SeLecT Nº 16

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a r t e D e S I G N C U Lt U r a C O N t e M P O r â N e a t e C N O L O G I a

MAURO RESTIFFE JONATHAS DE ANDRADE PABLO LEÓN DE LA BARRA MARCONE MOREIRA PABLO HELgUERA

DECRETO-CONFUSÃO

Mercado reage à regulamentação do Estatuto de Museus NOVOS MUSEUS

Como a cultura age sobre o urbanismo de SP, RJ e BH ENTREVISTA GLENN LOWRY

Diretor do MoMA-NY fala sobre investimento em arte brasileira 100 ANOS DE LINA BO

0 3 9 3 0 0 3 7 7 2 2 3 6 9

I S SN

2 2 3 6 - 3 9 3 9

0

0

1

6

fev/mar 2014 aNO 04 eDIÇÃO 16 r$ 14,90

Para a arquiteta, não há projeto sem programa

Arquitetura nos Trópicos, Museo del Cerro, Puerto Rico (2002), Pablo León de la Barra


a d i v a d O bom tagens n a . v os r ã te m é s a d e c n ao alca

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O BOM DA VIDA

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Ourocard Platinum Estilo. Bom é ter um cartão que permite fazer compras no débito, crédito ou crediário. É contar com o Ponto pra Você, o mais completo programa de relacionamento, e, ainda, ter benefícios como serviço de concierge e seguros de viagens. Converse com seu gerente e saiba mais.

Plat inum

EMANUEL

REGO

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64 urBANISmO

MUSEUS DE AMANHÃ Em ensaio, o arquiteto Gabriel Kogan e o fotógrafo Mauro Restiffe discutem as transformações de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte à luz de seus novos museus

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58

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40

26

TENDÊNCIA

NOVOS ESPAÇOS

CulTurA DIgITAl

POrTfÓlIO

muNDO CODIfICADO

O EDUCATIVO SE TRANSFORMA

INTERVENÇÕES CASEIRAS

#MEUMUSEU Projeto colaborativo

pAblO lEóN DE lA bARRA

TRADIÇãO E INOVAÇãO

Capacitação do público vira

Residências de Hilda Hilst

com leitores de seLecT

Artista e curador propõe

Mudanças em direção,

prioridade para algumas

e Eva Klabin abrigam

revela coleções pessoais

nova historiografia

gestão, prioridades e

das melhores instituições

projetos de artistas

inusitadas

dos trópicos

comunicação dos museus

SELECT.ART.BR

OUT/NOV 2013


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SEçõES

6

E D i tO r i A L

12

C A r tA s / s E L E C t E X PA N D i D A

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sELECts/ AGENDA

22

sELECts/ ArquitEturA

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DELEtE

97

OBituáriO

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EM CONstruçãO

E N T R E V I S TA

glenn lowry Diretor do MoMA-NY fala sobre games, mercado, arte brasileira e o foco do museu em arte contemporânea

76 ARQUITETURA

museus de lina Valorização da cultura local e da memória coletiva marca os projetos de Lina Bo Bardi, cujo centenário é celebrado em 2014

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46

R E P O R TAG E M

PORTFÓLIO 96 96 96

sob o radar do ibram Os efeitos, os debates e a polêmica gerados pela publicação do decreto que regulamenta o Estatuto de Museus

Fotos: HELENA WoLFENsoN, AcErvo iNstituto LiNA bo E P.M. bArdi, juAN EstEvEs E EdouArd FrAiPoNt. NA PágiNA Ao LAdo: MAuro rEstiFFE

Jonathas de andrade Artista alagoano propõe versão alternativa para museu concebido por Gilberto Freyre

5 73


E D I TO R I A L

6 72

O mundo como museu Ao chegar no Brasil em 1946 e ser convidada a projetar um museu de arte em São Paulo, Lina Bo Bardi, impregnada pela paisagem tropical, afirmou: “Os museus novos devem abrir suas portas, deixar entrar o ar puro, a luz”. Em cada um dos museus que projetou no País, revisitados nesta edição por Lisette Lagnado, Lina Bo reinventava as funções e as relações dos edifícios com os seus meios, abrindo-os para o mundo, sempre em busca do frescor da experiência. Assim como o escritor e político francês André Malraux havia idealizado o Museu sem Paredes em 1935. Dos projetos de Lina aos textos de Malraux, a função do museu vem sendo continuamente revista. Em alguns dos programas institucionais mais interessantes que temos hoje, o discurso unidirecional foi adequado em diálogos bidirecionais; a visão compartilhada superou a visão singular; a função de proteção foi relativizada pela de acolhimento. Pilotado por Giselle Beiguelman, o Mundo Codificado elucida, em linhas curtas e grossas, o que está mudando em termos de prioridades, estratégias de gestão e comunicação dos museus contemporâneos. “Os museus devem ser o pivô, o ponto de articulação entre passado e futuro”, diz Glenn Lowry a Marcos Augusto Gonçalves. O diretor do MoMA-NY afirma que, por um lado, os melhores museus estão sempre procurando aperfeiçoar suas coleções, buscando adquirir trabalhos icônicos e importantes do ponto de vista histórico e critico. Mas, por outro, afirma categoricamente que a função de um museu não é só colecionar, mas

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Paula Alzugaray

estabelecer canais de comunicação com a comunidade de artistas emergentes, instituindo-se como plataforma de experimentação. Com o respeito que uma importante instituição como o MoMA merece, para os brasileiros não é exatamente uma novidade que um museu seja lugar de trocas de conhecimento e comunicação. Entendemos o museu como observatório do mundo desde que Walter Zanini dirigiu o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), entre 1963 e 1978. A gestão vanguardista do MAC-USP está revista na exposição Por um Museu Público: Tributo a Walter Zanini, aqui resenhada pela repórter Luciana Pareja Norbiato. Mas os argumentos de Glenn Lowry na entrevista exclusiva concedida à seLecT nos são de imensa utilidade em um momento em que o sistema de arte brasileiro se inflama com o recém-publicado Estatuto de Museus – discussão levantada na reportagem Decreto-Confusão, conduzida por Márion Strecker. Em seu afã e know-how colecionista, o MoMA tem como questão crucial a delimitação de seus critérios de escolha. “A questão mais interessante é a conceitual. Quais os parâmetros a considerar?”, indaga Lowry. A mesma dúvida caberia ao IBRAM. O que o Brasil deve colecionar? O que deve se comprometer a preservar? E quem deve responder por essas estratégias?

Paula Alzugaray

Ricardo van Steen

Giselle Beiguelman

Márion Strecker

Luciana Pareja Norbiato

Hassan Ayoub

Luciana Fernandes

Roseli Romagnoli

Guilherme Kujawski

Diretora de Redação

ILuSTRAçõES: RICARdo vAn STEEn, A pARTIR do ApLICATIvo fACE youR mAngá


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[

] Renata Lucas 22.03 - 19.04


colaboradores

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ana Maria Maia

lisette lagnado

gabriel kogan

Jornalista e mestre em História da Arte. Foi curadora-assistente do 33º Panorama da Arte Brasileira do MAM-SP. – vernissage p 54

Crítica de arte e doutora em Filosofia pela USP, foi curadora do 33º Panorama da Arte Brasileira do MAM-SP e da 27a Bienal de São Paulo (Como Viver Junto, 2006). – arquitetura p 76

Jornalista e arquiteto formado pela FAU-USP, com mestrado no Unesco-IHE da Holanda. – urbanismo p 64

helena Wolfenson

Mauro restiffe

Marcos augusto gonçalves

Formada em Jornalismo pela PUC-SP, foi repórter de revistas brasileiras até mudar-se para Nova York, onde estudou fotografia documental no International Center of Photography. – entrevista p 36

Fotografa em filme preto e branco desde 1988 e ainda persiste em fazêlo. Expõe seu trabalho regularmente no Brasil e no exterior. – urbanismo p 64

Foi editor dos cadernos Ilustrada e Mais! da Folha de S.Paulo. É autor de 1922 – A Semana Que Não Terminou (Cia. das Letras, 2012). – entrevista p 36

Juan esteves Fotógrafo, publicou quatro livros autorais e colaborou em outros livros, além de jornais e revistas, em mais de dez países. – reportagem p 28

gabriela longMan

Patricio bisso

Jornalista e mestre em História da Cultura pela EHESS-Paris. Trabalha na área de comunicação internacional da Bienal de São Paulo. – ipad instituições

Nasceu na Argentina e trabalha como humorista, ator, cenógrafo, figurinista, ilustrador e colunista. – delete e obituário p 96 e 97

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gisela doMschke

ludovic carèMe

Artista e curadora independente, é diretora artística do Labmovel e curadora da IV Mostra 3M de Arte Digital. – reviews p 90

Fotógrafo francês radicado no Brasil, publica regularmente em jornais e revistas como Libération, New York Times, Guardian e Rolling Stone. – em construção p 98


Larry Bell The Carnival Series

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Abertura Sábado, 15 de fevereiro de 2014, das 14 h às 17 h Exposição 18 de fevereiro a 22 de março de 2014 De terça-feira a sábado, das 11 h às 19 h

Mark Bradford Abertura Terça-feira, 1 de abril de 2014, das 19 h às 21 h Exposição De 2 de abril a 14 de junho de 2014 De terça-feira a sábado, das 11 h às 19 h

SP–Arte 2014 De 3 de abril a 6 de abril 2014

White Cube São Paulo Rua Agostinho Rodrigues Filho, 550 + 55 (11) 4329 4474 whitecube.com

Larry Bell, SF 3.6.12, 2012

Bermondsey London

Hong Kong

Mason’s Yard London

São Paulo


EXPEDIENTE

EDITOR E DIRETOR RESPONSÁVEL: DOmINgO ALzugARAy EDITORA: CÁTIA ALzugARAy PRESIDENTE-ExECuTIVO: CARLOS ALzugARAy

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DIRETORA DE REDAçãO: PAuLA ALzugARAy EDITORA-ChEfE: gISELLE bEIguELmAN DIREçãO DE ARTE : RICARDO VAN STEEN EDITORA CONVIDADA: mÁRION STRECkER EDITOR míDIAS DIgITAIS: guILhERmE kuJAwSkI REPóRTER: LuCIANA PAREJA NORbIATO COLABORADORES

Ana maria maia, gabriel kogan, gabriela Longman, gisela Domschke, helena wolfenson, Juan Esteves, Lisette Lagnado, Ludovic Carème, marcos Augusto gonçalves, mauro Restiffe e Patricio bisso

pROjEtO gRáfiCO DESigNER SECREtáRiA DE REDACãO

Ricardo van Steen e Cassio Leitão Luciana fernandes Roseli Romagnoli

pESQUiSA DE fOtOgRAfiA

Letícia Palaria

COpy-DESk E REviSãO

hassan Ayoub

pRé-impRESSãO

Retrato falado

CONtAtO SERviçOS gRáfiCOS mERCADO LEitOR ASSiNAtURAS

faleconosco@select.art.br gERENTE INDuSTRIAL: fernando Rodrigues DIRETOR: Edgardo A. zabala DIRETOR DE VENDAS PESSOAIS: wanderlei Quirino DIRETOR DE TELEmARkETINg: Anderson Lima gERENTE ADmINISTRATIVA DE VENDAS: Rosana Paal gERENTE DE ATENDImENTO AO ASSINANTE: Elaine basílio gERENTE DE ASSINATuRAS (SuDESTE) Pablo Pizzutiello gERENTE DE ASSINATuRAS (SuL): Sidnei Domingues Caetano gERENTE gERAL DE PLANEJAmENTO E OPERAçõES: Reginaldo marques gERENTE DE OPERAçõES E ASSINATuRAS: Carlos Eduardo Panhoni gERENTE ONLINE w PARCERIAS Solange Chiarioni gERENTE DE TELEmARkETINg: Renata Andrea gERENTE DE CALL CENTER: Ana Cristina Teen CENTRAL DE ATENDImENTO AO ASSINANTE: (11) 3618.4566. De 2ª a 6ª feira das 09h00 às 20h30 OuTRAS CAPITAIS: 4002.7334 DEmAIS LOCALIDADES: 0800-888 2111(ExCETO LIgAçõES DE CELuLARES) ASSINE www.assine3.com.br ExEmPLAR AVuLSO www.shopping3.com.br

vENDA AvULSA

gERENTE: Luciano Sinhorini COORDENADORES: Jorge burgatti e Ricardo Augusto Santos CONSuLTORAS DE mERChANDISINg: Alessandra Silva e Talita Souza Primo ASSISTENTES: Ricardo Souza e gislaine Aparecida Peixoto.

OpERAçÕES

DIRETOR: gregorio frança. gERENTE: Renan balieiro. COORDENADOR DE PROCESSOS gRÁfICOS: marcelo buzzo. ANALISTA: Luiz massa. ASSISTENTE: Daniel Asselta. AuxILIAR: Indianara Andrade. COORDENADORAS DE LOgíSTICA E DISTRIbuIçãO DE ASSINATuRAS: karina Pereira e Regina maria. ANALISTA JR.: Denys ferreira. AuxILIAR: Cesar william. OPERAçõES LAPA: Paulo henrique Paulino.

mARkEtiNg pUBLiCiDADE

DIRETOR: Rui miguel gERENTES: Débora huzian REDATOR: marcelo Almeida DIRETOR DE ARTE: Thiago Parejo ASSISTENTE DE mARkETINg:Andréia Silva DIRETOR NACIONAL: José bello Souza francisco gERENTE:Tania macena SECRETÁRIA DIRETORIA PubLICIDADE: Regina Oliveira COORDENADORA ADm. DE PubLICIDADE: maria da Silva gERENTE DE COORDENAçãO: Alda maria Reis COORDENADORES: gilberto Di Santo filho e Rose Dias AuxILIAR: marília gambaro CONTATO: publicidade@select.art.br RIO DE JANEIRO-RJ: Diretor de Publicidade: Expedito grossi gERENTES ExECuTIVAS: Adriana bouchardet, Arminda barone e Silvia maria Costa COORDENADORA DE PubLICIDADE: Dilse Dumar; Tel.s: (21) 2107-6667 / (21)2107-6669 bRASíLIA-Df: gerente: marcelo Strufaldi; Tel.s: (61) 3223-1205 / 3223-1207; fax: (61) 3223-7732 SP/CAmPINAS: mário EsTel.ita - Lugino Assessoria de mkt e Publicidade Ltda.; Tel./fax: (19) 3579-6800 SP/RIbEIRãO PRETO: Andréa gebin - Parlare Comunicação Integrada; Tel.s: (16) 3236-0016 / 8144-1155 mg/bELO hORIzONTE: Célia maria de Oliveira - 1ª Página Publicidade Ltda.; Tel./fax: (31) 3291-6751 PR/CuRITIbA: maria marta graco - m2C Representações Publicitárias; Tel./fax: (41) 3223-0060 RS/PORTO ALEgRE: Roberto gianoni - RR gianoni Com. & Representações Ltda. Tel.: (51) 3388-7712 PE/RECIfE: Abérides Nicéias - Nova Representações Ltda.; Tel./fax: (81) 3227-3433 bA/SALVADOR: Ipojucã Cabral - Verbo Comunicação Empresarial & marketing Ltda.; Tel./fax: (71) 3347-2032 SC/fLORIANóPOLIS: Paulo Velloso - Comtato Negócios Ltda.; Tel./fax: (48)32240044 ES/VILA VELhA: Didimo benedito - Dicape Representações e Serviços Ltda.; Tel./fax (27)3229-1986 SE/ARACAJu: Pedro Amarante - gabinete de mídia - Tel./fax: (79) 3246-4139/9978-8962 Internacional Sales: gSf Representações de Veículos de Comunicações Ltda - fone: 55 11 9163.3062 - E-mail: gilmargsf@uol.com.br mARkETINg PubLICITÁRIO - DIRETORA: Isabel Povineli gERENTE: maria bernadete machado COORDENADORA: Simone f. gadini ASSISTENTES: Ariadne Pereira, Regiane Valente e marília Trindade 3PRO DIRETOR DE ARTE: Victor S. forjaz REDATOR: bruno módolo

SELECT (ISSN 2236-3939) é uma publicação da EDITORA bRASIL 21 LTDA., Rua william Speers, 1.000, conj. 120, São Paulo - SP, CEP: 05067-900, Tel.: (11) 3618-4200 / fax: (11) 3618-4100. COmERCIALIzAçãO: Três Comércio de Publicações Ltda.: Rua william Speers, 1.212, São Paulo - SP; DISTRIbuIçãO ExCLuSIVA Em bANCAS PARA TODO O bRASIL: fC Comercial e Distribuidora S.A., Rua Dr. kenkiti Shimomoto, 1678, Sala A, Osasco - SP. fone: (11) 3789-3000 ImPRESSãO: Log & Print gráfica e Logística S.A.: Rua Joana foresto Storani, 676, Distrito Industrial, Vinhedo - SP, CEP: 13.280-000 www.SELECt.ARt.BR

