exemplar de assinante venda proibida
out/nov 2014 Ano 04 EDIÇÃo 20 R$ 16,90
Objeto cênico do filme Inferno (2013), de Yael Bartana, em exibição na 31a Bienal de São Paulo
PATROCÍNIO INTERFERE? FEIRAS x BIENAIS VISITA GUIADA
OUTRAS BIENAIS
a r t e e C U Lt U r a C O N t e M P O r â N e a
FERNANDO VELÁzqUEz
BIENAL DA RESSACA
EM tEMpo
A Select nº20 eStá nAS melhoreS bAncAS de todo pAíS. A edição completA tem 116 páginAS. Aqui você AceSSA pArte do Seu conteúdo. Folheie e deguSte. pArA ASSinAr e conSultAr AS ediçõeS AnterioreS, Feche eStA jAnelA e AceSSe oS linkS ASSine e Arquivo, no cAnto Superior dA telA. boA leiturA!
fogo cruzado
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Como o patroCínio impaCta a produção Cultural? As AberturAs dA bienAl de São Paulo e da exposição Made by... Feito por Brasileiros, no antigo Hospital Umberto I, em São Paulo, foram marcadas por protestos. No primeiro caso, um grupo 55 de artistas rebelava-se contra a presença do Estado de Israel entre os apoiadores da Bienal. Para eles, o patrocínio serviria para “legitimar e purificar por meio da arte o genocídio conduzido em Gaza”. No caso da “invasão criativa na Cidade Matarazzo”, o protesto contestava a instrumentalização da arte pelo capital imobiliário e a disponibilidade dos artistas em servir de abre-alas para um empreendimento. Há quem diga que a questão não é nova e remonta à Renascença. Fato é que na contemporaneidade é impossível falar da relação entre arte e instituições sem passar pela reflexão sobre os meandros que atravessam os patrocínios, as doações e o mecenato. Alguns artistas, como Hans Haacke e Andrea Fraser, dedicaram sua obra a questionar as dimensões políticas e sociais da criação artística, trazendo à tona esquemas de legitimação de imagem pública por meio de suas formas de financiamento. Diante disso, perguntamos a curadores, críticos e artistas: o patrocínio influencia o conceito curatorial de uma exposição? Como a obra do artista é afetada pelos patrocinadores de uma mostra? SELECT.ART.BR
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Tony Chakar
artista participante da 31ª Bienal,
signatário da carta de repúdio ao apoio de israel
As relações entre uma obra de arte e as condições que permitem que o trabalho seja criado (econômicas, sociais, políticas, até mesmo pessoais) são e foram sempre complicadas. Historicamente, artistas e trabalhadores da área da cultura, em geral, precisaram de algum tipo de patrocínio, seja de um governante cruel, seja, mais recentemente, de instituições corruptas, e assim por diante. Além disso, o que é chamado de “mercado de arte” geralmente entretém relações escusas com o capital social de maneiras que são, às vezes, inimagináveis. A posição de muitos artistas foi, em geral, olhar para o outro lado, no sentido de que “o que eles não sabem
não vai prejudicá-los”, e o consolo era que o que diz uma obra de arte, o seu conteúdo, é muito mais valioso e de maior importância para a humanidade do que a contingência de financiamento. Ultimamente, estamos vendo mais e mais artistas se tornando conscientes do processo de financiamento, esse elemento que permite existência ao seu trabalho, e sua posição é dúbia. Por um lado, eles são conscientes de que certos financiamentos comprometem o conteúdo de seu trabalho, porque promovem valores que são contrários aos valores transportados pelo próprio e, por outro lado, alguns artistas chegam ao extremo de tentar trabalhar em condições de produção próprias, mesmo que isso signifique menos visibilidade e mais isolamento. Finalmente, não há uma estratégia universal ou “científica” que possa ser adotada por artistas em todos os momentos, mas estratégias locais são inventadas a todo momento, de acordo com situações específicas. E, nos últimos tempos, estamos vendo mais e mais estratégias que envolvem artistas se posicionando não só no que diz respeito aos valores humanos em geral, mas contra condições econômicas específicas de sua prática artística.
CHARLES ESCHE E GALIT EILAT CURADORES DA 31ª BIENAL DE Sp
PAULO MIYADA
Patrocinadores fazem exposições públicas acontecerem. Não há algo como um “almoço grátis” para a cultura. As fontes do financiamento controlam o contexto de produção e recepção de uma obra de arte. Por exemplo, se uma corporação envolvida em mineração suja paga por um evento cultural na área afetada, não seria descabido que os habitantes tratassem a arte cinicamente, a despeito de seu conteúdo. Se um Estado ocupa um vizinho e financia as atividades culturais do oprimido, seria difícil não ver isso como uma forma de limpeza de consciência, no mínimo dos mínimos. Nesse sentido, cultura é política desde os Medici italianos. Ela representa poder ou sua falta e, nos nossos dias, uma maneira corrente de um Estado, uma corporação ou um indivíduo se vincularem a uma imagem de um discurso intelectual elaborado que pode ajudar a ampliar seu capital simbólico. Não há uma resposta a essa tensão entre a necessidade de patrocínio e seu inevitável efeito na recepção de obras de arte. Hoje, é importante insistir em transparência. Artistas,
como proprietários de seus trabalhos recentemente produzidos, têm o direito de ser engajados quanto ao contexto em que suas obras são colocadas, porque essa é uma parte crucial do processo da construção de sentido. Se seus trabalhos não só apresentam eles mesmos, mas também o patrocinador em um certo sentido, é razoável que eles (os artistas) sejam parte do debate. Essa responsabilidade adicional coloca uma nova carga para os artistas, como também para os patrocinadores, e pode conduzir a uma redução nas possibilidades para ambos. Mas é uma mudança necessária nos protocolos da arte, dada a crescente ênfase na produção simbólica de capital dentro da economia geral. Ao mesmo tempo, deve ser permitido ao público, como receptor de obras de arte, ver e compreender todas as amplas condições de produção e de possibilidades artísticas, para poder julgar como artistas e curadores lidam com suas questões. Finalmente, é uma questão de assegurar que produtores e “usuários” de arte estejam atentos à pintura completa para a qual estão olhando.
CURADOR DO INStItUtO tOmIE OhtAkE
Essa pergunta precisa ser respondida em três etapas. Primeiro, a realização de eventos de arte demanda recursos de toda ordem. Gasta-se dinheiro que, inevitavelmente, pertence a alguém, ao Estado ou ao próprio curador ou artista. A quantidade e a qualidade desses recursos implicam limites. Do ponto de vista simbólico, a fonte dos recursos afeta o conteúdo de qualquer proposição cultural, mesmo que não haja censura. Uma mostra dedicada a propor maneiras alternativas de transporte com patrocínio de uma grande empresa automobilística ganha significados diferentes de outra com o mesmo tema e apoiada por um movimento por gratuidade do transporte coletivo – ainda que seus conteúdos sejam os mesmos. Por fim, existem os limites éticos que separam os compromissos políticos do cinismo. Todo trabalhador do campo da cultura tem direito a assumir posicionamentos políticos dentro e fora de seu trabalho e, então, identificar aquilo que para si lhe é inegociável. Por vezes, isso torna impeditivo colaborar com esta ou aquela empresa, este ou aquele Estado, este ou aquele grupo social. Não marcar limites, aceitar colaborar com um antagonista e, então, tentar destruí-lo é algo muito diferente, em que pessoalmente não acredito. fotos: pio figueroa (no alto desta página) e divulgação
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LUISA DUARTE Curadora indePendente
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Sabemos que nenhuma exposição de arte é feita somente daquilo que encontramos no espaço expositivo, ou ao menos é nosso papel compreender o contexto no qual ela está sendo feita. “Por quem é patrocinada” é parte da questão. Mais ainda, dependendo de quem patrocina, e como (via Lei Rouanet, por exemplo, no qual o patrocínio é privado, mas o dinheiro é público), cabe perguntar o que se está fazendo com esse dinheiro, qual o destino do mesmo: esse dinheiro volta de fato para o público ou usa a arte como alavanca para interesses
privados e que vão na mão contrária de uma política pública que pense a arte e a cultura como braços fundamentais na construção do País? Bancos estão entre os maiores patrocinadores de mostras, espaços e livros ligados à arte no Brasil, e sabemos o quanto os bancos são cúmplices de políticas econômicas que vão no caminho oposto daquilo que pensam e expressam diversas obras e artistas, cujos acentos são mais politizados. Mas, diante dessa constatação, vale perguntar: não é justamente desde dentro, inserindo um discurso instituinte no que já está instituído, que podemos transformar o que está aí? Cavar brechas, edificar pequenas resistências, recordar um senso crítico no seio daquilo que a arte tem como alvo. Não seria essa zona mista uma zona de combate? Menos do que uma postura ingênua que acredita haver um “fora”, muitas vezes cabe tentar articular mudanças desde dentro. Mas outras vezes não, é preciso mesmo que nos retiremos e marquemos posição contra uma determinada coalização que afronta nossos princípios. Nesse último caso, falta no Brasil um maior senso de coletividade, para que tais enfrentamentos ganhem força, lastro, densidade. Sem dúvida, os casos recentes da Bienal de São Paulo e do Hospital Matarazzo são capítulos férteis para amadurecermos nossas posições nesse sentido.
