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OPAVIVAR Á! PLATAFORMA EXPLODE! 58ª BIENAL DE VENEZA BANCADA ATIVISTA A R T E E C U LT U R A C O N T E M P O R Â N E A

BATE-BOL AS

ruangrupa, o coletivo indonésio que assina a direção artística da Documenta 15, em foto de Saleh Husein

COLETIVOS JUN/JUL/AGO 2019 R$ 22,00 ANO 08 EDIÇÃO 43

PRÊMIO ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CRÍTICOS DE ARTE

EXEMPLAR DE ASSINANTE VENDA PROIBIDA




Obra de Ge Viana


Obra de Mestre Irinéia

Obra de Elielson Sayara

A exposição articula imaginários e disputas em torno da região a nordeste do Brasil, por meio de um extenso conjunto de conteúdos visuais, textuais e sonoros relacionados a diversos contextos e vocações artísticas.


44

Manifestação em defesa dos direitos humanos no Brasil e contra o fascismo, diante do Portão de Brandemburgo em Berlim, organizada pelo Fórum Resiste Brasil - Berlin

CURADORIA

CRIAÇÃO E RESISTÊNCIA Redes colaborativas de artistas e ativistas brasileirxs promovem modelos de vida alternativa em Berlim

34

52

58

78

92

COLUNA MÓVEL

ENTREVISTA

PAVILHÃO BRASIL

POESIA

TERRITÓRIOS

MEMÓRIA DAS AMÉRICAS

RUANGRUPA Benjamin Seroussi

QUASE COLETIVO

COLETIVOS DE JOVENS POETAS

ESPAÇOS POLÍTICOS

Alexia Tala escreve

conversa com integrante

Colaboradores de Bárbara

Ronaldo Bressane aborda

Espaço Cultural Armazém-

sobre como obra de

do coletivo indonésio que

Wagner e Benjamin de

as relações reais e fictícias

Coletivo Elza promove,

Fernando Bryce desenreda

assina direção artística

Burca descrevem processos

entre o infrarrealismo e o

em Florianópolis, ações

narrativas do poder

da Documenta 15

de atuação coletiva

realvisceralismo de Bolaño

de memória e ativismo

SELECT.ART.BR

JUN/JUL/AGO 2019

FOTO: CORTESIA FRB-B


SEÇÕES

66

8 14 16 30 38 42 104 108 114

ARTIVISMO

ESTÉTICA DA CONVIVÊNCIA Plataforma Explode! constrói redes a partir de projetos de imersão coletiva

Editorial Cartas / Expandida Da Hora Acervos Itaú Cultural Mundo Codificado Fogo Cruzado Crítica Reviews Em Construção

70 PORTFÓLIO

HEDONISMO CARIOCA Humor e alegria de viver fazem a obra relacional do coletivo de artistas OPAVIVARÁ!

16 DA HORA

BANCADA ATIVISTA Deputados eleitos a partir de candidatura coletiva falam sobre cultura no programa

96

32

BIENAL DE VENEZA

COLUNA MÓVEL

ENSAIO VISUAL

APOCALIPSE AGORA

COOPERATIVAESCOLA

BATE-BOLAS

58 Bienal reflete

O desafio de criar de um novo

um mundo de

projeto pedagógico, artístico

realidades paralelas

e social, para a região da

e distópicas

Pequena África carioca

a

82

Jovens fotógrafos documentam as identidades partilhadas de carnavalescos dos subúrbios do Rio FOTOS: CAROL GODEFROID/ PEDRO MAIA VEIGA/ CORTESIA OPAVIVARÁ!, A GENTIL CARIOCA/ FRANCISCO PRONER


E D I TO R I A L

8

MOVIDOS A FORÇA ARTÍSTICA

Tomo emprestada para o título do editorial da seLecT #43 a definição

que fornecerão os referenciais narrativos visuais e simbólicos para o pro-

que o coletivo OPAVIVARÁ! dá ao combustível de seu TRANSPORTE

cesso editorial. Nossas edições temáticas (43 pautas de discussão até

COLETIVO – os triciclos conectados que circularam pelo centro do Rio

hoje!) são lugares de encontro de olhares diversos. Às vezes divergentes.

durante o Viradão Carioca, em 2010 –, para afirmar o que nos move a

Com a ideia de fluidificar e expandir os limites desse coletivo seLecT,

fazer esta revista. Força artística!

inventamos, já no número 0 da revista (junho de 2011), a seção Coluna

É sintomático que o Prêmio que a seLecT recebe hoje da Associação

Móvel. Para nos certificarmos de que não nos acomodaríamos falando

Brasileira de Críticos de Arte pelo seu trabalho de difusão das artes vi-

apenas com e para os nossos pares. Definimos esse espaço fixo para

suais na mídia em 2018 chegue neste momento, coincidindo com uma

autorias mutantes, onde já escreveram psicólogos, cientistas sociais e

edição que celebra o coletivo. Este prêmio é para o núcleo duro que atuou

políticos, físicos, romancistas, historiadores, pesquisadores, arquitetos...

na seLecT em 2018, formado por Márion Strecker, Ricardo van Steen,

E, claro, críticos de arte.

Luana Fortes, Laila Rodrigues, Hassan Ayoub. O prêmio é também para

A circulação e a circularidade são prerrogativas do nosso projeto edi-

a editora convidada da edição Arte e sexo (#41), a artista Dora Longo

torial. Mas é muito bom ver voltar às páginas da revista vozes con-

Bahia, para as equipes guerreiras da Editora Acrobática e da Editora

hecidas, como, por exemplo, o coletivo MEXA, que esteve conosco na

Três, para a parceira Giselle Beiguelman, que deu estrutura aos primeiros

edição Gênero, com um projeto especial, e agora retorna respondendo

passos, para os colaboradores das quatro edições elaboradas no ano

à pergunta-chave: por que junto é melhor que separado?

passado. Acima de tudo, é o reconhecimento de oito anos de territórios

A gente concorda com os grupos, coletivos, organizações e comunidades

percorridos, que envolveram algumas centenas de cabeças pensantes.

que integram esta edição: junto é melhor que separado! Por isso com-

Uma revista é um coletivo de ideias! Nossos temas – palavras-chave em

partilhamos a alegria de fazer esta revista – e de vê-la se firmar como

torno das quais nos reunimos – funcionam, por que não, como os enredos

fórum de ricos debates – com todos os nossos colaboradores, leitores,

escolhidos pelas escolas de samba e pelas turmas de bate-bolas, que fi-

patrocinadores, apoiadores, parceiros, agregados e famílias expandidas.

guram num ensaio fotográfico desta edição: correspondem aos assuntos

Boa leitura!

Paula Alzugaray Diretora de Redação

SELECT.ART.BR

JUN/JUL/AGO 2019



EXPEDIENTE

10

FUNDADOR: DOMINGO ALZUGARAY (1932-2017) EDITORA: CÁTIA ALZUGARAY PRESIDENTE-EXECUTIVO: CARLOS ALZUGARAY EDITORA RESPONSÁVEL: PAULA ALZUGARAY

DIRETORA DE REDAÇÃO: PAULA ALZUGARAY DIREÇÃO DE ARTE: RICARDO VAN STEEN REPORTAGEM: LUANA FORTES DESIGNER: LAILA RODRIGUES

COLABORADORES

Alexia Tala, Aline Valadão, Benjamin Seroussi, Daniela Labra, Francisco Proner, Leandro Muniz, Manoela César, Márion Strecker, Michelle Sommer, Néri Pedroso, Ratão Diniz, Renan Otto, Ronaldo Bressane, Tuane Fernandes, Valda Nogueira

PROJETO GRÁFICO SECRETÁRIA DE REDAÇÃO COPY-DESK E REVISÃO

CONTATO

PUBLICIDADE

Ricardo van Steen e Cassio Leitão Camila Piccirillo Hassan Ayoub

faleconosco@select.art.br

DIRETOR NACIONAL: Maurício Arbex DIRETORA: Ana Diniz GERENTES-EXECUTIVOS DE PUBLICIDADE: Tania Macena e Luis Sergio SECRETÁRIA DIRETORIA PUBLICIDADE: Regina Oliveira EXECUTIVA DE PUBLICIDADE: Andréa Pezzuto COORDENADORES: Gilberto Di Santo Filho CONTATO: publicidade@editora3.com.br ARACAJU-SE: Pedro Amarante - Gabinete de Mídia - Tel./Fax: (79) 3246-4139/9978-8962. BELÉM-PA: Glícia Diocesano - Dandara Representações - Tel.: (91) 3242-3367 / 8125-2751. BELO HORIZONTE - MG: Célia Maria de Oliveira - 1ª Página Publicidade Ltda.; Tel./Fax: (31) 3291-6751 / 99831783. CURITIBA-PR: Maria Marta Graco - M2C Representações Publicitárias; Tel./Fax: (41) 3223-0060 / 9962-9554. FLORIANÓPOLIS-SC: Anuar Pedro Junior e Paulo Velloso - Comtato Negócios; Tel./Fax: (48) 9986-7640 / 9989-3346. FORTALEZA-CE: Leonardo Holanda - Nordeste MKT Empresarial - Tel.: (85) 9724-4912 / 88322367 / 3038-2038. GOIÂNIA-GO: Paula Centini de Faria – Centini Comunicação - Tel. (62) 3624-5570 / 9221-5575. PORTO ALEGRE -RS: Roberto Gianoni - RR Gianoni Com. & Representações Ltda. Tel./Fax: (51) 3388-7712 / 9985-5564 / 8157-4747. RECIFE-PE: André Niceas e Eduardo Nicéas - Nova Representações Ltda - Tel./Fax: (81) 3227-3433 / 9164-1043 / 9164-8231. BA/SALVADOR: André Curvello - AC Comunicação - Tel./ Fax: (71) 3341-0857 / 8166-5958. VILA VELHA-ES: Didimo EffgenDicape Representações e Serviços Ltda. - Tel./Fax (27)3229-1986 / 8846-4493 Internacional Sales: Gilmar de Souza Faria - GSF Representações de Veículos de Comunicações Ltda - Fone: 55 11 9163.3062. MARKETING PUBLICITÁRIO GERENTE: Maria Bernadete Machado DIR. DE ARTE: Pedro Roberto de Oliveira.

ASSINATURAS E OPERAÇÕES

CENTRAL DE ATENDIMENTO AO ASSINANTE

WWW.SELECT.ART.BR

Três Comércio de Publicações Ltda. Rua William Speers, 1.212, São Paulo - SP

(11) 3618.4566. De 2ª a 6ª feira das 09h00 às 20h30 OUTRAS CAPITAIS: 4002.7334 DEMAIS LOCALIDADES: 0800-888 2111 (EXCETO LIGAÇÕES DE CELULARES) ASSINE www.assine3.com.br EXEMPLAR AVULSO www.shopping3.com.br

SELECT (ISSN 2236-3939) é uma publicação da ACROBÁTICA EDITORA LTDA., Rua Angatuba, 54 - São Paulo - SP, CEP: 01247-000, Tel.: (11) 3661-7320 COMERCIALIZAÇÃO: Três Comércio de Publicações Ltda.: Rua William Speers, 1.212, São Paulo - SP; DISTRIBUIÇÃO EXCLUSIVA EM BANCAS PARA TODO O BRASIL: FC Comercial e Distribuidora S.A., Rua Dr. Kenkiti Shimomoto, 1678, Sala A, Osasco - SP. Fone: (11) 3789-3000. IMPRESSÃO: Log & Print Gráfica e Logística S.A.: Rua Joana Foresto Storani, 676, Distrito Industrial, Vinhedo - SP, CEP: 13.280-000

PAT R O C Í N I O :

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JUN/JUL/AGO 2019

REALIZAÇÃO:


MINISTÉRIO DA CIDADANIA, PORTO SEGURO E BASE7 PROJETOS CULTURAIS APRESENTAM

ANGELLA CONTE ARN ALDO PAPPALARDO DA N I E L F R O TA DE A B R E U ERICA FERRARI ERICA KAMINISHI JOÃO ANGELINI L AU R A G O RSK I E R E N ATA C R U Z PABLO LOBATO TIAGO MESTRE

de 11.05 a 21.07.19

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EXPOSIÇÃO G R AT U I TA terça a sábado, das 10h às 19h domingos e feriados, das 10h às 17h

Estacionamento Alameda Barão de Piracicaba, 634 Campos Elíseos - São Paulo/SP Alameda Barão de Piracicaba, 610 - Campos Elíseos - São Paulo/SP | (11) 3226-7361

PATROCÍNIO

CO-PRODUÇÃO

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REALIZAÇÃO

Vans gratuitas Estação Luz ↔ Espaço Cultural

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COLABORADORES

ALEXIA TALA Curadora independente, vive e trabalha entre o Chile e o Brasil. É curadora-chefe da 22 a Bienal Paiz Art na Guatemala e diretora da Plataforma Atacama. Foi curadora da 8 a Bienal do Mercosul, da 4 a Trienal Poly/ graphic de San Juan, América Latina e Caribe e da 20 a Bienal Paiz Art na Guatemala.

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coluna móvel bryce P 34

DANIELA LABRA Curadora, crítica e pesquisadora. Professora da Escola de Artes Visuais do Parque Lage (2007-2015), crítica de arte no jornal O Globo (2014-2016), professora do Node Curatorial Institute, de Berlim. Curadora-geral da Trienal Frestas 2017: Entre Pós-Verdades e Acontecimentos, Sesc Sorocaba, São Paulo. Vive no Rio e em Berlim. curadoria P 44

NÉRI PEDROSO Jornalista, vive e atua em Florianópolis (SC). Autora de Hassis (Tempo Editorial) e Coletiva de Artistas de Joinville: Construção Mínima de Memória (FCJ). Uma das organizadoras do livro Interlocuções Possíveis: Kosuth e Schwanke (Inst. Schwanke). territórios P 92

ALINE VALADÃO VIEIRA GUALDA PEREIRA

Artista graduada em Cinema pela Faap. Fundou o centro de trabalho e cultura Espaço.CC em 2018, onde organiza a programação de cursos e do cineclube.

ensaio visual P 82

select expandida P 14

LEANDRO MUNIZ

FOTÓGRAFOS DO ENSAIO VISUAL:

JUN/JUL/AGO 2019

Pós-doutoranda em Linguagens Visuais na UFRJ, doutora em História, Teoria e Crítica de Arte pela UFRGS, mestre em Planejamento Urbano e Regional, arquiteta e urbanista. Atua no ensino, pesquisa, crítica e curadoria de artes visuais.

poesia P 78

reviews P 106

FRANCISCO PRONER

TUANE FERNANDES

Fotógrafo curitibano, trabalha no Rio de Janeiro. Atua na cobertura jornalística de assuntos vinculados a movimentos sociais. Publicou o livro Nossa Grande Viagem (2016) e colabora com a Mídia Ninja e Jornalistas Livres.

ensaio visual P 82

Fotojornalista, natural do bairro periférico de Taboão da Serra (SP) e filha de professora de escola pública. Colaborou com Folha de S.Paulo, CartaCapital, National Geographic e VICE. Hoje integra o time de seis fotógrafos da agência @farpa.

BENJAMIN SEROUSSI

VALDA NOGUEIRA

RATÃO DINIZ

RENAN OTTO

Curador, editor e gestor cultural, é diretor-executivo da Casa do Povo. Foi curador associado da 31 a Bienal de São Paulo e diretor de programação do Centro da Cultura Judaica.

Fotógrafa e artista visual carioca, é formada e atua em fotografia documental humanista. É formada pela Escola de Fotógrafos Populares do Observatório de Favelas e estuda Artes Visuais na Uerj. Integra o coletivo Farpa e é membro da plataforma de mulheres fotojornalistas Women Photograph.

Fotógrafo formado pela Escola de Fotógrafos Populares, integrou até 2014 a agência Imagens do Povo. Registra periferias brasileiras com ênfase em símbolos de resistência. É autor do livro Ratão Diniz, Em Foto (2014) e trabalha no projeto Revelando os Brasis.

Fotógrafo e ativista focado no universo dos movimentos urbanos. Atuou a partir de 2012 na Escola de Fotógrafos Populares, projeto de João Roberto Ripper no complexo de favelas da Maré, que tem como objetivo o ensino da fotografia compartilhada.

entrevista P 52

SELECT.ART.BR

MICHELLE FARIAS SOMMER

Jornalista, escritor e professor de escrita criativa. Publicou os romances Escalpo (Reformatório, 2017), Mnemomáquina (Demônio Negro, 2014) e o romance gráfico V.I.S.H.N.U. (Companhia das Letras, 2012).

MANOELA CÉSAR

Mestre em Arte pelo PPGARTESUerj. Professora de Arte atuando na Rede Pública Municipal do Rio de Janeiro e pesquisadora das Turmas de Bate-Bolas há 13 anos.

Artista e pesquisador. Já realizou diversas curadorias e seus textos podem ser encontrados em publicações como a Terremoto e o Relieve Contemporáneo. Organiza o projeto Conversas no BREU. da hora P 20 | reviews P 110

RONALDO BRESSANE


13

circuito de artes visuais em Brasília

galerias

o lugar da arte ateliês

27 locais autônomos do Distrito Federal

venha viver essa experiência www.bsbplanodasartes.com.br @bsbplanodasartes

espaços híbridos


COMENTÁRIOS

"Muito merecido mesmo este ABCA!! Viva, viva a seLecT!" 14

"Um prêmio desses, num momento como este, vale o dobro! "

Meise Halabi , jornalista, via E-mail

Maria Clara Vergueiro, jornalista, via

"Parabéns, Paula e toda a equipe da seLecT! Que bom fazer parte de um pouco dessa história!" Luisa Duarte, crítica de arte, via Facebook

"Merecido! Pela persistência, pelo desejo constante de fazer sempre mais e melhor! Parabéns a Paula, Ricardo, Márion, Luana e toda a equipe!!!!" Daniela Bousso, curadora, via WhatsApp

Instagram

"Q MÁXIMO! Ultramerecido" Regina Vater, artista, via E-mail

"Que maravilhosoooo, supermerecidíssimo! Superparabéns!" Eli Sudbrack, artista, via E-mail

"Parabéns a todos os que fazem a seLecT!"

"Excelente!!! Parabéns!!!"

Silvio Frota, colecionador, diretor do

Sérgio Sá Leitão, Secretário de Cultura do

Museu da Fotografia (CE), via Instagram

Estado de São Paulo, via WhatsApp

"Parabéns, vocês merecem!"

"Muitos parabéns!"

Ana Mae Barbosa, professora e

Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural, via

pesquisadora, via Facebook

WhatsApp

"Parabéns, Paula Alzugaray e equipe, prêmio merecido pela qualidade, lutas, resistências e feitos"

Escreva-nos Rua Itaquera, 423, Pacaembu, São Paulo - SP CEP 01246-030

Parabéns! A cultura precisa resistir aos ataques e sobreviver.

www.select.art.br

Luis Pellegrini, jornalista, via E-mail

facebook.com/selectrevista

Rosa Iavelberg, professora e pesquisadora,

Muchas felicidades!!!

via Facebook

Emilio Alvarez, diretor da LOOP Barcelona,

instagram.com/revistaselect

via E-mail

twitter.com/revistaselect

Viva!! Merecido! Nossa revista referência!

Parabéns! Prêmio mais que merecido.

youtube.com/selectartbr

Eder Chiodetto, curador, via E-mail

Regina Teixeira de Barros, via Instagram

plus.google.com/+SelectArtBr

S E L E C T E X PA N D I D A O N L I N E Vídeo seLecTV de Manoela César sobre os coletivos Fulni-ô de Cinema (Águas Belas, PE) e Rádio Yandê (Rio de Janeiro, RJ), que participam do 36º Panorama da Arte Brasileira: Sertão, no MAM São Paulo. select.art.br/coletivos-panorama36

ERRAMOS Vernissage A última frase do texto sobre a individual de Daniel Mullen está fora de lugar. O texto termina com “unindo sensações e percepções”.

Da Hora Foi escrito que a exposição Passeata, da Galeria Simone Cadinelli Contemporânea, aconteceu

Minidocumentário Cidade Queer, dirigido por Danila Bustamante, produzido por meio das plataformas Explode!, Lanchonete. org e ArtsEverywhere, que trata do processo da Residência Explode!, realizada na Zona Leste de São Paulo por dez dias e dez noites select.art.br/cidadequeer-explode SELECT.ART.BR

JUN/JUL/AGO 2019

na cidade de São Paulo. O certo é Rio de Janeiro. Reviews A exposição de Alex Flemming não ocorreu no MAM-SP, como indica o box de serviço, mas na Galeria Emmathomas, na Alameda Franca, 1.054, até 21/3 www.emmathomas.com.br



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ATIVISTA, COLABORATIVA E SUPRAPARTIDÁRIA

sou com a seLecT sobre os desafios que tem encontrado no início de seu mandato, a importância da democratização de políticas públicas culturais e o caráter inerentemente pedagógico da arte.

Recém-eleita para a Câmara dos Deputados, Bancada Ativista fala sobre o modelo de candidatura coletiva e como

seLecT: De onde vem o modelo da Bancada Ativista? Vocês

a cultura aparece em suas proposições

se basearam em algum outro caso?

Todo deputado estadual tem direito a um orçamento fixo destinado

Bancada Ativista: Esse modelo foi construído a partir de uma

a montar equipes com 16 a 32 assessores. As candidaturas tradi-

frustração em comum com os rumos da política e a vontade de

cionais são individuais e só depois das eleições é revelado quem

buscar caminhos capazes de superar as limitações que vive-

fará parte do time. Nas eleições de 2018, dois casos fugiram dessa

mos em nosso sistema político. Assim, criamos um movimento

norma. Um deles foi o Coletivo Juntas, que concorreu pelo PSOL a

suprapartidário e de renovação política. Nesse sentido, cons-

Codeputadas Estaduais por Pernambuco, e o outro foi a Bancada

truímos (e ainda estamos construindo) um modelo de mandato

Ativista, constituída por nove representantes de causas e territórios

coletivo, visando oxigenar a política institucional e promover

diferentes, eleita com 149.844 votos, que concorreu pelo PSOL-

os princípios e práticas que defendemos, com grande foco

-SP, apesar de ser suprapartidária. O grupo de ativistas conver-

em transparência, pedagogia e participação. Nos inspiramos

SELECT.ART.BR

JUN/JUL/AGO 2019


centrado em uma pessoa só. Algumas formalidades da Casa são impeditivas para a nossa proposta, então temos desenvolvido estratégias para subverter o sistema. Por exemplo, a única codeputada que pode ir às sessões no Plenário e Comissões é a Mônica Seixas, cujo nome é oficialmente reconhecido como deputada. Então, para que as demais codeputadas possam ser ouvidas pelos parlamentares, criamos a estratégia de projetar a fala delas em vídeo durante a sessão. É uma forma de ocupar a tribuna – não ainda com a presença física, mas com a ajuda da tecnologia e um pouco de criatividade. Quais as áreas que vocês abarcam em sua atuação? Por que as escolheram? Nosso mandato reúne pessoas de origens diferentes, que já eram ativistas e especialistas em áreas diversas e que agora compõem um amplo escopo de atuação. Entre os temas que trabalhamos, estão: primeira infância e maternidades, saúde pública, questões étnico-raciais (as lutas da população negra e dos povos originários), saúde, segurança pública, direitos humanos, meio ambiente, orçamento participativo, direitos trabalhistas, cultura e educação. Entre vocês existe algum artista ou representante da cultura? Sim, o codeputado Jesus dos Santos, membro do coletivo cultural e comunicação/narrativa popular Casa no Meio do Mundo, integrante do Movimento Cultural das Periferias, músico e DJ, produtor e gestor cultural e de conteúdo. O também codeputado Fernando Ferrari é membro do sarau a Voz do Povo, poeta e integrante do Movimento Cultural das Periferias. E a codeputada Anne Rami é artista plástica, que se dedica à pintura e à ilustraCodeputados da Bancada Ativista, eleita com 149.844 votos para atuar na Assembleia Legislativa de São Paulo

ção, e cantora, soprano no grupo vocal As Joanas. Como a arte e a cultura entram no programa da Bancada? Duas das codeputadas participam efetivamente dos movimentos organizados de cultura, sendo por si só pauta e construção constante de nossa atuação na Alesp. Nosso mandato coordena a Fren-

em iniciativas como o Wikipolítica, do México, o Barcelona en

te Parlamentar em Defesa da Cultura instituída na atual legislatu-

Comú, da Espanha, e o Governo de (Antonio) Nariño, da Colôm-

ra e, em comunhão com os movimentos culturais, vai contribuir

bia. E também nos inspiramos muito nos novos movimentos

com a construção desse sistema no estado de São Paulo, possibili-

que estão surgindo pelo Brasil, como aqueles que compõem o

tando o acesso e a democratização das políticas públicas culturais.

