACeRCAR-Se dA linguAgem eSCRitA pelAS boRdAS e Submetê-lA A outRoS eSpAçoS de fRuição
Na página anterior, detalhes da obra Cores, Nomes (2013); à esquerda, detalhe de As Coisas Estão no Mundo (2013), ambas expostas na individual de Marilá Dardot, no Rio. Acima, à direita, No Silêncio Nunca Há Silêncio
atesta o tanto de perigo e delicadeza que concerne aos gestos de apropriação. como na canção, a obra leva a crer que tudo está dado, “só que (se precisa) aprender”, ou reverenciar sem se inibir, tornar familiar e não menos complexo. se considerarmos que, resguardada pela integridade de sua volumetria, esta instalação abarca um pensamento escultórico que foge às práticas tradicionais, pode-se dizer que o segundo trabalho da mostra trata de pintura. cores, nomes (em citação ao disco de caetano veloso) é uma série de seis quadros feitos a partir da ampliação de frases extraídas de poemas que descrevem cores. dessa premissa nasceram o branco e o vermelho, murilo (mendes); o negro e o amarelo, joão (cabral de melo neto); o verde, paulo (leminski) e o azul, manoel (de barros). particulares a seus autores e às analogias com que descrevem e tornam subjetivo o aparentemente óbvio, cada cor é aplicada pela artista em tinta guache sobre a frase. O pigmento toma o papel inteiro, deixando apenas leves marcas de pincel. no caminho aberto pela linha orgânica “descoberta” por lygia clark em 1954, cores, nomes afirma a sujeição da obra de arte ao contexto em que é produzida e acesFOTOS: mARiLá dARdOT, CORTESiA dA ARTiSTA E dA GALERiA SiLviA CinTRA+BOx4
sada. conduzidos por um mesmo guache, os verbetes dos poetas ganham texturas e tonalidades diferentes ao alcançar outras superfícies. se tratado de pintura e paisagem (2008) criava situações de mimetismo – em que capas de livros de uma cor camuflavam-se na vegetação em que eram fotografadas –, cores, nomes adentra pelo terreno da refração, dos pequenos desvios. esta, como toda sorte de coleção que a artista organiza no intuito de conter um universo (a exemplo do conjunto de “silêncios” que resultou em no silêncio nunca há silêncio, 2013, ou de aparições do termo “palavra” em ulysses, de james joyce, que rendeu ulyisses, 2008), multiplica-se em leituras transversais, que fogem ao que inicialmente se espera dos enunciados, sejam eles uma cor ou um texto, uma imagem ou uma história. dessa maneira, os atuais trabalhos de marilá dardot levam a crer que, sim, as coisas estão no mundo, mas, mais ainda, há mundos inteiros em cada coisa. Na sessão Vernissage, projeto realizado em parceria com galerias de arte brasileiras, publicamos uma análise crítica da obra de um artista contemporâneo que estará em exposição durante os meses de circulação da edição. O projeto prevê o lançamento de seLecT na abertura da exposição.
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EstarEmos comunicando Os motivos para estarmos ficando furiosos
Prezados fornecedores: informamos que não estaremos sendo interessados em promoções imperdíveis, ideias de novos consumos impensados, sugestões de produtos jamais cogitados e muito menos convites para estarmos sendo amiguinhos na suas animadíssimas páginas no Feice. Não estaremos usando sua #hashtag no Twitter para estarmos concorrendo a descontos pega-trouxas e a produtos fora de linha cobrados a peso de ouro em 200 mil parcelas na nossa fatura mensal. Contudo, entretanto, estaremos ficando muito irritados toda vez que quase estivermos batendo o carro para estarmos atendendo uma mensagem imbecil sobre um show da banda que nunca estaremos conhecendo e estaremos enfartando sempre que o nosso celular apitar no meio da madrugada, para estar avisando que nossa internet estará funcionando assim que o seu sistema estiver sendo restaurado. Por isso tudo, estaremos deletando todas as operadoras de celular, serviços de tevê a cabo e estabelecimentos comerciais que estiverem enviando mensagens de texto via celular e estaremos agendando nossos advogados para estarem tomando as providências. Sua ligação é muito importante para nós! GB
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FOTO: REpROduçãO
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OlhO mágicO (1926-1986)
