ANDRÉ PARENTE ALVARO SEIX AS FABIO SZWARCWALD RICARDO KUGELMAS A R T E E C U LT U R A C O N T E M P O R Â N E A
RIVANE NEUENSCHWANDER
mercado de arte Desenhos (2016-2017), Alvaro Seixas
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DE MARÇO A 4 DE JUNHO 2017
TERÇA A SÁBAD0, 10H30 ÀS 21H30 DOMINGO E FERIADO, 10H30 ÀS 18H30 Sesc Pinheiros Rua Paes Leme, 195
sescsp.org.br
ÍNDEX
SEÇÕES
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8 10 14 34 41 42 44 104 114
REPORTAGEM
CRISE? QUE CRISE? G a l e r i a s d e a r t e e n f re n t a m a re c e s s ã o i n v e s t i n d o n o m e rc a d o e x t e r n o e diversificando a clientela Burça, obra de Ramsés Marçal, da galeria Emma Thomas
Editorial Comentários / seLecT Expandida
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Da Hora Masters Arte e Educação Acervos Itaú Cultural Fogo Cruzado Reviews Em Construção
68 CURADORIA
NOVOS ASES Elvis Almeida (foto), Luiz Roque, Lais Myrrha, Carla Chaim, Ana Prata, Jaime Lauriano e Solange Pessoa são promessas em 2017
48 MUNDO CODIFICADO
ANDRÉ PARENTE Moeda de 1 Irreal para ativar as relações entre política, arte e mercado
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66
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PORTFÓLIO
EDIÇÃO DE ARTISTA
COLECIONISMO
PODER
INSTITUIÇÕES
ALVARO SEIXAS
RUMO AO MUSEU
SUPERCURADORES
Ácidos e humorísticos,
RIVANE NEUENSCHWANDER
Ana Magalhães escreve sobre
Quando a função do
SOB NOVA DIREÇÃO
desenhos do artista
Artista realiza a quarta
origens e diferenças entre
curador de arte pode ser
Projetos e desafios
carioca satirizam o
edição do projeto de
coleções de arte moderna
comparada à do broker
enfrentados por museus e
sistema da arte
múltiplos colecionáveis
e arte contemporânea
do mercado financeiro
centros de arte em 2017
SELECT.ART.BR
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76 PERFIL
NOVOS NEGÓCIOS Fabio Szwarcwald e Ricardo Kugelmas (foto) são dois empreendedores que apostam no mercado de arte FOTOS: CORTESIA GALERIA EMMA THOMAS/ GALERIA MERCEDES VIEGAS/ RICARDO VAN STEEN/ MAURO RESTIFFE
E D I TO R I A L
CRISE E CRIATIVIDADE Há três anos dedicamos uma edição ao merca-
tem nessa engrenagem a missão de produzir
do de arte. Dadas as intensas transformações
documentação e reflexão. Com o importante
políticas, sociais e econômicas vividas desde
impulso de nossos patrocinadores, anuncian-
então, decidimos que já era hora de voltar ao
tes e parceiros, nos desdobramos hoje em uma
tema. Daquela vez, olhamos o mercado desde
base multiplataforma. Somos revista, somos
o cume de um crescimento econômico galgado
seLecTV, e somos casa seLecT. Conheça o
ao longo de dez anos. Desta vez, falar em fundo
projeto e a programação completa da casa se-
do poço talvez não seja exagero. Estamos posi-
LecT em: www.select.art.br/casa-select
cionados desde o ponto de vista da derrocada do PIB, do poder de compra e de 30% do fatu-
Cientes de nosso papel de mediação e
ramento das feiras e das galerias – estimativa
democratização da arte, damos mais um passo
de importantes players entrevistados em repor-
no projeto Edição de Artista, convidando a
tagem de Márion Strecker.
artista Rivane Neuenschwander a conceber
Esta é a hora de rimar crise e criatividade. Dei-
um
xar surgirem as “ideias fora da caixa”, como su-
leitores. A partir de O Nome do Medo, projeto
gere Ricardo Kugelmas, diretor do recém-inau-
com curadoria de Lisette Lagnado, no Museu
gurado espaço auroras, em SP. Fazer brotarem
de Arte do Rio, Rivane desenvolveu um díptico:
novos modelos de negócios, como o espaço
metade da tiragem da revista traz o menino
Z42, ou novos espaços dirigidos por artistas.
Thiago Bruner vestindo a capa Mosquito da
Fundamental apontar como a sobrevivência de
Dengue e a outra metade o mostra vestindo a
um sistema ativo de galerias e de um circuito
capa Monstro/Estranho.
alternativo de arte é determinante para o es-
trabalho
especialmente
tabelecimento de expressivas coleções de arte
Paula Alzugaray
contemporânea. A exemplo do que aconteceu
Diretora de Redação
para
nossos
com as coleções de arte moderna no século 20, como explica Ana Magalhães em seu artigo “Da galeria ao museu”, galeristas e coleciona-
de nadar contra a corrente da maior taxa de imposto sobre obras de arte do mundo e contra a ausência de políticas públicas de fomento Brasil, o colecionismo ainda é mais associado à pratica de caixa 2 do que à constituição de valor e patrimônio cultural. Assim como os agentes entrevistados na edição #34 fazem sua parte para garantir às futuras gerações um patrimônio artístico digno de nosso País, uma revista cultural como seLecT
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ESTRANHO
à formação de coleções. Lamentavelmente, no
o nome do medo
museus de amanhã. Mesmo que eles tenham
ABISMO
dores de hoje podem garantir os acervos dos
o nome do medo
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COMENTÁRIOS
ALFREDO JAAR
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"Gostaria apenas de parabenizar a Revista pelo excelente trabalho. Amo seLecT"
CINTHIA MARCELLE LUIS CAMNITZER ESTHER FERRER JORGE MENNA BARRETO A R T E E C U LT U R A C O N T E M P O R Â N E A
SOFÍA OL ASCOAGA
Alexandre Marchesini, professor, via facebook El Arte de la Performance: Teoría y Práctica (2010), de Esther Ferrer
"Fiquei supercontente e muito orgulhoso por terem eleito a intervenção da Sandra Gamarra no projeto Situ como uma das melhores do ano. Ganhei a semana!"
arte e educação
Eduardo Leme, galerista, via e-mail
"Parabéns pelo número de Arte e Educação. O artigo de Paula Alzugaray sobre Luis Camnitzer está excelente. Meus 60 anos de luta pela valorização da Arte na Educação se curvam a você e agradecem pela produção desses textos/ documentos que comprovam a chegada da Virada Educacional dos Artistas ao Brasil. Parabéns novamente e obrigada por ter me convidado para esse banquete em benefício da Arte na Educação". Ana Mae Barbosa, arte-educadora, via e-mail
Escreva-nos Rua Itaquera, 423, Pacaembu, São Paulo - SP CEP 01246-030 www.select.art.br facebook.com/selectrevista instagram.com/revistaselect
"Nós, da Sala de Artes da Biblioteca Mário de Andrade, agradecemos de modo imensurável as doações recebidas ao longo do ano através da revista seLecT. Ao abraçar conosco a valorização cultural que nossa biblioteca tradicionalmente se propõe a realizar, sua contribuição se faz fundamental para a construção de um conhecimento sólido que resultará em bons frutos para a sociedade".
twitter.com/revistaselect youtube.com/selectartbr plus.google.com/+SelectArtBr
Equipe da Sala de Artes Sérgio Milliet, Biblioteca Mário de Andrade, via e-mail
S E L E C T E X PA N D I D A O N L I N E
PROTAGONISTAS DO MERCADO DE ARTE
COLETIVOS ARTE-EDUCAÇÃO
Conheça os bastidores da reportagem CRISE? QUE CRISE? com a íntegra das entrevistas realizadas a expoentes do mercado de arte, como Antônio Almeida e Carlos Dale, Márcia Fortes, Thiago Gomide, Daniel Roesler e Juliana Freire.
A seLecTV revela diversos coletivos de arte e educação. Suas principais ações, estratégias e sua relevância dentro do campo da arte.
http://bit.ly/protagonistas-mercado
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http://bit.ly/coletivosarte-educacao
FOTO: DIVULGAÇÃO GALERIA FORTES D’ALOIA & GABRIEL/ BÁRBARA BRAGATO
THE SOUND OF SILENCE
14 DE MARÇO - 29 DE ABRIL, 2017
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COLABORADORES daniela dacorso
Fotógrafa e artista visual, é formada em Comunicação Social com pós-graduação em Fotografia como Instrumento de Pesquisa em Ciências Sociais - perfil P 76
ana letícia fialho
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Advogada, gestora cultural e pesquisadora, doutora em Ciências da Arte e da Linguagem pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris (EHESS) - reviews P 104
ana magalhães
paulo d’alessandro
Fotógrafo com formação no Brasil e na Escuela de Altos Estudios de la Imágen y el Diseño (Idep) de Barcelona. Sua pesquisa tem como base retratos e experimentações formais - instituições P 96
Historiadora da arte, curadora e professora do MAC-USP. Entre abril e junho deste ano foi pesquisadora convidada do Getty Research Institute, em Los Angeles, Califórnia - colecionismo P 84
ding musa bianca dias
Escritora, psicanalista, crítica de arte e pesquisadora na Universidade Federal Fluminense em Estudos Contemporâneos das Artes - projeto P 67
Artista e fotógrafo, participou de mostras individuais e coletivas no Brasil e exterior. Produz trabalhos em vídeo, instalação, desenho e fotografia. É representado pela Galeria Raquel Arnaud - perfil P 76
daniela bousso
Historiadora, crítica e curadora de arte contemporânea. Foi diretora do Paço das Artes e diretoraexecutiva da organização social gestora do Paço das Artes e do Museu da Imagem e do Som de São Paulo - instituições P 96 SELECT.ART.BR
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felipe martinez
Economista e doutorando em História da Arte pela Unicamp. Atua como pesquisador do Masp e ministra o curso de História da Arte Moderna no MAM-SP - supercuradores P 90
VENEZA 14
CELEBRANDO A VIDA COM SOTAQUE FRANCÊS Em sua 57a edição, a Bienal mais antiga do mundo tem curadoria de Christine Macel, do Centre Pompidou, e enfoca cosmogonias e sustentabilidade. Entre os artistas brasileiros, figuram Bruscky, Verzutti, Neto e Heráclito 57a Bienal de Veneza – Viva Arte Viva, 13/5 a 26/11 | www.labiennale.org “Num mundo repleto de conflitos e choques, no qual o humanismo vem sendo seriamente ameaçado, a arte é a mais preciosa parte do ser humano. (...) A arte é o lugar favorito para sonhos e utopias, relações com outros seres humanos, com a natureza e o cosmo, bem como com a dimensão espiritual.” Esse trecho lembra o discurso da última Bienal de São Paulo? Mas é o início do texto da francesa Christine Macel, curadora da próxima Bienal de Veneza, quarta mulher a assumir o posto e chefe da curadoria do Centre Pompidou (Paris). Por aí se tem uma ideia do tom da mostra mais antiga do gênero, que chega à sua 57a edição com a participação de artistas de 57 países. Sob o título Viva Arte Viva, enfocará vertentes presentes em Incerteza Viva: cosmogonias e espiritualidade, relações humanas e sustentabilidade. Nesse clima, faz sentido a escolha do curador-chefe da última Bienal de SP, Jochen Volz, para o pavilhão brasileiro: a artista Cinthia Marcelle com seu trabalho ambiental e experiencial. Essa seção da próxima Biennale será uma mostra de nove “transpavilhões” interrelacionados, criados com toda liberdade pelos artistas. A Galeria Nara Roesler tem seu representado não exclusivo francês, Xavier Veilhan, como o titular do pavilhão da França. A major paulistana também emplacou o pioneiro Paulo Bruscky na mostra geral, curada por Macel. Não fica atrás a Fortes D’Aloia & Gabriel, que leva a jovem consagrada Erika Verzutti e o internacional Ernesto Neto. Outra representada não exclusiva é a portuguesa Leonor Antunes, que colocou a Galeria Luisa Strina no rol curatorial. Quem só tem dado alegrias para a pequena (mas afiada) Blau Projects é Ayrson Heráclito (abaixo, trabalho da série Mitologias Africanas, 2014), selecionado, que também é representado pela carioca Portas Vilaseca. Segundo o presidente da Biennale, Paolo Baratta, a curadoria é inspirada por um novo humanismo, ou “a habilidade humana de evitar a dominação pelos poderes que governam o mundo”. “Nesse tipo de humanismo, o ato artístico é contemporaneamente um ato de resistência, de liberação e de generosidade.” LPN
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FOTO: CORTESIA BLAU PROJECTS
FEIRAS 16
ARCOS EMERGENTES A sexta edição da Frieze New York, que acontece em maio, quase chegou lá. Mas, mesmo com uma presença recorde de galerias brasileiras participantes (11), não bateu a ARCOMadrid, que há três edições seguidas conta com 13 galerias nacionais, entre as 200 expositoras. Com a recuperação da economia espanhola, este ano a tradicional feira resgatou o interesse de nossos marchands e dos vizinhos latino-americanos. Os números não mentem. Dos 67% de participantes internacionais, 32% vêm do continente americano. Em entrevista à seLecT, o diretor Carlos Urroz explica por que Madri segue sendo a principal plataforma comercial para a arte latinoamericana no mercado europeu. A ARCOMadrid promoveu um programa dedicado à Argentina em fevereiro. Como medir a longevidade das relações internacionais geradas pela feira? A presença da América Latina tem sido destaque na ARCOMadrid
Carlos Urroz, diretor da ARCO: o sucesso de Lisboa define ponto de partida para expansão
por bastante tempo, já que a capital espanhola representa a ponte mais importante para um diálogo de práticas artísticas entre a Ibero-América e a Europa. Em 1997, a ARCOMadrid já era
A ARCO vai expandir para outros países, além de Lisboa?