Nova Democracia e o #OcupaPolítica. Para a Bancada, arte entra no espectro da educação? Como é trabalhar como coletivo em uma Câmara de Deputados?

Cultura é um ativo essencial na vida de qualquer pessoa, não

Tudo é bastante novo e desafiador. Estamos no início do nosso

existe uma só pessoa que não possua ou expresse uma cultura.

primeiro mandato, então temos nos dedicado a entender o fun-

Uns diriam que Educação e Cultura são duas mãos de um mesmo

cionamento da Assembleia Legislativa de São Paulo, que tem

corpo, uma não pode ser pensada sem a outra. Cultura é o que

características bastante específicas. Por outro lado, temos de

move e nutre todo o processo pedagógico, e que tem o papel de

explicar diariamente para as pessoas nossa proposta de man-

atuar na formação de um indivíduo crítico e socializado. Dar este

dato coletivo, pois é algo inédito nesta casa. Um dos principais

passo, de ter a cultura como elemento agregador no processo

desafios é fazer com que a Alesp reconheça a nossa estrutura

de ensino-aprendizagem, é permitir uma transformação capaz

coletiva, de poder compartilhado entre nove codeputadas e não

de sensibilizar e possibilitar trocas. LF

FOTO: PEDRO MAIA VEIGA

17


18

VENEZA

GLASSTRESS Mostra coletiva com curadoria de Vik Muniz e Koen Banmechelen, até 24/11, Berengo Art Space Foundation, Campiello Della Pescheria, Murano, Veneza, Itália Organizada desde 2009 pela Fundação Berengo, sempre paralelamente à Bienal de Veneza, a coletiva GLASSTRESS comemora dez anos ocupando um edifício onde funcionou um antigo forno de vidro, na ilha de Murano. Este ano com curadoria dos artistas Vik Muniz e Koen Banmechelen, o projeto convidou 196 artistas de todo o mundo para explorar as qualidades do vidro ou trazer obras fabricadas com o material. Entre eles figuram os brasileiros Artur Lescher – que aproveitou a oportunidade para manufaturar suas esculturas-pêndulos com o tradicional vidro de Murano

(foto) –, Denise Milan, Saint Clair Cemin e Janaina Tschäpe, o chinês Ai Weiwei e o cubano Carlos Garaicoa. PA

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JUN/JUL/AGO 2019

FOTO: FRANCESCO ALLEGRETTO


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SHARJAH

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LEAVING THE ECHOE CHAMBER 14 a Bienal de Sharjah, até 10/6

A expressão “câmara de eco” é utilizada para indicar a repercussão de informações ideologicamente orientadas, em que a origem das ideias é oculta e opiniões divergentes não são toleradas. Sob o título Leaving The Echoe Chamber – traduzido livremente por Sair da Câmara de Ecos –, a 14ª Bienal de Sharjah conta com três curadores e mais de 80 artistas, entre os quais estão as brasileiras Aline Baiana (na img., vista da instalação Various Works, 2019) e Laura Lima, que buscam multiplicar e fraturar o monopólio da circulação de informações, gerando outras narrativas e histórias possíveis, através de trabalhos comissionados, instalações, filmes e obras em grande escala. LM

S Ã O PA U L O

TENSÃO RELAÇÕES CORDIAIS Exposição coletiva, até 30/6, A Casa do Parque, Av. Prof. Fonseca Rodrigues, 1.300 | www.facebook.com/acasadoparquesp Em março, São Paulo ganhou um novo espaço de cultura e não foi nos bairros mais óbvios da cidade. Idealizada pela colecionadora Regina Pinho de Almeida, A Casa do Parque abriu de frente ao Parque Villa-Lobos, na Zona Oeste da capital paulista, para receber cursos, palestras e exposições de arte. Quem inaugurou a programação foi o curador Tadeu Chiarelli, que montou a coletiva Tensão Relações Cordiais, com um recorte da coleção de Almeida com 40 obras de 37 artistas (à dir., Sem Título #9, 2010, de Henry Krokatsis). Desde a sua inauguração, também aconteceram conversas sobre colecinismo, oficinas de dança com Uxa Xavier, eventos de culinária com Ariela Doctors e Priscila Vieira, além de cursos sobre cultura, arquitetura, design, ilustração e ciência. Para conferir os eventos da A Casa do Parque em aberto, acesse bit.ly/casadoparque. LF

SELECT.ART.BR

JUN/JUL/AGO 2019

FOTOS: CORTESIA DA ARTISTA, SHARJAH ART FOUNDATION/ DIVULGAÇÃO,


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MultiGrip® age em 15 minutos e é 5 em 1 contra a gripe.

Multigrip® cápsula (paracetamol 400 mg, maleato de clorfeniramina 4 mg, cloridrato de fenilefrina 4 mg), disponível nas apresentações 20 cápsulas, blisters com 4 e 10 cápsulas. Indicações: MultiGrip® é indicado no tratamento dos sintomas de gripes e resfriados. MultiGrip® é destinado ao alívio da congestão nasal, coriza, febre, dor de cabeça e dores musculares presentes nos estados gripais. MultiGrip® é contraindicado para pacientes com hipersensibilidade aos componentes da fórmula, pressão alta, doença cardíaca, diabetes, glaucoma, hipertrofia da próstata, doença renal crônica, insuficiência hepática grave, disfunção tireoidiana, gravidez e lactação sem controle médico. Durante o tratamento com MultiGrip®, não dirija veículos ou opere máquinas, pois sua habilidade e atenção podem estar prejudicadas. Multigrip® é um medicamento fabricado por Multilab Indústria e Comércio de Produtos Farmacêuticos Ltda. Reg. MS nº 1.1819.0021. Maio/2019. MULTIGRIP® É UM MEDICAMENTO. SEU USO PODE TRAZER RISCOS. PROCURE UM MÉDICO E/OU FARMACÊUTICO. LEIA A BULA.

SE PERSISTIREM OS SINTOMAS, O MÉDICO DEVERÁ SER CONSULTADO.


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S Ã O PA U L O

CORPO LIVRE Individual de Vania Toledo, até 14/6, Galeria MaPa, Rua Bela Cintra, 314 Vania Toledo fotografa o corpo masculino tratando-o como objeto escultórico ou como uma paisagem quase abstrata, disponível ao escrutínio do olhar. Corpo Livre é parte de uma série de 1996 que é apresentada pela primeira vez ao público (acima, fotografia Sem Título, de 1996). A prática de Toledo com fotografia também engloba a produção de capas de discos, livros, retratos e contribuições com publicações nacionais e internacionais. LM

S Ã O PA U L O

À NORDESTE Exposição coletiva, até 25/8, Sesc 24 de Maio, Rua 24 de Maio, 109 A mostra com curadoria de Bitu Cassundé, Clarissa Diniz e Marcelo Campos reúne 200 obras de 90 artistas, divididas em dez núcleos que pensam como o Nordeste pode ser um ponto de partida para se repensar o Brasil política, ética, afetiva e socialmente. O projeto parte da pergunta “À Nordeste do quê?” e conta com a participação de Ayrson Heráclito & Iuri Passos, Bárbara Wagner e Benjamin de Burca, Bispo do Rosário, Bruno Faria, Martha Araújo, Cristiano Lenhardt, Efrain Almeida e Juliana Notari (à esq., frame de videoperformance, 2014), além de diversos escritores e músicos como João Cabral de Melo Neto, Gilberto Freyre e Tom Zé, entre outros, apresentando um amplo espectro de pesquisa e reflexão sobre a arte e a cultura da região. LM

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FOTO: VANIA TOLEDO/ DIVULGAÇÃO


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RIO DE JANEIRO

ANNA BELLA GEIGER - AQUI É O CENTRO Até 7/7, MAM Rio, Av. Infante Dom Henrique, 85 www.mamrio.org.br A exposição da carioca Anna Bella Geiger gira em torno da noção de centro como local de ação e por isso tem como título Aqui É o Centro, emprestado do nome de uma gravura em metal realizada por ela em 1973. Com curadoria de Fernando Cocchiarale e Fernanda Lopes, a mostra divide-se entre duas partes. Primeiro, são apresentadas 20 obras emblemáticas de Geiger, feitas entre 1960 e 1990, pertencentes ao acervo do MAM Rio. Segundo, complementa a seleção uma releitura da exposição Circumambulatio, de 1972, em que a artista e seus alunos do curso de artes visuais do museu exibiram o resultado do trabalho coletivo do grupo (acima, retrato da artista com seus alunos na exposição em 1972). O título deriva de “circumambulação”, ritual de andar em espiral ao redor de objetos sagrados, como ocorre em cerimônias do Budismo, do Hinduísmo e do Islamismo. Para a dupla de curadores, a montagem histórica foi um divisor de águas na produção de Geiger. É depois dela que a artista passou a se aproximar de questões da arte conceitual, que começam a aparecer em sua obra após os anos 1970. “O centro não é simplesmente estático. Ele é o núcleo de onde parte o movimento do uno para o múltiplo, do interior para o exterior. [...] A passagem da circunferência para o seu centro equivale à passagem do externo para o interno, isto é, da forma à contemplação”, escreveu Geiger em 1972. LF

FOTO: ACERVO MAM RIO


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S Ã O PA U L O

RETRATOS NÃO OFICIAIS Paulo D’Alessandro, 13/7 a 13/10, Casa da Imagem, Rua Roberto Simonsen, 136 A individual de Paulo D’Alessandro, com curadoria de Henrique Sequeira, reúne cerca de 30 obras em que o artista registra personagens não oficiais da sociedade paulistana. A exposição é parte de um programa em que a Casa da Imagem tem como eixo curatorial a pesquisa de comportamentos e costumes e é o resultado de mais de seis meses de discussões entre o artista e o curador, refletindo sobre a fotografia documental, seus limites e convenções. Em diálogo, a instituição também mostra Cláudia Guimarães, que captou a cena noturna da cidade de São Paulo na passagem dos anos 1990 para os 2000. LM

D I ST R I TO F E D E RA L

2ª EDIÇÃO DO BSB PLANO DAS ARTES Circuito de espaços independentes do Distrito Federal, De 30/5 a 2/6, vários locais O BSB Plano das Artes é um circuito de espaços independentes que promove a difusão de galerias, ateliês ou centros culturais do Distrito Federal. O projeto é idealizado e curado por Cinara Barbosa. O evento busca mapear a cena local, fortalecendo o debate e estabelecendo conexões entre diferentes espaços através de apresentações de projetos e visitas (à

dir., Ralph Gehre, Antônio Obá e Iris Helena). Entre os participantes estão o Elefante Centro Cultural, Galeria MixMídia, Galeria Olho de Águia e Referência Galeria de Arte, entre outros convidados ou candidatos selecionados por meio de convocatória aberta até 2/5, como forma de ampliar a visibilidade da produção cultural da região. O tema desta edição é O Lugar da Arte, que será tratado tanto em processos de formação de professores, itinerários entre 28 espaços, realizados gratuitamente por vans disponibilizadas pelo evento, quanto em palestras e rodas de conversa. Além da promoção dos espaços de arte, o evento busca estimular o público da arte e despertar a atenção para regiões fora do eixo. LM

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JUN/JUL/AGO 2019

FOTOS: PAULO D’ALESSANDRO/ DIEGO BRESANI


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N O VA Y O R K

VISIONS OF BRAZIL: REIMAGINING MODERNITY FROM TARSILA TO SONIA Exposição coletiva, até 22/6, Blum and Poe Gallery, 19 East 66th Street Com curadoria de Sofia Giotti, a mostra é uma parceria com a Mendes Wood DM, como parte de um programa em que a galeria nova-iorquina Blum and Poe busca apresentar revisões da história da arte moderna. Como um amplo arco temporal sobre a produção brasileira que abrange mais de um século, o projeto conta com obras de Lygia Clark, Mira Schendel (foto), Sonia Gomes, Alberto da Veiga Guignard, Leonilson e Alfredo Volpi, entre outros, expondo uma multiplicidade de vozes que discutem os aspectos colonialistas dos processos de modernização no país. Discussões feministas, tensões raciais, economia e disputa de poder estão entre os tópicos que informam o conjunto. LM

RIO DE JANEIRO

ROSANA PAULINO: A COSTURA DA MEMÓRIA Até 25/8, MAR, Praça Mauá, 5 | museudeartedorio.org.br Assinada pelos curadores da Pina Valéria Piccoli e Pedro Nery, esta grande mostra monográfica de Rosana Paulino percorre os 25 anos de trajetória da artista, reunindo 140 trabalhos, entre esculturas, instalações, gravuras e desenhos (à dir., As Filhas de Eva, 2014). A pesquisa de Paulino, que é doutora em artes visuais e especialista em gravura, debruça-se sobre a posição da mulher negra na sociedade brasileira e as relações entre arte e ciência. É comum encontrar em seus trabalhos a ressignificação de imagens usadas no período escravocrata que pretendiam comprovar a falaciosa ideia de que a cor de pele branca era superior às demais. É o caso da instalação Assentamento (2013), que entre outros elementos traz gravuras que reproduzem em escala 1:1 a figura de uma mulher escravizada, retratada na metade do século 19 pelo fotógrafo Ausgust Sthal, a pedido do zoólogo suíço Louis Agassiz, um dos principais nomes do racismo científico, para a Expedição Thayer, que pretendia registrar tipos raciais brasileiros no Rio de Janeiro e na Amazônia. LF

FOTOS: GENEVIEVE HANSON/ DIVULGAÇÃO


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S Ã O PA U L O

NOVAS EFERVESCÊNCIAS Exposição coletiva, até 14/7, Espaço Cultural Porto Seguro, Alameda Barão de Piracicaba, 610 | espacoculturalportoseguro.com.br A exposição coletiva Novas Efervescências apresenta trabalhos inéditos de Angella Conte, Arnaldo Pappalardo, Daniel Frota de Abreu, Erica Ferrari, Erica Kaminishi, João Angelini, Laura Gorski e Renata Cruz, Pablo Lobato e Tiago Mestre. Os nove projetos foram selecionados – entre os 225 inscritos em edital – pela comissão formada pelos críticos e curadores Isabella Lenzi, Jacopo Crivelli Visconti e Ricardo Ribenboim. Focado em fomentar a criação artística, o projeto oferece aos artistas o valor bruto de R$ 5 mil e banca a produção do trabalho. Erica Ferrari mostra a instalação De Pedra, Bronze e Palavra (2019), que a partir da coleta de vestígios históricos reflete sobre a formação da identidade brasileira em espaços públicos. Arnaldo Pappalardo, por sua vez, exibe a instalação multimídia inédita Fotoreceptores: Cones e Bastonetes (acima, frame de um dos vídeos que compõem o trabalho, 2019), em que desafia o público a criar associações entre imagens apresentadas de forma não linear ou narrativa. LF

MILÃO

O AMOR SE FAZ REVOLUCIONÁRIO Anna Maria Maiolino, até 9/6, PAC Milano, via Palestro 14 A exposição de Anna Maria Maiolino é parte de um programa do PAC Milano em que importantes artistas da cena contemporânea são convidados pela instituição. A mostra reúne instalações feitas com argila crua diretamente sobre as paredes, desenhos, vídeos, fotografias e esculturas. As obras apresentam um amplo panorama da trajetória da artista ítalo-brasileira, relacionando experiências íntimas do universo cotidiano e doméstico com questões como a violência social e política, tendo o corpo e a lida com a matéria como eixos centrais da produção. LM

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JUN/JUL/AGO 2019

FOTOS: DIVULGAÇÃO/ NICO COVRE, VULCANO


RIO DE JANEIRO

RIO DOS NAVEGANTES Até abril de 2020, MAR, Praça Mauá, 5 www.museudeartedorio.org.br 27

Com curadoria de Evandro Salles, diretor cultural do Museu de Arte do Rio, a exposição trata sobre a história do Rio de Janeiro como cidade portuária. A abordagem transversal da mostra traça uma narrativa imagética, textual, histórica e poética a respeito do porto e seus arredores, englobando assuntos como a fundação da cidade, culturas originárias, revoltas e invasões, a chegada da família real e a cultura praieira. São exibidos, aproximadamente, 500 itens de diversas coleções, como do Museu Nacional e do Museu de Astronomia e Ciências Afins, entre os quais estão obras das artes visuais (à esq., still do vídeo ...Uma história que eu nunca esqueci..., 2013-2019, de Rosana Palazyan), objetos de navegação, mapas e barcos, além de trabalhos inéditos comissionados para a ocasião. Destaca-se na seleção uma tapeçaria rara feita pelo complexo de oficinas Manufatura dos Gobelins, fundado no século 17 na França. LF SÃO JOSÉ DO BARREIRO

INSTITUTO JOSÉ RESENDE Exposição inaugural, até 18/8, Instituto José Resende, Rodovia dos Tropeiros km 260, 171 | ijr.art.br Por iniciativa do escultor brasileiro José Resende e do marchand Paulo Fernandes, foi aberto, em maio, o novo Instituto José Resende (IJR), localizado no município de São José do Barreiro, situado entre São Paulo e Rio de Janeiro. Para batizar o terreno, o IJR apresenta um recorte de obras de Resende, feitas de 1960 até os dias de hoje, em uma curadoria de Ronaldo Brito (abaixo, conjunto de esculturas de José Resende em espaço expositivo interno do IJR). “O Instituto destina-se a cumprir duas tarefas básicas: expor as esculturas do artista de maneira íntegra, atendendo à sua lógica poética intrínseca, e atuar como polo emissor da obra no mundo”, escreve Brito sobre a mostra temporária, que fica em cartaz até 18/8. Terminado o período expositivo, a cada cinco meses serão convidados novos curadores para propor leituras diferentes a respeito dos trabalhos de Resende. O novo espaço cultural abre aos sábados e domingos, de 11 às 17 horas, e recebe visitas em dias de semana com hora marcada. LF

FOTOS: CORTESIA DA ARTISTA / CESAR FERNANDES


LISBOA

ZONA DE COEXISTÊNCIA – DIÁLOGOS COM A COLEÇÃO DUDA MIRANDA 28

Exposição coletiva, até 1º/6, DeBru - Rua Luciano Cordeiro, 2-C Na semana em que o mercado de arte português é atiçado pela ARCOLisboa, uma coleção fictícia expande o debate sobre colecionismo e invenção. Com curadoria de Cristiana Tejo, Zona de Coexistência propõe um diálogo com a coleção Duda Miranda, que reproduz obras dos artistas que admira, discutindo os limites da originalidade do trabalho de arte e da autoria. Este é o ponto de partida da exposição com participação de Marilá Dardot, Andrea Rocco, Daniel Moraes, Gerson Biscotto, Jack Mugler, Paula Clerman, Sonia Távora, Thalita Hamaoui – todos brasileiros residentes em Portugal – e, claro,

obras

selecionadas

da

Coleção

Duda

Miranda

(à dir., Caixa Otimista nº 1, 1968, de Robert Filliou). LM

LISBOA

HISTÓRIAS DE ROSTOS: VARIAÇÕES BELTING Exposição coletiva, até 15/9, Museu Coleção Berardo, Praça do Império, 1449-003 A partir das pesquisas do historiador da arte Hans Belting, obras de mais de 40 artistas entre modernos e contemporâneos pertencentes à coleção do museu estão reunidas em uma discussão sobre a representação do rosto. A mostra conta com nomes como Rivane Neuenschwander, Constantin Brancusi, Cindy Sherman, Almada Negreiros e Jorge Molder (abaixo, imagens da série Nox, 1999), entre outros que participam da curadoria coletiva de João Figueira, Katherine Sirois, Marta Mestre e da plataforma Imagens Migrantes/Ymago. Longe de uma abordagem que busque esgotar o assunto, a exposição tem um caráter ensaístico, em que livres associações fazem parte da pesquisa, permitindo relações inusitadas entre os trabalhos e a relevância desse assunto em uma era de selfies e imagens digitais. LM

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JUN/JUL/AGO 2019

FOTOS: DUDA MIRANDA/ JORGE MOLDER, CORTESIA MUSEU COLECÇÃO BERARDO


DJANIRA: A MEMÓRIA DE SEU POVO

LINA BO BARDI: HABITAT

Org. Adriano Pedrosa,

Chong Cuy, Julieta González e Tomás

Isabella Rjeille e Rodrigo

Toledo, Masp, 352 págs., R$ 139

Moura, Masp, 312 págs., R$ 139

Catálogo da mostra inaugurada no

A mais ampla monografia

Masp. Com edições em português,

sobre Djanira da Motta

inglês e espanhol, reúne materiais

e Silva já publicada

de arquivo, escritos de Lina Bo Bardi

acompanha exposição

e ensaios de diversos autores.

Org. Adriano Pedrosa, José Esparza

da artista realizada no Masp. Traz reproduções de obras, textos inéditos e históricos, além de uma seleção também inédita de recortes de documentos guardados pela artista ao longo da vida.

ARQUITETURA DE EXPOSIÇÕES: LINA BO BARDI E GISELA MAGALHÃES De César Augusto, Sesc, 196 págs., R$ 60 Trata das contribuições de Lina Bo Bardi e Gisela Magalhães para o campo da arquitetura de exposições.

HISTÓRIA DA FOTOGRAFIA AUTORAL E A PINTURA MODERNA

LETIZIA BATTAGLIA: PALERMO

De Claudio Edinger, Ipsis Gráfica

exposição de Letizia Battaglia no

e Editora, 376 págs., R$ 122,20

IMS do Rio de Janeiro e de São Paulo.

Mapeamento da fotografia

Reúne fotografias da artista italiana,

desde o século 19 e suas asso-

um resumo de sua trajetória e textos

ciações com a história da arte,

de Lorenzo Mammì, Leandro Demori e

através do processo de pesqui-

Paolo Falcone, curador da individual

sa do fotógrafo Claudio Edinger.

e organizador da publicação.

PINA BAUSCH De Fabio Cypriano, Sesi-SP e Edições Sesc São Paulo, 176 págs., R$ 120 Com fotografias do belga Maarten Vanden Abeele, o livro resulta de pesquisa sobre a peça Água, de Pina Bausch, criada a partir de viagens de sua companhia Tanztheater Wuppertal pelo Brasil.

Org. Paolo Falcone, IMS, 224 págs., R$ 114,50 Catálogo feito por ocasião de

O UNIVERSO DE EMANOEL ARAUJO, VIDA E OBRA De Claudio Leal, Capella Editorial, 320 págs., R$ 75 Trajetória de Emanoel Araujo com reproduções de 180 obras. Conta com textos de Claudio Leal, Odorico Tavares, Hugo Loetscher e do próprio artista.

FARNESE DE ANDRADE: MEMÓRIAS IMAGINADAS

PEDRO MORALEIDA: CANÇÃO DO SANGUE FERVENTE

De Denise Mattar, Galeria Almeida

Coord. Vitoria Arruda, Instituto Tomie

e Dale, 152 págs.

Ohtake, 249 págs. R$ 85

Catálogo de individual de Farnese

O catálogo conta com textos de Caro-

de Andrade com reproduções

lina de Angelis, Paulo Miyada e Veronica

de obras, citações sobre o artista,

Stigger junto a registros de obras e vistas

texto da curadora da mostra

da exposição do prolífico artista Pedro

Denise Mattar e cronologia.

Moraleida no Instituto Tomie Ohtake.

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A C E R V O S I TA Ú C U LT U R A L

GRUPOS, COLETIVOS E CONJUNTOS DE PROCEDIMENTOS

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Abordagem interdisciplinar, crítica ao sistema de arte e trabalho partilhado, alimentado pelas diferenças entre seus integrantes, são características de coletivos de ontem e de hoje PROJETOS COLETIVOS CULTURAIS O Observatório Itaú Cultural, programa que estimula o debate e a pesquisa sobre gestão e política cultural desde 2006, disponibiliza em seu site uma série de textos e entrevistas a respeito de coletivos culturais brasileiros. A iniciativa digital acontece há mais de quatro anos e traz diversidade de regiões e linguagens. Em fevereiro de 2019, o Observatório publicou um texto sobre o Mamana Foto Coletivo (fotos à dir.), formado pelas fotógrafas Bruna Custódio, Gabriela Biló, Jacqueline Lisboa, Janine Moraes e Mel Coelho. A matéria fala sobre como o coletivo surge de uma vontade de participar do contexto político que o Brasil vive desde 2013 e documentar a perspectiva feminina sobre o momento histórico. Depois, a série abordou o Espaço Cultural Filme de Rua, planejado e gerido pelo coletivo Filme de Rua. O grupo, que desde 2015 grava filmes com jovens em situação de vulnerabilidade, inaugurou em março um espaço, construído com apoio do Rumos Itaú Cultural, para exibições gratuitas de filmes independentes, encontros e laboratórios.