Popularizado em meio à cultura do medo dos anos 1930 e 1940, o dispositivo teve sua pá de cal selada com a chegada do vídeo e dos sensores de presença
O visor de porta, poeticamente chamado de olho mágico em português, nasceu em data indefinida, muito embora há quem diga que tenha sido inventado, em 1932, por George Winningham, personagem enigmático sobre quem não se encontram muitas informações. Em francês, o dispositivo é chamado de Judas, aproximando a cultura da vigilância do território da traição. A primeira patente de que se tem conhecimento é de 1928, solicitada por William Frankel, em 1926, cidadão do estado de Nova York. Diretamente relacionado à segurança doméstica, o olho mágico nunca teve mãe, mas inúmeros pais, que fizeram diversos pedidos de registro em um dos mais policialescos momentos da história, entre os anos 1930 e 1940. Essas décadas, eternizadas pelos mortíferos regimes totalitários nazistas e fascistas, valeram-se da popularização da cultura do medo, fundamental para a consolidação do estado geral de prevenção, como mostrou o cineasta Ingmar Bergman em O Ovo da Serpente
Foto: reprodução
Cena de O Olho Mágico do Amor (1981). O filme conta a história de uma secretária, vivida por Carla Camurati, que supera o tédio do cotidiano ao descobrir que sua sala é vizinha de um prostíbulo onde trabalha uma prostituta interpretada por Tânia Alves
(1977), que investiga as ambivalências da Alemanha na criativa e complexa República de Weimar, nos anos 1920. Ao longo de 30 anos sofreu poucas mutações, ganhando acessórios de acabamento e sofisticação nas lentes. Foi apenas nos anos 1980 que as tecnologias de “defesa doméstica” foram definitivamente transformadas pela possibilidade de incorporação do vídeo (do latim “eu vejo”) aos lares, tornando-se corriqueiras a partir dos anos 1990. Em 1986, quando a Sony registrou um sistema para vigilância dos outdoors, selava-se a pá de cal nos antigos olhos mágicos. Sensores de presença, identificadores de voz e novas tecnologias de reconhecimento de íris e leitura (escaneamento) de digitais, nas primeiras décadas do século 21, rapidamente arquivaram essa história. Ficam na memória e nos anais da ficção os dias em que ainda valia a regra humana, demasiadamente humana, de que The Big Brother is Watching You. GB
EM CONSTRUÇÃO
Rodolpho paRigi no piVÔ 114
A história da arte brasileira é evocada por Rodolpho Parigi em nova série de trabalhos. Na tela Tamoio Encontra Moema, Parigi apropria-se de pinturas de Rodolfo Amoedo e Victor Meirelles do fim do século 19. Contemporâneas entre si, Último Tamoyo (1883) e Moema (1886) coincidem em condenar a dizimação indígena ao retratar dois jovens índios que jazem à beira-mar. Essas duas figuras são o centro gravitacional da grande pintura de 2 x 4 metros, desenhadas por Parigi com tinta acrílica vermelha e caneta esferográfica. O trabalho será exibido ao lado de colagens e de uma performance, em individual que abre em 21 de setembro na Associação Cultural Pivô, no Edifício Copan, em São Paulo, mesmo local onde o artista tem atualmente seu ateliê e onde as telas foram pintadas. F OTO M OA S I T I B A L D I
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O ITAÚ CULTURAL FAZ MAIS PELA ARTE PARA A ARTE FAZER MAIS POR VOCÊ. PILAR COMUNICAÇÃO
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O Itaú Cultural restaura e digitaliza o acervo de artistas e apoia a execução de projetos ainda não realizados.
Referência no campo da pesquisa na internet, com textos, fotos, áudios e vídeos, a Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras reúne dados biográficos e informações sobre a produção de artistas ligados a diversas áreas de expressão (artes visuais, arte e tecnologia, literatura, teatro, cinema, dança e música).
Além de apresentar exposições com a obra completa de artistas fundamentais da cultura brasileira, o Itaú Cultural publica catálogos, realiza debates, palestras, cursos e oficinas e organiza mostras em outros espaços, dentro e fora de São Paulo.
Ao promover cursos de história da arte em cidades brasileiras que estão fora do roteiro das grandes exposições, o instituto insere os habitantes desses locais no circuito das artes.
www.itaucultural.org.br realização /itaucultural fone 11 2168 1777 atendimento@itaucultural.org.br