considerada a principal plataforma comercial para a projeção da
No ano passado, lançamos o ARCOLisboa, que foi um tremendo
arte latino-americana no mercado europeu, com seu programa
sucesso. Consideramos Lisboa a nossa melhor opção como cidade
dedicado à América Latina e a participação sem precedentes
para se expandir, pois é um lugar onde as pessoas querem estar, e
de 14 países ibero-americanos. Em 2005, o México foi o país
Portugal tem um mercado cada vez mais dinâmico e internacional.
convidado da 24 edição; em 2008, a ARCOMadrid apresentou
No momento, não temos planos concretos para expandir em
o Brasil como convidado e, em 2015, a Colômbia foi destaque
determinados países, mas o sucesso em Lisboa certamente definiu
durante a 34a edição da feira.
um grande ponto de partida.
De que regiões são os colecionadores que compram na ARCO?
Como o senhor analisa a recuperação da economia espanhola
Temos um Programa de Colecionadores com mais de 250
e do mercado de arte?
participantes de 44 países, com um terço dos nossos colecionadores
A crise econômica na Espanha teve um sério impacto no
vindo da América Latina.
colecionismo e no mercado local, mas, à medida que o país se
a
recupera, inevitavelmente, cresce também o interesse pelo mercado Que ações são feitas para atrair novos colecionadores?
da arte.
Somos considerados o lugar na Europa onde é encontrada a melhor arte emergente da América Latina. Com a incerteza
A que o senhor atribui o crescimento da participação das
política e financeira em alguns países da América Latina, o
galerias brasileiras?
interesse geral na Espanha tem aumentado ao longo dos anos.
Temos 13 galerias brasileiras participando neste ano, todas elas já
Este ano, com a Argentina como país convidado, o programa
tendo participado, o que reforça como o Brasil continua a ter uma
ofereceu vários eventos de prestígio. Colecionadores latino-
sólida presença na feira. Este é um reflexo da rica produção artística
americanos também estiveram presentes em Madri, já que três
e do calibre do trabalho que sai do País, apesar das incertezas
coleções latino-americanas foram exibidas na cidade durante a
econômicas e políticas. A cena de arte e o mercado no Brasil são
ARCO: Isabel e Augustín Coppel, na Fundação Banco Santander,
muito atraentes.
MARCIA DE MORAES [projetos especiais] 21.03 > 20.04.2017
PEDRO VARELA 21.03 > 20.04.2017
SP ARTE - BOOTH J3 06.04 > 09.04.2017
a Coleção Rothschild na Sala Acalá 31 e a Coleção Costantini, na Real Academia de Belas Artes de San Fernando.
PAULA ALZUGARAY VIAJOU A MADRI A CONVITE DA ARCOMADRID
Rua Barão de Jaguaripe, 387 - Ipanema, RJ | www.lucianacaravello.com.br SELECT.ART.BR
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FOTO: CORTESIA FOTO: BLAU DIVULGAÇÃO PROJECTS
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O SOM DO SILÊNCIO Em projeto com ênfase experimental, Elisa Stecca cria relações com espaços do Museu de Arte Sacra Silencio – Elisa Stecca, 1º/4 a 4/6, Museu de Arte Sacra de São Paulo, Av. Tiradentes, 676 | www.museuartesacra.org.br Não poderia haver lugar mais apropriado para a exposição Silencio, com esculturas de Elisa Stecca e curadoria de Paula Alzugaray, diretora de redação de seLecT. O Museu de Arte Sacra de São Paulo guarda a aura de mistério que preenche de significado o título, primeira pessoa do singular do verbo “silenciar”. Mesmo trazendo como matéria-prima elementos sólidos como prata, vidro e pedras (a exceção fica na volatilidade do mercúrio líquido), a proposta é convidar o público a silenciar e maximizar a experiência através e além da materialidade da obra, remetendo a fundamentos milenares como a alquimia e a filosofia clássica. Para alcançar esse efeito, a artista propõe ao visitante a experiência compartilhada de um momento de silêncio, criando condições para a vivência orgânica do percurso, do entorno e dos trabalhos. Abre-se ali uma lacuna sensível e silenciosa no tempo-espaço caótico da metrópole. Stecca, graduada em Artes Visuais pela Faap (SP), fez dos estudos em joalheria, fundição e vidro soprado uma fonte de criação artística aliada ao cotidiano, com acessórios que são obras de arte portáteis carregadas de inspiração anímica, espiritual (acima, Gota e Pingo). Na mostra, a artista faz o caminho inverso: rompe a conexão com o cotidiano em busca do silêncio, que, antes de ser resultado da supressão de todos os sons externos, é o contato íntimo do ser com a própria alma. LPN
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FOTO: CORTESIA ELISA STECCA
Camila Camila Soato Soato Rembrandt não tem mas Provas mas Convicção Rembrandt não tem Provas Convicção que é que é Preciso Amar2016 Sem Temer 2016 Preciso Amar Sem Temer óleo sobre tela óleo sobre tela 240 cm 120 x120 240 xcmv
E ST R ATO S F E R A
ARTE EM ÓRBITA 20
Eduardo Kac concebe “poesia espacial” para gravidade zero, a ser realizada por astronauta na Estação Espacial Internacional Após dez anos “navegando por labirintos burocráticos”, o brasileiro Eduardo Kac coloca no ar seu mais novo trabalho. Inner Telescope é um projeto de “poesia espacial”, que sintetiza boa parte das pesquisas desenvolvidas pelo artista no campo da poesia visual e da cultura digital. “É um pouco de poesia, um pouco de performance e ao mesmo tempo nada disso”, diz Kac à seLecT. A obra será elaborada pelo astronauta francês Thomas Pesquet, a 400 quilômetros da Terra, com materiais encontrados na própria Estação Espacial Internacional (EEI), a saber, papel e tesoura. “O astronauta é uma espécie de avatar meu na fabricação. Essa mudança do sujeito dá ao trabalho uma certa dimensão performática”, diz Kac. Concebido para existir em gravidade zero, o objeto consiste numa forma sem frente, verso, topo ou base. Vista de certo ângulo, a forma revela a palavra moi (eu, em francês); de outro ponto de vista pode ser vislumbrada uma figura com um cordão umbilical cortado. “O moi é o self coletivo, evocando a humanidade, e o cordão umbilical cortado representa nossa libertação dos limites gravitacionais”, explica o artista. A escolha do papel como matéria-prima é significativa. Por um lado, trata-se da matéria mais maleável e delicada encontrada a bordo de uma estação espacial. Por outro, é a antítese do que se costuma associar à cultura digital. Mas o papel é, acima de tudo, o suporte da poesia. “Em vez de escrever sobre o papel, eu escrevo com o papel”, diz Kac, apontando que, no espaço, o objeto ganha uma rigidez imprevista nas condições da atmosfera. Até o fechamento desta edição, a obra estava prevista para ser fabricada em fevereiro na EEI. Em março, os resultados do projeto ganham exposição no Centre National D’Études Spatiales, em Paris; em abril, parte deles será exposta no estande da galeria Luciana Caravello, na SP-Arte; e, em julho, ganha individual na galeria carioca. PA
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FOTO: CORTESIA EDUARDO KAC
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TE AMO SP Duas exposições fazem o elogio da maior cidade da América do Sul Avenida Paulista, até 28/5, Masp, Avenida Paulista, 1.578 | www.masp.org.br Metrópole: Experiência Paulistana, 8/4 a 18/9, Pina Estação, Largo General Osório, 66 www.pinacoteca.org.br Os amantes da Terra da Garoa podem saber mais sobre a cidade e cultivar sua paulistanidade em duas exposições, uma organizada pelo Masp e a outra pela Pinacoteca. O Masp escolheu homenagear o próprio asfalto que o sustenta com a exposição Avenida Paulista. O tributo ao importante logradouro de quase 3 quilômetros de comprimento acontece por meio de 150 trabalhos de 57 artistas. Cinthia Marcelle, Lais Myrrha e Marcelo Cidade são alguns dos 17 contemporâneos comissionados para a coletiva. O restante dos trabalhos é de veteranos como o coletivo 3NÓS3, formado por Hudinilson Jr., Mario Ramiro e Rafael França (foto, Interversão VI), que também retratam a arquitetura, a paisagem e o ecletismo do cotidiano da avenida mais famosa de São Paulo, entre outros temas. Com curadoria de Tadeu Chiarelli, Metrópole: Experiência Paulistana reúne trabalhos que manifestam as peculiaridades de morar na quinta cidade mais populosa do mundo. Leda Catunda e Flávio Cerqueira são alguns dos criadores que, por meio das suas obras, contam como é viver na megalópole. AA
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FOTO: CORTESIA MASP
CARLOS CRUZ-DIEZ. PHSYCHROME PANAM 32, 2010. CROMOGRAFIA SOBRE ALUMÍNIO. 80 x 120 CM
TUNEU, HEXACORDO UM ENSAIO SOBRE O DESENHO ATÉ 25 MAR
A MATÉRIA DA COR 3 ABR - 27 MAI
SP-ARTE
5 - 9 ABR | STAND F8
FRIEZE NY
4 - 7 MAI | STAND C50
S Ã O PA U LO
UM TOM DE CINZA
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Dora Longo Bahia - Cinzas, 9/3 a 8/4, Galeria Vermelho, Rua Minas Gerais, 350 www.galeriavermelho.com As intervenções do novo prefeito de São Paulo sobre a arte urbana, em seu primeiro mês de mandato, não passaram incólumes pela comunidade artística da cidade, nem muito menos pela paulistana Dora Longo Bahia, que rapidamente preparou uma resposta. A artista selecionou seis pinturas de diferentes fases de sua carreira para serem cobertas por uma camada de tinta cinza concreto – a mesma que vem sendo utilizada pela prefeitura. Estas são obras de sua nova individual na Vermelho, que inclui também outra série de crítica social: Olimpiadas (uma composição entre as palavras olimpíada e piada, à esq.). Aqui, foram as notícias sobre as Olimpíadas no Rio publicadas em jornais brasileiros que foram cobertas por pinturas com imagens de palhaços. Completa a exposição uma instalação montada a partir de ruinas de carros alegóricos do carnaval 2016.
