ARTE ÚTIL JAIME L AURIANO POETRY SL AM WAGNER SCHWARTZ A R T E E C U LT U R A C O N T E M P O R Â N E A
MAR/ABR/MAI 2019 EDIÇÃO 42 ANO 07 R$ 19,90
AÇÃO Detalhe de Mi Linaje de la Resistencia Ambiental (2018), de Carolina Caycedo
YAEL BARTANA
Exposição antológica do artista que há 50 anos está presente na cena fotográfica brasileira e internacional.
visitação 29.03 a 23.06.2019 terça a sábado, 10h30 às 21h30 domingo e feriado, 10h30 às 18h30
Sesc Pinheiros Rua Paes Leme, 195 sescsp.org.br/pinheiros Estação Faria Lima /sescpinheiros
Exposição antológica do artista que há 50 anos está presente na cena fotográfica brasileira e internacional.
visitação 29.03 a 23.06.2019 terça a sábado, 10h30 às 21h30 domingo e feriado, 10h30 às 18h30
Sesc Pinheiros Rua Paes Leme, 195 sescsp.org.br/pinheiros Estação Faria Lima /sescpinheiros
ÍNDICE
52
Brinquedo de Furar Moletom (2018), intervenção site-specific na varanda do MAC Niterói, de Jaime Lauriano
PORTFÓLIO
CONTRA A OFICIALIDADE C o l o n i a l i s m o , v i o l ê n c i a p o l i c i a l , e x p l o ra ç ã o d o t ra b a l h o e m i l i t a r i s m o n a p e s q u i s a d e J a i m e L a u r i a n o
60
66
70
74
76
MEIO AMBIENTE
ENSAIO VISUAL
ARTE ÚTIL
ENSAIO
POETRY SLAM
MEMÓRIA
TERRA ARRASADA
NA MATA SUL
Consequências
José Rufino, curador
TANIA BRUGUERA
POESIA PORRADA
socioambientais de
Os desastres da
da Usina de Arte,
Artista propõe criação
A literatura de protesto
modelos energéticos
Vale entram na
incita os colegas e a
de obras que possam
que vem de poetas jovens,
extrativistas na obra
pesquisa artística
comunidade a pensar
ser aplicadas na esfera
performáticos e de periferia
de Carolina Caycedo
de Denise Adams
sobre o sentido da arte
do real e funcional
brilha em competições
SELECT.ART.BR
MAR/ABR/MAI 2019
FOTO: RAFAEL ARDOJAN, CORTESIA DO ARTISTA, GALERIA LEME
SEÇÕES
44
6 11 12 26 28 34 38 106 114
PERFIL
WAGNER SCHWARTZ Quem é, o que faz e o que pensa o artista ameaçado de morte pela performance La Bête
Editorial Comentários / Expandida Da Hora Acervos Itaú Cultural Coluna Móvel Mundo Codificado Fogo Cruzado Reviews Em Desconstrução
81 PROJETO
ODARAYA ForzaImpermanência III (2016/19), registro de performance da artista carioca
94
82
ENTREVISTA
CURADORIA
YAEL BARTANA Artista israelense
LEVANTE Artistas visuais reagem contra
fala do seu projeto E Se as Mulheres
a destruição do desejo e a desesperança política
Governassem o Mundo?
88
98
102
ARTE E EDUCAÇÃO
ENSAIO VISUAL
VERNISSAGE
MAPA DA DIVERSIDADE
CÃO DOS INFERNOS
DANIEL MULLEN
Uma cartografia de novas
Performance da banda
Artista escocês introduz
abordagens em formação e
de Dora Longo Bahia e
a sinestesia em sua
mediação em duas edições
Mauricio Ianês pelas lentes
pesquisa de natureza
do prêmio seLecT
de Paulo D’Alessandro
abstrata geométrica FOTOS: CORTESIA DA ARTISTA/ ITAI NEEMAN/ BARBARA ALMEIDA/ CAROLINE MORAES
E D I TO R I A L
PA U L A A L Z U G A R AY
MÁRION STRECKER
LUA N A FO RT ES
RUA MARIELLE FRANCO Ação. Rio de Janeiro, 4 de março de 2019.
Quando as autoridades brasileiras não
Chegou a vez de ouvir as Marias, Mahins,
assumem responsabilidades, a sociedade deve
Marielles, malês. No samba-enredo do Carnaval
agir. Quando a impunidade rege e comanda a
2019, a Estação Primeira de Mangueira canta
orquestra das tragédias nacionais (RIP Ricardo
outra versão da história brasileira. Abdica dos
Boechat), é preciso agir. A edição #42 da
descobridores da narrativa eurocêntrica e
seLecT é uma incitação à ação. Elegemos o
afirma: “Desde 1500/ tem mais invasão do que
sufixo ação, de Mobilização. Manifestação.
descobrimento/ tem sangue retinto pisado/
Ação em defesa dos direitos humanos, dos
atrás do herói emoldurado”. A escola de samba
direitos ambientais, dos direitos das mulheres,
(cujo presidente, Chiquinho da Mangueira,
dos direitos indígenas, dos negros, das pessoas
foi alvo da Lava Jato e preso em novembro
LGBT+, dos professores, da liberdade de pensar
passado) nomeia seus heróis, líderes populares
e de expressar, da cultura, da diversidade e da
negros dignos de figurar em livros escolares e
felicidade. Nas páginas desta edição se somam
placas de rua: Zumbi, Dandara, Luiza Mahin,
as ações de Wagner Schwartz, Jaime Lauriano,
Maria Felipa e Marielle Franco.
Carolina Caycedo, Yael Bartana, Pieta Poeta,
Ação. Berlim, 15 de fevereiro de 2019. Wagner
Tania Bruguera, José Rufino, o coletivo És uma
Moura apresenta no Festival de Berlim seu
Maluca, Nan Goldin e o coletivo PAIN, Marcos
longa-metragem Marighella. Diante das
Chaves, Maria Montero, Christian Dunker,
câmeras da imprensa mundial, segura cartaz
André Singer, Fernando Rugitsky, Márcia Fortes,
que simula a placa de rua com o nome da
Rosa Iavelberg, Ana Mae Barbosa, Carlos Rittl,
vereadora Marielle Franco.
Moises Patricio, Ailton Krenak, Jonas Maria, Céli
Em 14 de março, o assassinato de Marielle
Regina Jardim Pinto, Mariana Lacerda, Peter Pál
Franco e do motorista Anderson Gomes
Pelbart, Denise Adams e Odaraya Mello, entre
completa um ano. Até o fechamento desta
tantas vozes manifestas.
edição, em 18/2, não havia respostas sobre a autoria do crime. Ainda longe de um
Mobilize-se.
esclarecimento, tivemos a divulgação pela imprensa de que Flávio Bolsonaro empregava em seu gabinete da Assembléia Legislativa do Rio a mãe e a mulher de um dos líderes do R I C A R D O VA N S T E E N
Escritório do Crime, grupo miliciano suspeito
Paula Alzugaray
de envolvimento no assassinato.
Diretora de Redação
Leia/ ouça a outra versão da história proposta pelo samba-enredo da Estação Primeira de Mangueira em: http://www.mangueira.com.br/carnaval-2019/enredo
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MAR/ABR/MAI 2019
A arte está sempre em transformação. E a gente também.
Mudamos a nossa marca, mas nosso compromisso com a cultura, com a diversidade e com o mundo virtual continua o mesmo. Este é o Itaú Cultural: sólido, plural e digital.
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EXPEDIENTE
FUNDADOR: DOMINGO ALZUGARAY (1932-2017) EDITORA: CÁTIA ALZUGARAY PRESIDENTE-EXECUTIVO: CARLOS ALZUGARAY EDITORA RESPONSÁVEL: PAULA ALZUGARAY
DIRETORA DE REDAÇÃO: PAULA ALZUGARAY DIREÇÃO DE ARTE: RICARDO VAN STEEN REDATORA-CHEFE: MÁRION STRECKER REPORTAGEM: LUANA FORTES
COLABORADORES
André Singer, Christian Ingo Lenz Dunker, Denise Adams, Fernando Rugitsky, Giselle Beiguelman, Hélio Menezes, Márcia Fortes, Marcos Moraes, Paulo D’Alessandro, Tania Bruguera
PROJETO GRÁFICO
Ricardo van Steen e Cassio Leitão
COPY-DESK E REVISÃO
CONTATO
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DIRETOR NACIONAL: Maurício Arbex DIRETORA: Ana Diniz DIRETORA DE MARKETING E PROJETOS: Isabel Povineli GERENTES-EXECUTIVOS DE PUBLICIDADE: João Fernandes e Tania Macena SECRETÁRIA DIRETORIA PUBLICIDADE: Regina Oliveira EXECUTIVA DE PUBLICIDADE: Andréa Pezzuto COORDENADORES: Gilberto Di Santo Filho CONTATO: publicidade@editora3.com.br ARACAJU-SE: Pedro Amarante Gabinete de Mídia - Tel./Fax: (79) 3246-4139/9978-8962. BELÉM-PA: Glícia Diocesano - Dandara Representações - Tel.: (91) 3242-3367 / 8125-2751. BELO HORIZONTE - MG: Célia Maria de Oliveira - 1ª Página Publicidade Ltda.; Tel./Fax: (31) 3291-6751 / 99831783. CURITIBA-PR: Maria Marta Graco - M2C Representações Publicitárias; Tel./Fax: (41) 3223-0060 / 9962-9554. FLORIANÓPOLIS-SC: Anuar Pedro Junior e Paulo Velloso - Comtato Negócios; Tel./Fax: (48) 9986-7640 / 9989-3346. FORTALEZA-CE: Leonardo Holanda - Nordeste MKT Empresarial - Tel.: (85) 9724-4912 / 88322367 / 3038-2038. GOIÂNIA-GO: Paula Centini de Faria – Centini Comunicação - Tel. (62) 3624-5570 / 9221-5575. PORTO ALEGRE -RS: Roberto Gianoni - RR Gianoni Com. & Representações Ltda. Tel./Fax: (51) 3388-7712 / 9985-5564 / 81574747. RECIFE-PE: André Niceas e Eduardo Nicéas - Nova Representações Ltda - Tel./Fax: (81) 3227-3433 / 9164-1043 / 9164-8231. BA/SALVADOR: André Curvello - AC Comunicação - Tel./ Fax: (71) 3341-0857 / 8166-5958. VILA VELHA-ES: Didimo Effgen-Dicape Representações e Serviços Ltda. - Tel./Fax (27)3229-1986 / 8846-4493 Internacional Sales: Gilmar de Souza Faria - GSF Representações de Veículos de Comunicações Ltda - Fone: 55 11 9163.3062. MARKETING PUBLICITÁRIO GERENTE: Maria Bernadete Machado. REDATOR: Bruno Modulo. DIR. DE ARTE: Pedro Roberto de Oliveira.
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PAT R O C Í N I O :
REALIZAÇÃO:
45 anos da Galeria Luisa Strina #gls45 Trabalho de Nelson Leirner para a exposição Doze Anos de Trabalho Conjunto. Peruca de plástico sobre retrato de Luisa Strina, 1986.
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15/02/19 17:08
COMENTÁRIOS
"Parabéns por mais uma seLecT, revista que já é da história da arte brasileira. Lancei um livro com minha obra de 2003 a 2018. A seLecT está presente no livro" Fabio Morais, artista visual, via e-mail
“Ler esta nova seLecT (Sexo e Arte) em público tem sido um verdadeiro ato político. Tenho adorado as reações" Guilherme Santos, artista, teórico, crítico e historiador da arte, via Instagram
“Parabéns à seLecT 41, dossiê incrível em tempos de resistência #art #arte #brasil #brazil #artist #guarodes #instagay #gay #gays #gayart #love #body"
Escreva-nos Rua Itaquera, 423,
Guarodes, artista, via Instagram
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“Finalmente, uma boa crítica à exposição” Luiz Vieira, editor, via Facebook, sobre crítica de Daniela Bousso à exposição Ai Weiwei Raiz
www.select.art.br facebook.com/selectrevista instagram.com/revistaselect
"Em vez de criticar um artista como ele, é muito mais digno expor as interpretações cabíveis das obras e deixar que o próprio público possa ler à sua maneira"
twitter.com/revistaselect
Fernanda Barbosa de Carvalho, via Facebook, sobre crítica de Daniela Bousso à
youtube.com/selectartbr
exposição Ai Weiwei Raiz
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S E L E C T E X PA N D I D A O N L I N E CAROLINA CAYCEDO
ARTE ÚTIL
Leia a íntegra da entrevista com a artista Carolina Caycedo, abordando sua pesquisa sobre o impacto social de águas represadas.
Site da Associação de Arte Útil que traz, entre outras coisas, textos sobre o conceito e um grande arquivo de obras “úteis”. Artistas de todo o mundo podem propor um projeto para o arquivo.
www.select.art.br/integra-caycedo
www.arte-util.org
BORZEGUIM, DE TOM JOBIM
Entre as canções de Tom Jobim (1927-1994) que expressam suas preocupações com os indígenas e com a natureza está Borzeguim, do álbum Passarim (1987). Borzeguim é o nome do antecessor do coturno. Assista ao clipe da música e leia a letra citada por Wagner Schwartz nesta edição. www.select.art.br/borzeguim-tomjobim SELECT.ART.BR
MAR/ABR/MAI 2019
COLABORADORES
GISELLE BEIGUELMAN
FERNANDO RUGITSKY
Artista e professora da FAU-USP. Tem obras na Pinacoteca (SP) e no MAR (RJ). É autora de Memória da Amnésia: Políticas do Esquecimento (Edições Sesc, no prelo). ENTREVISTA P 94
Doutor em Economia pela New School for Social Research, é professor de Economia na USP COLUNA MÓVEL P 38
MARCOS MORAES Curador e professor, coordena os cursos de Artes e Produção Cultural na Faap. Formado em Direito e Artes Cênicas, é doutor em Projeto, Espaço e Cultura pela FAU-USP.. VERNISSAGE P 102
ANDRÉ SINGER
CHRISTIAN DUNKER
Formado em Ciências Sociais e Jornalismo pela USP, é professor titular de Ciência Política naquela instituição. COLUNA MÓVEL P 38
Psicanalista e professor titular de Psicologia da USP, onde coordena o Laboratório de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise. COLUNA MÓVEL P 28
TANIA BRUGUERA Artista cubana, trabalha com performances, instalações e projetos de arte como prática social. Vive e trabalha entre Nova York e Havana. ARTE ÚTIL P 74
DENISE ADAMS Artista visual, fotógrafa e arteeducadora. É mestre em Estudos Contemporâneos das Artes (PPGCA-UFF) e é graduada em Cinema pela Faap. Já atuou como repórter fotográfica. ENSAIO VISUAL P 66
PAULO D’ALESSANDRO
MÁRCIA FORTES
HÉLIO MENEZES
Fotógrafo com formação no Brasil e na Escuela de Altos Estudios de la Imágen y el Diseño (Idea) de Barcelona. Sua pesquisa tem como base retratos e experimentações formais. ENSAIO VISUAL P 98
Graduada em Literatura Inglesa e Americana pela New York University, atuou como jornalista, tradutora, crítica e curadora. É sócia-fundadora da Galeria Fortes D’Aloia & Gabriel e da Editora Cobogó. COLUNA MÓVEL P 32
Antropólogo e curador, é mestre e doutorando em Antropologia Social pela USP. Pesquisa arte afrobrasileira, relações raciais no Brasil e ativismo. Foi cocurador da exposição Histórias Afro-Atlânticas, em 2018. PORTFÓLIO P 52
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MAR/ABR/MAI 2019
S Ã O PA U L O
NECROBRASILIANA Individual de Thiago Martins de Melo, de 30/3 a 4/5/2019, Galeria Leme/AD, Av. Valdemar Ferreira, 130 | galerialemead.com
Necro, em grego, significa morte. O sentido do prefixo
projeto de mundo, dessa nova Roma que seria o Brasil, e que hoje
rodeia a produção de Thiago Martins de Melo e é usado
está totalmente perdida. É essa construção de algo grandioso
pelo artista maranhense para caracterizar o Brasil atual
com pés de barro”, diz Melo à seLecT. Paradoxamente, toda essa
no título de sua nova individual Necrobrasiliana, com
simbologia da destruição será cooptada na celebração de um
trabalhos inéditos. A exposição configura-se como uma
nascimento. Necrobrasiliana será a primeira individual de Thiago
espécie de análise a respeito do que o artista identifica
Martins de Melo na Leme/AD, que acaba de anunciar sua
como o fim do Brasil e a agonia da alma brasileira. “O
representação e também a fusão das operações em arte
que tem me interessado é compreender esses signos
contemporânea das galerias Leme e Almeida & Dale. LF
construídos acerca do que seria a identidade desse
A Cruz Que Penetra Pindorama, da série Teatro Nagô Cartesiano (2015), pintura de Thiago Martins de Melo
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MAR/ABR/MAI 2019
ONDE HAVIA FLORESTAS,
HABITAM ALMAS Luiza Almeida e Sani Guerra
Curadoria: Ana Carolina Ralston
30 de março a O.li de maio
segunda a sexta-feira, de llh às 19h sábado, de llh às 15h
Emmathomas Galeria Alameda Franca, 105-4 - São Paulo •55 11 30-45-0755 1 •55 11 30-45-09-4-4 emmathomas.com.br
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o
Material da campanha de protesto de Nan Goldin e seu grupo PAIN contra a família Sackler, dona da fábrica do opioide OxyContin, que causa dependência; à direita,ato de protesto no Guggenheim de Nova York
N O VA Y O R K
PROTESTO DE NAN GOLDINREQUÊNCIAS Artista promove ação relâmpago em museus nos EUA que aceitam doações da família Sackler, fabricante do opioide OxyContin O Guggenheim estava cheio no fim da tarde do sábado 9/2, quando pequenos grupos de pessoas se espalharam, esperando alguma coisa acontecer. Uma celebridade entrou e colocou-se no meio do saguão do edifício, de onde era vista por todos que estavam na rampa em espiral do museu. Era a fotógrafa norteamericana Nan Goldin, 65 anos, que se notabilizou por imagens de LGBT+, a crise da Aids e a epidemia de opioides. Foi quando panfletos começaram a cair, rodopiando, até cobrir o chão do museu. Eram receitas assinadas por um Dr. Robert Sackler para um Solomon R. Guggenheim. A prescrição era de pílulas de 80 mg de OxyContin, para serem tomadas 24 vezes por dia. Faixas vermelhas foram postas nos quatro níveis da rampa, onde se lia:“400.000 mortos”, “Vergonha de Sackler”, “200 mortos a cada dia” e “Retirem o nome deles”. Então várias pessoas se deitaram no chão do museu, entre os panfletos e frascos com rótulos onde se lia: “Prescrito a você pela Família Sackler. Extremamente viciante. Efeito colateral: Morte”. Goldin falou então em estacato: “Nós queremos o dinheiro deles. Para sites de consumo consciente. Para redução de danos. Para tratamento. É hora, Guggenheim! Retire o nome deles!” O público repetiu a frase e prosseguiu: “O dinheiro do Oxy está nas galerias! Retirem, se tiverem coragem!” O protesto foi o mais recente da série promovida por Nan Goldin e seu grupo PAIN (Prescription Addiction Intervention Now), criado quando a artista conseguiu se livrar da dependência, adquirida após ter recebido o remédio depois de uma cirurgia, ter se viciado “da noite para o dia”, e ter passado a comprá-lo no mercado negro. O grupo já fez ações semelhantes no Metropolitan Museum of Art, no Smithsonian e em museus da Universidade Harvard, que também aceitam doações da família Sackler. MS
FOTOS: CORTESIA GALERIA LEME/AD, DIVULGAÇÃO/ REPRODUÇÃO
S Ã O PA U LO
SOPRO INDIVIDUAL DE ERNESTO NETO de 30/3 a 15/7/2019, Pinacoteca do Estado de São Paulo, Praça da Luz, 2 | pinacoteca.org.br Desde 2013, quando o artista Ernesto Neto começou a conviver com membros da comunidade indígena Huni Kuin, também chamada de Kaxinawá, um engajamento espiritual transborda e começa a tornar-se o eixo principal de seus trabalhos. As 60 obras (abaixo, A Borda [Telepassagem], 2012) que o artista carioca exibe em Sopro, retrospectiva na Pinacoteca, revelam o desenvolvimento e amadurecimento das relações entre fisicalidade, indivíduo e coletividade em sua pesquisa poética. Com curadoria de Jochen Volz, diretor da Pina, e Valéria Piccoli, curadora-chefe do museu, a mostra traz desde os primeiros experimentos até as recentes experiências com estruturas habitáveis feitas com crochê. A retrospectiva inaugura o ano temático da instituição dedicado às relações entre arte e sociedade. LF
RIO DE JANEIRO
HARUN FAROCKI: QUEM É RESPONSÁVEL? Exposição individual, de 16/3 a 30/6/2019, IMS Rio, Rua Marquês de São Vicente, 476 | ims.com.br Para a exposição no Instituto Moreira Salles do Rio, as curadoras Antje Ehmann e Heloisa Espada selecionaram 15 trabalhos de Harun Farocki (acima), de um espólio com mais de 100 obras. Entre videoinstalações e filmes, o apanhado tem obras de 1969 até 2014, ano em que o artista e cineasta alemão morreu. Farocki interessava-se pela produção e circulação de imagens. A videoinstalação Contramúsica (2004), por exemplo, problematiza aparatos de monitoramento a partir de vínculos entre imagens de câmeras de segurança e cenas dos filmes Um Homem Com Uma
Câmera, de Dziga Vertov, e Berlim, Sinfonia Da Metrópole, de Walter Ruttmann. Em setembro, obras distintas de Farocki serão exibidas na sede do instituto em São Paulo. LF
SELECT.ART.BR
MAR/ABR/MAI 2019
FOTOS: EDUARDO ORTEGA/ MARKUS J. FEGER
exposições exhibitions denise alves-rodrigues há uma esfinge entre nós 02.02 - 16.03 pm8: gabriel borba filho + proyectos ultravioleta: jorge de léon + sé galeria: gustavo speridião condo são paulo 2019 abertura opening 29.03-30.03 30.03 - 27.04 joão loureiro peixe-elétrico moto clube abertura opening 11.05 11.05 - 13.07 próximas feiras next fairs dalton paula + michel zózimo arco madrid opening sessions [9op06] manata laudares sp-arte solo projects [sl 7] artistas representados represented artists arnaldo de melo carlos issa dalton paula daniel kairoz / fagus deco adjiman denise alves-rodrigues manata laudares gustavo speridião joão loureiro maria montero michel zózimo pedro victor brandão pontogor rafael rg rebecca sharp traplev
sé galeria sé galeria
rua roberto simonsen, 108 rua robertohistórico simonsen, 108 sé - centro sé -paulo centro- sp histórico são são 01017-020 paulo - sp cep cep 01017-020
terça a sexta tue-fri | 12h - 19h terça asat sexta tue-fri sábado | 12h - 17h| 12h - 19h sábado sat | 12h - 17h aberturas openings | 10h - 17h aberturas openings | 10h - 17h
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S Ã O PA U L O
LEONILSON: ARQUIVO E MEMÓRIA VIVOS Até 19/5/2019, Centro Cultural Fiesp, Av. Paulista, 1.313 centroculturalfiesp.com.br Em 2017 foi lançado o catálogo raisonné de José Leonilson (19571993), fruto de dois anos de extensa pesquisa, com registros de 3.400 trabalhos, estudos e projetos. Graças a esse esforço, que teve patrocínio da Fundação Edson Queiroz, foi possível organizar uma mostra de caráter retrospectivo do artista cearense, com curadoria de Ricardo Resende. Arquivo e Memória Vivos, exposição montada inicialmente no Espaço Cultural Unifor, em Fortaleza, reúne 120 obras (à dir., O Que Ele Está Fazendo, 1986) divididas entre três núcleos cronológicos, que partem de uma pintura feita quando Leonilson tinha apenas 14 anos. O Projeto Leonilson, apoiador da exposição, aproveita a ocasião para comercializar uma gravura em linóleo inédita, de edição póstuma, com cem exemplares numerados. LF
PUEBLA, MÉXICO
PORTADORES DE SENTIDO Arte Contemporânea na Coleção Patricia Phelps de Cisneros, até 22/7/2019, Museo Amparo, 2 Sur 708 | museoamparo.com A paulistana Jac Leirner (à esq., Azuis, 1990) estará entre os 70 artistas a participar da coletiva Portadores De Sentido, no Museo Amparo, em Puebla, no México. A grande exposição apresenta obras de artistas de 16 países da América Latina e do Caribe da Coleção Patricia Phelps de Cisneros (CPPC), iniciativa que busca valorizar estudos sobre arte latino-americana. A curadora Sofía Hernández Chong Cuy selecionou mais de 100 obras, entre desenhos, esculturas, fotografias, instalações, pinturas e vídeos. Sua proposta foi criar diálogos entre itens da coleção e identificar elos entre arte contemporânea e arte moderna, arte colonial, viajantes do século 19 e objetos etnográficos da bacia do Rio Orinoco, outras áreas de pesquisa da CPPC. Áudios sobre os trabalhos expostos, gravados por alguns dos artistas participantes, estão disponíveis via celular ou pelo site da coleção (coleccioncisneros.org). LF
SELECT.ART.BR
MAR/ABR/MAI 2019
RIO DE JANEIRO
CAMISETA DE RESISTÊNCIA Bruno Moreschi lança edição especial da Camisa Educação, feita pela A Gentil Carioca em parceria com o 2º Prêmio seLecT. O 2º Prêmio seLecT de Arte e Educação teve como novidade uma parceria com a galeria A Gentil Carioca. Além dos prêmios em dinheiro concedidos aos vencedores de cada categoria, os finalistas também poderiam ganhar a chance de participar do projeto Camisa Educação, que a cada nova exposição da Gentil convida um artista a desenhar uma camiseta que inclua a palavra educação. O júri do prêmio escolheu o artista Bruno Moreschi para a tarefa e ele acaba de lançar, no Abre Alas 2019, a 81ª edição do projeto. Educação Antifascista é o que estampa sua camiseta (acima), em alusão a movimentos políticos como o conservador Escola Sem Partido, que visa limitar a atuação dos professores e censurar conteúdo didático, como ao propor a supressão dos termos “gênero” e “orientação sexual”. Com o projeto, Moreschi alinha-se aos movimentos de resistência democrática no País. E ainda dá chance aos que adquirirem a camiseta, disponível na galeria A Gentil Carioca, de entrar em seu lado nesta luta. LF
FOTOS: RUBENS CHIRI/ DIVULGAÇÃO/ CORTESIA DO ARTISTA
S Ã O PA U L O
PASSEATA Exposição coletiva, de 19/3/2019 a 29/5/2019, Simone Cadinelli Arte Contemporânea, Rua Aníbal de Mendonça, 171 | simonecadinelli.com Há quem negue a desigualdade entre homens e mulheres nas artes. Entretanto, dados da pesquisa The Art Market 2018, divulgados na seção Mundo Codificado desta edição (pág 34), mostram que em 85 feiras de arte analisadas, apenas 23% dos artistas apresentados eram mulheres. Essa informação mais do que explicita a importância de exposições coletivas só de artistas mulheres, como Passeata, exibida na galeria carioca Simone Cadinelli Arte Contemporânea. Com curadoria de Isabel Sanson Portella, a mostra traz obras de 14 artistas de diferentes gerações e estilos. “São diferentes vozes, mas o que ouvimos sempre é o pulsar da liberdade conquistada, do direito de levantar bandeiras e mostrar a que vieram”, diz a curadora. Entre as participantes estão Anna Bella Geiger, Helena Trindade e Laura Gorski, que apresenta trabalho com Renata Cruz (abaixo, Sem Título, da série Dias Úteis, 2016). LF
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FOTOS: GUILHERME KARDELFOTOS: DIVULGAÇÃO
S Ã O PA U L O
ANTONI TÀPIES De 12/3 a 27/4/19, Galeria Bergamin & Gomide, Rua Oscar Freire, 379, loja 1, www. bergamingomide.com.br A Bergamin & Gomide traz ao Brasil 13 obras do artista catalão Antoni Tàpies (1923-2012) produzidas a partir de 1970. Autodidata, Tàpies logo adotou a tendência ”matérica” e passou a empregar elementos não artísticos em telas, como argila, corda, barbante, farrapos, pó de mármore e outros produtos descartados. Em 1950, ano em que fez sua primeira individual em Barcelona, recebeu bolsa do governo francês para estudar em Paris. Em 1953, fazia sua primeira individual em Nova York. A partir de 1966, publicou uma série de textos e livros, como A Prática da Arte. Interessou-se por mitologia, religião, história, ética, metafísica, ciência, dança, música e, principalmente, caligrafia asiática. “Tivemos uma espécie de decepção geral com a civilização ocidental. Ela nos levou a guerras terríveis e pegamos um pouco de birra da cultura ocidental; foi isso que me estimulou a estudar a filosofia e a cultura de outras civilizações, especialmente a da Índia, e de forma muito concreta a do budismo da China, a do taoísmo chinês e depois a do Japão”, disse Tàpies. MS
COLEÇÃO FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ AVENIDA LAS PALOMAS
Coord. Aracy Amaral e Regina Teixeira de Barros,
De Francisca Aninat, IKREK, 50 exemplares numerados e
Edições Pinakotheke, 864 págs., 220 imagens
assinados com 10 cianotipias
Publicação bilíngue em dois volumes agrupados
Composto de dez cianotipias em bolsos de papel-
em uma caixa reúne 870 obras da Coleção
manteiga com entrevistas da artista chilena nas cozinhas
Fundação Edson Queiroz, um dos mais
que cercam a Plaza de Armas, em Santiago do Chile.