IVO MESQUITA diretor-téCniCo da PinaCoteCa do estado de são Paulo e Curador da 28ª Bienal de sP
Depende do caso. Se a instituição é consolidada, tem um trabalho importante, respeitabilidade técnica e intelectual, além de curadores experientes e rigorosos, não haverá essa influência. O patrocinador é quem recebe o benefício de aparecer junto ao museu. Muitas vezes, certos projetos de pesquisas e exposições podem atrair patrocinadores específicos. Ainda assim, isso não representa risco, pois o problema, na realidade, reside em projetos que buscam atender somente o patrocinador e se comprometem mais com a mensagem deste do que com os conteúdos da arte.
SHEILA LEIRNER Curadora das 18ª e 19ª Bienais de sP
Sabemos que as “boas intenções” de determinadas políticas culturais, subsídios ou mecenatos, por razões que não serão discutidas aqui por falta de espaço, podem ser mais obscurantistas que a censura. Podem interferir negativamente até mesmo no destino cultural de um país. Às vezes, os resultados dos patrocínios na produção e exibição artística chegam a ser tão perversos quanto os efeitos do uso da arte para especulação financeira, vantagens fiscais, lavagem de dinheiro, ou para legitimar empreendimentos comerciais, como a recém-inaugurada exposição no Hospital Matarazzo. Atingem, sobretudo, manifestações sem linhas precisas, prontas a renunciar à sua autonomia ética e estética. Eventos estruturados como a Bienal de São Paulo – cujos projetos curatoriais são definidos e amarrados antes da captação de recursos, condicionando-os apenas às suas necessidades específicas – felizmente continuam impermeáveis. SELECT.ART.BR
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ROBERTO MUYLAERT Jornalista e presidente da Fundação Bienal em 1984 e 1985 43
Influenciar ideologicamente o conteúdo e o partido curatorial de uma exposição como patrocinador não me parece tarefa fácil. Será que “Como falar de coisas que não existem” poderia inspirar alguma influência ideológica?
YURI FIRMEZA artista partiCipante da 31ª Bienal de são paulo, não siGnatário da Carta de repúdio ao apoio de israel
A convi-conivência, doença típica brasileira já apontada por Hélio Oiticica em Brasil Diarreia, é ainda muito pertinente para pensarmos as negociações e concessões que estamos a todo momento operando. Desaprendemos a dizer Não e, sobretudo, a sustentá-lo como assertiva. Condescendentes e melindrosos, diante dos impasses preferimos aceitar e apaziguar os conflitos a correr o risco das possíveis retaliações. A verdade é que estamos todos preocupados em garantir nossos empregos, contratos e contatos. Das muitas variantes para a censura a que mais me assusta é a mais sutil, que não é marcada pela proibição de conteúdos a posteriori, mas a que in-
trojetamos e não cessamos de reiterá-la, naturalizando-a. Hoje tenho me preocupado tanto com os momentos que sou o censor quanto com os momentos que sou censurado. Dito isso, na esteira de Oiticica, eu diria que os patrocinadores influenciam até o ponto em que a convi-conivência é a marca de uma exposição – ou de um povo. Talvez o que eu proponha aqui é uma inversão que não nos coloque como vítimas dos patrocínios e de suas estratégias marqueteiras, e nos desafie a pensar outros modos de produção e circulação da arte. Que o “Não” não vire modelo de pensamento, mas que nos possibilite, provisoriamente, abrir brechas no que está posto.
MIKE STUBBS diretor da Foundation For art and CreatiVe teCHnoloGY (FaCt), liVerpool
Cada vez mais as empresas querem associações cool, mas, às vezes, é aí que as coisas se complicam. O Google patrocinou recentemente a exposição Revolução Digital, no Barbican Centre (Londres), e, embora tenha colocado uma soma significativa de dinheiro para comissionar sua plataforma DevArt, a comunidade DIY e de programação local se sentiu excluída e protestou muito. Talvez porque o Google seja um gigante. É difícil argumentar se isso foi prejudicial para a exposição. Tem gente ainda fazendo fila para entrar. Mas, no nicho específico do meio digital, a repercussão foi desastrosa. Seria interessante analisar isso em 12 meses e entender o impacto longitudinal disso. Talvez em outro momento pudéssemos examinar a possibilidade e o poder do protesto. fotos: divulgação. na página ao lado: de cima para baixo, murillo tinoco, christina rufatto/pinacoteca e divulgação
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documenta kaSSel quinquenal 1955
bienal da Bahia 1966
Tallin Print triennial 1968
Quadrienal de escultura de riga 1972 bienal de Sydney 1977
skulPtur Projekte MünSTer decenal 1977 bienal de Cerveira 1978
FellBaCh trienal de esculturas em PeQuena escala 1980
videobrasil São Paulo bienal 1983
trienal califórnia-Pacífico newPorT BeaCh 1984 bienal de havana 1984
videonale Bonn bienal 1984
bienal internacional de CuenCa 1985
rauMa biennale balticum 1985 bienal de iSTaMBul 1987
wro media art biennale BreSlávia 1989
viva excon BaCólod bienal 1990 bienal de lyon 1991 bienal de TaiPé 1992 bienal de CuriTiBa 1993 bienal de Sharjah 1993
bienal de São Paulo 1951
whitney biennial nova york 1932
bienal de veneza 1895
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muNdO COdIFICadO
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l u c i a n a pa r e j a n o r b i at o INFOGRÁFICO pedro botton
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bienais tornaram-se uma chave para compreender a emergência de novos centros de poder e outros territórios de circulação das artes na contemporaneidade
Site Santa Fe Bienal internacional novo México 1995
Bienal de BerliM de arte contemporânea 1996
Bienal de Florença 1997 Bienal de liverPool 1998
momentum Bienal nórdica de arte contemporânea Moss 1998
mediacity seoul 2000
trienal poli/GráFica de san juan 2004 perForma nova York 2005
GlasGow international bienal 2005 Bienal de Moscou 2005 Bienal de cinGaPura 2006 la triennale Paris 2006
Zero 1 Biennial san jose 2006 trienal de luanda 2007
Bienal daS américaS denver 2010
Bienal arSenale kiev 2011
Bienal de Montevidéu 2012
Qalandiya international Biennial 2012
Bienal de laS FronteraS ciudad victoria 2014
kaMPala art Biennale 2014
kochi-Muziris Biennale 2011
ontour Biennial oF movinG imaGe Mechelen 2003
YokohaMa triennale 2001
Greater new York moma pS1 quinquenal 2000
shenzhen Sculputure Biennale 1998
Bienal do mercoSul Porto aleGre 1996
maniFeSta Bienal europeia de arte contemporânea roterdã 1996
Bienal de GwanGju 1995
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p e r i o d i c i da d es
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DE TEMPO EM TEMPO Bienal, trienal, quadrienal, quinquenal e até decenal: mostras sazonais proliferam ao redor do mundo, na esperança de garantir visibilidade a cenas artísticas locais l u c i a n a pa r e j a n o r b i at o
Primeira exposição periódica, criada em 1895, a Bienal de Veneza é exemplo da continuidade de projeto expositivo, ainda hoje fiel ao modelo inicial
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No iNício, foi VeNeza, a BieNal de VeNeza,
em 1895. Dividida em representações por países desde a sua primeira edição, nos moldes das feiras universais de novidades científicas, a megamostra internacional surgiu para coroar um novo estado de coisas na arte. Se a criação da mais tradicional das bienais teve por objetivo estimular o turismo em Veneza, ela confirmava o papel que a arte passara a ocupar desde o século 18, a partir da Revolução Industrial.