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MARCONE MOREIRA

RENATA CRUZ

22 FEV . 5 ABR

12 ABR . 10 MAI

R UA F R AD I Q UE C OUT I N HO . 1 4 6 4 V I L A M ADAL E N A . C E P 0 5 4 1 6 -0 0 1 S ÃO PAULO . S P . B R AS I L T. + 5 5 1 1 3 4 6 7 . 8 8 1 9 . 3 4 6 7 . 8 8 0 1 T E R ÇA A S ÁB AD O DAS 1 1 H ÀS 1 9 H W W W. B L AUP R OJE CT S . C OM


c a r ta s

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Todos os artigos da revista estão fantásticos. Vocês estão escrevendo sobre meus artistas e projetos de mídia digital favoritos. Lev Manovich

Teórico de mídias e professor na City University of New York

Recomendo, galera. Amo essa revista. Italo Cruz (via Facebook) O tema é instigante e a revista é ótima, vale a leitura. Maria Amélia Bulhões

Professora em Artes Visuais da UFRGS (Via Facebook) A revista seLecT é uma boa sugestão para ficar por dentro de novidades sobre os formatos comunicacionais e mais... Paulo Klein Jornalista, (via Facebook)

Adorei esta edição! Finalmente, uma revista que li por completo. Só me faltou mastigá-la. Ruana Moreira (via Facebook) A revista é extraordinariamente boa e muito bem desenhada. Paulo Portella Filho (via Facebook) A seLecT acabou de chegar aqui em casa e, como sempre, está fantástica. Parabéns! Rafael Mostardeiro (via Facebook) A seLecT está incrível! Gisela Domschke Artista e curadora independente (via e-mail)

A seLecT #15 está boa demais da conta. Não dá para compartilhar tudo aqui, mas recomendo a entrevista de Giselle Beiguelman com Lev Manovich e o ensaio “Presente mais que absoluto”, também assinado por ela. Temas urgentes que passam longe das discussões sobre o excessivo domínio dos templates e a memória que estamos construindo nas redes. Luciana Moherdaui Jornalista, (via Facebook) seLecT é a melhor página no Facebook a ser seguida Osmar Domingos (via Facebook)

Escreva-nos Rua Itaquera, 423, Pacaembu, São Paulo - SP CEP 01246-030

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seLecT expandida #meumuseupessoal Leonardo Crescenti e sua coleção de máquinas fotográficas antigas é o destaque do projeto colaborativo da seLecT com seus leitores (veja na página 86). Conheça todas as fotos inscritas em: tinyurl.com/q6mxudj

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Espaços da arte Quais as principais características que devem ser relevadas num projeto arquitetônico de museu? Há exemplos nos quatro cantos do mundo. Além dos quatro exemplos da versão impressa, outros estão disponíveis na versão iPad da revista.

Estatuto de Museus Leia a íntegra das entrevistas realizadas por Márion Strecker para sua reportagem no site da seLecT: tinyurl.com/psbtlus

Sua foto na seLecT de Abril/Maio Como a arte se relaciona com a política? Envie sua foto via Instagram com as hashtags #artepolitica #revistaselect

MACs Leia também na versão iPad artigo de Gabriela Longman sobre os Museus de Arte Contemporânea do Brasil. Siga e participe da seLecT facebook.com/selectrevista

200 mil em ação seLecT ultrapassa 200 mil seguidores no Google+

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AGENDA

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AG E N DA

RIo dE JAnEIRo

RECORTE ECONÔMICO BRICS,17/2 a 20/4, Oi Futuro Flamengo, Rua Dois de Dezembro, 63, RJ www.oifuturo.org.br A recente pujança do BRICS, bloco econômico formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, é o gancho da mostra de fotografia e vídeo produzida pelo Goethe Institut em parceria com o Instituto Cultural BrasilAlemanha. Pelas lentes de nomes como Glauber Rocha, Roman Mokrov (Rússia), Sarnath Banerjee (Índia), Chen Chieh-Jen (China) e Donna Kukama (África do Sul), ganham evidência questões sociopolíticas efervescentes nos países em constante e vertiginosa transformação.

RIo dE JAnEIRo

DA PRANCHA AO SHAPE Deslize <Surfe Skate>, até 27/4, MAR, Praça Mauá, 5, RJ www.museudeartedorio.org.br Um percurso transita de registros dos rudimentos do surfe no Havaí, em 1778, até sua versão portátil sobre rodas na exposição em cartaz no museu da zona portuária do Rio de Janeiro. Para esse resultado, Raphael Fonseca selecionou cerca de 120 obras que trazem nas entrelinhas as implicações sociais do surfe e do skate na atualidade carioca. Entre os destaques, a coleção de pranchas do lendário surfista Rico de Souza e objetos relacionados ao skate de Eduardo Yndyo, um dos maiores colecionadores do esporte no País.

Acima, Pushing People (2008), trabalho do chinês Chen Chie-Jen, exposto em BRICS, À direita, um dos poemas concretos de Ronaldo Azeredo em cartaz no Espírito Santo. Abaixo, foto de 2013 de Alex Carvalho que integra mostra sobre surfe e skate no MAR

VItóRIA

CONCRETO COMPLETO Ronaldo Azeredo: O Mínimo Múltiplo (In)comum, até 23/3, MAES, Av. Jerônimo Monteiro, 631, Vitória (ES) Um dos ícones da poesia concreta, Ronaldo Azeredo foi dos mais jovens integrantes do Noigandres, grupo dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos, no qual ingressou aos 17 anos. Realizou obras visuais concisas tanto em papel quanto em forma de objetos. Na mostra que excursiona pelo Espírito Santo depois de passagem pela Casa das Rosas (SP), sua obra completa (32 poemas e seis textos em prosa) ganha revisão pela curadoria de Marli Siqueira Leite, autora de tese sobre o poeta. SELECT.ART.BR

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foToS: dE CimA pARA BAixo, ChEn ChiE-jEn, hid SAiB E ALEx CARvALho


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AGENDA

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AG E N DA

Laure Prouvost, artista francesa radicada em Londres e ganhadora do Turner Prize 2013, posa com um de seus trabalhos conceituais

perfil

Garota premiada Laure Prouvost: For Forgetting, de 12/2 a 13/4, New Museum, 235 Bowery, NY www.newmuseum.org

O ano passado não foi nada desprezível para a francesa Laure Prouvost, 35 anos. Radicada em Londres desde a sua formação em visuais no Goldsmiths College e na Central Saint Martins, a artista foi anunciada em 2 de dezembro como vencedora do Turner Prize 2013, o que lhe rendeu 40 mil libras (cerca de R$ 160 mil). Na mais importante premiação concedida a artistas com menos de 50 anos atuantes no Reino Unido, desbancou os favoritos David Shrigley e Tino Sehgal, além da quarta concorrente, a pintora Lynette Yiadom-Boakye. Não é a primeira vez que Prouvost tem seu trabalho reconhecido por um júri. Ganhou a edição 2011-2013 do Max Mara Art Prize for Women, parceria entre a grife italiana e a Whitechapel Gallery, que seleciona artistas mulheres também em atuação no Reino Unido. Em 2013, ela teve sua instalação Swallow, produzida na residência de seis meses na Itália, exibida em Reggio Emilia e em Londres. Tanto a residência quanto as exposições são o resultado do prêmio. Mesclando conceitualismo e humor, suas instalações utilizam suportes variados, como vídeo, pintura, colagem, escultura e objeto. Por meio de associações não usuais, até mesmo malucas, ela subverte o senso comum em busca de novas possibilidades de existência. Na individual que realiza no New Museum, como estreia em solo norte-americano, a instalação For Forgetting traz objetos espalhados diante de um mural de colagens que tem em seu centro um vídeo de narrativa fragmentada e inconcludente. Em foco, questões e possibilidades da memória e do esquecimento influenciando relações de poder e posse. E essa mostra é só o começo de 2014 para ela, que já tem exposições-solo programadas em Berlim, Cidade do México, Nápoles, Bruxelas e Paris, além de participações em coletivas em Dijon, Genebra, Antuérpia e Los Angeles, entre outras cidades. LpN SELECT.ART.BR

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foTo: CoRTESIA DA ARTISTA/moT INTERNATIoNAL


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www.lucianacaravello.com.br Rua Bar達o de Jaguaripe, 387 - Ipanema - Rio de Janeiro, RJ


AGENDA

AG E N DA

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acima, Fabiana Faleiros e Thiago Honório na red bull Station; à esquerda, still do vídeo Tônus 1 (2012), de rodrigo braga. abaixo, da esquerda para a direita, larry bell, que está na White Cube SP e James Turrell, que abre exposição na Pace de londres

Columbia

S ã o Pa u lo

MORANDO NA ESTAÇÃO 1 a Exposição da Residência Artística Red Bull Station, a partir de 18/2, Praça da Bandeira, 137, SP www.redbullstation.com.br O estiloso casarão no Centro Velho de SP abre ao público a primeira leva de trabalhos produzidos entre suas paredes. No time da vez, selecionado pela curadora Paula Borghi, estão Ale Domingues, Chico Togni, Fabiana Faleiros, Raquel Uendi, Rodolpho Parigi e Thiago Honório. Eles trabalharam durante quatro meses suas pesquisas individuais, enriquecidas pelas conversas em grupo e encontros com curadores como Tobi Maier e Marcio Harum. Luz, foto, palco e performance dão o tom das obras.

BRASIL PRA OHIO VER Cruzamentos: Contemporary Art in Brazil,, até 20/4, Wexner Center of Art, The Ohio State University, EUA Pode-se medir a temperatura da arte brasileira na cena norte-americana pela existência de um núcleo multidisciplinar exclusivo para ela na Universidade do Estado de Ohio. Chamada Via Brasil, a iniciativa gerou a mostra Cruzamentos, em que 35 artistas brasileiros, como Marcius Galan, Rodrigo Braga e Laura Belém, apresentam trabalhos cuja característica marcante é a utilização de mídias e técnicas diversas, remetendo à variedade de povos e culturas que, mesclados, fazem do Brasil um país tão singular. SELECT.ART.BR

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lo n d r e S / S ã o Pa u lo

LUZ E ESPAÇO EM DOSE DUPLA Larry Bell: The Carnival Series, de 18/2 a 22/3, White Cube SP, R. Agostinho Rodrigues Filho, 550, SP www.whitecube.com James Turrell, de 6/2 a 5/4, Pace Gallery London, Burlington Gardens, 6, Londres www.pacegallery.com

Dois cânones do movimento Light and Space ganham individuais, simultaneamente, em solo brasileiro e inglês. Na White Cube paulistana, aporta pela primeira vez Larry Bell, trazendo as obras-colagens da série Mirage Paintings. Nelas, as formas são obtidas pela sobreposição de camadas de materiais como papel, alumínio e película plástica, além de tinta acrílica. Os volumes se constroem na relação com a tela, ora amalgamados a ela por um processo de laminação aquecida, ora inflados e deslocados. Em Londres, James Turrel tem exibidas quatro videoinstalações, duas da série Tall Glass e duas da Wide Glass, em que a cor se expande por meio do efeito luminoso da projeção.

foToS: dE CimA pARA BAixo, divuLgAção/REd BuLL ConTEnT pooL, CoRTESiA dE RodRigo BRAgA/gALERiA vERmELho, fLoRiAn hoLzER E CoRTESiA whiTE CuBE


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AGENDA

AG E N DA

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Porto Alegre

ANTONIO DIAS: MANTENDO A LINHA Antonio Dias, Fundação Iberê Camargo, de 13/3 a 18/5, Av. Padre Cacique, 2.000, Porto Alegre, www.iberecamargo.org.br

Na era dos artistas de temporada, é reconfortante acompanhar as empreitadas atuais do mestre Antonio Dias na pintura para notar que ela segue fresca e relevante, ao mesmo tempo que vem sendo refinada pela vasta experiência do artista, que completa 70 anos este ano. Nas telas, o embate entre o plano e a volumetria se dá pelos efeitos cromáticos, em que diluição e gotejamento remetem a uma cosmogonia de contrastes. Mas não só na técnica pictórica reside a construção intrincada de plano e contraplano: contribui para esse jogo a própria organização do suporte, fragmentado em telas de dimensões e formatos variados acopladas umas às outras fora de prumo. Na exposição que a Fundação Iberê Camargo apresenta a partir de 13 de março figuram trabalhos produzidos ao longo de 14 anos – de 1999 a 2013. A seleção ficou a cargo do crítico Paulo Sergio Duarte, cuja relação com a obra do artista vem de mais de 40 anos. Ele vê na produção atual de Dias a potência emancipadora em relação a um mundo cada vez mais automático. “O encontro com a arte deveria ser esse momento em que nos libertamos desse olhar cotidiano. Para isso é necessário uma obra de arte poderosa. Não é qualquer obra de arte que nos alivia do olhar abrutalhado pelo dia a dia. É isso que temos aqui, uma obra que liberta, no melhor sentido, o olhar.” A verve transgressora de Dias segue atuante, ainda que elegantemente lapidada pelo passar do tempo. LPN SELECT.ART.BR

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obra Sem título (2011) e Autonomias (2008) integram mostra da produção recente de Antonio Dias SéRgio guERini E viCEnTE dE mELLo


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ARQUITETURA por Guilherme Kujawski

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A Arte de projetAr o espAço Projetar museus e instituições culturais não é tarefa para megalomaníacos sem noções básicas do que seja o “entorno associado”. Os arquitetos de museus talvez devessem levar em conta que o diabo está nos detalhes, não nas minúcias da planta livre, é claro, mas em coisas como sistemas de fluxo, acessibilidade, resolução da tensão entre o “cubo branco” e a “caixa preta”, inclusão de espaços de formação de público e uma estrutura capaz de facilitar as relações institucionais com a cidade e interagir de forma sustentável com o meio ambiente. Escolhemos quatro museus inaugurados recentemente (ou prestes a ser inaugurados) para ilustrar a tese.

jumex Inaugurado em novembro de 2013, o Museo Jumex, maior instituição particular de arte contemporânea da América Latina (iniciativa de Eugenio López Alonso, único herdeiro do império mexicano de sucos Jumex), foi projetado pelo escritório do arquiteto britânico David Chipperfield, que já conta com experiência de 15 anos em projetos de museus. Os cinco andares, distribuídos numa área semitriangular de 2,5 mil metros quadrados, são cobertos pelo telhado em formato de serrote, o que permite a entrada de luz natural para as galerias do piso superior. As paredes de concreto são cobertas por placas de travertino branco (tipo de rocha calcária semelhante ao mármore). O projeto é a antítese da monumentalidade do novo Museo Soumaya, desenhado pelo arquiteto mexicano Fernando Romero, situado próximo ao Jumex.

KMoMA O escritório suíço de arquitetura Herzog & de Meuron, notório pelo projeto do Tate Modern, foi comissionado para desenhar o KMOMA (iniciais em inglês para Museu de Arte Moderna de Calcutá, a capital do estado de Bengala Ocidental, na Índia). O projeto é uma síntese das construções ocidentais orientais, bebendo na fonte da modernidade e dos templos religiosos. É possível notar as duas ordens de magnitude da construção em perfeita harmonia: os blocos de concreto celular e os blocos estruturais que compõem a totalidade do projeto do museu. A fachada é coberta por placas de treliça metálica, remetendo sutilmente às filigranas dos alto-relevos vistos em frontões de templos clássicos. Assim como no Jumex, esse é um recurso que permite a penetração da luz natural nos espaços expositivos.

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Centro de Cultura e Arte de Qingdao O Centro Qingdao Cultura e Arte vai ocupar uma área de 180 mil metros quadrados em Qingdao, cidade chinesa situada às margens do Rio Amarelo, na província de Shandong. O projeto do arquiteto norte-americano Steven Holl é, na verdade, um complexo de museus distribuídos em ilhas ao largo da Baía de Jiaozhou, sobre a qual atravessa a maior ponte do mundo sobre o mar, segundo o Guinness. Os quatro blocos, dedicados à arte clássica, moderna, arte pública e artes performáticas (incluídas aí as mídias digitais), são ligados continuamente por “parques estruturais”, o que imprime ao conjunto total, visto de cima, o aspecto de “filamento de lâmpada incandescente”, segundo a metáfora de Holl. O projeto também prevê a implantação de várias tecnologias limpas: células fotovoltaicas dispostas entre as claraboias fornecem 80% das necessidades elétricas do edifício e, além disso, 480 poços geotérmicos aquecem a água encanada do complexo.