importantes acervos do País, com obras do século 17 ao 21.
SONIA GOMES – A VIDA RENASCE/AINDA ME LEVANTO
AUGÔSTO AUGUSTA, 50 ANOS
Org. Amanda Carneiro e Raphael
Augusta, 216 págs., R$ 90
Fonseca, Masp e MAC Niterói, 176
Livro ilustrado conta histórias
págs., R$ 99
sobre o espaço cultural Augôsto
Catálogo de exposições de
Augusta, em São Paulo, misto de
Sonia Gomes no Masp, no MAC
galeria de arte com livraria, loja e
Niterói e no Instituto Bardi Casa
escola, que comemora 50 anos.
Coord. Regina Bertizlian, Augôsto
de Vidro. Traz textos de Adriano Pedrosa, Pablo León de la Barra, Rodrigo Moura e Cecilia Fajardo-Hill.
50 ANOS DE REALISMO DO FOTORREALISMO À REALIDADE VIRTUAL Org. Tereza de Arruda, CCBB, 192 págs. Catálogo da exposição coletiva que tratou sobre a representação da realidade por meio da pintura, escultura e realidade virtual. Traz textos reflexivos, registros de obras e minibios dos artistas participantes. SELECT.ART.BR
MAR/ABR/MAI 2019
LUTA – SÉRIE PANDEMIA Vários autores, n-1 edições, 12 cordéis, R$ 70 Caixa Pandemia com 12 cordéis ligados ao tema luta, que também podem ser adquiridos individualmente por R$ 5. Entre os autores desse conjunto estão Vladimir Safatle, Giselle Beiguelman e Peter Pál Pelbart.
MINISTÉRIO DA CIDADANIA E PORTO SEGURO APRESENTAM
ANGELA DETANICO E RAFAEL LAIN
METEOROLÓGICA 19.01.19
Alameda Barão de Piracicaba, 610 Campos Elíseos - São Paulo/SP (11) 3226-7361
Untitled-1 1
EXPOSIÇÃO GRATUITA terça a sábado, das 10h às 19h domingos e feriados, das 10h às 17h
07.04.19
Estacionamento Alameda Barão de Piracicaba, 634 Campos Elíseos - São Paulo/SP
Vans gratuitas Estação Luz ˦ Espaço Cultural
espacoculturalportoseguro espacoculturalportoseguro.com.br
15/02/2019 16:19:30
EMPENA O AMPARO De Geórgia Kyriakakis, WMF Martins Fontes, 272 págs., R$ 159,90 Com 175 ilustrações coloridas de 30 séries de trabalhos, o livro apresenta trajetória da artista baiana de 2009 a 2017. Entre os textos que compõem a publicação, destaca-se uma conversa entre a artista e o curador Cauê Alves.
A SÃO PAULO DE GERMAN LORCA Coord. Cecília Scharlach, Imprensa Oficial e Casa da Imagem, 232 págs., R$ 60 Segunda edição do livro publicado originalmente em 2013, com fotografias de São Paulo e texto de José de Souza Martins.
EVA CASTIEL – ESTRANGEIRA Org. Daniela Bousso, WMF Martins Fontes, 264 págs., R$ 90 Monografia bilíngue sobre a artista paulistana Eva Castiel organizada cronologicamente, com textos de Daniela Bousso, Carlos Fajardo e Nelson Brissac, entre outros.
O PODER DA MULTIPLICAÇÃO Org. Goethe-Institut, ICBA/RS, Mariana Ludemann, Adair Gass e Isabel Waquil, Estação Liberdade, 248 págs., R$ 60 Ensaios inéditos em português e alemão sobre a reprodutibilidade da arte. O livro acompanha exposição de mesmo nome que ocorreu no MARGS e que está agora no Leipziger Baumwollspinnerei, na Alemanha.
KARIN LAMBRECHT ENTRE NÓS, UMA PASSAGEM Coord. Vitoria Arruda, Instituto Tomie Ohtake, 170 págs., R$ 60 Catálogo publicado por ocasião da individual de Karin Lambrecht no Instituto Tomie Ohtake, com texto em inglês e português do curador da mostra Paulo Miyada.
COM FLUIR De Gisele Barroco, coord. Lucas Lenci, Raga, 192 págs., R$ 90 Dividida entre três volumes temáticos – encontro, fé e mercado – a publicação traz fotografias de Gisele Barroco registradas em viagens à Etiópia, Armênia, Tadjiquistão, Índia, Camboja, Tibete e Madagáscar. SELECT.ART.BR
MAR/ABR/MAI 2019
RUBEM VALENTIM CONSTRUÇÕES AFRO-ATLÂNTICAS Org. Adriano Pedrosa e Fernando Oliva, Masp, 288 págs., R$ 139 A publicação acompanha a exposição homônima realizada no Masp e traz textos históricos, ensaios inéditos, imagens de obras e projetos de Rubem Valentim e reproduções de seis cadernos do artista.
Amigos - Select Fevereiro 2019 curvas.pdf
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A C E R V O S I TA Ú C U LT U R A L
CULTURA EM LUTA Seleção de trabalhos e verbetes do Itaú Cultural revelam como projetos culturais têm sido usados como ferramenta política PROJETOS OCUPAÇÃO ILÊ AIYÊ A 42a ocupação do instituto aconteceu na virada de 2017 para 2018 e foi dedicada à história do Ilê Aiyê, primeiro bloco afro do Brasil, que nasceu para combater o racismo, especialmente no circuito oficial do Carnaval baiano. Com 44 anos de existência, o bloco desfila exclusivamente com negros e segue questionando regimes de opressão racial. A exposição teve música, projeções, fotografias, documentos, depoimentos e fantasias com referência às Abayomis, bonecas negras feitas com tecido e arrematadas com nós. Em programação paralela, oficinas e shows com a participação de convidados como os grupos Ilú Obá De Min e Ilú Iná.
BRECHAS URBANAS A série de conversas foi criada, em 2015, no Itaú Cultural, para debater soluções inovadoras para a vida em cidades. As conversas acontecem no próprio instituto e são depois compartilhadas no YouTube. Em dezembro de 2017, a mesa de discussão foi sobre Ativismos, Arte e Reapropriações de Espaços Públicos, com mediação do jornalista Bruno Torturra e a participação da advogada Liana Lins, do movimento Ocupe Estelita, e dos cientistas políticos Vitor Marchett e Márcio Black, do Coletivo Sistema Negro. No ano seguinte, em maio, o tema foi O Caminho Da Restauração Da Democracia Brasileira Através Das Cidades, com os professores Ricardo Abramovay e Mônica Sodré, o advogado Rafael Poço e mediação da jornalista Natalia Garcia.
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Links em select.art.br/acervos-cultura-luta
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MAR/ABR/MAI 2019
VERBETES
MURALISMO O termo refere-se à pintura mexicana da primeira metade do século 20, de feitio realista e caráter monumental. A adesão dos pintores aos murais de grandes dimensões está ligada ao contexto social e político do país, marcado pela Revolução Mexicana de 1910-1920. (...) O programa de pinturas de murais, narrando a história do país e exaltando o fervor revolucionário do povo, adquire lugar destacado no projeto educativo e cultural do período. Nos termos de Diego Rivera (1886-1957), um dos principais expoentes do muralismo mexicano, a arte “é uma arma”, um instrumento revolucionário de luta contra a opressão. (...) No Brasil, influências do muralismo mexicano podem ser sentidas nas obras de Di Cavalcanti (1897-1976) e Candido Portinari (1903-1962).
TEATRO DO OPRIMIDO Método teatral e modelo de prática cênico-pedagógica sistematizados e desenvolvidos por Augusto Boal (1931-2009) nos anos 1970. Possui características de militância e destina-se à mobilização do público, vinculando-se ao teatro de resistência. Para fazer frente à censura e à repressão desencadeadas pelo AI-5, Boal incrementa sua aproximação com as propostas de Bertolt Brecht (1898-1956).(...) O Teatro do Oprimido congrega hoje grupos em todo o Brasil, com ênfase no estado do Rio de Janeiro, especialmente vinculados às ações pela cidadania. Difundido em todo o mundo, estudado por teóricos de áreas variadas, foi comemorado com a grande exposição Augusto Boal: Os Próximos 70 Anos, em março de 2001, no Rio de Janeiro.
CENTRO POPULAR DE CULTURA (CPC) O Centro Popular de Cultura – CPC foi criado em 1961, no Rio de Janeiro, ligado à União Nacional de Estudantes (UNE), e reúne artistas de distintas procedências: teatro, música, cinema, literatura, artes plásticas etc. O eixo do projeto do CPC define-se pela tentativa de construção de uma “cultura nacional, popular e democrática”, por meio da conscientização das classes populares. A ideia norteadora do projeto diz respeito à noção de “arte popular revolucionária”, concebida como instrumento privilegiado da revolução social. A defesa do caráter coletivo e didático da obra de arte, e do papel engajado e militante do artista, impulsiona uma série de iniciativas (...). O golpe militar de 1964 traz consigo o fechamento do CPC, a prisão de artistas e intelectuais e o exílio político. Mesmo assim, ecos do projeto cepecista reverberam em iniciativas posteriores, como no célebre show Opinião, em 1964.
FOTOS: CREATIVE COMMONS/ DIVULGAÇÃO/ ANDRÉ SEITI/ REPRODUÇÃO
CO LU N A M Ó V E L / C H R I ST I A N I N GO L E N Z D U N K E R
DESALENTOS E RECOMEÇOS
NO HEMISFÉRIO NORTE, A CHEGADA DO INVERNO MUDA O HUMOR DAS PESSOAS. ELAS TORNAM-SE IRRITADIÇAS, CHORAM COM MAIS FACILIDADE ADQUIRINDO UM HUMOR QUE SE ACINZENTA E SE APROFUNDA COM O AVANÇO DA PAISAGEM DEPRESSIVA. Este começo de ano no Brasil apa-
rece, para muitos, como uma longa noite de inverno. Ainda há sol, mas a perspectiva de um longo inverno político, muda o nosso estado de ânimo. Isso piora quando olhamos para o lado e vemos os olhos cintilantes daqueles que estão prestes a entrar em uma nova era celestial feita de goiabeiras em flor e florestas de nióbio. A atmosfera, com seus claros e escuros, como em Caravaggio, ou com sua economia de cores, como em Turner, nos dá a temperatura e a qualidade do ar, definindo o tipo de futuro que teremos pela frente. Ela pode trazer asfixia psicológica, pela perda da forma, como nos quadros de Munch, ou angústia pelo excesso de forma, como na iluminação opressiva das telas de Hopper. A atmosfera define o nosso alento e o ânimo, nossa disposição e receptividade, mas é o personagem e a forma que nos convidam ao ato, e o ato fundamental neste momento é de começo e re-existência. Uma pesquisa recente indicou que o Brasil é o último dos 18 países pesquisados no índice de confiança interpessoal. Só 4% das pessoas afirmam confiar nos outros, 34% têm alguma esperança na democracia e apenas 7% entendem que os políticos usam o poder para o bem comum. O clima de ressentimento e injustiça torna difícil recomeçar sem que tenhamos alguma esperança, ainda que ilusória, em nome do que seria razoável recomeçar a agir. Lembrei-me então de uma passagem rara da Ilíada, de Homero, um momento no qual Ulisses se vê sozinho, abandonado por seus companheiros e cercado por inimigos gigantes. Ele então se pergunta: “... o que iria acontecer comigo?” Se eu fugir assustado por eles, será um grande mal, mas, se eu for agarrado, será mais terrível. Mas por que meu thymos me diz estas coisas? Pois eu sei que os maus (kakói) abandonam a batalha, mas aquele que é excelente (aristeyesi) na luta deve resistir corajosamente”.
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Para os gregos, o medo, a raiva ou a paixão sexual vêm do thymos. Ulisses escuta o próprio thymos, ainda que o cenário seja escuro e incerto, e não se deixa intimidar pelo thymos alheio. Geralmente, traduzimos a palavra alma, por psiquê, literalmente, diafragma ou respiração. Quando a paisagem da alma se retrai, psiquê esmorece, perde o alento e não tem forças. Mas o órgão que nos leva para a frente não é psiquê, mas thymos, fonte da voz que nos anima a agir, ainda que sem esperança. Enquanto psiquê pede por razões, causas e motivo que mudam como a direção do vento e o ciclo das estações, thymos é o lugar de onde vem a voz que nos lembra quem somos, para onde vamos e como queremos agir. Psiquê dá a cor e a atmosfera, thyimos, a forma e a decisão de recomeçar. Daí o termo distimia para designar o humor cinzento da leve depressão, com procrastinação e dificuldade para começar de novo. “Começar de novo e contar comigo. Vai valer a pena ter amanhecido.” O verso de Ivan Lins na voz de Elis Regina tem estrutura de promessa. Se estivermos juntos, o amanhecer terá, retrospectivamente, valido a pena. Ele funciona como sopro de esperança, indicando como a experiência, quando compartilhada, adquire um valor que ultrapassa a sua valência positiva ou negativa. Para além do otimismo ou pessimismo de psiquê é preciso lembrar também da formulação de Samuel Beckett, sobre a thymos, em Company. “Tenta. Fracassa. Não importa. Fracassa de novo. Fracassa melhor. O fim está no início e ainda assim você segue em frente.” Aqui está a forma típica do “seguir em frente”, ou seja, o fracasso que nos torna melhores. Nada podia ser pior que Dilma, e veio Temer. Nada pior do que Temer, e veio a aurora bolsonariana trazendo desalento e medo. Cercados por gigantes e seus cavalos de Troia, digitais e reais, nosso sentimento de isolamento, intimidação e solidão cria uma atmosfera sombria. Ficar juntos é importante, mas mais importante que isso é lembrar-se para onde vamos. Mais direitos e não apenas resistir a perder os conquistados. Mais do que nunca, agora é a hora de mostrar do que somos feitos.
Obra em costura e bordado sobre tecido da série Profecias (2018), de Randolpho Lamonier, que faz parte da exposição Quem Não Luta Tá Morto, Arte Democracia Utopia, curada por Moacir dos Anjos para o Museu de Arte do Rio
FOTO: CORTESIA DO ARTISTA
CO LU N A M Ó V E L A N D R É S I N G E R E F E R N A N D O RU G I TS KY
CONDIÇÕES PARA UMA FRENTE DEMOCRÁTICA DESDE O INÍCIO DA CRISE, EM 2015, FALA-SE, COM RAZÃO, DA NECESSIDADE DE ERGUER UMA FRENTE DEMOCRÁTICA NO BRASIL, UMA VEZ QUE NÃO SE PODIA SUBESTIMAR O PERIGO QUE PAIRAVA SOBRE A DEMOCRACIA NO PAÍS.
Com o impeachment de Dilma Rousseff em 2016, sem comprovação de crime de responsabilidade, a ameaça autoritária agravou-se. Em 2018, por fim, um político que nega legitimidade a seus opositores, uma das provas dos nove do enfraquecimento da democracia, segundo Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, chegou à Presidência da República. Vimos, no entanto, como os partidos políticos, envoltos na luta eleitoral, têm se mostrado incapazes de construir a necessária unidade democrática. Ao mesmo tempo, no plano da sociedade, diferenças foram deixadas de lado em favor do objetivo maior de defender a democracia. Exemplo maior emergiu com a espontânea ação contra a candidatura de Jair Bolsonaro na reta final do segundo turno de 2018. Imagina-se, assim, que, talvez, uma auto-organização social possa obrigar os partidos a se unificarem, caso percebam que perderão votos se não o fizerem. A unificação de movimentos existentes nos mais diferentes setores poderia constituir uma coalizão à qual as siglas tivessem de aderir. O problema é saber qual programa tal frente deveria defender. Desde o nosso ponto de vista, o fato de a austeridade impedir o crescimento e a geração de empregos remete a uma tensão mais geral, que veio à tona com a crise internacional iniciada em 2008, entre as políticas neoliberais e os regimes democráticos. Com diferentes particularidades em cada país, o neoliberalismo tem enfrentado crescentes problemas de legitimidade (infelizmente, acossado pela extrema-direita), ao trazer consigo desemprego alto e persistente, relações trabalhistas precarizadas, desigualdade ascendente e serviços públicos deteriorados. Em muitos casos, em face de oposições aguerridas, as políticas de austeridade precisaram do auxílio de expedientes autoritários para ser implementadas. Alimenta-se, assim, por duas vias a crise democrática contemporânea: tanto ao impor condições materiais precárias a grandes contingentes populacionais quanto ao fragilizar os próprios regimes democráticos.
Mundo afora, a extrema-direita tem provado que esse contexto é um solo fértil para o seu crescimento. As forças democráticas que não assumirem a superação do neoliberalismo como programa, ainda que possam conseguir vitórias pontuais, não terão capacidade de fazer frente ao desafio imposto por esse novo conservadorismo radical e seguirão cultivando o terreno da crise democrática, ao não oferecer às maiorias um horizonte de superação da crise social e do desemprego. As iniciativas políticas que até agora se propuseram a, simultaneamente, defender a democracia e recusar a austeridade ainda não tiveram vitórias expressivas, mas parecem apontar o caminho a ser trilhado. O caso brasileiro parece apresentar uma particularidade, uma vez que a extrema-direita ascendeu eleitoralmente com um discurso neoliberal extremado. Isso lhe confere uma fragilidade maior, ao deixar para a resistência democrática o discurso de crítica à austeridade. É uma chance que não deve ser desperdiçada. Se insistirem nas políticas liberais, os setores democráticos brasileiros correm o risco de justificar as medidas autoritárias do governo Bolsonaro e de estimular um projeto que agrava a fragilização da democracia brasileira. A ideia de que é necessário realizar concessões ao “mercado” para evitar o mal maior da escalada autoritária é ilusória por subestimar a imbricação entre austeridade e crise democrática. A extrema-direita neoliberal brasileira, em contraste com o populismo de direita que está em alta no mundo, abre um espaço para a resistência democrática aliar defesa da democracia com recusa do neoliberalismo. Uma conjunção, aliás, que parece ser a condição para formação da ampla frente social, construída desde baixo, que as condições políticas expostas acima exigem. Um espaço que não se preenche sozinho, no entanto, e que, ao não ser construído, pode ser atropelado pelo avanço do autoritarismo.