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LETÍCIA LAMPERT. Arqueologia da vida privada, 2016. Fotografia. 80 x 120 cm.
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Do Abismo e outras distâncias RIO DE JANEIRO
A FORÇA DA IMAGEM
Curadoria Bruna Fetter
The Politics of Images, Alfredo Jaar, 15/3 a 22/4, Galeria Luisa Strina, Rua Padre João Manuel 755 | www.galerialuisastrina.com.br Em sua segunda individual na galeria paulistana, o chileno radicado em NY Alfredo Jaar questiona os estereótipos, os limites e a crueldade das narrativas visuais contemporâneas. Na instalação The Sound of Silence (2006), Jaar narra a história do fotógrafo Kevin Carter (1960 - 1996), que se matou após ganhar o Prêmio Pulitzer com o registro de uma criança sudanesa morrendo por inanição sob o olhar de um urubu. One Million Points of Light (2005 , à dir.), gravado na costa da Angola, mostra o mar filmado na direção do Brasil, para onde 14 milhões de angolanos foram enviados como escravos. Searching for Africa in LIFE (1996) mostra em 2128 capas a ausência de registro do continente africano pela revista norte-americana, encerrada em 2000.
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9 mar a 28 jul 2017 Coletiva artistas representados
www.galeriamamute.com.br Caldas Júnior, 375. Centro Histórico. Porto Alegre. RS. + 55 51 3286 2615 + 55 51 99916 8818 FOTOS: CORTESIA GALERIA VERMELHO/ CORTESIA FOTO: CORTESIA GALERIA EDUARDO LUISA STRINA KAC
Antônio Augusto Bueno Bruno Borne Claudia Barbisan Claudia Hamerski Clovis Martins Costa Dione Veiga Vieira Emanuel Monteiro Fernanda Gassen Frantz Hélio Fervenza Hugo Fortes Ío Letícia Lampert Marília Bianchini Mariza Carpes Pablo Ferretti Patrícia Francisco Sandra Rey
RIO DE JANEIRO 26
SERENATA VISUAL Uma Canção para o Rio (Parte 2), até 25/3, Carpintaria Fortes D’Aloia Gabriel, Rua Jardim Botânico, 971 | www.fdag.com.br/carpintaria/ Foi com uma declaração de amor que a galeria Fortes D’Aloia Gabriel desembarcou no Jockey Club do Rio e realizou seu primeiro projeto em solo carioca. A mostra coletiva Uma Canção Para o Rio é um projeto com curadoria internacional, desenvolvido em duas partes ao longo de 4 meses. A primeira parte inaugurou a Carpintaria em novembro de 2016, com pontos altos como peças da série Body Mix (1991), de Christian Marclay, feita de colagens de capas de LPs. A parte 2, ou lado B, abriu antes do Carnaval com um novo casting de obras de Chelpa Ferro, Arto Lindsay, Nuno Ramos, Barrão (à dir., Aki Onda, 2016), Los Carpinteros, Rivane Neueschwander, entre outros. A mostra é um atestado de como é possível falar de música com poucos decibéis; com muito mais ruído visual do que sonoro já que, nas duas partes, uma minoria das obras é efetivamente musical.
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DE VOLTA AO LAR Boom, Alexandre da Cunha, 1º/4 a 10/6, Pivô, Av. Ipiranga, 200, Bloco A, Loja 54 (Edifício Copan) | www.pivo.org.br Carioca radicado em Londres, Alexandre da Cunha está de volta ao Brasil. Vai passar uma temporada de dois meses imerso no Centro de São Paulo, mais especificamente no Edifício Copan. Lá, vai produzir obras inéditas para a próxima exposição do Pivô, que também incluirá uma seleção de sua produção anterior (à dir., Couple I, 2010). Fortemente escultural, a obra do artista não é projetada previamente: peças cotidianas coletadas a esmo no espaço urbano são selecionadas, mescladas e dão origem aos trabalhos. Com isso, Cunha resgata elementos da mundanidade por meio da observação não tanto de sua função, mas principalmente da forma, que valoriza pelo uso de materiais como o concreto.
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FOTOS: EDUARDO ORTEGA, GALERIA FORTES D’ALOIA & GABRIEL/ CORTESIA PIVÔ
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COREOGRAFIA ARQUITETÔNICA Arte Atual - É Como Dançar Sobre a Arquitetura, até 23/4, Instituto Tomie Ohtake, Av. Brigadeiro Faria Lima, 201 | www.institutotomieohtake.org.br Desde 2013, a anual do ITO seleciona jovens artistas para desenvolverem pesquisas experimentais em técnicas variadas. Nesta edição, a paulistana Lia Chaia (Galeria Vermelho), o mineiro João Castilho (Galeria Zipper) e o gaúcho Jorge Soledar (à dir. Síndrome de Malkovich - implante, 2015) apresentam trabalhos que versam sobre as relações intimistas ou expansivas entre corpo e espaço. Performance, fotografia, vídeo, escultura e instalação são os suportes pelos quais os três artistas são reconhecidos em suas trajetória e que estarão presentes na exposição. O projeto é realizado em parceria com as galerias, que ajudam a financiar o custeio das obras, derivadas de conversas entre os artistas e a equipe curatorial do instituto.
Luciano Candisani • Floresta Atlântica 2012 AT E N A S
DOCUMENTA FASE 1 Documenta 14 - Atenas, 8/4 a 16/7 www.documenta14.de As ativações prometidas pelo curador Adam Scymczyk para a primeira fase da Documenta 14, a começar em abril em Atenas, já estão a todo vapor. Além da série de debates e workshops que vêm sendo promovidos desde o ano passado na capital grega, segue em curso até o encerramento da mostra na Grécia a série de exibições televisivas de documentários e ficções experimentais Keimena (à dir., La Mort de Louis XIV), realizada em parceria com a Hellenic Broadcasting Corporation (emissora estatal local). É hora também de conferir a remontagem de uma obra emblemática da argentina Marta Minujín. No meio do ano passado, ela cooptou os moradores a doarem publicações censuradas e proibidas para seu Parthenon of Books, uma réplica do monumento original que oportunamente chega à ilha grega, escolhida como sede remota por ser o epicentro da crise migratória no globo.
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FOTOS: CORTESIA GALERIA PORTAS VILASECA/ CORTESIA DOCUMENTA 14
em breve: SP Arte 2017 • Stand F15 Segundo Pavimento • 6 a 9 de Abril 2017 Vila Modernista • Alameda Lorena 1257 casa 2 Jardim Paulista • São Paulo - SP + 55 11 3825 0507 instagram.com/galeria_de_babel facebook.com/galeriadebabel galeriadebabel.com
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S Ã O PA U LO
GEOGRAFIA PESSOAL A Experiência Geográfica, Nazareno, 23/3 a 6/5, Galeria Lume, R. Gumercindo Saraiva, 54 | www.galerialume.com O território e sua (in)definição visual são o cerne da exposição de estreia de Nazareno Rodrigues na Galeria Lume. Segundo o artista, “a geografia é uma experiência pessoal, mas que excede uma percepção única, uma vez que se manifesta a partir do mapeamento de determinadas circunstâncias, que vivem em constante mutação”. Partindo dessa premissa, ele criou uma cartografia poética e subjetiva, que indefine os contornos topográficos e encontra novas formas de representação espacial (acima, Montevideano, 2016). Antes de representarem regiões do Globo, as obras alinhavam a noção geográfica à constituição do indivíduo, que acaba por se definir pelo entorno. A curadoria é de Paulo Kassab Jr.
DUBLIN
SINCRETISMO NA FACHADA As Above, So Below, 13/4 até julho, Irish Museum of Modern Art, Military Road, Ushers www.imma.ie Que o segredo e o espiritual consolidaram-se como tendência artística, seLecT já sabia desde a edição 32, dedicada ao tema. Agora, uma exposição na Irlanda mergulha nesse universo trazendo um brasileiro entre nomes como Bruce Nauman e Hilma af Klint. Stephan Doitschinoff criou Interventu (Intervenção, em latim), uma grande instalação-altar (acima, croqui) que vai ocupar a fachada do museu, abrindo a mostra. Sua inspiração foram os ex-votos, ou esculturas em forma de membros humanos deixadas nas igrejas para agradecer um milagre. Como em trabalhos prévios, Doitschinoff usa um léxico próprio, que mescla elementos católicos, da umbanda e das tradições indígenas para decorar esculturas de mãos e pés confeccionados em parafina e expostos em cada uma das cinco obras que compõem o altar. O paulista não é o único brasileiro no IMMA: até 5/6, Jac Leirner ganha individual com trabalhos pensados para a arquitetura do museu.
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FOTOS: CORTESIA GALERIA LUME/ CORTESIA STEPHAN DOITSCHINOFF
A ARTE CONTANDO HISTÓRIAS DO BRASIL PILAR
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LITERATURA PLÁSTICA M
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RIO DE JANEIRO
GUANABARA ETERNIZADA Estofo, Luiza Baldan, 16/3 a 28/4, Anita Schwartz Galeria de Arte, R. José Roberto Macedo Soares, 30 www.anitaschwartz.com.br A Baía de Guanabara, com suas paisagens, personagens e águas, foram o alvo das lentes da carioca Luiza Baldan durante quase um ano de navegação. Agora, em sua primeira individual na Anita Schwartz Galeria de Arte, a jovem fotógrafa apresenta 44 imagens inéditas, entre matrizes em fotopolímero (próprias das câmeras analógicas) e ampliações em papel de algodão, que poderão ser manipuladas pelo público. Na videoinstalação Suspiro, um dos pilares da ponte Rio-Niterói é registrado em detalhe, ressaltando os sons e o movimento das águas dentro da estrutura oca. A exposição é o desdobramento do livro Derivadores, que Baldan realizou em parceria com Jonas Arrabal.
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FOTOS: IARA VENANZI, ITAÚ CULTURAL/ CORTESIA ANITA SCHWARTZ GALERIA DE ARTE
Jean Théodore Descourtilz. Ornithologie Brésilienne, 1852-1856, litogravura. Foto: Horst Merkel/Itaú Cultural
C
Narrativas em Processo: Livros de Artista na Coleção Itaú Cultural, 8/3 a 7/5, Itaú Cultural, Av. Paulista, 149 | www.itaucultural.org.br O que confere a um livro o status de obra de arte? A curadoria de Felipe Scovino dá uma resposta possível a essa pergunta por meio de 70 trabalhos de artistas como Waltercio Caldas, Brígida Baltar, Nuno Ramos (acima, Balada), Odires Mlászho, Augusto de Campos, Artur Barrio e Rosangela Rennó. Eles estão agrupados em dois grandes núcleos. O primeiro apresenta livros que trazem intervenções gráficas em capas e ilustrações, gravuras e charges, algumas vezes de tiragem limitada. Os projetos autorais que são formal e materialmente peças plásticas completas, iniciados com a atuação dos poetas concretos até a atualidade, formam o segundo grupo. Completam a mostra novas aquisições da coleção, caso de Variations sur une Courbe, de Sérvulo Esmeraldo, livro de gravuras que é uma raridade na produção do artista cearense morto em fevereiro último.