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Pérez Art Museum Miami Ao largo da Baía Biscayne, em Miami, no antigo Bicentennial Park, foi inaugurado no fim do ano passado o Pérez Art Museum Miami, também idealizado pelo escritório suíço Herzog & de Meuron. Um dos diferenciais do projeto é considerar o espaço do museu como extensão dos espaços públicos ao redor. Pensando nas enchentes que eventualmente acometem a região durante o verão, os arquitetos imaginaram uma estrutura de concreto erguida sobre uma plataforma. O teto é coberto por ripas de madeira que se estendem em escoras salientes sobre o parque adjacente; em alguns pontos, forma treliças ao redor de escoras salientes verticais cobertas por trepadeiras, o que dá ao conjunto um aspecto de jardim suspenso. Fotos: DIVULGAÇÃo


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C O PA

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Imagem de Pelada Noturna (2011), vídeo de Dias & Riedweg sobre jogo amador em favela carioca

A grAnde áreA dA Arte Exposição explora aspectos dramáticos, épicos e cômicos do ideário futebolístico nas obras de 14 artistas e coletivos sul-americanos

PAT ROC ÍNIO

foto: StILL/DIAS & RIEDWEG

O Jogo Só Acaba Quando Termina: Um Projeto para a Copa do Mundo de 2014, de 10/4 a 29/6, Sesc Vila Mariana, Rua Pelotas, 141, SP www.sescsp.org.br

“Mais do que outras modalidades esportivas, mais, inclusive, do que muitos outros fenômenos sociais, o futebol se presta, em razão de sua estrutura narrativa, de sua linguagem imagética e de sua riqueza alegórica, a ser transformado em arte. Elementos épicos, dramáticos, trágicos e cômicos desaguam nesse grande jogo, que, apesar de todas as tabelas, continua mantendo algo de improdutivo e pré-moderno.” Pelas palavras do curador Alfons Hug, dá pra medir a temperatura da mostra O Jogo Só Termina Quando Acaba, produzida pelo Goethe Institut. Partindo das premissas que outorgam ao bom futebol o justo epíteto de arte, a exposição traz trabalhos de artistas que exploram vários aspectos do nobre esporte bretão. No time, há desde a dupla suíço-brasileira Dias & Riedweg, com o vídeo Pelada Noturna (2011), de um jogo numa favela carioca, até a afegã radicada na Alemanha

Lela Ahmadzai, que registrou em fotos o treino da equipe feminina de seu país em um campo protegido por soldados armados. Isso dá a dimensão do futebol como catalisador de aspectos não só lúdicos, mas também sociais e políticos. Na contramão desse processo está a manipulação de imagens realizada pela venezuelana Muu Blanco, em Violencia Abstracta (2013), que capta na internet cenas de violência no campo e na arquibancada e as dilui até perderem sua função de registro, conferindo-lhes uma beleza quase abstrata. A sonoridade do esporte é explorada pelo austríaco Luka Ligeti, que exclui as imagens de partidas disputadas no Rio de Janeiro, Salvador, Porto Alegre e Montevidéu, conservando apenas a massa sonora com as reações da galera, o zunido da bola e aparatos como apitos, cornetas e tambores. Completam a escalação os brasileiros Pablo Lobato e Marina Camargo, o chileno Gianfranco Foschino, o alemão Michael Wesely, o uruguaio Santiago Tavella, o peruano Fernando Gutiérrez, o chinês Zhang Qing e os sul-africanos Mikhael Subotzky e Simon Gush. Um belo time que faz a ligação do meio de campo futebolístico com a grande área da arte. LPn


MUNDO CODIFICADO Fonte: Andreson, GAil. reinventinG the MuseuM, AltAMirA Press, 2004

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Os museus mudaram muito ao longo do tempo. Diversificaram suas coleções, especializaram-se sobre temas e perfis que não remetem mais apenas às histórias nacionais ou ícones da produção artística de base eurocêntrica. Mudaram também suas formas de gestão, suas prioridades institucionais e seu estilo de comunicação que tem, cada vez mais, o público e sua frequência como valores essenciais de sua existência.

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R e p o R ta g e m

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Decreto-confusão uma nova autarquia vinculada ao ministério da cultura “Eu não EmprEsto mais nada”, dissE o marchand (minc). ato contínuo, o mercado de arte se retraiu. E colEcionador carioca afonso costa ao Embora o presidente do ibram afirme que “não há intérmino dE uma rEunião abErta dE quasE três tervencionismo no mercado de arte”, o fato é que a lei horas sobrE a rEgulamEntação do Estatuto garante que o Estado pode dE musEus. a reunião foi declarar qualquer obra de innuma tarde de dezembro teresse público. a desaprocom o presidente do instiM á r i o n s t r e c k e r priação é um risco. “Eventualtuto brasileiro de museus mente vamos fazer”, disse. o (ibram), angelo oswaldo de principal objetivo é proteger araújo santos, a procuradora o patrimônio cultural, estefederal Eliana sartori e quase ja integrado ou não aos mu80 expoentes do sistema de seus. o processo de declarar arte brasileiro no museu da uma obra de interesse público república, no rio de Janeiro. inclui requerimento, análise na semana seguinte, uma extécnica, aprovação do conseposição intitulada códigos selho do patrimônio museológicretos, na galeria luisa strina, co e homologação pelo titular em são paulo, foi inaugurada do ministério da cultura. por decisão do curador aua ordem dos advogados do gustín pérez rubio com uma brasil (oab), seccional de são ostensiva linha pontilhada na paulo, emitiu um parecer afirparede para demarcar o lugar mando que o decreto é inconsde uma obra faltante. sabe-se titucional, pois pode violar a que um trabalho de Waldemar propriedade privada e a pricordeiro deixou de ser emvacidade, além de ampliar os prestado por um colecionador. R e t R ato s j u a n e s t e v e s poderes da lei que regulamenEspecula-se que a recusa teta. ainda assim, diversos comria sido para evitar que a obra pradores brasileiros que foram entrasse no radar do ibram. à última miami basel, feira que aconteceu em dezembro a grita começou em 18 de outubro passado, com a punos Eua, mandaram entregar suas compras no brasil, blicação, no Diário Oficial da União, do decreto nº como de hábito. o mercado balançou, mas não parou. 8.124/2013, que regulamenta o Estatuto de museus, criahá os que se referem ao ibram como uma hierarquia criada do cinco anos antes juntamente com o próprio ibram,

Regulamentação do Estatuto de Museus divide opiniões, evidencia as carências do setor e os conflitos entre interesses públicos e privados

Na página ao lado, linha pontilhada demarca o lugar de uma obra de Waldemar Cordeiro, ausente da exposição Códigos Secretos, em São Paulo. O curador Augustín Pérez Rubio quis deixar claro o efeito da regulamentação do Estatuto de Museus


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Foto: Ricardo van Steen


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acima dos museus, fruto do corporativismo dos profissionais do setor, e dizem que a nova legislação é instrumento autoritário capaz de transformar tudo em museu. No outro extremo há os que atacam as razões de mercado, acusam particulares de especular com arte, sonegar impostos e esconder obras contra o interesse público. “É importante lembrar que o que estabelece o valor para a arte e garante uma remuneração digna para o trabalho dos artistas é o mercado. É preciso encarar essa inequívoca realidade e parar de ter pudor e vergonha de dizer essa palavra: mercado”, afirma o colecionador João Carlos de Figueiredo Ferraz, que mantém uma instituição aberta ao público em Ribeirão Preto, interior de São Paulo. “Não é embaçando as regras nem assustando os colecionadores que a atividade cultural vai se desenvolver”, argumenta. “Se as grandes coleções de arte estão com os colecionadores e se o Estado não tem recursos para investir em cultura, por que não fazer aqui também uma parceria público-privada que possa dar visibilidade a essas coleções, estimulando as pessoas físicas e jurídicas com incentivos fiscais e outros, para que possam, em espaços públicos e bem equipados, mostrar essas obras?”, pergunta o colecionador.

comprar e mesmo para receber e manter obras de alta importância e significado histórico. Veja o caso do Memorial da América Latina. Acho essa nova lei retrógrada”, diz ela. Tombamento, desapropriação, impedimento para vender obras de arte para fora do País, taxação, desvalorização, desaquecimento do mercado, burocracia e perda de autonomia dos museus são alguns dos fantasmas citados pelos que temem a nova legislação. O curador do Museu de Arte de São Paulo (Masp), José Teixeira Coelho Netto, é um dos que não consideram o Estatuto de Museus bom para o País nem para a arte brasileira. “Vejo-o mais como uma manifestação do ‘furor legislativo’ brasileiro, como se diz em Direito – um furor que tudo quer definir e controlar por lei. Em vez de facilitar a operação dos museus, cria-lhes novos obstáculos. Ao pé da letra, essa legislação tolhe até a venda e o empréstimo de obras pertencentes a colecionadores.” “Está se criando um clima de medo sobre o que nem aconteceu”, ponderou o leiloeiro Evandro Carneiro na reunião no Rio. “Em 30 anos, aconteceu comigo duas vezes”, disse ele, lembrando das situações em que uma instituição pública exerceu preferência de compra de obra de arte. “Toda obra deveria ser vendida em leilão”, defende, alegando transparência. Como os leilões são obrigados a publicar catálogo e informar previamente as peças que serão vendidas, há leiloeiros que temem que, sob a nova legislação, mais obras sejam redirecionadas para o mercado privado, que atua com mais liberdade. “É, sem dúvida, um avanço para a consolidação de uma política pública para a área museológica no Brasil”, diz Maria Ignez Mantovani Franco, presidente do conselho

“Acho que é uma ingerência grande na vida privada, ainda que seja uma medida que pareça zelar pelo interesse da arte”, diz Regina Pinho de Almeida, colecionadora

Fantasmas que cercam a nova legislação “Criou-se um antagonismo – museólogos e o Estado versus colecionadores e mercado”, resume a colecionadora Regina Pinho de Almeida. “Acho que é uma ingerência grande na vida privada, ainda que seja uma medida que pareça zelar pelo interesse da arte”, diz. “Veja que a lei se refere à regulamentação dos museus, mas trata das obras privadas. Convenhamos, nossos museus estão despreparados para

A colecionadora paulista Regina Pinho de Almeida aponta o despreparo dos museus brasileiros para comprar e manter obras de grande importância e significado histórico

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de administração do International Concil of Museums (Icom Brasil). “Creio que o estatuto já trouxe passos significativos, como a organização do Cadastro Nacional de Museus e a recomendação quanto ao desenvolvimento de plano museológico para todos os museus brasileiros, independentemente de seu tamanho, tipologia ou configuração político-institucional. É importante registrar que os museus tiveram sua gênese, historicamente, em importantes coleções que foram doadas ou adquiridas ao longo de séculos. No Brasil, a mesma história se repete, felizmente.” “Sugiro que se exercite a nova legislação e, se houver abuso, que se aponte”, disse José do Nascimento Junior, que foi presidente do Ibram desde a sua criação, em 2009, até o começo do ano passado, e antes disso era diretor do Departamento de Museus e Centros Culturais do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). O atual presidente, Angelo Oswaldo, foi designado para o cargo pela ministra da Cultura, Marta Suplicy. Jornalista e bacharel em Direito, ele presidiu o Iphan de 1985 a 1987, durante o governo de José Sarney, e foi por três mandatos prefeito de Ouro Preto, sua cidade natal. Questionada a respeito da sobreposição de atribuições entre o Iphan e o Ibram, a ministra respondeu à seLecT que “o assunto já foi objeto de estudo na Advocacia-Geral da União, que reconheceu a salutar complementaridade” entre os dois órgãos. O Iphan, que tem escritórios em todo o País, preferiu não se manifestar. “Optamos por não criar estruturas regionais”, disse Angelo Oswaldo, reconhecendo que há ações de competência das duas autarquias. “Estamos vendo como simplificar o processo.” “Todo mundo ficou um pouco apreensivo, mas Angelo abriu

um diálogo”, diz o marchand Carlos Dale. “Não acho que se vá fazer algo para ferir o direito constitucional de propriedade.” Um dos pontos debatidos na reunião de dezembro no Rio foi por qual preço uma obra declarada de interesse público poderia ser arrematada por um museu em leilão. Pelo lance mínimo ou pelo preço do martelo? Nem Angelo Oswaldo sabia responder. A procuradora federal do Ibram, Eliana Sartori, mostrou impaciência. “Não estou entendendo”, repetia, acusando os que expressavam dúvidas de não terem lido a lei. Nesse ponto, a conclusão é que seria vendida pelo preço do martelo (maior valor). A presidente da Associação Brasileira de Arte Contemporânea (Abact), Eliana Finkelstein, que é sócia da Galeria Vermelho, levantou a mão para perguntar se haveria alguma dificuldade para que se prossiga vendendo obras para museus internacionais, como o MoMA de Nova York. Não, foi a resposta que recebeu. Ou melhor, não se a obra não tenha sido declarada de interesse público.

“Talvez o maior problema do Estatuto seja não delimitar precisamente quais os critérios de seleção das obras e até onde o governo pode agir”, diz Antonio Almeida, galerista

Lei não faLtaVa Durante a reunião no Rio, Angelo Oswaldo fez um resumo dos “75 anos de legislação pioneira e eficiente, um marco, uma referência internacional”. Ele se referia à criação do Iphan, em 1937, pelo governo Getúlio Vargas, o presidente que se matou no terceiro andar do Palácio do Catete, onde hoje é o Museu da República. No ano anterior, 1936, o ministro Gustavo Capanema havia pedido ao escritor modernista Mário de Andrade que elaborasse um anteprojeto de lei para salvaguardar o patrimônio cultural brasileiro. Outros intelectuais, como Manuel Bandeira, Oswald de Andrade, Afonso Arinos, Carlos Drummond de Andrade e

Os galeristas Carlos Dale e Antonio Almeida (de pé) ponderam os prós e contras da nova legislação e sugerem revisão da carga tributária sobre importação, que hoje faz com que a maioria das coleções locais seja composta apenas de obras de artistas brasileiros

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Lucio Costa, também colaboraram. Em 1937, o Iphan foi oficialmente criado, definindo o patrimônio histórico e artístico nacional e instituindo o tombamento, o direito de preferência de compra de bens tombados por instituições públicas, a proibição de destruir, demolir, mutilar ou exportar bens tombados, a vigilância que o Iphan deveria exercer e a responsabilidade de particulares e também de funcionários públicos. Em 1988, com a nova Constituição, a necessidade de se preservar o patrimônio cultural e artístico foi reafirmada. Em 2007, instrução normativa tratou da criação de um Inventário Nacional de Bens Culturais e de um cadastro especial no Iphan para as pessoas que “comercializem bens culturais como obras de artes plásticas e visuais, produzidas no Brasil ou no estrangeiro até 1970, de autoria consagrada pela historiografia da arte”. Ou seja, lei não faltava muito antes da criação do Ibram, em 2009, e do novo decreto, de 2013, embora seja lícito questionar se faltou a aplicação da lei. Dois casos são sempre lembrados. A pintura O Abaporu, de Tarsila do Amaral, que foi vendida por um colecionador brasileiro para outro argentino e está exposta no Malba, em Buenos Aires. E a coleção particular de Adolpho Leirner, vendida para um museu de Houston (Texas, EUA). Nos dois casos, não houve interesse de nenhuma instituição brasileira em adquirir as obras, que saíram do Brasil regularmente. É inegável que esses trabalhos adquiriram visibilidade muito maior depois que deixaram o Brasil. Na avaliação de Angelo Oswaldo, os 3,3 mil museus bra-

sileiros estavam “soltos dentro do Iphan”. Ele disse que “gerir um museu é gerir riscos”; que há “concentração de inquietações em São Paulo”, onde se mencionou a hipótese de “venezuelização do Brasil”; que o Rio, “mais sereno, sabe que tem política pública de cultura”; e que, “munidos de uma grande paciência”, eles estavam ali em reunião pública procurando esclarecer o assunto aos interessados. Entre os comentários da plateia, a reclamação de que o Estado aponta com uma intervenção maior e nada faz para estimular a entrada de obras de arte no País. Os colecionadores querem a diminuição da carga tributária para trazer obras de artistas estrangeiros e para repatriar trabalhos de brasileiros que estão fora do País. Os artistas querem menos impostos para comprar tintas e outros materiais importados. Os autores e os galeristas também querem que os museus comissionem artistas e comprem regularmente, o que no Brasil raramente acontece. Mas poucos atacam diretamente Angelo Oswaldo, preferindo tentar influenciar as portarias que surgirão nos próximos meses. Burocracia adora burocracia. As portarias são necessárias para detalhar como a legislação, tão genérica, ampla e repetitiva, será aplicada daqui para frente. O Ibram informa que as portarias estarão em consulta pública pela internet e que aceitam palpites pelo e-mail presidencia@museus.gov.br.