O ideal de progresso fincava garras na busca pelo novo também em termos estéticos. Nada melhor que uma exposição colossal e periódica para trazer aos olhos do mundo o que de mais recente e iconoclasta se produzia. De lá para cá, tantas e tão rápidas foram as mudanças que um bocado considerável da história parece ter sido espremido para caber em menos de 200 anos. Com a arte não foi diferente, inclusive no que se refere às exposições sazonais. Se tudo começou em Veneza, com o passar do tempo as megaexposições ganharam SELECT.ART.BR
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outras periodicidades – trienal, quadrienal, quinquenal e até decenal. Abandonaram o modelo de festa das nações e passaram a prestar atenção às questões correntes da arte e da sociedade, e a ocupar lugar de honra em uma cena artística cada vez mais internacional e multifacetada. Segundo Moacir dos Anjos, curador da 29ª Bienal de São Paulo (2010) ao lado de Agnaldo Farias, a função de um projeto expositivo sazonal seria “criar um repertório para a comunidade a que aquele evento se dirige”, o que só acontece “se houver variedade de obras e artistas e, ao mesmo tempo, articulação das questões que cada edição da mostra sugere como relevantes”. Essa função de atrelamento às questões locais, no entanto, é constantemente posta na berlinda por sua indexação direta ou indireta ao mercado. Mesmo assim, todo cantinho do globo quer ter uma expo sazonal para chamar de sua e assim se beneficiar do sistema de valoração da produção artística. Para Julian Stallabrass, autor do livro Art Incorporated, “os governos sabem bem que as cidades competem cada vez mais uma contra a outra numa escala global por investimento (...) e pelo turismo”. “As cidades mais bem-sucedidas devem garantir, juntamente com o dinamismo econômico, uma ampla variedade de eventos culturais e esportivos fixos. A bienal é meramente uma das opções no leque de atrações de qualquer cidade globalizada – ou, como de costume, de qualquer cidade que aspire a esse status.” Com essa nova ordem mundial, em que uma exposição periódica con-
Segundo Julian Stallabras, “a bienal é meramente uma das opções no leque de atrações de qualquer cidade globalizada”
Acima, sede da fundação Quadriennale di Roma, que segue ativa mesmo sem previsão de realizar a quadrienal por falta de recursos. Na página ao lado, o artista islandês Ragnar Kjartansson e seu barco-obra S.S. Hangover na última edição da Bienal de Veneza
fere cosmopolitismo à sua cidade-sede, o número delas hoje ultrapassa a centena. Mas, tão rápido quanto surgem, muitas desaparecem sem deixar vestígios. É sintomático que as regiões menos desenvolvidas do globo lancem projetos que às vezes não chegam nem à segunda edição. Linha do tempo
Mas a descontinuidade é um sintoma também dos grandes centros. As duas exposições temporais que se seguiram imediatamente a Veneza, por exemplo, não tiveram a mesma constância ao longo do tempo. Em 1896, no ano seguinte da primogênita italiana, o Carnegie Museum of Art (Pittsburgh, EUA), criou sua Annual Exhibition. Só em 1950 a mostra tornou-se bienal, sob o nome de Pittsburgh International. Cinco anos mais tarde, passou a ser realizada em intervalos de três anos. Suas duas últimas edições aconteceram em 2008 e 2013, sem previsão de continuidade. Já a Quadriennale de Roma estreou em 1927, na onda de um programa nacional de exibição de arte em larga escala, que unisse a produção regional à arte internacional legitimada em Veneza. As quatro primeiras edições seguiram a nomenclatura, mas, depois, com a necessidade de redefinição de seus parâmetros, começou a variar. Até que a edição prevista para 2012 foi cancelada sem retorno estimado. A instituição Quadriennale di Roma acusou falta de recursos vindos do Ministério da Cultura italiano, que disse que o financiamento estava
em dia, mas não houve pedido de verba extra. Criada em 1951, a Bienal de São Paulo é uma das mais antigas em atividade. Superados os percalços – na 10ª edição, pior período do regime militar, sofreu um boicote mundial que a esvaziou, e na 28ª, conhecida como a Bienal do Vazio, chegou ao auge de uma crise administrativa que quase culminou em sua anulação – conseguiu finalmente reorganizar sua Fundação. Hoje, revitalizada, evoluiu as premissas originais para um modelo aberto, que possibilitou a curadoria francamente política da 31ª edição em cartaz. Se mostras sazonais de dois países do centro do mercado já sofrem para manter a constância, o que dizer dos periféricos? É difícil acompanhar o ritmo de estreias e desaparecimentos de projetos expositivos periódicos.A Bienal de Ushuaia (Argentina), conhecida como a Bienal do Fim do Mundo, teve três edições, de 2007 a 2011, e desde então não tem mais registros de existência – seu website está desativado.
Fotos: cortesia quadriennale di roma. na página ao lado: cortesia biennale di venezia
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Vista de instalação de Iole de Freitas no interior do Museum Fridericianum durante a Documenta 12 (2007); exposição quinquenal fundada em 1955 é tida como expoente entre suas irmãs sazonais
O Benim, ex-colônia da França no noroeste da África, fez uma exposição comemorativa dos 50 anos de sua independência em 2010, com apoio do seu Ministério da Cultura. Dois anos depois, decidiu institucionalizá-la como a Biennale Benin. Outra organização criou uma exposição paralela intitulada Biennale Regard Benin, com menos verba que a oficial e proposta muito parecida. Anúncios veiculados no e-flux criaram a confusão de que ambas seriam uma só exposição. Por consequência ou não, a edição da Biennale Benin, prevista para este ano, não existiu nem deixa pistas. Desafios Da continuiDaDe
Uma alternativa à descontinuidade pode ser a opção por eventos de maior distância entre si, como os quinquenais e os decenais, caso do Skulptur Projekte Muenster (Alemanha). Desde 1977, a mostra ocupa de dez em dez anos a cidade universitária da Westfália com esculturas e instalações de artistas internacionais. SELECT.ART.BR
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Mas a maior vedete da sazonalidade é a quinquenal Documenta. Com perfil definido por curadorias que abordam os temas mais quentes do momento, “é comum afirmar-se que (...) é a exposição mais relevante no campo da arte contemporânea”, diz Moacir do Anjos. “Talvez porque supostamente implique um tempo maior de pesquisa e preparação. E de fato muitas das Documentas foram memoráveis, embora nem todas tenham sido assim. O mais importante, contudo, é definir que critérios são utilizados para aferir a relevância das exposições. A meu ver, sua relevância está no fato de conseguir articular um ponto de vista crítico que desafia consensos estabelecidos, mesmo se o tempo de preparação foi reduzido e mesmo se as condições de apresentação são precárias. Nesse sentido, algumas edições da Bienal de Havana certamente foram mais importantes, por exemplo, que suas correspondentes em Veneza”, diz ele. Isso posto, não há fórmula que salvaguarde a longevidade de um projeto. “A periodicidade deve ser adequada às condições econômicas, culturais e políticas de realização das mostras, de modo que elas sejam frequentes o bastante para que não se tornem episódios isolados. Elas devem ser, ao contrário, percebidas pelo público como um conjunto articulado de proposições que se desdobram ao longo do tempo”, reflete Moacir dos Anjos. Talvez a melhor maneira de se estabelecer as bases para um projeto sazonal seja considerar, primeiro, sua relevância temática e artística, para só depois usá-lo como estratégia turística. foTo: RomAn mARS/ CoRTESiA gALERiA SiLviA CinTRA
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Exposições, simpósio e ações educativas.
23 outubro de 2014 a 3 maio de 2015 Sorocaba - São Paulo
Curadoria: Josué Mattos
Apoio
sescsp.org.br/frestas
Parceria
Realização
V i s i ta g u i a d a / 3 1 a B i e n a l d e s p
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o m a l - e s ta r d e c o i s a s q u e, i n f e l i z m e n t e, existem pa u l a a l z u g a r ay, m á r i o n s t r e c k e r , g i s e l l e b e i g u e l m a n e l u c i a n a pa r e j a n o r b i at o FOTOS D i n g m u sa
ConCebida no Calor dos protestos de rua no Brasil e no mundo,
a 31ª Bienal de São Paulo não é uma exposição espetacular, mas ressoa insatisfações. Ao tematizar os processos injustos, instáveis e árduos da sociedade e da política, a equipe curatorial pautou-se pela insatisfação, mas acabou por fazer uma Bienal da ressaca, que reflete o estado de refluxo, inconstância, volubilidade, cansaço e mal-estar do dia seguinte. Como indicam as obras selecionadas pela seLecT, esta é uma bienal de atravessamentos, em que espiritualidade, política e poder surgem em franca interação, em obras de denúncia, ridicularização ou fantasia. Temos, então, espiritismo com modernismo, esperanças com ruínas, passado com premonição, Brás com Jerusalém, evangélicos com pombajiras e assim por diante. Parafraseando León Ferrari, inspirador da instalação Errar de Deus, do coletivo argentino Etcétera…, esta seria uma bienal de “ímpios, hereges, apóstatas, blasfemos, ateus, pagãos, agnósticos e infiéis” (sigla de seu grupo CIHABAPAI), ainda que a espiritualidade apareça em uma grande quantidade de obras. SELECT.ART.BR
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Ine s Doujak e john Barker
Loom shu t t L e s, Wa rpat h s (L anç a deir a s de te ar, tr ilha s de Guer r a), 2 0 0 9- 2 014 Como refletir sobre o papel da indústria têxtil na formação das estruturas de dominação ao longo da história? Apesar de o tema parecer cabeçudo, a austríaca Ines Doujak e o inglês John Barker amarram-no com muito humor em Loomshuttles, Warpaths, projeto em constante desenvolvimento desde 2009, que na 31ª Bienal tem versão com instalação, cartazes e um vídeo ultralisérgico. Os cartazes trazem o nome de um tecido ou cor, um ano e uma imagem. Nas legendas leem-se informações referentes aos cartazes: o tecido ou tintura tem destacada sua importância social e o ano refere-se a um fato histórico relativo à indústria fabril. Apesar do aparente nonsense, as imagens aprofundam conteúdos. O destaque fica por conta do vídeo Haute Couture 03 Carnaval: Uma Máscara É Sempre Ativa, uma metáfora sobre as relações de poder entre Europa e América Latina e o Carnaval, no qual as leis sociais estabelecidas deixam de vigorar, criando um estado de exceção em que a folia toma conta e mendigo vira rei. Realizado pela dupla durante residência artística em São Paulo, o vídeo emana um delicioso poder de estranhamento, com direito a grupo dançando passinho de funk, El Condor Pasa cantado por uma montanha gigante de saia (!) e uma “Máquina Investigadora Indígena”, que não resiste a pular nua o Carnaval andino. Tudo isso embalado em uma estampa de losangos em “padrão disruptivo” criada por Ines Doujak. LPN