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LEONILSON EM ÁGUAS PROFUNDAS Cento e vinte obras pouco ou nunca vistas são reunidas em exposição que celebra o lançamento do primeiro Catálogo Raisonné de um artista contemporâneo brasileiro Leonilson: Arquivo e Memória Vivos, de 14/3 a 9/7, Espaço Cultural Airton Queiroz (Unifor), Av. Washington Soares, 1.321 Leonilson (1957-1993) volta a Fortaleza. Volta com seu vulcão de terra batida, construído por suas próprias mãos em 1986, quando visitou a terra natal, participando da coletiva Esculturas Efêmeras, organizada por Sérvulo Esmeraldo. Volta ainda com outras 120 obras que compõem a exposição Leonilson: Arquivo e Memória Vivos. E com um Catálogo Raisonné, que traz a totalidade de sua obra reunida em mil páginas divididas em três livros. Uma volta e tanto. Com curadoria de Ricardo Resende, a mostra no Espaço Cultural Airton Queiroz (Unifor) deu preferência a obras pouco ou nunca vistas: desenhos, bordados ou pinturas que permaneceram restritos em coleções particulares e institucionais por décadas a fio. A exposição é resultado da pesquisa realizada para o Catálogo Raisonné, o primeiro jamais produzido sobre um artista contemporâneo do Brasil. No glossário emocional de Leonilson, o vulcão (ícone constante das pinturas dos anos 80) simbolizava a força da natureza – contida ou explosiva – manifesta no corpo e no amor. Mas, da mesma fase, surge nesta exposição O Peão (1987), pintura e costura sobre lona, que usa o símbolo do redemoinho, muito mais raro em
O Peão, 1987; na pág. ao lado, Truth Fiction, 1990
sua poética. Comprada diretamente do artista em seu ateliê por outro jovem artista e colecionador, a tela permaneceu na mesma parede durante mais de dez anos e tardou a ser catalogada pelo Projeto Leonilson. A julgar por este caso, é de se supor que ainda existam tantas outras obras desconhecidas. Afinal, com o mercado de arte brasileiro incipiente nos anos 1980, as vendas, trocas e escambos eram feitos no corpo a corpo com os artistas. Na intimidade. O Peão antecipa o bordado, que viria se firmar como linguagem predominante muitos anos depois, e parece antecipar a visceralidade do final de sua vida, quando “sua obra se torna dilacerante e afiada como a ponta de um canivete”, segundo o curador Ricardo Resende. “Trabalhos que expressam a ansiedade dolorosa de deparar-se com a morte quando se descobre doente em 1991.” Vítima da Aids, o artista faleceu em 1993. Leonilson é reconhecido por uma poética única e diferenciada entre os artistas de sua geração. Tinha uma voz dissonante ao assumir uma narrativa íntima, introspectiva, que fazia pouca distinção entre o publico e o privado. Em sua obra completa são reconhecidas dezenas de autorretratos, mas não seria imprudente dizer que a totalidade seja um só retrato. Essas características logo se tornariam um idioma fluente entre os artistas da geração da virada do século 21. Em 2003, a afinidade de jovens artistas contemporâneos com Leonilson foi abordada na exposição Vizinhos, que teve lugar na Galeria Vermelho, em SP, em comemoração aos dez anos da morte do artista. Hoje, quase 24 anos depois, o fascínio por sua intimidade revelada é ainda maior. PA FOTOS: CORTESIA PROJETO LEONILSON
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FINO TRAÇO 36
RIO DE JANEIRO
DESVIO PARA A ARTE CINÉTICA
Galeria Mapa abre no Baixo Augusta voltada para o jovem colecionador de arte moderna Desenho Moderno: As Formas da Ideia sobre o Branco do Papel, 14/3 a 14/4, Galeria Mapa, Rua Costa | 31 www.galeriamapa.art.br O modernismo é quase sempre um período da arte brasileira destinado ao colecionismo de poucos e bons. As obras mais famosas desse movimento chegam a valores estratosféricos, ao menos no ranking nacional. Mas Marcelo Pallotta quer mudar isso. Usando um olhar estético aguçado, comprovado por cartazes de filmes como Cidade de Deus e Que Horas Ela Volta?, o designer gráfico, fotógrafo (com obras em coleções como Masp/Pirelli), colecionador e agora também galerista faz de seu novo espaço, aberto recentemente no coração do Baixo Augusta, um lugar para se comprar boa arte moderna a preços acessíveis. E para provar, sua Galeria Mapa traz na mostra de abertura uma seleção de desenhos de nomes emblemáticos da arte produzida no período, de olho naqueles que estão começando agora suas coleções. Para a estreia, Pallotta garimpou obras em uma técnica que alcança preços menos expressivos, mas não é menos importante dentro da produção de artistas como Di Cavalcanti, Burle Marx, Iberê Camargo, Antônio Bandeira (abaixo, à esq.) e Almada Negreiros (abaixo, à dir.), entre outros incluídos na exposição. Por exibir apenas obras em preto e branco, o conjunto reunido evidencia os traços característicos de vários dos pilares do movimento. Quem assina o texto de apresentação é a crítica e curadora Juliana Monachesi. LPN
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Abraham Palatnik - A Reinvenção da Pintura, até 23/4, CCBB-RJ, Rua Primeiro de Março, 66 | culturabancodobrasil.com.br Pioneiro da arte cinética, Abraham Palatnik ganha, no Rio, uma retrospectiva abrangente por meio de 85 peças de todas as fases de sua carreira. Pesquisando a produção que vem desde 1940 até a atualidade, os curadores Pieter Tjabbes e Felipe Scovino selecionaram obras fundamentais em todos os suportes e técnicas pelos quais ele enveredou. São pinturas, Aparelhos Cinecromáticos (à esq., o de nº 10, c.1950-60), Objetos Cinéticos, objetos lúdicos, mobiliário e desenhos de projetos. Seis pinturas dos pacientes psiquiátricos Emydgio de Barros (1895-1986) e Raphael Domingues (1912-1979), internos do hospital do Engenho de Dentro, estão na mostra. A inclusão deve-se ao fato de ter sido depois de uma visita ao manicômio, então sob cuidado da doutora Nise da Silveira, que Palatnik decidiu abandonar a pintura figurativa. Achava o trabalho dos pacientes mais vigoroso e expressivo que o seu próprio. A partir daí, começou sua pesquisa cinética. A mostra já valeria só por este novo dado acerca de Palatnik.
FOTO: MIGUEL FOTOS:RIO CORTESIA BRANCO, GALERIA DIVULGAÇÃO MAPA
FOTOS: CORTESIA GALERIA MAPA/ VICENTE DE MELLO
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REVISÃO ESCULTURAL Nicolas Vlavianos, 25/3 a 26/6, Estação Pinacoteca, Largo General Osório, 66 | www.pinacoteca.org.br Nicolas Vlavianos é uma das figuras mais importantes da produção escultórica no Brasil. Nascido em Atenas, em 1929, radicou-se em São Paulo, em 1961, trazendo não só a sua produção, de técnica adquirida na Grécia e em Paris, mas também sua vontade pedagógica: lecionou Expressão Tridimensional na Faap (1969). Para marcar a excelência de sua trajetória artística, a Estação Pinacoteca abre uma exposição com cerca de 150 obras do artista (acima, Astronauta, 1985), em que sobressai a tensão entre forma orgânica e abstração. A curadoria de Valéria Piccoli traz obras emblemáticas, acompanhadas de esboços e projetos, que trazem à luz as premissas de seu pensamento estético e formal.
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FOTO: CORTESIA PINACOTECA SP
ARTE E EDUCAÇÃO RIO DE JANEIRO
DEMOCRATIZAÇÃO DA ARTE Exposição com curadoria de caráter social realizada a partir do acervo do Masp, percorre diversas capitais A NA AB R I L ENTRE NÓS – A Figura Humana no Acervo do Masp, até 10/4, CCBB-RJ, Rua Primeiro de Março, 66 | www.culturabancodobrasil.com.br Se fosse preciso escolher uma única palavra para descrever a mostra Entre Nós - A Figura Humana no Acervo do Masp, ela seria: democrática. Com curadoria de cunho social evidente e que deixa sua “casa”, o Museu de Arte de São Paulo (Masp), para transitar por várias capitais do Brasil, a exposição busca atingir todos, social e geograficamente. O recorte consiste em uma ampla seleção de mais de cem trabalhos, nos quais a figura humana é o fio condutor. Pinturas, esculturas e vídeos de artistas que vão desde Rafael Sanzio até Yuri Firmeza, passando por Pablo Picasso e Claudia Andujar, reúnem mais de mil anos de história da arte. O destaque, porém, é o abandono do tradicional recorte cronológico e espacial. Em vez disso, trabalhos de artistas clássicos europeus, como A Ressurreição de Cristo (1499-1502), de Rafael, dialogam com autores desconhecidos, como é o caso das esculturas da divindade Yorubá, venerada em tribos do Congo e da Nigéria. Luciano Migliaccio, curador do Masp e da mostra juntamente com Rodrigo Moura, nomeia a nova abordagem da curadoria como “história social da arte”, ou seja, “uma visão crítica que compreende o fenômeno estético den-
tro da evolução histórica e social das diversas culturas e que pode apresentar as relações que se estabelecem entre elas”. Segundo o curador disse à seLecT, essa abordagem é “de grande relevância no caso de um país como o Brasil, que quer pensar a sua história como o resultado da contribuição de várias culturas”. Sob essa premissa, a cultura popular brasileira também se faz presente em obras de Candido Portinari e Maria Auxiliadora da Silva. O muralista mexicano Diego Rivera divide espaço com Lasar Segall e Ernesto de Fiori, imigrantes que ganharam o reconhecimento no Brasil. A diversidade afirma-se nos desenhos de Albino Braz, paciente do Hospital Psiquiátrico do Juquery, e no acervo fotográfico brasileiro, com Miguel Rio Branco e Barbara Wagner. O contraponto contemporâneo, por sua vez, vem da mão de artistas como Nelson Leirner e Thiago Honório. Além de se destacar por sua importância cultural e curadoria plural, a exposição é, certamente, um ato de democratização da arte. Isso porque parte do maior acervo de arte da América Latina deverá circular pelas sedes do CCBB de Belo Horizonte e Brasília, após deixar a do Rio de Janeiro, em 10/4. Além disso, a entrada será gratuita, fato que não pode ser desvalorizado, uma vez que os R$ 30 cobrados para entrar no Masp (à exceção das terças-feiras) muitas vezes restringem o acesso à arte aos turistas e aos setores com maior renda. Alçando o conceito de democratização ao seu patamar mais idílico, o ideal seria Entre Nós ser capaz de ultrapassar as fronteiras invisíveis do centro brasileiro para chegar a outras cidades no Norte e Nordeste do País, onde as ofertas culturais são notoriamente deficientes. De qualquer forma, a mostra é um sopro de inclusão nem sempre presente no universo artístico nacional.
OUTRAS HISTÓRIAS
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Projeto educativo da mostra Entre Nós: A Figura Humana no Acervo do Masp, no CCBB-RJ, joga com narrativas em construção Ao trabalhar com uma exposição que elege um tema universal e acessível a todos – a figura humana na história da arte –, o programa educativo do Centro Cultural Banco do Brasil tem como desafio dar a entender ao público visitante a maleabilidade dos sistemas de representação através dos tempos. Para isso, educadores trabalharam com a curadoria da exposição, a cargo de Luciano Migliaccio e Rodrigo Moura, em projetos que ampliam as leituras e diálogos com as obras expostas do acervo do Masp. “A exposição fala de uma trajetória da re-
Espaço sensorial da exposição Entre Nós - A Figura Humana no Acervo do Masp
presentação. Nosso papel não é dar aulas de como representar a figura humana, mas entender como elas se dão hoje”, diz
Amaú, Aldeia Gorotire (1983), fotografia de Miguel Rio Branco, em exposição no CCBB-RJ
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Camila Alves, coordenadora pedagógica
que incorporam os personagens evoca-
diálogos e vozes sobre o acervo, de um
do programa educativo do CCBB-RJ, à
dos nesta exposição – europeus, afri-
modo vivo, processual e dinâmico, e as-
seLecT. “Estamos interessados em ver
canos, latinos – contando histórias de
sim será também nessa parceria com o
como o tempo interfere na maneira que
quem eles são, de onde vêm, numa mis-
CCBB”, continua Pedrosa.
nos representamos uns aos outros. A re-
tura de história e invenção. “O público
Além dos projetos de mediação da Sa-
presentação de corpos pelo viés da dis-
gosta porque sai do lugar do certo e do
poti Projetos, responsável pelo Educati-
cussão de gênero, por exemplo. A partir
errado – do conhecer ou não conhecer
vo das quatro sedes do CCBB – São Pau-
dessa
arte – e também inventa outros signifi-
lo, Rio, Belo Horizonte e Brasília –, o Masp
podemos refletir sobre o passado.”
cados”, diz Alves.
contribui com dois grandes programas:
As propostas se desenvolvem em ofici-
Os projetos estão alinhados à proposta
um arquivo de áudios e uma série de três
nas que lançam mão, por exemplo, de
do Masp de se afirmar como um acervo
seminários, um em cada cidade onde a
“objetos relacionais”, criados pelo Edu-
diverso e plural. “Vivemos hoje um mo-
exposição fará itinerância. “A passagem
cativo do CCBB a partir da obra de Lygia
mento muito rico”, diz Adriano Pedrosa,
do acervo por Rio, BH e Brasília deixará
Clark. Entre os objetos disponibilizados
diretor artístico do Masp, à seLecT. “Hoje,
resíduos importantes nos arquivos do
para esta mostra estão diversas classes
sabemos que não há uma só história da
museu, desenvolvendo também nossa
de medidores de tempo: ampulhetas, re-
arte, mas muitas histórias que podem
pesquisa e reflexão – por meio das pa-
lógio de sol, relógios analógicos, digitais
ser contadas através da arte e sobre ela.
lestras que serão publicadas em livro e
e calendários com diferentes estéticas e
Nesse contexto, nos perguntamos de que
nas faixas de áudio que também serão
funções. “Medir o tempo por meio des-
maneira podemos comunicar leituras e
gravadas nessas cidades. Esse é o sen-
ses instrumentos traz diferentes subjeti-
interpretações sobre as obras sem fazê-
tido também da noção de mediação
vidades de representação”, diz Alves.