Nota da Redação: Este artigo é uma versão reduzida de “Condições, salvo engano, para uma frente democrática”, Interesse Nacional, 44, janeiro de 2019.
1 Steven Levitsky e Daniel Ziblatt. Como as Democracias Morrem. Rio de Janeiro, Zahar, 2018. SELECT.ART.BR
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Instalação da série A Vingança É Uma Espécie de Justiça Selvagem (2013-2016), de Lucas Bambozzi, na Fazenda Serrinha, em Bragança Paulista (SP)
FOTO: MÁRION STRECKER
CO LU N A M Ó V E L / M Á RC I A F O RT ES
assim uma exposição que cutuca, mas não incomoda. Como evitar essa arapuca sinistra da autocensura, gerada pelo medo, pela forte pressão externa da “família”, da religião, do mercado, e mesmo, paradoxalmente, do politicamente correto? Lutamos pela democracia, mas o cerceamento às liberdades nos chega de todos os lados. Vivemos dias de patrulhamento fortemente armado, literal e metaforicamente. QUANTO À CENSURA, ELA SÓ TEM MESMO UMA SERVENTIA: AGUÇAR A FORÇA DA EXPRESSÃO. É COMO QUANDO SOMOS Represento uma artista acusada de “incentivar a zoofilia e o CRIANÇA E NOSSA MÃE AFIRMA NÃO SER HORA DE FAZER estupro” em sua pintura, contribuindo para o fechamento de CERTA COISA, FAZENDO DAQUELA COISA NOSSO MAIOR uma exposição coletiva. Ameaçada de morte pelos algozes do OBJETO DE DESEJO. Quando antes a nudez era algo natuFacebook e do Instagram, perdeu o tesão de expor no País. Não obstante, exibimos pouco depois na galeria sua nova obra, cujas ral, mal era notada se frontal ou de perfil em um retrato, variadas imagens de amamentação incluíam uma cabra amahoje sua condição foi elevada a grito de efeito, elemento de mentando um bebê. Represento um artista acusado de expreschoque, ganhando destaque e causando frisson. Tornou-se sar racismo em seu vídeo erotizado. Foi linchado verbalmente maior do que é, a nudez na arte. O natural metamorfoseado por uma raivosa ativista trans e até pensou em desistir de fazer em aberração. A censura, portanto, talha um desvio artificial arte. Chegou a retirar o vídeo de circulação, mas, ato sena arte; a censura é uma perversão. guinte, aceitou o convite de uma curadora para mostrá-lo Como galerista do chamado mercado primário, atuo como em outra exposição. Represento uma artista acusada de agente representante de artistas e entendo que meu papel seja ofender os evangélicos e glorificar os evangélicos, simulo de proteger a livre expressão enquanto condição natural da taneamente, numa mesma obra. Seguiu adiante e está proarte. Estaria, assim, atuando aquém de minha função se deiduzindo novo vídeo, doa a quem doer. Represento um arxasse a censura prevalecer. Estaria também atuando aquém tista que suprimiu certo de minha função se adjetivo dito sexista de deixasse o interesse coseu texto ao revisar a mercial sobrepor-se à segunda edição da obra. livre expressão. O bom Mulheres “não devem” exercício da profissão mais ser gostosas, mas exige plena consciência ainda podem ser lindas. dialética. Artistas muiEstamos todas e todos tas vezes não se intealertas. Deveríamos usar ressam pelos interesses todxs ou todes? Deveríacomuns ao senso comos proibir a entrada de mum. A tradição, o cosmenores de idade ou cotume, a categorização, Terremoto Santo (2017), de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca locar um aviso à entrada o vernáculo e a ordem da galeria, “esta mostra nacional são conceipode ferir crenças religiosas...”? Ou deveríamos deixar que a tos antíteses do melhor na arte, que se desenha pelo oposto, exposição surpreenda a quem tiver que surpreender, excite a manifestando o inédito, o autêntico, o único. A arte revela o quem se excitar, ofenda a quem ofender e que encante a quem que até então permanecia velado pelo hábito. Procuro não me encantar? Direitos estão na pauta de discussão a cada obra, a esquecer dessa premissa, que engendrou minha promessa de cada exposição. Defender todos os direitos é exercício comproteger o lugar da arte que foge ao cômodo e ao comum; arte plexo. Sinto-me errante na tarefa, ainda que determinada na que incomoda, por romper com o status quo. defesa da liberdade de expressão, garantida pela Constituição Como então evitar que o ambiente atual de censura contade 1988. Costumava entender a arte como um direito ao desatimine o meu fazer e o fazer de minhas/meus artistas? Mais no, como ação desmedida. Hoje tudo se mede. “É preciso estar ameaçadora, porque mais ardil, é a autocensura que se alasatento e forte.” Vou construindo argumentos a cada novo epitra como erva daninha no circuito das artes. Uma exposição sódio. Enquanto isso, uma vozinha em mim ainda ecoa dizendo que não foi fechada, mas que já abriu tolhida, sem aquela que o lugar do delírio não cabe à razão. obra mais provocadora, sem a imagem “aberrante”; sendo
DIAS DE PATRULHA
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MAR/ABR/MAI 2019
FOTO: CORTESIA DOS ARTISTAS, GALERIA FORTES D’ALOIA & GABRIEL
MUNDO CODIFICADO
O VALOR DA ARTE CONTEMPORÂNEA SEMPRE É POSSÍVEL CRIAR TEORIAS E EXPLICAÇÕES PARA O MERCADO DE BENS SIMBÓLICOS, MAS NADA SUPERA O MISTÉRIO DO PREÇO QUE UMA OBRA DE ARTE É CAPAZ DE ATINGIR Estados Unidos, Inglaterra e China, juntos, representam mais de 80% do mercado global de arte, que movimentou US$ 63,7 bilhões em 2017, segundo a mais recente pesquisa da Art Basel | UBS. Foi um aumento de 12% em relação ao ano anterior. Mais da metade das vendas foi feita por galerias ou marchands. Os dados variam conforme as fontes e o período de apuração, mas o fato é que o Brasil ainda é um player bastante pequeno. Se a Bienal de São Paulo, a SPArte e a ArtRio atraem públicos enormes, a pesquisa da Abact mostra apenas duas galerias de arte contemporânea com faturamento anual acima dos R$ 20 milhões. Os artistas parecem estar à frente do seu mercado. MÁRION STRECKER
VENDAS GLOBAIS
PREÇO MÉDIO POR SETOR
EM BILHÕES DE DÓLARES
EM MILHARES DE DÓLARES
50 12,5 9,1 7,8 11,2
Arte Moderna
2007
65,9
2008
62
2009
39,5
2010
57
2011
64,5
2012
56,7
2013
63,3
2014
68,2
2015
63,7
Museus locais ou nacionais
2016
56,9
Instituições privadas
2017
63,7
Crescimento de 2016 para 2017
11,9%
Contemporânea Antiguidades e Arte decorativa Outros tipos Todos
VENDAS POR GRUPO 2017 (%)
Colecionadores particulares Museus internacionais
Art advisors Designers de interiores Outros
NEGOCIANTES
66 5 6 7 5 3 7
64 1 2 2 0 1 30
PRINCIPAIS RAZÕES PARA COMPRAR ARTE
Considerações estéticas / decorativas SELECT.ART.BR
83%
MAR/ABR/MAI 2019
Paixão / expressão de personalidade
73%
Apoio aos artistas e à cultura
Fonte: Art Basel & UBS Report, The Art Market 2018, Arts Economics
63%
TOP 20 ARTISTAS MAIS VENDIDOS RANKING
ARTISTA
PORCENTUAL DO VALOR
ONDE VIVEM OS 200 MAIORES
PAÍS
COLECIONADORES
1
Gerard Richter
3,9%
Alemanha
2
Cui Ruzhuo
3,8%
China
EUA
101
3
Peter Doig
3,7%
Escócia
Canadá
3
4
Yayoi Kusama
2,4%
Japão
América do Norte
52%
5
Rudolf Stingel
1,9%
Itália
Brasil
6
Christopher Wool
1,5%
EUA
4
Argentina
7
David Hockney
1,5%
Reino Unido
2
8
Mark Grotjahn
1,4%
EUA
México
2
9
Ed Ruscha
1,2%
EUA
Outros da AL
2
10
Yoshitomo Nara
1,1%
Japão
América Latina
5%
11
Richard Prince
1,0%
EUA
China
9
12
Damien Hirst
1,0%
Reino Unido
Hong Kong
3
13
Georg Baselitz
1,0%
Alemanha
Japão
4
14
Pierre Soulages
0,8%
França
Outros asiáticos
4
15
Frank Stella
0,8%
EUA
Ásia
10%
16
Anselm Kiefer
0,8%
Alemanha
Reino Unido
13
17
Albert Oehlen
0,8%
Alemanha
França
7
18
Fernando Botero
0,7%
Colômbia
Alemanha
10
19
Jeff Koons
0,7%
EUA
Itália
3
20
Adrian Ghenie
0,7%
Romênia
Suíça
11
Outros
67%
Outros na Europa
14
Europa
29%
Rússia
2
Oriente Médio
5
Fonte: Art Basel & UBS Report, The Art Market 2018, Arts Economics com Auction Club
ARTISTAS EXIBIDOS EM FEIRAS DE ARTE POR GÊNERO
85 feiras de arte
77% homens
23% mulheres
Outros
1
5 maiores feiras
75% homens
25% mulheres
Outros
4%
Fonte: Art Basel & UBS Report, The Art Market 2018, Arts Economics
Fonte: The Art Market 2018 com ARTNews
QUEM MAIS COMPRA DAS GALERIAS BRASILEIRAS
Colecionadores privados brasileiros
64%
Coleções corporativas estrangeiras
15%
Colecionadores privados estrangeiros
14%
Arquitetos/decoradores/conselheiros
12%
Instituições brasileiras
3%
Instituições estrangeiras
2%
Coleções corporativas brasileiras
2%
Outros no Brasil Mercado corporativo
1%
Outros de fora do Brasil
1% 0%
Fonte: Pesquisa Setorial 2018, O Mercado de Arte Contemporânea no Brasil, Latitude, Abact e Apex Brasil
ARTISTAS CONTEMPORÂNEOS QUE MAIS VENDERAM NO MUNDO RANKING ARTISTA
RECEITA (em dólares)
LOTES VENDIDOS
PREÇO MAIS ALTO
1
Jean Michel Basquiat
$ 256,098,080
125
$ 45,315,000
2
Peter Doig
$ 100,958,125
45
$ 21,127,500
3
Rudolf Stingel
$ 52,389,232
27
$ 7,938,905
4
George Condo
$ 49,248,967
100
$ 6,162,500
5
Chen Yifei
$ 47,201,867
18
$ 22,640,280
6
Christopher Wool
$ 45,494,087
47
$ 14,472,784
7
Zhou Chunya
$ 43,642,957
60
$ 6,743,740
8
Jeff Koons
$ 40,792,093
149
$ 22,812,500
9
Mark Bradford
$ 40,152,432
11
$ 11,979,851
10
Kerry James Marshall
$ 38,601,625
14
$ 21,114,500
Fonte: ArtPrice - The Contemporary Art Market Report 2018
SELECT.ART.BR
MAR/ABR/MAI 2019
OBRAS DE ARTE CONTEMPORÂNEA MAIS CARAS VENDIDAS EM LEILÕES ARTISTA
OBRA
1
Jean Michel Basquiat
Flexible (1984)
Pintura
$ 45,315,000
5/18
Phillips New York
2
Jean Michel Basquiat
Flesh and Spirit (1983)
Pintura
$ 30,711,000
5/18
Sotheby’s New York
3
Jeff Koons
Play-Doh (1994-2014)
Escultura
$ 22,812,500
5/18
Christie’s New York
4
Chen Yifei
Warm Spring in the Jade Pavillion (1993)
Pintura
$ 22,640,280
12/17
China Guardian Auctions Beijing
5
Jean Michel Basquiat
Red Skull (1982)
Pintura
$ 21,594,014
10/17
Christie’s London
6
Peter Doig
Red House (1996)
Pintura
$ 21,127,500
11/17
Phillips New York
7
Kerry James Marshall
Past Times (1997)
Pintura
$ 21,114,500
5/18
Sotheby’s New York
8
Peter Doig
Camp Forestia (1996)
Pintura
$ 20,125,811
10/17
Christie’s London
9
Peter Doig
Tha Architect’s Home in the Raveine (1991)
Pintura
$ 19,958,612
3/18
Sotheby’s London
Jean Michel Basquiat
Untitled (1982)
Pintura
$ 19,422,139
6/18
Sotheby’s London
RANKING
10
MEIO
PREÇO EM DÓLAR
(JUL 2017-JUN 2018)
DATA
CASA DE LEILÃO
Fonte: ArtPrice - The Contemporary Art Market Report 2018
A cada ano surgem 700 NOVOS MUSEUS nos 5 continentes Museus e centros de arte recebem por ano CENTENAS DE MILHÕES DE VISITANTES Cerca de 1 MILHÃO DE ARTISTAS vive exclusivamente de sua arte GRANDE ÁSIA será o MAIOR MERCADO DE ARTE contemporânea no mundo
FOGO CRUZADO
TIRO AO ALVO: QUAL SUA PRINCIPAL CRÍTICA AO INÍCIO DO GOVERNO BOLSONARO?
Diante das primeiras ações do governo direitista de Jair Bolsonaro, surgem o debate e a defesa das conquistas alçançadas durante o processo de democratização do País. seLecT convidou profissionais de diversas áreas para apontar as medidas mais críticas e questionáveis assumidas pelo novo governo no tocante às causas feminista, LGBT+, negra, indígena, ambiental e educacional
CAUSA FEMINISTA Céli Regina Jardim Pinto, historiadora e cientista política, autora de Uma História do Feminismo no Brasil (2003) O governo Bolsonaro trata de frear as lutas e os avanços do feminismo no Brasil de duas formas muito radicais. A primeira é eliminando qualquer resquício do que foi a Secretaria de Política das Mulheres durante os governos Lula e Dilma. Isto faz desaparecer do cronograma do governo as funções pelas quais era responsável: propulsora de políticas públicas que objetivavam a inclusão social e econômica das mulheres; garantidora de direitos e políticas contra a violência, com foco nas camadas mais pobres da população. O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos está sob o comando de uma advogada com uma perspectiva religiosa fundamentalista de família que vai na direção contrária de todas as conquistas históricas das mulheres brasileiras. A segunda forma que o governo freia os avanços das lutas feministas é associando as noções de feminismo, gênero, orientação sexual e educação sexual a comportamentos moralmente condenáveis e inapropriados para serem discutidos em público, principalmente no ambiente escolar. Desta forma o governo trata de desconstruir essas noções dos sentidos adquiridos ao longo de décadas e reconstruí-las, reforçando preconceitos que são funcionais para políticas que se adaptem à sua postura ideológica de extrema-direita.
SELECT.ART.BR
MAR/ABR/MAI 2019
FOTOS: REPRODUÇÃO / ACERVO PESSOAL
CAUSA LGBT+ Jonas Maria , escritor transgênero Antes de ser eleito, parte da campanha de Jair Bolsonaro baseou-se nas ideias de combate ao kit gay e à ideologia de gênero. A LGBTfobia brasileira encontrou nele a chance de ser representada, encontrou um tipo de influencer para chamar de seu. Quando questionado sobre a omissão dos LGBTs nas diretrizes do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Bolsonaro disse em suas redes que “não haverá abandono de auxílio a qualquer indivíduo nas diretrizes de Direitos Humanos”. Os seguidores do presidente aplaudiram, dizendo que “ninguém foi excluído, mas sim incluídos” e “somos todos brasileiros”. O preconceito do presidente foi disfarçado com as collabs, com figuras LGBTs desconectadas da realidade. Bolsonaro não quer distinguir quem é homossexual ou hétero de quem é cis ou trans. Não há interesse da sua parte em políticas identitárias. Esquecemos que nunca houve uma era de ouro LGBT no Brasil. LGBTs ainda são mortos a cada 19 horas. Travestis não passam dos 35 anos. A Nova Era no Brasil, como sugeriu Damares Alves, é uma continuidade do que já vivemos. Políticos são rotativos, não nós. Em quatro anos ainda estaremos aqui, mais conectados do que nunca. O mito é só um mito.
CAUSA NEGRA Moises Patricio, artista Todas as medidas anunciadas pelo governo Bolsonaro afetarão diretamente a vida e as conquistas sociais da população negra. Vale lembrar que o Brasil é o país que, fora da África, concentra a maior população negra (54%, sese gundo o IBGE) e não tem ministro de etnia negra na compocompo sição do governo. Bem sabemos que o atual governo é um enen tusiasta dos anos de chumbo. Desde o primeiro dia, Bolsonaro vem soltando decretos que afetam profundamente os direitos recém-conquistados dos negros (exemplo: o fim da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – Seppir, fim das políticas afirmativas, vulgo “cotas” etc.), e isso diz muito sobre o futuro da população negra. Eu, enquanto jovem, negro, periférico, resistirei!
CAUSA AMBIENTAL Carlos Rittl Pinto, cientista e ambientalista, secretário-executivo da ONG Observatório do Clima Quando Jair Bolsonaro ganhou a eleição, o Observatório do Clima publicou uma nota na qual torcia para que o presidente fizesse no governo o oposto do que prometeu na campanha em relação a vários temas, entre eles meio ambiente. Minha maior crítica à política ambiental do novo governo é que ele está cumprindo exatamente o que prometeu: o desmonte completo das salvaguardas ambientais no Brasil que vigoram desde a Constituição de 1988. Em um mês de governo, Bolsonaro transferiu a gestão de terras indígenas e florestas públicas para o Ministério da Agricultura, que agora está sob a gestão de dois dos maiores talebãs do ruralismo; extinguiu a governança de clima no Itamaraty e no Ministério do Meio Ambiente, para o qual foi designado como ministro um preposto da ministra da Agricultura. Esse mesmo ministro do Meio Ambiente vem questionando sistematicamente a fiscalização ambiental e o monitoramento do desmatamento, área na qual o Brasil tem três décadas de especialização. Seria de esperar que a catástrofe de Brumadinho fizesse o governo parar e pensar direito sobre suas palavras e ações na área ambiental, mas o que vemos até agora é que a ideologia e a sanha desregulatória estão falando mais alto.
SELECT.ART.BR
MAR/ABR/MAI 2019
FOTOS: MARCELO SALVADOR/ WARNER BENTO FILHO/ LIA DE PAULA, MINC/ MARCELO LACERDA
CAUSA INDÍGENA Ailton Krenak, líder indígena, ambientalista e escritor Ainda nas primeiras semanas do mês de janeiro, quando se inaugurava o governo Bolsonaro, vimos a fúria racista já anunciada na campanha se materializar em atos de grave violação dos direitos indígenas. Cumprindo o anúncio de acabar com a demarcação de terras aos povos indígenas, mas sem qualquer esclarecimento sobre o tema, avança na desestruturação da agência indigenista vinculada ao Ministério da Justiça, com atribuição precípua de identificar no território brasileiro as áreas ocupadas por comunidades indígenas e promover a sua regularização, demarcando e, concluído o processo, fazer o registro dessa área
natural no Patrimônio da União, cumprindo o estabelecido na Constituição de 1988. Retirada a Fundação Nacional do Índio (Funai) do ministério de origem e, depois de polêmicas e bate-bocas entre seus novos ministro da Justiça e ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos sobre o que fazer com os Índios, segue provocando confusão interna no seu governo, incitando a violência direta contra os povos indígenas e seus territórios, estimulando a invasão de áreas já demarcadas e promovendo desinformação sobre os direitos indígenas. Em Rondônia e Mato Grosso, já ocorre destruição da floresta localizada em terras indígenas, com o agravo de estar suspensa a atividade de fiscalização e proteção territorial, que é responsabilidade conjunta da Funai e do ICMBio (Meio Ambiente). Programas de monitoramento e fiscalização para unidades de conservação da biodiversidade na Amazônia, reservas biológicas e parques nacionais estão suspensos, com ameaças à dissolução de todas as redes de cooperação e pesquisa que barraram até aqui a destruição das florestas tropicais, onde estão os territórios indígenas no Brasil. Um alerta para as próximas semanas, pois, se tomamos estas três iniciais como amostra, o estrago pode ser irreparável no futuro.
Mariana Lacerda , documentarista, Peter Pál Pelbart filósofo Inútil explicar ao presidente eleito como se dá a relação dos indígenas com a terra, contra o absurdo quando ele diz que “há muita terra pra pouco índio”. Para um indígena, a terra não lhe pertence, ele pertence à terra. Eis uma forma de viver liberta e justa para a compreensão do presidente. Partimos então para o seguinte: etnias e aldeias extintas, mortas por fazendeiros que se consideram o próprio Estado e ainda os donos do Brasil. Não o são. Os indígenas são os povos originários disso que se chamou Brasil. Muita terra têm os latifundiários: 2,4 mil fazendas com mais de 10 mil hectares, que correspondem a 0,04% das propriedades rurais do País, ocupando 14,8% de seu território. As terras indígenas somam 721 áreas, em 13,8% das terras. Nelas vivem 230 etnias e 567 mil indígenas, sobreviventes de uma população antes formada por 2 a 5 milhões deles, numa estimativa incalculável. Mas quantas pessoas vivem (e não sobrevivem) nos hectares de Blairo Maggi ou de Ronaldo Caiado? É preciso dar nomes aos porcos. Isto, sim, é pouca gente em terras brasileiras (Dados de A República dos Ruralistas, Instituto Socioambiental e IBGE).
CAUSA EDUCACIONAL Rosa Iavelberg,
Professora e pesquisadora do Curso de
Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo Não há nitidez no rumo proposto pelo novo governo junto ao Ministério da Educação. É impraticável, a curto prazo, excluir a política educacional da gestão anterior sem um projeto estruturado voltado às redes de ensino em funcionamento. Exceção feita às medidas de controle da liberdade dos professores e à asfixia financeira imposta à educação pública para que seja privatizada, ainda não foram desenhadas as orientações do ensino e da aprendizagem. Temos apenas medidas disciplinares e nada sobre a melhora da profissão docente e da estrutura física das escolas. A investida da atual gestão contra os materiais didáticos e o currículo tem como premissa o extermínio do que nomeiam de “escola de cunho ideológico”, com ataques, por exemplo, às
ideias de Paulo Freire, respeitadas em outros países e, no Brasil, adotadas, inclusive, nas escolas particulares das classes média-alta e alta. O ensino “sem viés ideológico” é uma máscara para a substituição ideológica: uma passagem da escola pública gratuita, inclusiva e democrática para proposições que atendem às demandas do mercado e do capital, ou seja, à formação meramente técnica no Ensino Médio e à Universidade para a elite. Ele é uma pá de cal na formação integral e cultural que deveria permear as áreas de conhecimento e os componentes do currículo escolar. Todavia, resistamos para que as normatizações propostas não encontrem agentes submissos nos duramente conquistados territórios da educação.