+

Links em bit.ly/coletivos-culturais-itau

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JUN/JUL/AGO 2019


VERBETES FLUXUS “(...) Menos que um estilo, um conjunto de procedimentos, um grupo específico ou uma coleção de objetos, o movimento Fluxus traduz uma atitude diante do mundo, do fazer artístico e da cultura que se manifesta nas mais diversas formas de arte. (...) Seu nascimento oficial está ligado ao Festival Internacional de Música Nova, em Wiesbaden, Alemanha, em 1962, e a George Maciunas (1931-1978), artista lituano radicado nos Estados Unidos, que batiza o movimento com uma palavra de origem latina, fluxu, que significa fluxo, movimento, escoamento. (...) De feitio internacional, interdisciplinar e plural do ponto de vista das artes, o Fluxus mobiliza artistas na França, Estados Unidos, Japão, países nórdicos e Alemanha. As músicas de John Cage e Paik,

CHELPA FERRO

comprometidas com a exploração de sons e ruídos tirados

O coletivo Chelpa Ferro foi criado em 1995 pelo pintor Luiz

do cotidiano, têm lugar central na definição da atitude

Zerbini (1959), o escultor Barrão (1959) e o editor de cinema

artística do Fluxus. (...) Integrantes do Fluxus estiveram pre-

Sergio Mekler (1963). (...) O grupo destaca-se na produção

sentes na 17 a Bienal Internacional de São Paulo, em 1983.

de arte contemporânea brasileira ao utilizar elementos sonoros justapostos aos visuais em suas obras. A abordagem interdisciplinar é revelada pela aparente desorganização meticulosamente orquestrada, criando espaço de fronteira entre os objetos articulados, o público e o som (...). Na obra do Chelpa Ferro, a percepção convencional de música é desconstruída. Cria-se uma nova linguagem sonora que, ao ser equalizada em função escultórica, assinala correspondências ativadas pela disposição e curiosidade do espectador. (...) Com quatro álbuns lançados (...), a discografia do coletivo registra experimentações sonoras em shows ao vivo e, em 2008, é publicado um livro com um panorama das criações do grupo.

GRUPO REX Apesar de sua breve existência – de junho de 1966 a maio de 1967 –, o Grupo Rex tem intensa atuação na cidade de São Paulo, marcada pela irreverência, humor e crítica ao sistema de arte. Os mentores da cooperativa, Wesley Duke Lee (1931-2010), Geraldo de Barros (1923-1998) e Nelson Leirner (1932) projetam um local de exposições – a Rex Gallery & Sons – além de um periódico – o Rex Time – que deveriam funcionar como espaços alternativos às galerias, museus e publicações existentes. Exposições, palestras, happenings, projeções de filmes e edições de monografias são algumas das atividades do grupo, do

CoBrA

qual participam também José Resende (1945), Carlos

Apesar do curto período de existência, de 1948 a 1951, o Grupo

Fajardo (1941) e Frederico Nasser (1945), alunos de Duke

CoBrA deixa rastros evidentes na história das artes visuais.

Lee. Instruir e divertir são os lemas do Grupo Rex e do seu

(...) A origem do movimento remonta a Paris, quando artistas

jornal; trata-se de interferir no debate artístico da época

(...) se retiram de uma conferência internacional sobre arte de

(...). No fim de 1967, a Exposição-Não-Exposição anuncia

vanguarda e redigem um texto propondo um trabalho artístico

que obras de Nelson Leirner podiam ser levadas da mostra.

partilhado, alimentado por suas distintas experiências nacionais.

Em poucos minutos a galeria ficou completamente vazia.

Assinam o manifesto Christian Dotremont, Asger Oluf Jorn, Joseph Noiret, Karel Appel, Constant e Corneille Guillaume Beverloo, na qualidade de representantes de grupos de arte experimental de seus países de origem. (...) São explícitas as ligações de vários artistas do CoBrA com o Partido Comunista (PC), assim como a ruptura empreendida posteriormente com o PC em virtude do realismo socialista (…). No Museu Cobra, criado em 1995, em Amstelsveen, Holanda, está depositada grande parte do acervo do grupo. (...) As obras de Rubens Gerchman e alguns trabalhos de Antonio Dias e Carlos Vergara, (...) são vistos como exemplos de leituras realizadas do movimento no Brasil.

FOTOS: CORTESIA MAMANAS/ EDOUARD FRAIPONT/ REPRODUÇÃO


C O L U N A M Ó V E L / THELMA VIL AS BOAS E JOÃO PAULO QUINTELL A

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COOPERATIVA-ESCOLA: AINDA É MUITO CEDO OU TARDE DEMAIS. SÓ QUE NÃO

Espaço comum do projeto Lanchonete<>Lanchonete, no Rio de Janeiro

É NESTE ESPAÇO-TEMPO, ONDE NADA ACONTECE, QUE A LANCHONTE<>LANCHONETE SE NEGA A VIVER. Não é cedo nem tarde, é a

hora. 500 anos esperando o gigante acordar para chegar em “um lugar” que, se houvesse acontecido de alcançar, certamente não seria original e tampouco faria sentido. Seria cópia. E novamente seria cedo ou tarde demais para uma explosão. Não! É tempo! Só não é tempo de ficar paralisado. Reconhecendo o crítico contexto socioeconômico, a crescente injustiça social e o anúncio do fim de políticas governamentais de proteção aos direitos das minorias e dos recursos naturais, um projeto desenvolvido com, para e na Pequena África tem como objetivo tanto avistar gestos de resistência diante da desumanização do presente como contribuir na estruturação de um pensamento sobre as mudanças de paradigmas também no campo expandido da arte. Para tanto, apresenta um movimento coletivo em um espaço comum, um boteco, com diversas estações de experimentações em diferentes campos do saber que colaboram para a potencialização das subjetividades de seus participantes, majoritariamente locais e de baixa renda, para seu desenvolvimento físico/intelectual e psíquico, através da convivência em um ambiente saudável, seguro, digno e rico nas diferenças e diversidades, favorecendo a troca de aprendizados e criando espaços-tempos sem violência. Oferece a oportunidade para a comunidade vivenciar as potencialidades da expressão artística na contemporaneidade de uma forma não institucional, onde o sujeito não é um visitante, um turista em seu próprio território. Isso não significa que o projeto é menos rico em referências e valores, muito pelo contrário. Ele surge de dentro para fora, não se querendo um estranho no ninho, mas sim um dispositivo verdadeiramente local, que fala a linguagem do seu território, que não violenta seu capital cultural, que não faz somente uma entrega de qualquer natureza. Ele é antes de tudo um processo de aprendizado coletivo desde o início, de troca e de escuta entre todos os seus interlocutores: articuladores, crianças, jovens, adultos, artistas, trabalhadores, professores, pesquisadores, vizinhos, amigos e parceiros nos propósitos de bem-estar social. A rede e os afetos já garantidos pelos três anos de desenvolvimento do projeto Lanchonete<>Lanchonete na Pequena África, área que engloba os bairros Saúde, Gamboa e Santo Cristo, na região central da cidade do Rio de Janeiro, SELECT.ART.BR

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além do compartilhamento de suas experiências, vivências e métodos, se lançam em um novo desafio: a organização de uma cooperativa-escola. Para os articuladores do projeto, que certos do quanto este movimento potencializa a interação entre a comunidade e outras áreas da cidade – e que, uma vez apropriados e participantes do processo, ganharão autoestima, maior sentimento de pertencimento, se tornarão autônomos e emancipados das diversas correntes de exclusão – buscam agora recursos e apoio para se atualizar de novo no espaço-tempo, onde nunca é cedo nem tarde demais. Só é o tempo de agir e fazer outra escola, livre, politizada e de constituição de sujeitos criativos, críticos, propositivos e saudáveis. É tempo de inventar modelos de redução de danos em um plano intergeracional de médio-longo prazo, como deve ser qualquer programa preocupado em de fato propor mudanças definitivas no tecido social. Não é cedo nem tarde demais. É a hora. FOTO: LANCHONETE<>LANCHONETE


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circuito de artes visuais em Brasília

galerias

o lugar da arte ateliês

27 locais autônomos do Distrito Federal

venha viver essa experiência www.bsbplanodasartes.com.br @bsbplanodasartes

espaços híbridos


C O L U N A M Ó V E L / A L E X I A TA L A

BRYCE: DESENREDANDO AS NARRATIVAS DO PODER

Imagens da série Américas (2005), em que Fernando Bryce revisita as primeiras edições da publicação oficial da Organização dos Estados Americanos

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COMENTAR A OBRA DE FERNANDO BRYCE, DESDE A MINHA PERSPECTIVA, PASSA NECESSARIAMENTE POR PENSAR UM TEMA RELEVANTE TANTO DENTRO COMO FORA DO CAMPO DA DISCIPLINA HISTÓRICA, uma relação

entre a dupla história-arquivo. Ao desconfiar da grande história que aprendemos na escola, e que tão habilmente ajuda a construir e a manter por séculos a hegemonia dos vencedores desde a sua modernidade, a arte contemporânea tem demonstrado uma abundante e profunda reflexão sobre o assunto. De acordo com vários pensadores, a crise da ciência histórica é um problema arrastado, até se transformar em sentido comum. A definição e os usos do arquivo – e suas transformações na atualidade – respondem a vários processos, cujos efeitos na construção histórica modificaram a maneira com que nos relacionamos com o passado. Esse fenômeno, desde a perspectiva do arquivo, foi vigorosamente estudado por autores como Hal Foster ou Ana Maria Guasch. Um importante paradoxo decorre a esse respeito: a crise como abertura, a desautorização das narrativas históricas hegemônicas, dando lugar às narrativas alternativas e aos usos alternativos do arquivo. A obra de Fernando Bryce dialoga com esse paradigma, ao mesmo tempo que explora as possibilidades do arquivo a partir de uma mesma operação. Seu trabalho consiste na reprodução manual de

documentos e imagens históricas, extraídos de meios de comunicação de massa como jornais e revistas, por meio do desenho em tinta nanquim sobre papel. Nessas cópias, caracterizadas por seu rigor e fidelidade visual, o artista desenvolve o que chama de “análise mimética”. Os resultados são grandes constelações de desenhos que passam a ideia de uma história disseminada, que em seus contrapontos se opõe à oficialidade transmitida originalmente, em uma apropriação visual sempre carregada de ironia. Nessa história de fragmentos visuais, cada peça corresponde a uma engrenagem que se potencializa em suas inter-relações. Em sua totalidade, nos é transmitida a mencionada realidade do arquivo, um conceito desintegrado do arquivo. Nessa operação, a obra de Bryce caminha concomitantemente para uma sentença que

FOTOS: CORTESIA DO ARTISTA


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Imagens da série Atlas Perú (2000-2001), de Fernando Bryce, feitas com referência a jornais e revistas que contam a história do século 20 no Peru

hoje contextualiza nossa sensibilidade em relação à história: a perda de um sentido único e a proliferação de “outras” memórias. Estas, influenciadas pelas catástrofes do século 20 ocorridas na América Latina, das quais Bryce se aproxima com sua obra. É o caso da série Américas (2005), em que o artista revisita a primeira década de edições da publicação oficial da Organização dos Estados Americanos (OEA), reproduzindo com nanquim algumas das páginas que exibem o olhar norte-americano sobre o Pós-Guerra. Ali, utopia, progresso e subdesenvolvimento se colidem entre as interpretações do continente. O trabalho abarca questões recorrentes no corpo de sua obra, como o pensamento revolucionário e a identidade latino-americana. Envolvidos sempre em amplas investigações e pesquisas de documentos, os conjuntos construídos pelo artista – que seguem um padrão de quadros simples, alinhados simetricamente – procuram fazer uma reconstituição alternativa do passado, por exemplo, a partir dos problemas vividos pelos países latino-americanos, recipientes das mais cruéis crises induzidas. Na obra, destaca-se a sua preocupação em enfocar a história peruana. É o caso de Atlas Perú (2000-2001), série composta de mais de 500 desenhos, em que imagens de jornais e revistas contam a história do século 20 no Peru por meio da visualidade.

Através da operação da cópia, sua obra favorece a criação de um novo arquivo e, com isso, a construção de uma nova história visual. Ao extrair as imagens de seu contexto de circulação de massa, ao removê-las de seu passado, desnaturalizá-las e dar-lhes um novo sentido crítico, a história enfrenta seus autores. Assim, a obra de Bryce é uma entrada para se pensar as transformações das noções de história e de arquivo. Se antes podíamos delimitar claramente o arquivo, hoje nos perguntamos se existe algo que não possa chegar a se converter em arquivo. A arte que trabalha com a história – e, particularmente, obras como as de Fernando Bryce refletem esta questão – mostra que os materiais históricos são fundamentais para continuar desenredando as narrativas do poder, a fim de questionar seu discurso hegemônico.

FOTOS: CORTESIA DO ARTISTA


MUNDO CODIFICADO

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HISTÓRIAS PRA NINAR GENTE GRANDE O SAMBA-ENREDO QUE DEU A VITÓRIA À ESCOLA DE SAMBA ESTAÇÃO PRIMEIRA DE MANGUEIRA NO CARNAVAL DESTE ANO, NO RIO DE JANEIRO, TRAZ UMA SÉRIE DE REFERÊNCIAS HISTÓRICAS que nem todos os brasileiros aprenderam na escola. Por isso é necessário decodificar a sua letra. Para que o Brasil conquistasse a independência e abolisse a escravidão, muitas mulheres, negros e índios precisaram lutar e morrer. São alguns desses heróis e heroínas que a Mangueira ilumina, em vez dos príncipes, princesas e generais que ainda hoje dão nome às nossas ruas, avenidas, pontes e estradas. Oficialmente, os autores da composição são Deivid Domênico, Tomaz Miranda, Mama, Marcio Bola, Ronie Oliveira e Danilo Firmino. Extraoficialmente, aparece também como coautora Manu da Cuíca, que não assinou por já estar concorrendo em outra escola. Salve a Mangueira, pela aula de História!

MÁRION STRECKER

RETINTO Tinto novamente, que tem cor carregada. Dizia-se dos negros muito negros. A música refere-se ao fato de que muitos dos “heróis” brancos retratados nos livros de História do Brasil se fizeram à custa do sangue dos negros, sem os quais a economia, a cultura e o sistema político do País não teriam se desenvolvido.

TAMOIOS

O Último Tamoio (1883), pintura de Rodolfo Amoedo, representa Aimberê, líder dos Tamoios, morto nos braços do padre Anchieta

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Referência a uma notável aliança de povos indígenas do século 16, no Sudeste brasileiro. Liderada pela nação Tupinambá, a chamada Confederação dos Tamoios resistiu por décadas aos portugueses, que queriam escravizar os índios para o trabalho nas plantações de cana-de-açúcar.


HERÓIS DE BARRACÕES

Mangueira, tira a poeira dos porões

Barracão é o nome que se dá ao local onde os integrantes de uma escola de samba se encontram, criam, ensaiam e montam os carros alegóricos que serão usados nos desfiles de Carnaval.

Ô, abre alas pros teus heróis de barracões Dos Brasis que se faz um país de Lecis, Jamelões São verde e rosa, as multidões

Brasil, meu nego Deixa eu te contar A história que a História não conta O avesso do mesmo lugar Na luta é que a gente se encontra

Brasil, meu dengo A Mangueira chegou Com versos que o livro apagou Desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento Tem sangue retinto pisado Atrás do herói emoldurado

LECIS, JAMELÕES A compositora e cantora Leci Brandão (1944), atual deputada estadual (PCdoBSP), e o cantor Jamelão (1913-2008), lendário puxador de sambas da Mangueira, onde atuou de 1949 a 2006, são citados como músicos e heróis do barracão da escola.

Mulheres, tamoios, mulatos Eu quero um país que não está no retrato MULATOS Há duas teorias para a origem do termo que designa as pessoas que descendem de africanos e europeus. Do latim mulus (mula), é uma analogia ao animal que nasce do cruzamento de cavalo com jumenta ou de jumento com égua, por isso o termo é considerado pejorativo. Outra teoria é que mulato provém do árabe mowallad , que seria o nascido de pai árabe e mãe estrangeira. FOTOS: DOMÍNIO PÚBLICO/ COLEÇÃO ARQUIVO NACIONAL/ REPRODUÇÃO


Capa da Revista Illustrada de 1884 com litogravura de Angelo Agostini que retrata Francisco Nascimento

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DRAGÃO DO MAR O jangadeiro mestiço Francisco José do Nascimento, também conhecido como Chico da Matilde ou Dragão do Mar, era de Canoa Quebrada, no município de Aracati, Ceará. Ele recusou-se a transportar para os navios negreiros os escravizados vendidos para o Sul e liderou uma greve no mercado escravista do Porto de Fortaleza, em 1881. A abolição da escravatura naquela região ocorreu quatro anos antes da Abolição no restante do Brasil.

CABOCLOS DE JULHO O Caboclo e a Cabocla são imagens usadas em cortejos nas festividades de 2 de Julho em Salvador, Bahia. Personagens anônimos, representam a vitória nas guerras de Independência, quando descendentes de índias com portugueses (os chamados caboclos) integraram batalhões juntamente com negros escravizados e libertos, sertanejos e outros voluntários que lutaram em 1824 e expulsaram os portugueses de Salvador. Paramentado como guerreiro, o Caboclo esmaga a seus pés uma serpente, representando a tirania e dominação portuguesas.

MARIAS Maria Filipa de Oliveira (?-1873), marisqueira e pescadora da Ilha de Itaparica (Bahia), descendente de negros escravizados do Sudão, lutou pela Independência da Bahia. Um dos feitos de Filipa foi liderar um grupo de 200 pessoas, entre as quais negras e índios Tupinambás e Tapuias, contra os portugueses. Seu grupo queimou 40 embarcações portuguesas que atacavam a ilha. Outra Maria que se destacou na luta pela Independência da Bahia foi Maria Quitéria de Jesus Medeiros, que se vestiu de homem para lutar no Exército pela expulsão dos portugueses. Apenas em 2018 Maria Filipa e Maria Quitéria tornaram-se oficialmente heroínas da Pátria. SELECT.ART.BR

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À esq., retrato de Maria Quitéria de Jesus. À dir., retrato com figura atribuída a Maria Filipa de Oliveira


DANDARA Guerreira negra do século 17, líder quilombola e capoeirista, foi companheira e mãe de três filhos de Zumbi dos Palmares. Depois de presa, matou-se ao se jogar de uma pedreira para não retornar à condição de escrava. Dandara dos Palmares hoje é oficialmente uma heroína da luta contra a escravidão no Brasil.

CARA DE CARIRI Referência aos índios Cariris, do norte do Rio São Francisco, e sua resistência à colonização portuguesa. A Confederação dos Cariris ocorreu entre 1683 e 1713, estendendo-se do Ceará ao Rio Grande do Norte e à Paraíba.

Brasil, o teu nome é Dandara ANOS DE CHUMBO

E a tua cara é de Cariri

MARIELLES

Referência à mais dura fase da ditadura militar brasileira, entre 1968 e 1975, quando houve o desaparecimento, tortura e assassinato de centenas de militantes civis e ativistas considerados subversivos pelo governo. O aço representa a resistência à ditadura.

Não veio do céu Nem das mãos de Isabel A liberdade é um dragão no mar de Aracati

Salve os caboclos de julho

Marielle Franco (1979-2018), nascida em favela do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, foi socióloga formada pela PUC, feminista, bissexual e defensora dos direitos humanos. Era vereadora pelo PSOL quando foi assassinada a tiros, juntamente com seu motorista.

Quem foi de aço nos anos de chumbo Brasil, chegou a vez De ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês

MAHINS Pertencente à tribo Mahi, da nação africana Nagô, Luiza Mahin nasceu no começo do século 19 em Costa Mina e foi trazida ao Brasil escravizada. Esteve envolvida na articulação de todas as revoltas e levantes de escravos na então Província da Bahia. Era quituteira e de seu tabuleiro saíam mensagens em árabe que alimentaram a Revolta dos Malês (1835). Também participou da revolta separatista Sabinada (18371838). É mãe do poeta e abolicionista Luiz Gama. Apenas em 2017 surgiu o projeto de lei para inscrever os nomes de Dandara dos Palmares e de Luiza Mahin no Livros dos Heróis da Pátria, depositado no Panteão da Pátria e da Liberdade em Brasília. Aprovado, o projeto foi para sanção presidencial em abril deste ano.

Marielle Franco faz fala pública em 2016

MALÊS Revolta dos Malês foi uma rebelião ocorrida em Salvador em 1835, no fim do mês sagrado do Ramadã. Malê é uma corruptela de imalê, que quer dizer muçulmano em iorubá. Os malês eram afro-muçulmanos bilíngues de diferentes etnias, dominavam o árabe escrito e queriam implantar na Bahia uma nação Malê. Quando o motim foi controlado, 70 revoltosos foram mortos, 300 foram presos e julgados e as penas variaram de açoites, trabalhos forçados, deportação e pena de morte. Os africanos muçulmanos foram proibidos de circular à noite em Salvador e de praticar sua religião. Naquela época, Salvador tinha cerca de 65 mil habitantes, 4 em cada 10 eram escravos e os brancos não passavam de 20%. FOTOS: BIBLIOTECA DO SENADO FEDERAL/ REPRODUÇÃO


FOGO CRUZADO

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POR QUE JUNTO É MELHOR QUE SEPARADO?

Coletivos artísticos, de arquitetura e de performance justificam a escolha por trabalhar em grupo e levantam a importância de atuar coletivamente, mesmo que para isto seja preciso enfrentar desacordos e conflitos

Registro da performance Cancioneiro Terminal 10mg - Eterno Work in Progress

MEXA, coletivo de performance, São Paulo Porque qualquer outra escolha seria escolher ignorar que a gente não consegue mais ficar sozinho. Mas não do jeito romantizado. Não há espaço para um sem o juntos. Senão um excessivo ignorar do espaço, do ar, do cheiro que vivemos, ocupamos e produzimos. Não há mais um espaço dado para o luxo de estar sozinho. Não na gente. E entendendo esta ideia romântica do estar juntos, quando conseguimos estar juntos, de verdade e não fantasmagoricamente ou em nossas mentes, o imaterial que resulta desse estar juntos transforma-se em nosso material de trabalho. Aquele que alguma vez escolhemos para trabalhar torna-se muito difícil de negar ou estúpido de tentar reverter. Imaginem criar o des-juntar. O estar juntos é pesado, dá muito trabalho. O estar juntos traz os que estão ofendidos perto dos que escondem investigações secretas e, neste cansativo trabalho de estar juntos, estes dois colidem em algo que nós estamos interessados em performar, como performers de SELECT.ART.BR

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um grupo de performance. Podemos nos encontrar seguros como pessoas que perderam todos os seus privilégios, mesmo sem nunca ter tido noção deles; podemos imaginar uma luta entre uma representante transfeminista e uma feminista que se baseia no material do feminismo, que reclama uma vagina ou um útero. Podemos nos opor a uma travesti que, ofendida, disse que ser transgênero está longe de ser uma doença contagiosa. A gente fica do lado da doença, que longe de ser uma responsabilidade só do doente, é uma responsabilidade social, de um poder incontrolável. A gente pode flertar com o médico que insiste em patologias, decidindo quem sãos os doentes clínicos; a gente quer a prescrição da droga. Nunca sempre dá certo. A gente entende aquilo romântico do juntos, mas a gente está junto porque teve um dia que parar de ignorar que não tinha outra forma possível de estar sozinho neste trem. Todos nós somos como esta Azaleia Branca, temos belezas, purezas, franquezas. Todos os dias exalamos uma pureza referente ao ar livre dicada dia. Ate o dia de parti. Ali sozinhos.


MICRÓPOLIS, coletivo de arquitetos, Belo Horizonte Quando começamos a trabalhar juntos, a nossa maior motivação era a possibilidade de experimentar uma tipologia de trabalho que não encontrávamos dentro da universidade e, muito menos, nos formatos dos escritórios que atendem às demandas do mercado formal de arquitetura. A busca por essa outra via, um caminho que naquela época parecia ser ainda um tanto nebuloso e incerto (e hoje nem tanto), só seria possível com um esforço coletivo, por meio do qual foi possível testarmos uma estrutura experimental de trabalho, livre de uma organização hierárquica e das amarras da autoria individual. Hoje entendemos que fazer junto é também dissentir, e uma relação de trabalho horizontal e flexível deve estar disposta a lidar com os desacordos. Afinal, a coletividade é composta de indivíduos com pontos de vista divergentes que se envolvem para elaborar e responder questões comuns, motivados por interesses e afetos compartilhados. Nesse processo, os desacordos e os conflitos são constantes, o que poderia ser encarado como obstáculo. Mas preferimos enxergar isso com uma inquietude produtiva, que nos faz debater, revisar, antecipar problemas e desenvolver a nossa prática constantemente. E essa construção só se consegue fazer junto.