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Éder Oliveir a
Sem T í T ulo, 2 014 Desde criança, Éder Oliveira usava o desenho como recurso para ressignificar seu cotidiano. Ter nascido na pequena vila de Velha Timboteua (PA) foi um fator de influência para a produção atual do pintor. A condição de artista vindo de uma região quase invisível no contexto geral do Brasil fez com que ele voltasse seu olhar para outra parcela invisível da população: os condenados por crimes. Exercitava a composição de retratos partindo de imagens extraídas do noticiário policial, em que, invariavelmente, os acusados de crimes são condenados antes do julgamento. Após se mudar para a capital, Belém, para cursar artes visuais na faculdade, migrou do pequeno suporte para ocupar os muros da cidade com suas releituras de rostos quase sempre em expressão defensiva. Dessa forma, o artista devolve às pessoas que pinta um pouco da dignidade que lhes é roubada quando estigmatizadas no papel de criminosas, além de trazer de novo à evidência aqueles que passam a ser tratados como párias sociais, merecedores do esquecimento do mundo exterior. A questão racial fica evidente: a maioria de seus retratados é de negros ou pardos. Mas em suas tintas ganham cores distintas das reais, como as da paleta alaranjada usada nas obras realizadas sobre as paredes da 31ª Bienal. Outro fator de dificuldade para o artista, seu daltonismo, acabou por se configurar em um mérito a mais de sua pintura. Por ver as cores de maneira diferente da usual, consegue extrapolar a dureza do cotidiano emprestando outra luz às figuras que retira do papel de jornal. LPN
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Qiu Zhijie
M a p, 2 014 Artistas chineses têm um pendor para a cartografia. Para a 26ª Bienal, Song Dong havia confeccionado um mapa-múndi de balas degustadas pelo público e Ai Wei Wei já traçou mapas da China em materiais diversos. Exímio calígrafo, Qiu Zhijie também é adepto dessa linguagem que, em seu caso, é aplicada à visualização de lugares imaginários ou inexistentes. No Mapa exposto na 31ª Bienal, Zhijie trabalhou com coisas que existem e que não existem. No mural pintado à mão ao longo de toda a parede da primeira rampa, o mundo é reinterpretado a partir das vizinhanças entre seus dogmas, ideologias e grandes linhas de pensamento. No Golfo da Anarquia, por exemplo, está localizada a Ilha Sem Lei. Em uma das extremidades da Montanha Liberalismo – que tem forma mais de cordilheira que de montanha – situa-se o Vulcão Banco. Ao sul da República de Platão está o Túnel da Coletividade. Mao, Trotski, Stalin e Lenin são cidades conectadas por uma autoestrada. No grande continente central convivem o catolicismo, o islamismo e o judaísmo e as doutrinas new age. E, no Polo Norte, um continente etéreo destina-se aos deuses dos recursos naturais, como o vento, a chuva, o Sol e as colheitas. Todas aproximações muito bem-vindas no contexto de uma exposição que reflete sobre zonas de conflito e de ideologias extremistas. PA
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Virginia de Medeiros
Sergio e Simone , 2 0 0 7-2 014 Um personagem, duas personalidades e três telas lado a lado no nicho escuro de um corredor do segundo andar da Bienal. Simone é uma travesti, sensual, sorridente e linda, que cuida de uma fonte em Salvador, onde mata a sede e se banha como sereia. Sergio é um pastor evangélico que volta à mesma fonte para exorcizar o “encosto”, a pombajira, o mau espírito que morreu de Aids e o forçou a se tornar Simone, segundo ele conta. Entre os dois, uma convulsão que se seguiu a um período de consumo de crack. Para Sergio, Simone morreu de over-
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dose naquele episódio em que ele viu Deus, retomou seu nome de batismo e decidiu salvar a humanidade. Neste ano de 2014, Sergio teve uma breve recaída, virou pai de santo, abriu seu terreiro de candomblé e assumiu as duas identidades. Em determinado momento do trabalho de Virginia de Medeiros, vemos Sergio numa tela e Simone em outra, cantando num comovente dueto a mesma música, com seus timbres diferentes e suas religiosidades intercomunicantes. Não sabemos como a história de Sergio-Simone vai continuar, mas sabemos que Virginia de Medeiros começou o documentário quando conheceu Simone em 2006, numa área degradada em Salvador, poucos meses antes do tal encontro com Deus e de voltar a ser Sergio. MS
Yuri Firmez a
N a da é , 2 014 O filme de 32 minutos de Yuri Firmeza é parte do seu Projeto Ruínas. O cenário é a cidade de Alcântara, primeira capital do Maranhão no século 18, próspera em cana-de-açúcar e algodão. Antes de entrar em decadência, com a quebra da economia colonial, a notícia de que dom Pedro II iria visitar a cidade teria alimentado uma disputa entre aristocratas locais, que começaram a construir mansões, aspirando ao privilégio de hospedar o imperador. Dom Pedro não foi, o tempo passou e restaram ruínas como paisagem.
Nada É sobrepõe as ruínas arquitetônicas de Alcântara com imagens da Festa do Divino Espírito Santo, herança dos católicos portugueses, que ocorre anualmente ali até hoje. Nesses festejos populares, por 15 dias crianças negras se vestem orgulhosas e cerimoniosas como a nobreza do Brasil monárquico, portando tiaras e coroas, pérolas e vestidos armados com crinolina. A fé popular, repleta de fantasia, ilusões de fartura e riqueza, mescla-se ao futuro esperançoso da ciência, representado pelo centro de lançamento de foguetes da Força Aérea Brasileira, instalado em Alcântara em 1990. O filme, melancólico, discute as vocações do lugar, entre a prosperidade do passado, o futuro intergaláctico e as ruínas do presente. MS
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H a l i l a lt i n d e r e
W onderl a nd, 2 013 Qual a semelhança entre o Capão Redondo e a Turquia? Ambos encontram nos grupos de rap uma forma de denúncia da situação de opressão e descaso em que estão mergulhados. Se aqui os Racionais MC’s encabeçam a vertente, para as bandas turcas ela é bem representada pelo Tahribad-I Isyan. Abusando da ironia, os jovens das etnias curda e cigana colocam em suas letras a perseguição que os habitantes de Sulukule, bairro histórico de Istambul, vêm sofrendo, graças ao processo de gentrificação da área que ocupam desde o período bizantino. Antes um bairro de música tradicional cigana, que atraía turistas do mundo todo, Sulukule teve seus estabelecimentos de lazer fechados, o que
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precipitou a decadência econômica do local. Somados a essa estratégia, incêndios criminosos vão destruindo casas e às vezes quarteirões inteiros, na tentativa de afastar a população de minoria étnica do lugar. Os três integrantes do grupo formado em 2008, VZ, Zen-G e Asil Slang (cujos nomes são de fato Vaysi Özdemir, Burak Kaçar e Asil Koç), ganharam um empurrão inesperado em sua projeção no país e no exterior. Foram convidados pelo artista turco Halil Altindere, conhecido por sua verve política, a gravar um vídeo para a Bienal de Istambul. Wonderland, clipe de música homônima sobre a realidade em Sulukule, tem em seu enredo a perseguição pela polícia e a revolta contra um estado de coisas excludente. Seja no Brasil, seja na Turquia, o rap mostra-se eficaz na denúncia da desigualdade social, que é quase a mesma tanto lá quanto aqui. LPN
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C h t o D e l at
O s E xcluídO s Em um mOmEn tO dE PErigO, 2 014 O coletivo Chto Delat (O Que Fazer?) foi criado em 2003 em São Petersburgo, na Rússia. Reúne artistas, críticos, filósofos e escritores que mesclam arte, teoria política e ativismo. O nome do grupo faz uma referência explícita a uma das obras mais famosas do comunismo – O Que Fazer?, de Lenin (1902), e na diversidade de suas obras, que incluem documentários, pôsteres, jornais, rádio, música e ações on-
line, percebe-se que isso não é uma coincidência retórica. Eles reivindicam o direito de postular novas realidades “em um momento histórico reacionário, em que outras demandas de possibilidades são apresentadas como impossibilidades românticas”, conforme afirmam no seu web site. Na videoinstalação Os Excluídos discutem, com personagens muito jovens, a situação da perda do espaço público na Rússia contemporânea e a militarização de seu imaginário. Nos olhares perplexos de uma geração pós-Perestroika fica em suspensão uma série de questões: onde foi que se errou? É possível transformar o erro em acerto? GB
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Nahum ZeNil/Ocaña/SergiO ZevallOS/YeguaS del apOcalipSiS (OrgaNiZadO pOr miguel a. lópeZ)
Dios És Marica, 1973-2002 giuSeppe campuZaNO
Línea De ViDa/Museo TraVesTi DeL Perú, 2009-2013 Como abordar em um mesmo universo questões tão contraditórias quanto religião e transexualidade? Subvertendo a história oficial da fé pela inserção do travesti como figura central da iconografia religiosa, diversos artistas de língua espanhola estão na mira do curador peruano Miguel A. López. São performances, instalações e até um museu inteiro que ele trouxe para esta Bienal. Dios És Marica, que em bom português quer dizer Deus É Bicha, é a curadoria de López que junta o peruano Sergio Zevallos, integrante do coletivo Chaclacayo (1982-1994), a dupla chilena Yeguas del Apocalipsis, o mexicano Nahum Zeinil e o catalão Ocaña (foto ao lado, obra Sagrado Corazón de Marica, 1982). As estripulias deles com imagens sagradas são várias – e hilárias. Vão desde procissões nada ortodoxas, autorretratos que dão dubiedade sexual aos ritos católicos e reencenações de rituais sacroeróticos em ruínas desabitadas. Sem contar uma pintura de Nossa Senhora coberta de falos e outra de um Cristo maquiado.