Ana Mae Barbosa,educadora, pioneira da arte-educação no Brasil A perseguição do governo Bolsonaro a Paulo Freire foi explicitada em programa eleitoral: combate à influência de Paulo Freire no Brasil. Por que perseguir um pensador cuja ação pedagógica se resume na palavra “DIÁLOGO”? Só uma plataforma de ódio pode recusar-se ao diálogo. Um dos meus livros de cabeceira é Dialogues in Public Art, de Tom Finkelpearl (MIT Press), onde se lê: “Este livro é dedicado a Paulo Freire (19211997), teórico e praticante do diálogo”. O livro compara suas ideias sobre a relação professor/aluno com ideias de vários teóricos. Nele se demonstra que também a relação arte/público não é comunicação de mão única. O objetivo do diálogo na epistemologia de Freire e nos outros 25 entrevistados e autores é desenvolver a capacidade crítica, sem a qual ninguém transforma informação em conhecimento. Paulo Freire pensou a educação dos oprimidos, mas nunca foi populista. Para ele trabalhar com comunidades significa respeitar os membros da comunidade e o erro dos secretários dos programas em comunidades era desconsiderar teoria, necessidade de rigor e seriedade intelectual. Então por que eliminar Paulo Freire? Porque ele era comunista? Nunca foi, é só ler seus textos. Ele era católico praticante. E o comunismo não existe mais: acabou-se como se acabam todos os governos que se transformam em ditaduras.
SELECT.ART.BR
MAR/ABR/MAI 2019
FOTOS: ACERVO PESSOAL/ ARQUIVO SELECT
ARCOlisboa 2019 210x275.pdf
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Lisboa 16 19 Maio
Feira Internacional de Arte Contemporânea International Contemporary Art Fair arcolisboa.com
19/2/19
13:44
PERFIL
72
Wagner Schwartz em apresentação de La Bête no Palais de Tokyo, em Paris, em 2018 SELECT.ART.BR
MAR/ABR/MAI 2019
73
O CORPO DE UMA GERAÇÃO Quem é, o que faz e o que pensa o criador de La Bête, Wagner Schwartz, performer, coreógrafo e escritor que tantas ameaças recebeu no Brasil conservador MÁRION STRECKER
movido a fake news alucinadas FOTO: BENOIT CAPPRONNIER/CORTESIA DO ARTISTA
A PROPOSTA DA PERFORMANCE LA BÊTE (2005), DE WAGNER SCHWARTZ, É PERMITIR QUE O PÚBLICO MANIPULE AS ARTICULAÇÕES DO CORPO DO PERFORMER ASSIM COMO SE PODEM MANIPULAR AS DOBRADIÇAS DAS PEÇAS DA SÉRIE BICHOS, QUE LYGIA CLARK DESENVOLVEU EM METAL ENTRE 1960 E 1964.
Na cena inicial, o performer brinca com uma pequena réplica de plástico de um Bicho. Ele está nu e superconcentrado, bem como a plateia. Na cena seguinte, ele convida o público a manipular seu corpo. Homens, mulheres e eventualmente crianças aparecem para fazer as mais variadas experimentações, trocando a posição de suas pernas, braços, tronco e cabeça, testando os limites físicos do artista e sua capacidade de ficar parado na posição arbitrária que alguém determinou. E assim uma hora se passa. A ideia dessa performance surgiu quando Schwartz se deparou com um Bicho de Lygia exposto numa caixa de vidro fechada, afrontando o objetivo original da artista. Desde 2005, cerca de dez apresentações de La Bête ocorreram no Brasil e na Europa, tanto em espaços expositivos quanto em teatros. Diversas crianças se divertiram com La Bête, como no Instituto Goethe de Salvador, em agosto de 2017. “Lá, três crianças resolveram me dobrar e me desdobrar a performance inteira. Teve uma hora que eu ficava muito pesado e elas me largaram de lado e começaram a brincar entre elas. Elas viraram os bichos, elas começaram a se dobrar! Foi belíssimo!”, relembra o artista em entrevista à seLecT. “Tanto que tive vontade, depois, de fazer La Bête para crianças!” Mas chegou setembro de 2017 e Wagner apresentou-se na abertura do Panorama da Arte Brasileira, exposição bienal realizada pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo, naquele ano sob curadoria de Luiz Camillo Osório. Tudo teria transcorrido na normalidade habitual se um vídeo amador com imagem de uma criança tocando o tornozelo do artista não tivesse sido disseminado nas redes sociais, à revelia dos pais e com ilações de mentes perversas. O SELECT.ART.BR
MAR/ABR/MAI 2019
museu havia instalado aviso de que haveria nudez no recinto, não havia nada de erótico na performance, a criança estava acompanhada da mãe, mas, mesmo assim, um grande bafafá desencadeou-se. Com base em publicações maliciosas, o Movimento Brasil Livre (MBL) acusou La Bête de “repugnante”, “crime” e “erotização infantil”. O então deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) chamou os envolvidos de “canalhas” e tachou a performance de “pedofilia”. O deputado Marco Feliciano (PSC-SP) os considerou “destruidores da família”. Grupos extremistas protestaram em frente ao museu e chegaram a agredir funcionários. O artista teve de prestar depoimento de quase três horas em Delegacia de Polícia de Repressão à Pedofilia. O Ministério Público de São Paulo abriu inquérito. A Comissão Parlamentar de Inquérito
Imagem de divulgação do espetáculo Domínio Público, comissionado pelo Festival de Teatro de Curitiba, com a atriz Renata Carvalho, o performer Maikon K, o bailarino Wagner Schwartz e a coreógrafa Elisabete Finger, como resposta às intimidações que os artistas sofreram
sobre Maus-Tratos, no Senado Federal, convocou curadores, a mãe da criança e o artista para prestarem depoimento. Wagner Schwartz foi xingado por milhões e recebeu cerca de 150 ameaças de morte. Disseminar acusações criminosas e mentiras deslavadas nas redes sociais é fácil, como foi visto na última campanha eleitoral. Apagar os absurdos é trabalho de Sísifo. Ainda este ano Schwartz conseguiu fazer tirar do ar um meme com sua foto que estava na página de Jair Bolsonaro. “Hoje, eu acredito que essa foi a melhor coisa que aconteceu em 2017”, diz Schwartz. “Apesar de que foi meu corpo que sofreu todo esse ataque, a gente falou de arte. A gente disse coletivamente: ‘Aqui vocês não botam a mão!’ Foi um momento em que não precisei falar, porque todas as pessoas falaram por mim. Acho que, se eu fizesse hoje La Bête para crianças,
ia ter uma fila enorme de crianças com os pais, para a gente brincar com o corpo nu em cena. O tanto de cartas que recebi, de e-mails de mães falando que adorariam levar o filho, a filha, para participar desse trabalho! Porque é um trabalho absolutamente lúdico, quase infantil, pedagógico. Este daqui é o pé, você pode levar o pé até de um lado, você não pode esticar muito a pessoa, senão machuca. Uma pessoa está aprendendo o que é o corpo ali. Mas o problema não é nosso com essas pessoas. É nosso com essa lei da violência que está regendo o País”, diz Schwartz. FOTO: CAROLINE MORAES/CORTESIA DO ARTISTA
DOMÍNIO PÚBLICO
Artisticamente, a resposta que Wagner Schwartz deu ao episódio veio, em 2018, no Festival de Teatro de Curitiba. Convidado a criar um novo espetáculo, juntou-se a outros três artistas atacados por forças conservadoras: a coreógrafa Elisabete Finger, sua amiga e mãe da criança que participou de La Bête no MAM-SP; Renata Carvalho, a atriz trans que teve censurada sua peça O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu; e Maikon K, o performer de DNA de DAN, em que atua nu e imóvel dentro de uma bolha transparente. Quando Maikon fez a apresentação, em 2015, no Sesc Pompeia, a convite de Marina Abramović, foi tudo certo. Mas, em frente ao Museu Nacional da República, em Brasília, ele teve o cenário danificado e foi levado a uma delegacia sob acusação de ato obsceno. Quem esperava escândalo no novo espetáculo dos quatro deu com os burros n’água. Domínio Público é uma reflexão sobre os ataques sofridos, só que realizada por meio de aulas sobre Mona Lisa, a pintura de Leonardo da Vinci. Elegantemente vestidos, os quatro revezam-se em palestras que mostram como uma obra de arte pode se prestar a diferentes narrativas ao longo do tempo, incitando reações as mais diversas. “A gente criou um espetáculo em que nós quatro damos aulas sobre a Renascença, com várias fake news e muitas contradições que encontramos na internet. Eu falo que, antes, ela era conhecida apenas pelos especialistas. Mas de um dia para o outro Mona Lisa vira notícia. Por quê? Por causa do roubo, em 1911, pelo italiano Vicenzo Peruggia, funcionário do Louvre, que decidiu repatriar a Mona Lisa. A Renata Carvalho fala sobre a questão da Igreja, do corpo que está ali, por que uma figura claramente feminina é questionada como sendo masculina. O Maikon K detalha, como num relatório policial, quem já agrediu a Mona Lisa, o que as pessoas fizeram contra ela. E a Elisabete Finger finaliza a peça falando sobre quem era a mulher que foi pintada por Da Vinci, o que aconteceu com ela. A estreia no Festival de Curitiba foi arrasadora, porque as pessoas esperavam de nós uma resposta bélica, uma ação muito mais agressiva, e a gente decidiu pela estética, blindar o corpo.” TRANSOBJETO E PIRANHA
Wagner Schwartz estudou música na infância passada em Volta Redonda e formou-se em Letras em Uberlândia (MG). Lançou na Flip do ano passado seu primeiro livro, Nunca Juntos, Mas ao Mesmo Tempo, uma ficção escrita em forma de versos que ele considera também um “trabalho performativo”. Foi em Uberlândia que se embrenhou no mundo da dança contemporânea. “Existia, nos anos 1990, um grande festival de dança contemporânea em Uberlândia. Todas as cabeças pensantes iam lá”, conta.
SELECT.ART.BR
MAR/ABR/MAI 2019
“Sinto que a cada dia é mais simples me encontrar com artistas e ver o que a gente pode fazer para continuar existindo”, diz Wagner Schwartz
Wagner Schwartz em cena de Domínio Público, no Festival de Teatro de Curitiba, em que a tela Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, é usada para mostrar como uma obra de arte pode se prestar a diferentes narrativas ao longo do tempo, incitando reações as mais diversas
FOTO: HUMBERTO ARAUJO/CORTESIA DO ARTISTA
Wagner Schwartz em cena de Transobjeto, solo cujo título é inspirado em conceito de Hélio Oiticica
“Eu precisava experimentar o corpo de alguma forma. Tive um passado um pouquinho complicado com o meu corpo, porque nasci e fui criado numa família protestante, então o direito ao corpo era muito rastreado. Foi bastante dolorido ter de lidar com todas as necessidades de um corpo nessa época, na minha adolescência, da minha sexualidade, da minha alegria de me relacionar com as pessoas. A liberdade não existia. Foi bom sair de casa e viver a minha vida sem ter de dar satisfação para a Igreja. Na dança, eu criei um corpo e também criei a distância do meu próprio corpo. Eu consegui ver ele de longe, olhar ele no espelho”, conta. SELECT.ART.BR
MAR/ABR/MAI 2019
Schwartz mudou-se para Paris, em 2005, a convite do coreógrafo Rachid Ouramdane. Hoje divide-se entre Paris e São Paulo, às vezes mostrando suas próprias criações, outras vezes trabalhando com outros autores. De cinco edições do Rumos Dança, projeto do Instituto Itaú Cultural, participou de quatro. Transobjeto é um solo que usa como título um conceito cunhado por Hélio Oiticica sobre a experiência na arte. O espetáculo fala do exílio, do tropicalismo, da antropofagia, incorpora o Parangolé de Oiticica e o Objeto Relacional de Lygia Clark, e traz música de Caetano Veloso. Com enorme domínio do corpo, Schwartz arranca risadas da plateia com sua interpretação minimalista de Carmen Miranda, entre outras cenas hilárias. Em 2009, ele criou o espetáculo Piranha, baseado num trabalho do artista sonoro e visual japonês Ryoji Ikeda. “A arte está sempre contaminando os meus trabalhos”, comenta. “Gosto desse corpo politizado das artes visuais.”
A BOBA
Performer cria solo baseado na pintura A Boba, de Anita Malfatti, que interpreta como o corpo da nação brasileira
A Boba (1916), pintura de Anita Malfatti, hoje no acervo do MAC-USP
Seu novo solo foi comissionado pela Mostra Internacional de Teatro de São Paulo (MITsp), que acontece em março, do qual Schwartz será também mestre de cerimônia. O espetáculo chama-se A Boba e é baseado na pintura de Anita Malfatti (1889-1964), que hoje pertence ao acervo do MAC-USP. “Depois de todos os ataques, pensei em como continuar falando sobre isso, não sobre os ataques diretamente, mas sobre esse corpo que recebeu todos esses ataques. Estava conversando sobre isso com um amigo, que é artista plástico, e aí ele me lembrou de Anita. A ideia é levar A Boba para a cena. O nome já se encaixa à nossa época. Não é mais de 1916, mas é de agora”, argumenta Schwartz. “Para mim, A Boba é a nação. Os olhos dela têm o losango. O redondo, e aquele azul e aquele verde ao fundo. E tem uma bandeira, mas está manchada de vermelho, que é o que traz dinâmica ao quadro. Esse é o quadro que mais me representa hoje em dia”, comenta. O trabalho-vida de Anita Malfatti é hoje um emblema para o artista. “Ela não experimentava tinta; ela experimentava a vida dela; experimentava o que é viver. Em todas as telas dela você vê essa presença do corpo. Um corpo que atravessou décadas. Um corpo que era modernista, virou cubofuturista e depois virou um corpo sem escola. Tive a ideia de repensar o que era esse corpo dessa Boba, o que essa Boba representa hoje no Brasil e quem é essa Boba. É nesse assunto que estou precisando tocar depois de todos os ataques que aconteceram comigo. Pensar esse corpo que envelheceu e se machucou com essa situação. E não foi só o meu corpo que envelheceu: é o corpo de uma geração. Nós temos a violência nos governando. Mas essa violência se transformou em movimentos belíssimos. De repente, as pessoas ficaram mais próximas umas das outras.” FOTOS: CAROLINE MORAES/ CORTESIA DO ARTISTA, CORTESIA MAC-USP
PORTFÓLIO
58
JAIME LAURIANO. CONTRA A OFICIALIDADE
Colonialismo, violência policial, exploração do trabalho, militarismo, disputas de terra e narrativas de nação compõem pesquisa do artista
HÉLIO MENEZES
Brinquedo de Furar Moletom (2018), intervenção site-specific na varanda do MAC Niterói FOTO: RAFAEL ARDOJÁN, CORTESIA DO ARTISTA, GALERIA LEME
O X. DA QUESTÃO
SELECT.ART.BR
MAR/ABR/MAI 2019
FOTOS: VICENTE DE MELLO E WILTON MONTENEGRO
UMA MUDA DE PAU-BRASIL CRESCE NO INTERIOR DE UMA VITRINE DE VIDRO E MADEIRA. DESLOCADA DE SEU AMBIENTE NATURAL, A PLANTA É CULTIVADA NUM SISTEMA QUE A IRRIGA, FERTILIZA, ILUMINA E VENTILA. Seu destino
é incerto: se sobreviver, com o passar do tempo as raízes e os galhos devem romper a estrutura que, por ora, sustenta seu crescimento; caso não vingue, a estufa que a abriga – misto de berço e cárcere – acabará por sufocá-la. Definida como “Árvore Nacional”, por costume e pela Lei 6.607/78, a planta de cerne avermelhado, símbolo da primeira de uma série de explorações coloniais do território brasileiro, compõe a instalação Nessa Terra, Em se Plantando, Tudo Dá (2015), do artista paulistano Jaime Lauriano. A legislação ufanista do regime militar previa “a implantação, em todo o território nacional, de viveiros de mudas de pau-brasil, visando a sua conservação e distribuição para finalidades cívicas”. Na obra, que integra o acervo da Pinacoteca de São Paulo, porém, a espécie cresce em estado de atrofia e fragilidade, servindo de boa metáfora para o impasse de um país gigante pela natureza e apequenado pela própria história de cerceamentos. A obra indica igualmente a “escovação a contrapelo da história”, tarefa preconizada pela 7ª tese de Walter Benjamin, e o desmonte da oficialidade teatralizada de símbolos pátrios, de árvores e bandeiras a mapas e hinos – um dos fortes centros de interesse que vêm informando as pesquisas de Lauriano nos últimos dez anos. Guiado por um olhar escrutinador, irônico por vezes, da história do País e da arte, esse artista inquieto tem conduzido a seus trabalhos temas de difícil doma, como colonialismo, violência policial, exploração do trabalho, militarismo, disputas de terra e narrativas de nação, transmutados em linguagem plástica criativa e inovadora. Versátil em técnicas e procedimentos diversos, transita do desenho à instalação, do vídeo à serigrafia; uma conjugação original de apuro técnico, fincado na tradição da arte, à liberdade criativa dos lampejos, das “sacadas” que retiram da obviedade o que nos é cotidiano. Num movimento anticortejo, Lauriano promove uma politização deliberada da arte contemporânea, manejando materiais e suportes inusuais, de pedras portuguesas a pemba (giz usado em rituais de Umbanda e Candomblé), elemento que virou espécie de rubrica autoral. A
À esq, Terra,daEmsérie Se Plantando, Na pág. ao Nessa lado, obra Kaminhas Sutrinhas Tudo (2015),Gilberto com muda de pau- nesta (1995), daDá Coleção Chateaubriand; acima, Liberdade! Liberdade! Pancake pág.brasil; e na próxima, cenas da performance (2018), com instrumentos de sevícia e (2001) trecho do Hino da República FOTOS: MARIO GRISOLLI/ DANIEL CABREL, CORTESIA DO ARTISTA, GALERIA LEME
Em tempos de tensão social e conservadorismo político, Jaime Lauriano revela-se um artista fundamental para a reflexão, resistência e insurgência
madeira é outro elemento reincidente nos trabalhos de Lauriano. Cumaru, eucalipto, imbuia ou cedrinho, as variações de calibre, maleabilidade e coloração do tecido vegetal são exploradas em trabalhos como Indivíduos em Atitude Suspeita, em Especial os de Cor Parda e Negra (2015), no qual diferenças de profundidade do entalhe, comissionado a artistas populares de Embu das Artes, revelam variações de tonalidades do marrom, mimetizando as classificações de cor/raça da frase que dá título à obra, retirada de documentos oficiais da Polícia Militar. INSTRUMENTOS DE TRABALHO E ARMAS DE LUTA
Acima, Indivíduos em Atitude Suspeita, em Especial os de Cor Parda e Negra (2015), com frase de racismo institucional; à dir., Combate #1 (2017), com instrumentos de trabalho e armas de luta
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MAR/ABR/MAI 2019
Dos facões, foices e pás de madeira e metal de Combate #1 (2017) à pemba branca sobre tecido preto de Êxodo (2015), nenhum material utilizado nos trabalhos de Lauriano é fruto de escolha fortuita ou contingente. A um só tempo instrumentos de trabalho e armas de luta de trabalhadores do campo contra a violência dos ruralistas, as ferramentas de Combate #1, reproduzindo o mapa do Brasil em Capitanias Hereditárias, inscrevem o País numa cartografia cortada pela violência colonial pregressa que se atualiza em novas formas no presente. Como numa fusão de planos temporais, ontem e hoje tornam-se, assim, coetâneos. Similarmente, em Êxodo, o mapa de um Brasil vazado contraposto ao de uma África pejada, juntados pela ação perfurante de alfinetes brancos sobre tecidos sobrepostos e esgarçados, refaz um Atlântico fendido, forçando-nos a projetar imaginativamente a transposição forçada de 4,8 milhões de pessoas escravizadas. O Brasil é uma espécie de obsessão para Lauriano. O artista desenvolve uma relação complexa, crítica e afetiva com o País, tendo demarcado o contorno de seu território (e do continente africano) sobre a própria pele negra, feito tatuagem que pega, esfrega, nega, mas não lava. Revolvendo e expondo mazelas como quem aplica cautério sobre feridas abertas, em Liberdade! Liberdade! (2018) Lauriano serigrafa sobre compensado instrumentos de tortura, reproduzidos do livro The Penitential Tyrant; or, Slave Trader Reformed (1807), de Thomas Branagan. Substitui, porém, as orientações escritas de uso das ferramentas por trechos gravados em fogo do hino que quase virou nacional, não tivesse sido relegado ao de Proclamação da República por acordos políticos em fins do século 19. A letra de Medeiros e Albuquerque, datada de 1890 e prenhe de cinismo, afirma não crer que em “tão nobre país” tenha havido “escravos outrora” – passados nem dois anos da abolição formal e incompleta da escravidão.
FOTOS: FILIPE BERNDT, CORTESIA DO ARTISTA, GALERIA LEME
Pancake (2001), performance / Instalação realizada na exposição Orlândia, ocupação de uma casa em obras, no Rio de Janeiro. Duração: 1 hora Texto da artista Em pé, dentro de uma bacia de alumínio (de 80 cm de diâmetro), abro uma lata de Leite Moça utilizando uma marreta pequena e um ponteiro. Derramo o leite condensado sobre minha cabeça e corpo. Repito a ação com todas as latas. Em seguida abro um pacote de confeitos coloridos, colocando o conteúdo numa peneira. Peneiro os confeitos sobre a minha cabeça e meu corpo. Repito a ação com todos os sacos de confeito. Os vestígios resultantes da performance permanecem em exposição. Material: 10 a 12 latas de Leite Moça, embalagem de 2,5 kg; 7 a 10 pacotes de confeito miçanga, embalagem de 1 kg
FOTO: WILTON MONTENEGRO
Êxodo (2015), desenho em pemba branca (giz usado em rituais de Umbanda) e lápis dermatológico sobre algodão preto
A IMAGEM REFLETIDA DO ESPECTADOR
A pesquisa consistente do artista sobre os emblemas da nação reafirma-se em Tratado #4 (2015), com a bandeira nacional montada como uma escultura rasa de chão, com pedras portuguesas e espelho. O verde e o amarelo, cores oficiais, são substituídos pelo branco e o preto, cores sociais de um país racialmente segregado. Uma tora arestada de eucalipto, pendurada pouco acima do estandarte de pedra, é sustentada por uma corrente de aço, fita adesiva e fios elétricos, materiais usualmente convertidos em instrumentos de suplício nos linchamentos ocorridos Brasil afora – um por dia, apontam as estatísticas. Um silêncio ruidoso ecoa nos poucos centímetros que separam o tronco do espelho circular, prestes a ser estilhaçado – e, com ele, a própria imagem refletida do espectador. A insígnia é outra vez tomada de empréstimo na série Bandeira Nacional (2016), um conjunto de dez bandeiras costuradas artesanalmente por tecelões das cinco regiões do País, emolduradas sob fundo branco e acompanhadas de reprodução do desenho modular da Bandeira Nacional (em letras maiúsculas, como exige a lei imposta na ditadura militar). O gesto expositivo transforma as bandeiras SELECT.ART.BR
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artesanais de decalques caseiros em arremedos paródicos e desoficializantes do Estado; releituras que, no limite, infringem as prescrições do artigo 5º da Lei 5.700, de 1971, definidora das regras de feitura do emblema. Lauriano, outra vez, toma aqui a oficialidade pelo seu revés, cônscio de que a verdade da história (se alguma há), tal como o bordado, se encontra em seu avesso. Arte e História – com os dois pés fincados em dilemas do contemporâneo. Não se sai imune do contato com os trabalhos de Jaime Lauriano. A fonte de sua premoção é histórica, mas também subjetiva e rebento da atualidade –, com objetivo de atuar sobre o seu curso. Ciente de que os gritos de nosso passado soam ecos de agouro, e que é imperativo buscar maneiras de exorcizá-los no agora, Lauriano realiza uma prática na qual o pretérito é lavado e relavado, depurado e depenado para que, de algum modo, cesse de atuar traumaticamente sobre o presente. Em tempos de tensão social e conservadorismo político, Jaime Lauriano revela-se um artista fundamental para a reflexão, resistência e insurgência nessa (como definiu Caetano) “ilha sempre recém-descoberta e sempre oculta, o Brasil”.