ATELIER DO CENTRO, coletivo artístico, São Paulo Acredito que a ideia de “separado” seria, para começar, um equívoco, considerando que mesmo aqueles que construíram qualquer coisa no “isolamento” são devedores de uma tradição, de uma história, de um contexto, e estavam bem cientes que faziam parte de um coletivo, nem que este seja a própria espécie humana – não estavam sozinhos. Não acho que seja uma questão de ser melhor ou pior “junto” ou “separado”, mas acho que a ideia de separado é fantasiosa, já que vivemos e lidamos diariamente com o outro. É extremamente importante sermos capazes de desenvolver a capacidade de dialogar com o mundo, com o que está fora de nós, com o outro, com problemas reais, para não passarmos uma vida girando em torno do próprio umbigo. Nada se constrói sozinho.

FOTOS: MARCELO MUDOU/ MICRÓPOLIS/ ATELIER DO CENTRO

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CURADORIA

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COLETIVOS BERLIM-BR: SE PODÁ A G E N T E B R O TA DA N I E L A L A B R A

Este ensaio-curadoria aponta, de modo não hierarquizado ou conclusivo, redes de criação artística e ativismos baseados em Berlim, com membros ou fundadores brasileirxs. Pessoas conectadas a coletividades gentilmente compartilharam suas experiências e a partir delas localizamos organizações independentes, festivais de teor político e artístico, coletivos de DJs e frentes de resistência em defesa dos direitos humanos no Brasil. A atuação de indivíduos do País em empreitadas Fórum Resiste Brasil - Berlin, criado em dezembro de 2018 por ativistas, coletivos e ONGs atuantes na capital alemã, organiza manifestação no Portão de Brandemburgo contra o golpe militar brasileiro de 1964 em contraponto às “comemorações” oficiais realizadas no Brasil

ativistas, artísticas e criativas não é desprezível, e aqui tentamos traçar um cenário múltiplo.

FOTO: CORTESIA FÓRUM RESISTE BRASIL

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BERLIM SOMENTE HOJE ALCANÇA A MESMA POPULAÇÃO QUE TINHA NA DÉCADA DE 1920 (4 MILHÕES), SENDO UM TERÇO DELES FORMADO POR HABITANTES ESTRANGEIROS. A CENA DE COLETIVOS TRABALHANDO NA CIDADE É DINÂMICA E PLURAL, e se renova de acordo

com o ritmo de transformações imposto especialmente nos anos 1990, quando virou capital da Alemanha reunificada. Desde então, Berlim passa por um processo de reconstrução radical, com injeção de capital privado que investe da construção de shoppings a hortas comunitárias na paisagem, em gentrificação constante. Após a queda do Muro, a cidade era repleta de terrenos baldios e estruturas abandonadas. Para ocupá-las, o governo dava facilidades e subsídios a investimentos e experimentos arquitetônicos. A moradia barata atraía gente, enquanto iniciativas de residência coletiva SELECT.ART.BR

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seguiam o modelo dos squatts dos anos 1970, surgidos no lado Ocidental. O squatting foi um movimento antinazista e anticapitalista de ocupação não autorizada de prédios vazios com fim de habitação – com cozinhas comunitárias, gráficas coletivas, bibliotecas, bares etc. Para ocupar áreas do lado Leste, nos anos 1990, squatts legais e temporários foram permitidos até a gentrificação chegar. Hoje há algumas residências exemplares, com diretrizes diversas, como a Kunsthaus Kule, casa coletiva de artistas e espaço cultural independente fundada há mais de 25 anos no Mitte; a Green House Berlim, iniciativa com capital privado na periferia, para até cem residentes, com ateliês, flats, espaços de convivência e exposições; ou Groni 50, moradia cooperativa dos anos 1980 que realiza eventos como o Küfa, mostra mensal de filmes e debates.


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Na pág. ao lado, coletivo queer MASH-UP! leva a festas sem fins lucrativos line-ups políticos e sexy. À dir., ato Um Ano Sem Marielle em frente à embaixada brasileira em Berlim, organizado pelo Fórum Resiste Brasil - Berlin

ESTAR ESTRANGEIRA

Residir em outro país implica colocar em crise noções de pertencimento e identidade, impingindo o sujeito a afirmá-las ou deixálas mais fluidas no curso inevitável do autoconhecimento. Afinidades identitárias, intelectuais e políticas motivam a aproximação de indivíduos no desterro, formando redes de afeto, solidariedade, cooperação e trabalho. A cineasta e videoartista carioca Barbara Marcel, doutoranda pela Universidade de Weimar, mestra pelo programa Arte e Contexto da Universität der Künste (UdK), volta sua prática artística para assuntos de justiça socioambiental e processos colaborativos, entre outros temas. Ela acompanha iniciativas como o GIRA Festival de Resistências, cuja primeira edição aconteceu em setembro de 2018, organizado por um coletivo diverso de brasileirxs residentes

na cidade. Por três dias o GIRA programou atividades na Kunsthaus Kule, no Prinzessinengarten – jardim comunitário e espaço de agroecologia e urbanismo sustentável, e no S.U.S.I. – Centro Intercultural de Mulheres. Na programação, debate sobre feminismo negro organizado pelas artistas e ativistas Uriara Maciel, Marly Borges e Tâmera Bak, e encontros para discutir diversidade de gênero e visibilidade lésbica, direitos reprodutivos da mulher, resistência e cultura indígena, lutas sociais de base no campo e na cidade, produção artística militante... Outros convidadxs e participantes, presenciais ou virtuais, foram Bárbara Santos, diretora artística do Espaço Kuringa, Berlim, centro para multiplicação criativa do Teatro do Oprimido, os coletivos DASPU, Afojubá Berlim Maracatu, Coletivo Papo Reto e Casa das Pretas. Mais estritamente político é o Fórum Resiste Brasil-Berlim, criado em dezembro de 2018 por ativistas, coletivos e ONGs atuantes na capital alemã, pela democracia e os direitos humanos no Brasil. O objetivo é unir coletivos, dar suporte a ativistas independentes, conectar com organizações internacionais, dar mídia a eventos e ações entre as instituições e partidos políticos alemães e brasileiros. O FRB-B organizou manifestações pelo assassinato da vereadora Marielle Franco, em defesa dos direitos do ex-preFOTOS: NARA VIRGENS/ BARBARA MACEL


Berlim tornou-se um

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hub hipster e não é mais o centro da expressão livre de outrora. Contudo, sua condição de urbe mutante – com subsídios e instituições sólidas – permite experimentos utópicos de convivência e política

Acima, Food Recue Project, do coletivo Be Bonobo; Leite de Pedra (2018), trabalho de Caíque Tizzi; registro da perfomance THE HAIRY GODDESS MISSTORY (2017), de Érica Zíngano, Marion Breton, Tatiana Ilichenko, Barbara Marcel e Tom Nóbrega SELECT.ART.BR

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sidente Lula, de pressão a empresas alemãs que lucram com as armas no Brasil ou com o desmatamento da Amazônia, de denúncia a ataques a direitos das mulheres, LGBTQI, indígenas, quilombolas, populações pobres e periféricas. Outras iniciativas somam ativismo à arte e ao entretenimento. É o caso do coletivo queer MASH-UP!, que começou como um caminhão de som na parada LGBTQI alternativa no bairro de Kreuzberg, em 2011, e daí começou a itinerar em clubs. A DJ Marie Leão vê os inícios da MASH-UP!, em 2008, inspirados pelo evento independente Queer Park, no Görlitzer Park. Também cita o Muvuca, espaço misto de bar, restaurante e centro cultural do início dos anos 2000, precursor de uma cena queer multigender e multicultural, organizado por Sandra Bello


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Festa organizada pela rede coletiva Voodoohop, que tem 20 integrantes moradores de diferentes cidades, como São Paulo e Berlim

e Marly Borges. Quanto ao MASH-UP!, ele traz line-ups “sexy-political” poderosos e se considera uma plataforma ativista intersecional. As festas sem fins lucrativos cobram ingressos a preços baixos. Pagam-se os DJs e um fundo coletivo, sendo o “lucro” doado a organizações ativistas. Hoje elas são nove mulheres, entre as brasileiras Marie, DJs Grace Kelly e Nara. Já receberam nos eventos, entre muitos nomes, Lynn da Quebrada, Solange Tô Aberta e Cigarra, da Voodoohop – uma rede coletiva orgânica de DJs e realizadores fundada há dez anos em São Paulo, com mais de 20 integrantes de várias origens, pelo mundo, inclusive Berlim. Suas festas são experiências de música integradas a instalações e performances em uma estética transcultural lisérgica e livre.

Entre as iniciativas que hoje se transformam está o Agora Collective. Fundado por Caíque Tizzi e Pedro Jardim, em Neukölln, em 2011, o projeto multiartístico começou pela reunião e desejo de jovens em criar um espaço relacional de criação não acadêmica em artes, gastronomia e outros. Foram oito anos de projetos colaborativos em residências artísticas, seminários, festas, workshops, ateliês, co-working e eventos coordenados por vários membros. Ganharam fundos europeus como do Programa CAPP (2014-2018), mas, após se mudar para um galpão industrial, em um acordo com a fundação suíça Edith Maion, ficaram impedidos de progredir por conta de problemas intrínsecos à gentrificação da cidade. Por ora, o Agora Collective está um coletivo nômade e Tizzi, artista e diretor artístico do espaço Agora, volta-se para colaborações com outras pretensões, como o Babes Bar, espécie de cabaré-restaurante performático. Por fim, a experiência coletiva temporária de Insurgências, plataforma para artistas latino-americanos residentes em Berlim, organizada pela curadora e educadora espanhola Paz Ponce, no Agora, em 2018, FOTOS CORTESIA MOANA MAYALL/ LUIS ARTEMIO DE LOS SANTOS/ TATIANA ILICHENKO/ MARINA FAÉ


PORTFÓLIO

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À esq., STRAVAGANZA (2014), trabalho do Agora Collective apresentado no Project Space Festival Berlin. À dir., chamada pública da plataforma Insurgências para artistas latino-americanos com práticas críticas residentes em Berlim

projeta trabalhos e artistas com temáticas que discutem marcas de sangue na história colonial, nos corpos e subjetividades da América Latina. No projeto, pessoas de Brasil, Porto Rico, Colômbia, Argentina, Guatemala e outros passaram por um intensivo de trocas críticas e afetos, com um evento público final. Do total de 12 artistas, sete eram brasileirxs. “Se podá a Gente Brota”, diz a arte de Cleiri Cardoso para o GIRA 2018. E assim são coletividades, no âmbito civil ou artístico. A autoria coletiva é uma marca tanto quanto a resiliência dos indivíduos. Habitar uma casa cooperativada, educar, coletar de mercados e cozinhar alimentos prestes a vencer são atos solidários de resistência na vida – prontos a brotar diversos, ruidosos, poéticos, solares –, diante da ascensão mundial de morais ultrapassadas, autoritárias, desumanizantes, que glorificam a ignorância e a violência. Berlim tornou-se um hub hipster e não é mais o centro da expressão livre de outrora. Contudo, sua condição de urbe mutante – com subsídios e instituições sólidas – permite experimentos utópicos de convivência e política, plurais, que florescem em paralelo à globalizada tirania homogeneizante da grana.

COLABORARAM: Barbara Marcel, Marie Leão, Moana Mayall, Pêdra Costa, Lia Krucken, Caíque Tizzi, Voodoohop (Cigarra, Aline Tima, Carol Barrueco, Gama, Iaci, Florence, Kotoe, Laurence, Salisme, Paulo Fluxus e Ricardo Vicenzo), Aline Baiana, Pedro Victor Brandão, Insurgências (Paz Ponce, Jefferson Andrade, Alexandra Bisbicus, Andressa Cantergiani, Pêdra Costa, Manuela Eichner, Manuela García Aldana, Lia Krucken, Moana Mayall, Julia Mensch, Alberto Morreo, Rafael Puetter e Melanie Rivera Flores) e Fórum Resiste Brasil-Berlin.

Leia mais: cargocollective.com/kunsthauskule/About greenhouse-Berlim.de groni50.org girafestival.com prinzessinnengarten.net susi-frauen-zentrum.com hausderstatistik.org insurgencias.net

FOTO: CORTESIA CAÍQUE TIZZI/ SEBASTIAN EDUARDO


E N T R E V I S TA / R U A N G R U PA

FAÇA AMIGOS, NÃO ARTE

BENJAMIN SEROUSSI SELECT.ART.BR

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DEMOROU PARA A DOCUMENTA ESCALAR UM COLETIVO NA DIREÇÃO ARTÍSTICA DO “MUSEU DE 100 DIAS”, ASSIM COMO DEMOROU PARA RECONHECER QUE ARTISTAS PODIAM SE RESPONSABILIZAR POR ISSO E, POR FIM, para reconhecer que as artes visuais extrapolam

seus próprios limites. Porém, com a escolha do ruangrupa, um coletivo indonésio baseado em Jacarta, o comitê de seleção do megaevento deu um passo gigante para corrigir essas falhas. Desde 2000, entre sessões de karaokê, festivais de música, programas de vídeo e bienais de arte, o ruangrupa mostra sua versatilidade e capacidade de reflexão crítica em larga escala. Apesar de desconhecido de um certo mundo da arte – comercial, atomizado e objetual –, que insiste em se enxergar como o único mundo da arte, o ruangrupa já tem bastante conexões no Brasil, por ter participado da 31ª Bienal de São Paulo, mas também como membro do Arts Collaboratory (projeto colaborativo transnacional que reúne 25 iniciativas do Sul Global e se tornou uma referência para iniciativas autônomas aqui). Mas sua nomeação não deixa de ser audaciosa, considerando que o comprometimento do coletivo é muito menos com os rumos da arte


Quando foi convidado para a direção artística da Documenta 15, o coletivo indonésio ruangrupa estava fundando uma escola. Sua proposta para o megaevento de 2022 tem o título provisório de Lumbung (celeiro de arroz de uso coletivo) e será um convite à construção de ecossistemas

contemporânea e bem mais com a vida – “faça amigos, não arte” é um dos seus slogans. Mas, como um de seus integrantes lembra, a Documenta foi justamente criada para reconectar a Alemanha com o resto do mundo, cuidando das feridas da Guerra e trazendo à tona o que foi estigmatizado pelos nazistas como arte degenerada; ou seja, a exposição nasce de um impulso vital. Um desafio para a Documenta hoje pode ser, então, entender como endereçar as violências das guerras coloniais que marcam o contexto global atual. Mas até que ponto o ruangrupa pode inventar outra estrutura dentro da Documenta – mais processual, difusa e menos espetacular? Simetricamente, há de se pensar se o sofisticado maquinário da exposição quinquenal não vai travar qualquer iniciativa que o transborde. Em conversa com farid rakun, integrante do coletivo,

abordamos essas questões, ao mesmo tempo que discutimos as práticas colaborativas e as evoluções recentes do ruangrupa, que está, inclusive, se reinventando e mudando de nome, a partir de novas alianças com outras iniciativas. Benjamin Seroussi: Trabalhamos juntos em 2014 na 31ª Bienal de São Paulo. Gostaria de aproveitar a oportunidade para me atualizar sobre os projetos do ruangrupa e sua governança interna. O texto que escreveram em 2015 para o 15º aniversário foi um verdadeiro esforço para mostrar onde vocês se situavam. Você ainda o considera relevante ou as coisas mudaram? farid rakun: Muitas coisas mudaram. Talvez seja bom te contar por meio de uma linha do tempo. Em 2015, enquanto fazíamos a Bienal de Jacarta, encontramos um espaço de um antigo armazém com 6 mil metros quadrados de área interna. No início de 2016, decidimos tomar/ ocupar aquele espaço, como vocês fizeram com a Casa do Povo... de maneira diferente, é claro, mas basicamente ocupando... pagando aluguel, porém... O aluguel era por dois anos – 2016-2018. Deixamos nossa casa alugada, convidamos outros coletivos para se mudarem conosco, ocupando todos os espaços juntos e construímos o que na época víamos como um ecossistema. Um coletivo de coletivos. Foi nesse momento que o ruangrupa, o forum lenteng, o serrum e o grafis huru hara se uniram sob o mesmo teto. Foi divertido. Tentamos experimentar ser proprietário (de segunda mão), alugando o lugar para shows ou eventos. Essa também foi a nossa primeira grande tentativa de lidar com a ideia de receita e ter nossa própria economia, para podermos ser totalmente independentes de financiamento estrangeiro/nacional. Fast forward para 2018. Conseguimos acumular alguns recursos para comprar uma propriedade... impossível ser tão grande e na mesma área central. Financeiramente inacessível. Mas pelo menos não precisávamos mais pagar aluguel. Então compramos um terreno de 700 metros quadrados no sul de Jacarta e discutimos o que poderia vir a seguir. Ampliando ainda mais o ecossistema, lógico. Então o que fizemos foi decidir que íamos nos tornar uma escola. A partir daí nos tornamos GUDSKUL (pronuncia-se “good school”), formado por ruangrupa, serrum e grafis huru hara – o forum leteng não aderiu. Nosso primeiro programa regular de um ano começou em novembro. A escola concentra-se na construção de coletividades e ecossistemas, basicamente. Começamos com 11 disciplinas diferentes, cada qual dirigida por um de nossos membros. Julia Sarisetiati para um curso sobre sustentabilidade coletiva; MG Pringgotono sobre educação para e através da prática de arte coletiva; Ade Darmawan sobre ética coletiva e política; Leonhard Bartolomeus sobre curadoria coletiva; enquanto eu tratava dos pontos de encontro entre arquitetura e arte; só para citar alguns. Desde o início pretendíamos que esse processo fosse um aprendizado conduzido por participantes e baseado em experiências, mas só os pusemos em prática realmente na metade do primeiro semestre, quando percebemos que muitos dos nossos planos não funcionaram como pretendíamos. É um processo intenso, rico e exigente. E mal começou. Ainda temos todo o tempo do mundo para que seja um trabalho em evolução constante. FOTO: SALEH HUSEIN

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“Da nossa equipe de dez pessoas que está se tornando a direção artística da Documenta 15, só eu tinha visitado a Documenta... ninguém mais tinha ido a Kassel”, diz farid rakun

No alto, o galpão onde funcionou, entre 2016 e 2018, o “ecossistema” de coletivos; acima, atividade da GUDSKUL

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Na Casa do Povo também estamos pensando há algum tempo em como conectar os conhecimentos presentes no espaço (temos cerca de 25 grupos habitando o espaço). Pensamos em uma espécie de escola livre. Mas ainda não descobrimos como poderia funcionar. Lendo você, estou curioso para saber se a escola se tornou uma nova identidade possível para o ruangrupa e os outros coletivos. Como mudou a maneira de vocês se organizarem? Como ela criou um ecossistema econômico sustentável? Sim. A escola também tem um modelo de negócio. Não é de graça. É como se estivéssemos nos institucionalizando... à nossa maneira... o que é engraçado, porque é algo que muita gente no mundo da arte europeia parece ter medo – a institucionalização. Além disso, começamos em novembro a nos pagar mais adequadamente. O objetivo é que as pessoas concentrem sua energia para construir o ecossistema, em vez de ter de fazer trabalhos de merda que pagam em dinheiro, mas exaurem a energia. Eticamente, estamos fazendo isso porque, por um lado, queremos ter mais conhecimento; por outro, sabendo que é impossível para todo mundo na Indonésia fazer parte de nós, encontramos uma forma de sermos usados como recurso. Basta passar o maior tempo que você puder, o máximo por ano, intensivamente, conosco, levando o que temos – conhecimento, rede, espaço, infraestrutura. Mas esperamos (é por isso que ainda estamos dando bolsas de estudo) que os que vierem de fora de Java voltem para seus lugares e construam alguma outra coisa. Essa é a ideia. Sim, nosso ecossistema e a Casa do Povo têm muito em comum, concordo com isso. As pessoas na Europa têm medo da institucionalização porque elas já têm muitas instituições. Por isso precisam existir entre elas, inventando espaços intermediários. No Brasil, até os grandes museus parecem funcionar como espaços independentes – lutando pelos mesmos recursos pelos quais lutamos. Por isso, construir uma instituição no nosso contexto – e talvez também no seu – é também uma maneira de “instituir” (trazer à tona) outras maneiras de existir. Eu gosto da ideia de tornar-se um recurso. Talvez essa seja a melhor instituição que possamos imaginar – um lugar livre, onde você possa encontrar partituras para tocar e ferramentas para usar. Mas você também precisa continuar agindo. Então, como podem ser um recurso para vocês mesmos? Ainda conduzem outros programas paralelos como o ruangrupa... ou individualmente? Esta pergunta é também uma maneira de começar a lhe perguntar sobre a Documenta 15 como um projeto do ruangrupa e como ele se conecta à GudSkul. Estávamos ocupados fundando a GudSkul, quando aconteceu a Documenta (risos). Não estava em nossos planos. A GudSkul estava apenas começando e estávamos no ápice de muitas lutas, excitação, pensando duro juntos, tentando entender as coisas. Porque é claro que o nosso primeiro plano não funcionou e precisávamos repensar muitas coisas, prática e conceitualmente… E então apareceu a Documenta! O ruangrupa foi indagado sobre seu interesse em participar da seleção


como um dos candidatos. Não fazia sentido usar a bandeira da GudSkul naquele ponto. Porque a GudSkul não havia feito nada sob seu nome ainda. Nós nunca pensamos que pudéssemos chegar a esse resultado. Que fôssemos convidados para a direção artística... Se você me perguntasse quando estávamos fazendo o Sonsbeek, na Holanda (exposição com escala de bienal, que acontece na cidade de Sonsbeek desde 1948), se seguir com a Documenta seria um próximo passo lógico, eu diria “de jeito nenhum”. Porque a Documenta não fez nada sobre o nosso contexto. Da nossa equipe de dez pessoas que está se tornando a direção artística na Documenta 15, só eu tinha visitado a Documenta, em 2012... ninguém mais tinha ido a Kassel. Sempre pareceu que não tinha nada a ver conosco. Nenhum artista indonésio jamais participou.

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O Sonsbeek também não lhe pareceu um pouco extravagante à primeira vista? O Sonsbeek foi melhor, porque é na Holanda. A conexão holandesa, mais fácil de compreender. Todos nós pelo menos já tínhamos estado na Holanda alguma vez. Há artistas indonésios por toda a parte na Holanda. Tudo indonésio.