“É importante registrar que os museus tiveram sua gênese, historicamente, em importantes coleções que foram doadas ou adquiridas ao longo de séculos”, diz Maria Ignez Mantovani Franco, museóloga

Colaboraram Luciana Pareja Norbiato e Tomás Toledo Leia mais em www.select.art.br

Presidente do conselho de administração do International Council of Museums (Icom Brasil), Maria Ignez Mantovani Franco acredita que o Estatuto já trouxe contribuições significativas

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E n TrE viSTa/ G le nn low ry

Como manter um museu vivo

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Diretor do MoMA-NY afirma que a aquisição de arte e a experimentação são as principais atividades de uma instituição que quer ser ponto de articulação entre passado e futuro M a r c o s a u g u s t o g o n ç a lv e s

À frente do MoMA desde 1995, Glenn dAvid lowry liderou Ao lonGo desse período uM notável processo de reestruturAção do Museu novA-iorquino. reviGorou suAs estrAtéGiAs de inserção nos territórios dA Arte, do desiGn e dA ArquiteturA, e foi muito bem-sucedido no esforço de tornar a instituição sustentável do ponto de vista econômico. “quando assumi, tínhamos um fundo de manutenção de cerca de us$ 225 milhões; hoje nosso endowment gira em torno de us$ 900 milhões”, contou ele a seLecT, em entrevista exclusiva concedida no seu escritório em Manhattan, na sede do museu, situada na rua 53. o MoMA é uma instituição privada que não recebe nenhum apoio financeiro da cidade, do estado ou do governo federal, embora, como outros museus, se beneficie de leis fiscais que incentivam doações em dinheiro ou em obras de arte. um admirador da arte contemporânea, lowry credita que o frescor e a atualidade do MoMA dependem diretamente da sua capacidade de estabelecer diálogos com a produção mais recente. não por acaso, o museu incorporou, sob sua gestão, o lendário centro experimental ps1, criado na década de 1970, no queens, que funciona como uma espécie de radar no campo da arte emergente. SELECT.ART.BR

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F OTO S H e l e n a W o l F e n s o n

cordial, simpático, sempre firme em sua argumentação, lowry, de 59 anos, falou sobre diversos assuntos – da aquisição de videogames para a coleção do museu às relações com o Brasil, passando pelas recorrentes especulações sobre a existência de uma bolha no mercado de arte. Em 2012, o MoMA fez o encontro anual de seu board em São Paulo. Por que é importante para o museu estar presente em outros países e por que o Brasil foi escolhido? Acho que é importante para o nosso board ter a oportunidade de ver o que estamos fazendo pelo mundo e conhecer de perto as relações que mantemos com os nossos colegas e instituições em áreas nas quais temos um nível alto de atividade. ricardo steinbruck, de são paulo, é membro de nosso board e, além disso, luis-pérez oramas foi o curador da Bienal, que abria na mesma época da reunião. então nos pareceu uma oportunidade lógica fazer o encontro no Brasil, ver o trabalho que luis tinha feito na Bienal e conversar com os amigos que temos em são paulo. nós buscamos investimentos no Brasil, vendemos produtos, temos muitos membros brasileiros, muitos visitantes e estamos organizando uma grande mostra de arquitetura latino-americana, que vai ser muito focada na arquitetura


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“Temos investido ativa e agressivamente na aquisição de trabalhos de artistas brasileiros” Diretor do MoMA desde 1995, Glenn Lowry recebeu seLecT para foto e entrevista exclusivas no seu escritório em Manhattan, na sede do museu, na Rua 53


“Os videogames nos interessam mais por seus algoritmos do que pelo jogo. Estão alinhados ao nosso desejo de saber como o design resolve problemas de maneira criativa” 38 72

brasileira do Pós-Guerra. Nós fizemos uma grande exposição de Mira Schendel, vamos fazer a de Lina Bo Bardi e, em maio, teremos uma grande exibição da obra de Lygia Clark. Temos também investido ativa e agressivamente na aquisição de trabalhos de artistas brasileiros, como fizemos recentemente com uma instalação de Carlito Carvalhosa. Foi por tudo isso que fizemos nossa reunião em São Paulo. O senhor poderia explicar como o MoMA funciona do ponto de vista da sustentação financeira? Quais são as fontes de recursos do museu? Somos um museu privado. Não recebemos nenhum apoio financeiro direto da cidade, do Estado ou do governo federal. Nós nos beneficiamos de leis fiscais que incentivam doações ao museu. São leis que permitem deduções de parte dos valores doados em dinheiro ou em obras de arte. Nosso orçamento é formado por bilheteria, membros, eventos especiais, comércio, levantamento de fundos e recursos do nosso endowment. Esse fundo de manutenção rende cerca de 5% do seu valor por ano e podemos usar esse rendimento para as nossas atividades. É a grande peça do nosso orçamento, individualmente a nossa principal fonte. Como esse fundo foi formado? Vem de muitos anos? Sim, de muitos anos. Ele começou muito pequeno, creio que na década de 1940. Nos anos 1980, o board decidiu ampliá-lo o máximo possível. Foram feitas campanhas para levantar recursos e o museu contratou profissionais do mercado para investir o dinheiro de maneira inteligente. Eu cheguei ao museu em 1995. Naquela época, o endowment estava em cerca de US$ 225 milhões; hoje gira em torno de US$ 900 milhões. Cresceu não apenas porque acrescentamos dinheiro, mas também porque os investimentos foram muito bem realizados. O museu adquiriu recentemente 14 videogames, numa decisão que gerou alguma controvérsia. Mas foi uma aquisição para a coleção de design, não de arte propriamente... Sim, eles foram adquiridos como design. Nós colecionamos obras de arte tradicionais, como esculturas, pinturas e desenhos, mas também fotos, filmes, performances, mídia, arquitetura... e design! Esses videogames nos interessaram mais por seus algoritmos – pelo software – do que propriamente pelo jogo. É um aspecto relevante da tradição do museu olhar para as soluções criativas que são desenvolvidas para SELECT.ART.BR

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resolver problemas. Eu acho que os videogames estão totalmente alinhados ao nosso interesse de saber como o design resolve problemas de maneira criativa. Os videogames, além do mais, são parte integrante de nossa cultura e faz todo sentido pensar sobre como eles são feitos. Como o senhor vê hoje a cena da arte contemporânea e como o museu se relaciona com o mercado? Como esse sistema funciona? Nós somos compradores de arte muito ativos. Isso é parte do que fazemos, e talvez seja a parte mais importante do que fazemos. Portanto, estamos constantemente envolvidos em relações com artistas, colecionadores e marchands para construir nossa coleção. O mercado faz parte do mundo, aliás, há muito tempo. Talvez hoje ele seja mais forte do que nunca, o que exige uma série de cuidados e checagens para saber se esse ou aquele trabalho está super ou subvalorizado. A grande diferença é que há 25 anos alguém poderia estar em Paris ou Nova York e acreditar – embora estivesse errado – que tudo que precisaria ver em termos de arte estava disponível nas galerias dessas cidades. Não era verdade, mas você podia acreditar que sim. Hoje, você não pode mais acreditar nisso. Se quiser realmente colecionar arte contemporânea de maneira séria, você terá de viajar para São Paulo, para o Rio, para Xangai, para Istambul, para Los Angeles, para Sydney, Berlim, Johannesburgo, Beirute... Nós vivemos num mundo genuinamente global, onde a atividade criativa se manifesta fortemente em quase todos os lugares. E nesse mundo as principais cidades desenvolveram mercados efetivos por si mesmas. A cena em São Paulo é incrível. Mas também é em Buenos Aires, Santiago, Cidade do México... O grande desafio é saber como você pode estar presente em tantos lugares, como pode tomar decisões inteligentes sobre onde investir sua energia. Vocês têm uma rede de colaboradores? Têm representantes oficiais nas cidades mais importantes? Ter uma rede é a solução. Não temos representantes oficiais, mas temos relações, colegas, conselheiros, pessoas em quem confiamos, que podem nos manter informados. Como o mercado está funcionando atualmente? Tem sempre gente levantando suspeitas sobre a existência de uma bolha... Eu não sei se tem bolha... Nós não somos o mercado. Nós participamos do mercado como colecionadores. Nosso território


comprar nenhum objeto de arte, a pressão por mais espaço e por mais dinheiro vai sempre existir – e precisa existir. Porque os melhores museus estão sempre procurando aperfeiçoar suas coleções, buscando adquirir trabalhos icônicos e importantes do ponto de vista histórico e crítico. A questão mais interessante é a conceitual. Quais os parâmetros a considerar, tratando-se de um museu de arte moderna e contemporânea? Em 1929, ano em que o MoMA foi criado, poderíamos olhar para a década de 1880, do século anterior, e perceber que muitos dos artistas daquele período ainda estavam ativos, ou vivos – ou tinham acabado de morrer. Hoje estamos há quase 140 anos da década de 1880. Pollock, que foi um dos grandes artistas do século 20, morreu há praticamente 60 anos. Quando você olha as coisas desse ponto de vista, aparece a questão: como um museu de arte moderna se mantém fresco, se mantém vivo? E como se mantém? Acho que a resposta é se comprometendo com a arte contemporânea. Nosso objetivo não é, por exemplo, colocar a arte do início do século 20 num contexto histórico que dialogue com o século 19 ou com o século 16. Nosso objetivo é estabelecer um diálogo dessas obras com o que os artistas estão fazendo hoje, para mantê-las atuais. Quando esses trabalhos não puderem mais manter uma conversa, nós teremos de tomar uma decisão: se vamos seguir adiante, nos distanciando da arte passada ou se paramos de seguir e nos concentramos num campo que consideramos criticamente relevante. No momento, a conversa é rica e vibrante, nós não precisamos tomar essa decisão. Grandes instituições e grandes civilizações são sempre sensíveis em relação ao passado e comprometidas com o futuro. Os museus devem ser o pivô, o ponto de articulação entre passado e futuro. é aqui, o do mercado é lá. A verdade é que no passado havia um número menor de colecionadores, e eles tendiam a pertencer mais ou menos às mesmas regiões. Sendo assim, quando um problema financeiro surgia nessas regiões, ele causava impacto sobre a atividade dos colecionadores, que paravam de comprar e o mercado caía. Hoje, nós temos grandes players da China, da América Latina, da Europa do Leste, do Oriente Médio. E mesmo quando temos um problema econômico numa região não significa que teremos também nas outras. Bem, as bolhas sempre acontecem. O que acho é que o mercado tem hoje uma quantidade de dívidas que provavelmente não teve durante longo tempo anteriormente. A produção de arte não para de crescer e certamente os museus têm seus limites físicos, financeiros e conceituais. Até onde os museus podem ir? Todo museu tem de lidar com problemas de espaço e dinheiro. Mesmo que você tome a decisão de limitar a coleção a um período específico ou mesmo se decidir que não vai mais

Nesse contexto, qual o papel do MoMA PS1? O PS1 é um centro de arte contemporânea que não mantém nenhuma coleção. Ele funciona como uma kunsthaus. Ele tem espaço, mas não precisa se preocupar com a formação de coleções. O mais importante é que pode operar mais rapidamente do que nós e ter relações mais próximas e diretas com os artistas e a produção que está acontecendo agora. O PS1 é absolutamente essencial para o nosso futuro, porque ele é um dos nossos mais importantes canais – embora não o único – com a comunidade de artistas emergentes. Qual a sua definição pessoal para o MoMA? Para mim é, sobretudo, um laboratório, um lugar de experimentação, um lugar onde você vem para descobrir artistas, ideias, experiências; um lugar onde você pode se surpreender e onde pode encontrar um sentido de participação. Nós não somos uma instituição passiva, você é convidado a fazer parte do experimento, a tentar entender o mundo que existe em torno de nós por intermédio das artes visuais.

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pablo león de la barra Novo Museo Tropical, projeto em desenvolvimento do curador, agitador cultural e editor mexicano, é uma coleção de propostas para uma nova historiografia dos trópicos

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questionar a estrutura e a função do museu é a principal vocação do novo museo tropical (nmt), um projeto de pablo león de la barra que se desdobra em diversas ações e exposições. sua mais recente edição deu-se sob a forma de uma publicação, arquitetura nos trópicos (2013), produzida para o 33º panorama da arte brasileira. o projeto, parcialmente reproduzido nestas páginas de seLecT, é uma coleção de imagens de parques, pavilhões, memoriais e museus (folclóricos, etnográficos, históricos, políticos, artísticos etc.), que compõem um panorama exuberante da cultura em abril último, o projeto assumiu a forma de um museu sem paredes, montado na casa de vidro de lina bo bardi: com redes nos pilotis e vitrines em forma de mesas, com desenhos, croquis e anotações que lançavam perguntas do gênero “como acordar museus mortos?” em 2012, o nmt desdobrou-se em dois projetos em san josé, na costa rica: museo banana e cinema tropical. com trabalhos de minerva cuevas, javier bosques, fernando bryce e tonico lemos auad, entre outros, as exposições colocavam em perspectiva questões como a exploração política e econômica, a fantasia e o exotismo, associados às plantações de banana em diversos contextos da américa latina. SELECT.ART.BR

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Na pĂĄgina ao lado, Museo Isla Santa Barbara, em Flores, Guatemala. Acima, na coluna esquerda, Museo Amazonico, em Iquitos, Peru. Acima, na coluna direita, Museo Fitzcarraldo, tambĂŠm em Iquitos, Peru Fotos: cortesia do artista

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Na coluna esquerda, Marguis, em Brasília. Na coluna direita, Parque Museo La Venta, Villahermosa, em Tabasco, México

Mas, segundo o texto Tropicália (1968), de Hélio Oiticica, citado no estatuto da 1ª Gran Bienal Tropical, sediada em San José, em 2011, “o mito da tropicalidade é muito mais que araras e bananeiras: é a consciência de um não condicionamento às estruturas estabelecidas, portanto, altamente revolucionário na sua totalidade”. O Novo Museo Tropical, portanto, é muito mais que uma série de curadorias. É uma coleção de histórias, poemas, textos, referências. É uma enciclopédia cultural, parte de um projeto maior, intitulado Centro de Revolução Estética (www.centrefortheaestheticrevolution.blogspot.com), que tem o Tropicalismo como atitude. Na opinião da artista Dominique Gonzalez Foerster, com quem León de la Barra realizou, em 2008, o Sitio de Experimentación Tropical SELECT.ART.BR

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Na coluna esquerda, Museu Carmen Miranda, no Rio de Janeiro. Na coluna direita, Casa Klumb, em San Juan, Porto Rico


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(SET), o NMT deveria ser “um lugar para observar, desfrutar e descrever os efeitos da tropicalização”. Se o NMT tivesse um manifesto, poderia ser este, publicado no Diagrama Tropical (2013), apresentado na Casa de Vidro, que configurava a tentativa de construir uma nova historiografia dos trópicos: “Quando os museus e centros culturais fora dos centros hegemônicos da arte ficam vazios por falta de verba para programação e curadores, quando os artistas que vivem nas semiperiferias produzem especificamente para o mercado, feiras de arte e bienais internacionais, ignorando seu público e contexto locais, ou abusando de seu público e contexto locais, quando a arte produzida em outros lugares é comprada legalmente (e não mais obtida por meio de pilhagem, como no passado) por patronos e museus internacionais, não deveríamos repensar o tipo de “arte” que fazemos? Não deveríamos repensar o tipo de exposições que produzimos? Não deveríamos repensar o tipo de museus que aspiramos possuir? O Novo Museo Tropical é um museu sem paredes. Um convite a se repensar o museu fora do centro. Ser tropical não é uma questão de localização, mas uma questão de atitude”.