FOTO: CORTESIA DO ARTISTA
MEIO AMBIENTE
POR UMA MEMÓRIA AMBIENTAL A artista Carolina Caycedo abre espaços em sua obra para a discussão e a educação da população sobre as consequências socioambientais dos modelos energéticos extrativistas PA U L A A L Z U G A R AY
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SET/OUT/NOV 2018
My Female Lineage of Environmental Struggle/ Mi Linaje Femenino de la Resistencia Ambiental (2018), desenho da sĂŠrie Genealogy of Struggle, de Carolina Caycedo, composto de 100 retratos de ambientalistas mulheres
O RIO? É DOCE. A VALE? AMARGA. AI, ANTES FOSSE MAIS LEVE A CARGA. ENTRE ESTATAIS E MULTINACIONAIS, QUANTOS AIS A DÍVIDA INTERNA. A DÍVIDA EXTERNA A DÍVIDA ETERNA. QUANTAS TONELADAS EXPORTAMOS DE FERRO? QUANTAS LÁGRIMAS DISFARÇAMOS SEM BERRO?.
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“Lira Itabirana”, poema de Carlos Drummond de Andrade, de 1984, que critica a Vale, empresa responsável pelos dois maiores crimes ambientais do País, ecoa hoje em sites, blogs, redes e rodas de conversa mundo afora. Carolina Caycedo, artista nascida em Londres de família colombiana e residente em Los Angeles, realizou no Brasil um trabalho em torno do rompimento da barragem da Samarco, em Mariana (MG), em novembro de 2015. Ela também recorre ao poema para mandar uma mensagem de solidariedade às comunidades afetadas pelo desabamento da barragem de rejeitos da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), em 25 de janeiro último. “A área mineira de Minas Gerais é o que chamamos de Zona de Sacrifício, uma região geográfica permanentemente sujeita a danos ambientais, onde se concentram indústrias extrativistas e onde vivem comunidades de baixa renda que suportam mais do que seu quinhão de danos ambientais relacionados à poluição, resíduos tóxicos e indústria pesada”, diz Caycedo à seLecT. Com o projeto Be Dammed (2013-2018) ela aproxima-se do poeta
A Gente Xingu, A Gente Doce, A Gente Paraná (2016), mural em grande escala que relaciona imagens de satelite de duas hidrelétricas e uma represa de dejetos de mineração, no Brasil
no empenho de evidenciar e criticar a violência ambiental. O título da série faz um trocadilho entre a palavra damm (represa, em inglês) e a expressão damned (maldito). Be Dammed investiga os efeitos das barragens de mineração, das usinas hidrelétricas e de grandes obras de contenção de água sobre a paisagem natural e a paisagem social de toda a América Latina. As mais de 250 represas hidrelétricas da região estão no raio de investigação artística e de ativismo de Carolina Caycedo. Na fase brasileira da pesquisa, levada a cabo durante residência para a 32ª Bienal de São Paulo (confira o vídeo em bit.ly/carolina-caycedo), Caycedo percorreu quatro “zonas de sacrifício”: Itaipu, cujo processo de expropriação de terras foi catalizador do nascimento do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MTST); Belo Monte, no Rio Xingu, cujo processo de licenciamento ambiental foi marcado por irregularidades e forte resistência indígena; Usina de Fundão, em Mariana, que rompida em 15 de novembro de 2015 varreu do mapa a cidade de Bento Rodrigues e tirou a vida do Rio Doce; e Vale do Ribeira, onde comunidades caiçara
e quilombola resistem à construção de represas. A viagem rendeu um vídeo – A Gente Rio (2016) –, uma instalação e uma ação coletiva no Parque do Ibirapuera, em São Paulo – Águas para a Vida (2016) –, em que um grupo de pessoas escreve com seus corpos um apelo por justiça às comunidades arrasadas pelo crime da Samarco, empresa que pertence à Vale e à anglo-australiana BHP Billiton. NÃO EXISTE MAIS VIDA NO RIO
Dados preliminares obtidos por meio de imagens de satélite e publicados pelo Ibama em 30/1/19 indicavam que o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho havia destruído 269,84 hectares de vegetação nativa ao longo de cursos d’água. Nos mesmos quatro primeiros dias pós-desastre, uma expedição técnica da ONG SOS Mata Atlântica concluiu que o Rio Paraopeba estava morto ao longo de 40 quilômetros de extensão, e que sua água continuava a avançar com a densidade de um tijolo líquido. O corpo d’água foi o primeiro a sentir os impactos do desastre. A asfixia pelos rejeitos de minério com grande concentração
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“A área mineira de Minas Gerais é o que chamamos de Zona de Sacrifício, uma região geográfica permanentemente sujeita a danos ambientais“, diz Caycedo O RIO AINDA PODE VIVER
de lama, ferro e metais pesados matou de imediato peixes, anfíbios, insetos e microrganismos responsáveis pela saúde da vida na água. Mas, se estudos sobre os efeitos da lama na saúde humana ainda são inconclusivos, a vida e a morte dos rios têm impacto direto e inquestionável sobre a vida humana. E é justamente sobre as águas e as vidas moldadas por elas que Carolina Caycedo se debruça. “Apoio incondicionalmente as comunidades afetadas por barragens e outros projetos extrativistas. Se as pessoas afetadas estão na linha de frente, colocando seus corpos para proteger a vida dos ecossistemas, estou imediatamente atrás, colocando minhas mãos em suas costas, ajudando a sustentar essa linha, dando força para essa resistência, através de imagens, símbolos, rituais e levantando as histórias dessas pessoas”, diz a artista.
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Caycedo sustenta que a morte dos rios e dos peixes corresponde à morte das pessoas e das ideias. “Uma represa corta o fluxo e a vida de um rio, bem como uma mentalidade militar corta qualquer oposição ou movimento social que busque a dignidade de nossas vidas. Visual e estruturalmente funcionam de maneira semelhante, como uma grande parede bloqueando um fluxo”, diz. Beyond Control/ Mas Allá del Control (2013), performance coletiva realizada no Instituto de Visión, em Bogotá, em 2016, responde a essa ideia. Os movimentos da ação exploram “coreografias do poder” praticadas pela polícia ou por forças militares para conter as massas e manipular indivíduos em espaços públicos. Tal qual a contenção das represas. A vida dos rios, entrelaçada ao universo cultural e simbólico dos povos ameríndios, é também o eixo de trabalhos como One Body of Water (2015), que relaciona histórias de três rios
Na página ao lado, frame de registro em vídeo da performance Beyond Control/ Mas Allá Del Control (2013). Acima, I and I Shall Not Remove/ No Nos Vamos a Dejar (2017), desenho que representa quatro ambientalistas mulheres envolvidas em causas de defesa de rios. Ambos de Carolina Caycedo
da Colômbia, do México e dos EUA; e de Watu (2016), livro que tem o leito do Rio Doce como elemento central da narrativa escrita e visual e conta a história do assassinato do rio pelo minério de ferro da Usina do Fundão, pela perspectiva do povo Krenak. Watu (avô, em borun) é como os Krenak chamam o Rio Doce. A luta pela sobrevivência dos rios e da saúde das populações ribeirinhas e originárias das florestas completa-se no mais recente trabalho da série From the Genealogy of Struggle (Da Genealogia da Luta), o desenho sobre papel My Femaile Lineage of Environmental Struggle / Mi Linaje Femenino de la Resistencia Ambiental (2018). A obra é composta de 100 retratos de mulheres ambientalistas de todo o planeta. “Entendo que somos parte de uma grande genealogia que inclui ecofeminismo, ecologias políticas feministas e mulheres que trabalham em organizações sociais de base”, diz Caycedo.
A obra dá continuidade a I and I Shall Not Remove/ No Nos Vamos a Dejar (2017), desenho de quatro mulheres defensoras dos rios nas Américas: Berta Cáceres (Honduras) e Nice Souza (Brasil), assassinadas por seu ativismo, e Zoila Ninco (Colômbia) e Raymunda (Brasil), ainda lutando por seus direitos. Nem todas elas, assim como nem todos os rios, estão mortas. Vivem para relatar a violência e para construir uma Memória Ambiental. “Como vítima, a natureza deve ser reparada como parte da implementação dos acordos de paz. Essa reparação inclui o reconhecimento dos perpetradores de tal violência contra a natureza e as relações entre conflito armado e injustiça ambiental. Isso é o que chamamos de memória histórica ambiental, e sua reconstrução funciona como garantia de não repetição”, diz Caycedo.
FOTOS: CORTESIA DA ARTISTA
E N SA I O V I S UA L / D E N I S E A DA M S
TERRA ARRASADA
As duas imagens dos crimes ambientais provocados pela Samarco e pela Vale em Minas Gerais, aqui apresentadas, fazem parte da pesquisa em processo da artista visual, fotรณgrafa e arte educadora Denise Adams sobre territรณrios de trauma SELECT.ART.BR
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Em 2013, Denise Adams passou cinco dias nas cidades de Bento Rodrigues e Mariana, fotografando a destruição provocada pelos rejeitos da mineradora Samarco sobre a vida das populações e a natureza. Em fevereiro passado, ela vivenciou mais uma semana às margens da denominada “área quente” de Brumadinho, onde se prolongavam as buscas pelos desaparecidos no desastre decorrente do rompimento da barragem do Córrego do Feijão, também da Vale.
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O trabalho será apresentado em mostra individual que a artista prepara para outubro na Galeria Virgílio, em São Paulo. A linha vermelha mostra o nível alcançado pela lama nas residências, escolas e estabelecimentos das cidades arrasadas pela tragédia das mineradoras. Como um rastro da violência e uma prova cabal da urgência da recuperação de uma dignidade social e ambiental. PA SELECT.ART.BR
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A RT E E SO C I E DA D E
ARTE ÚTIL NO INTERIOR DE PERNAMBUCO Como curador da Usina de Arte, José Rufino provoca artistas, comunidade e até os idealizadores do projeto a pensar sobre o sentido de fazer arte
LUA N A F O RT ES
ele fizesse uma residência artística e criasse um trabalho para a coleção do casal. O fundador da Usina Santa Terezinha havia sido o bisavô de Ricardo, José Pessoa de Queiroz, que por sua vez era sobrinho do presidente Epitácio Pessoa, que governou o Brasil de 1919 a 1922. Mas, ao verificar os baixos índices sociais da região, cercada de plantações de cana-de-açúcar, como o de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) das escolas, Rufino concluiu que não seria adequado simplesmente fazer uma obra para o jardim de Ricardinho, como o empresário é conhecido pela comunidade. “Então, um dia, eu propus: que tal fazer outro formato de residência de arte e criar algo que possa mobilizar a população com outra configuração de economia?”, conta José Rufino à seLecT. “Como a gente começa?”, respondeu o usineiro e empresário. Foi assim que o artista paraibano, que também é professor da Universidade Federal da Paraíba, passou a atuar como curador da Usina de Arte, ao lado de Fábio Delduque, idealizador e diretor do Festival da Serrinha, realizado anualmente em Bragança Paulista desde 2002. Nos meandros dessa nova atividade, paralelamente à produção de eventuais obras ali em Água Preta, Rufino passou a desconfiar das próprias concepções sobre arte.
Crianças visitam a escultura Rádio Catimbó (2016-2018), do pernambucano Paulo Meira, no jardim artísticobotânico da Usina de Arte
FOTO: VITOR PESSOA, DIVULGAÇÃO
EM MEADOS DE 2015, O ARTISTA VISUAL JOSÉ RUFINO FOI CONVIDADO POR RICARDO E BRUNA PESSOA DE QUEIROZ FILHO A VISITAR A USINA DE SANTA TEREZINHA, DESATIVADA, NO MUNICÍPIO DE ÁGUA PRETA, NA ZONA DA MATA SUL DE PERNAMBUCO. A ideia era que
“Percebi que não faz sentido fazer uma obra que é apenas escultura ou apenas pintura. Tem que ser sempre uma mobilização”, diz José Rufino
Adolescentes fazem oficina de cerâmica no Gabinete de Arte durante o Festival Arte na Usina, em 2018
O avô de José Rufino, de quem ele tirou o pseudônimo artístico, também era dono de engenho. Seus pais, entretanto, eram ativistas políticos e foram presos pela ditadura militar brasileira nos anos 1960. A obra Ligas (2015-2016), exibida no antigo hangar da usina, faz referência às Ligas Camponesas, movimento de luta pela reforma agrária no Brasil que surgiu em 1950. O trabalho reúne antigos facões usados para cortar cana, soldados juntos em formatos diversos, e foi feito por Rufino em parceria com Ronaldo Tavares da Silva, que trabalhava na Usina quando ela ainda estava em atividade. Um ano depois de terminada a obra, Silva parou diante dela, cruzou os braços e perguntou a Rufino: “Você não vai tirar isso daqui, não? Vamos fazer outra coisa, isso não
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funciona mais”. Ligas foi feita para ficar exposta permanentemente naquele espaço e ali está, mas episódios como esse instigaram Rufino a mudar sua forma de criar e expor. “Naquele momento, a obra desmanchou-se, perdeu o sentido”, conta o artista. “Percebi que não faz sentido fazer uma obra que é apenas escultura ou apenas pintura. Tem de ser sempre uma mobilização.” O artista então passou a implementar essa concepção na Usina de Arte a partir de uma aproximação com o conceito de Arte Útil, formulado pela artista cubana Tania Bruguera e curadores do Queens Museum (NY, EUA), do Van Abbemuseum (Eindhoven, Holanda) e do Grizedale Arts (Coniston, Reino Unido). OITO PASSOS DA ARTE ÚTIL
Todo artista convidado a realizar uma residência na Usina de Arte é apresentado aos oito predicados da Arte Útil, como: propor novos usos para a arte dentro da sociedade, responder a demandas
urgentes, operar em uma escala de 1:1 e substituir autores por iniciadores e espectadores por usuários. É claro que nem todos os artistas conseguem ou querem se enquadrar nesses preceitos. Alguns até mesmo apresentam hostilidade diante de qualquer tentativa de relacionar arte com uso. No entanto, como esclarece o próprio site da Arte Útil, “o conceito vai além de sugerir arte como uma ferramenta ou dispositivo. Arte Útil recorre ao pensamento artístico para imaginar, criar e implementar táticas que mudam como nós agimos em sociedade”. Por enquanto, o convidado que mais se aproximou dos oito predicados foi o pernambucano Paulo Meira, com a Rádio Catimbó, um híbrido de escultura e rádio comunitária. Em 2018, um curso foi ministrado em torno da obra pelo radialista Napoleão Assunção, de Olinda, para adolescentes de cidades vizinhas. “Mesmo depois de terminado, o trabalho continua ali e tem vida própria. Paulo Meira nem precisa saber o que está acontecendo lá agora”, diz Rufino. Outro caso exemplar que se aproxima das proposições da Arte Útil é o Gabinete de Arte, uma iniciativa de Lucineia Maria da Silva e Luciene Maria, direto da comunidade. Lá funciona um restaurante com produtos naturais, loja de artesanato, espaço para ateliês e oficinas, além de ser a sede da coleção de moda Bicho do Vau, também projeto de Lucineia, que pega seu nome emprestado de uma lenda urbana local. O Gabinete participará este ano da feira Fenearte 2019, que acontece, em julho, em Olinda. Além de idealizadora do espaço, Lucineia é gestora e Luciene professora da Escola Municipal Severino Canto, um caso de sucesso do município. O Ideb do colégio foi 5.8 em 2017, representando o maior índice da Zona da Mata Sul. Seis anos antes, o Ideb da escola era 3.8. “A Usina de Arte está enriquecendo a comunidade com cultura, influenciando na melhora da educação de nossas crianças e dos adultos, como também está trazendo um novo modo de vida”, afirma Luciene à seLecT. O Gabinete parece cumprir os oito preceitos da Arte Útil, conscientemente ou não. “Eu poderia dizer, de forma radical, que isso está acontecendo com mais potência, mais velocidade, com as pessoas da comunidade do que com os artistas que vão até lá”, analisa Rufino. O curador da Usina vê criticamente na prática artística contemporânea, incluindo a sua
própria, uma atitude de “coletor”. “Muitos que têm trabalhos chamados de engajados são ‘artistas-coletores’, que ainda estão motivados pela pulsão primordial de suas próprias poéticas, calcadas naquilo que lhes interessa”, aponta. Sua experiência na Usina de Arte transformou seus modos de produção. “Esse conceito do artista que vai até a comunidade precisa ser desfeito. A comunidade não tem portas, ela não tem um limite físico, ela não é estável. Tudo está sujeito a transformação”, comenta. “Chegamos no momento de juntar teorética, práxis artística, educação, instituições e o partícipe, pois não há como não pensar no trabalho de arte que acontece também fora do campo estético, que incorpora aquilo que a gente não considera arte. É impossível não tomar como assunto a separação que a gente ainda vive entre a cultura erudita e a popular. O desafio agora é atuar num projeto como a Usina de Arte sem que essas fronteiras existam.”
Desfile da primeira coleção Bicho do Vau, criada por Lucineia Maria da Silva, no Gabinete de Arte
FOTOS: VITOR PESSOA, DIVULGAÇÃO / AARAO JOSÉ
ENSAIO
REFLEXÕES SOBRE ARTE ÚTIL TA N I A B R U G U E R A
O IMPULSO NATURAL DE UM ARTISTA É TENTAR ENTENDER AS COISAS QUE O RODEIAM E COMPARTILHAR COM OS DEMAIS AS QUESTÕES QUE FORMULAR E AS RESPOSTAS QUE ENCONTRAR. O sentido da Arte Útil é ima-
ginar, criar, desenvolver e implementar algo que, produzido na prática artística, oferece às pessoas um resultado claramente benéfico. Isso é arte porque é a elaboração de uma proposta que ainda não existe no mundo real e porque é feito com a esperança e a crença de que algo pode ser feito melhor, mesmo quando as condições para que isso aconteça ainda não estejam lá. A arte é o espaço em que você se comporta como se existissem as condições necessárias para que ocorram as coisas que você quer que ocorram e como se todos estivessem de acordo com o que propomos, mesmo que ainda não seja assim: arte é viver o futuro no presente. Arte é também fazer crer, apesar de sabermos que nós talvez não tenhamos muito mais do que a crença em si. Arte é começar a praticar o futuro. Arte Útil tem a ver com o entendimento de que a arte, somente como proposição, já não é suficiente. Arte Útil vai do estado da proposição ao da aplicação na realidade. Tem a ver com entender que propostas vindas da arte devem dar o próximo passo e ser aplicadas, devem deixar a esfera daquilo que é inalcanWagner em apresentação de desejada, La Bête no Palais çável, Schwartz da impossibilidade paradeseTokyo, SELECT.ART.BR
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tornar parte do que existe, da esfera do real e funcional: para ser uma utopia exequível. Enquanto a Arte Útil pode ser como um programa piloto ou beta, no qual participantes podem experienciar como é viver no mundo que está sendo proposto, ela deve ser apresentada como algo real. Deve ser mostrada/ compartilhada com aqueles que podem fazê-la funcionar em um formato de longo prazo, quer dizer, as pessoas que se beneficiam da proposta e que podem levá-la a um estado de existência mais permanente. A arte feita como Arte Útil não tem uma obsolescência programada; ao contrário, é uma proposta que outros podem tomar e continuar sem a subsequente intervenção do artista. Artistas sugerem seu potencial de vida: alguns projetos são imaginados como curtos e específicos; em outros existe o desejo de uma repercussão mais longa na vida das pessoas, que a sociedade como um todo se aproprie. Arte Útil não tem nada a ver com consumo, mas com fazer algo acontecer. Arte Útil está transformando afeto em eficácia. Para a Arte Útil, fracasso não é uma possibilidade. Se o projeto falha, ele não é Arte Útil. Artistas têm o desafio de encontrar formas para que suas propostas possam realmente funcionar; isso não é impossível de ser atingido. Então, os meios pelos quais arte emé Paris, 2018dependem de um ideal caprichoso feitaemnão
New World Summit, do artista Jonas Staal, consta no arquivo do site da Arte Útil e já teve oito edições. Iniciado em 2012, na 7 a Bienal de Berlim, a obra consiste na organização de um parlamento extraoficial para discussões entre aqueles que foram excluídos do jogo democrático
Se você trabalha com Arte Útil, o que pode ser mais gratificante do que ver sua ideia incorporada na vida cotidiana das pessoas? Ou no programa social de uma cidade?
do artista, mas dos limites impostos pelo que pode ser deveras atingido e até onde se pode ultrapassar a realidade do que está sendo sonhado. Portanto, os limites de um projeto de Arte Útil são determinados pelo relacionamento com as pessoas para as quais ele é feito e as transformações das condições em que cada trabalho é realizado. O momento perfeito aparece quando o projeto já está em movimento, quando as pessoas para as quais ele foi feito o entendem, quando eles o desapropriam do artista e o tomam para si. Arte Útil intervém na vida das pessoas e é esperado que se torne parte dela. Arte Útil não tem relação com a perspectiva que falsamente vê o bem em tudo; é mais sobre acreditar na possibilidade de crescimento das pessoas. Artistas fazendo arte social não são xamãs, mágicos, curandeiros, santos ou mamães. Eles estão mais próximos de professores, negociadores, do construtor de comportamento e estruturas sociais. Arte Útil funciona diretamente com/na realidade. Arte Útil tem uma sociedade diferente em mente. Arte Útil é uma forma de praticar arte social. É um material (artístico) socialmente consistente que funciona como um ponto de entrada para o público. Com excessiva frequência ouvimos falar sobre as barreiras que existem entre o trabalho de arte e o público desinformado para quem o acesso ao tra-
balho é impossível. A utilidade da obra para o público é, do meu ponto de vista, a chave para resolver essa barreira de comunicação e interesse dos públicos não informados/não iniciados na arte contemporânea. É um deslocamento do uso de recursos como metáforas, alegorias etc. como entrada para entender a ideia do trabalho ao usar a utilidade como um sistema de interpretação da obra. Se você trabalha com Arte Útil, o que pode ser mais gratificante do que ver sua ideia incorporada na vida cotidiana das pessoas? Ou no programa social de uma cidade? Ou em nuances do vocabulário desses indivíduos? Eu acredito que esse é o espaço natural para trabalhos de Arte Útil que alcançam um nível mais alto de popularidade e efetividade. Assim como imagens baseadas em artes visuais muitas vezes vivem como parte de cortinas de chuveiro, xícaras de chá ou camisetas, para arte compromissada socialmente sua distribuição popular deveria ser a própria sociedade, as instituições civis, o comportamento cívico, a vida diária das pessoas. Arte Útil deve ser parte do cotidiano; deve ser um exercício diário de criatividade cotidiana. Tradução de Luana Fortes do texto original publicado no livro Arte Actual: Lecturas Para Un Espectador Inquieto, de novembro de 2012. FOTO: LIDIA ROSSNER
POETRY SLAM
P O E S I A PORRADA A literatura de protesto, que vem sobretudo de poetas jovens, negros e performáticos das periferias das grandes cidades, brilha em competições públicas de poesia falada e incendeia torcidas
MÁRION STRECKER
Pieta Poeta nos braços da torcida, ao final da competição nacional Slam BR, em dezembro de 2018
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FOTO: SÉRGIO SILVA, SLAM BR
A plateia torce. “Credo!”é o que o público grita a cada vez que um jurado dá uma nota menor que 10. A nota mais alta e a mais baixa são eliminadas; as intermediárias valem. Entre uma apresentação e outra, o canto é: “Tchu tcha, tcha tchu tchu tcha!”