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A parte museográfica fica por conta do projeto Línea de Vida/Museo Travesti del Perú (foto acima), criado por Giuseppe Campuzano. O filósofo travesti peruano apropriou-se da ambiguidade sexual de ícones das religiões pré-colombianas e de sua derivação nos ritos católicos introduzidos pelos colonizadores espanhóis para recriar o lugar do transexual ao longo da história até os dias de hoje, obedecendo à cronologia. Campuzano, morto em novembro do ano passado, é representado pelo mesmo Miguel A. López, que se firma na pesquisa das matrizes culturais, religiosas e históricas que condicionam as sexualidades vigentes na América Latina. Dessa forma, busca abrir espaço para sexualidades possíveis e existentes na marginalidade e em outra historiografia. LPN
EtcétEr a … E LEón FErr ari
ERR A R DE DEUS, 2 014 Na entrada da instalação do coletivo de artistas argentinos Etcétera… está um conjunto de obras do conterrâneo León Ferrari (1920-2013), membro fundador do CIHABAPAI (Clube de Ímpios, Hereges, Apóstatas, Blasfemos, Ateus, Pagãos, Agnósticos e Infiéis), que em 1997 solicitou ao então papa que providenciasse a anulação do Juízo Final e da imortalidade. Na entrada, também, está uma petição requerendo a abolição do Inferno, que os visitantes poderão assinar e cujo destino será o papa Francisco, no Vaticano, antigo oponente do artista na Argentina. Entre as obras expostas de León Ferrari há objetos que acoplam imagens religiosas como o Cristo crucificado com armas de guerra, além de diversas colagens da série L’Osservatore Romano, em que o jornal oficial do Vaticano e suas manchetes servem de suporte para colagens satíricas. A instalação do coletivo é baseada na obra Palavras Alheias: Conversas de Deus com alguns homens e de alguns homens com alguns homens e com Deus, de 1967, em que Ferrari faz uma colagem literária com fragmentos
de declarações extraídas de meios de comunicação, textos históricos e da Bíblia. A obra criou um diálogo entre 160 personagens, entre eles Hitler, Goebbels, o papa Paulo VI, o presidente americano Lyndon Johnson e Deus. O trabalho ressaltou a responsabilidade da Igreja Católica, dos Estados Unidos e do nazismo nas guerras do século 20. O coletivo Etcétera… foi formado em 1997, desenvolvendo atividades artísticas, políticas, literárias e teatrais. Os artivistas fundaram, em 2005, o Movimento Internacional Errorista, de inspiração surrealista, valorizando o erro como experiência fundamental. Para esta bienal, criaram uma instalação participativa com roteiro de Loreto Garín Guzmán, Federico Zukerfeld e do filósofo Franco “Bifo” Berardi. O roteiro parte da crise financeira global de 2008 e explora falas do banco Goldman Sachs, Deus, papa Francisco, Angela Merkel, a Monsanto e São Paulo. O público pode dialogar com Deus pelos telefones disponíveis, que tocam sem parar até alguém resolver atender. O público pode também acrescentar textos ou suas próprias falas ao roteiro dos artistas, e essas falas são incorporadas nas gravações transmitidas pelo sistema de som. MS
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Ya e l B a r ta n a
INFERNO, 2 013 62
O Templo não é de Salomão: é de Deus, é de Jerusalém ou é do Brás, mais precisamente da próspera Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo evangélico neopentecostal Edir Macedo. Muito antes de Jesus nascer, durante o reinado pacífico de Salomão, cujo nome deriva da palavra shalom (paz), foi erguido o Primeiro Templo de Jerusalém. Foi seu pai, o rei Davi, personagem importante nas culturas judaica, cristã e islâmica, que passou a Salomão a incumbência de erguer o grandioso templo. Em 586 a.C., sob o comando de Nabucodonosor, os babilônios saquearam Jerusalém e destruíram o templo. Em 516 a.C., o Segundo Templo, maior que o primeiro, foi erguido no mesmo local a mando de Ciro II da Pérsia. Em 70 d.C. foram os romanos sob as ordens de Tito que destruíram o Segundo Templo, do qual resta hoje apenas uma parede, conhecida em português como Muro das Lamentações e em todas as outras línguas, inclusive em hebraico, como Muro Ocidental. Foi uma viagem a Israel que inspirou o bispo Macedo a levantar um templo ainda maior, na Avenida Celso Garcia, em São Paulo. O trabalho-sensação da 31ª Bienal é um filme de 22 minutos ao gosto hollywoodiano, cheio de efeitos, que preconiza a destruição do recém-inaugurado Templo de Salomão, do qual só restará um muro, onde fiéis depositarão seus bilhetinhos e turistas comprarão souvenires. Impossível não lembrar da história dos vendilhões do Templo, que enfureceram Jesus, como está no Novo Testamento. A salada de simbologias é grande. O filme da artista israelense Yael Bartana começa com três helicópteros sobrevoando favelas, arranha-céus e o Centro de São Paulo, transportando pendurados nos ares uma grande menorá (o candelabro de sete velas, símbolo sagrado do judaísmo), uma arca (representando a arca que continha as tábuas com os Dez Mandamentos) e um bloco de pedra da Terra Santa (Israel), de onde Edir Macedo mandou vir pedras para o piso e as paredes de seu novo santuário, com quase 100 mil metros quadrados de área construída em terreno de 35 mil metros quadrados. Inclui moradias para os sacerdotes, escola, museu, escritórios e até um jardim de oliveiras e uma réplica do Tabernáculo de Moisés (templo portátil para os hebreus no deserto), para completar a evocação dos tempos bíblicos. No filme aparecem também o trânsito paulistano, viadutos, terminais de ônibus, skates e grafites, além de animais com guirlandas sendo levados ao sacrifício, jovens e crianças felizes, com ares de hippie, batas brancas, carregando cestos e portando adereços de cabeça ao estilo de Carmen Miranda. Aparece até mesmo a drag queen negra de olhos azuis Márcia Pantera, que puxa a coreografia que precede o desastre. Se o Muro das Lamentações foi deixado para os judeus se lembrarem de que Roma derrotou a Judeia, se restou por promessa de Deus como símbolo da aliança perpétua com o povo judeu, ou se o futuro muro imaginado pela artista no Brás servirá para marcar uma futura perseguição contra os evangélicos ou se vai servir como novo símbolo da aliança de Deus com os fiéis, isso cada um decide e quem viver verá se a profecia vai ou não se cumprir. O trabalho foi comissionado pelo Pérez Art Museu Miami (PAMM), pela 19ª Bienal de Sydney e teve apoio de diversas outras organizações, incluindo o governo de Israel e o Sesc-SP. O filme foi concebido como parte de projeto de investigação iniciado pelos curadores Eyal Danon e Benjamin Seroussi, enfocando a relação dos novos movimentos religiosos surgidos na segunda metade do século 20 com o judaísmo e a ascensão de um fenômeno transreligioso. MS SELECT.ART.BR
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Pa r a L i s e t t e , c o m a m o r Quase dez anos após a 27ª Bienal de São Paulo, e no melhor estilo “efeito a posteriori”, a 31ª edição da mostra efetiva a radicalidade daquele gesto inaugural
J U L I A N A M O N AC H E S I
Há ecos da 27ª Bienal por toda parte nesta
31ª edição da mostra paulistana. A começar pelo título “modo de usar”: Como Falar de Coisas Que Não Existem evoca o Como Viver Junto de 2006. Porém, se o título da 27ª assumia a inspiração em Roland Barthes para distanciar-se dela em muitos pontos, o da 31ª não dá nenhuma pista de que fará de Foucault uma espécie de cartilha, que será seguida à risca de ponta a ponta. A obra que recepciona os visitantes na área denominada Rampa este ano, a comovente Those of Whom, da artista indiana Sheela Gowda, lembra a instalação da sul-africana Jane Alexander, exposta logo na entrada da 27ª: aprisionamento, caos e violência rondam as boas-vindas à exposição, anunciando que o tema é pesado e árido; algo de abandono aliado a uma estranha presença corpórea que é difícil não associar ao corpo humano, apesar de – tanto em Gowda como em Alexander – as evidências apontarem uma distinção, ou desvio, em relação ao humano. Logo adiante, Small World, do israelense Yochai Avrahami, evoca o antimonumento de escala monumental do suíço Thomas Hirschhorn, que também vinha um pouco mais adiante da entrada em 2006. Ambas as obras vaticinam: num país reincidente no esquecimento SELECT.ART.BR