Ao lado, Museu de Arte, em Brasília SELECT.ART.BR

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Na coluna esquerda, Parking Lot, em Miami, Estados Unidos. Na coluna direita, Novo Museo Tropical na Casa de Vidro, em S達o Paulo


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Jonathas de andrade Muito além de um museu para chamar de seu

Giselle BeiGuelman

Há artistas que sonHam em entrar para a coleção de um museu. outros que criam seus museus imaginários e pessoais. o alagoano Jonathas de andrade, no entanto, optou por outra via: fazer uma versão alternativa de um museu existente, o museu do Homem do nordeste. projeto de gilberto Freyre de 1979, hoje sob os auspícios da Fundação Joaquim nabuco, do recife, o museu é dedicado a preservar e difundir o patrimônio cultural do nordeste brasileiro. o acervo, com mais de 15 mil itens, tem uma coleção variada que vai de açucareiros de ricas porcelanas do século 16, passando por ex-votos, instrumentos de percussão, de tortura aos escravos, carruagens nobres, cachaças, adereços de festas populares, enfim, um mundo de elementos que não cabem na coleção do próprio andrade. seu museu busca, critica e ironiza a vontade de identificar o homem nordestino em si.

Exposição de cartazes do Museu do Homem do Nordeste (2013) de Jonathas de Andrade na Galeria Vermelho. Ao lado, um dos homens que posaram para o artista, a partir de chamadas feitas em classificados de jornal

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foToS: EdouARd fRAiponT


A cArA do Nordeste A partir de uma série de anúncios classificados em jornais locais, o artista avisava: “Procuro moreno forte, trabalhador, feio ou bonito – para fotografia do cartaz do Museu do Homem do Nordeste”. Dezenas deles compareceram. A diversidade das imagens, nas quais homens fortes, frágeis, altos, baixos, brancos, pardos, negros, posam em situações variadas, põe em pauta o clichê e reforça uma hipótese: o Nordeste é uma paisagem em aberto e está em todo lugar.

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Em exposição na Bienal de Lyon, Nego Bom É 1 Real (2013) integra o projeto do Museu do Homem do Nordeste, de Jonathas de Andrade, transformando o bordão de venda dos ambulantes e a receita de um doce típico em dispositivo crítico das relações interssociais e raciais brasileiras SELECT.ART.BR

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Micropolíticas cotidianas Onipresente na obra de Andrade é também a verve micropolítica e uma contestação em forma de ousadia que parece buscar, acima de tudo, outras narrativas da história e da cultura. Em Nego Bom É 1 Real, as estratégias perversas das relações de compadrio e o mascaramento das tensões raciais que se perpetuam no Brasil, especialmente na Região Nordeste, aparecem de forma insuspeita e sutil. Fotos: blaise adilon


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Jonathas de Andrade cria uma história cultural e antropológica do Nordeste e da sociedade brasileira, a partir de trucagens que confundem os limites entre realidade e ficção

Na página anterior e abaixo, imagens da intervenção urbana Primeira Corrida de Charretes do Recife, que ocupou o centro da cidade como se fosse um cenário de bangue-bangue tropical

Fotos: Josivan RodRigues

Muito aléM da ficção Item de destaque no acervo do Museu do Homem do Nordeste são os jogos de confrontar a ordem, a partir de rituais inusitados. Ação-limite desse projeto foi o verdadeiro levante promovido por Andrade, conclamando à Primeira Corrida de Charretes do Recife. Proibidos de circular no espaço urbano, cavalos e burricos voltaram às ruas em um happening planejado, com autorizações oficiais, a partir de uma discreta subversão. Andrade simplesmente mentiu às autoridades, informando que o que ocorreria seria apenas para figurar em uma “cena de filme”.

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Fora da ordem

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Caetano Veloso escreveu e cantou que “aqui tudo parece que ainda é construção e já é ruína”. Poderia ter dedicado a canção às insistentes investidas de Jonathas de Andrade em seus embates com o patrimônio modernista brasileiro, constantemente vilipendiado pela natureza tropical e pela paradoxal cultura do descaso público e privado que impera por estas praias.

Tombamento (2013), realizado na Casa de Vidro de Lina Bo Bardi, e O Clube (2010), fotografias captadas em Alagoas, refletem sobre os destinos quase trágicos da arquitetura modernista nacional

Fotos: cortesia do artista


V E R N I SSAG E

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O REGRESSO dE NãO MAIS VOltAR AnA MAriA MAiA

Obras de naturezas aparentemente opostas, reunidas na exposição individual de Marcone Moreira na Blau Projects, estabelecem uma rota de antagonismos na trajetória do artista

Um conjUnto de desenhos feitos em nanqUim ensina sobre as etapas de Um projeto de marcenaria, do encaixe à fixação de sarrafos de madeira aparentemente novos. apresentados como uma espécie de manual ou, no mínimo, como instrumentos para se organizarem ideias e planejar sua execução conforme preceitos básicos de um ofício, os desenhos da série construção (20102013) levam a noção de projeto para peso à terra, mostra individual de marcone moreira na blau projects, em são paulo. essa, no entanto, não é uma noção central nem recorrente no trabalho do artista, ao menos da maneira como é formulada nas disciplinas exatas ou nas artes aplicadas como a arquitetura e o design. marcone moreira costuma apropriar-se de materiais coletados por onde passa e compor esculturas, objetos e instalações a partir da justaposição dos mesmos. às vezes, alguns pregos, roscas ou cordas aparentes são usados para manter as partes juntas, outras vezes, como no caso de expansão SELECT.ART.BR

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(2013), nem isso. a escultura foi feita a partir das hastes de madeira de uma embarcação e o arranjo de suas peças no chão pode variar de alguns centímetros, quando ela estiver toda fechada, até cerca de 10 metros, quando espaçada. suas dimensões cambiantes atestam a abertura para o rearranjo e o improviso. seu azul descascado destoa do branco da galeria, cor neutra para o novo, vitrine de lançamentos no sistema institucional e comercial da arte. construção e expansão são obras de naturezas aparentemente opostas, que, reunidas em um mesmo espaço, estabelecem uma rota de antagonismos na trajetória do artista. a existência de uma confronta, mas, ao mesmo tempo, comprova a outra, as diretrizes concretas dão valor ao experimento, e vice-versa. de uma alteridade irredutível (de uma obra em relação à outra, da origem dos materiais ao seu estado presente, de diferentes interlocutores e estruturas de poder e saber) nascem paradigmas a ser reverberados do campo da arte para fora dele. o crítico e curador frederico morais já afirmou em um audiovisual de 1977 que “arte se coloca no mundo como se fosse a primeira vez”. na realidade mesma, em seus caminhos descartados e possibilidades nunca levadas adiante, as práticas artísticas encontram indícios para


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A escultura Expansão (2013), realizada a partir de hastes de madeira de embarcação, pode variar de dimensão conforme o espaçamento com que é montada


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Da esquerda para a direita, obra Sem Título (2012), Compasso (2012) e Equador e Tordesilhas (2011), de Marcone Moreira

começar. Essa característica se manifesta na obra de Marcone Moreira à medida que ele reinsere em um circuito simbólico e econômico artefatos considerados obsoletos pela indústria. Como obra, pedaços arruinados não só de barcos, mas também de caminhões, barracas e utensílios populares, ganham novas funções sociais, entre elas a de objetos de contemplação, destituídos de seu valor instrumental, ou a de vestígios da passagem de pessoas anônimas por lugares ausentes. Sobre essas pessoas e lugares, esculturas como Sem Título ou Compasso (2012) não entregam nenhuma referência figurativa, a não ser uma memória tátil que resulta em manchas de manuseio e tempo sobre a superfície dos materiais. Tornam-se, portanto, obras abstratas do ponto de vista das composições, mas ainda dotadas de reminiscências SELECT.ART.BR

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figurativas advindas do estado da matéria de que são feitas. Como as bandeiras de Alfredo Volpi, que se bifurcam entre representar a tradição junina brasileira e aderir aos grides geométricos da vanguarda modernista pré-concretista, tais obras se mantêm em uma dupla chave de entendimento. Com isso ganham perspectiva para rememorar e metaforicamente reinventar o contexto sociocultural de onde se originam.

Equador E TordEsilhas Marcone Moreira cresceu em Marabá e hoje vive no Rio de Janeiro. Desde o início de sua carreira, impulsionada por um prêmio ganho no Arte Pará de 2003, já morou em Belo Horizonte, para fazer a Bolsa Pampulha de 2005, e passou por alguns outros programas de residência, afinal, a mobilidade é cada vez mais comum entre artistas contemporâneos. A distância, o contexto amazônico continua aparecendo, embora se misture com referências e materiais de outras localidades. Como lugar geopolítico, dotado de questões formadoras do repertório do artista, e não tanto como um estereótipo estético que teima em recair sobre leituras do seu trabalho, a Amazônia consta nas temáticas de Ausente Presença (2013) e Equador e Tordesilhas (2012). Cruzando


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A Amazônia consta na temática de Equador e Tordesilhas (2012). Cruzando ortogonalmente duas hastes, a obra demarca onde se situa a cidade de Belém

ortogonalmente duas hastes de carroceria de madeira, uma amarela e outra vermelha, essa última obra demarca onde se situa a cidade de Belém. No encontro entre o horizonte de incidência solar mais extrema e o fim da zona de domínio colonial português, nesse ponto de confluência entre fatores climáticos e históricos, essa metrópole regional representa até hoje um paradigma de descentramento e autonomia cultural no Brasil. Na obra, a cidade gera as coordenadas de um diagrama no qual o eixo horizontal predomina, em vez do vertical, como na cruz e em outros símbolos do poder hierárquico. Na biografia do artista, que viveu ali ao longo de 2012, Belém é o ponto médio entre a ambiência de Marabá, sua cidade natal, e o circuito profissional da arte contemporânea brasileira. No díptico fotográfico Ausente Presença, o norte afetivo e geopolítico de Marcone Moreira leva-o a misturar o registro de uma ação vivida na residência de Terra Una, uma ecovila no interior de Minas Gerais, com a imagem da placa do Monumento ao Massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido em 1996 no sul do Pará. A menção a esse trauma da luta agrária no País condiciona a leitura da outra fotografia, que mostra os pés do artista moldados em barro e plantados na lama vermelha do lugar. O material, nunca antes usado pelo artista mas, segundo ele, deflagrador de sua priFotoS: EVERtoN BALARDIN

meira experiência estética, ainda na infância, deu o mote para o título da individual. Peso à Terra define um gesto de padecimento, a desistência de lutar contra raízes que se impõem, um retorno involuntário às origens. Consentido, o peso apodera, a terra nutre, o retorno instaura ele mesmo novos lugares e a origem vira uma motriz de infindáveis possibilidades.

A seção Vernissage é um projeto realizado em parceria com galerias de arte, que prevê a publicação de um texto crítico sobre a obra de um artista que estará em exposição durante os meses de circulação da edição.


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Obras da sĂŠrie Collage (2012), de Sara Ramo SELECT.ART.BR

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Ac e rvos

Nas casas onde viveram a escritora Hilda Hilst e a colecionadora Eva Klabin, o passado não é um tempo que não existe mais. Na Residência Criativa da Casa do Sol e no Projeto Respiração, acervos pessoais e coleções de arte são ativados por vivências e intervenções

A cAsA

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Na cama com Eva De acordo com a vontade de Eva Klabin (1903-1991), todos os ambientes da casa em que ela viveu por 58 anos permaneceram como ela os deixou. A coleção renascentista italiana no salão principal, a pintura holandesa do século 17 na sala de jantar e na Sala Chinesa, peças em bronze e terracota das dinastias Chou, Ming e Tang. Em todos os ambientes da casa, na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio, estão dispostas até hoje as mais de 2 mil obras da coleção, que abrange 50 séculos de história da arte. Mas nem sempre tudo fica exatamente como foi deixado. Desde que o Projeto Respiração foi instaurado, em 2004, algumas peças da coleção se movem, mudam de lugar, são deslocadas de um cômodo para outro, ou ganham a companhia de obras de arte criadas especialmente para o local. Recentemente, o visitante atento pode perceber, junto à prataria inglesa e à porcelana indiana guardadas na cristaleira da sala de jantar, a presença de um objeto estranho. Quase imperceptível, um porta-incenso de alumínio foi introduzido ali por Marcos Chaves, décimo sétimo artista convidado pelo curador Marcio Doctors a criar uma intervenção na casa, estabelecendo relações com o acervo. Fotos: Vicente de mello (ernesto neto)/ cortesia projeto respiração


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“O Projeto Respiração não nasce da ideia de preservar o passado, no sentido museológico, para conservá-lo para o futuro”, afirma Doctors. Sua intenção é promover ações que possam insuflar um novo ar no ambiente e assim surpreender o público com outra maneira de olhar a coleção. Outros projetos de intervenção foram bem menos sutis do que o de Marcos Chaves. Numa das primeiras ações do projeto, em dezembro de 2004, Ernesto Neto empilhou sacos de tule de Lycra® pelos cantos da casa, envolveu toda a sala principal com malha de algodão branco e criou próteses moles para a cama e a chaise-longue do quarto de dormir. SELECT.ART.BR

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Lembrada como uma mulher transgressora, que trocava o dia pela noite, Eva Klabin cultivava em sua roda de amigos boêmios e artistas, em jantares após a meia-noite. Gostava de uísque, de cães e de romances policiais. Muitas intervenções artísticas exploram essa faceta notívaga da colecionadora. Como Claudia Bakker, por exemplo, cuja obra Primavera Noturna sugere a germinação silenciosa de novas formas de vida sobre a mesa de jantar. Em 2014, quando o Respiração completa dez anos de atividade, estão previstas intervenções de Rosângela Rennó, em abril/maio, e de Nelson Leirner, em setembro, durante a Art Rio.

Acima, instalação Abduzida (2004), de Ernesto Neto, realizada no quarto de Eva Klabin, sobre cama italiana de madeira dourada e poltrona francesa forrada em seda, ambas do século 18. À direita, instalação Primavera Noturna, de Claudia Bakker, composta por tubos de tecido metacrilato, arame e iluminação rosa sobre mesa colonial de madeira, do século 18, com louça e prataria inglesa do século 19


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Fotos: Vicente de mello/ cortesia projeto respiração


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No filme Contato Hilda Hilst Pede Contato, a memória e a presença da escritora em sua Casa do Sol serão resgatadas e recriadas por meio de arquivos pessoais de som e imagem

Na mesa com Hilda Desde que foi tombada pelo Patrimônio Histórico, em 2011, a Casa do Sol está aberta à visitação pública, com agendamento prévio. Desavisados do espírito livre da dona da casa, há visitantes que chegam em busca de um ambiente museológico. Mas, em vez de cordas de isolamento ou vitrines expositivas, encontram uma casa em funcionamento, com fogão aceso, cachorros se espreguiçando, gente lendo e escrevendo. A ficcionista, cronista, dramaturga e poeta Hilda Hilst (1930-2004) construiu a Casa do Sol em

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1965, para ser um espaço de inspiração, criação artística e estudos da alma. Lá ela escreveu toda sua obra dramatúrgica, viveu com amigos e mais de cem cães. Quem hoje visitar o Instituto Hilda Hilst encontrará uma biblioteca com 3 mil livros, móveis, roupas, manuscritos, fitas super-8 e gravações em áudio. Encontrará também seus amigos e seus cães ainda vivendo lá. Além do acervo, a Casa do Sol abriga, desde 2011, projetos de Residência Criativa e de Teatro. Criado pelo artista e curador Jurandy Valença – que conheceu a escritora em 1990, manteve


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com ela uma colaboração próxima e viveu com ela –, o projeto de residências dá continuidade ao projeto de vida de HH. “A casa sempre ofereceu residências. Todos nós somos residentes”, diz a artista Olga Bilenky, outra amiga de Hilda Hilst que hoje habita e cuida da casa. “Hilda queria que a casa se mantivesse aberta às vivências”, diz ela. Residentes temporários ou permanentes, cerca de 60 pessoas passaram pela Casa do Sol nesses três anos. Desde que foi convidada pelo escritor espanhol José Luiz Mora Fuentes, amigo mais próximo de HH, para realizar um documentário biográfico sobre a escritora, a cineasta Gabriela Greeb tornou-se uma “residente itinerante”. Há cinco anos Greeb está vinculada à Casa, pesquisando seus acervos para a realização do filme Contato Hilda Hilst Pede Contato. “Quando encontrei a voz dela gravada nas fitas, decidi que a narrativa do filme seria em primeira pessoa”, conta. CRéDITO: BERTRAND GUILLOU. NA páGINA AO LADO: pAULA ALzUGARAy

O filme revela-se um projeto muito mais vivencial do que documental. Pretende resgatar a memória e a presença de Hilda Hilst em seu cotidiano, por meio dos arquivos pessoais de som e imagem, de intervenções ficcionais, de entrevistas e encontros promovidos na mesa de jantar da Casa do Sol. Interpretada pela atriz Luciana Domschke, a escritora reaparece em sua casa e busca interagir com os convidados – amigos íntimos, como a escritora Lygia Fagundes Telles. “O grande tema da obra de HH é a imortalidade da alma”, diz Greeb. “No filme, a Casa do Sol é a morada de quatro tempos e realidades distintas: o tempo da ficção, o tempo documental, o tempo literário e a realidade atemporal, a eternidade, o espírito da coisa, que é a própria casa e toda sua subjetividade”, diz ela. O filme tem previsão de ser rodado e finalizado em 2014, quando se completam dez anos da morte da escritora.