Ambiente da GUDSKUL, a escola do ruangrupa que começou seu programa em novembro de 2018 com 11 disciplinas, entre elas sustentabilidade coletiva e ética política. Grupo pensa como instalar escola na D15

A Holanda não deixa de ser familiar por ser o velho colonizador. Estou intrigado, portanto, sobre como vão enfrentar uma espécie de “exotismo invertido” do contexto alemão. O ruangrupa é uma iniciativa aclamada internacionalmente, mas prospera em um contexto com condições de trabalho e de vida diferentes de Kassel. E, como você disse, é distante de vocês. O fato de que nenhum indonésio jamais participou é definitivamente uma boa medida dessa indiferença. Entendo por que o comitê da Documenta está interessado no ruangrupa. É desafiador, revigorante e uma boa oportunidade para a Documenta abrir-se para um novo público e também para novas partes do mundo. Mas me pergunto em que medida a Documenta pode ser interessante para o ruangrupa. Como você vê a possibilidade de usar/hackear a Documenta e as expectativas que ela gera? Você acha que a voz múltipla e diversa do ruangrupa será ouvida? Decidimos não fazer uma proposta, mas disfarçar o que já estamos fazendo como um convite – as coisas sobre ecossistema, recursos, compartilha-

mento etc. Perguntamos à Documenta se eles estavam interessados em ser um parceiro decisivo nisso. Se eles compartilhassem o nosso interesse e estivessem dispostos a seguir essa caminhada instigante conosco, muito bem; mas, se não, continuaríamos na estrada de qualquer modo – keep on truckin’. Com a Documenta do nosso lado, poderíamos ganhar em escala e acessar coisas que estavam fora do nosso alcance. Ser mais visíveis, mas também nos obrigar a ser mais responsáveis. Como a famosa frase do Homem-Aranha: “Com o grande poder vem...” Não precisamos terminar esta frase. Francamente, ainda estou surpreso e atônito que a Documenta, no final de um processo de seleção, tenha aceitado o nosso convite (ou o que eles ainda insistem em entender como proposta). Mas, se isso der certo, nosso interesse poderia e deveria se ampliar. Pois não estamos mais no nosso contexto, mas no contexto da arte contemporânea. Planetária. É cedo demais para dizer o que será a D15, porque ainda não sabemos. Mas estamos começando a trabalhar para ver o que é a Documenta como instituição, e também como uma bolsa cheia de recursos – reputação, escala, espaço, interesse, história. Kassel faz parte disso, é claro. O que eu percebi na semana passada estando em Kassel propriamente para trabalhar é que está na hora de o ruangrupa realizar o seu sonho além do – mesmo que em relação ao – seu contexto. Não à Indonésia em si, mas àqueles que são invisíveis até hoje. Ainda somos desconhecidos na cena artística contemporânea. A Frieze não nos conhecia, o New York Times não sabia como encontrar informação sobre nós, por exemplo. FOTOS: JIN PANJI, GUDSKUL


O público alemão nunca ouviu falar de nós, a maioria deles. Na França, a mídia artística precisou dizer que “tivemos uma pequena chance de vê-los trabalhando, naquela coisa no Centro Pompidou chamado Cosmopolis #1 em 2017”. Gostaríamos de começar mapeando a geografia incluída desde a primeira edição da Documenta até a última. Pensamos que seria fácil ver buracos nesse mapa. Mas o que fazer com isso, veremos. Precisamos fazer primeiro. Outra coisa é encontrar parceiro(s) em Kassel. Isso é fácil para você entender, porque o fizemos em escala muito menor na sua Bienal de São Paulo. Queremos estar presentes em Kassel, com espaço... algo que aprendemos também com “ruru huis” (casa ruru, em holandês) durante o Sonsbeek. Não podemos delegar isso realmente. Precisamos trabalhar juntos com alguém do local diretamente. Como fazer isso na prática ainda estamos discutindo. Só estaremos trabalhando oficialmente para a Documenta a partir de junho. Mas estamos nos preparando para que, em junho, estejamos prontos para “roll and rock”. É cedo demais para saber quais membros irão para a Alemanha, se vão alugar um apartamento, como vão dividir o tempo – os próximos anos e os famosos cem dias – ou os espaços que a Documenta oferece? Estamos pensando em alugar um lugar... não só para viver juntos, mas também um com acesso à rua... falamos meio brincando sobre abrir um restaurante indonésio. O ponto é usar o espaço como um método curatorial. Inclusive, os famosos espaços da Documenta – Fridericianum, Documenta Halle, Neue Galerie, Grimm Welt, Stadts Theater – como o quê? Veremos. Como os nossos festivais de música e karaokê, por exemplo, estamos pensando em usá-los para alguma coisa também. Talvez instalar a GudSkul na Kunsthochschule de Kassel? Ou uma iniciativa sobre homeopatia diretamente no hospital deles? Tudo isso também são práticas espaciais. Qual será a trilha sonora da Documenta 15? Trilha sonora seria ótimo. Pensamos nisso para o Sonsbeek. Não aconteceu, embora tivéssemos uma ideia a respeito. Desta vez tem de acontecer, você está certo. A Casa do Povo sempre teve 25 grupos? Ou vem crescendo exponencialmente desde 2014? Ela cresce de maneira orgânica – um pouco como vocês fizeram no galpão. No nosso caso, o nosso limite é a nossa capacidade de lidar com os grupos. Desenvolvemos algumas ferramentas. Por exemplo, dividimos o tempo para compartilhar espaço (geralmente, as pessoas dividem o espaço e compartilham o tempo), o que nos permite abrigar grupos diversos de maneiras diferentes – cada grupo tem seu acordo singular. Não somos um espaço público, então nos adaptamos. Cada grupo também se infiltra de algum modo na organização da instituição. Os grupos que abrigamos têm de dialogar com os nossos eixos principais, mas então eles fazem o que querem dentro desse quadro conceitual. A principal consequência disso é que a ideia de arte e cultura explode – somos habitados por um grupo de dança contemporânea, uma academia de boxe, SELECT.ART.BR

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Atividade realizada na GUDSKUL, a escola do ruangrupa, cujo processo de aprendizado é baseado em experiências

rádios piratas bolivianas, uma clínica de psicanálise, uma agência jornalística da periferia, um coral iídiche, uma oficina de costura, e por assim vai. Nosso principal desafio é manter o espaço subutilizado para que possa respirar, pois, quando está vazio, parece que tudo é possível. Mas, voltando à Documenta 15, e para encerrar o assunto, eu queria lhe perguntar sobre o que você não fará e também sobre seus temores em relação à situação potencialmente tóxica que um projeto tão visível pode criar. Você acha que isso pode afetar a sua organização de alguma maneira?

Esta é difícil. Espere, deixe-me comentar sobre a Casa primeiro. É uma ótima tática o que descreveu. Funciona bem? Tempo e espaço? Sim. Há uma perda de controle – e talvez também de qualidade, mas há definitivamente um aumento de energia. Recentemente ouvi falar de um workshop que o artista suíço Thomas Hirschorn deu: ele


pedia que os participantes comentassem o trabalho dos outros usando a noção de “energia”, não de “qualidade”. Há algo interessante nisso – embora possa ser perigoso em certo ponto. A perda de controle também tem a ver com descentralizar decisões e ter as ferramentas adequadas para isso. Pode ser muito simples – todo grupo tem a chave do prédio, todos têm acesso a uma agenda do Google para ver quando há tempo disponível, e assim por diante.

Bom. Vou apresentar isso à GudSkul na próxima vez. Obrigado. Vou lhe dizer, se fizermos isso, que tipo de realizações inventamos (risos). Faça isso. É copy left. Tenho certeza de que nós até pegamos isso de algum lugar sem saber. Apenas nos diga até onde ela o levou. Agora você responde à minha pergunta (risos). OK, voltando à sua pergunta… uma coisa pessoal. Talvez seja mais fácil. É fácil ser estragado pela máquina, porque ela é bem lubrificada. É como os produtos da Apple ou voos na classe executiva. É difícil voltar atrás. Espero que eu não fique tão estragado,

mas sou estragado pelos produtos Apple e, na primeira vez que me puseram na classe executiva, comecei a pensar: “Como alguém pode viajar de outro modo?” Mas, felizmente, não comprei nenhuma passagem executiva para mim até agora nem vou começar tão cedo. Mas essa máquina produz sua visão, oferecendo tudo quase na ponta do seu dedo. É tentador. O que eu percebo com certeza é que depois de todo esse jazz voltaremos a fazer as coisas sem orçamento, sem recursos humanos, nada além de vontade e obsessão (amor, diriam outros). Deveríamos ser capazes de ainda fazer isso. Quando um dos jurados nos perguntou do que tínhamos mais medo, minha resposta foi “perdêlos”, apontando para Ade e Julia. Eu simplesmente não quero que o ruru se separe por causa disso (risos), porque algumas vezes no passado quase dissemos que era o fim. Com a GudSkul espero que seja diferente. E a coisa mais importante. A GudSkul precisa se beneficiar do que o ruangrupa está fazendo. Como? Mais uma vez, ainda precisamos lutar pelo nosso tempo, para sentarmos juntos novamente e decidirmos as coisas. Para terminar nossa conversa, eu gostaria de voltar a quando nos conhecemos durante a Bienal de São Paulo. Pode nos falar mais sobre o que você aprendeu na sua experiência em São Paulo... e, é claro, quando virá de novo?

São Paulo ainda é um dos nossos lugares preferidos, coletivamente. Podemos discordar sobre detalhes, mas todo mundo concorda que São Paulo foi uma espécie de segundo lar para nós, e sentimos muita saudade. Eu disse isso a todo mundo, de Clara Ianni a Luiza Proença, de Daniel Lie aos seus colegas da Casa do Povo. Descobrimos que as nossas sensibilidades faziam sentido, mas podiam também se transformar em outras partes do mundo e quando encontramos o lugar certo, como quase sempre em São Paulo (pelo menos em 2014), é incrível! Quando viremos de novo? Não muito cedo. Nunca é cedo o suficiente. Ajeng vai adorar. E talvez seja ela quem irá. Mas, se algum de nós ganhar na loteria para acompanhá-la, qualquer um ficaria feliz. Tomara que seja eu (risos). Também quero ver o Rio. Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves FOTOS: JIN PANJI, GUDSKUL

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PAV I L H Ã O B R A S I L

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BÁRBARA WAGNER E BENJAMIN DE BURCA, POR SEUS

L UA N A F O R T E S


É VASTA A REPRESENTAÇÃO DA CULTURA NACIONAL NA OBRA DE BÁRBARA WAGNER (NATURAL DE BRASÍLIA) E BENJAMIN DE BURCA (NASCIDO EM MUNIQUE, NA ALEMANHA), QUE ATUAM JUNTOS DESDE 2013. Dos

filmes que fizeram nos últimos seis anos, metade se debruça sobre ritmos musicais emblemáticos do Brasil, em especial do Nordeste e, mais especificamente, do Recife. “Não conheço um Brasil que não seja negro e não binário. Esse é o Brasil que a gente conhece desde que trabalha aqui”, diz Bárbara Wagner, sobre a obra que preparou com Benjamin de Burca para apresentar no pavilhão brasileiro da 58ª Bienal de Veneza. “É muito mais do que um sentido do exótico ou do que surfar nos assuntos do momento. O frevo, o brega, o evangélico e a swingueira – o Brasil que a gente conhece – é esse Brasil negro e não binário.” A produção da dupla é sempre feita em colaboração com outros artistas vindos de diferentes circuitos, afirmações estéticas e mercados. Esses artistas foram convidados pela seLecT a descrever seus processos de atuação coletiva com Wagner e De Burca em filmes sobre ritmos musicais.

O mais recente filme da dupla é Swinguerra (2019), que une em seu título o ritmo swingueira e a palavra guerra, atentando para a relação de resistência dos grupos dançarinos e também para as competições de dança das quais costumam participar. De caráter instalativo, é esse o trabalho que representa o Brasil no pavilhão nacional na 58ª Bienal de Veneza, a convite de Gabriel Pérez-Barreiro, curador da 33ª Bienal de São Paulo. Tudo começou com o pontapé inicial de Tchanna, que dançou no primeiro desses filmes da dupla, Faz Que Vai (2015), e apresentou Wagner e De Burca ao grupo Extremo, do qual participa. A partir dele, a dupla conheceu também os grupos La Mafia e Passinho do Maloka. Os três grupos protagonizam o filme, cada qual com suas particularidades. Enquanto o Extremo ensaia

SWINGUEIRA

Tchanna em still de Swinguerra (2019), filme de Bárbara Wagner New World Summit, Piditatiissit od es essi corpore pa venditem dipis alitata e Benjamin de Burca que representa o Brasil no pavilhão abo. Ribea doluptae re descia suntiundae ea dolliciam quatat aut est laborib nacional na 58 a Bienal de Veneza

COLABORADORES Parceiros da dupla radicada no Recife falam sobre o processo de criação dos filmes colaborativos que abordam ritmos musicais brasileiros FOTO: EDUARDO ORTEGA, CORTESIA GALERIA FORTES D’ALOIA & GABRIEL


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semanalmente coreografias para competir em batalhas de swingueira em quadras esportivas, o La Mafia foca no brega funk e o Passinho do Maloka dança especificamente para o contexto do Instagram. Tchanna conta que na primeira colaboração com a dupla de artistas ainda estava acanhada para opinar e fazer sugestões, mas que a situação mudou em Swinguerra. “Perguntavam o que a gente achava, sobre figurino, a música que a gente queria dançar… Sempre ficamos à vontade para usar o que queríamos usar, pra não ficar uma coisa forçada. Eles queriam sempre que a cena ficasse o mais natural possível. A gente opinou do começo ao fim, em tudo”, conta a dançarina Tchanna. O trabalho foi filmado na escola pública Atenção Integral à Criança e ao Adolescente – CAIC, em Peixinhos, Olinda. O complexo foi desenvolvido nos anos 1990 pelo arquiteto João Filgueiras, o Lelé, como uma resposta brasileira a projetos realizados por Oscar Niemeyer, nos EUA. Com o complexo arquitetônico em estado de ruína como pano de fundo para a dança, a dupla fala sobre o sucateamento de um projeto de gestão pública e de educação, em oposição ao vigor colaborativo entre jovens com forte expressão artística. “A gente tá representando o Brasil com o nosso nome, mas o que está lá é um filme feito em colaboração. E na verdade isso é mais representativo do Brasil do que o nosso nome”, diz Bárbara Wagner à seLecT. SELECT.ART.BR

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Na pág. ao lado, still de Swinguerra (2019). Acima e à dir., Edson Vogue e Tchanna em cenas do videoensaio Faz Que Vai (2015), de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca, em que dançarinos misturam ritmos diferentes a passos do frevo

Faz Que Vai (2015) é um videoensaio que mostra os quatro bailarinos – Ryan, Edson, Bhrunno e Tchanna – articulando relações entre frevo, funk, vogue, stiletto e swingueira. O passo de frevo, “faz que vai, mas não vai”, nomeia o filme. Edson Vogue conheceu Wagner e De Burca em encontros do grupo Guerreiros do Passo, no bairro Hipódromo, no Recife. Seu nome artístico incorpora o ritmo a que se dedica, o vogue, dança caracterizada pela imitação e estilização de poses de modelos, surgida em bailes do Harlem, em NY, nos anos 1960, e disseminada mundo afora. “O processo de trabalho começou com uma pesquisa sobre a vida das personagens”, conta Vogue à seLecT. Em sua obra audiovisual, a dupla frequentemente escolhe deixar transparecer a vida de seus protagonistas. A palavra personagem quase poderia ser substituída por pessoa, já que personagem poderia prever uma construção ficcional. Mas é justamente nos limites entre ficção, construção e realidade que operam Wagner e De Burca. Seus roteiros têm tanto de ficcionalização quanto de fatos. A relação entre o frevo e o vogue é uma investigação pessoal de Edson, impulsionada pelo seu interesse na cantora Madonna, que contribuiu com a divulgação da dança nos anos 1990. “Frevogue é minha pesquisa em andamento sobre os processos históricos e as interseções que estão impressas no corpo do passista de frevo e do voguing a partir das relações de pretitude”, diz o bailarino.

FREVO

FOTOS: EDUARDO ORTEGA, CORTESIA GALERIA FORTES D’ALOIA & GABRIEL


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“A gente tá representando o Brasil com o nosso nome, mas o que está lá é um filme feito em colaboração”, diz Bárbara Wagner sobre a Bienal de Veneza

Eduarda Lemos, conhecida como Tchanna, uniu em Faz Que Vai o funk e o frevo, que dança desde os 6 anos de idade. “Eu superadorei a ideia, ainda mais pela valorização do frevo”, conta Tchanna. Em 2012, o frevo foi incluído na lista de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade da Unesco. “Quando vi o filme, nem acreditei que era capaz de fazer algo tão grandioso com uma coisa que sempre fiz na minha vida, e que, aqui onde eu moro, não é tão valorizado, só no Carnaval”, diz.

Um ano depois de Faz Que Vai, Wagner e De Burca desviaram as atenções para a paisagem social e profissional do gênero brega, também no Recife, a partir da dupla jornada dos músicos MC Porck, cantor e cabeleireiro, e Dayana Paixão, que havia recém-finalizado seu curso de bombeira. “Até então, a história do filme seria outra. Fizemos uma espécie de laboratório para conversar e Bárbara meio que se encantou pela minha história. Ela achou muito diferente porque eu tinha duas profissões na época e estava bem dividida entre elas”, conta Paixão à seLecT. A cantora, que hoje se dedica ao Arrocha – gênero musical originário da Bahia que mescla música brega, estilo romântico, axé e BREGA

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Dayana Paixão representa ironicamente cantoras típicas do Brega em cena do filme Estás Vendo Coisas (2016), de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca

forró – define sinteticamente Estás Vendo Coisas (2016) como um filme sobre sua história e a de Porck. “Quando eles estavam editando, me mandavam algumas cenas. Mas, quando assisti ao filme todo, chorei horrores. Eu nunca tinha me visto numa tela de cinema. Aí pirei o cabeção.” Comissionado pela 32ª Bienal de São Paulo, o trabalho acompanha as diversas etapas da produção de músicas do gênero brega, como a escolha de figurino e maquiagem, a gravação de clipes, a apresentação em boates e as entrevistas em programas de auditório na tevê. “Eles realmente mostraram a identidade do brega”, acredita Paixão. A cantora conta que o processo de produção do filme foi bem participativo, que a todo tempo eram motivados a opinar e fazer sugestões. “Tem uma parte em que eu apareço com cabelo liso, porque tava querendo representar um perfil de cantora de brega que é muito comum aqui, que é a ‘cantorinha’ de cabelo lisinho, paradinha”, ironiza. No desfecho do trabalho, quando Dayana Paixão e MC Porck estão juntos no palco de uma boate, o filme encena a escolha de cada um dos artistas por uma de suas profissões. Enquanto Porck permanece no palco, Paixão sai ao ar livre, sobe em um caminhão de bombeiro e sorri, pela primeira vez no filme inteiro, sinalizando sua preferência. Mas a cantora reconhece que hoje sua escolha seria outra: ela permaneceria no palco. FOTO: CORTESIA GALERIA FORTES D’ALOIA & GABRIEL


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Depois do lançamento de Estás Vendo Coisas, apresentado em festivais de cinema e na 32ª Bienal, a carreira musical de Dayana Paixão deu uma guinada. “Eu tinha uma mídia local e passei a ter uma mídia maior no Brasil. Muita gente começou a me seguir pelo filme e a gostar do meu trabalho. Uma das razões que me fizeram resolver mudar de segmento é que o Arrocha é mais nacional”, conta Paixão.

O filme Terremoto Santo (2017) conseguiu levantar críticas bastante contraditórias a respeito de como aparecem os cantores de música gospel da igreja pentecostal Assembleia de Deus, da Zona da Mata de Pernambuco. Alguns reclamam que o trabalho glorifica os evangélicos, enquanto outros se incomodam por achar que ele ofende os religiosos. O principal alvo das considerações foi a cena em que Tacy Silva canta Terremoto Santo, uma música que apresenta o louvor como forma de libertação e que intitula o filme. Quando a canção atinge um clímax, a câmera assume uma linguagem tremida, em GOSPEL

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Tacy Silva canta a música Terremoto Santo, que intitula o filme de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca, na Cachoeira do Urubu, em Pernambuco

diálogo com a letra da música. “Achei bem interessante porque tem tudo a ver com a canção e, principalmente, por acontecer no ápice da música, naquela tensão”, relata Silva à seLecT. Como lhe foi dada a chance de escolher a música do filme, a cantora decidiu apresentar Terremoto Santo, composição de seu amigo Cícero Eraldo que Silva estava gravando para seu primeiro CD. “Acho que todos esses filmes imprimem uma honestidade muito grande entre a câmera que está observando e a pessoa que está performando. É olho no olho mesmo”, afirma à seLecT Pedro Sotero, responsável pela direção de arte de todos os filmes de Wagner e De Burca e quem estava com a câmera na mão no momento da tremedeira. “Por ser um filme com e não sobre, existe poder dos dois lados. É um diálogo. Não é uma análise”, diz Sotero. O filme descortina uma série de apresentações musicais, com cenários que passam por paisagens bucólicas e chegam a um estúdio de rádio. Sua narrativa ambivalente serve de estopim tanto para leituras críticas sobre o universo da igreja evangélica quanto para a desconstrução de preconceitos a respeito da religião. “Ver o filme por completo nos dá uma sensação de gratidão e alegria por ter alcançado tal objetivo, que foi o de conseguir trazer para o cinema (ou o meio artístico) uma abordagem diferente daquela que as pessoas estão acostumadas a ver”, reflete Tacy Silva. FOTO: EDUARDO ORTEGA, CORTESIA GALERIA FORTES D’ALOIA & GABRIEL


Hugo Bler performa em Batalha Vogue, na Residência Explode!, projeto concebido por Cláudio Bueno e João Simões

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ARTIVISMO

COMO VIVER JUNTO PA U L A A L Z U G A R AY

Projetos de imersão coletiva moldam as ações da Plataforma Explode!, que constroem redes a favor de uma estética da convivência e do pertencimento

“A gente está interessado em cruzar diferentes pensamentos, pessoas e grupos da cidade. E não plasmar um núcleo duro, um coletivo com um único jeito de pensar. A gente acha que a coisa ganha outra dinâmica, mais viva e com mais liberdade, podendo cruzar. Então vamos o tempo todo misturando e atravessando tudo, de um jeito mais diagramático”, diz Cláudio Bueno à seLecT. A fim de mobilizar falas e práticas em torno de corpos que atuam fora da norma hegemônica, a célula do trabalho na casa foi a escuta. Para isso, o Explode! convidou o coletivo norte-americano Ultra-red para colaborar. Fundado em 1994 por dois ativistas da Aids, o Ultra-red na verdade não se define como um coletivo, mas como uma organização. Inclui em seus quadros diferentes movimentos sociais, assimilando às políticas de HIV/Aids as lutas por migração, antirracismo e desenvolvimento participativo comunitário. Nos campos da arte sonora e da música eletrônica, o grupo produziu coletivamente broadcasts de rádio, performances, gravações, instalações, textos e ações em espaços públicos. GRITO E ESCUTA

A 20 QUILÔMETROS DO CENTRO DE SÃO PAULO, EM UMA CASA DA VILA NOVA YORK, NA ZONA LESTE, FORMOU-SE UMA ZONA AUTÔNOMA TEMPORÁRIA, COM DURAÇÃO DE DEZ DIAS E DEZ NOITES. Aquele foi um dos “espaços de

aprendizagem” promovidos pela Plataforma Explode!, criada em 2015 por Cláudio Bueno e João Simões para pesquisar e experimentar noções de gênero, raça, sexualidade e classe, baseadas em práticas artísticas e culturais entendidas como periféricas. Os 12 residentes que ali conviveram – e outros cem agregados que vieram participar de atividades, como a Batalha Vogue, no fim de semana – não formam um coletivo. Mas a experiência compartilhada na Residência Explode! foi justamente a de dissolver estruturas, explodir limites e promover outras formas de encontro.

Na Vila Nova York, o Ultra-red propôs a exploração do bairro criando um mapa acústico de seus espaços, histórias e relações sociais. “Fomos pra rua escutar, entender o bairro, para depois voltar e processar isso”, conta João Simões. “As pessoas eram separadas em grupos, que ficavam meia hora escutando diferentes entornos, em silêncio. Depois procuramos entender essa escuta, a partir de três perguntas: o que você viu? O que você escutou? O que você sentiu?” A prática integra um grupo de ações do Ultra-red chamada Militant Sound Investigations (Investigações Sonoras Militantes), engajada diretamente na organização e na análise de lutas políticas. A ideia era escutar, para depois fortalecer falas e práticas dos participantes. “Essa possível descolonização dos saberes precisa passar pelo corpo: de que maneira se escuta e se introjeta algo, se processa pelo corpo, e aí então se produz uma resposta para o mundo. Em vez de FOTO: CAROL GODEFROID

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sair reproduzindo um saber dado...”, diz Bueno. “Foi muito importante sentir a necessidade de escuta. Escutar e vivenciar todas as histórias, principalmente saber que eu não estou sozinho, que as histórias são muito parecidas, criando assim muitas conexões”, disse o residente Félix Pimenta, em depoimento registrado no site da Plataforma Explora! A CASA E A COMUNIDADE

A casa que acolheu esse processo imersivo foi onde Cláudio Bueno morou até os 22 anos, com seus pais. “Quando criamos a residência ali, pensamos em como alargar o campo perceptivo, acreditando no formato de passar mais tempo junto para a criação desse espaço de segurança, de acolhimento e pertencimento, onde se cria intimidade pra falar o que é importante pra cada um. Mas também um espaço de coragem”, diz Bueno. Em certa medida, essa “casa-mundo, sem SELECT.ART.BR

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Acima, Michael Roberson, da organização norte-americana Ultra-red, ministra workshop na Residência Explode! Acima, à direita, grupo de residentes À esquerda, Pony Zion performa em Batalha Vogue, na Residência Expode!