SLAM QUER DIZER MUITA COISA. É O SOM DA PANCADA QUANDO SE BATE UMA PORTA. UMA DANÇA EM QUE AS PESSOAS SE JOGAM UMAS CONTRA AS OUTRAS. UM ESTILO DO GÊNERO MUSICAL DEATH METAL . O TOMBO DE UM SKATISTA. O ATO DE INJETAR UMA DROGA NA VEIA. UMA PRISÃO.
Slam também quer dizer criticar duramente. Os discursos ritmados já tinham entrado na música afro-americana, com o hip-hop ou o rap, quando o poetry slam surgiu em Chicago para nomear as competições de poesia falada. Em 1984, o poeta americano Marc Smith começou a experimentar a transformação de um microfone já aberto para leitura de poesias numa competição pública. Em 1990, em São Francisco, na Califórnia, surgiu o primeiro concurso nacional de slam. Ano a ano, o gênero disseminou-se pelo globo. Em 2008, o slam apareceu em São Paulo no Zona Autônoma da Palavra (ZAP), com a competição criada pelo coletivo de teatro hip-hop Núcleo Bartolomeu de Depoimentos. Atualmente há dezenas de competições em atividade no País. Os poetry slams normalmente são abertos e qualquer um pode participar. As regras de um slam costumam ser as seguintes: os poetas inscritos devem ler um poema de sua autoria, ou improvisar, sem fazer uso de acompanhamento musical. Em geral, a duração máxima permitida é de 3 minutos por poesia. Os jurados são pessoas escolhidas na plateia. Ao final de cada performance, os jurados levantam placas com notas de 1 a 10. A nota mais alta e a mais baixa são eliminadas. As intermediárias valem. A plateia torce e grita. Os poetas mais bem votados passam para a etapa seguinte. Os temas são tirados do cotidiano, com relatos dramáticos e protestos agudos contra racismo, machismo, homofobia, violência e outras mazelas sociais. SELECT.ART.BR
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Na cidade de São Paulo, além do ZAP, há o Slam da Guilhermina, ao lado do metrô Guilhermina-Esperança, o Slam do 13, em Santo Amaro, o Slam da Norte, na Freguesia do Ó, o Slam das Minas SP (itinerante) e o Slam da Ponta, em Itaquera, entre outros. O Slam da Guilhermina também organiza competições interescolares. O Menor Slam do Mundo (itinerante) promove batalhas com poemas de até 10 segundos. Na mesma noite acontece o Minimenor Slam do Mundo, com disputa entre poemas de até 3s, e o Nano Slam, com poesias de até 1s, ou seja, basicamente uma só palavra inventada, em geral pela contração de duas outras (como faz também o artista visual Jorge Menna Barreto na sua série Desleituras, de 2011, com as chamadas “palavras híbridas”). Em dezembro último, no Sesc Pinheiros, em São Paulo, aconteceu a quinta edição do Slam BR, o campeonato nacional fundado em 2014 e dirigido desde o início por uma pioneira do slam no Brasil, a atriz e cantora Roberta Estrela d’Alva, cofundadora e integrante do Núcleo Bartolomeu. Ela havia ganhado, em 2011, o terceiro lugar na 8ª Copa do Mundo de Slam, que acontece em Paris desde 2004. No ano seguinte, Roberta foi premiada no Green Mill Jazz Club de Chicago. É curadora do Rio Poetry Slam, que desde 2014 acontece anualmente na Festa Literária das Periferias, no Rio de Janeiro. Na abertura do Slam BR foi exibido o documentário SLAM – A Voz do Levante, de Tatiana Lohmann e Roberta Estrela d’Alva. Houve workshops gratuitos na programação paralela do Sesc. Um deles foi sobre Voz e Performance Poética, com a cantora, compositora e multi-instrumentista Andrea Drigo. Outro sobre O Corpo Político em Performance, com a atriz, MC e também cofundadora do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos Luaa Gabanini. O Slam BR trouxe para a última competição 25 slammers de 18 estados brasileiros, escolhidos durante o ano em etapas regionais. Cada slammer teve de apresentar, no mínimo, seis poemas. As eliminatórias, as semifinais e a final do Slam BR ocorreram em quatro dias consecutivos.
A vencedora, Pieta Poeta, abraça a pioneira Roberta Estrela D’Alva na final do Slam BR 2018, no Sesc Pinheiros
À vencedora, a mineira Pieta Poeta, caberá representar o Brasil na Copa do Mundo, em Paris. “Eu digo slam, vocês dizem Brasil. Slam! Brasil!”, assim começa a interação do apresentador com a plateia animada a cada rodada da competição. Na hora da votação, “Credo!” é o que o público grita a cada vez que um jurado dá um voto menor que 10. Entre uma apresentação e outra, o canto da plateia é uma batida do funk Tchu tcha, tcha tchu tchu tcha!, que também foi refrão de um hit da dupla sertaneja João Lucas e Marcelo, de 2012, que teve videoclipe com participação de Neymar e entrou na trilha sonora da telenovela Avenida Brasil. QUALQUER DETALHE DA VIDA PODE SER ESTOPIM DE ESCRITA
A vencedora do Slam BR, Pieta Poeta, que também assina Piê Sousa, nasceu nos anos 1990 e vive na região do Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte, com seus dez gatos resgatados. É professora de biologia e estuda percussão. Sempre escreveu poesia e já lançou dois livros: a antologia poética À Luta, À Voz (2017) e Lua nos Pés (2018), com poemas, contos e crônicas. O primeiro com o Coletivoz, sarau de poesia de BH. O segundo lançou no Sarau Comum, que acontece há cinco anos no Espaço Comum Luiz Estrela, “fruto de uma ocupação. O clima mais agradável da cidade pra se recitar e ouvir poesia!”, diz ela. Na página do local no Facebook, além de muitos elogios, há reclamações de vizinhos, incomodados com a “bagunça” e o “barulho”. Não dá para agradar a todo mundo o tempo todo. Pieta entrou para o mundo do slam em 2016 e o slam tornou-se um ponto de encontro de tudo que produz, ela conta. Pieta faz parte do bloco Tapa de Mina e da banda La Vulva, “propostas musicais de iniciativa feminina”. Faz parte também da coletiva (assim, no feminino) MANAS, uma proposta de conexão entre as mulheres (cis, trans, travestis) na poesia nacional. “Além das pontes, nós fazemos o Sarau das Manas, o Slam
das Manas e a roda de conversa”, enumera. Um dos poemas que Pieta declamou no Slam BR, Útero, trata de uma mãe que perde o filho e é acusada de ter provocado um aborto. Seria o poema autobiográfico e seria o nome Pieta uma referência à Pietà de Michelangelo, escultura que representa Jesus morto nos braços da Virgem Maria? “Todo mundo me pergunta sobre a Pietá de Michelangelo, mas não tem nada a ver”, responde Pieta. “E Útero, sim, é infelizmente autobiográfico”. Mas nem todos os seus escritos são autobiográficos. “Meus poemas são fruto de absolutamente qualquer coisa. Qualquer detalhe da vida pode ser estopim de escrita. Não só o eu e o outro”, responde. A imagem de Pieta Poeta não aparece nos vídeos feitos durante o Slam BR. A câmera de filmagem apontou a tradutora simultânea em libras, durante as performances de Pieta. Ela explica: “Desenvolvi fobia de câmera. Não sou capaz de olhar nem tocar diretamente numa câmera. Ela me desencadeia crises ansiosas sérias”. Dos que apresentou na final do Slam BR, Pieta Poeta selecionou o poema Dia de Cão para publicar na seLecT. “Infelizmente, o outro texto (Cabeça Grande) foi escrito à mão num bloquinho de anotações que se perdeu na viagem de volta”, conta. Sobre a competição em Paris, que vai acontecer de 27 de maio a 2 de junho, diz que está com a expectativa alta. “Ainda não sei quem são os outros slammers, mas conhecê-los vai ser a melhor parte.” Entre os escritores e poetas que Pieta mais admira estão seus contemporâneos, colegas e amigos. Quem são? “Vários poetas da poesia marginal com quem tive a honra da troca de experiências. De Bim Oyoko a Sérgio Vaz, de Nívea Sabino a Luiza Romão, Zi Reis, Patricia Meira, Beto Belinatti e Bicha Poética, entre vários outros.” FOTO: SÉRGIO SILVA, SLAM BR
P O E S I A / P I E TA P O E TA
DIA DE CÃO
Dia de cão! E o meu fraco latido era mais um ganido de dor. Meu osso roído caiu no triturador E feito cadela no cio A vida me fode sem amor. Eu fico tão puta (!) Que eu persigo o carteiro. Persigo as motos na rua, Eu coço sarna o dia inteiro. Eu agora só quero andar nua, não aparo mais os pelos, Eu uivo pra lua. Se eu saí pra dar uma volta Foi pra gastar minhas unhas, Mas o asfalto hoje tá quente demais, Queimou minhas patas na frente e atrás, Eu já nem caminho mais Já nem farejo os ais, Ai! Os dias andam maus pra cachorro! Quem dera ter pedigree. Aí não apanhava dos porcos, Podia andar por aí. Cansei de passar sufoco, fui morder, mas só lati E ainda abanei meu rabo torto pra passarem a mão em mim! Dia de cão! Eu corri atrás da bolinha Mas era só ilusão E ainda ouvi sua risadinha E minha bolinha na sua mão Porque você só faz que joga E ri da minha empolgação!
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Eu vigio tanto a casa que até mastigo as cartas E apanho por subir na cama, na minha cama. Apanho do despertador que logo cedo já chama e vou dormindo no metrô. Eu nem sei por que eu vou. Dizem que o dono chamou, mas ninguém me adotou! Eu continuo vira-lata. Virando lata após lata de breja fraca e barata e ainda querem que eu lata antes que alguém me bata, antes que alguém me mata antes que o tédio me mata e anda... que a passagem é cara. no busão cachorro não entra. Na farmácia cachorro não entra. No mercado não entra cachorro E na rua cachorro não aguenta! Dia de cão! Tinha gosto de amargura meu pratinho de ração, Minha água tava suja e eu só posso dormir no chão, marcaram minha castração as vacinas me dão aflição, a vida me nega sua mão, a vida me corta o tesão e eu sigo suportando as pulgas pra ganhar o pão. Na “palma” da pata, uma indagação Será que é defeito da vida, ou é problema meu ser cão?
P R OJ E T O / O D A R AYA M E L L O
Forza Impermanência III (2016/19), registro de performance Foto: BÁRBARA ALMEIDA
CURADORIA
IMAGENS DO LEVANTE Como vagalumes que usam a enzima luciferase no impulso afetivo de se agrupar, artistas reagem contra a destruição do desejo e a desesperança política
“BASTA ABRIR O JORNAL PARA CONSTATAR QUE, DESDE A VÉSPERA, UMA NOVA QUEDA FOI REGISTRADA; QUE NÃO APENAS A IMAGEM DO MUNDO EXTERIOR, MAS TAMBÉM A DO MUNDO MORAL, SOFREU TRANSFORMAÇÕES QUE JAMAIS PENSAMOS SEREM POSSÍVEIS.”
O trecho, que parece se referir à montanha-russa dos acontecimentos noticiados diariamente em jornais e sites informativos brasileiros, corresponde ao ensaio O Narrador (1936), de Walter Benjamin, sobre a queda do valor da troca de experiências no contexto de uma Europa devastada pela Primeira Guerra Mundial. Aqui e agora, as atrocidades nossas de cada dia, que incluem os crimes ambientais, a redução dos direitos trabalhistas, a facilitação do acesso às armas, a recusa da agenda climática, a diminuição das terras indígenas, a restrição à entrada de imigrantes e a ideologização do ensino, configuram, tal qual os desastres da Guerra percebidos por Benjamin, retrocessos que jamais pensamos serem possíveis. O que fazer quando reinam tempos sombrios? À pergunta que atravessa os momentos mais críticos da história os artistas brasileiros respondem com obras-manifestos: em vez de submeter-se, resistir. Em vez de apagar-se, iluminar a noite com lampejos de pensamento.
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Making of do video Não Existe Ser Sem Fissura (2016), de Maria Montero
SOBREVIVÊNCIA DOS VAGALUMES
É quarta-feira, meio-dia em ponto, quando a artista Maria Montero se posiciona diante de um pedestal sob o sol a pino na Praça da Sé, em São Paulo. O microfone é ligado, ela abre o livro Sobrevivência dos Vagalumes (2009) e lê para os passantes o último capítulo do ensaio de Georges Didi-Huberman, que discorre sobre a sobrevivência da ação política na forma de “luminescências erráticas, dançantes, intocáveis e resistentes ao mundo do terror”.
FOTO: MELISSA HAIDAR/ CORTESIA SÉ GALERIA
Não (2015), de Fábio Morais, livro inagural da Ikrek Edições, dentro da coleção Ponto e Vígula
Se Benjamin reflete sobre a extinção da arte de narrar histórias na Europa entreguerras, Didi-Huberman vasculha os motivos que levaram o cineasta Pier Paolo Pasolini a relacionar o desaparecimento dos vagalumes, devido à poluição dos rios, com a permanência do fascismo na Itália. Nas palavras de Pasolini (O Artigo dos Vagalumes, 1975), o clarão errático, a chama de desejo, de arte e de poesia, encarnadas nesses seres luminescentes teriam sido “aniquilados pela luz feroz dos projetores do fascismo triunfante”. Seu desaparecimento teria ainda passado despercebido pelos “intelectuais mais avançados e os mais críticos”, em descuido similar ao que vimos acontecer com o avanço conservador das últimas eleições presidenciais no Brasil e nos EUA. Voltamos, então, à voz amplificada de Maria Montero SELECT.ART.BR
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que irradia na Praça. Antes de nos perguntarmos se sua presença se impõe com autoridade sobre os passantes – como ocorre com a ofuscante claridade gerada pelos projetores de showmícios e oratórias religiosas –, ou se o aparato tecnológico de sua performance documentada em vídeo possa ser confundido com olho pan-óptico das câmeras de vigilância do reino messiânico neofascista denunciado por Pasolini, devemos chegar até o final da leitura da artista. Ereta e vermelha como um farol ao meio-dia, ela vê agitarem-se ao seu redor os moribundos, imigrantes, indigentes, loucos, drogados e poetas. Uma segunda câmera – na mão de um colaborador – documenta os espectadores. A edição final do trabalho Não Existe Ser Sem Fissura (2016), projetado meses depois na Sé
Lucioles (2008), fotografia de Renata Siqueira Bueno, ilustra as versões em francês, português e inglês do livro Sobrevivência dos Vagalumes, de Didi-Huberman
Galeria, a poucos metros da Praça, mostra que a voz da artista predomina, mas não apaga as outras ao seu redor. O público da performance aparece em seus atos performáticos individuais: o barbeiro ambulante que agita as tesouras; a transexual sorridente que distribui panfletos; o andarilho que dança break. Desligada a câmera ao ponto final da performance, Maria recebe um pedido que vem do público: “Eu também sou poeta. Você pode ler os meus, agora?” Embora essa segunda leitura, imprevista, não tenha sido incluída na edição final do trabalho, ela confirma o que leu no livro – “o grande narrador está sempre enraizado no povo”. É, portanto, com a leitura desse caderno de poemas que Maria Montero se afirma como narrador ou como um vagalume sobrevivente.
MANIFESTO AFETIVO
Vagalumes iluminam-se para chamar, seduzir e copular. O sucesso no acasalamento está diretamente relacionado à sincronização dos padrões de piscar. O amor e os afetos são qualidades intrínsecas dessa semiótica luminescente, da qual compactuam os artistas – estejam eles em performances em praças públicas ou não. Não (Ikrek Edições, 2014), livro de artista de Fabio Morais, evoca a poesia dos folhetos e das redes sociais. A obra aborda, na capa e nas folhas de rosto, a história do controle da informação e da censura da expressão no Brasil, durante Colônia e regime militar. Uma oportuna reedição do livro pediria a revisão do texto, incorporando a narrativa dos atuais ataques que pensávamos jamais serem possíveis a professores, artistas, intelectuais e ao livre-arbítrio da sociedade. FOTOS: CORTESIA IKREK EDIÇÕES / CORTESIA DA ARTISTA
AMARÉCO
AMARÉCO AMARÉS
Mas o miolo do livro desenvolve uma aventura cinemática – uma espécie de cine-panfleto – entre duas pessoas que se buscam em meio à multidão. Sobre fotografias de manifestações de rua que aconteceram, em 2013, em todo o Brasil, o artista aplica textos cifrados de uma conversa supostamente digitada em aplicativo de telefone celular. Em uma operação de desconstrução da lógica de códice do livro, os textos “postados” pelos dois interlocutores avançam um em direção ao outro e se encontram na dupla central da publicação na palavra Não, título do livro. Qualquer relação entre esses textos codificados com a linguagem pisca-pisca dos vagalumes não é coincidência. À enzima luciferase, ativada no impulso afetivo dos insetos para se comunicar e se agrupar, equipara-se a força do levante das multidões, em busca de tornar visíveis seus desejos. Correspondem-se entre si, portanto, os corpos sublevados nas manifestações populares e as constelações de astros fugazes, fotografados por Renata Siqueira Bueno em Lucioles (2008), na luz noturna da Serra da Canastra, em Minas Gerais.
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OMPLEXO OMPLEXO
OMPLEXO SIMPLES SIMPLES Se os lucioles (vagalumes, em francês) gravitam em algum lugar entre o levantar e o abandonar-se, entre o peso e a graça, os corpos da multidão, também fotografados por Renata Bueno na série Ascensão (2014), são captados na experiência arrebatadora e quase impossível de cair em direção ao alto.
EROS POLÍTICO
É preciso cerca de 5 mil vagalumes para produzir a luz da chama de uma vela. Mas não há uma escala única para os levantes: eles vão do mais minúsculo gesto de recuo ao mais gigantesco gesto de protesto, previne Didi-Huberman. Dessa matemática nascem as experiências coletivas que caem em direção ao alto, que irrompem da melancolia ao levante. Quando o resultado das Eleições 2018 no Brasil se tornou público, uma imagem alastrou-se pelas redes sociais: ninguém solta a mão de ninguém. Alguns dias depois, o Solar dos Abacaxis abriu, no Rio de Janeiro, a exposição Manjar: Amar em Liberdade, com trabalhos de 11 artistas
Emblemas da série #amaré (2011) e Amaremliberdade (2017), de Marcos Chaves
inspirados pelo convite a reagir à realidade do novo cenário político. “Essa mostra vai ser o anúncio de como vamos viver-lutar nos próximos anos para expandir a revolução micropolítica”, escreveu o curador Bernardo Mosquera. O artista Marcos Chaves participou com a elaboração de um emblema poético da frase que dá título à exposição. O trabalho Amaremliberdade (2017) resgata a pesquisa com as frases-poemas Amarécomplexo/ Amarésimples, elaborada para a exposição Travessias (Galpão Bela Maré, Complexo da Maré, RJ, 2011). Ao ganhar o espaço público na forma de hashtags, adesivos, camisetas ou títulos de exposição, as frases-poemas alcançam altas ressonâncias. O emblema poético de Marcos Chaves, a fotografia de Renata Bueno, o livro-performance de Fabio Morais, a ação de Maria Montero e a mobilização do Solar dos Abacaxis são imagens-vagalumes. Corpos luminosos passageiros na noite que integram uma comunidade de lampejos emitidos e de pensamentos a transmitir. “Dizer sim na noite atravessada por lampejos e não se contentar em descrever o não da luz que nos ofusca”, resume Didi-Huberman.
SIMPLES
ARTE E EDUCAÇÃO
MAPA DA DIVERSIDADE UMA CARTOGRAFIA DE ABORDAGENS EXPERIMENTAIS EM FORMAÇÃO E MEDIAÇÃO, DESTACADAS NAS DUAS PRIMEIRAS EDIÇÕES DO PRÊMIO SELECT DE ARTE E EDUCAÇÃO Dedicado a artistas e formadores comprometidos com pedagogias experimentais para as artes, o Prêmio seLecT identificou e pré-selecionou, ao longo de seus dois primeiros anos de atividade, 80 projetos entre 750 inscritos de 21 estados brasileiros. Dentre eles, 16 chegaram às finais nos anos de 2017 e 2018, e 4 foram premiados. A presente cartografia desenha a amplitude dos arcos temático e geográfico dos projetos inscritos. Esse retrato revela que a arte-educação no Brasil é um campo fértil de iniciativas independentes e de práticas colaborativas que transcendem modelos de educação formal. Apresentamos aqui alguns dos grandes temas que aproximam criadores e formadores. Entre eles predomina a coragem e a determinação para reinventar os modos de educar pela arte, e atuar contra a desvalorização da disciplina de Artes pelo Estado e a carência de políticas públicas. LF e PA .
NÚMERO DE INSCRIÇÕES POR ESTADO NO 2º PRÊMIO SELECT DE ARTE E EDUCAÇÃO
PA- 02
CE-05
PE- 07 GO- 02
MT- 01
SE- 01
DF- 05 MS- 03
BA- 10 MG- 30 ES- 02
PR- 08
SP- 74
RS- 07 SELECT.ART.BR
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RJ- 35
AL- 01
NOVAS IDENTIDADES Caderno de Campo (SP) Vânia Medeiros
Ryzoma Pornoklasta (SP) Sue Nhamandu
Oficinas com prostitutas e trabalhadores da construção civil para a confecção artesanal de diários de desenhos. .
Exercícios eróticos e pedagógicos sobre o prazer feminino que explicitam e questionam a vitalidade do sistema patriarcal na atualidade. Projeto vencedor na categoria Formador.
ESPAÇO URBANO E SOCIAL ARTISTA FORMADOR
Empoderadas (SP) Renata Martins Websérie em redes sociais inova em veiculação de conteúdo e promove a conscientização contra o racismo institucional no meio audiovisual.
FORMAÇÃO DE PÚBLICO ATIVO Respostas Inesperadas (SP) Graziela Kunsch
Lanchonete <> Lanchonete (RJ) Thelma Vilas Boas
Ações para a formação de um público “propositor daquilo que deseja”, ativo na construção do Centro Cultural Vila Itororó Canteiro Aberto.
Uma cozinha improvisada como lugar de convivência, aprendizado, emancipação e resistência à gentrificação da zona portuária do Rio.
UMA CARTOGRAFIA BRASILEIRA Se Essa Rua Fosse Um Rio (BH) Isabela Sales Prado Aulas de violino sobre córregos canalizados nas ruas de Belo Horizonte.
Restauro (RJ/SP) Jorge Menna Barreto Restaurante-obra que funcionou como extensão de agrofloresta na 32ª Bienal de São Paulo. Projeto premiado na categoria Artista.
Programa de Arte Ambiental (RJ) Maya Inbar Debates e atividades sobre natureza, agrofloresta e diversidade com alunos do Colégio de Aplicação da UFRJ. Projeto premiado na categoria Artista.
Ateliê397 (SP) Thais Rivitti Projeto voltado a repensar formatos expositivos tradicionais e criar espaços de diálogo entre o mundo da arte e outros universos sociais.
ARTISTA
FORMAÇÃO DE PUBLICO ATIVO
FORMADOR
Laboratório Inhotim (MG) Yara Castanheira
Passa Lá Em Casa (SP) Cia Em Cena Ser
Arte Pará (PA) Vânia Leite
Programa de formação continuada para estudantes da rede pública de Brumadinho.
Mostra de teatro com 48 apresentações realizadas dentro de 32 residências em Paraisópolis.