Na página à esquerda, o jardim da Casa do Sol; acima, desenho do storyboard do filme Contato Hilda Hilst Pede Contato, realizado por Bertrand Guillou, colaborador da diretora Gabriela Greeb


urbanismo

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Cultura e reforma urbana:transformação ou segregação? Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo estão incorporando novos projetos culturais em suas transformações urbanas de áreas históricas. Os impactos imobiliários e sociais dessas intervenções evidenciam sua centralidade no desenho de novas políticas públicas G a b r i e l Ko G a n

f oto s m a u r o r e s t i f f e

A demolição da Perimetral, no Rio de Janeiro, integra o projeto do Porto Maravilha SELECT.ART.BR

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Em um gigantEsco tErrEno vazio dE 18 mil mEtros quadrados, no cEntro dE são Paulo, ondE ficava a antiga rodoviária da cidadE, comEçará a brotar, Em 2014, o chamado comPlExo cultural da luz, orçado Em r$ 500 milhõEs, com três salas dE EsPEtáculos, salas dE aulas E rEstaurantEs. as imagens do futuro espaço, divulgadas pelos arquitetos, os suíços herzog & de meuron – ganhadores do Prêmio Pritzker, o nobel da arquitetura –, mostram alguns jovens, quase todos brancos, assistindo a uma apresentação de tango argentino no saguão com ares minimalistas. Em nada essa visão se parece com a atual situação nos arredores do futuro prédio, em que usuários de crack se aquecem em fogueiras improvisadas. desde 1974, o poder público tenta reverter o processo de desvalorização de terrenos na região da luz por meio de ousados projetos urbanísticos. os museus, os centros culturais e as salas de espetáculos são parte dessa operação urbana que também inclui incentivos fiscais para novas empresas, zoneamento especial e desapropriações de prédios considerados “deteriorados”. assim, o edifício do complexo cultural da luz é apenas o mais novo equipamento a ser instalado nesse bairro, em uma linhagem iniciada pela Pinacoteca (1998), sala são Paulo (1999), Estação Pinacoteca (2004) e museu da língua Portuguesa (2006). no total, as instituições recebem mais de 1 milhão de pessoas por ano, oferecendo desde atividades gratuitas – como os ingressos de fim de semana na Pinacoteca – até os concertos de r$ 380 do mozarteum brasileiro, na sala são Paulo. se, por um lado, esses projetos fomentam a cultura na cidade, incentivam o adensamento do centro urbano e o restauro de prédios antigos, por outro, o movimento econômico gerado por essas atividades acaba por expulsar populações pobres, muitas delas com vínculos tradicionais com a região. Esse processo ganhou, a partir das ideias do geógrafo escocês neil smith, um nome pejorativo: gentrificação – da palavra inglesa gentleman –, ou seja, o processo de enobrecimento da área, no qual habitantes são expulsos para regiões distantes por não conseguirem arcar com novos custos de vida, sobretudo aluguéis. E acabam em bairros sem infraestrutura. Para Ermínia maricato, professora da fau-usP, “os investimentos na luz em suas instituições culturais visam trazer

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O edifício do Complexo Cultural da Luz que será implantado nesse bairro, em São Paulo, insere-se numa linhagem iniciada pela Pinacoteca em 1998 e que atrai 1 milhão de pessoas por ano


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para lá um mercado imobiliário moderno e assim gentrificar”. Buscando entender as mudanças da região, a jornalista Sabrina Duran viabilizou, em 2013, um projeto através de crowdfunding, com 316 apoiadores, a ser publicado em uma sequência de artigos online: “O objetivo é investigar o processo de gentrificação no Centro da cidade durante as duas últimas administrações municipais”. A geógrafa Julia Cossermelli Andrade, outra pesquisadora do tema, sediada na Unicamp, chama a atenção para o vocabulário dessa discussão: “Palavras mostram em qual time você está; revitalização, por exemplo, é usado por aqueles que acham que não há atividades no lugar, como se pobre não tivesse vida”. Sobre o Centro e os museus de São Paulo, Andrade comenta: “Inicialmente, pensava-se que bastaria o Estado investir em um grande equipamento cultural e tudo viria como um efeito dominó, mas hoje isso se articula com políticas de uso do solo e remoção de populações ditas indesejadas; a demora da gentrificação do Centro não significa que ela nunca acontecerá, mas sim que ainda atingirá seu clímax no futuro”. Quais as consequências disso tudo e como evitar? Para Maricato, “a explosão de preços dos imóveis não faz bem para ninguém, amplia a segregação; para combater a gentrificação, precisamos de uma mistura de classes sociais, com moradia social”.

Pelo mundo A relação entre projetos urbanos, construção de centros culturais e gentrificação não é uma exclusividade brasileira. A partir dos anos 1960, o bairro parisiense de Le Marais, até então habitado por uma população diversificada, foi radicalmente transformado. A demolição do mercado de alimentos de Les Halles e a construção do Centro Georges Pompidou – dos arquitetos Richard Rogers e Renzo Piano – atraíram a atenção de novos investimentos, valorizando os imóveis. Já nos anos 1990 foi a vez da cidade basca de Bilbao, no norte da Espanha, entrar no mapa das artes. Com massivos investimentos urbanos de R$ 5 bilhões e a chegada de uma filial do Museu Guggenheim, projetado pelo arquiteto canadense, naturalizado norte-americano, Frank Gehry, e inaugurado em 1997, o lugar – antes com vocação industrial – tornou-se um importante destino para o turismo cultural na Europa, recebendo 1,36 milhão de pessoas apenas no primeiro ano de abertura.

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A relação entre projetos urbanos, construção de centros culturais e gentrificação (“enobrecimento” no sentido pejorativo) não é uma exclusividade brasileira e ocorre no mundo todo desde os anos 1960

Acima e na página seguinte, obras do Museu do Amanhã, projetado por Santiago Calatrava, vistas do Museu de Arte do Rio de Janeiro. Inagurado em 2013, o MAR integra o projeto do Porto Maravilha


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Berlim vive também radical transformação após a queda do Muro, em 1989, por meio de políticas culturais. Tanto com seus novos museus – como o Neues Museum, desenhado por David Chipperfield – quanto o fomento da chamada economia criativa, promovida para jovens artistas que invadiram a cidade, alavancou os valores dos imóveis, agora com grande procura.

Rio de JaneiRo Em um caminho similar, o Rio de Janeiro executa desde 2009 o ousado projeto Porto Maravilha, para reforma urbana no entorno da histórica região da Praça Mauá. Juntamente com os investimentos em infraestrutura, como a demolição do viaduto da Perimetral em 2013, há a construção de museus, como o já inaugurado Museu de Arte do Rio (MAR). De frente para o mar, o Museu do Amanhã, de 15 mil metros quadrados, ainda em construção, será uma instituição de ciências, permeado por instalações interativas educacionais, com o objetivo de discutir tecnologia, conhecimento e o futuro. O projeto arquitetônico ficou a cargo de Santiago Calatrava. Além dos museus, edifícios antigos estão sendo restaurados, criando um percurso histórico-cultural, e resquícios arqueológicos da região servem como base para trabalhos de arte de artistas como Yuri Firmeza. Os curadores do MAR, Clarissa Diniz, Julio Groppa Aquino e Paulo Herkenhoff, participam dessas pesquisas. Apesar da efervescência das atividades culturais, a questão das atividades imobiliárias não pode ser abstraída do Porto Maravilha: mais de R$ 3,5 bilhões para a intervenção são provenientes da venda, pelo poder público, de Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepacs) ao mercado da construção. Com isso, empresas poderão edificar áreas além das previstas na lei, em terrenos originalmente de propriedade pública dentro do perímetro de 5 milhões de metros quadrados da operação urbana. Críticas sobre gentrificação não tardaram então a emergir, mesmo com os projetos que privilegiam a contratação da população local para trabalhos nos museus. A valorização imobiliária e as remoções já afetam comunidades pobres do entorno, como a do Morro da Providência, primeira favela do Brasil. “Só no Rio de Janeiro há 40 mil pessoas sendo transferidas de áreas centrais – que interessam à Copa e às Olimpíadas –, para a periferia”, conta Maricato.

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Praça da Liberdade, em Belo Horizonte, cujos edifícios deixaram de ser administrativos e foram ocupados por espaços culturais patrocinados por grandes empresas


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Centros Culturais da Praça da Liberdade, em Belo Horizonte, vistos desde edifício projetado por Niemeyer

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A geógrafa Julia Andrade usa palavras fortes para descrever a situação: “O que aconteceu foi uma atrocidade com a remoção de famílias – muitas de mulheres com filhos – que moravam no Porto, tudo isso sem contrapartida alguma; agora, um processo similar acontece nos morros do entorno”.

Belo Horizonte Diferente do caso carioca, como o preço da terra já era alto antes da intervenção, o projeto do Circuito Cultural da Praça da Liberdade, em Belo Horizonte, tem pequeno impacto imobiliário. Mas a relação entre processos políticos e a abertura de mais de 15 instituições culturais no lugar não deixa de provocar debates urbanísticos. O projeto começou a se concretizar em 2010, quando a sede do governo mineiro passou para o distante bairro da Serra Verde, considerado isolado e pouco acessível, retirando assim do Centro da cidade o comando da administração política. O arquiteto Jorge Vilela, ex-secretário municipal de Atividades Urbanas da prefeitura de BH, foi um dos primeiros a se erguerem publicamente contra o projeto. “O comando político tem, em si, um sentido de centralidade e não há como conceber a Praça da Liberdade sem a sede do Estado por lá.” A despeito das críticas, os edifícios com antigas funções políticas deram lugar a instituições culturais, como o Memorial Minas Gerais Vale, o Museu das Minas e do Metal, o Centro Cultural Banco do Brasil e o Centro de Arte Popular, entre outros. A ousada ideia promove a identidade mineira: “O Circuito Cultural Praça da Liberdade respira mineiridade desde a sua concepção”, explica Cristina Kumaira, diretora do projeto, que ressalta ainda as qualidades da intervenção: “Atividades que atendam às demandas não só da população local, mas também às de turistas”. Seja São Paulo, seja Rio ou Belo Horizonte, não há dúvida de que as cidades precisam de novos projetos culturais e de radicais transformações urbanas. Mas será que as intervenções atuais – com seus bonitos museus – se pautam por valores democráticos, seja garantindo o fácil acesso do público aos centros políticos, seja oferecendo direito à moradia central de qualidade, independentemente de classe social? Esta é a dúvida que paira sobre os nossos projetos de reformas urbanas que, definitivamente, incorporaram políticas culturais como seus instrumentos prediletos.

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ArquiteturA

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nÃo há projeto sem programa Valorização da cultura local e da memória coletiva marcam os museus de Lina Bo Bardi, cujo centenário é celebrado este ano L i s e t t e L ag n a d o

Se definir arquitetura Se limitaSSe a conhecer e analiSar a conStrução de prédioS originaiS (novoS, modernoS, contemporâneoS), a contribuição de lina bo bardi já Seria uma tarefa enorme com o muSeu de arte de São paulo (maSp), conceituado em 1957 e finalizado em 1968. como condensar a história de um espaço, conhecido como o vão livre da avenida paulista, sem detalhar o contexto que levou pietro maria bardi (o casal havia recém-chegado ao brasil) a edificar no hemisfério Sul um acervo excepcional de arte do então chamado primeiro mundo? Foto: Acervo instituto linA bo e P.M. bArdi

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De saída, é um erro desmembrar o projeto de museu de seu programa. É o que sobressai da trajetória de Lina Bo Bardi, cujo centenário é celebrado este ano. Apenas para facilitar, daria para estabelecer uma distinção teórica: o “projeto” expressa uma perspectiva exterior do prédio, o volume, a fachada, uma forma comunicativa (branding); o “programa” destaca aspectos menos visíveis, tais como as atividades com o público e a eficácia das relações com o entorno do museu. O Masp atende a ambas as definições. Como obra, sua inovação transcende o arrojo do prédio e inclui o sistema de fixação usado na antiga pinacoteca: uma chapa de cristal inserida dentro de um bloco de concreto. Esse módulo expográfico permitia a visão simultânea de diversos períodos da história da arte, deixando todas as informações didáticas na parte posterior. Era um dispositivo moderno, um acerto fino entre contemplação e missão educativa. Hoje, tanto o vão livre como esse display são atributos remotos de um Masp descaracterizado. Outro equívoco consiste em pensar arquitetura

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enquanto “construção”, “fato realizado”, denunciaria Lina Bo Bardi numa conferência publicada em 1990. Portanto, não há meio de entender seu itinerário sem mencionar reformas de imóveis, casas coloniais ou fábricas industriais. Dona de uma sólida formação adquirida na Itália, trouxe ao Brasil uma inflexão crítica ao mito dos monumentos. Deslumbra-se com um país “onde tudo era possível”, que não conheceu as ruínas das cidades bombardeadas, mas sua atividade profissional é uma contínua lição de valorização do vernáculo e da memória coletiva. Explorar o “sentido social” da arquitetura ganha contornos concretos na Bahia (1958-1964), onde Lina “inventa” um Museu de Arte Moderna em paralelo ao Museu de Arte Popular. Lá, recupera o Solar do Unhão, vai ao encontro do artesanato e não mede esforços para integrar o teatro e a expressão popular no sentido moderno de arte-totalidade. De quebra, fez sua crítica à “inércia conservadora do Sul”. Tendo o apoio da universidade, reforçou o vínculo educativo das “exposições didáticas” do Masp com a ideia

Na página anterior, Museu de Arte Moderna de São Paulo, em desenho de 1958; abaixo, a pinacoteca do Masp, em foto de 1958


de museu-escola. Logo, não seria um “museu no sentido tradicional”. Driblou limitações financeiras e a condição sine qua non de atuar por meio de um acervo internacional. A compreensão histórica do colonialismo do Brasil e do desprezo de seu passado de vínculo com a África não teria sido possível sem essa vivência da realidade do Nordeste. Mesmo assim, a proposta de criar um “centro de documentação de arte popular (não folclore) e centro de estudos técnicos visando a passagem de um pré-artesanato primitivo à indústria” é interrompida. Nessa lógica, a lista dos “museus” de Lina Bo Bardi deve arrolar diversos centros culturais. Em 1958, convidada a reformar uma antiga cocheira que abrigaria o Museu do Instituto Bu-

tantã, vai além das questões físicas do restauro e esboça um plano didático e popular, amparado em expografia flexível composta de paredes móveis em material leve e incombustível, armações de ferro, vitrines e auditório. Seria um museu voltado para a educação ambiental. Os ciclos biológicos dos chamados “animais peçonhentos” são objeto de desenhos de rara beleza, oferecendo dioramas e a necessidade de gravações em diversos hábitats (o Sertão, entre outros). Aliás, graças a Lina Bo Bardi, a infância ocupa um lugar inédito na história da arquitetura do País. Chegou a conceituar um Museu da Criança, com salas reservadas a atividades artesanais, um jardim mantido por usuários mirins de 5 a 15 anos, e uma exposição permanente de brin-

O “projeto” expressa uma perspectiva exterior do prédio, o “programa” destaca aspectos menos visíveis, como a eficácia das relações com o entorno do museu

Entreato para Crianças, em São Paulo, em desenho de 1985 Foto: Paolo GasParini, acervo instituto lina bo e P.M. bardi

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quedos típicos do Brasil. A fantasia se consolida no Centro de Lazer Sesc-Pompéia (1977), desenvolvido com André Vainer e Marcelo Ferraz. Não há mais feliz e completa integração entre pavilhão para exposições, teatro e biblioteca, educativo e atividades de lazer (ateliês, laboratório fotográfico, estúdio musical), e conjunto esportivo (deck-solarium com cachoeira). Elementos onipresentes em seus estudos, água, flores e cores aparecem até no manuscrito detalhando que o restauro do Palácio das Indústrias teria “cores” distintas de “branco” (“Programa-projeto para a prefeitura de São Paulo”, 1990). Claro está que, por serem de fato “espaços de uso público”, os projetos dependiam de prefeitos, governadores, vontade política. Em parte por causa do golpe militar de 1964, em parte por impedimentos administrativos, a maioria seguiu destinos outros. Por exemplo, chamada a dirigir a Fundação Parque Lage, no Rio de Janeiro, em 1965, recusa estimular tendências SELECT.ART.BR