-lo de uma maneira definitiva, autoritária,
para esses programas, onde de fato há
Outra estratégia são as “contações de
última, única. Nosso ponto de partida
um troca com o público, onde também
histórias” e “visitas teatralizadas” com
com os programas de mediação tem sido
aprendemos algo durante o processo”,
educadores vindos das artes cênicas,
sempre no sentido de multiplicar leituras,
completa Adriano Pedrosa.
representação
contemporânea,
FOTO: DIVULGAÇÃO/ MIGUEL RIO BRANCO/ CCBB RJ
A C E R V O S I TA Ú C U LT U R A L / 3 0 A N O S
PROJETOS
MERCADO DE ARTE 42
LIVROS DO OBSERVATÓRIO Criado em 2006, o Observatório surgiu com a missão de produzir pesquisa
Selecionamos no site do Itaú Cultural projetos e verbetes que contemplam as relações entre arte, cultura, mercado, economia e indústrias criativas
e reflexão sobre os fenômenos culturais, por meio de estudos quantitativos sobre a indústria da cultura, análises qualitativas dos valores culturais e o apoio à formação de recursos humanos e indicadores para gestão do setor. Ao longo de seus dez anos, entre várias atividades, o programa publica livros que exploram os temas fundamentais de sua agenda. Eles são disponibilizados gratuitamente no site da instituição para ser baixados em pdf (http://bit.ly/ livros_observatório). No clima desta edição da seLecT, selecionamos algumas publicações sobre o nosso tema: Arte e Mercado, Cultura e Economia, O Lugar do Público e A Economia Artisticamente Criativa. Aproveite!
VERBETES GIUSEPPE BACCARO Roccamandolfi, Itália 1930 – Recife (PE), 2016. Mar-
RUMOS 2015-2016: A HISTÓRIA DA *RTE
chand, galerista, colecionador, pintor e desenhista.
Como aliar crítica e humor em uma obra? O artista
Chega ao Brasil em 1956. Sua primeira atividade é
Bruno Moreschi tem essa equação como base de sua
editar um jornal para a colônia italiana de São Paulo, o
produção e do projeto com que foi selecionado pelo
Progresso Ítalo-Brasileiro. Nele, há uma sessão de arte,
programa Rumos 2015-2016. Essa é a mais tradicional
assunto pelo qual Baccaro logo se interessa. Ele procu-
plataforma do Itaú Cultural voltada para o mapeamento
ra e conhece Flávio de Carvalho (1899-1973), Tarsila
e incentivo da produção artística nacional em suas mais
do Amaral (1886-1973) e Anita Malfatti (1889-1964),
diferentes vertentes. A proposta de Moreschi é uma
os quais, segundo ele, encontra esquecidos em suas
pesquisa sobre a História da Arte e seus compêndios,
casas. Inaugura sua primeira galeria em 1962, na Rua
para atestar como eles referendam a visão normativa do
Augusta, com uma exposição do pintor naïf Heitor
homem branco eurocêntrico. Para isso, faz um levanta-
dos Prazeres (1898-1966). O nome, Selearte, é tirado
mento dos artistas compilados nos 11 livros de História da
de uma revista de arte italiana. No mesmo ano, realiza
Arte mais citados nas ementas dos cursos de graduação
uma exposição de Mira Schendel (1919-1988) e, em
das universidades brasileiras. O resultado é um mapa,
1964, uma mostra de Rossi Osir (1890-1959).
com previsão de lançamento no mês de maio.
JEAN BOGHICI
EXPERIÊNCIA NO SITE DO IC
Romênia, 1928 – Rio de Janeiro (RJ), 2015. Colecionador,
Em 2012, o Itaú Cultural criou o Experiência, programa de incentivo à produção nacional direcionado a jovens artis-
marchand e galerista. Estuda engenharia na Romênia e, aos
tas, que foram escolhidos para participar por meio da leitura de seus portfólios. Mas a iniciativa não se restringiu aos
19 anos, muda-se para Paris. Nessa cidade, vive sem docu-
selecionados. Para o público aberto, foram realizados encontros sobre temas das artes visuais, com a presença de
mentos, dividindo um quarto de hotel com o secretário de
convidados ilustres, entre artistas, curadores, colecionadores e agentes culturais. Um desses eventos foi a conversa
Brancusi (1876-1957), o escritor americano James Baldwin
sobre Mercado de Arte entre Ana Longobardi e um dos sócios da Galeria Vermelho, Eduardo Brandão. Em seu site,
(1924-1987) e o antropólogo romeno Henri H. Stahl (1901-
o Itaú Cultural disponibiliza na íntegra o registro da atividade em três partes, em que são abordados temas vincula-
1991). Com esse último decide vir para o Brasil. Chegam em
dos aos cenários nacional e internacional das artes visuais.
1949. (...) Boghici inaugura, em 1961, a Galeria Relevo. O marchand fecha a galeria em 1969 e viaja pelo mundo. De volta ao Brasil, abre, em 1979, uma nova galeria, chamada Jean Boghici. (...) Boghici sempre se pronuncia a respeito do mercado de arte, sugerindo incentivos fiscais, maior confiança nos artistas jovens e outras medidas para desenvolver o mercado e favorecer os artistas. A Galeria Jean Boghici continua aberta no número 180 da Rua Joana Angélica, em Ipanema, no Rio.
+
Links em bit.ly/colecoes-itau-cultural-mercado
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FOTOS: THOMAS BACCARO/ GALERIA JEAN BOGHICI, FLICKR/ REPRODUÇÃO/ CORTESIA BRUNO MORESCHI
FOGO CRUZADO
O QUE VOCÊ COMPRARIA, SE FOSSE UM COLECIONADOR RICO?
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Nas artes visuais, a relação entre instituições, agentes e negócios é intrincada. Nem sempre um artista conceitualmente expressivo chega ao topo do mercado. A valoração pelo sistema é um jogo de regras imateriais, o que torna difícil saber quem será a bola da vez. A sugestão de um insider pode servir como bom palpite ou ser a própria alavanca do sucesso comercial de um artista. seLecT perguntou a curadores e críticos de renome: se você fosse um colecionador rico, que artista ou obra compraria? As respostas são um indicador dos meandros do art trade.
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SAMANTHA MOREIRA
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CURADORA, FUNDADORA E GESTORA DO ATELIÊ ABERTO (CAMPINAS) E DO CHÃO (SÃO LUÍS DO MARANHÃO) Gosto de pensar em recursos que possibilitem a concretização de projetos que não se enquadram dentro de normas sistêmicas estabelecidas. Estaria mais interessada em que a “minha fortuna” propiciasse situações e processos desafiadores, utópicos, do que com a aquisição de uma obra personalista ou objeto de grande valor econômico para o mercado de arte. Propor territórios para artistas experimentarem colaborativamente, dialogando com outros mundos, vias e vidas. Propiciar a busca de verdades ao artista e outros interlocutores, com recursos de forma adequada, pode impulsionar grandes saltos. Em vez de adquirir “uma grande obra já produzida de um determinado artista”, eu compartilharia “o grande processo ou a grande busca de uma coletividade”, apontando saídas e alternativas a esse estado de coisas do sistema da arte brasileira.
MARTA MESTRE CURADORA DO INHOTIM Só conseguiria responder a esta pergunta se fosse num contexto privado, jamais na esfera pública. Embora, nos últimos dez anos, o sistema de arte tenha dado um grande protagonismo à atuação de curadores em feiras, continuo a acreditar que as escolhas do curador não devem estar a serviço dos rankings de artistas nem do mercado. A seleção de artistas ou de trabalhos pelo curador não deve ser da ordem da “opinião pessoal” nem do gosto. Não deve ser uma idiossincrasia. O seu “poder” deve advir da sua força intelectual, da sua capacidade de agregar e orientar significados. Sob esse ponto de vista, penso que algumas curadorias em contextos de galerias ou feiras podem ser bem-sucedidas, mas isso é raro. Em grande parte dos casos correspondem a uma lógica de “valorização de marca”. Como diz um amigo: “Se eu fosse um colecionador rico, compraria a Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto”. É por aí.
FOTOS: JURANDY VALENÇA/ WILLIAM GOMES
New York Randall’s Island Park May 5–7, 2017 Preview Day Thursday, May 4 Tickets at frieze.com
SHEILA LEIRNER
CRÍTICA DE ARTE
Se fosse rica, não deixaria de ser crítica de arte e, portanto, não colecionaria nada. Como a análise interpõe-se às características objetivas e subjetivas da possessão, eu não saberia – e não gostaria de – escolher obras para o meu próprio usufruto. Mas seria mecenas. Conseguiria comprar e compraria, isto sim, apenas para museus e instituições, ajudando a completar e aumentar suas coleções. Escolheria trabalhos importantes de arte moderna e contemporânea, cujos autores não citarei, por não apreciar listas e especulações de mercado. Em suma, pensaria como o romancista francês David Foenkinos (no livro Le Potentiel Érotique de ma Femme) que “o colecionador é um doente que procura em permanência a sua cura”. E julgaria que quem escreve sobre arte, o que é uma forma de possuí-la juntamente com o leitor, por sorte está vacinado contra a “doença” de tê-la em seu poder.
VANDA MANGIA KLABIN
HISTORIADORA DE ARTE E CURADORA
Paul Cézanne – The Bathers, 1898-1905 – óleo sobre tela – 210,5 x 250,8 cm - Philadelphia Museum of Art, Philadelphia, EUA Cézanne pintou uma série de Banhistas, tema constante em sua produção e multiplicado, sobretudo, no final de sua vida. A obra de Cézanne inicia a ruptura do espaço representacional e marca a substituição do espaço renascentista para a elaboração da espacialidade moderna e contemporânea. Essa é a mais arquitetônica, em que as figuras laterais e as árvores lançam uma composição como uma grande catedral e buscam uma fusão das figuras à natureza. Os corpos das banhistas são tratados como volumes pictóricos e estruturam todo o espaço em composições piramidais, simetria de formas e um sistema de representação por planos e volumes. Pablo Picasso possuía em sua coleção particular a tela Cinq Baigneuses e dizia que tinha passado anos estudando esse quadro, que hoje está no Museu Picasso, em Paris, e foi a fonte de inspiração, juntamente com as esculturas africanas, para a sua famosa tela Les Demoiselles d’Avignon. Henri Matisse também possuía em sua coleção particular uma obra da série Les Baigneuses, que ofereceu, após 37 anos de convivência, ao Museu do Petit Palais, em Paris, afirmando que essa tela o sustentou nos momentos mais críticos de sua vida. Jasper Johns era fascinado pelas Banhistas de Cézanne e também possui uma em sua coleção pessoal. Em suas obras sempre incluiu quadrados, círculos e cones como uma referência a Cézanne e seus ensinamentos: abordar a natureza através do cilindro, da esfera e do cone.