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paredes” acabou ganhando também a feição de uma house das comunidades ballroom. Essas houses eram as sedes dos bailes (balls) de dança Vogue, praticada pela comunidade queer negra e latina de Nova York, dos anos 1960 até hoje. Esses grupos se organizam em “famílias”, unidas para proteção mútua e luta por direitos. “Quando convidamos o Félix Pimenta, uma pessoa ligada ao Vogue no Brasil, para vir para a residência, e a gente conecta com o Michael Roberson, que é membro do Ultra-red, e fazemos conexão com um movimento de latinos e negros nos EUA. Estamos falando de diásporas...”, diz Bueno. O Ultra-red desenvolve vários protocolos. Um deles é chamado Vogueology, que envolve a comunidade ballroom, aplicado na Vila Nova York, como uma estratégia para gerar possibilidades a partir da convivência. “A primeira coisa que me impressionou em minha experiência na Explode! Residency foi o número de pessoas negras e a diversidade

existente dentro desse grupo, não só de nacionalidades, mas de vivências e de gênero. Infelizmente, é raro estarmos juntos em número significativo em ambientes produtores de arte e conhecimento que não sejam exclusivamente de discussão étnica. Conhecer a cultura Vogue, aproximar-me dela e descobrir no ballroom um ‘templo’ foram imagens emocionantes sobre o sentimento de pertencimento e de celebração das identidades”, diz Cadu (LaBeija) Oliveira, em depoimento no site. A Residência Explode! aconteceu em setembro de 2016, em parceria com as plataformas Lanchonete.org e Artseverywhere.ca e gerou redes que seguem ativas. Outras ações da plataforma, como Rainbow Riots (2017-2018), contaram com a colaboração de Umlilo & Stash Crew, de Johannesburgo, e do Sesc-SP, e também aconteceu em workshop imersivo de cinco dias, quando o coletivo temporário experimentou outras possibilidades de existir e de viver junto. FOTOS: DANILA BUSTAMANTE, CAROL GODEFROIDW


PORTFÓLIO

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SOLAROCA (2019), do OPAVIVARÁ!, na área externa da Art Dubai, FOTO: CORTESIA PHOTO SOLUTIONS, ART DUBAI

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OPAVIVARÁ! VIVA O HEDONISMO CARIOCA Humor, cultura popular, espaço urbano, momento público e alegria de viver estão na obra relacional do coletivo de artistas

MÁRION STRECKER


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BRASA ILHA (2018), do OPAVIVARÁ!, no Largo da Batata, em São Paulo, durante exibição da mostra URBE

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SEMPRE EM LETR A S MAIÚSCUL A S E COM PONTO DE EXCLAMAÇÃO. É ASSIM QUE O COLETIVO DE ARTISTAS OPAVIVARÁ!, DO RIO DE JANEIRO, ESCREVE SEU NOME .

Criado em 2005, o grupo já passou por várias formações, entre três e sete integrantes. Atualmente são quatro, mas frequentemente são mais, contando os agregados, os parceiros, os colaboradores, as chamadas “famílias expandidas” e todos os presentes nas situações que eles propõem para fazer o trabalho acontecer. Em nome da importância da voz coletiva, eles evitam identificar-se individualmente, principalmente se for para publicação. Ao vivo, em cores, não se escondem das câmeras e, se alguém perguntar o nome de cada um deles, vai obter a resposta. “A ideia é diluir a importância da autoria individual e ressaltar a do coletivo, curtir a confusão de ter gente que acha que somos 20 integrantes. A audiência é convidada a sair de seu papel contemplativo e se tornar ativa e parte integrante da obra, dissolução total entre artista e espectador”, escreveram à seLecT. A entrevista foi feita por e-mail em março, mês em que montaram SOLAROCA, uma grande oca feita com guarda-sóis coloridos na área externa da Art Dubai, nos Emirados Árabes. A instalação recebeu também as famosas cadeiras de praia triplas criadas pelo coletivo. “A forma redonda e circular faz uma referência às ocas indígenas brasileiras e às tendas tuaregues. As cadeiras convidam ao encontro e a um tempo desacelerado. O som do vento nos guarda-sóis traz um pouco do ambiente das praias cariocas e as cores no espectro do arco-íris não estão aí à toa”, comentam. Dar nomes expressivos às obras relacionais faz parte da tradição do coletivo. BRASA ILHA (2018) é uma velha perua Brasília que fica estacionada com um forno ou uma grelha a carvão ligados, assando comida e servindo para quem passar: “Uma brasa ilha flutuante nômade ambulante de aquecimento social”, como dizem. SELF-SERVICE PAJÉ (2011) é um display com 60 ervas medicinais e cardápio-bula, que o público pode manipular, preparar seus chás e ingerir para o prazer ou a cura. NAMOITA (2006) é um lugar criado num espaço público, parcialmente escondido atrás de plantas, para servir de antipalco e antibunker, “espaço intermediário e provisório entre público e privado, o íntimo e o coletivo”.

FOTOS: CORTESIA DOS ARTISTAS

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O tríptico LIQUIDIFICAMOR (2019) do OPAVIVARÁ! na individual PORNORAMA, em exibição na A Gentil Carioca até 7/6

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SOFÁRAOKÊ (2015) é um sofá estampado com microfone e alto-falantes embutidos para que as pessoas possam soltar a voz como num karaokê. SALADA MISTA (2007) permite que pessoas e frutas se misturem livremente numa piscina. Parte do projeto Parede Gentil, da galeria A Gentil Carioca, que representa o coletivo, CHUVAVERÃO (2014) foram cinco chuveiros para uso dos transeuntes, instalados temporariamente numa parede na esquina em frente à galeria, relembrando as antigas fontes de água públicas que havia na cidade. Em TRANSPORTE COLETIVO (2010), fizeram circular pelo Centro do Rio de Janeiro numa Virada Cultural três “trenzinhos” constituídos de dez triciclos interconectados cada um, “movidos a força artística”. REMOTUPY (2016) é uma canoa triciclo elétrico com remos de ponta emborrachada criada para “navegar no asfalto dos rios soterrados de São Paulo”. TRANSNÔMADES (2016) são carrinhos e carroças de tração humana adaptados como “acampamentos transnômades, que podem circular e se assentar em qualquer lugar” nas ruas das cidades, ao sabor da vontade dos seus puxadores. Como se vê, leveza, precariedade, improvisação, informalidade, alegria de viver e hedonismo misturam-se na obra que frequentemente celebra a cultura popular e praieira carioca. “Outra ideia que sempre queremos fazer presente é a de Momento Público”, argumentam os artistas. “Os espaços públicos de uma cidade são de fato públicos? Usualmente são espaços loteados, cerceados, controlados. O momento público busca instaurar, seja no espaço público, seja numa instituição ou numa galeria, um espaço de encontro e convívio, de trocas de saberes e sabores, criado e constituído por quem o habita”, defendem. ALEGRIA, ALEGRIA

Como tomam as decisões no processo de trabalho? DE CRIAÇÃO Fazem votação ou buscam consenso? Qual a tensão que pode acontecer no processo? “O coletivo só existe porque estamos nesse compromisso que envolve estarmos muitas horas juntos, como uma família mesmo, não só nas viagens, mas no dia a dia das reuniões para pensar, elaborar, trocar, rir e chorar”, respondem. “Não trabalhamos com representação nem com papéis definidos ou hierarquias. As decisões são tomadas sempre em conjunto, buscando, claro, um consenso, o que nem sempre é possível, mas é o grande desafio! PROCESSO

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“Os trabalhos são criados coletivamente para gerar uma experiência que também é coletiva, essa é uma questão fundamental do OPAVIVARÁ!”

FOTOS: CORTESIA DOS ARTISTAS, A GENTIL CARIOCA


Junto, sem dúvida, é mais gostoso, não necessariamente mais fácil, mas bem mais gostoso. Acreditamos muito no prazer e buscamos essencialmente fazer dos nossos encontros momentos prazerosos. É importante também saber conviver com o dissenso, entender que as opiniões divergentes ou conflitantes devem ser ouvidas tanto na sociedade como um todo quanto no processo criativo. Conviver com a diferença é o que nos move, não só internamente no coletivo, mas em relação a toda a humanidade, e os nossos trabalhos propõem um espaço de encontro, conversas e trocas, entre todos sem distinção”, dizem eles. Para corroborar o argumento, não só os transeuntes como também os moradores e as crianças de rua participam de suas intervenções urbanas.

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“De alguns anos para cá, a parceria com A Gentil Carioca permite a nossa inserção em feiras internacionais, onde nossos trabalhos são mais vendidos do que no Brasil, a nossa casa, um lugar de cultura pulsante e diversa que nos inspira”, dizem. “Os convites para trabalhos comissionados também acabam acontecendo mais no exterior. No entanto, nossa ação no Brasil não cessa. Estamos sempre buscando locais e maneiras de trabalhar no nosso país, mesmo com todos os ataques e desmontes pelos quais a cultura vem passando nos últimos anos e, principalmente, no atual (des)governo. Acreditamos nas propostas de iniciativa independente e de espaços alternativos e participamos com frequência de fóruns e debates no âmbito acadêmico, atendendo muitas vezes a demandas de estudantes e pesquisadores que se interessam pelos nossos processos.” Depois da Art Dubai, o coletivo inaugurou em abril a exposição PORNORAMA na Gentil Carioca, em cartaz até 7/6, com obras inéditas feitas especialmente para a mostra. A partir de maio, participa da exposição Vai e Vem, com curadoria de Raphael Fonseca, que vai itinerar pelos CCBBs de São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro. Estarão ainda com projeto solo no pátio do Palazzo Strozzi, em Florença, na coletiva Vivências em Montbeliard, na França, farão parte do fórum internacional de coletivos em Estocolmo, e participam de exposição curada por Nicolas Bourriaud em Montpellier, também na França. No segundo semestre, o OPAVIVARÁ! estará no Fringe Festival, em Dublin, fará exposições na galeria Magazzino, em Roma, e na Dunedin Public Art Gallery, na Nova Zelândia. E, finalmente, em dezembro, começam as comemorações de 15 anos do coletivo com exposição no MAC Niterói. O OPAVIVARÁ! é uma festa. AGENDA CHEIA

“Estamos sempre buscando locais e maneiras de trabalhar no nosso país, mesmo com todos os ataques e desmontes pelos quais a cultura vem passando nos últimos anos”

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Na pág. ao lado, PORNORAMA (2019), em individual homônima do coletivo na A Gentil Carioca. Acima, registro de TRANSNÔMADES (2016), em Lisboa

FOTOS: CORTESIA DOS ARTISTAS, A GENTIL CARIOCA


POESIA

POÉTICA DA INCONCLUSÃO Invasão “arte e vida” na relação entre os infrarrealistas mexicanos e o coletivo de poetas realvisceralistas, do romance Os Detetives Selvagens , de Roberto Bolaño

RONALDO BRESSANE

“O MILAGRE EXIGE

“DEVANEIO

Que via imaginarei para seguir flutuando & atravessar a selva sempre crescente do grosseiro rio O milagre exige De meus ossos flor & de minha mente frutos Neste crepúsculo preciso em que a nuca do sol vai de focinho O ouro sepulta a cinza a praga ao mar a magia a toda pressa”

Já estive aqui sem ter estado (nas cordilheiras desta serenidade) (dentro deste relógio de luzes que não estorvam) As torres se iluminam no simples toque o açúcar queimado o violino perfumado do seu próprio corpo Bioquímica-freejazz Gruta sem 1 gota de cosméticos Poesia natural como o esperma-aguaceiro do Amor Já estive aqui sem ter estado”

O BELO POEMA ACIMA É DE MARIO SANTIAGO PAPASQUIARO EM LABIRINTO, seleta de poemas organizada pelo compa-

Em El Secreto del Mal (Anagrama), último livro em que trabalhava Bolaño – na verdade uma coletânea dos mais recentes arquivos encontrados em seu computador pelo editor e amigo Ignacio Echevarría –, o escritor chileno/ chicano/hispânico, sempre sob a pele de Arturo Belano, conta uma visita fictícia que fez ao apartamento de Papasquiaro, aliás Ulises Lima (aliás José Alfredo Zendejas Pineda, seu verdadeiro nome de batismo), ao retornar à Cidade do México depois de décadas vivendo na Espanha.

nheiro Roberto Bolaño no Infrarrealismo (ou Real-Visceralismo, conforme o praticam Arturo Belano, Bolaño, e Ulises Lima, Papasquiaro, n’Os Detetives Selvagens). Congênere mexicano de Roberto Piva ou Herberto Helder, este beatnik surrealista teve suas ideias fora de lugar publicadas no Brasil há dez anos pela editora Dulcinéia Catadora, na tradução de Beatriz Bajo. Como a edição é raríssima, aí vai mais um: SELECT.ART.BR

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Capa da revista do movimento infrarrealista Correspondencia Infra, publicada em 1977

FOTO: REPRODUÇÃO


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Toca várias vezes a campainha, mesmo sabendo que o amigo já está morto – em 1998, Papasquiaro foi atropelado por um sinistro Impala preto (e é muito estranho o fato de que, na cena final do Detetives Selvagens, o carro usado pela dupla Bolaño/Lima para perder-se no Deserto de Sonora seja um Impala branco). De repente, da porta ao lado emergem três punks gordos e carecas. Apresentam-se como “os últimos discípulos de Ulises Lima” e convidam Belano a entrar em seu apartamento, ouvir o disco de sua banda e beber algo. Este permanece estático a mirar os joões-gordos e os pôsteres de bandas que decoram as paredes do apartamento, onde “garotos mexicanos o olham desde as fotos ou desde o inferno esgrimindo suas guitarras elétricas como se fossem armas ou como se estivessem morrendo de frio”. Jamais se saberá se Bolaño continuaria este relato ou se ele termina assim, feito um viaduto inacabado precipitando-se sobre a saudade, como quase tudo o que escreveu (uma poética da inconclusão, na definição de Echevarría). Assim como a ética da amizade e da sinceridade olho-no-olho, porém em registro mais atmosférico, os vazios bolañescos entranham-se na poética de Papasquiaro, autor de fluxos de imagens sem juízo final – um autor sem juízo, como se depreende no retrato que, em outro texto, fez de seu bróder: “Ulises Lima era meu amigo Mario Santiago Papasquiaro, que morreu há um ano. Foi meu melhor amigo, meu melhor amigo de longe (…) um ser estranhíssimo, um leitor empedernido com coisas tão estranhas como meter-se sob o chuveiro e ficar lendo. Sempre via meus livros molhados e não sabia 0 que havia ocorrido: será que o México é tão grande que pode chover em certas partes? Me perguntei até que o surpreendi lendo no chuveiro (…) Mario era um personagem fantástico, não tinha nenhuma disciplina. Era um poeta poeta, um ser fantástico, muito valioso”.

Cena de Roberto Bolaño: A batalha futura, filme dirigido por Ricardo House

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Outro Papasquiaro:

“NÃO CREIO MAIS QUE NA QUEDA DE ESTRELAS Sobre as pontes que descubro 1 cemitério de vidros : o ex bendito chiqueiro : Dormiu o cheiro de tanto trator sangrento de onde quebram a cintura dos acampamentos ciganos indícios de mim que sustentam & neles que digo: Não creio de imediato nem nas chuvas de ouro velho nem de cabras Nem na irrealidade deste rio em que de santa gana me afogo como se 1 adaga sem rumo partisse ao sol dos meus ecos”

Apesar da leitura furiosa do dadaísmo, dos beatniks Allen Ginsberg, Jack Kerouac e William Burroughs, do movimento peruano Hora Zero, dos poetas de Liverpool e dos Angry Young Men ingleses, sem falar na influência direta da vanguarda mexicana Estridentista, o que unia os infrarrealistas, além da supracitada ética da amizade e da lealdade totais, era uma profunda consciência política. Nascido em Santiago em 1953, Bolaño vivia em DF desde o icônico ano de 1968, quando testemunhou o crescente movimento estudantil, que redundou na invasão pelo exército da Universidade Nacional Autônoma do México e do massacre dos estudantes em Tlatelolco – eventos marcantes em seu romance Amuleto. Anarquista radical, Bolaño retornou, em 1973, a Santiago, para lutar contra o golpe de Pinochet. Mas foi preso e, não fosse uma antiga amizade de escola com os carcereiros, teria sido morto – o que lhe valeu escapar do Chile para voltar ao México. Em 1973, o presidente mexicano era Luiz Echevarría Álvarez, antigo secretário do presidente Gustavo Díaz Ordaz, o mandante dos massacres nas universidades. Sob Álvarez, a cultura mexicana teve uma espécie de renascença, acompanhada de incentivos financeiros estatais – de que se beneficiava, por exemplo, a revista Plural, editada por Octavio Paz. Assim, todos os artistas que ganhavam


O tropbeatniquismo subterrâneo de Roberto Bolaño e Mario Santiago Papasquiaro estremeceu o México dos anos 1970

incentivos do governo foram conectados a uma espécie de “cultura oficial”, oposta ao underground de extrema esquerda, onde vicejavam os poetas saídos de oficinas de escrita criativa, que haviam fugido dos cursos de Letras das universidades. Nesta cultura polarizada, Bolaño e Papasquiaro eram os líderes naturais, desde que se conheceram no Café La Habana, em DF. A partir de 1975 começaram a fazer leituras públicas e em 1976 Bolaño lançou o Manifesto Infrarrealista – que, curiosamente, cita Drummond: “Até os confins do sistema solar há quatro horas-luz; até a estrela mais próxima, quatro anos-luz. Um desmedido oceano de vazio. Mas estamos realmente seguros de que só exista um vazio? Unicamente sabemos que neste espaço de luz não existem estrelas luminosas; se existissem, seriam visíveis? E se existissem corpos não luminosos ou escuros? Não poderia acontecer que nos mapas celestes, assim como nos mapas terrenos que estejam indicadas as estrelascidades e omitidas as estrelas-aldeias? Escritores soviéticos de ficção científica arranhando-se o rosto à meia-noite. – Os infra-sóis (Drummond diria os alegres companheiros proletários) (...) – Quem terá atravessado a cidade e por uma única música só terá ouvido os assobios de seus semelhantes, suas próprias palavras de assombro e raiva?” (Déjenlo Todo, Nuevamente Láncense A Los Caminos)

O grupo de infrarrealistas era muito heterogêneo, formado por uns 20 poetas e artistas largamente apreciadores de sexo, gozações e expansores da mente como álcool, maconha, cocaína e cogumelos mágicos, homens, mulheres, hetero e homossexuais (ao contrário da cena beatnik, marcadamente misógina e gay), e está retratado à clef no monumental Os Detetives Selvagens. Todos detestavam Octavio Paz, o grande intelectual do establishment, e chegaram a sacaneá-lo pesadamente em leituras – as “sabotagens” eram uma costumeira prática infrarrealista, que consistia em invadir lançamentos, entregas de prêmios e saraus para que os bárbaros lessem seus próprios poemas. Em 1976, os infras publicaram a primeira antologia, Pájaro de Calor, e, no fim de 1976, com a demissão de Paz da Plural, afinal editam seus textos em uma revista “oficial”. Em 1977, Bolaño participaria da última antologia infrarrealista, Muchachos Desnudos Bajo Un Arco-íris de Fuego, e seguiria para a Europa, com o coração partido por ter sido penabundeado pela poeta Lisa Johnson. Nunca mais voltaria ao México. Nos anos mexicanos, Bolaño tinha os cabelos compridos, levava a tiracolo uma mochila cheia de poemas e fumava sem parar. Leitor de Nicanor Parra, não bebia nem fumava maconha: só observava, escrevia e conspirava. Nos Detetives, escrito em Barcelona quando Bolaño já contava 45 anos, os Infrarrealistas são chamados de Realvisceralistas, Bolaño é Belano, Santiago é Lima, a pintora Carla Rippey é a mecenas Catalina O’Hara, a namorada Lisa Johnson é a musa Laura Jáuregui e Juan Esteban Harrington é García Madero, um dos principais narradores. Bolaño vivia expulsando os colegas do movimento, e depois os readmitia. Dizem que era genial e desagradável: passava dias sem dormir, só escrevendo e lendo. Podia ser muito engraçado e carinhoso, mas também muito deprimido e raivoso. Em 1977, Bolaño viajou com Papasquiaro à Europa; em uma estação de trens na França mataram o Infrarrealismo. O mexicano voltou, mas o chileno radicou-se em Barcelona, depois Blanes, onde escreveu muitas cartas a Papasquiaro, que nunca respondia. Enquanto o autor de 2666 trabalhou para levantar a carreira que o torna hoje o protagonista da literatura pós-moderna – ganhou vários prêmios em 1998 com Os Detetives, e cinco anos depois morreu, aos 50, deixando centenas de páginas inéditas –, Papasquiaro pôs em prática seu verso famoso: “Se vou viver, que seja sem timão e em delírio”. Fiel à ética do desregramento, costumava atravessar as ruas da Cidade do México às cegas. Mario Santiago Papasquiaro morreu atropelado em 10 de janeiro de 1998 – um dia depois de Bolaño terminar Os Detetives Selvagens. FOTO: DIVULGAÇÃO

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ENSAIO VISUAL

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Eles não são blocos nem escolas de samba. Nos carnavais do subúrbio eles jogam e partilham identidades e referenciais simbólicos comuns

A POTÊNCIA COLETIVA DOS BATE-BOLAS FOTOS F R A N C I S C O P R O N E R , VA L DA N O G U E I R A , T UA N E F E R N A N D E S , R AT Ã O D I N I Z E R E N A N O T T O T E XTO A L I N E VA L A D Ã O

FOTO: FRANCISCO PRONER

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DESDE A SEXTA-FEIRA QUE ANTECEDE O CARNAVAL JÁ SE PODEM OUVIR OS FOGOS QUE ANUNCIAM AS PRIMEIRAS SAÍDAS DE TURMAS DE BATE-BOLAS. Os bate-bolas cariocas não estão extintos nem parecem estar em vias de se extin-

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guir. Eles prosseguem firmes e fortes, potentes e numerosos em bairros do subúrbio do Rio de Janeiro e em algumas localidades do estado, durante o período carnavalesco. No entanto, manifestam-se longe dos olhos do grande público. Os bate-bolas atuais parecem resguardar poucas das características dos Clóvis de antigamente, de perfil essencialmente folclórico e, em alguma medida, interioranos e ingênuos. E se, à aparente semelhança do que ocorre hoje, os Clóvis do passado também possuíam caráter gregário, tratava-se de um agrupar-se mais espontâneo, improvisado e menos coeso do que ocorre agora. Na contemporaneidade, os bate-bolas pertencem a grupos organizados e hierarquizados. Além de prepararem e vivenciarem a experiência carnavalesca de modo muito específico, as turmas contemporâneas oferecem espetáculos multissensoriais às suas respectivas comunidades, com temáticas constantemente renovadas. As turmas de bate-bolas são configuradas de modos diversos e se caracterizam conforme inúmeros aspectos. Elas podem, por exemplo, ser mistas ou formadas apenas por homens, somente por mulheres ou, ainda, integradas inteiramente por crianças. Quanto ao tamanho, reúnem de dois a centenas de membros. Com relação ao estilo das performances e fantasias, há uma gama considerável de variações em franca definição, a depender da composição dos elementos materiais e simbólicos adotados pelos grupos e que se referem ao modo como compreendem sua própria existência. Em todos os casos, colocam-se no cenário carnavalesco como entes coletivos.

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FOTO: RENAN OTTO


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FOTOS: RATÃO DINIZ


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Os componentes de uma turma de bate-bolas partilham de identidades que se apoiam na escolha de referenciais simbólicos comuns, como, por exemplo, o nome do grupo, emblemas, hinos, lemas, bandeiras, fantasias muito semelhantes – senão idênticas e podem participar ativamente, em maior ou menor medida, da elaboração carnavalesca da sua turma. Os processos de criação e de produção do Carnaval das turmas de bate-bolas são complexos, exaustivos e dispendiosos. Portanto, requerem antecedência, planejamento e cooperação. A liderança de uma turma costuma ficar sob a responsabilidade do membro fundador ou do mentor criativo do grupo, normalmente apelidado de “cabeça de turma”. Mas também pode ser exercida por uma comissão de integrantes com funções criativas e gerenciais. Após identificarem os pontos positivos e negativos do trabalho anterior, que orientarão para a superação de falhas e para a pesquisa de inovações, os cabeças de turma ou suas comissões criativas e gerenciais iniciam os trabalhos de preparação do Carnaval seguinte, organizando-se em torno de dois grandes objetivos: a produção das fantasias e a preparação da saída da turma que, na atualidade, parece constituir o ponto máximo da manifestação dos bate-bolas. Inicialmente, as turmas de bate-bolas adotam um tema. Os temas equivalem aos enredos escolhido pelas escolas de samba e, da mesma forma como ocorre a estas agremiações, são renovados ano a ano. Em outras palavras, os temas correspondem aos assuntos que fornecerão os referenciais narrativos, visuais e simbólicos para o processo criativo. Neste ponto específico é possível notar claramente a abertura da brincadeira dos bate-bolas aos repertórios simbólicos dos brincantes – fruto de suas relações sociais e culturais mais amplas e reveladores das suas percepções de mundo. Ao longo do ano, os bate-bolas se dedicam à criação e à produção das fantasias. Nas semanas que antecedem o Carnaval, o ritmo de trabalho nos chamados “barracões” das turmas de bate-bolas é bastante intenso. Além de finalizar as roupas, os bate-bolas programam os efeitos luminosos, sonoros e pirotécnicos que comporão as saídas do seu grupo.