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para reavivar a velha École de Beaux-Arts. O contraste entre o antigo e o novo nunca a intimidou, pelo contrário. Propôs resgatar a Usina do Gasômetro em Porto Alegre para criar o Museu do Trabalho, projeto de 1982 que serviria de “grande centro de documentação sociológica das atividades produtivas desenvolvidas ao longo dos anos no País”. Dotado de uma área de 5 mil metros quadrados, seria um polo de estudos constituído a partir de um acervo de 500 peças catalogando profissões em extinção. Sua missão não ficaria resumida a embalsamar o passado: afora as salas expositivas, o museu teria um apelo social participativo, com salas de teatro, cinema, música, artes plásticas, artesanato, desenho industrial, bibliotecas e arquivos. No mesmo ano, também desenhou a reforma do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), localizado debaixo da marquise de Oscar Niemeyer, no Ibirapuera, em São Paulo. Outra derrota: ao perceber que sua expografia não

Acima, Pavilhão do Parque Lage, Rio de Janeiro, em desenho de 1965. Na página ao lado, no alto, exposição Le Corbusier no Museu de Arte Moderna da Bahia, em 1963; e fotomontagem da maquete do Museu à Beira do Oceano, de 1951


Explorar o “sentido social” da arquitetura ganha contornos concretos na Bahia, onde Lina Bo “inventa” um Museu de Arte Moderna em paralelo ao Museu de Arte Popular 81 73

recebeu endosso da diretoria, a arquiteta se retira, manifestando seu repúdio na imprensa. Prova de que o museu é maior do que sua sede foi o projeto Trem de Arte (1968), de Walter Zanini. O diretor do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP) havia proposto à Companhia Paulista de Estradas de Ferro (CPEF) vagões de carga para levar itinerâncias ao interior do estado. Lina chegou a ser contatada para pensar o acondicionamento das obras, mas nada vinga. Dez anos depois, a arquiteta desenvolve, junto ao Sesc, caixotes para expor (e vender) peças de artesanato adquiridas em todas as regiões do País, que seria outra maneira de vitalizar periferias. A formação de público tinha um caráter de urgência. Além de publicações, cursos teóricos e oficinas, Lina Bo Bardi concebia os sistemas de montagem para incrementar uma atmosfera didática sem nenhum paternalismo. Um levantamento de obras não construídas e reformas abortadas indica que a lista é extensa, compreendendo, entre outros, um Museu Giratório (1951), o Conjunto das Artes (1962), o Museu do Mármore em Carrara, na Itália (1963), belo duelo entre arquitetura e paisagem natural. As colagens que mostram as áreas interna e externa do Museu à Beira do Oceano (1951), trazendo os pórticos de concreto armado e bloco suspenso do futuro Masp, exercem um fascínio à parte. Idealizado a pedido da prefeitura, na Praia de São Vicente, o projeto prenuncia o turismo cultural hoje celebrado pela globalização. Diante da multiplicação de áreas urbanas degradadas, o sentido de “presente histórico” de Lina Bo Bardi ressoa com força maior. Como ela mesma afirmou, arquitetura enquanto construção interessa menos do que “preservar certas características típicas de um tempo que pertence ainda à humanidade”. Fotos: armin Guthmann (mam bahia), acervo instituto lina bo e P.m. bardi


e d u c at i v o

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Mãos à obra L u c i a n a Pa r e j a n o r b i at o

Inovar no atendimento e na capacitação do público e dos funcionários, inclusive da segurança e limpeza, é prioridade no setor educativo de alguns dos melhores museus do País SELECT.ART.BR

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Crianças interagem com as obras ao ar livre, durante visita mediada pelos jardins do Inhotim, em Brumadinho (MG)

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Todo museu brasileiro que se preze Tem hoje um seTor educaTivo. mas nem sempre foi assim. essa realidade começou a mudar em 1990, quando o committee on education (edcom) publicou, nos eua, um documento sobre os padrões para o trabalho educativo em museus (statement on professional standards for museum education). ele determinava que a um museu já não bastava exibir a produção artística. diante das questões cada vez mais específicas da arte contemporânea, era necessário não só cativar o público, mas muni-lo da compreensão de seu papel dentro do processo artístico. no brasil, a importação do modelo educacional norte-americano, inspirado principalmente no moma de nova York, aconteceu em 1995, com a chegada de milú villela à presidência do museu de arte moderna de são Foto: DANIELA PAoLIELLo

paulo (mam-sp). ela implementou um setor educativo que incluía a recepção do público por mediadores treinados, atividades de formação e capacitação de orientadores para instituições correlatas e outras necessidades. milú antecipou-se a um movimento inevitável e, com mais ou menos agilidade, as instituições brasileiras foram se adequando à nova realidade. o novo milênio chegou, os questionamentos produzidos pela arte seguem imprevisíveis, mas o modelo pedagógico vigente continua o mesmo. Talvez os esforços particulares de três instituições, no sentido de inovar o atendimento e a capacitação dos públicos mais diversos, venham a ser o disparador de uma nova concepção de relacionamento com os visitantes. são elas o instituto inhotim, o museu de arte do rio (mar) e o complexo do instituto cultural dragão do mar.


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“O programa educativo do Inhotim surgiu com o desejo de fazer de uma coleção particular de arte uma instituição aberta ao público. Antes de sistematizar uma política curatorial, já havia educadores trabalhando e discutindo aquele acervo”, diz a curadora Julia Rebouças InhotIm: conhecImento aberto e não serIado Com um cenário por si só rico em possibilidades de interação, o Instituto Inhotim, em Brumadinho (MG), tem um programa educativo que quer “convergir os pensamentos em educação e buscar a transversalidade”. Palavras de María Eugenia Salcedo, gerente de coordenação pedagógica que tem a tarefa de integrar as ações de mediação dos diversos setores da instituição: arte e educação, núcleo ambiental, educação patrimonial e inclusão e cidadania. Dentre esses universos há até programas de formação dos funcionários, pois “mesmo o pessoal da segurança e da limpeza pode informar os espectadores”. As visitas mediadas com alunos do ensino fundamental da rede pública de Belo Horizonte ganharam um novo contorno por um convênio, desde 2008, com a prefeitura. Foi nele que surgiu o programa Escola Integrada, no qual os estudantes de 6 a 15 anos passam um dia inteiro em seus jardins. “É uma oportunidade para usar até mesmo a hora do almoço como um tema na visita. Dá para falar, por exemplo, de sustentabilidade ligando consumo à alimentação.” A interlocução com o contexto é uma iniciativa do Laboratório Inhotim. Nele, cerca de 20 jovens de 12 a 17 anos, moradores de Brumadinho e adjacências, participam de cursos e atividades ao longo do ano, e podem voltar como bolsistas pela parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig) por mais dois anos. Já a Rede Educativa Inhotim SELECT.ART.BR

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(www.redeeducativa.inhotim.org.br) é um catalisador de reflexões e realizações de professores, alunos, pesquisadores e público sobre as iniciativas da área pedagógica da instituição. Ainda em sua versão de testes é a única plataforma do gênero no Brasil. Programas como o Jovens Agentes Ambientais, o Derivar e o Descentralizando o Acesso (que atendeu 400 professores e 8 mil alunos das cidades de Brumadinho, Mário Campos, Igarapé, Ibirité, São Joaquim de Bicas, Bonfim e Betim) são outras das iniciativas. Sem contar o Inhotim Escola, que foi lançado em março de 2013 com um seminário sobre Natureza, Tempo e Poesia e prevê cursos, mostras e mesas-redondas. “O Inhotim Escola quer constituir uma plataforma de ações de formação, mas para isso não pretendemos fazer uso de uma estrutura de ensino escolar, baseada num entendimento de disciplina como campo fechado de conhecimento ou de disciplina como padrão de comportamento. Esta Escola quer ser um lugar de convivência, de troca, de compartilhamento”, diz a curadora Julia Rebouças. O projeto deverá ganhar sede em 2016 em dois casarões na Praça da Liberdade, em BH, ampliando o atendimento do museu além de suas fronteiras.

Saiba mais sobre o Inhotim Escola em: www.select.art.br/article/da_hora/perca-tempo www.select.art.br/article/da_hora/conversas-abrangentes

Da esq. para a dir., alunos no Inhotim; professores em visita ao Museu de Arte do Rio; e uma das salas de aula do Porto Iracema das Artes, em Fortaleza


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DRAgão Do MAR: PRoDUziR ARTE

MAR: A boA vizinhAnçA Situado na zona portuária do Rio de Janeiro, o Museu de Arte do Rio tem uma vocação pedagógica desde a sua gênese. “O MAR é uma escola com um museu ao lado ou um museu com uma escola ao lado? Essa pergunta, feita pelo nosso diretor cultural, Paulo Herkenhoff, não é para ser respondida, mas para que possamos compreender seus desafios, as inúmeras possibilidades de relação entre arte e educação, que, no MAR, são duas forças de igual potência”, define Janaina Melo, gerente de educação da instituição. “A conexão entre os dois prédios e o acesso ao espaço expositivo pelo edifício dedicado à educação informam de imediato que, para acessar as exposições, é necessário passar pela educação. Esse é um dos pontos de partida para todas as estratégias de mediação do MAR”, continua ela. É por meio da Escola do Olhar que o museu oferece cursos de curta, média e longa duração, privilegiando não só artes visuais e outras áreas de expressão como cinema, mas também a história da antiga capital do País. Além de atender e capacitar professores de escolas e universidades, o museu tem o projeto Vizinhos do MAR, que traz uma programação específica para os moradores da região. O público das imediações pode associar-se gratuitamente ao museu mediante a apresentação do comprovante de residência. Para diversificar a oferta de conteúdos e cursos, o MAR também faz parcerias com universidades (MAR na Academia) e recebe seus professores. É assim com o Universidade das Quebradas, coordenado por Heloísa Buarque de Hollanda e promovido pela Faculdade de Letras da UFRJ. Fotos: daniela paoliello, divulgação/mar e marina cavalcante

Fundado em 1999 por Paulo Linhares, então Secretário de Cultura do Estado do Ceará, o Instituto Dragão do Mar, em Fortaleza, que tem como principais equipamentos o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, o Porto Iracema das Artes e o Museu de Arte Contemporânea, viu ao longo da última década sua vocação de centro de produção cultural se diluir no papel de difusor de programação pronta. Com a atual gestão de Linhares como presidente da instituição, ela voltou ao velho passo. “Retomei a ideia de que o Centro não é só um lugar para exibir, mas para produzir”, diz. Para isso, foi dado um novo gás ao Porto Iracema das Artes, braço do Instituto responsável por oferecer cursos gratuitos para a população não só em artes visuais, mas em audiovisual para tevê e cinema, teatro, música e dança. Nomes como Karim Aïnouz e Marcelo Gomes, no cinema, Eder Chiodetto, na fotografia, e Arrigo Barnabé, na música, são alguns dos curadores, professores e palestrantes de cursos de duração diferenciada, de olho na capacitação profissional de seus ingressantes. O Dragão do Mar está fazendo parcerias para criar intercâmbios e ampliar a atuação educativa em âmbito nacional. Quando entrevistado por seLecT, Linhares estava no Rio de Janeiro, prestes a se reunir com Paulo Herkenhoff, no MAR, para discutir interações entre as duas instituições que comandam. Sinal de que um movimento de renovação da função pedagógica e de mediação dos museus está em curso.


c u lt u r a d i g i ta l

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Leitores participam de projeto colaborativo da seLecT, enviando imagens via Instagram de suas coleções pessoais

#meumuseupessoal

Durante o mês De Dezembro, fizemos uma chamaDa aberta em nossos canais online para que os leitores nos enviassem imagens De suas coleções particulares com a hashtag #meumuseupessoal, via instagram. inicialmente, nossa ideia era publicar a melhor foto na página da seLecT expandida, que abre todas as nossas últimas edições. o resultado, contudo, foi tão surpreendente que decidimos ampliar esse espaço, contemplando diversas coleções pessoais. inusitadas e diversificadas, essas coleções funcionam como listas visuais, oscilando entre uma “poética do tudo pode” e do “et cetera”, conforme definiu umberto eco. aparecendo com cada vez maior frequência na internet, transformam as redes numa experiência curatorial particular, onde borrachas de museus, ímãs de geladeira, calças típicas, câmeras analógicas, filmes de arte e recibos de despacho de malas ganham a dignidade conferida aos objetos do afeto que pontuam a memória. GB SELECT.ART.BR

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Coleção de câmeras de Leonardo Crescenti (@leocrescenti)


Crianรงas interagem com as obras ao ar livre durante visita mediada pelos jardins de Inhotim, em Brumadinho (MG)

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Da esq. para a dir., coleções de fitas cassete de @c_policarpo, recibos de entradas diversas, de Vera Bighetti (@vsbiguetti), filmes de arte de Mujica (@mujica58), bonequinhos de Marcos Marchetti (@marcosmarchetti), cédulas do uruguaio Brian Mackern (@brianmackern) e borrachas de museu de Fernando Velázquez (@ffvelzquez)

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Livros de Machado de Assis e episódios de I Love Lucy, por Tom Lisboa (@tom_lisboa), helicópteros de Cassio Vasconcellos (@cvasconcellos), lápis de museus de Velázquez, ímãs de geladeira de Andre Deak (@adeak), miniaturas de Lilian Beiguelman (@licabeiguelman) e calças típicas de Marcelo Tramontano (@marcelotramontano)

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Fotos: reprodução


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Arte

DesventurAs em série

Artoons // Pablo Helguera, até 9/3, Casa Daros, Rua General Severiano 159, RJ, www.casadaros.net

Guilherme KujAwsKi

Pablo Helguera faz guia ácido e bem-humorado aos iniciados do mundo da arte contemporânea Existe algum manual que explique o modo correto de admirar uma obra de arte? A pergunta não é exatamente retórica, pois quem nunca a fez que atire a primeira pedra. De qualquer modo, o quadrinista estadunidense Grant Snider resolveu respondê-la na forma de um cartum, aqueles desenhos humorísticos geralmente acompanhados de legendas. Nele vemos uma série de personagens percorrendo um trajeto ladeado por obras artísticas com suas respectivas legendas (por exemplo, ao lado de uma escultura que parece ser uma das famosas aranhas de Louise Bourgeois há a seguinte injunção: “Não force o simbolismo!”). Em geral, os cartuns representam um poderoso veículo de crítica, muito em razão da facilidade com que as mensagens neles embutidas são assimiladas. O excesso característico do formato e a inclusão de personagens estereotipados perfazem um conjunto mordaz e de alto poder de impacto, principalmente no campo político. Mas não apenas no político; pelo que se verifica agora, no artístico também. Cartunistas tradicionais (e até artistas como Peter Duggan) se aventuram por essa mídia para comentar o universo artístico, sem os gessos e exigências da tradicional crítica de arte. Apostando na atualidade dessa forma de expressão, a Casa Daros Rio apresenta a exposição Artoons, com curadoria de Eugenio Valdés Figueroa. A expressão artoons, que é quase autoexplicativa, significa: desenhos que dialogam de forma crítica e bem-humorada com o sistema da arte. A Fotos: Paula alzugaray

40 Artoons foram distribuídos nos espaços de circulação da Casa Daros. O trabalho artístico de Helguera está em sintonia com sua função como educador. Atualmente ele é diretor do programa educativo do MoMA-NY

mostra reúne 40 artoons produzidos pelo artista mexicano Pablo Helguera, todos espalhados por espaços de circulação, inclusive sobre as paredes externas do centro cultural, onde o público pode ver uma série de “grafites” que lembram a série República dos Bananas, de Angeli, mas com foco em minidescrições de figuras como curadores, críticos e colecionadores. Além dos artoons, que podem ser interpretados como um verdadeiro guia bem-humorado dirigido aos iniciados do mundo da arte contemporânea, há sessões do desenho animado As Aventuras de Olmeco Beuys, baseado numa história em quadrinhos da lavra do próprio Helguera. Elaboradas com traços simples, em preto e branco, as animações contam as desventuras em série de um artista incompreendido em meio a um sistema de arte burocrático, quase kafkiano. O estilo minimalista usado para desenhar esse Charlie Brown metido a artista reforça o intuito da crítica, mas sem descambar para um ataque gratuito e sem sentido.