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FOTOS: DIVULGAÇÃO/ LUIZ GARRIDO
Artifacts from Jackson Pollock and Lee Krasner’s home and studio, East Hampton, NY. Courtesy Pollock-Krasner House and Study Center. Photography: Nicholas Calcott.
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MUNDO CODIFICADO
O B R A A N D R É PA R E N T E
T E X T O K AT I A M AC I E L
OS QUATRO LADOS DA MOEDA
Dizem que o real é sempre pela metade e ao meio. Por isso a moeda possui dois lados, para que haja lugar para a decisão e o acaso. Lançadas ao ar, giram entre duas possibilidades antes do contato iminente com a mão ou com a terra. Por sorte avessa podem cair de pé como presa no canto da mão, na terra ou onde quer que caiam, aí não vemos os lados. O mesmo acontece com as moedas que por acaso tenham dois lados diferentes, mas iguais.
Piratas alcançam, no fundo da costa brasileira, tonéis e baús. Abertos a paus e pedras olhos saltam com o brilho embaralhado das moedas. Entre ouro e prata, contornos de dois rostos perdidos, muito próximos entre si, assombram a imaginação daqueles famintos por riquezas. As moedas, presas às mãos de renomado pirata, agora se espalham na leitura da maldição Temeritatem, conhecida por ter dado fim a um paraíso agora perdido chamado Brasil.
Irreal não é o outro lado do Real. Aqui em Terra Brasilis foram fundidos com diferentes metais. De Ouro Preto a Brasília conspiram as arquiteturas entre a perspectiva do ideal da usura para os outros e da fartura para os encantados pelas variações do metal. Entre eles, dois mestres ourives cunharam Temeritatem como prova de que o irreal é mesmo real.
Cunha, cunhado. O parentesco da palavra resolve-se do outro lado da moeda. Temer, Temeritatem. Dois lados de uma só moeda: a moeda do golpe no Brasil. Fazer girar cara ou coroa não diferencia o resultado extremo de um sistema de trocas que levou a fragata ao naufrágio. Cabe a nós recolher as moedas como pistas de uma história ainda por vir.
A moeda 1 Irreal é uma paráfrase de uma expressão de Hélio
a complexidade das relações entre arte e política, arte e
INSTRUÇÕES PARA O COLECIONADOR
Oiticica, “da irrealidade vivemos”, criada em reação à situação
mercado, arte e dinheiro. O trabalho foi produzido por conta
1. Nunca enterre suas moedas
política atual. A moeda é um ativo, literalmente, ou seja, ela
própria e lançado na Galeria Jaqueline Martins, em São Paulo,
procura ativar (toda moeda tem um caráter performativo)
e no espaço Saracura, no Rio de Janeiro.
2. Caso as enterre, nunca faça um mapa 3. Caso faça um mapa, não o marque como um X 4. Caso o marque com um X, deixe por lá este bilhete e mais nada FOTOS: CORTESIA DO ARTISTA
PORTFÓLIO
ALVARO SEIXAS: MENTALIDADE SÁDICA F E L I P E S T O F FA
Desenho Sem Título (Mind of the Artist), 2017
SELECT.ART.BR
MAR/ABR/MAI 2017
NAS PÁGINAS DO CADERNO DE ALVARO SEIXAS, FRASES COMO “PARE DE PINTAR E COMECE A IMPRIMIR DINHEIRO”, “SEXUAL STUDIO VISIT” E “EU SOU UM DOS MAIS RELEVANTES ARTISTAS DE MINHA GERAÇÃO SEGUNDO O RELEASE QUE EU MESMO ESCREVI” JUNTAM-SE A UMA PROFUSÃO DE DESENHOS QUE COMENTAM O MUNDO EM QUE ELE ATUA. Nasci-
do no Rio de Janeiro em 1982, Seixas graduou-se em pintura pela UFRJ em 2006, e lá também cursou mestrado e doutorado. Desde 2015, atua naquela instituição como professor da graduação em artes visuais. Mas é no ofício da pintura que concentra seus esforços. “Alguns artistas acham que a academia engessa o trabalho, mas penso que isso é uma bobagem”, diz à seLecT. Apesar de centrar sua produção na pintura, há cerca de dois anos ele descobriu uma forma de aliviar as tensões do dia a dia. Desenha incessantemente personagens, cenas e frases impactantes sobre as entranhas do sistema de arte, satirizando as relações entre curador, artista consagrado, artista jovem, e por aí vai. São situações que ele observa – em si mesmo e nos outros – e vivencia. “Os desenhos vieram da minha insatisfação com o meio de arte. Eu mesmo trabalhei como curador assistente para algumas exposições. Foram coisas que me deram bagagem crítica.” Sua página do Instagram (@alvaroseixas) é seu portfólio virtual. É ali que sua produção de pinturas e desenhos é postada, formando uma espécie de museu pessoal. “Acho que o Instagram foi a melhor exposição do ano, um lugar que me abriu várias frentes, não comerciais, mas expositivas. Quem vai me impedir de postar?”, provoca.
O portfólio desta edição traz, posicionados estrategicamente ao longo da revista, os ácidos desenhos do artista carioca que satirizam as relações perigosas do mundo da arte
ROMÂNTICO MALDITO
O passatempo, que aos poucos tornou-se compulsivo, acabou por dar asas a uma nova persona de Alvaro Seixas. “Minha pintura sempre foi mais ligada à abstração e os desenhos são o lado B, um lado mais profano”, diz. “Em algum momento olhei para mim e percebi que pensava mais na obra do outro do que na minha própria. Quando comecei a aplicar essa
raiva no desenho, aí acho que isso se tornou um trabalho.” Ele calcula ter hoje mais de 2 mil ilustrações feitas em páginas soltas ou em cadernos guardados nas gavetas. Sem medo nem pudor de atacar a tudo e a todos, os trabalhos guardam distintas referências. Desde professores de seus anos de graduação até artistas nacionais e internacionais. Sobressaem como principais influências românticos “malditos” – palavra cara ao pintor –, como os escritores Lord Byron e Marquês de Sade. Conversas de bar e fofocas que circulam pelo meio constituem farto material de criação para o artista. “Minha ideia é inserir um pouco de sadismo no meio da arte brasileira, que é muito dura e careta”, diz. É com essa mentalidade sádica que Seixas bebe do romantismo para fazer de seu desenho um dispositivo crítico e conceitual. Mesmo que, pouco a pouco, a pintura de Alvaro Seixas vá ocupando espaços consolidados do tão criticado meio institucional – participou do Rumos Itaú Cultural 2008-2009, com curadoria de Paulo Sérgio Duarte, e ganhou o Prêmio Projéteis Funarte de Arte Contemporânea em 2012, por exemplo –, a despretensão de seus desenhos foi significante para repensar sua relação com seu contexto. “Tenho a pretensão de sempre tentar destruir o meio em que estou, no sentido teórico. Costumo brincar que minha meta é me divertir com a arte brasileira. É uma autocrítica, mas em uma era em que temos poucos manifestos pensei que poderia aplicar isso nos meus desenhos”, diz ele. É causando incômodo que Alvaro Seixas incita o debate, como um equilibrista inquieto, louco para ver o circo pegar fogo.
FOTOS: CORTESIA DO ARTISTA E DA GALERIA CAVALO
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R E P O R TA G E M
Interior da Carpintaria, espaço da Forte D’Aloia & Gabriel no Jockey do Rio, aberto no final de 2016: ventilar novas ideias
CR I S E ? QUE CRISE? Para faturar durante a recessão, galerias investem em feiras de arte internacionais, congelamento de câmbio, novos mercados e novas parcerias MÁRION STRECKER C O L A B O R A R A M PA U L A A L Z U G A R AY, LU C I A N A PA R E J A N O R B I ATO E F E L I P E S TO F FA
A ECONOMIA BRASILEIRA ENCOLHEU EM 2016, COMO JÁ HAVIA ENCOLHIDO EM 2015. O PIB CAIU, O PODER DE COMPRA CAIU, 1,32 MILHÃO DE PESSOAS PERDERAM O EMPREGO E A RECESSÃO SE INSTAUROU. A SP-Arte, maior feira do setor no País, gerou menos faturamento do que
em 2015, numa queda estimada em 28%. A ArtRio, segunda maior, não fala em números, mas teve menos expositores e foi realizada num espaço menor. seLecT ouviu 20 expoentes do mercado de arte para esta reportagem, inclusive uma galeria com dez anos de operação que jamais teve lucro e quase quebrou no ano passado. Vários galeristas assumem que perderam faturamento. Mas alguns dizem o contrário. O recorde de 2016 de um artista brasileiro na Sotheby’s foi de Sergio Camargo, que teve um relevo (Nº 195, de 1968, medindo 83 x 83 cm) vendido por 1,205 milhão de libras esterlinas, em Londres. Hélio Oiticica teve o guache sobre cartão Mataesquema 169 (1958, 30 x 33 cm) vendido por 212,5 mil libras esterlinas pela Sotheby’s. Enquanto isso, a casa de leilões Christie’s vendeu por US$ 57,3 milhões um autorretrato de Jean-Michel Basquiat de 1982. O mercado de arte brasileira é mirim perto dos mercados de arte europeia e norte-americana. #fato FOTO: CORTESIA GALERIA FORTES D’ALOIA & GABRIEL
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O mercado secundário no Brasil, que comercializa artistas históricos, modernistas e o chamado early contemporary, faz vendas acima de R$ 4 milhões. Uma pintura de José Pancetti, Abaeté - Lavadeiras, de 46 x 61 cm, recebeu lance de R$ 4,7 milhões em leilão na Bolsa de Arte no ano passado. Esse mercado teria caído entre 20% e 30% no ano passado, na estimativa de um peso pesado no ramo, Carlos Dale, sócio da Galeria Almeida e Dale. Mas ele e o sócio negam ter sentido tal queda. “Hoje fazemos negócio em todos os lugares: Porto Alegre, Curitiba, Fortaleza, Salvador, Londres, Miami”, diz Antonio Almeida, citando parcerias com outras galerias, inclusive para vendas em feiras no exterior. “Ampliamos o leque”, diz Dale. “Hoje vendemos mobiliário, santos, paisagens dos séculos 17 e 18, expusemos José Antônio da Silva…” O veterano Ricardo Camargo, há 50 anos no mercado secundário, diz que faturou mais em 2016 do que no ano anterior, mas aquém do que conseguia de 2014 para trás. “Caiu em torno de 35% ou 40%”, diz. “Fiquei três anos sem participar da SP-Arte (de 2012 a 2014). Eu tinha me separado e ao mesmo tempo investi muito dinheiro para fazer o Instituto Wesley Duke Lee (1931-2010), com Patricia Lee, sobrinha do Wesley. Nunca tive prejuízo em feiras. Em 2016, vendi três Wesley, um Nelson Leirner e mais algumas coisas. Foram em torno de R$ 350 mil, R$ 400 mil de lucro, tirando o custo.” Camargo aponta os leilões daqui como um fator negativo para o mercado secundário. “Eles derrubam muito o preço, principalmente dos artistas de vanguarda. Tenho uma obra do Antonio Henrique Amaral por R$ 225 mil. Tinha uma, outro dia, num leilão, que estava por R$ 50 mil. Não é a que SELECT.ART.BR
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“Nós não baixamos o preço de ninguém”
“Os leilões derrubam muito o preço, principalmente dos artistas de vanguarda”
Raquel Arnaud Galerista
MERCADO PRIMÁRIO
Ricardo Camargo Galerista
DESTINO DAS VENDAS DAS GALERIAS
20
% EXTERIOR
À esquerda, a galerista Raquel Arnaud; acima, o Relevo N o 195 , construção de madeira pintada medindo 83 x 83 cm, de 1968, de autoria de Sergio Camargo, vendida pela Sotheby’s de Londres por 1,205 milhão de libras esterlinas no ano passado
Infográfico inspirado em obra de Mauricio Nogueira Lima (Espaços negativos-positivos, 1953). Fonte: Latitude 2015
À direita, Antonia Bergamin e Thiago Gomide; galeria cresceu 50% em 2016
80% BRASIL
está comigo, que é muito melhor, mas é quase do mesmo tamanho. Vai explicar para o colecionador. No ano passado, o Antonio da Almeida e Dale me procurou, porque fizeram uma parceria com a galeria britânica Cecilia Brunson, para uma exposição de Claudio Tozzi. É uma coisa importante colocar no mercado uma parceria. Em Nova York acontece muito, mas aqui não. Não tenho feito feiras fora do Brasil. Acho que está na hora. Já passou da hora”, reconhece Ricardo Camargo. Thiago Gomide, da Bergamin & Gomide, que tem como foco as décadas de 1950 a 1990, conta ter crescido 50% no ano passado. “Mas abrimos em 2013. É difícil perceber onde é o plateau, pois somos novos, ainda estamos sem referência”, diz ele. “Devo
ter vendido uns US$ 3 milhões na SP-Arte e US$ 1 milhão na ArtRio”, continua Gomide. “A SP-Arte é mesmo a maior feira da América Latina, atrai o maior número de colecionadores, de advisers. O Brasil não tem espaço para duas grandes feiras internacionais. Fica complicado para as grandes galerias de fora fazerem duas feiras no Brasil. A ArtRio devia fazer uma feira local”, diz ele, sócio da pequena feira Semana de Arte que será aberta em agosto em São Paulo. Em 2016, suas maiores vendas foram de obras de Mira Schendel, Alfredo Volpi e Cildo Meireles, “muito acima de US$ 1 milhão”. “Desde o começo estabelecemos que o nosso foco era o mercado internacional.” Em 2017 pretendem estar “em cinco ou seis feiras fora”.