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histórico, um pouco de choque pode vir a calhar. Os traumas brasileiros devem ser lembrados juntamente com a constatação da ruína de qualquer possibilidade de monumentalizar o passado ou o presente. A atual edição da Bienal tem uma grande vantagem em relação à 27ª, vale lembrar. Os eventos recentes na história local e global – das manifestações de junho de 2013 aos movimentos Occupy e a Primavera Árabe – lhe dão razão já de partida. Enquanto, em 2006, a discussão da
Vista parcial do projeto Those of Whom (2014), da indiana Sheela Gowda, na 31 a Bienal
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Um dos ambientes da instalação Small World (Pequeno Mundo, 2014), do artista israelense Yochai Avrahami
urgência em se pensar e agir coletivamente, o foco na comunidade, advinha muito mais de um rumor histórico que se mostrou visionário. No seu livro O Retorno do Real, o teórico norte-americano da arte Hal Foster defende que as neovanguardas (as manifestações artísticas mais relevantes dos anos 1960 a 1990, década em que o estudo foi escrito) realizam de fato o projeto das vanguardas históricas, valendo-se do conceito de efeito a posteriori da psicanálise. Baseada nesse raciocínio, gostaria de propor a hipótese de que o que a 31ª Bienal faz em 2014 é realizar pela primeira vez e integralmente o projeto da 27ª. Foram necessários oito anos para que as proposições radicais daquela exposição fossem assimiladas pelo imaginário cultural. A posteriori, quando a 31ª Bienal envereda por temas e problemáticas muito parecidas, é como se, finalmente, a 27ª ganhasse clareza. Mas toda a semelhança acaba aqui. Porque a edição atual da mostra padece do mal que foi, talvez erroneamente, atribuído à exposição de 2006. Ela compromete a estética em nome da política. E, pior, oferece da política uma visão paternalista, quando não populista – algo que passava anos-luz distante da complexa mostra
de 2006. Porque, o que era, então, rumor, como, por exemplo, a questão da transexualidade (no ensaio de Ahlam Shibli) ou a questão indígena, sutilmente colocada na série de fotos de Claudia Andujar, na presente exposição se apresenta carregado de literalidade, como no Museo Travesti del Perú ou no vídeo de Ymá Nhandehetama. Uma visita atenta à mostra em cartaz no Pavilhão da Bienal parece uma ilustração da História da Loucura, de Michel Foucault: as tais “coisas que não existem” abrangem todas as esferas de exclusão social, econômica ou da normatividade corrente. Gays, transexuais, autistas (Balayer, de Imogen Stidworthy), jovens de periferia ou vítimas da especulação imobiliária (Wonderland, de Halil Altindere), presidiários ou bandidos (The Incidental Insurgents, de Basel Abbas e Ruanne Abou-Rahme), manifestantes de junho de 2013 (Não É sobre Sapatos, de Gabriel Mascaro), anônimos (Of Other Worlds That Are on This One, de Tony Chakar), imigrantes ilegais, comunidades indígenas, perseguidos políticos, despossuídos etc. Todos igualitariamente representados. Mas será que tudo isso é mesmo tão invisível aos brasileiros? Será que o público da Bienal não está sendo subestimado, quando seria perfeitamente capaz de assimilar (ainda que dez anos depois, vá lá) conteúdos um pouco mais complexos? E, por favor, um pouco mais relevantes do ponto de vista estético? A história se repete. E, contrariando Hal Foster, que procura relativizar os termos da máxima de Marx, ela acontece primeiro como tragédia e depois como farsa. Cara Lisette Lagnado (curadora-geral da 27ª Bienal de São Paulo), se me permite, e com o perdão pelo delay de quase uma década, a bienal que você realizou foi genialmente visionária e generosamente incomplacente com o espectador. Parafraseando Foster, cada um tem o Como Viver Junto que merece! fotos: Leo eLoy / fundação bienaL de são pauLo
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Como esCrever sobre Coisas que não existem Ao abordar temas sociopolíticos urgentes, curadoria faz uma exposição politicamente engajada e arquitetura culmina em espetáculo do pós-moderno tobi maier
O títulO da 31ª ediçãO da Bienal de São Paulo acima mencionado é somente uma das várias designações que a equipe curatorial escolheu para nomear a mostra. A Bienal parte do contexto contemporâneo brasileiro e paulistano e, muito antes da abertura, deu início a encontros abertos em todo o País, que hoje continuam a evoluir por meio de palestras e performances. Essa ênfase na temporalidade discursiva da arte se desdobra na arquitetura. O térreo do pavilhão está aberto para a livre
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circulação, convertido em espaço “público”, e a contagem de visitantes por meio de catracas só começa na subida para o primeiro pavimento. A partir de um desejo de gerar conflitos, pensar e agir coletivamente, a curadoria intencionou mostrar perspectivas sobre a política, religião, gênero, economia ou as estruturas sociais na vida contemporânea, abrindo caminhos para outras abordagens que transformam a hegemonia da representação de imagens e vozes à nossa volta. Em geral, esses são
Projeto AfroUFO (2014), de Tiago Borges e Yonamine Parte. Na outra página, interior da obra
temas pouco abordados na produção artística contemporânea no Brasil, que ganham nesta Bienal uma visibilidade imprescindível. Se a arte desempenha um papel na reformulação do futuro, muitos dos artistas da 31ª Bienal são representados por projetos de natureza colaborativa. Com poucas atividades artísticas projetadas na cidade, o pavilhão é o espaço agregador dessas iniciativas, que podem dar a impressão de serem mera documentação visual de desempenhos ativistas. Trazendo a rua para dentro da instituição, o filme Wonderland (2013) de Halil Altindere, é um documento poderoso da raiva, resistência e esperança urbana. O coletivo de hip-hop Tahribad-ı İsyanın, de Istambul, ficou famoso pelos seus vídeos postados na internet e virou protagonista nessa produção comovente que combate a gentrificação num bairro historicamente ocupado pela população Romani. Na mesma linha, e com um tom explicitamente político, projetos como o filme Apelo (2014), de Clara Ianni e Débora Maria da Silva, ou a instalação Espacio para Abortar (2014), do coletivo boliviano Mujeres Creando, discutem a violência sancionada pelo Estado no Brasil ou a repressão de um patriarcado sobre mulheres em países da América do Sul, onde o aborto é ilegal. AfroUFO (2014), de Tiago Borges e Yonamine, com contribuição musical de Cibelle
Cavalli Bastos, representa a possibilidade de fuga, ou a viagem para outra realidade no futuro. Com um som eletrônico, grafite fluorescente, animações em HD e em preto e branco, que evocam o espirito neoconcreto, AfroUFO é uma das poucas obras na mostra que nos aproximam das estéticas e ansiedades no universo post-internet, em que muitos de nós vivemos. Se um dos objetivos da arquitetura era tecer uma homenagem ao prédio moderno de Oscar Niemeyer (a 31ª é a primeira bienal depois da morte do arquiteto), no terceiro andar, ela culmina num espetáculo do pós-moderno. Como num altar, chegamos à instalação de filmes de Mark Lewis (Invention, 2014). Entre paredes de vidro espelhado assistimos às imagens tranquilizadoras de lugares enigmáticos de São Paulo, entre eles as escadas do Copan e da estação do metrô de Pinheiros (que dialogam espacialmente com as escadas do próprio espaço expositivo) e, em uma segunda projeção, cenas da Galeria do Rock alternam com imagens do Minhocão. Um dos poucos projetos organizados dentro desse contexto urbano do Centro de São Paulo é o Teatro da Vertigem, que entre 3/10 e 7/12 reapresenta A Última Palavra é a Penúltima - 2 (2008/2014). A Bienal aborda muitos temas sociopolíticos urgentes e dá ao visitante amplo espaço e tempo para se envolver com eles. Assim, é uma mostra politicamente muito correta. Porém, muitos dos vídeos atingem um tom didático e certas instalações são impossíveis de entender sem o guia na mão. Estes são equilibrados com projetos nos quais o espectador pode se envolver em debates ecológicos diretamente com os artistas ou seus representantes (Otobong Nkanga’s Landversation, 2014) ou ativar a obra com a própria voz, como no karaokê de Runagrupa (RURU, 2010). No entanto, numa era em que a comunicação em rede influencia fortemente a maneira como percebemos e produzimos imagens, a estética das obras em exposição é repetitiva e, com raras exceções, até as que foram produzidas especificamente para a exposição parecem datadas. fotos: sofia ColuCCi / fundação Bienal de são Paulo
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ArquiteturA
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Arquibancada de madeira aproveita a ondulação do mezanino e cria áreas de convívio na 31 a Bienal de SP
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Mario Gioia
Desafios Da granDe escala Expografias da Bienal de São Paulo mostram partidos diferentes para conciliar estratégias curatoriais e as linhas do edifício projetado por Oscar Niemeyer
Foto: Pedro Ivo trasFerettI / Fundação BIenal de são Paulo
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É um componente fundamental de uma grande exposição e que, ao
mesmo tempo, se for pouco percebido, torna-se seu trunfo. O contrário, ou seja, caso seja muito ostensivo, também pode fazer com que uma mostra fique malvista tempos depois. Na 31ª Bienal de São Paulo, a expografia – em resumo, a estratégia espacial concebida para distribuir as obras exibidas, em diálogo com as desafiadoras linhas e escalas do pavilhão de autoria de Oscar Niemeyer – é colocada em relevo e lança mão de novidades. Entre as principais, uma arquibancada no andar térreo e o “envelopamento” de um bloco central nos pisos do prédio, onde ficam as escadas rolantes. “Foi desafiador projetar tudo isso, pois o edifício tem grandes escalas e muitos elementos arquitetônicos de destaque”, afirma o israelense Oren Sagiv, que assina a expografia desta edição. O arquiteto dividiu o pavilhão em três ambientes, cada um com imersão própria. No térreo, alinhado à grande atividade recreativa e de esporte do Parque do Ibirapuera, o destaque recai sobre a construção de uma espécie de arquibancada de madeira, baixa, que aproveita a ondulação do mezanino superior e cria espaços de convívio. Haverá mais portas abertas para o entorno. “Imagino que as crianças e os adolescentes, muitos deles passeando ou andando de skate na marquise, possam se juntar e ser acolhidos numa estrutura generosa”, diz. Essa permeabilidade é elogiada por profissionais que trabalham com expografia. “Vi a construção no térreo da Bienal para a nova montagem, em que o arquiteto claramente se inspira nas curvaturas do pavilhão. É uma beleza, fiquei animadíssimo”, avalia Álvaro Razuk, que assina importantes projetos na área, como exposições internacionais e feiras de arte. “Considero o projeto de Oren Sagiv uma surpreendente ocupação. Ele reconhece a força do edifício para subvertê-lo, reinventa o espaço sem, entretanto, se distrair dele. Ao contrário, leva ao extremo certas qualidades presentes lá, que ficam encobertas pela ilusão de continuidade homogênea. Resulta em uma expografia elegante e muito potente em sua diversidade”, diz a arquiteta Marta Bogéa, responsável pelas expografias da 27ª e da 29ª edição da Bienal paulistana. Sagiv optou pelo enclausuramento de boa parte do segundo andar, em que salas e caminhos de circulação têm uma dimensão mais intimista e são encerrados por paredes altas, em cinza-escuro, dando um ar museológico ao grande espaço. “É uma grande área horizontal. Opõe-se à verticalidade do centro do pavilhão, marcada pela escada rolante, também encapsulada. É outro momento dado ao público, com muitas salas com vídeos e trabalhos que demandam um foco maior”, explica. O setor, chamado de Colunas, tem em um de seus lados um corredor extenso, onde é possível o diálogo com o verde exterior do parque. Já nas cercanias das rampas, num terceiro momento da mostra, é proposta uma nova fruição do público, com ambientes abertos e que não brigam com as fortes linhas modernistas projetadas por Niemeyer. “O vão, as rampas, os guarda-corpos, tudo é um conjunto tão marcado que é quase uma obra de arte”, considera Sagiv. SELECT.ART.BR
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Em algumas bienais, o desenho do espaço expositivo é uma camada de leitura curatorial da exposição
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História
As ousadias programadas por Sagiv não são lances isolados dentro da história da Bienal. Marcou época a edição de 1985, a 18ª, em que a curadora Sheila Leirner criou o que ficou conhecido como Grande Tela. As paredes expositivas de três longos corredores exibiam, a pouca distância das pinturas umas das outras, centenas de trabalhos de artistas do mundo inteiro. Entre eles alguns novíssimos nomes naqueles anos, como os integrantes do Casa 7 e artistas hoje consagrados, como Daniel Senise e Leda Catunda. “A Grande Tela representou, pelo menos aqui, no Brasil, uma ruptura com o paradigma moderno. Foi assustador participar daquilo. Imaginávamos uma montagem em grandes salas ou praças, como foi a Bienal de 1983, com Lüpertz, Baravelli, Jorge Guinle. Ao contrário, caímos num grande corredor ‘versalheano’, infelizmente sem os espelhos”, lembra o paulistano Fabio Miguez, ex-Casa 7. “Na década de 1980, havia um tipo de pós-modernismo radical que colocava a expografia e a curadoria como protagonistas máximos de qualquer exposição. Lembro-me que não gostamos muito de ficar na Grande Tela. Tentamos sair, mas acabamos ficando”, afirma o artista Paulo Monteiro, também ex-Casa 7. Ambos, porém, elogiam o esforço da curadoria em apresentar nomes ainda emergentes no circuito. “Foi decisivo para mim”, fala Miguez. Em edições recentes, o mesmo arquiteto pôde projetar duas estratégias completamente distintas para o espaço, de acordo com os objetivos dos titulares da curadoria e dos artistas. É o caso de Bogéa, que foi parceira de Lisette Lagnado (27ª) e Moacir dos Anjos e Agnaldo Farias (29ª). “Considero-os projetos opostos, resultado de diálogo com duas curadorias muito distintas. Com Lisette e equipe, um dos valores espaciais fundamentais era
Acima, A Grande Tela (1985), da curadora Sheila Leirner, uma das mais marcantes montagens já feitas em bienais.
Fotos: Arquivo HistÓrico WAndA svevo / FundAção BienAl de são PAulo
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A Grande Tela, da 18a Bienal, representou a ruptura com o paradigma moderno. Outras montagens marcantes foram as quase opostas de Marta Bogéa na 27a e 29a Bienais e a de Martin Corullon, na última edição, que privilegiou o “silêncio visual” Acima, detalhe da expografia de Marta Bogéa na 29 a Bienal de São Paulo, em que a opacidade era um valor e surgiram salas com formatos diferentes e paredes de altura variada SELECT.ART.BR
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a transparência, um traço que teve bons momentos no desenho das praças com piso de madeira, aproximando segundo e terceiro andares do núcleo Broodthaers e nos planos enxutos que organizavam as projeções abertas no primeiro pavimento. Já na 29ª, ocorria exatamente o contrário, trabalhamos com a opacidade.” Escolhas a sErEm fEitas
Moacir dos Anjos defende a expografia da sua edição. “Em cada ‘cidadela’ ou agrupamento denso de salas com formatos diferentes e com alturas de paredes variadas (além de pintadas em três tons distintos de branco), o visitante não possuía um único caminho a tomar, por vezes tendo de fazer opções por um trajeto e abandonar outro, de modo que talvez até não tivesse acesso a algumas das salas da mostra. Assim como na vida, escolhas tinham de ser feitas.” Lagnado recorda de mudanças ocorridas no decorrer do projeto. “A mostra de Marcel Broodthaers precisava estar no ambiente com ar condicionado porque era um acervo de museu. Minha vontade inicial era colocá-lo na entrada do pavilhão. Sempre trabalho escutando os artistas para compreender, de saída, o que seria a situação ideal. À medida que as obras vão se definindo, imagino diálogos inesperados para estabelecer aproximações malucas, estranhas. Prefiro criar tensões, hiatos, saltos de significados.” A expografia realizada pelo arquiteto Martin Corullon para a 30ª edição do evento, com curadoria do venezuelano Luis Pérez-Oramas, foi muito elogiada por profissionais do circuito. “Ao mesmo tempo que fizemos recintos mais reservados e densos de informação, nos espaços fora desses ambientes, os de circulação, quase não havia obras à vista. Esse silêncio visual era importante para permitir alternância entre descanso e foco. O desafio foi conseguir criar, ao mesmo tempo, ambientes reservados e fluidez de percurso. Esse era o nó do projeto”, conta Corullon, que ironiza quem considerou seu trabalho museológico em excesso. “Por ter um trabalho 90% focado em projetos urbanos e de edifícios, tenho a possibilidade de fugir do repertório da expografia tradicional. Em geral, acho-a pesada e careta, sem nenhuma graça construtiva e com poucos recursos arquitetônicos, e sim muito museológicos.”