PARTILHA DE IDENTIDADES

FOTO: VALDA NOGUEIRA


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Os Clóvis do passado também possuíam caráter gregário, mas tratava-se de um agrupar-se mais espontâneo, improvisado e menos coeso do que ocorre agora SELECT.ART.BR

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FOTOS: FRANCISCO PRONER


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O momento exato da saída de uma turma de bate-bolas geralmente é precedido por uma intensa queima de fogos. Avisado pelas luzes e sons, o público começa a se aglomerar próximo ao local em cujo interior os bate-bolas se vestem, perfumam-se com essências especiais, cantam, dançam, entoam gritos de entusiasmo e se unem para rezar e pedir proteção para brincar o Carnaval de modo seguro, segundo as mais diferenciadas crenças. Na sequência dos fogos, o funk da turma toca, retumbante. Há mais de uma década o ritmo dos bailes começou a ser incorporado às saídas dos bate-bolas. Em princípio, rivalizava com o samba e com as marchinhas de Carnaval, mas veio se tornando a base sonora exclusiva sobre a qual os compositores das turmas colocam as letras compostas para o seu grupo. A incorporação de novos elementos culturais à manifestação contemporânea das turmas de bate-bolas a

FUNK E FOGOS

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caracteriza como uma prática cultural viva e aberta às negociações simbólicas. Trata-se de uma brincadeira que pode ser constantemente atualizada, conforme a iniciativa e a adesão dos próprios brincantes. Após os fogos e o início do funk, o grupo dos bate-bolas ganha o espaço público e realiza suas performances. Pulando, dançando e correndo, vigorosos e provocativos, os fantasiados posam para fotografias, filmagens e interagem com a multidão. Após a saída, no decorrer do período carnavalesco, os bate-bolas de uma mesma turma circulam todos juntos. Ser um bate-bolas atualmente representa mais do que uma simples diversão carnavalesca. Trata-se de pertencer a um grupo e de obter o poder de participar ativamente da definição dos aspectos significativos para esse grupo. Presenciando a saída de uma turma de bate-bolas e conhecendo os bastidores da elaboração da sua brincadeira, constata-se que eles encontram na coletividade os recursos para se estabelecerem no cenário carnavalesco carioca da atualidade.

FOTOS: TUANE FERNANDES


TERRITÓRIOS

don’t touch (2018), performance de Le Bafon, apresentada no 16º Projeto Armazém - o Mundo Como Armazém SELECT.ART.BR

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Com gestão cooperativa, o Espaço Cultural Armazém –

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Coletivo Elza, em Florianópolis, agrega mulheres interessadas em associar vozes e luta, arte e feminismo

ARTE E VIDA NA URGÊNCIA DO EXISTIR NÉRI PEDROSO

ARMAZÉM, PROJETO IDEALIZADO EM 2011 EM FLORIANÓPOLIS (SC) PELA ARTISTA, CURADORA, PROFESSORA E PESQUISADORA JULIANA CRISPE, alcança boa amplitude dentro do sistema

de arte de Santa Catarina. Ao associar exposições e feiras organizadas a partir de avaliação seletiva, convidados e obras do acervo, a iniciativa investiga relações entre publicação de artista, o múltiplo, arquivo e coleção. Movente, a proposta ajuda a regular o fluxo de mercadorias, propõe a circulação e a comercialização de trabalhos de arte que sejam múltiplos, de pequenas e grandes tiragens. As ações abarcam diferentes montagens e reflexões, agregam pesquisa, práticas de gestão coletiva e cooperativada, compromisso comunitário, noções de lugar, cultura e identidade. Em 2016, o Armazém instala-se numa casa no bairro Sambaqui, lugar que ajuda a alargar suas ressonâncias e interesses. Cria-se o Espaço Cultural Armazém – Coletivo Elza, que agrega mulheres preocupadas em associar vozes e luta, arte e feminismo. Voltado ao fortalecimento de questões femininas a partir de ações artísticas e culturais, o espaço desenvolve atividades socioeducativas com dinâmicas vinculadas aos ateliês, nos quais ocorrem orientação artística, oficinas e cursos; feiras, rodas de conversas, bazares, palestras e eventos. Outro compromisso é manter parcerias e diálogos com instituições interessadas na promoção da construção de pensamento por meio de seminários, encontros de artista, mesas-redondas e debates. Inicialmente instalado na Rodovia Gilson da Costa Xavier, 942, desloca-se em 2018 para o número 1.384 da mesma rua, no bairro Sambaqui. A nova casa qualifica as relações com a comunidade e facilita a execução da parte final FOTO: DUDA DESROSIERS


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do projeto legitimado pelo Prêmio Edital Elisabete Anderle 2017, concedido pelo governo do estado de Santa Catarina para catalogar o acervo e criar um site capaz de atender ao desejo de democratização das demandas de pesquisa em torno da coleção Armazém, hoje composta de mais de mil trabalhos de artistas como Cildo Meirelles, Leonilson (1957-1993), Rosângela Rennó, Guto Lacaz, William Kentridge, John Cage (1912-1992), Yoko Ono, Hélio Oiticica (1937-1980), Joseph Beuys (1921-1986), Arnaldo Antunes, Tunga (1952-2016), Waltercio Caldas e Marcel Broodthaers (1924-1976). O acervo abre-se para diferentes leituras, desdobradas sob o manto da política, do feminismo, das linguagens e movimentos artísticos, do meio ambiente e dos polos geográficos. Entre elas, inclui-se dont touch, performance de Le Bafon apresentada em 2018, no 16º Projeto Armazém – O Mundo como Armazém. O corpo nu feminino, transformado em aderência plena da frase don’t touch it’s art, condensa representatividade pelo seu teor político. Por meio de um carimbo, pés, mãos, virilha, braços, barriga, púbis, rosto, costas e ventre são tatuados. O corpo é devassado diante de um público atento, com crianças acompanhadas de pais, apesar de um estranho comunicado na porta, no qual se lê o alerta sobre a intervenção que inclui nudez artística. O aviso dá-se no fluxo dos impasses de La Bête, de Wagner Schwartz, no 35° Panorama de Arte Brasileira do MAM-SP, quando o movimento de direita usa a obra para produzir fake news, grande histeria no País e acirradas discussões em amplo espectro social, artístico, jurídico e institucional. Assim, Le Bafon guarda-se como ato de resistência num momento dramático da vida e da cultura brasileira. As poéticas que transitam entre as questões de gênero estão em destaque no Espaço Cultural Armazém – Coletivo Elza. No seu papel de problematizar a realidade, muitos artistas se situam no ativismo, prática e conceito ainda instáveis para ações concebidas como estratagemas artísticos. Nessa perspectiva, algumas obras têm discursos explícitos, outras tangenciam a abordagem pelo gesto, na fatura do bordado, do desenho, da gravura ou da cerâmica. Tombada pelo Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (Ipuf) e pelo Serviço do Patrimônio Histórico Artístico e Natural (Sephan) dentro dos conjuntos históricos da antiga freguesia de Santo Antônio de Lisboa e da Praia das Flores, no Sambaqui, a nova sede do espaço integra a paisagem cultural como um dos elementos representativos da arquitetura residencial remanescente luso-brasileira colonial do século 19. Presta-se, portanto, à promoção da identidade local e da memória urbana de Florianópolis, fatores que potencializam os interesses do projeto. Em destaque por sua beleza, a casa testemunha o projeto com característica multidisciplinar e particularidades assentadas na crença da potência de ações colaborativas no campo das artes visuais. Nela, o coletivo reafirma-se como força pulsante, sem fins lucrativos, independente, regida pelo convívio e afeto. A atuação dá-se na urgência do existir, nas dificuldades, na busca de empoderamento feminino. RESISTÊNCIA

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As poéticas que transitam questões de gênero estão em destaque


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Na página à esq., o educativo em ação. Acima, atividade de encontro entre mulheres que estimulou discussões sobre maternidade, educação sexual e empoderamento feminino

O Coletivo envolve 20 profissionais – artistas, gestoras, educadoras, doulas, psicólogas e propositoras – e abriga sete ateliês, uma sala expositiva com agenda anual, uma biblioteca especializada em temas feministas, um programa de residência de artistas, um coletivo de pesquisa – o Projeto Armazém –, dois grupos de potencializadoras de projetos, um voltado à pró-infância, empoderamento e perinatalidade, e outro que se denomina Fora do Eixo Florianópolis. O programa de residência desenvolve o Residência Anual, Residência para Pesquisa e Intercambiável Floripa.SP. Esse último seleciona uma artista de Santa Catarina para morar um mês na Casinha#3, em São Paulo, e uma artista da capital paulista para vir a Florianópolis. Idealizado como um grande encontro entre artistas, coletivos, editoras independentes e público, o Armazém reúne obras como publicações de artista, livros de artista, cadernos de artista, cadernos de desenho, diários

de artista, diários de bordo, postais, panfletos, cartazes, gravuras, fanzines, lambe-lambes, stickers, cartões, carimbos, objetos etc. Pela localização geográfica, fora da região central da capital catarinense, num estado sulino cuja produção artística é quase invisível no circuito de arte brasileira, pelo modo de articulação humana, baseada em práticas coletivas, em memória e ativismo, o Espaço Cultural Armazém – Coletivo Elza desprende-se de convergências hegemônicas, adota um caminho particular, conduz-se como uma operação crítica, de desterritorialização, política, portanto. FOTOS: DUDA DESROSIERS E JULIANA CRISPE


58a BIENAL DE VENEZA

I N T E R E S S A N T E N Ã O , AT R O Z Pensar um mundo de duplos, realidades paralelas e distópicas, catástrofes e ameaças é proposta da direção artística da 58ª Bienal de Veneza

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PA U L A A L Z U G A R AY , D E V E N E Z A F O T O S R I C A R D O VA N S T E E N

MAY YOU LIVE IN INTERESTING TIMES, A EXPOSIÇÃO INTERNACIONAL DA 58ª BIENAL DE VENEZA, INAUGURADA EM 8/5, CARREGA UM ENIGMA A SER DECIFRADO. “INTERESSANTE” É UMA PALAVRA QUE NÃO DÁ CONTA DO QUE ACONTECE NO MUNDO HOJE. Dizer que algo é interes-

Thinking Head (2019), instalação da italiana Lara Favaretto, na fachada do Pavilhão Central do Giardini

sante é rejeitar a sua especificidade, afastá-lo do território do problema, conferir-lhe um caráter genérico. Daí vem o incômodo causado pelo título da mostra com direção artística de Ralph Rugoff, curador da Hayward Gallery, de Londres. A frase, de complexa tradução para o português, já é uma tradução em si: segundo o texto curatorial, seria a tradução que certo diplomata britânico teria feito, nos anos 1930, de certo provérbio chinês antigo, voltando de uma viagem ao Oriente. Embora Rugoff argumente (tanto no texto quanto na coletiva de imprensa, na abertura) que dizer interessante é o mesmo que se referir à precariedade da existência, a tempos desafiadores e ameaçadores, poderíamos aqui contra-argumentar que nefasto, atroz, extremo, regressivo ou pós-apocalíptico são adjetivos que expressam com mais acuidade o tempo presente. Soa um tanto simplista dizer que “a arte pode ser um tipo de guia sobre como viver e pensar em ‘tempos interessantes’”. A afirmação soa como o statement de uma exposição para uma sociedade sem conflito, construída desde o ponto de vista do homem branco europeu que pensa a contemporaneidade a partir da ideia de uma “ordem mundial do pós-Guerra”. Mas pós-Guerra para quem? Nos dois edifícios que recebem a curadoria central da Bienal de Veneza, o Pavilhão Central do Giardini e o Arsenale, os trabalhos expostos de 80 artistas convidados falam por si. De uma forma ou de outra, estão ali representadas as guerras contemporâneas – a decretada pelo Estado Islâmico, as guerras civis em sociedades ditatoriais árabes e africanas, as zonas de violência e convulsão social nos países latino-americanos, os conflitos raciais etc. –, mostrando que


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Nefasto, atroz, extremo, regressivo ou pós-apocalíptico são adjetivos que expressam com mais acuidade o tempo presente

o tempo histórico em que vivemos é de catarse e não de pós-Guerra. No entanto, é certo que a mostra assume um partido na direção inversa ao documental. Rugoff argumenta que “arte é mais que um documento de seu tempo”. Ele aponta que “em contraste ao jornalismo ou à reportagem histórica, a arte articula uma diferença da textura dos fatos”. O desafio posto é então buscar sentidos para o enigma. Como seria a sentença original em chinês? Que outras traduções seriam possíveis? As dúvidas lançadas pelo título refletem-se nos espaços expositivos: não há um guia nem uma só direção a seguir. Cabe ao espectador buscar entre as obras as relações que tecem os fios narrativos da exposição. A invenção de mundos na era da pós-verdade e das fake news é um desses fios. A desconstrução de certezas e a imaginação de outras verdades são o que se extrai da melhor parcela dos trabalhos expostos. É TUDO VERDADE

BLKNWS (2018 – em processo), do norte-americano Kahlil Joseph, lida explicitamente com a manipulação de notícias e imagens extraídas do YouTube e de lives de Instagram. Concebido com um programa de televisão sobre a vida de negros americanos, apresenta em dois canais uma edição que mistura filmagens amadoras com imagens produzidas SELECT.ART.BR

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Na página ao lado, Thinking Head (2019), instalação da italiana Lara Favaretto, dentro do Pavilhão Central do Giardini; acima, frame do vídeo The White Album (2019), de Arthur Jafa, vencedor do Leão de Ouro da 58 a Bienal de Veneza

pela grande mídia. Examinar as noções de raça articuladas na cultura midiática, relativizar e tomar posse do discurso construído pelo poder é uma estratégia que Kahlil Joseph compartilha com Arthur Jafa, o vencedor do Leão de Ouro da 58ª Bienal. Jafa apresenta no Pavilhão Central do Giardini o estarrecedor The White Album (2019), vídeo de 50 minutos com cenas surreais de opressão da supremacia branca sobre pessoas negras – tudo apropriado da internet, tudo real. O prêmio a Jafa confirma o protagonismo que as narrativas da diáspora africana e de sua descendência pós-colonial alcançam no sistema de arte internacional. Bastante expressivo nesta Bienal o conjunto de artistas abordando questões socioculturais, identitárias e migratórias da negritude. Entre eles, o norte-americano Henry Taylor; a nigeriana residente em Antuérpia Otobong Nkanga (menção honrosa); a nigeriana residente em Los Angeles Njideka Akunyili Crosby; e o queniano residente em Londres Michael Armitage. Diversidade de gênero e visibilidade lésbica orientam a fotografia performática da sul-africana Zanele Muholi. Mas a demarcada presença da pintura como linguagem partilhada entre a maioria desses artistas faz lamentar a ausência da pintura do brasileiro Arjan Martins, que teria contextualizado essa discussão no Sul global.


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À direita, detalhe da videoinstalação Doppelgänger (2019), de Stan Douglas; na página ao lado, pintura do norte-americano Henry Taylor

FICÇÃO CIENTÍFICA E ESPELHISMOS

Pintura da nigeriana Njideka Akunyili Crosby SELECT.ART.BR

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Literatura e ficção são cooptadas pela francesa Dominique GonzalezFoerster na invenção de outras realidades – futuras e passadas. Ela participa da Bienal com dois trabalhos que remetem à vida e ao ambiente extraterrestre: Endrodome (2019) é sua primeira experiência com realidade virtual e Cosmorama (2018), em colaboração com Joi Bittle, é o diorama da paisagem desértica de um planeta indefinido, baseada nas Crônicas Marcianas (1950), de Ray Bradbury. As duas obras novíssimas e inéditas da cultuada alemã Hito Steyerl discorrem sobre realidades secretas ou escondidas em ambientes de tecnologia, poder, corrupção e indústria armamentista. A instalação imersiva This is the Future (2019), no Arsenale, constrói uma ficção sobre uma mulher do futuro que deve esconder seu jardim para protegê-lo da depredação. No Pavilhão Central, Leonardo’s Submarine (2019) é uma viagem submarina metafórica em uma Veneza pós-atômica. Catástrofes e hecatombes formam um eixo narrativo importante dos trabalhos em exibição, tanto na curadoria de Rugoff quanto em Pavilhões Nacionais, que este ano somam 90, têm seus próprios curadores e não necessariamente se relacionam com a temática da curadoria central. Exemplo, Heirloom (2019), no pavilhão da Dinamarca, instalação da


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Os trabalhos expostos de cerca de 80 artistas convidados falam por si. Mostrando que o tempo em que vivemos é de catarse e não de pós-Guerra

dinamarquesa-palestina Larissa Sansour, composta de um filme de ficção científica em dois canais, uma escultura instalativa e uma intervenção arquitetônica. O combo faz com que o espectador do filme In Vitro (2019) – que se passa na cidade de Jerusalém décadas depois de um desastre ecológico –, ao sair da sala escura, se sinta adentrando fisicamente no mesmo filme. Trata-se aqui de um eficiente e surpreendente mecanismo de sobreposição das esferas real e virtual. Sendo brasileiro, o espectador sente ainda mais estranheza ao reconhecer na cena de abertura do filme – um mar de petróleo que varre rua da antiga Jerusalém, seguido de explosão – os desastres criminosos de Brumadinho e Mariana e a destruição do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, no Rio. Também em dois canais, Doppelgänger (2019), do canadense Stan Douglas, conta a história de uma personagem que vive simultaneamente em duas dimensões. O filme parte de uma pesquisa científica do artista sobre o conceito de “entrelaçamento” da física quântica, em que duas partículas estão tão próximas que podem partilhar da mesma existência. No contexto de uma mostra que se propõe a encarar o fenômeno das fake news, o jogo de espelhos e distorções proposto no filme de Douglas pode ser lido como uma metáfora da paisagem social polarizada do mundo contemporâneo, em que crenças contraditórias operam simultaneamente para explicar os fatos.


PORTFÓLIO

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Acima, Untitled (2009), instalação da indiana Shilpa Gupta; na pagina ao lado, Can’t Help Myself (2016), instalação robótica dos chineses Sun Yuan e Peng Yu

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OBJETOS TANGÍVEIS

Duas artistas que escapam das realidades paralelas e referem-se a situações tão palpáveis quanto a existência das fronteiras são a mexicana Teresa Margolles e a indiana Shilpa Gupta. Em uma operação readymade, Margolles reconstrói fragmento de um muro da fronteiriça Ciudad Juárez, no México, com tijolos de concreto retirados do local. Em Untitled (2019), Gupta produz um portão residencial mecânico que, com a força do impacto, destrói as paredes sobre as quais se articula. A realidade disruptiva sugerida por Gupta é também a força motora das duas instalações do duo chinês Sun Yuan e Peng Yu. Can’t Help Myself (2016) consiste em um cubo hermético de paredes de acrílico que contém um robô gigantesco e ameaçador. Sua fatura é uma soma de realidade e invenção: trata-se de uma engrenagem robótica, apropriada da indústria automobilística, porém com duas alterações decisivas: no sistema (o robô ganhou uma programação de 32 diferentes movimentos) e na forma, com a acoplagem de uma espécie de pincel em sua extremidade, encarregado de conter um líquido vermelho e viscoso em uma área predeterminada, e o comportamento compulsivo e imprevisível do robô e a cor sanguínea do líquido que ele maneja levam o espectador a imaginar-se


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dentro de um filme-catástrofe, em que a máquina se liberta do homem e domina o mundo. Ainda que inventiva, temos também aqui uma Bienal objetual, isto é, baseada em obras escultóricas – muitas delas com um forte teor de investigação formal. A escassez de proposições de ações imateriais, em contextos sociais locais da cidade de Veneza, pode ter contribuído para a premiação do pavilhão nacional da Lituânia com o Leão de Ouro, “pelo uso inventivo de uma ópera de Brecht e pelo engajamento do pavilhão com a cidade e seus habitantes”. Não que o pavilhão brasileiro, que mostra o potente Swinguerra (2019), de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca, não merecesse ter ganhado um Leão ou uma menção qualquer. Verdade que a comunidade internacional da arte perdeu a oportunidade de apoiar politicamente a bandeira do swingue, da liberdade de expressão e da

diversidade de gênero levantada pela instalação. Como bem apontou Lisette Lagnado, curadora da próxima Bienal de Berlim, no Instagram: “Como representar um país que extingue o Ministério da Cultura, faz cortes em todas as instâncias da educação e extermina sua juventude preta por meio de milícias do Estado? A resposta de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca é de arrepiar”. Tudo termina onde começa: entre nuvens. De Tomás Saraceno, que propõe um mecanismo de leitura de mensagens contidas nas nuvens, na instalação Aero(s)cene (2019), ou de Lara Favaretto, Thinking Head (20172019), formada por jato de nuvem de vapor na fachada do Pavilhão do Giardini e instalação com arquivo de objetos no interior. Obra das menos palpáveis de toda a Bienal, Thinking Head é composta de um think tank clandestino e de locação mutável, onde se discutem sentidos possíveis e impossíveis para palavras-chave como “fake”, “hacker”, “minority” etc. Na instalação, coleções de objetos materializam esses sentidos. Também se poderia acrescentar aqui a palavra-chave “interesting”. Interessante é expor, como uma espécie de troféu, um monumento do desastre da dimensão do barco naufragado em 2015 no caminho entre a Líbia e a ilha italiana de Lampedusa, onde morreram centenas de imigrantes ilegais? Que fatos e que objetos você reuniria sob a classificação “interessante”?