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LinhA de produção 2.0 GiseLA domschke, de LiverpooL

Exposição na Inglaterra avalia as mudanças de padrão do trabalho na era da comunicação A economia industrial está dando lugar a uma economia de informação e serviços, em que ideias e experiências são fabricadas no lugar de produtos. Mas quanto mudaram nossos padrões de trabalho? A exposição Time & Motion: Redefining Working Life, com curadoria de Mike Stubbs, propõe a urgente tarefa de repensar esses padrões. O termo Time & Motion faz referência a um método científico, desenvolvido por Frederick Taylor, para analisar procedimentos de trabalho e determinar os métodos mais eficientes de operação. Criado na era industrial, esse método ainda hoje é utilizado em fábricas, hospitais, estabelecimentos comerciais, bancos etc. Partindo desse estudo, a exposição traça uma trajetória do nosso universo de trabalho, desde o relógio de ponto na porta das fábricas até o check-in online, reunindo obras, projetos de pesquisa, materiais de arquivo e intervenções. Entre os destaques, o vídeo de Harun Farocki Workers Leaving the Factory traz 11 décadas de registros da saída do local de trabalho, iniciando com as imagens dos irmãos Lumière de trabalhadores deixando apressadamente os portões da fábrica fotográfica, em Lyon, em 1895. A videoinstalação One Pound, de Oliver Walker, representa a duração de tempo que os trabalhadores de diferentes partes do mundo levam hoje para ganhar o equivalente a 1 libra. Na obra comissionada 75 Watt,

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Time & Motion: Redefining Working Life, até 9 de março, FACT (Foundation for Art and Creative Technology), Liverpool, Reino Unido. www.fact.co.uk/ projects/time-motion-redefining-working-life/

Entre os destaques da exposição Time & Motion, o vídeo de Harun Farocki Workers Leaving the Factory (1995)

Cohen van Balen explora o gerenciamento científico dos movimentos dos operários em linhas de produção (75 W é a capacidade de energia que uma pessoa pode gastar em uma jornada de oito horas). Projetado especificamente para ser gerado na China, o produto tem como única função a de coreografar uma dança realizada pelos operários em sua linha de produção. Ao inverter o propósito das ações dos operários, a obra faz com que o movimento mecânico seja reinterpretado em dança. O projeto Hybrid Lives do The Creative Exchange, com proposta curatorial de Bronac Ferran, é um espaço que oferece ao público a oportunidade de avaliar as mudanças que a tecnologia vem introduzindo em nossa vida profissional por meio dos recursos digitais de comunicação, compartilhamento e colaboração. Hoje, as pessoas alimentam redes sociais e sistemas de crowdsourcing com dados pessoais ou ideias que são transformados em ativos de grandes corporações. Como regularizar essas distintas camadas da economia digital quando o próprio ser humano é um “tecelão de morfismos”?


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Arte

O infernO sOmOs nós

O vídeo Inferno (2013) de Yael Bartana representa a Queda do Templo de Salomão em edifício da Igreja Universal, em São Paulo

Giselle BeiGuelmAn, de miAmi

Com vídeo gravado em São Paulo, a israelense Yael Bartana é uma das artistas que participam da inauguração do Pérez Art Museum Miami Yael Bartana é uma das mais interessantes artistas israelenses atuais. Vivendo entre Tel-Aviv, Amsterdã e Nova York, produz uma obra de raro hibridismo entre questões locais do Oriente Médio e do Ocidente. Seu trabalho mais recente foi realizado no Brasil e é um dos projetos que inauguram as salas individuais do imponente Pérez Art Museum Miami (PAMM). Aberto ao público em dezembro, o museu já se tornou um dos marcos de Miami e está inserido num redesenho da cidade orientado para sua transformação em centro artístico e cultural mundial. Bartana foi uma das participantes de um projeto em curso realizado por Benjamin Seroussi (curador associado da Bienal de São Paulo) e Eyal Danon sobre novas religiões. No primeiro semestre de 2013, ela esteve aqui e criou uma ficção

Inferno – Yael Bartana, Pérez Art Museum Miami, até 20/4. 1103 Biscayne Blvd., Miami, www.pamm.org

(Inferno) que se passa em 2014 e tem como mote a construção do novo templo que a Igreja Universal está erguendo em São Paulo. Réplica do Primeiro Templo de Salomão, para o qual foram trazidos cedros e pedras do Líbano e em cuja obra trabalharam mais de 100 mil pessoas, de acordo com registros bíblicos, foi destruído no século 6 a.C. por Nabucodonosor, imperador da Babilônia. A Queda do Templo, como é conhecida, tornou-se, assim, o marco histórico da primeira Diáspora judaica e, por isso, um dos mais importantes referenciais simbólicos do judaísmo. Costurando as duas histórias, dos evangélicos brasileiros e dos judeus, Bartana produz um intrigante palimpsesto cultural valendo-se da linguagem dos épicos hollywoodianos. Colocando negros de olhos azuis, vacas e camponeses no Centro de São Paulo, em rituais litúrgicos e cenas de devoção, trabalha sob a perspectiva do que a artista chama de “previsão histórica”. A obra acompanha não só a construção e sua celebração, mas também a destruição, questionando até que ponto um está contido no outro. A superposição de contrapontos culturais e de estilos – o calor desértico ambientado como tropical, a devoção judaica e a dos fiéis da Igreja Universal, animais bíblicos no Centro paulistano – compõe um perturbador e intrigante retrato da proximidade entre o extático e o infernal.

Fotos: Cortesia da artista/ Petzel, New York; aNNet GeliNk GallerY, amsterdã e sommer CoNtemPorarY art, tel-aviv. Na PÁGiNa ao lado: divulGação


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rAízes e âncorAs de umA coleção Coleção com porte de acervo de museu ganha recorte curatorial de Paulo Herkenhoff e exposição de longa duração em Fortaleza Constituído ao longo das últimas quatro décadas pelo colecionador cearense Airton Queiroz, o acervo de arte da Fundação Edson Queiroz veio finalmente a público em 2013 em uma exposição com recorte curatorial de Marcelo Campos e de Paulo Herkenhoff, que compara o acervo ao de grandes instituições e o situa entre os 15 principais museus de arte brasileira. O valioso conjunto, composto a partir da aquisição de obras de artistas locais, como Antônio Bandeira, Estrigas e Raimundo Cela, hoje conta com cerca de 500 trabalhos dos principais nomes da história da arte nacional. Mas como nenhuma história é definitiva, a curadoria optou por realizar associações imprevistas, que se materializaram em grupos conceituais. O grande trunfo foi ter trabalhado – em uma coleção composta de mais de 30 pinturas de Volpi da fase das bandeirinhas e outras dezenas de obras icônicas do Modernismo, da Abstração Geométrica, do Neoconcretismo e do Pop – com um enfoque mais nas relações entre as obras do que em seus méritos individuais. Apesar de delimitar cronologicamente o marco zero da coleção no módulo O Moderno Antes do Modernismo, os curadores elegeram grandes temas, em torno dos quais reuniram obras de distintas épocas. No grande campo da Natureza, por exemplo, as exímias pinceladas de Antônio Parreiras se aproximam do minimalismo construtivo de Sergio Camargo, da abstração ornamental de Roberto Burle Marx e Beatriz Milhazes, e do discurso político de Frans Kracjberg e José Bento.

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fEv/mAR 2014

Trajetórias – Arte Brasileira na Coleção Fundação Edson Queiroz, Espaço Cultural Unifor, Fortaleza, sem data de encerramento

O valioso conjunto da coleção da Fundação Edson Queiroz conta com cerca de 500 obras dos principais artistas da cena nacional, como Lasar Segall, autor de Amigas (1913)

Alguns dos parentescos mais improváveis aparecem no módulo Fantasmática, que aproxima o expressionismo de Iberê Camargo, a penumbra de Oswaldo Goeldi, a melancolia de Ismael Nery, a escultura alquímica de Tunga e a postura satânica das mulatas de Flávio de Carvalho. Essas escolhas que negam as linhagens estabelecidas e procuram definir outros vínculos entre as obras evocam a antropologia de Roberto da Matta e desaguam no filósofo contemporâneo Zymgumn Bauman e sua modernidade líquida. Surpreendentes relações aguardam o visitante no último módulo da exposição, Geometria Líquida, com as formas derretidas de Leda Catunda, as piscinas de Adriana Varejão e a ilusão de ótica das ondas de Abraham Palatnik. PA


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exposição

MAC do ZAnini Direção vanguardista realizada por Walter Zanini no MAC-USP é revisitada por meio de obras e documentos em mostra contundente Como fazer de uma exposição sobre um diretor de uma instituição de arte algo relevante em termos históricos e, ao mesmo tempo, visualmente instigante? Cristina Freire, vice-diretora do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), chegou a um refinado equilíbrio desse binômio na mostra Por um Museu Público: Tributo a Walter Zanini, de sua curadoria. Primeiro diretor do MAC-USP, cargo que exerceu durante 15 anos (de 1963 a 1978), Zanini soube transformar o museu recém-fundado numa instituição de vanguarda, inserida na cena internacional e difusora dos novos suportes surgidos no período, caso do vídeo e da arte postal. Promoveu novos formatos expositivos que subverteram o cubo branco, ampliou o alcance do MAC-USP com parcerias e mostras itinerantes, trouxe para o cenário nomes então incipientes, estabeleceu uma rede de contatos com artistas brasileiros e internacionais (especialmente na América Latina), integrou ao museu outras vertentes artísticas – como cinema, música, fotografia, design e arquitetura. Isso tudo em pleno regime militar. Tal trajetória pode ser plenamente compreendida na expografia orgânica da curadoria de Cristina Freire. São três módulos que abarcam cinco anos da gestão do “MAC do Zanini”, como ficou conhecido o museu daquela época. Farta documentação pontua as obras, restituindo sua dimensão histórica e ampliando as possibilidades de leitura. Entre os documentos estão as correspondências trocadas pelo diretor com artistas como Flávio de Carvalho e Flavio Shiró, ladeando trabalhos doados ao MAC-USP por eles; entrevistas gravadas com Zanini e outros nomes atuantes na época; catálogos e fac-símiles de documentos oficiais e matéFotos: DIVULGAÇÃo. NA PÁGINA Ao LADo: RoDRIGo PAtRocÍNIo

Registro da exposição O Fotógrafo Desconhecido, realizada em 1972 no MAC-USP. Na gestão de Zanini, o museu desbravou os campos das novas mídias

Por um Museu Público: Tributo a Walter Zanini, até 5/10, MAC-USP Nova Sede, Av. Pedro Álvares Cabral, 1.301, SP, www.mac.usp.br

rias de jornais, além de fotos e vídeos. Entre os destaques, o bronze Figura Reclinada em Duas Peças: Pontos (1969-1970) de Henry Moore, anexado ao acervo por uma troca com a Tate Gallery, está lado a lado com o gesso Formas Únicas de Continuidade no Espaço, de Umberto Boccioni, cuja fundição em bronze foi a moeda de troca nessa transação. Ironia ou não, a mostra torna inevitável a comparação do passado com o presente da instituição, atestando ao mesmo tempo o vigor dos anos de Zanini no MAC e o esforço de sua atual direção em manter o fôlego e a contundência da programação da Nova Sede em meio aos imbróglios administrativos da USP, que impedem a instituição de abraçar sua vocação de grandeza, como pede seu imponente edifício. LPN


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Rolezão no avião Companhias aéreas deveriam pagar indenização a quem viaja em seus voos internacionais O que é, o que é? Custa no mínimo US$ 1.000 por cabeça, faz você identificar-se com todas as sardinhas que já foram enlatadas no planeta e sua temperatura pode, em minutos, oscilar entre o calor senegalês e o frio polar várias vezes? Se você pensou em pesadelo, quase acertou. Mas é pior. Faça um esforço. Pense em maravilhas gastronômicas como orégano ao ravióli com molho seco de tomate, pimenta líquida salpicada com cubinhos de frango, pão congelado com presunto obeso e requeijão duro... Lembre de todas as vezes em que passou cerca de nove horas em posição quase fetal, com os joelhos na testa, sentado em uma poltrona superdesconfortável. Lembre daquela voz embargada de travesti acordando, cheia de chiados, zunindo a partir de autofalantes péssimos... Do alegre despertar com aquele inesquecível cheiro de omelete assando em alumínio, daquele banheiro indecente que dispensa comentários e da cara de pau de empresas que cobram um adicional de US$ 50 para que você viaje na saída de emergência, vulgo economy plus flush! Ainda não conseguiu adivinhar? Última dica: onde você poderia encontrar uma programação cultural que começa com um filme chatésimo e dublado (Aposta Máxima), passa para uma comédia cretina e óbvia (Bagagge Claim) e se encerra com Os Pinguins do Papai, obra digna de um Nobel nesse contexto, convenhamos. E tudo isso com fones de ouvido que parecem agulhas e em sistema overhead video (aqueles que ficam lá na frente e bem altos). Ou seja, impossível de ver. Mas é óbvio que estamos falando da classe econômica em voos intercontinentais das abusivas companhias aéreas nacionais e internacionais. Pelos seus desserviços prestados deveriam pagar indenização aos seus passageiros. E merecem, sem exceção, no mínimo, um bom e zoado rolezão. GB

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fEv/mAR 2014

ILUSTRAÇÕES: PATRICIo BISSo


OBItuárIO

senhas (200 a.C.–2014) Conhecidas desde o Império Romano, as senhas não resistiram aos encantos da identificação por biometria Nascidas de pais militares romanos, as senhas são quase sinônimo de segredo. Moçoilas misteriosas que trabalharam intensamente em guerras diversas durante muitos milênios sem cansar, chegando até a ser vistas em confrontos mais recentes. Com a explosão da internet, tornaram-se muito populares. Demais da conta, até. E, como já dizia a mãe de todo mundo, moça falada demais, confiável não pode ser e não é. Mas tanto se comentavam os seus mistérios que toda uma leva de bad boys especializou-se em violar os seus segredos. Homens, mulheres e até crianças e grandes empresários sofreram as consequências de tal promiscuidade. Seus primeiros pares, os bancos e banqueiros, foram desde sempre as mais lesadas vítimas de sua falta de garantia de confiança. Tanto amargaram sua precária infidelidade que tomaram a dianteira no processo de acabar com sua fama e glória. E deram um xeque-mate, paparicando uma nova musa. Biometria é o nome dela. Calada e muito caseira, é um templo de fidelidade que promete ficar com seu dono até que a morte os separe. GB

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EM CONSTRUÇÃO

Flavia RibeiRo: a casa como obRa 72

Pa u l a a l z u g a r ay F OTO l u D OV I C C a r È M E

Há 20 anos, Flavia Ribeiro vive e trabalha na mesma casa, no bairro da Vila Madalena, em São Paulo. Na casa e no ateliê, espaços vinculados e divididos apenas por um lance de escadas, a artista se lançou na experimentação de procedimentos da gravura, da escultura e da pintura, desenvolvendo uma poética regida pela subversão e reinvenção dos meios. Agora, a casa que testemunhou a liberdade e a autonomia de criação de Flavia Ribeiro é o assunto de sua obra. “Penso meus trabalhos usando as paredes como páginas de um caderno de anotações”, diz ela. “Surgiu então o desejo de ver esse espaço da casa desabitado de forma temporária para estabelecer SELECT.ART.BR

AGO/SET 2013

relações entre o que se deixa imóvel e o que se retira: todo vestígio de minha presença.” No projeto A Casa Como Deve Ser, a casa será esvaziada de parte dos objetos pessoais e ocupada por trabalhos antigos e novos, realizados em escultura, desenho, vídeo, livro e instalação. Então, esse espaço deixará de ser casa, ateliê, mas também não será galeria nem museu. O público será convidado a visitar A Casa Como Deve Ser somente por poucos dias, em data a ser marcada entre outubro e novembro de 2014. Até lá, poderá acompanhar as etapas do processo em encontros na Pinacoteca de São Paulo, onde serão lançadas cinco publicações na forma de almanaques.


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Ministério da Cultura e Museu de Arte Moderna de São Paulo apresentam

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Lenora de Barros (São Paulo, SP, 1953), Procuro-me, 2002. Offset sobre papel jornal, 28,5 x 24,5 cm cada. Coleção MAM, doação Milú Villela.

Arte, 4 caracteres. Mobilização, 11 caracteres. De quantos caracteres você precisa? 140 caracteres no MAM.

140 caracteres

Curadoria: alunos do Laboratório de Curadoria do MAM Educativo; Coordenação: Felipe Chaimovich Grande Sala e Sala Paulo Figueiredo até 16 de março no MAM São Paulo. #140caracteresmam

O MAM fica no parque Ibirapuera, portão 3. +55 11 5085-1300 Ter - dom, 10h - 18h Bilheteria até 17h30

E na internet também. :; mam.org.br :: redes sociais/mamoficial :: google art project

Patrocínio

Realização


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