Temporada anual de exposições e adequação de instituições históricas de Belém em espaços de arte contemporânea.
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Bem-Vindo Ao Florescimento (SP) André Feliciano
Labverde Imersão Artística na Amazônia (AM) Lilian Kiesslich Fraiji
Debate público sobre arte e educação como técnica de cultivo e florescimento.
Artistas e criadores participam de palestras, oficinas, expedições e seminários na Reserva Florestal Adolpho Ducke, na Amazônia.
AÇÃO COLABORATIVA Área Criativa (MG) Bruno Vilela
Espaço autogerido por jovens e crianças da cidade de Pedra Azul (MG), com atividades e regras de funcionamento pensadas pelos próprios usuários. Projeto vencedor na categoria Formador.
Autorádio (MG) Coletivo Micrópolis Rádio comunitária ambulante em uma Kombi feita com engajamento de moradores de Lindeia e Regina, em Belo Horizonte.
LETRAMENTO DIGITAL Curta este Curta (PE) Jayse Antonio Desenvolvimento de curtasmetragens com alunos da Escola de Referência em Ensino Médio Frei Orlando.
MultiAteliê_arte e tecnologia (MG) Carmem Lúcia Altomar Oficinas de letramento digital para crianças que ensinam sobre eletrônica e programação.
II Bienal de Artes Ouvidor 63 (SP) Moara Brasil
Mestres da Obra (SP) Arthur Zobaran
Exposição organizada de forma coletiva e horizontal na ocupação artística Ouvidor 63, com mais de 100 artistas residentes.
Ateliês culturais em canteiros de obra para operários da construção civil.
UMA CARTOGRAFIA BRASILEIRA
MEMÓRIA Excursão Pajeú (PE) Cecília Andrade
Cais do Corpo (SP/RJ) Virginia de Medeiros
Laçaço (RN) Regina Johas
Exposição com audioguia que estimula o público a procurar o Riacho Pajeú em Fortaleza.
Registro do universo de prostituição da Boate Flórida durante a revitalização da Praça Mauá, no Rio.
Intervenção no Forte dos Reis Magos, marco inicial de Natal, com estudantes do Grupo de Extensão Zeitgeist.
VLNGO (SP/RJ) Gustavo Von Ha
Almofadas Pedagógicas (PE) Traplev
A História da _rte (SP)
Criação de museu fictício do Cais do Valongo que atenta para problemas históricos de região arqueológica.
Programa de realfabetização política com textos sobre mobilizações populares impressos em almofadas.
Canudos Novos Territórios (BA/SP) Mônica Zarattini A artista retratou pessoas no sertão da Bahia em 1989 e retorna ao local para mostrar aos retratados as mudanças que ocorreram nesse intervalo de tempo.
Bruno Moreschi Dados quantitativos e qualitativos sobre artistas encontrados em livros de história da arte usados em graduações em artes no Brasil.
ARTISTA FORMADOR
AÇÃO COLABORATIVA A Colaboradora (SP) Marilia Guarita Criação de projetos culturais com dimensão comunitária no Laboratório Santista LabxS.
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Explode (SP) João Simões e Cláudio Bueno Plataforma de fomento de práticas culturais, pedagógicas e artísticas que relacionam noções de raça, classe, gênero e sexualidade.
#Lookbook (MG/SP) Coletivo Micrópolis Quatro publicações realizadas com o público do rolê do Ibira para promover o contato entre o grupo e o educativo do MAM SP.
PEDAGOGIAS RADICAIS
Curador Visitante (RJ) Lisette Lagnado
Ryzoma Pornoklasta (SP) Sue Nhamandu
Curadores em meio de carreira elaboraram programas
Exercícios eróticos e pedagógicos sobre o prazer feminino que explicitam a vitalidade do sistema patriarcal na atualidade. Projeto vencedor na categoria Formador.
Intervalo-Escola (SP) Cláudio Bueno e Tainá Azeredo Escola experimental sem lugar fixo que funciona como plataforma prática e reflexiva para experimentar modelos de aprendizagem em arte.
Paço Comunidade (SP) Priscila Arantes Projeto de formação em arte que repensa o papel institucional do Paço das Artes perante a comunidade ao seu redor.
de acompanhamento de processos curatoriais e montagem de exposições para alunos da Escola de Artes Visuais do Parque Lage.
Ações do Fórum Permanente (SP) Martin Grossmann Plataforma de mediação crítico-criativa que tem por fundamento propor uma pedagogia continuada para as artes.
Alucinações Parciais: ExposiçãoEscola com Obras-primas Modernas do Brasil e do Centre Pompidou (SP) Instituto Tomie Ohtake e Centre Pompidou Exposição coletiva que traz a educação como plataforma central para a criação de relações entre públicos e obras.
ARTE INDÍGENA Fome de Mistura (PR) Coletivo Kókir
Arte Indígena Na Escola Não Indígena (BH) Tales Bedeschi
Metodologia de ensino de artes visuais elaborada a partir da interação entre culturas indígenas e não indígenas.
Desenvolvimento de abordagens metodológicas para estudar o universo de povos indígenas na Escola após determinações da Lei 11.645.
E N T R E V I S TA / YA E L B A R TA N A
A ARTISTA ISRAELENSE YAEL BARTANA ESTEVE EM SÃO PAULO EM DEZEMBRO, A CONVITE DO INSTITUTO GOETHE E DA CASA DO POVO, PARA FAZER OS PRIMEIROS ESTUDOS RELACIONADOS AO SEU PROJETO E SE AS MULHERES GOVERNASSEM O MUNDO? (What if Women
O PROBLEMA É O PODER A artista israelense Yael Bartana trabalha na etapa brasileira de seu projeto E Se As Mulheres Governassem o Mundo?
GISELLE BEIGUELMAN
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Ruled the World?), iniciado no Manchester International Festival, em 2017, e apresentado em Berlim, em 2018. Na obra, realizada até o momento em formato teatral, Yael apropria-se, em interpretação livre, das cenas finais do filme Dr. Fantástico (1964), de Stanley Kubrick. As cenas mostram uma war room, onde homens decidirão o futuro do planeta e, eventualmente, o levarão à destruição. Esse foi o cenário de encontro entre pensadoras, artistas, cientistas e ativistas, envolvidos nas primeiras etapas do projeto. “A apresentação era bastante específica sobre mulheres e guerra e mulheres pacifistas”, diz Yael Bartana à seLecT sobre esses eventos. “Discutia o que você poderia fazer se estivesse no poder e, como uma provocação, qual tipo de poder nós desejamos ser.” Um único homem, com o torço nu, participava das apresentações. “A ideia era desencadear conversas por meio de interrupções. Por isso tínhamos um tipo de antagonista ao projeto feminino, à mesa-redonda feminina, ao governo feminino, que era um homem, e o chamamos de Tweetler, em referência clara a Trump.” A artista frisa que E Se As Mulheres Governassem o Mundo? funciona como um think tank para elaborar outros mundos possíveis, composto de experts, atrizes e moderadoras. O capítulo paulistano ainda não tem formato definido, mas certamente retomará a estrutura de plataforma de reflexão. Contudo, será adequado às especificidades do contexto brasileiro, onde a mulher ainda disputa o direito de soberania sobre o seu próprio corpo, e vai incorporar agentes conservadores. Yael diz que, para ela, é muito importante convidar mulheres de esquerda e de direita, não só para gerar confronto, mas porque o encontro “talvez afete, em algum nível, algumas das mulheres; talvez elas vejam algo novo. A maioria vive num ambiente muito masculino e tem de competir com os homens. Mas o que aconteceria se estivéssemos num ambiente feminino? Será que abririam sua mente/visão? Talvez não possamos mudar o mundo, mas, se pudermos mudar a mente das pessoas, já seria um potencial bastante poderoso”, afirma. Nascida em Israel, Yael Bartana participou de importantes exposições internacionais, como a 31ª Bienal de São Paulo, quando foi um dos destaques com o filme Inferno (2013). Participou também da 54ª Bienal de Veneza, em 2011, onde representou a Polônia com sua trilogia sobre a complexa relação entre judeus e poloneses e suas reverberações na contemporaneidade (And Europe Will Be Stunned, 2007-2011).
Crítica contumaz das políticas de exclusão, vive um autoexílio de seu país há mais de 20 anos. Apesar de retornar frequentemente por laços familiares, a situação para ela tem o peso de um “sacrifício”, conta. “Meu sonho é que a ocupação termine, que haja direitos iguais, com livre acesso a todos, independentemente de identidade. Eu adoraria isso, porque, obviamente, os judeus são sempre o outro, historicamente. Então é uma fantasia: eu gostaria muito de voltar para Israel e morar no lugar onde cresci. Além do mais, tem sempre essa questão dos cheiros, dos seus vizinhos, seus amigos. E há também o sentido de comunidade, que é muito forte, e não existe na Europa um sentido de comunidade.” Foi justamente a partir do tema da sua relação com o país natal que começou nossa conversa, na Casa do Povo, onde uma intervenção sua no teto, em néon, Assim Elas Comemoram a Vitória (2017), recebe a todos. Releitura de uma frase que é uma das chaves de leitura da Casa do Povo, diz também muito sobre o trabalho de Yael Bartana e sua reflexão sobre o imaginário e as políticas de identidade e da memória. Fundada por judeus comunistas em 1946, a Casa foi inaugurada com um discurso intitulado Assim And Europe Will Be Stunned (2010), néon de Yael Bartana Eles Comemoraram a Vitória, que associaria para sempre a Casa do Povo à luta contra o nazifascismo. Ao trazer o verbo para o presente e mudar o gênero do sujeito da frase, Yael Bartana atualiza as lutas que se repõem hoje, a partir de discursos de ódio contra a diversidade e práticas racistas e xenofóbicas. E abre alas para seu projeto em curso. seLecT: Em apresentação na Casa do Povo, você disse que seu status de cidadã israelense foi o ponto de partida do projeto E Se As Mulheres Governassem o Mundo?. Você nunca pensou em realizá-lo em Israel? Yael Bartana: Nós queríamos e ainda queremos. Estou estu-
dando. Há negociações sobre a possibilidade de realizá-lo lá, mas a verdade é que é impossível juntar mulheres israelenses e palestinas. A menos que elas sejam palestinas-israelenses, ou seja, mulheres árabe-israelenses, que vivem em Israel. Isso é possível. Senão, é mais que impossível haver cooperação com mulheres palestinas que moram na Palestina. Porque elas não cooperariam com uma artista israelense, mesmo que essa artista seja a pessoa mais esquerdista do mundo. Não importa, ainda assim sou israelense. Eu realizei trabalhos na Palestina, FOTOS: ITAI NEEMAN/ CREATIVE COMMONS
nos territórios ocupados. Eu fui com um grupo de ativistas que reconstruíram uma casa palestina em duas semanas, como um ato de resistência à ocupação. Trabalhei com uma curadora na Palestina, em Ramallah. Na verdade, eu a convidei para o projeto das mulheres, ela é uma das experts (Galit Eilat). Mas você não consegue realizar um projeto na Palestina de maneira transparente; definitivamente não. Então isto ainda é uma possibilidade imaginativa. Poderia realizá-lo em Jerusalém e convidar artistas árabes-israelenses. E isso também seria muito interessante. Há importantes movimentos populares de mulheres relacionados à ocupação, à situação de guerra, muito complexos, formados por mulheres de direita e de esquerda, movimentos bastante grandes, que promovem protestos e ações. Uma das moderadoras do meu projeto é a jornalista de guerra Anat Saragusti, muito ativa no contexto político e social em Israel. Ela esteve na Dinamarca nas três performances e depois veio para Berlim para as quatro performances. Eu quis trabalhar especificamente com Anat porque ela esteve em Gaza, lida com mulheres em situação de guerra e conflitos, e quis contar com seu conhecimento, seu interesse, sua expertise, e suas perguntas sobre feminismo e o papel do feminismo numa zona de conflito, o que se pode realmente fazer. E foi interessante, porque pudemos realmente ver mulheres que tinham background militar e lidam com a indústria armamentista.
Qual foi sua motivação ao escolher o Brasil para realizar o projeto?
Acima, What If Women Ruled the World (2016), néon de Yael Bartana. Na pág. ao lado, retrato da artista
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Em primeiro lugar, gosto muito da ideia de descentralizar, de sair da Europa. Embora as mulheres que eu convidei nas outras etapas do projeto sejam em sua maioria muito privilegiadas, empoderadas, pois conduzem seu próprio mundo, tomam suas próprias decisões. Até mesmo as que se tornaram operadoras de drone, elas escolheram isso, tiveram essa possibilidade. Mas países como a Finlândia, a Dinamarca, que são lugares de direitos iguais; elas nem mesmo veem que existe essa luta feminina. Elas dizem não haver diferença entre homens e mulheres porque nunca experimentaram algo assim. Moram num ambiente totalmente branco e protegido, odeiam refugiados e imigrantes. A Dinamarca é sua própria tribo, um país super-racista. Eu venho de um país onde há muita violência, guerra e discriminação, e que tem muita merda acontecendo, então uma das coisas que busquei foi sair do contexto europeu e vir
“As mulheres que conheci no Brasil são tão poderosas e ao mesmo tempo sua comunicação é tão suave. Não estou acostumada com isso”
para a América Latina. Trata-se de um contexto totalmente diferente, uma discussão muito diferente. Também conheço o Benjamin (Seroussi, diretor-executivo da Casa do Povo), já trabalhei com ele, confio nele, sei como ele funciona. Então, quando ele me convidou, eu lhe falei: olha, nós não podemos fazer novamente no formato de peça de teatro, como fiz na Europa, mas o projeto continua a evoluir, continua a se expandir. Trabalhar no contexto brasileiro é muito importante: há muito que se discutir aqui. O que vivenciei na minha semana de trabalho no Brasil foi absolutamente incrível. As mulheres que conheci são tão poderosas, tão empoderadas, e ao mesmo tempo sua comunicação é tão suave. Não estou acostumada com isso. Mesmo enfrentando assuntos muito pesados, elas possuem uma iluminação interior. Como conseguem isto? Tanta beleza... Eu não estou acostumada. Vinda do contexto europeu, são todos muito rabugentos. Talvez seja o sol, o sol e a água, eu não sei. Isso me deixa fascinada, como elas são tão otimistas e suaves, e tão inteligentes. É uma combinação realmente interessante, conhecendo este país onde é tão difícil ser mulher, ainda mais mulher negra, mulher indígena. Acabei de ter um encontro com um advogado que está lidando com mulheres castradas. Meu Deus, como é difícil. Eu sinto que é possível. Temos de descobrir uma forma de fazer e gerar um momento interessante no contexto do Brasil e na Casa do Povo, um lugar para as pessoas. E agora conhecendo, por exemplo, pessoas como a Carmen (líder da Ocupação 9 de Julho, em São Paulo), e trabalhando juntas, vejo que há uma forte energia para a luta, para lutar contra o sistema e pelo desejo de ter uma vida melhor. E também disseminar essa possibilidade. Tenho vivenciado aqui que as pessoas querem comunicar que a situação pode ser diferente. Em sua estrutura singular, em sua forma única de disseminar, de maneira íntima e muito poderosa, podemos solapar, abalar o sistema, que é tão agressivo, tão machista e sexista. E que aconteceria se as mulheres governassem o mundo?
Não sei se tenho uma resposta.... Tenho sim! A pergunta deveria ser: e se as lésbicas governassem o mundo? Seria diferente? Acho que precisamos compreender primeiro que não devemos ser vítimas do sistema e da sociedade, e perseguir a nossa crença ou nossas vísceras. Acho isso muito difícil em várias situações. Obviamente, falo a partir de condições bastante privilegiadas. Eu não cresci como uma mulher negra, não passei pelo Holocausto, nunca me senti discriminada até certo momento de minha vida. Talvez eu ignorei e não enxerguei. O poder sempre é um problema. Você tem de ser muito cuidadoso a respeito de como você usa o seu poder. Eu acho que essa é a grande pergunta: se as mulheres com poder fazem exatamente o mesmo que os homens, então o problema é o poder? Já chegou a hora de as mulheres governarem o mundo. Serem líderes, terem mais oportunidades. E isso deve incluir as mulheres trans. É muito complexo e soa como uma utopia. Mesmo no movimento feminista existem desavenças, mas discórdias são produtivas, uma força para avançar e permitir a escuta. FOTOS: LUANA FORTES/ FABIO BRAGA
E N S A I O V I S U A L / PA U L O D ’A L E S S A N D R O
C Ã O
Neste ensaio do fotógrafo Paulo D ’A le ss a n d ro , o s f l a g ra n t e s s ã o extraídos com pouca luz e muito barulho, durante performance da banda Cão, no Sesc Avenida Paulista, no lançamento da seLecT 41
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RUÍDO, DISTORÇÃO, MÚSICA, PERFORMANCE, INSTALAÇÃO, PROJEÇÕES E PAISAGEM SONORA PESADA SÃO AS LINGUAGENS DO CÃO, BANDA EXPERIMENTAL FORMADA PELOS ARTISTAS VISUAIS DORA LONGO BAHIA (BAIXO), MAURÍCIO IANÊS (VOZ), BRUNO PALAZZO (GUITARRAS) E RICARDO CARIOBA (BATERIA ELETRÔNICA E COMPUTADORES). Dora integrou nos anos 1990 a banda
Disk-Putas, é doutora em Poéticas Visuais e professora da Escola de Comunicações e Artes da USP. O performer Maurício Ianês ficou conhecido também como stylist de Alexandre Herchcovitch. Palazzo é artista visual e músico. Carioba é artista visual e sonoro. A banda existe desde 2011. Em dezembro passado, uma performance do Cão, com Guilherme Pacola na bateria acústica, marcou o lançamento da seLecT 41 no Sesc Avenida Paulista. Dedicada ao tema Sexo e Arte, a edição trouxe na capa uma foto histórica do ator Paulo César Pereiro, de autoria de Paulo Garcez, da revista Careta, publicada pela Editora Três em 1981. Dora Longo Bahia foi editora convidada da edição. Marcando o tempo da performance do Cão, no alto do palco, estava um relógio digital decimal baseado na noção do “tempo revolucionário”, criado durante a Revolução Francesa. Para simbolizar a quebra da antiga ordem, o dia foi dividido em dez “horas”, subdivididas em 100 partes, cada qual subdividida em 100 novamente. Com isso, a menor fração correspondia a 0,864 segundos. Jamais usada na prática, essa divisão decimal foi abolida oficialmente na França em 1795. O autor do ensaio, Paulo D’Alessandro, estudou fotografia criativa na Escuela de Altos Estudios de La Imagem y el Diseño em Barcelona, nos anos 1990. Ele gosta de fotografar de dentro da cena, com o objetivo de fazer com que o público se sinta da mesma maneira quando vê suas fotos. Ficou conhecido por realizar interferências no filme e transgredir as lógicas espaciais e temporais na fotografia. D’Alessandro já expôs no Paço das Artes, no MAM SP e no Sesc Pompeia, entre outras instituições e galerias. Obras suas fazem parte de coleções públicas, como as da Pinacoteca do Estado de São Paulo, do MAM SP e do Centro Universitário Maria Antonia, da USP. MS
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V E R N I SSAG E
DANIEL MULLEN UNINDO SENSAÇÕES E PERCEPÇÕES O escocês Daniel Mullen mostra na Emmathomas Galeria, a partir de 30/3, pinturas que transcodificam datas MARCOS MORAES
EQUAÇÃO DAS CORES APRESENTA AO PÚBLICO BRASILEIRO, PELA PRIMEIRA VEZ, UM CONJUNTO DE PINTURAS DO ARTISTA ESCOCÊS DANIEL MULLEN, QUE VIVE EM AMSTERDÃ, NA HOLANDA, ONDE SE GRADUOU EM ARTES PLÁSTICAS, PELA GERRIT RIETVELD ACADEMY, EM 2011. Com a colaboração da cineasta Lucy Engelman, com quem é casado, ele
explora as possibilidades visuais de relações que se apresentam espontaneamente em uma pequena porcentagem (4%) da população mundial, manifestando-se pela capacidade de transitar entre diferentes sensações. Isto lhes dá uma característica singular para lidar com os sentidos – olfato, visão, paladar, audição e tato – como tradicionalmente os conhecemos. Daniel Mullen não é um sinesteta: não tem a capacidade de “misturar” os sentidos ou, como diz a palavra de origem grega que denomina o fenômeno, “unir sensações”. Sua atual investigação está, porém, intimamente ligada a essa forma de relação sensorial e resulta em pinturas produzidas a partir da escolha aleatória de datas que são, sinestésica e cromaticamente, transcodificadas para as telas. A colaboração decorre da percepção que Engelman detectou na produção pictórica de Mullen. Partindo do interesse dela, que detém a condição de sinesteta das cores e números e que enxergou nas pinturas dele uma relação direta entre esses dois códigos. É preciso ressaltar que isto não havia sido pensado previamente pelo artista. A identificação da possível condição sinestésica nos trabalhos passou a ser um foco de investigação que ele experimenta, construindo imagens que decodificam essa união de sensações – número e cor – para rearticulá-las nas pinturas. O que poderia soar como uma exploração temática, e desprovida de relação com a anterior produção do artista, precisa ser observado por outra perspectiva. A sinestesia surge aqui na dimensão de desdobramento de suas pesquisas de natureza abstrata geométrica, construtiva, óptica e de interesses pela espacialidade, transpostas para a bidimensionalidade da tela. Esses elementos são claramente visíveis em sua produção desde 2015, período em que realiza a série Future Monuments, pinturas nas quais já se podem vislumbrar as condições cromáticas e espaciais virtuais encontradas na recente produção.
Na seção Vernissage, projeto realizado em parceria com galerias de arte brasileiras, publicamos uma análise crítica da obra de um artista contemporâneo que estará em exposição durante os meses de circulação da edição. O projeto prevê o lançamento da seLecT na abertura da exposição.