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Fotos: Arquivo HistÓrico WAndA svevo / FundAção BienAl de são PAulo
história
Laços com a tradição moderna e a onipotência do curador são alguns paradigmas desmontados pela Bienal de São Paulo, evento que nasceu pautado pela transitoriedade
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A ideiA de desmAnche surge na bibliografia sobre a
Bienal de São Paulo, quando a mostra completaria seus 50 anos. O termo, que aparece no texto de Teixeira Coelho, “Bienal de São Paulo: O suave desmanche de uma ideia”, denota um certo pessimismo em relação aos desafios que seriam enfrentados pela Bienal no momento em que a globalização cultural traria novos questionamentos para a internacionalização da arte brasileira, na qual a criação da Bienal, em 1951, desempenhou um papel fundamental. É preciso lembrar que a edição da Bienal prevista para o ano 2000 seria adiada e a estratégia voltada aos megaeventos adotada na década anterior evidenciava então os seus dilemas. À crise instaurada seguiu uma série de desmanches do projeto inicial da Bienal, a saber, colocar a arte brasileira “em vivo contato” com a arte internacional, conforme os dizeres do seu primeiro diretor, Lourival Gomes Machado, no texto de apresentação do evento inaugural. Desde o início dos anos 1980, a despeito das restrições impostas pelo modelo de representações nacionais herdado da Bienal de Veneza, a Bienal apresentava ao público brasileiro e aos observadores estrangeiros uma SELECT.ART.BR ouT/nov 2014
fotos: JuaN Guerra
desmanches da bienal Vinicius spricigo
Nave Deusa, de Ernesto Neto, na 24 a Bienal de S達o Paulo (1998)
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nal grandiosa. Apesar disso, seriam justamente os núcleos históricos que deixariam de existir com as duas edições da Bienal curadas por Alfons Hug (2002-2004), seguidos pelo desmanche do modelo de representações nacionais herdado da Bienal de Veneza, com a curadoria de Lisette Lagnado para a 27ª Bienal de São Paulo (2006). Na edição seguinte, devido ao agravamento da crise na Bienal, o processo de desmanche apenas vislumbrado na virada do milênio levaria ao esvaziamento. Ivo Mesquita, curador da edição de 2008, colocaria a Bienal em quarentena, deixando o segundo andar do Pavilhão Ciccillo Matarazzo completamente vazio, fazendo tábula rasa do projeto inaugural da exposição. Modelo transitório
Tunga em montagem na 16 a Bienal de São Paulo (1981)
perspectiva “internacional” elaborada por curadores brasileiros. É preciso ressaltar que a curadoria foi instaurada no seio da Bienal com Walter Zanini, após a recusa por uma tentativa de torná-la um evento de perfil latino-americano, o que resultou ainda no desmanche do projeto de uma Bienal Latino-Americana iniciado em 1978. Ao lado dessa perspectiva curatorial, os núcleos históricos desempenhavam outro importante papel, a saber, trazer artistas que, apesar de sua notoriedade, não estavam representados nos museus locais. Foi justamente o Núcleo Histórico: Antropofagia e Histórias de Canibalismo que marcaria a 24ª Bienal (1998) como a “Bienal da Antropofagia”. Talvez como nenhum outro curador da Bienal de São Paulo, Paulo Herkenhoff soube elaborar uma perspectiva internacional ao mesmo tempo reconhecidamente “brasileira”, contando com a presença de artistas capazes de atrair a atenção do grande público, realizando não somente uma grande exposição, mas também uma bieSELECT.ART.BR ouT/nov 2014
Seguindo a linha de raciocínio esboçada acima, poderíamos supor a derrocada de um determinado projeto de internacionalização da arte e um possível ocaso da Bienal de São Paulo. Entretanto, um recuo maior na história da Bienal de São Paulo nos mostrará que desmontagem é uma ideia constituinte do próprio conceito de bienal. Como dissemos anteriormente, até 2006, a Bienal de São Paulo adotava o modelo veneziano de representações nacionais, que, por sua vez, surgiu com as exposições universais do século 19. Grandes mostras temporárias, nas quais nações de todos os continentes representavam suas aspirações por um mundo moderno por meio de um grande espetáculo dedicado à mercadoria. De modo diverso dos museus de arte, as exposições universais não eram pautadas pela permanência ou memória, mas pelo transitório, o gosto passageiro pelo mais atual. Nesse espírito foi concebida uma Bienal no Brasil ainda que vinculada ao projeto de um Museu de Arte Moderna. Não à toa, a cidade escolhida seria São Paulo, principal centro econômico de um país que estaria fadado a ser moderno, segundo a célebre afirmação de Mário Pedrosa. As comemorações do 4º Centenário da cidade criariam o palco ideal para que, a partir da sua segunda edição, a Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo alcançasse a reputação de principal evento da América do Sul, definindo um ponto fora de uma linha histórica que colocava a pintura moderna norte-americana como herdeira e sucessora de uma tradição moderna europeia. A partir da sua quarta edição, a mostra passou a ocupar um pavilhão desenhado para feiras industriais. Curador: sustentação e desMontageM
No entanto, a edição que marcaria a primeira década de existência da mostra, sob a direção de Pedrosa, antecederia o desmanche do Museu de Arte Moderna de São Paulo. As
Mauricio Ianês, em ocupação performática na 28 a Bienal de São Paulo, mais conhecida como “Bienal do Vazio”
Paradoxalmente, o que a Bienal não desmonta é o pavilhão onde se ergueram seu mito e o fascínio mercadológico nas artes mostras que se seguiram também desmanchariam os laços com a tradição moderna – contraditoriamente, a modernidade se configura no pós-Guerra como uma tradição – ao apresentar novas figurações e novas vanguardas que levariam ao desmanche gradual da estrutura organizacional da mostra, pautada em regulamentos, seleções, premiações etc. Embora as representações nacionais tenham permanecido, estas deixariam de ditar a forma de organização da Bienal. Seria então a figura do curador, por meio de exposições temáticas que viriam a se tornar os novos pilotis de sustentação do evento. À proposta curatorial estava ligado diretamente o sucesso ou o fracasso das edições que foram se sucedendo ao longo dos anos 1980 e 1990. Essa última ruína também parece estar desmoronando. A atual edição da Bienal de São Paulo, inaugurada em setembro, traz um time de curadores capitaneado por Charles Esche, que busca trabalhar horizontalmente, e pare-
ce querer retirar do curador o papel de figura central da Bienal. Também o título escolhido, “Como (…) coisas que não existem”, não chega a definir um conceito capaz de sustentar uma unidade coerente para uma megaexposição. Ou seja, a rigor não podemos mais defini-la enquanto uma exposição temática. Ademais, ao propor grupos interdisciplinares de trabalho entre os participantes e fugindo de nomes conhecidos do meio artístico, parece que também a figura institucionalizada do artista está em xeque. Mas talvez a única coisa que ainda não foi desmanchada seja o Pavilhão das Indústrias, local sobre o qual foi criado o mito da Bienal de São Paulo. Ainda que questionado pelos curadores, ele ainda abrigará a maior parte das atividades realizadas durante a duração da mostra. Em outras palavras, permanece a história que nos remete às exposições universais e à peregrinação bianual do público para assistir ao espetáculo da mercadoria. fotos: AmilcAr PAcker nA PáginA Ao lAdo: José roberto cecAto
portfólio
Fernando Velázquez Giselle BeiGuelman
Obra coloca em suspensão o ciclo dos relógios mecânicos e responde ao tempo algorítmico
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Abaixo, Reconhecimento de Padrões (2014), instalação interativa, apresentada no MAM de Goiânia, com imagens gravadas por um drone e combinadas no espaço expositivo por um sensor de presença
No coNjuNto da obra de Fernando Velázquez prevalece uma lógica algorítmica que coloca em questão o tempo dos relógios mecânicos. Obsoletos, eles são coerentes com um mundo industrial que não existe mais. Os ciclos do artista são outros. Respondem ao tempo da elipse, essa figura geométrica que descreve um novo centro a cada volta, prescrevendo a diferença a cada repetição. Uruguaio radicado no Brasil, formado em arquitetura em Montevidéu, onde também estudou canto, Velázquez traz para seu trabalho dilemas construtivos e uma experiência de palco que refletem seu background e o atualizam no campo da artemídia. Difícil não reconhecer o arquiteto futurista nas linhas generativas que se replicam por suas telas. Fica fácil entender por que só neste ano de 2014 Velázquez subiu ao palco para realizar suas coloridas e radicais performances multimídia pelo menos duas vezes por mês, entre São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Agora está de malas prontas rumo a Nova York.
Foto: Rhanna asevedo
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Nesta página e nas seguintes, diversas formas do projeto Mindscapes (2011-2013), que envolve impressões em metacrilato, performances audiovisuais e instalação interativa, em que Fernando Velázquez procura sintetizar algoritmicamente o fluxo do pensamento humano por meio de imagens generativas
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As referências estéticas de Velázquez vêm da arquitetura de Tadao Ando, Zaha Hadid e Marcos Novak, que inspiram suas formas sintéticas com um colorido explosivamente artificial Fotos: Cortesia do artista
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Pesquisador de mão cheia de linguagens – artísticas e de programação –, recentemente colocou um drone (objeto voador não tripulado) para captar imagens para sua instalação Reconhecimento de Padrões, apresentada no Museu de Arte Moderna de Goiânia, em 2014. As imagens são acionadas sempre que um visitante se aproxima por meio de um sistema de reconhecimento de regiões (blob detection). Em síntese, olhos maquínicos, sistemas vigilantes, transformados em lentes de aumento poéticas. Nas palavras de Lucas Bambozzi no texto crítico do catálogo: “Ver – e entender – agora está cada vez mais relegado ao dispositivo. Mas a inclusão do tempo, seja nas imagens mentais, seja nas criadas tecnicamente pelo homem, demanda esforços de memorização da sua sequência. Agora a imagem também me percebe. Ela se altera e se ressignifica em sua superfície, em sua temporalidade. A nós nos cabe fruir”. Arquitetos como Tadao Ando, Marcos Novak e Zaha Hadid compõem parte da base de referências espaciais, estéticas e materiais de Velázquez. Basta olhar uma de suas principais séries Mindscapes (2011-2013) que isso se explicita. As linhas retas, as formas que brotam umas das outras a partir de rotinas computadorizadas, cujo desenvolvimento se modifica sutilmente, aos poucos, até tornar-se algo totalmente distinto e ao mesmo tempo profundamente relacionado com sua matriz, têm sua raiz nesses mestres. Projeto realizado em diversos formatos, de instalação a livro, passando por performances e stills em metacrilato, a série é uma incursão no tempo da memória e nas paisagens mentais, por meio da interpretação visual do que se passa no cérebro. Em sua obra mais nova, #L1, After Dan Flavin, Velázquez volta a essa série, porém estabelecendo um diálogo com o minimalismo norte-americano. Exibida em setembro na Galeria Zipper, em São Paulo, a instalação faz com que as rotinas algorítmicas, tão características da obra do artista como um todo, tomem conta do espaço físico associando-se a um conjunto de néons brancos e recursos sonoros. Toda a informação presente no local, e que permite sua percepção no tempo e no espaço, altera-se conforme o corpo se movimenta e redesenha as paisagens mentais de seus “passageiros”.
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#L1, After Dan Flavin (2014), apresentada na Galeria Zipper, em São Paulo
Fotos: cortesia do artista
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