No mercado há mais de 40 anos, Luisa Strina conta que trabalha em dólar desde 1974, por causa da flutuação do câmbio e também das mudanças de moeda no Brasil. Cerca de 70% de suas vendas são para o exterior (EUA e Europa). A queda no ano passado foi de mais de 30%. “Senti mais na feira de Miami, porque os europeus não vieram, com medo da zika, os americanos estavam estarrecidos com a vitória de Trump e os brasileiros estavam sem dinheiro, ou sei lá. Teve uma retração grande”, diz. Mesmo assim, ao longo do ano, Strina continuou a fazer vendas consistentes, com trabalhos de Cildo Meireles, que ela representa em primeira mão, cotados em mais de US$ 1 milhão. Em 2016, ela aumentou a participação em feiras internacionais: nada menos que 11. Outra galerista que trabalha com artistas bastante valorizados é Raquel Arnaud, também de São Paulo. Cruz-Diez, Waltercio Caldas e Sergio Camargo foram os que ela mais vendeu no ano passado, com obras entre R$ 500 mil e R$ 1 milhão. “Nós não baixamos o preço de ninguém. Mas também não tem como subir preços hoje em dia. Houve, sim, uma ou outra valorização a partir de vendas no exterior”, diz Arnaud, referindo-se a Carla Chaim e Carlos Nunes, adquiridos pela coleção de Ella Fontanals-Cisneros. Arnaud conta que trabalha muito para cada feira de que participa. “Falando em custo-benefício, a maioria delas empata. Mas divulgam. No fim, temos um mailing estrangeiro bastante forte.” Presidente da Associação Brasileira de Arte Contemporânea (Abact), a galerista Luciana Brito pondera: “A crise foi menos dramática do que imaginávamos”. Baseada em pesquisa da
FOTOS: DENISE ANDRADE, DIVULGAÇÃO GALERIA RICARDO CAMARGO/ IARA MORSELLI, GALERIA BERGAMIN & GOMIDE/ ROMULO FIALDINI, GALERIA RAQUEL ARNAUD/ SOTHEBY’S
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FOTOS: ALVARO SEIXAS, DESENHOS (2016-2017), CORTESIA DO ARTISTA
Da esquerda para a direita, Márcia Fortes, Alexandre Gabriel e Alessandra D’Aloia, galeristas
Infográfico inspirado em obra de Décio Vieira (Sem Título, 1956). Fonte: Latitude 2015
PREÇO MÉDIO DAS OBRAS VENDIDAS EM GALERIAS NO BRASIL
14,3% Entre R$ 60 mil e R$ 90 mil
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“Na lista da Forbes, dos bilionários brasileiros, a maioria mora no Rio. Existe muito potencial a ser trabalhado” Márcia Fortes Galerista
entidade, diz que o setor continuou contratando novos profissionais, em vez de demitir, mas os números dessa pesquisa foram apurados em 2015. Sobre a própria galeria, que leva seu nome, conta que manteve, em 2016, “o mesmo faturamento do ano anterior” e para isso tiveram de “trabalhar dobrado”. No meio da crise, ela mudou a galeria para uma casa modernista tombada, projetada pelo arquiteto Rino Levi com jardins de Roberto Burle Marx. Pelo restauro, ganharam o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) no fim do ano. SELECT.ART.BR
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DIFICULDADES DO SETOR
“As galerias precisam ter representação internacional, mas sempre nos debatemos com o problema da enorme taxação. A Apex nos ajuda a exportar obras, mas para trazer obras temos todos os empecilhos”, diz Luciana Brito em nome do setor. Márcia Fortes, sócia da galeria Fortes D’Aloia & Gabriel, que representa alguns dos artistas mais caros do mercado no Brasil, como Beatriz Milhazes e Adriana Varejão, exemplifica. “O cara consegue comprar um Tarsila do Amaral num leilão da Christie’s, mas não consegue
trazer a obra de volta ao Brasil, porque os impostos em cascata chegam a cerca de 48% do valor das obras de arte. Outras dificuldades de atuar no Brasil, aponta Fortes, são a dupla tributação em operações de consignação; o ICMS em remessas interestaduais quando a galeria empresta obras para museus; exigências de documentos inadequados a obras contemporâneas, por parte do Iphan, no trânsito para exposições no exterior; e a taxação que recai sobre os doadores de obras a museus, de 4%, levando alguns deles a subfaturar o valor de suas obras, para pagar menos nessa situação. “Digamos que o artista faz uma exposição na Pinacoteca e, quando acaba, quer doar uma obra ao museu. O artista não vai pagar 4% de imposto sobre a doação”, argumenta Fortes. “E depois ainda fica uma aura de que o que estamos fazendo no mercado de arte é lavar dinheiro, quando o que estamos fazendo é representar profissionais que têm filhos na escola, têm de pagar aluguel, como todo mundo”, desabafa. Carioca de nascença, Márcia Fortes abriu com seus sócios, no fim de 2016, um terceiro espaço, chamado de Carpintaria, dessa vez no Jockey Club do Rio, às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas. “Foram 15 anos de atividade como Fortes Vilaça, depois a gente abriu um galpão (ambos em São Paulo). As pessoas vão ver a exposição e depois passeiam pelas caixas. No Rio, queríamos ventilar outras ideias e também dar aos artistas com os quais a gente trabalha a oportunidade de fazer uma exposição na cidade. A Beatriz adoraria poder chamar o tio…” Suas expectativas financeiras para a operação na cidade, entretanto, não são as mais exuberantes. “Você pega a lista da Forbes e, dos milionários e
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bilionários brasileiros, a maioria mora no Rio. Existe muito potencial a ser trabalhado. Mas acho que não está na numerologia da cidade a questão do business. São Paulo é o coração financeiro. Aqui estamos na Hollywood brasileira. Tem muita gente que trabalha nesse setor de economia criativa. Mas isso (a filial carioca) é um atestado de teimosia firmado em cartório. Claro que é muito difícil. Seria mais fácil abrir uma filial em Nova York a essas alturas”, diz.
21,4%
10,7%
Entre R$ 30 mil e R$ 60 mil
R$ 90 mil ou mais
10,7%
Entre R$ 20 mil e R$ 30 mil
17,9% Até R$10 mil
NOVA YORK
Quem de fato já abriu uma filial em Nova York no fim de 2015 e também está em projeto de abrir um galpão no Rio em 2017 é a concorrente paulistana Nara Roesler, embora a fundadora dessa galeria seja pernambucana. Roesler já mantinha uma filial numa casa em Ipanema há três anos, mas agora está em processo de construção de um novo galpão no Jockey Club da Lagoa, vizinho ao espaço da Fortes D’Aloia & Gabriel. “O Rio foi a escola para irmos para
25% Entre R$ 10 mil e R$ 20 mil
Nova York”, conta Daniel Roesler, diretor da galeria. “Absorvemos os novos custos sem sustos. Estamos num lugar alternativo dentro da cena de galerias de NY, o Flower District.” Para bancar o investimento, a galeria
A galeria Luciana Brito ocupa hoje uma casa projetada pelo arquiteto Rino Levi, com paisagismo de Roberto Burle Marx, restaurada nos Jardins, em São Paulo
deixou de ir a feiras europeias. Em 2016, foi apenas a quatro feiras internacionais, sendo três nos EUA (Armory Show, Art Basel Miami Beach e Frieze NY) e uma na China (Art Basel Hong Kong). A operação em Nova York já se paga, embora o investimento ainda não tenha retornado, diz Roesler. Ele aponta Abraham Palatnik e Julio Le Parc como pivôs do sucesso inicial da operação norte-americana. Palatnik está com individual marcada no Metropolitan Museum. “E 2016 foi o melhor ano da história da Galeria Nara Roesler”, diz Daniel. “Não baixamos o preço de ninguém. O que tivemos foram artistas com preço em reais e o dólar subindo. Então, no mercado internacional, esses artistas ficaram mais baratos. Mas boa parte dos nossos artistas têm preço em dólar, porque já tinham galerias fora, como o Vik Muniz. O preço dele está subindo.” Mas os faturamentos ArtRio
FOTOS: DIVULGAÇÃO GALERIA FORTES D’ALOIA & GABRIEL/ GALERIA LUCIANA BRITO
DESTINO DAS VENDAS DAS GALERIAS EM 2014
“Não tenho do que me queixar. Para mim, 2016 foi o melhor ano da galeria”
60
80% BRASIL
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Jaqueline Martins Galerista
Infográfico inspirado na capa de Antologia Noigandres, 1962. Fonte: Latitude 2015
vendidas varia entre R$ 4 mil e R$ 7 mil. “A ARCO era uma feira em que a gente decidiu investir. Fiz três anos de Solo Project, mas, em 2014, colocaram galerias grandes no Solo e empurraram a gente para a área geral. Tive um prejuízo de R$ 40 mil”, diz a diretora Juliana Freire.
“O Rio foi a escola para irmos para Nova York”
FEIRAS INTERNACIONAIS
Daniel Roesler Galerista
na SP-Arte e na decepcionaram. “O Rio foi o epicentro da crise no Brasil. A ArtRio está sofrendo bastante, mas fazemos o máximo para que continue. A ArtRio chegou com um monte de galerias grandes, internacionais, e a SP-Arte correu atrás. Foi bom para São Paulo, para o Rio e para o Brasil”, diz Daniel Roesler.
Márcia Fortes também congelou a taxa de conversão do dólar no ano passado. “Vamos congelar em R$ 3,2 ou vamos congelar em R$ 3? Tentamos estabilizar o mercado de conversão, que estava muito volátil. É arbitrário? O que define o valor de uma obra de arte? É minha cabeça? Não exatamente. Tem mil elementos nessa equação.