90’s-00’s (2019), pintura de Daniel Mullen da série Synesthesia
FOTO: CORTESIA DO ARTISTA E DA EMMATHOMAS GALERIA
À esq., 1500 (2019) e, à dir., 75’s-15’s (2019), telas da série Synesthesia, do artista escocês Daniel Mullen
EXTRAPOLAR A OP ART
Nesta nova série, o artista prossegue sua investigação em torno da tridimensionalidade, articulando relações cromáticas, conciliando rigor e liberdade, proporcionando uma dimensão de virtualidade e extrapolando a relação com as condições originais da Op Art. Dessa forma, transpõe a busca do efeito e mantém-se fiel ao espírito de propor experiências visuais, perceptivas e objetivas, aqui também permeadas pela proposta sinestésica, com um vocabulário que permanece simplificado, porém potente. Mesmo que não seja a única possibilidade de leitura para as imagens, o fenômeno óptico é componente fundamental para compreender as composições visuais em toda a sua dinâmica e potencialidade. Constitui-se em elemento de articulação da produção do artista, em suas distintas séries já produzidas, desde a já mencionada Future Monuments. Na exposição, uma série de pinturas que exploram a relação de cada número com sua cor correspondente proporcionará ao visitante uma oportunidade de entender o raciocínio da inter-relação, além de permitir que esses mesmos olhos possam decodificar a articulação proposta nos demais trabalhos que compõem o conjunto exposto. Dentre as telas selecionadas, cinco se apresentarão, rigorosa e meticulosamente, dispostas lado a lado nas paredes da galeria. Elas fornecerão uma chave para decifrar as elaboradas construções articuladas pela dupla e transpostas, por ele, para as pinturas. Não parece ser possível identificar na produção do artista qualquer pretensão de mergulhar nas discussões e argumentações científicas, da genética, ou de natureza médica, neurológica, psiquiátrica ou psicológica sobre o assunto. Muito menos se ela SELECT.ART.BR
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é naturalmente desenvolvida ou adquirida. Tudo isso sem mencionar o fato de uma propensão comprovada de incidência da condição sinestésica em mulheres; não por acaso, é Lucy Engelman a portadora dessa condição. Porém, é preciso destacar que a dimensão da sinestesia, como experiência única de cada sinesteta, encontra nas propostas do artista um possível caminho de compartilhamento. Ele busca ampliar no observador a potencialização dos sentidos e das sensações. Uma série de argumentos originários das correntes vanguardistas europeias – desde os primeiros experimentos das vanguardas como o Construtivismo russo, De Stjil, deslocando-se ao longo das décadas pela arte concreta, Cinetismo, Minimalismo, Hard-edge e Op Art, para mencionarmos os de mais direta e imediata referência – pode ser de diferentes maneiras associadas aos processos do artista. A eficácia de sua proposição afirma a presença de seu interesse pelo prazer da ambiguidade, do dinamismo e do movimento como fontes de provocação do olhar. Esses parecem atributos com os quais podemos caracterizar sua produção. Elementos como cor, planos, linhas, ângulos, espaço e repetição, entre outros, que podem ser associados a cada momento de sua distinta produção – nas séries como Future Monuments, Surfacing Spatial, Feedback, Monoliths, White Series –, estão articulados em Synesthesia de forma a ampliar a investigação sobre a condição do olhar humano. As dimensões de temporalidade e espacialidade são duas matérias-primas fundamentais nas construções pictóricas de Daniel Mullen. Ele nos propõe mergulhar na experiência sensível e enigmática das representações que elabora, unindo sensações e percepções. do caminho para uma nova pesquisa bastante promissora. FOTOS: CORTESIA DO ARTISTA E DA EMMATHOMAS GALERIA
R E V I E WS
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KLEE: A OBRA, A VIDA E A HISTÓRIA LUANA FORTES
Retrospectiva de Paul Klee articula diferentes aspectos de sua obra para apresentar ao público brasileiro uma visão abrangente sobre o modernista suíço Quando uma instituição sul-coreana pediu para que o Zentrum Paul Klee organizasse para eles uma exposição do renomado artista suíço, ela recebeu um belo não. “Eles esperavam exibir grandes e coloridas pinturas”, conta à seLecT Fabienne Eggelhöfem, curadora-chefe do Zentrum. “E eu disse que talvez Klee não fosse o artista certo para isso.” A decepção é iminente, já que apenas 15% de sua produção é pintura e ainda assim raramente em grande formato. Essa proporção é respeitada na retrospectiva de Paul Klee (1879-1940) no Centro Cultural Banco do Brasil-SP, curada por Eggelhöfem a partir dos 4 mil itens do Zentrum. Paul Klee é um dos grandes nomes do modernismo europeu. Sua obra aproxima-se de diferentes movimentos, como o Expressionismo alemão, o Cubismo ou o Surrealismo, sem nunca pertencer a nenhum deles. “Ele não era tão teimoso ou ideológico sobre um estilo. Ele apenas olhava o que se passava ao seu redor e transformava em algo seu”, aponta a curadora. Devido a esse modus operandi, visitar a retrospectiva que reúne 120 trabalhos de Klee significa aproximar-se de sua vida, dos momentos políticos que a rodearam e de sua pedagogia para as artes. Se interessa saber sobre a vida do artista, a exposição traz desenhos de sua infância, fantoches feitos para seu filho Felix ou sua última pintura, feita antes de falecer, em 1940. Para os que preferem atentar para relações históricas há, por exemplo, um recorte da série de desenhos em que SELECT.ART.BR
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Paul Klee: Equilíbrio Instável até 29/4, Centro Cultural Banco do Brasil-SP, Rua Álvares Penteado, 112 | bb.com.br/cultura
Klee tenta representar indiretamente a revolução do Nacional-Socialismo durante a ascensão do nazismo, que o obrigou a deixar a Alemanha em 1933 e retornar a Berna, sua cidade natal. Mais belo, no entanto, é notar o desenvolvimento de um trabalho autêntico, que tem início em pequenos experimentos miméticos e leva Klee a formular métodos compositivos a partir da lógica do equilíbrio. Pela lei dos opostos, suas obras têm o poder da comunicação e transformam imagens em linguagem. Para o humano há o anjo. Para o equilibrista, uma linha torta. Para cores dóceis, figuras grotescas. Na palestra On Modern Art, de 1924, Klee compara o artista ao tronco de uma árvore. A raiz leva ao tronco a seiva, a energia que alimenta o corpo-tronco do artista e o leva a criar a copa, ou a obra de arte. “Ninguém afirmaria que a árvore faz de sua coroa a imagem de sua raiz. Entre acima e abaixo não deve existir reflexão espelhada”, escreveu Klee. “(...) o artista não faz nada além de recolher e passar adiante o que vem de suas entranhas. Ele nem serve, nem domina – ele transmite.”
Na pág. anterior, Fronteira (1938), cola colorida sobre papel sobre cartão, de Paul Klee . Nesta pág., Equilibrista (1923), litogravura de Paul Klee
FOTOS: DIVULGAÇÃO, CORTESIA ZENTRUM PAUL KLEE
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MUNDO CODIFICADO R E V I E WS
PAULA ALZUGARAY
Individual de Detanico e Lain é observatório da natureza e de planeta em convulsão Precipitação e atropelo são situações sinalizadas em melodia e letra da canção Fora da Ordem (1991), de Caetano Veloso. Precipitação e atropelo são sensações produzidas pela pintura mural Alguma Coisa Está Fora da Ordem (2018), que a dupla Detanico e Lain apresenta em individual no Espaço Cultural Porto Seguro. A obra escreve a frase segundo o sistema “timezonetype”, criado em 1802, que associa uma letra do alfabeto a cada uma das 24 divisões de fuso horário global. O resultado é uma representação truncada do mapa-múndi, que poderia ser interpretada aqui como o enigmático emblema de um planeta em convulsão. Com 14 trabalhos, a maior parte inédita, a mostra Meteorológica empresta o título de um tratado de Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.), que discute teorias sobre o planeta Terra e os fenômenos naturais. Instalada ao longo dos 16 metros da passarela de vidro que leva o visitante ao segundo andar do espaço cultural, a obra homônima foi construída a partir de um sistema de escrita inventado pelos artistas, fazendo referência ao movimento das chuvas. Cada letra da palavra “meteorológica” corresponde a um índice pluviométrico. A observação dos fenômenos físicos e a invenção de sistemas de codificação compõem o campo de ação de Angela Detanico e Rafael Lain desde o vídeo Flatland (2003), que ganhou o Nam June Paik Award, na Alemanha, em 2004. Nesse aspecto, Detanico e Lain
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são tão artistas quanto cientistas, interessados em confrontar o mundo natural aos sistemas artificiais criados para se relacionar com ele. O mesmo sistema de alongamento dos pixels de fotografias de paisagem – criado em Flatland para as imagens do delta de um rio – é usado aqui na obra site-specific Cachoeira do Céu (2018), que inventa uma queda d’água em uma parede diagonal do edifício. Ao trazer para o interior e a fachada do edifício representações codificadas do céu, das nuvens, dos dias, dos mares, das florestas e da lua, a exposição aproxima-se, segundo os artistas observam, de um jardim japonês – na medida em que interpreta o mundwo em pequena escala. O Japão faz-se presente ainda, de for-
Na página à esq., Ulysses (2017), animação construída com texto do romance homônimo de James Joyce; acima, Alguma Coisa Está Fora da Ordem (2018), mapa-múndi construído segundo o sistema timezonetype
Meteorológica Angela Detanico e Rafael Lain, até 7/4/19, Espaço Cultural Porto Seguro, Alameda Barão de Piracicaba, 610 www.espacoculturalportoseguro. com.br
ma notável, na instalação Quadrado Branco (2010), que traduz em luz, cor e movimento três poemas do japonês Kitasono Katue (1902-1978) – “Espaço Monótono”, “Un Autre Poème” e “Gestalt do Branco”. O trabalho foi concebido durante residência no Japão, em forma de performance, para ser interpretado por dois atores. Na montagem brasileira, sob a sugestão do curador Rodrigo Villela, a peça ganhou autonomia em relação à coreografia. Foi apenas ao longo de fevereiro que o Quadrado Branco ganhou a interação performática de dançarinos da São Paulo Companhia de Dança. Quem teve a chance de assistir à peça A Quadratura do Círculo contemplou mais um abundante desdobramento linguístico proposto pela dupla de artistas.
FOTOS: PAULA ALZUGARAY
Sem Título (1976), nanquim sobre papel de Almandrade, 31 x 22,5 cm; na outra página, obra da série Ecce Homo (2018), de Alex Flemming
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MAIS ARTE BRASILEIRA MÁRION STRECKER
Enquanto o MAM Rio vende seu único Pollock, museus de SP anunciam novas aquisições de arte contemporânea brasileira O problema dos museus no Brasil é que eles são muito locais. Cada vez mais locais. É o que conseguem fazer com orçamento baixo e uma expansão de acervo totalmente dependente de doações, seja de artistas e suas galerias, seja de colecionadores. Enquanto o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro vendia, em Nova York, a única pintura de Jackson Pollock em coleção pública do País, o Masp, o Museu de Arte Moderna de São Paulo e a Pinacoteca anunciaram suas novas aquisições, reforçando as coleções de arte brasileira contemporânea. O MAM SP expõe agora uma seleção de suas aquisições dos últimos cinco anos. Entre os destaques da nova leva está Nascido-peão/Peon-born, por Rondinele, da série Eu, Mestiço (2017), de Jonathas de Andrade, e Paisagem Brasileira – Fim de Tarde com Baobá (2012), pintura de Rodrigo Andrade. Outras doações relevantes são Luta (1967), pintura de José Roberto Aguilar, fotos da ação Ensacamento do coletivo 3NÓS3, de 1979, simulando tortura em estátuas públicas, e um conjunto de obras de poetas visuais que despontaram nos anos 1970, como Ridyas (José Ricardo Dias, 1948-1979) e Almandrade. Em paralelo, a Pinacoteca do Estado mostra trabalhos recém-adquiridos de quatro artistas. De Matheus Rocha Pitta há a instalação Primeira Pedra (2015-2016), em que cubos de concreto sobre folhas de jornal são oferecidos ao público, que podem levá-los desde que tragam a primeira pedra que encontrarem do lado de fora do museu. De Regina SELECT.ART.BR
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Parra a Pinacoteca mostra Chance (2015-2017), um néon vermelho onde se lê “A grande chance”. Lição de Mímese (2004-2006), considerado crucial na trajetória de Débora Bolsoni, é composto de lousas recortadas em diferentes formatos e emolduradas em madeira. De Marcius Galan há Seção Diagonal (Prisma Fumê), de 2012. Outros artistas que tiveram obras incorporadas ao acervo da Pina no ano passado foram Maxwell Alexandre, Arjan Martins, Marcelo Cidade, Carla Chaim, Paulo Bruscky, Patricia Leite, Marcellvs L. e Sara Ramo. No caso do Masp, com sua coleção mais conhecida por suas obras de mestres clássicos europeus, o oxigênio veio com a doação de 21 trabalhos de 19 artistas afrodescendentes que estiveram em exposições monográficas ou coletivas do programa Histórias Afro-Atlânticas. Entre os artistas estão Rosana Paulino, Sonia Gomes, Dalton Paula, Flávio Cerqueira, Jaime Lauriano, Maxwell Alexandre, Mestre Didi e Emanoel Araujo. Novas Aquisições, até 14/4/19, MAM SP, Parque do Ibirapuera, portões 1 ou 3, mam.org.br
Marcius Galan, Regina Parra, Débora Bolsoni e Matheus Rocha Pitta, até 17/6/19, Pinacoteca de São Paulo, Praça da Luz, 2, pinacoteca.org.br
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Aracá, AM/ Surucucus, RR (1983), sobreposição acidental de duas imagens é descoberta nos arquivos de Claudia Andujar
YOASI SOBRE OMAMA PAULA ALZUGARAY
Série de fotografias inéditas de Claudia Andujar, em exibição no IMS Paulista, revela a sobreposição acidental e altamente simbólica dos princípios da vida e da morte dos povos Ianomâmi A história Ianomâmi atribui a criação de seu povo à copulação de Omama com a filha do monstro aquático Tëpërësiki. Yoasi, irmão do demiurgo Omama, é o responsável pela origem da morte e dos males do mundo. A experimentação com filtros, filmes e projeções sempre esteve no raio de ação de Claudia Andujar, desde que estabeleceu seus primeiros contatos com aldeias Ianomâmi para uma reportagem da primeira edição da revista Realidade, dedicada à Amazônia, em 1971. Naquele momento, Andujar já driblava a objetividade jornalística e antropológica aplicando filtros e resinas sobre as lentes, transformando a tênue incidência de luz que passava pelas frestas dos tetos das malocas, em explosões de estrelas no céu da imagem.
Claudia Andujar A Luta Yanomami até 7/4, IMS Paulista, Avenida Paulista, 2.424, www.imspaulista@ims. com.br
No hábil exercício da fotografia com baixa luminosidade, Claudia Andujar deu vazão a um vasto repertório simbólico de entidades invisíveis e conceitos abstratos que aprendeu nas aldeias. As cenas da vida cotidiana, da caça, da pesca, do repouso, da cozinha ou do ritual de consumo coletivo do alucinógeno yãkoana para contato com os espíritos xapiri, alcançaram dimensão metafísica pelos olhos de Andujar. Essas imagens exuberantes de uma vida que flutua na floresta compõem a primeira parte da exposição Claudia Andujar – A Luta Yanomami, no IMS Paulista. Até que chegamos à segunda parte da mostra, em outro andar da instituição, que apresenta o período ativista do trabalho de Andujar quando os anos idílicos na bacia do Rio Catrimani, em Roraima, foram interrompidos pela invasão desenvolvimentista do governo militar. Em meados dos anos 1970, a descoberta da existência de minérios nobres nas terras indígenas atraiu garimpeiros e mineradoras e deu início à construção da Rodovia Perimetral NorFOTOS: CLAUDIA ANDUJAR/ CORTESIA DO ARTISTA
R E V I E WS te (nunca terminada), rasgando a Amazônia e espalhando doenças, conflitos, desmatamento, poluição e epidemias. Nesse momento, a fotografia de Andujar passa a atuar como instrumento de denúncia. Em 1983, acompanhando o trabalho voluntário da organização francesa Médicos do Mundo, em uma aldeia em Aracá (AM), ela realiza os retratos de identificação que mapearam o povo Ianomâmi e renderam a célebre série Marcados, exposta na 27ª Bienal de São Paulo. É justamente no início desta segunda parte da exposição do IMS que se encontra uma série de imagens surpreendentes, localizadas pelo curador Thyago Nogueira no arquivo de Andujar – como um tesouro no meio da floresta –, nunca antes expostas. Trata-se de um filme que revela a sobreposição acidental de dois conjuntos de imagens: os retratos de identificação feitos em Aracá, no ambiente asséptico da atividade médica, e as cenas da população em sua vida cotidiana, em ambiente externo, livres da rotina médica. A sobreposição acidental das imagens (obtidas em dupla exposição do mesmo filme) remete a uma sobreposição mitológica: o tempo de Omama, e o tempo de Yoasi. São imagens em que a doença e a cura coabitam. São quase uma epifania.
Da série Ecce Homo (2018), de Alex Flemming
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ERRAMOS Nova série de Alex Flemming faz chamada à autocrítica da sociedade brasileira “Para o Brasil chegar ao ponto de ficar à mercê dos evangélicos, das bancadas do boi, da bala e da Bíblia, é porque todos erramos.” Assim Alex Flemming introduz à seLecT a série Ecce SELECT.ART.BR
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Alex Flemming – Ecce Homo, até 14/4, MAM SP, Parque do Ibirapuera, portões 1 ou 3, mam.org.br
Homo, em exibição em sua primeira individual da Galeria Emmathomas. A exposição é composta de 28 objetos que se articulam como uma grande instalação, amarrados por um laço forte. São 28 desenhos de mãos gravados sobre pias sanitárias de modelos, cores e idades diversas. Posicionados lado a lado, sobre pedestais, os objetos e seus desenhos em baixo-relevo reforçam o coro de uma mesma mensagem, sintetizada no título da série: ecce homo (eis o homem, em latim) são as palavras ditas por Pôncio Pilatos ao entregar Jesus Cristo aos judeus, antes de lavar as mãos. Se poderia suspeitar da literalidade com que a mensagem é gravada no objeto. Mas aqui também é preciso reconhecer a eficiência da simplicidade, quando se trata de disseminar uma ideia: fazer a crítica e a autocrítica da (ir) responsabilidade diante dos problemas brasileiros. Como afirma Ricardo Resende no texto curatorial, são os trabalhos de estética simples os que melhor atingem a eficiência da mensagem, os que mais tocam o espectador. Desde os anos 1970, Alex Flemming faz de sua pesquisa artística um campo para a elaboração de comentários sobre os acontecimentos de seu tempo. No primeiro grande projeto realizado, a série de fotogravuras Natureza-Morta (1978), ele reinterpretou com o próprio corpo cenas de tortura vigentes naquele mesmo momento pelo regime militar. Notadamente, esse trabalho não foi exposto nas grandes mostras que em 2018 lembraram a censura pós-AI-5. Hoje, seus baixos-relevos em lavatórios são como mensagens na garrafa, proferidas a todos os náufragos brasileiros. PA
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CITAÇÕES POLÍTICAS E ARTÍSTICAS LUANA FORTES
Obras inéditas de Beto Shwafaty criticam o avanço conservador no Brasil, comentam projetos políticos e citam trabalhos de outros artistas Citação é a palavra-chave da individual que Beto Shwafaty apresenta na Galeria Luisa Strina, em São Paulo. Ao olhar os 16 trabalhos expostos, quase todos inéditos e feitos a partir de um desejo de responder ao contexto político atual, a sensação é sempre: eu já vi isso antes. Sim, você provavelmente já viu coisas semelhantes, como uma estátua esverdeada que derrama água de um vaso e a bandeira verde-amarela do Brasil. As citações e apropriações de Shwafaty não são dissimuladas. São claras. Basta que o artista introduza um novo elemento ao que é familiar e a situação ganha novos sentidos. A obra que recebe o público na mostra Amanhã Não Lembrarei De Nada é uma parede pintada metade de verde, metade de amarelo. E a conversa segue em seu título Verde Exército P302 – Amarelo Pote de Ouro R609 (“O Novo Grupo Verde e Amarelo”), 2019. Um
Verde Exército P302 - Amarelo Pote de Ouro R608 (“O Novo Grupo Verde e Amarelo”), 2019, na parede por trás da escultura Aculturação (Não) É Integração (Transamazônica), 2016, ambas de Beto Shwafaty Amanhã Não Lembrarei De Nada, de Beto Shwafaty, até 23/3, Galeria Luisa Strina, Rua Padre João Manuel, 755 | galerialuisastrina.com.br
olhar mais demorado sobre o trabalho percebe que aquelas cores não são exatamente as da bandeira brasileira. Anuncia-se então uma crítica ao patriotismo excessivo que tem sido promovido pelos novos governantes do País. Mas as citações de Shwafaty não se referem apenas à esfera política. É comum identificar relações entre as suas obras e as de outros artistas, como Cildo Meireles, Ivan Grilo e Marcelo Cidade. Na série Educação Moral e Cívica (2019), o artista amarra blocos de concreto – em formato de pessoas – em carteiras de madeira. Sempre em posições improváveis, os blocos-pessoas apoiam-se sobre livros de história e política. Por um lado, a obra coloca em pauta o problemático projeto Escola Sem Partido e discute a Educação Moral e Cívica, disciplina implantada e tornada obrigatória no currículo escolar durante a ditadura militar pós AI-5, em 1969. Somente em 1996 deixou de ser mandatória e recentemente volta a ser pleiteada por segmentos conservadores da sociedade. Por outro lado, o trabalho relaciona-se com Parla (1982), de Cildo Meireles, que coloca uma figura humana, feita com blocos de concreto, sentada sobre uma cadeira, diante de um banquinho de concreto onde o público pode também sentar. Mas, se o trabalho de Meireles convida para o diálogo, o de Beto Shwafaty evidencia os perigos de propostas que buscam limitar a fala e o ensino. Esse sinal de alerta está presente em toda a exposição. FOTOS: HENRIQUE LUZ/ EDOUARD FRAIPONT, CORTESIA GALERIA LUISA STRINA
EM DESCONSTRUÇÃO / CENSURA
A VOZ DO RALO É A VOZ DE DEUS MÁRION STRECKER
Juliana Wähner na performance do coletivo És Uma Maluca apresentada na rua em 14/1/19, depois de ser censurada na Casa França-Brasil, no Rio de Janeiro
A IDEIA ERA JUNTAR DEZ ESCRITORES DA PERIFERIA DO RIO DE JANEIRO E CHAMAR DEZ ARTISTAS VISUAIS PARA INTERPRETÁ-LOS. Convidado pelo projeto Literatura Ex-
posta, o coletivo És Uma Maluca, nascido em Vila Isabel, Zona Norte do Rio, escolheu interpretar “Baratária”, conto de Rodrigo Santos sobre uma mulher que teve baratas introduzidas na vagina em sessão de tortura nos anos 1960. Fizeram uma instalação que consistia num bueiro cercado por 6 mil baratas de plástico, com um aparelho de som que reproduzia, sem manipulação, falas do capitão reformado Jair Bolsonaro. Entre elas, aquela em que o hoje presidente da República enaltece o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, único brasileiro declarado torturador pela Justiça. Comandante do DOI-Codi, órgão de repressão política da ditadura militar brasileira (1964-1985), Ustra chefiou espancamentos, choques, afogamentos, atropelamentos e ocultação de cadáver de opositores do regime. A obra foi censurada. “Isso eu não vou permitir. O presidente foi eleito pela maioria dos brasileiros e merece respeito”,
argumentou o diretor da Casa França-Brasil, Jesus Chediak, que sediaria a exposição. O coletivo decidiu então substituir a voz de Bolsonaro por uma receita de bolo, num procedimento que rememora o que os jornais faziam quando eram censurados durante a ditadura. A performance que fariam junto ao bueiro na abertura da exposição foi transferida para o dia do encerramento. Só que não ocorreu. “O motivo do fechamento da Casa França-Brasil neste domingo (13/1) deu-se pelo fato de os responsáveis pelo projeto Literatura Exposta terem programado uma performance de duas mulheres nuas, uma delas expelindo baratas pela boca. Impedimos que isto acontecesse porque não estava no contrato”, declarou Chediak. “Fecharam a nossa exposição um dia antes da data oficial, como forma de impedir que as performances acontecessem. Comuniquei com antecedência o teor das performances à direção da Casa, foi autorizado e ontem à noite enviaram esse comunicado. Este é o governo que temos. A arte vai sobreviver aos ignorantes”, reagiu o curador artístico Álvaro Figueiredo. A notícia espalhou-se como rastilho de pólvora. O coletivo decidiu fazer a performance na rua, em frente à Casa França-Brasil, que se transformou em ato de repúdio à censura. A Polícia Militar chegou com fuzis e escopetas, pronta para levar em cana quem estivesse nu, enquanto o público reagia citando o artigo 5º da Constituição e a Lei Municipal do Artista de Rua. A performance foi transmitida ao vivo pela internet e coberta pela grande imprensa. A performer Juliana Wähner ficou imóvel, deitada ao lado do bueiro, com baratas de plástico na calcinha. “É exatamente por atuar no campo dos poderes simbólicos que acreditamos na sua potência transformadora”, disse o coletivo que desconstruiu a censura. FOTO: EMERSON GUIMARÃES, CORTESIA ÉS UMA MALUCA
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