CRÍTICAS

CRÍTICA

REVISTAS

O IRRESISTÍVEL FASCÍNIO DA REVISTA PAULA ALZUGARAY

Em tempo de congestionamento informacional e arrefecimento da imprensa tradicional, as motivações que levam ao lançamento de novas publicações de arte Diante do desaparecimento da imprensa tal qual a conhecíamos – da iminente e inevitável transformação de seu formato, seu modelo de negócio e seus circuitos de distribuição –, chamam atenção o fascínio e a influência que a revista ainda exerce sobre o mundo da arte. Prova disso é que, mesmo com o arrefecimento da publicidade como meio de sustentabilidade de 9,9 entre 10 periódicos do mundo, a norte-americana ArtForum continua a surpreender com suas cerca de 100 páginas mensais de anúncios, todas provenientes do sistema de arte. No contexto menos SELECT.ART.BR

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Revista Traço, vol. 1, 2019, 92 págs., distribuída na SP-Arte 2019 Revista Pivô, vol. 1, 2019, 80 págs., R$ 20 www.pivo.org.br

favorecido da economia e do mercado de arte brasileiro, no ambiente devastado de bancas de jornais invadidas por traquitanas e gadgets (como o profético Nelson Leirner bem havia previsto), a resistência da revista de arte – como esta que felizmente o leitor tem em mãos –, também não deixa de surpreender. Talvez esse mesmo fascínio e essa mesma resiliência expliquem o aparecimento recente de revistas editadas por instituições e feiras de arte. A vontade que as feiras e as galerias de arte têm de vestir um figurino institucional fez, por exemplo, com que a SP-Arte rejeitasse o título com o qual construiu uma identidade sólida na engrenagem econômica do sistema de arte – a de feira –, para se autonomear um festival. Ou então abandonasse o catálogo como suporte de registro de suas edições anuais para encampar o desafio de lançar uma revista – de periodicidade anual, se supõe –, que terá o “compromisso com a criação de materiais críticos que se debruçam sobre a arte e suas reverberações”, segundo a editora Barbara Mastrobuono, no editorial do nº 1 da traço, a revista da SP-Arte. Para levar a cabo o compromisso de ser crítica, busca-se dar um tiro certo chamando a colaborar, por exemplo, Moacir dos Anjos, crítico e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, do Recife. Dos Anjos escreve na abertura de seu texto que “não escapa aos visitantes mais assíduos que as exposições de arte tenham se tornado mais e mais extensas ao longo dos anos”. Refere-se ele à extensão de tempo necessária para ver as exposições por completo, e também a uma produção artística que solicita a desaceleração dos sentidos. Ele fala de projetos como a Clínica Pública de Psicanálise, parceria entre a artista Graziela Kunsch e o psicanalista Daniel Guimarães, e do trabalho ativista e pedagógico do Coletivo Amò na Lanchonete<> Lanchonete, no bairro do Valongo, no Rio. Dois projetos marcadamente antimercadológicos que se dirigem a “corpos excluídos do ambiente democrático”


e que demandam mais tempo para ser fruídos. Ora, a colocação desse texto e desses trabalhos na revista de um evento de cinco dias de duração não deixa de ser anacrônica. Um dissenso. Faz pensar se a origem do interesse da SP-Arte em editar seu catálogo em forma de revista não estaria justamente na vontade de expandir seus limites. Faz pensar ainda em como a insaciabilidade de poder impele uma feira de arte a buscar ocupar todas as instâncias do sistema de arte contemporânea. Inclusive o lugar da crítica. Ousadias, ambições e deslimites à parte, a traço cumpre a função de prolongar para o espaço do papel (aquele que fica para a posterioridade) as experiências proporcionadas pelo evento relâmpago. O foco que a feira deu à América Latina em sua 15ª edição, em abril último, vê-se refletido no artigo da argentina Maria Angélica Melendi, e o segmento de design que acontece no terceiro andar do Pavilhão da Bienal se vê desdobrado em duas matérias. Em pleno “momento histórico de sobrecarga de informações” – como coloca Mastrobuono em seu editorial –, vimos surgir no mesmo mês de abril a Pivô Revista. Reverberar e difundir os conteúdos críticos acalentados no bojo institucional do Pivô, espaço artístico localizado no Edifício Copan, em São Paulo, assim como em “importantes eventos e exposições que ocorrem em São Paulo”, é o intuito das editoras Camila Bechelany e Fernanda Brenner. Aqui também está em jogo o irrefreável impulso de expandir a efemeridade da arte e da vida para as páginas de papel. A primeira edição da Pivô Revista, que não tem periodicidade definida (pode ser anual ou semestral, de acordo com as editoras), tem como núcleo duro a elaboração das experiências que nasceram a partir do programa Pivô Pesquisa – definido como um grande espaço livre de paredes para 15 ateliês rotativos. Três textos dedicam-se ao tema das residências artísticas. Mas é a “carta aberta” que Luiza Proença escreve

Na pág. anterior, capa do nº 1 da traço, revista da SP-Arte. Nesta pág., capa do nº 1 da Pivô Revista

sobre o curador mediador que propõe uma questão que interessa ser pontuada na conclusão desta análise. Ao fim de um questionamento sobre quem é efetivamente o publico da arte – segundo ela, normalmente tratado como “uma massa homogênea e abstrata de receptorxs desprovidxs de singularidades” –, ela faz uma pergunta essencial para quem faz, trabalha e pensa sobre arte: “Será que conversamos apenas com os nossos pares?” O intuito da Pivô Revista, segundo expõe o editorial, é “criar outro tipo de vínculo entre pessoas”. Mas que pessoas? O fato de a revista ser feita e distribuída para as redes locais e internacionais do Pivô reforça que a resposta para a pergunta de Proença é: sim, o intuito é “criar novas conexões entre agentes de nossa própria cena artística”. A resposta que o editorial da Pivô Revista dá à pergunta formulada por sua colaboradora inspira outra questão. Se a revista é um veículo através do qual se fala, se escuta e se dialoga com esse receptor impreciso que é o público da arte (e um meio de estabelecer relação com a diferença e com repertórios que estão além de sua zona de conforto), o que será exatamente que as estruturas institucionais da arte estão buscando ao lançar suas revistas?


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RIO DE JANEIRO

TRABALHADORXS DAS ARTES, UNI-VOS! MICHELLE SOMMER

1° Salão Vermelho de Artes Degeneradas expõe 80 trabalhos da safra artística “esquerdopata” e ressignifica a concepção de salão hoje “Margem é meio”, lê-se no trabalho do artista Thiago Ortiz, fixado na fachada do Ateliê Sanitário, no Rio de Janeiro. O espaço – capitaneado por Daniel Murgel, Leandro Barboza e Thiago Fernandez e pela convidada Bruna Costa – está localizado, desde 2016, na “Pequena África”: região que compreende a zona portuária e os bairros Gamboa e Saúde, e é lar histórico de comunidades remanescentes de quilombos. No dia 1° de maio de 2019, o Ateliê Sanitário abrigou o 1° Salão Vermelho de Artes Degeneradas. Realizado a partir de convocatória pública divulgada nas redes sociais, o chamado objetivava “selecionar, avaliar e revelar a produção artística esquerdopata, doutrinadora, abortista, gayzista, feminazi no território nacional”. Utilizando-se de adjetivos pejorativos associados aos crescentes ataques às liberdades de expressão sofridos pelos projetos artísticos no Brasil, o chamado recebeu a inscrição de 254 trabalhos de diversas localidades. No evento de 1° de maio, cerca de 80 trabalhos foram apresentados no salão, entre uma diversidade de projetos que venceram as barreiras de envio (na viabilidade logística e financeira não possível a todxs) e/ou limitações de espaço físico. Ali também aderiram invasores bemSELECT.ART.BR

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Acima, intervenção de Carlos Contente em pano de chão produzido por Roosivelt Pinheiro. À dir., registro da performance Aparição, de Cássia Nunes, uma das vencedoras do 1º Salão Vermelho de Artes Degeneradas

-vindxs. A montagem à gabinete de curiosidades, auto-organizada entre gestores do espaço e artistas participantes, ressignifica, também, a concepção de salão de artes hoje. Durante o processo de seleção, para incluir os excluídos, optou-se por ampliar acessibilidade e divulgação de trabalhos para além da fisicalidade da exposição, propondo-se uma ação de votação online: o Prêmio PICA Online (Prêmio Implora por Curtidas dos Amigos). Em bem-humorada referência ao


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Prêmio PIPA, o Ateliê Sanitário ofereceu a MAMATA (premiação): um mês de residência no espaço para o 1° colocado e uma mamadeira de piroca para o 2° colocado. No prêmio online, nas obras como imagem, sobressaíram-se os trabalhos com caráter de meme. O 1° Salão Vermelho de Artes Degeneradas convocou trabalhadorxs das artes para entrar no mal-estar que nos habita e ali estarmos juntos, imaginando estratégias coletivas e colaborativas de fuga e de transfigura-

1° Salão Vermelho de Artes Degeneradas De 1º/5 a 25/5, Ateliê Sanitário, Rua Pedro Ernesto, 56, Gamboa-RJ www.facebook.com/ ateliersanitario/

ção do presente. No 1° de maio, enquanto o evento recomendava o uso da cor vermelha, “permitindo” que meninas vestissem azul e meninos rosa, o que se viu foi uma profusão de cores. Mais além dos circuitos institucionais – que contêm também perturbantes silêncios (auto)impostos – residem incitações e acolhimento da nossa ad(i)versidade constituinte. Para a (re)tomada dos nossos campos de prática ecoa um chamado: trabalhadorxs das artes, uni-vos! FOTOS: THIAGO FERNANDES


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R E V I E WS

SÃO PAULO

QUEM É VOCÊ

Crianças interagem com a videoinstalação Stellentstellen (2013), do artista e coreófrafo William Forsythe

NA TERRA DOS DESINIBIDOS? LUANA FORTES

Obras do artista e coreógrafo norte-americano William Forsythe despertam corpos de diferentes públicos William Forsythe: Objetos Coreográficos, com curadoria de Veronica Stigger e da Forsythe Produções, parece a princípio uma exposição que não tem nada para incomodar. Ela foca nos intercâmbios entre arte e dança, não toca em assuntos quentes do momento e mostra ao público brasileiro pela primeira vez a obra do bailarino norte-americano, que foi diretor do Ballet Frankfurt e fundou sua própria companhia em 2005. Mas, à medida que o público é convocado a se movimentar, passam a se manifestar efeitos contraditórios que variam do constrangimento à catarse. SELECT.ART.BR

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William Forsythe: Objetos Coreográficos Até 28/7, Sesc Pompeia, Rua Clélia, 93 www.sescsp.org.br

Grupos de crianças fazendo visitas mediadas unem-se em frente à videoinstalação Stellentstellen (2013), em que dois dançarinos entrelaçam seus corpos a partir de uma combinação coreográfica. Uma mediadora do Sesc Pompeia comenta de canto que há alguns dias um senhor se aborreceu com a dubiedade do trabalho. Seria um ato sexual? São dois homens gays? Outro mediador pergunta às crianças se elas querem seguir ao outro trabalho. Elas gritam que não. Na instalação inédita Insustentáveis, São Paulo (2019), são oferecidos fones de ouvido que dão orientações de deslocamento. Essa é a obra mais desafiadora da exposição, tanto em termos de extroversão quanto de ação demandada. É bastante improvável que você consiga fazer tudo o que o áudio sugere. Eventualmente, há aqueles indivíduos solitários interagindo quase em transe. Há também quem não entre no círculo delimitado para a ação, mas que acaba se arrependendo pela falta de coragem. Para os mais acanhados, um banco posicionado no meio do deck do edifício projetado por Lina Bo Bardi pede: “Ande dezenove passos a partir do banco. Com seus olhos fechados. Ande para trás e sente-se”. Mais inofensiva, a instrução é suficiente para provocar uma nova relação com o espaço e com o corpo. E, para os acanhadíssimos, bastante impressionante é o vídeo Palestras a Partir de Tecnologias de Improvisação (2011). O trabalho elabora uma metodologia para a dança improvisada a partir do desenho. Nesse caso, basta sentar e assistir. Mas mesmo aqui pode surgir uma singela vontade de levantar e tentar botar em prática aquilo que ensina Forsythe. O corpo do público também é objeto coreográfico.


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LIVROS

ESCRITA AMADORA,

Ilustração de Roman Durov dá início à regra nº 10 do Guia Pussy Riot Para o Ativismo: Sejamos Pessoas

ATIVISMO EFICAZ Livro escrito pela fundadora do coletivo artístico e banda punk Pussy Riot elenca dez passos para você sair da frente do computador e tentar ser um ativista de verdade “Algumas pessoas se inspiram exatamente nas coisas do Pussy Riot que irritam outras: o jeito direto, a franqueza e um amadorismo desavergonhado”, escreve Nadya Tolokonnikova, fundadora do coletivo e banda punk no livro Um Guia Pussy Riot Para o Ativismo, publicado em 2018 nos Estados Unidos e recém-lançado no Brasil pela editora Ubu. De caráter biográfico, a publicação explicita essas características do grupo, em especial o amadorismo. Mas é justamente nisso que reside a potência mobilizadora das palavras de Tolokonnikova. O livro divide-se entre dez regras para o ativismo, como, por exemplo: faça o governo cagar nas calças, seja um delinquente artístico e escape da prisão – a artivista foi presa em 2012, devido a uma brevíssima performance anti-Putin realizada na Igreja Catedral de Cristo Salvador, em Moscou. Cada uma dessas regras, por sua vez, une palavras que esclarecem a norma da vez, relatos de ações realizadas pelo Pussy Riot e exemplos de heróis, como bell hooks, pseudônimo da escritora Gloria Jean Watkins, e o duo ativista The Yes Men. É possível arriscar e dizer que o guia não foi escrito para públicos especializados, seja em arte, seja nas questões sociológicas e políticas abordadas. As reflexões são rasas, as

Um Guia Pussy Riot Para o Ativismo De Nadya Tolokonnikova, Ubu Editora, 2019, 288 págs., R$ 49,90 www.ubueditora.com.br

passagens curtas e a leitura simples. Por isso mesmo, o livro é capaz de impulsionar o ativismo. Ele leva a crer que, seguindo esse passo a passo, você pode, sim, ser um ativista. Se, com a expansão das redes sociais, os protestos têm cada vez mais lugar na internet, Nadya Tolokonnikova mostra que não é tão impossível quanto parece levantar a bunda da cadeira de frente ao computador e de fato agir. Ao ler sobre as ações do Pussy Riot percebe-se que no fundo as intenções do grupo são elementares e suas ações dependem sobretudo da regra nº 7 do Guia: Não desista fácil. Resista. Organize-se. O nome Guia revela que a intenção do livro é servir como manual para quem deseja se tornar um ativista. No entanto, se sua vontade é simplesmente saber mais sobre a autora ou o coletivo, ele também cumpre essa função. Logo na introdução, Tolokonnikova conta uma anedota sobre um artigo que fala de poluição, que ela escreveu quando tinha 14 anos. “Vivi muitas coisas desde então, entre elas ser presa e passar dois anos na cadeia. No fundo, porém, nada mudou para valer. Continuo fazendo perguntas que incomodam. Aqui, ali, em todo canto.” LF FOTOS: LUANA FORTES/ ROMAN DUROV


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SÃO PAULO

CONTRADIÇÕES DO MODERNO LEANDRO MUNIZ

Para além de uma visão panorâmica neutra, mostra de Tarsila do Amaral no Masp apresenta olhar crítico sobre conflitos da modernização no Brasil Mostra de Tarsila do Amaral no Masp reúne mais de 90 obras, entre desenhos e pinturas, divididas em seis temas. Tarsila Popular aborda a cultura brasileira, suas relações com a arte moderna, suas tensões raciais e de classe, sua religiosidade, assim como mitos e mitologias populares que informam a produção da artista. Um catálogo com textos de autores como Irene Small e Renata Bittencourt amplia e atualiza a discussão sobre a obra de Tarsila e replica algumas das aproximações curatoriais na diagramação das imagens. Longe de uma visão apenas celebratória do modernismo no Brasil, a mostra expõe traumas históricos que a obra de Tarsila sintomaticamente formaliza. Um momento-chave da exposição é o paralelo estabelecido entre as obras Autorretrato (Manteau Rouge) (1923) e A Negra (1923). Ambas foram produzidas no mesmo ano e compartilham características formais, como o enquadramento, a posição das mãos, o formato ovalado da cabeça ou as cores SELECT.ART.BR

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Tarsila Popular Curadoria Fernando Oliva e Adriano Pedrosa Masp, de 5/4 a 28/7 Av. Paulista, 1.578 www.masp.org.br

saturadas. As diferenças entre essas obras, no entanto, apontam conflitos de classe e violências históricas centrais para a análise do trabalho de Tarsila e do contexto de onde essa obra surge: enquanto no Autorretrato Tarsila aparece vestida em um luxuoso casaco vermelho, com os cabelos penteados para trás, bem ao estilo da época, A Negra apresenta uma mulher nua, com o corpo deformado – por suas diversas violências e coerções –, sem cabelo e descalça, ainda que a robustez do seu corpo sugira um bloco sólido e fechado em si. Tarsila Popular é parte de uma série de exposições em que o Masp relaciona artistas consagrados e populares em uma revisão da historiografia oficial. Ainda que a insistência no assunto por vezes soe como uma estratégia populista, abrir espaço para essa discussão em esfera pública é uma proposta de autocrítica da instituição e de seus critérios de validação. Para além de uma visão panorâmica neutra, o museu apresenta uma visão crítica e complexa, que possibilita uma reflexão com nuances tanto das conexões internas da obra de Tarsila, suas relações com outras obras, quanto seus reflexos das estruturas sociais de onde surgiram – e que ainda persistem na sociedade brasileira.


Na pág. ao lado, Autorretrato (Le Manteau Rouge) (1923) e A Negra (1923), pinturas de Tarsila do Amaral. Abaixo, o art-door Primeiro Passo, Conquistar Espaços (19811982), do Grupo Manga Rosa

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SANTOS

IMPRENSA LIVRE E HACKEADA Litoral paulista recebe recorte da curadoria de Ana Maria Maia sobre intervenções na mídia de massa brasileira O vídeo A Situação (1978) é uma das primeiras obras da videoarte brasileira e um tapa na cara do público, ao representar o estado de completa devastação social, política, econômica e cultural do País hoje, 40 anos depois. Nele, o artista Geraldo Anhaia Mello encena um âncora de telejornal que lê ciclicamente a mesma frase ao longo de oito minutos, tempo de beber uma garrafa de cachaça: “A situação social, político, econômica e cultural brasileira…”. O ponto final é a desconstrução completa da pose e da realidade. A obra é um dos trabalhos citados na pesquisa de Ana Maria Maia sobre intervenções artísticas em meios de comunicação desde os anos 1950 até os anos 2000. O projeto ganhou forma de exposição em 2018, no Sesc Pompeia, em São Paulo, e agora chega ao Sesc Santos, com recorte de 40 obras. O tempo prolongado de pesquisa incide diretamente no resultado da exposição, que se afirma como um dos mais potentes e completos exercícios de reflexão sobre as relações entre a arte e os veículos de comunicação. Vai de Glauber Rocha a Leonilson, passando por Eduardo Coutinho, Lenora de Barros, Eder Oliveira e o coletivo a Revolução Não Será Televisionada. Os trabalhos estão divididos entre diferentes estratégias adotadas por artistas para se relacionar com a mídia de massa brasileira: perder-se, sair às ruas, duelar, hackear, conviver, fic-

Arte-veículo Sesc Santos, Rua Conselheiro Ribas, 136 www. youtube.com/ arteveiculo

cionalizar e experimentar a linguagem. Embora haja casos em que as relações entre a arte e a mídia sejam amigáveis – em trocas de papéis, nas experimentações e negociações –, as ações hackers são preponderantes na exposição, com coletivos de mídia tática que surgiram nos anos 2000. “Ocupar um espaço à revelia do que está programado para ele é hackear”, define Ana Maria Maia. Assim, Flávio de Carvalho seria um hacker original, ao se infiltrar no programa de entrevistas de Tônia Carreiro, na televisão, para disseminar seu programa moderno. Antonio Manuel e Cildo Meireles também seriam hackers antes dos hackers. Manuel com a ação Clandestinas (1975), em que modifica as chamadas de capa de um reparte do jornal O Dia, disseminando frases non sense para o grande público, e Cildo com seu seminal Inserção em Circuitos Ideológicos, em que coloca para circularem frases de ativismo político em produtos de consumo de massa. Essencial em tempos de cólera contra a arte. PA

FOTOS: JAIME ACIOLI, ROMULO FIALDINI/ JORGE BASSANI


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SÃO PAULO

MESA DE DISSECAÇÃO Monumentos do descaso, instalações de Giselle Beiguelman expõem o estado de escombro das cidades brasileiras e as ameaças aos pilares da democracia A sociedade brasileira enfrenta o maior desmanche de suas estruturas, valores e instituições desde o início da abertura política, em 1985. As intenções do governo Bolsonaro que corroboram para o desmonte de nossos pilares democráticos incluem: extinguir, a partir de 28/6, os colegiados e conselhos ligados à administração federal; a mudança dos termos de acordo com profissionais cubanos que sustentava o programa Mais Médicos; o drástico corte de recursos para a estrutura de fiscalização das unidades de conservação do Ibama; a eliminação, no Código Florestal, do capítulo referente à reserva de vegetação nativa nas propriedades rurais; a declarada guerra contra os direitos indígenas na paralização das demarcações; a concessão de salvo-conduto para proprietários rurais defenderem suas fronteiras à bala; os cortes seletivos de verbas a cursos de humanas nas universidades e ao ensino básico; a guerra cultural contra os artistas e a interferência palaciana na publicidade das estatais, entre outros. Há um claro paralelo entre a realidade brasileira hoje e as duas instalações que a artista e professora da FAU-USP Giselle Beiguelman apresenta no Museu da Cidade. Chacina da Luz, no Solar da Marquesa de Santos, reúne o SELECT.ART.BR

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conjunto de oito esculturas neoclássicas que se encontravam no lago Cruz de Malta, no Jardim da Luz. Após uma ação de depredação no local, os fragmentos foram recolhidos e guardados na casa do administrador do parque. Já em Monumento Nenhum, no Beco do Pinto, a artista reuniu bases, pedestais, fragmentos de colunas e de monumentos públicos encontrados no depósito do Departamento de Patrimônio Histórico, no bairro do Canindé. “São pilhas de memórias sem registros”, diz Giselle Beiguelman à seLecT. “O que nos interessa pensar aqui é o que esses pedestais sustentavam, tanto material quanto simbolicamente.” Os fragmentos de bases e monumentos foram empilhados pela artista nas escadarias do Beco do Pinto, formando uma espécie de monumento do descaso, ou “readymade do esquecimento”, como define Beiguelman. Já os restos da “chacina” da Luz foram enfileirados no chão sobre uma cama de tecido, tal qual foram encontrados na casa


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Conjunto de oito esculturas depredadas tem cena pós-crime recuperada por Giselle Beiguelman na instalação Chacina da Luz (2019)

Chacina da Luz, de Giselle Beiguelman, Solar da Marquesa de Santos - Museu da Cidade, Rua Roberto Simonsen, 136, Centro, até 1º/9. Monumento Nenhum, de Giselle Beiguelman, Beco do Pinto - Museu da Cidade, Rua Roberto Simonsen, 136, Centro, até 14/12.

do administrador. A pergunta que fica diante desses dois conjuntos é: o que fazer com os nossos destroços? A exposição desses escombros, de forma nua e crua, como em uma mesa de dissecação de cadáveres, é a estratégia da artista de trazer à luz o funcionamento do circuito da memória pública e a relação de desinteresse e violência das pessoas com os espaços urbanos. Encarar de frente os desastres de nossa prosaica vida pública pode ser um exercício de coragem para enfrentar o desafio de preservar os direitos humanos, ambientais e a cidadania no Brasil de hoje. PA FOTO: PAULA ALZUGARAY


Jacopo Crivelli Visconti, Francesco Stocchi, Paulo Miyada, Ruth Estévez e Carla Zaccagnini compõem o time de curadoria da 34 a Bienal de São Paulo

EM CONSTRUÇÃO

ARTICULAÇÕES DA 34ª BIENAL

LUA N A F O RT ES

A 34ª EDIÇÃO DA BIENAL DE SÃO PAULO PRETENDE EXPANDIR-SE PARA OUTRAS INSTITUIÇÕES DE SÃO PAULO E CHEGAR ÀS PERIFERIAS. A proposta curatorial de Jacopo Crivelli Visconti para a 34ª Bienal de São Paulo, desenvolvida

com o curador-adjunto Paulo Miyada e os curadores convidados Carla Zaccagnini, Francesco Stocchi e Ruth Estévez, elabora as relações. O evento terá início com três exposições individuais, entre março e setembro de 2020, produzidas conjuntamente com instituições internacionais. Depois, essas obras debutantes serão reconfiguradas para a montagem da grande exposição coletiva que toma o prédio inteiro da Fundação Bienal de São Paulo entre setembro e dezembro do ano que vem. “Acho muito mais interessante voltar a ver obras que você já viu em um contexto diferente, e ler ela de uma maneira mais profunda e original, do que necessariamente colocar obras novas no mundo”, diz Crivelli Visconti à seLecT. O jogo de relações curatoriais terá continuidade com parcerias realizadas com outras 20 instituições culturais de São Paulo, oferecendo uma programação coordenada. Um mesmo artista poderá ser visto no Pavilhão da Bienal e no contexto de uma individual em um museu como o Masp ou a Pinacoteca do Estado. Dessa forma, o projeto pretende articular duas instâncias do conceito de relação – entre obras e entre espaços. “Algumas são instituições que têm programações mais dinâmicas, definidas com menos prazo de antecedência e têm, talvez, mais dificuldade para a captação de recursos. Para estas, a Bienal apareceu como oportunidade de fazer uma exposição que, de repente, elas sonhavam fazer há muito tempo”, prevê Crivelli Visconti. “A Bienal volta a ter um papel de participação efetiva e ajuda direta na consolidação do sistema da arte.” Outro tipo de relação abordada é entre públicos, preocupação que levou o atual presidente da Fundação Bienal, José Olympio da Veiga Pereira, a escolher a curadoria da 34ª edição. “Nós queríamos uma bienal que contemplasse os diferentes públicos que ela atende. Uma bienal que não fosse feita só para o público especializado”, diz José Olympio à seLecT. Entre os parceiros institucionais do evento estão equipamentos da prefeitura de São Paulo e unidades do Sesc localizadas em regiões periféricas da cidade. “A gente sabe que não é todo mundo que tem interesse em se deslocar para ver uma exposição de arte contemporânea. Agora, quando você leva algo para um lugar onde eles estão acostumados a ir, de repente você faz um gesto mais forte de inclusão do que colocar um ônibus para que a pessoa vá até o Parque do Ibirapuera”, diz Crivelli Visconti.

SELECT.ART.BR

JUN/JUL/AGO 2019

FOTO: PEDRO IVO TRASFERETTI, FUNDAÇÃO BIENAL DE SP


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