Espaço pop up é novo modelo de negócios nômade da galeria paulista Emma Thomas SELECT.ART.BR
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20% EXTERIOR
Um deles é a solidificação e expansão do currículo do artista”, diz ela. Paradoxalmente, Nova York foi a saída para as maiores – como Nara Roesler e Mendes Wood DM, que abre em maio uma filial no Upper East Side – e menores, como a também paulistana Emma Thomas, que em dez anos de trajetória nunca entrou no azul e quase quebrou em 2015. Emma Thomas – nome fictício, é claro, para zoar com o fato de grande parte das galerias carregar o nome de seu proprietário – reinventou seu modelo de negócio em 2016, com exposições pop up em São Paulo e no Lower East Side, em Nova York. Em vez de atuar no “cubo branco” tradicional, a galeria agora funciona em instalações nômades, no formato de tenda branca. O projeto é finalista do prêmio Archdaily. Já as feiras não têm se mostrado um bom negócio para galerias de seu porte, cujo preço médio das obras
Aumentar a participação em feiras de arte internacionais foi uma estratégia da Fortes, D’Aloia & Gabriel. “Dobramos o número de feiras internacionais”, diz Márcia Fortes. Sua concorrente, a Galeria Vermelho, também apostou nessa forma de venda. “Fizemos 15 feiras no ano passado”, diz Eduardo Brandão, sócio e fundador da Vermelho, confirmando a tese de que é preciso internacionalizar o negócio. “Crescemos 10% no faturamento. Em 2015 havia caído 7%, mas 2014 tinha sido o melhor dos 15 anos da galeria. Mas, já que o ano passado foi bom, pensei em investir e fazer umas feiras que a gente nunca fez, como Dubai”, aproveitando que o colombiano Iván Agote foi convidado a fazer uma performance nessa feira e o brasileiro Jonathas de Andrade estará na Bienal de Sharjah, também nos Emirados Árabes. Quanto custa participar de uma feira? “A Art Basel Miami Beach é a nossa feira mais cara”, diz Brandão. Para lá vão cerca de 15 galerias nacionais por ano, segundo o representante da feira no Brasil, Ricardo Sardenberg. “Só pelo estande pagamos R$ 220 mil no ano passado”, conta o fundador da
Vermelho. “Aí você põe passagem, hotel, transporte e refeições para quatro pessoas, e o custo do envio das obras. Para ficar no zero a zero, temos de vender R$ 600 mil. É difícil. Nosso preço médio de venda é R$ 36 mil na galeria.” No entanto, venderam. Até mesmo a ex-pequena Galeria Jaqueline Martins fez oito feiras no exterior no ano passado, nem todas bem-sucedidas comercialmente. “Em 2016, saí da Vila Madalena e vim para a Vila Buarque, porque, com um pouquinho mais no aluguel, consegui esse espaço maravilhoso. Tínhamos cem metros quadrados e agora temos mil. Não tenho do que me queixar. Para mim, 2016 foi o melhor ano da gale-
“Acho que as feiras brasileiras são um bom negócio, pois os colecionadores têm ido mais a elas do que às exposições” Luciana Caravello Galerista
FOTOS: DIVULGAÇÃO GALERIA NARA ROESLER/ GALERIA JAQUELINE MARTINS/ GALERIA EMMA THOMAS/ GALERIA LUCIANA CARAVELLO
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FOTOS: ALVARO SEIXAS, DESENHOS (2016-2017), CORTESIA DO ARTISTA
O QUE AS GALERIAS BRASILEIRAS MAIS VENDEM
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ria”, diz Martins, que está no mercado há cinco anos. Ela fechou o ano comemorando vendas para o MoMA, o Reina Sofía, o MAM de São Paulo, o MAR e o Malba de Buenos Aires, entre outras instituições. Afinal, nada valoriza mais o currículo de artistas do que estar no acervo de museus importantes e nas grandes bienais. Enquanto algumas galerias comemoram, outras relatam apenas ter repetido em 2016 a performance de 2015. Ou seja, perderam da inflação. Outros contam ter sido muito mais flexíveis em prazos e no câmbio. “Em 2016, as galerias brasileiras tiveram uma flexibilidade que a gente não teve”, diz João Paulo Siqueira, representante da Lisson Gallery no Brasil. A Lisson existe desde 1967 e tem espaços expositivos em Londres, Milão e Nova York. No ano passado, a obra mais cara vendida por ele para um brasileiro foi um prato de Anish Kapoor, por 550 mil libras esterlinas. “Eu não posso fazer dólar mais baixo, não posso fazer pagamentos em muitas parcelas, não tenho esse tipo de maleabilidade que as galerias nacionais têm. Em compensação, muitos brasileiros compram fora do Brasil”, diz Siqueira, para quem “arte é uma coisa que você compra geralmente de bom humor.” Galerista no Rio de Janeiro, Luciana Caravello concorda em parte. “Acho que as feiras brasileiras são um bom negócio, pois os colecionadores têm ido mais a elas do que às exposições. Mas as internacionais são um risco bem alto. Em 2016, fiz cinco feiras internacionais. Acho que é um investimento mais na imagem do que em lucro financeiro”, diz. “Vou cortar o número de feiras para as quais vou aplicar este ano. Vou fazer mais exposições e menos feiras.” SELECT.ART.BR
MAR/ABR/MAI 2017
“Temos estratégia de redução de tamanho em prol de mais qualidade, mas também em resposta à crise”
Lisson. “E mais crise, menos crise, vai ter sempre espaço para a SP-Arte. Ela está na capital econômica de um país com 200 milhões de pessoas”, argumenta. Sobre a ArtRio, ele acha que “já foi redimensionada. Acho que ela vai ser uma feira local para outro público. E ela é muito interessante do ponto de vista de formação de público”, diz Siqueira.
Diretora da ArtRio
NÚMEROS GLOBAIS
Se 2016 começou sombrio, não foi só no Brasil. O segmento de arte contemporânea em leilões no mundo teve uma contração de mais de 25% no primeiro semestre em relação ao mesmo período de 2015. A fatia do Leão, porém, não é do mercado primário, que vende obras de artistas contemporâ-
19%
23%
FOTOGRAFIA
ESCULTURAS
27% PINTURAS 14%
14%
DESENHOS
OUTROS
ARTRIO E SP-ARTE
Brenda Valansi
Galerista da Amparo 60, no Recife, Lucia Costa Santos diz que tem o mercado internacional como meta em 2017. “Sentimos a retração, por isso pulamos a última SP-Arte. Mas temos planos de persistir nas feiras, por acreditarmos ser o melhor canal com as instituições e os colecionadores nacionais e internacionais.”
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neos em primeira mão. Enquanto os leilões de arte contemporânea movimentaram US$ 1,5 bilhão globalmente no primeiro semestre do ano passado, o mercado secundário girou US$ 6,53 bilhões. Uma análise de mais longo prazo é bem positiva para o mercado de arte, no Brasil e no mundo. O crescimento global em leilões de arte foi de 1.370% desde o ano 2000. O Brasil é ruim de números, mas é voz corrente que seu mercado de arte cresceu muito nos últimos 15 anos. Tanto cresceu que, em 2017, uma nova feira de arte vai surgir em São Paulo (leia no Em Construção). “Achei uma belíssima ideia uma feira para colecionador, não para quem é só entusiasta”, diz o representante da
“A ArtRio tem sempre muito público”, diz sua diretora Brenda Valansi. “Muitas galerias reclamavam disso no início, mas essa é tanto uma feira comercial quanto um evento cultural”, avalia. A ArtRio surgiu em 2011, chegou a atrair 74 mil visitantes. No ano passado foram 50 mil. “Isso se alinha a uma estratégia de redução de tamanho em prol de mais qualidade, mas também em resposta à crise”, diz Valansi. “Em 2016, em vez de buscar mais galerias internacionais, decidimos trazer curadores e colecionadores de fora. Trouxemos 40 convidados, 15 pela ABACT. Não tivemos as curadorias, por questão de espaço. As galerias acharam que não fizeram falta”, diz ela. Outra iniciativa foi abrir um filhote, a ArtRio Carioca. “A Barra da Tijuca é 17 vezes maior que o Leblon e abriga uma população de altíssimo poder aquisitivo. O público da Barra aderiu mais ou menos. Precisamos fazer um trabalho a longo prazo lá, mas me parece que foi um ótimo começo. O público global está aderindo”, diz ela, citando nomes de atores da TV Globo. Se a ArtRio ainda está pensando se vai voltar ou não a incluir na programação exposições curadas, a SP-Arte eliminou o setor de revistas de arte. As revistas só vão aparecer na livraria. Uma iniciativa na contramão do que
1% VÍDEOS 2% INSTALAÇÕES
Infográfico inspirado na obra de Antônio Maluf (Caminho Sem Fim, c. 1959). Fonte: Latitude 2015
faz a Frieze em Londres e Nova York, por exemplo, que investe em divulgar o pensamento e a informação sobre a atividade artística, e mantém estantes e lounges para que o público possa ler as muitas revistas internacionais à vontade. No Brasil, o conteúdo anda em baixa no mercado. O que anda em alta é a boataria. Durante a SP-Arte 2016, circulou notícia de que uma pintura de Beatriz Milhazes, que estava consignada com a Dan Galeria, teria saído por US$ 4 milhões (algo entre R$ 12 milhões e R$ 16 milhões, a depender da data e do autor da informação). Mas o galerista Peter Cohn informou depois que o comprador, com a repercussão, desistiu da compra. Fernanda Feitosa, a poderosa diretora da SP-Arte, ressalta que a edição deste ano volta a reunir uma “qualidade ex-
cepcional de expositores”, nacionais e estrangeiros. São 128, mais que no ano passado. “Entre as galerias participantes temos de novo algumas das mais influentes do mundo, como David Zwirner, Lisson, White Cube, Kurimanzutto, Continua, Franco Noero e Neugerriemschneider, além do retorno de Marian Goodman e Alexander Grey e a estreia de Cheim & Read”, enumera. O circuito paralelo terá mais de cem eventos ao longo da semana da feira, como o Gallery Night, com aberturas em galerias sincronizadas por bairro. No quesito novidade, o Repertório será um novo setor, curado por Jacopo Crivelli Visconti, com obras de artistas nascidos até os anos 1950. Seria um sinal dos tempos de crise que a supervalorização de jovens artistas dê espaço à valorização dos mestres? FOTO: DIVULGAÇÃO ARTRIO
Rivane Neuenschwander Artista realiza a quarta edição do projeto de múltiplos colecionáveis O trabalho que compõe a série O Nome do Medo, de
reconhecida importância no cenário artístico brasileiro
Rivane Neuenschwander, é a quarta obra das Edições
e internacional. A revista escolhe e comissiona os
de Artista que seLecT oferece aos leitores. O projeto
artistas. Ao distribuir os múltiplos colecionáveis, espera
faz circular obras de arte contemporânea na forma de
estimular a relação do público com obras de arte e
múltiplos de tiragem limitada, de autoria de nomes de
contribuir para a educação artística da sociedade.
A A R T I S TA Nasceu, em 1967, em Belo Horizonte e atualmente vive
com a Folha (1996), participou de duas bienais de Veneza,
em São Paulo. Por volta dos 22 anos, seu interesse
em 2003 e 2004, além de marcar presença em três
por artes materializou-se no estudo de desenho na
edições da Bienal de São Paulo. Em 2015, apresentou o
Universidade Federal de Minas Gerais. Não tardou a
projeto The Name of Fear, na Whitechapel Gallery, em
fazer sua primeira exposição individual, na Itaú Galeria
Londres; em 2016, participou das exposições Histórias
BH e SP (1992). Daí em diante, passou por várias outras
da Infância, no Masp, e Filmes e Vídeos de Artistas na
instituições culturais. Foi premiada no Antarctica Artes
Coleção Itaú Cultural.
A OBRA O Nome do Medo, 2017 Técnica: Impressão Off-set sobre papel Alvura Suzano 250 g/m² Dimensão: 20 x 27,5 cm Tiragem: 18.000
Parte da série homônima, O Nome do Medo é um conjunto
Diante disso, desenharam e confeccionaram capas
de fotografias que registram diferentes etapas de um
protetoras, que ecoaram em novas produções do
projeto coletivo. Com ele, Rivane Neuenschwander propõe
fashion designer Guto Carvalhoneto. Duas fotografias de
investigações a respeito do medo e de maneiras para
processo foram especialmente escolhidas pela artista
afugentá-lo. O trabalho tem raízes nas oficinas que ocorreram
para esta quarta edição de múltiplos colecionáveis da
na Escola de Artes Visuais do Parque Lage e na Escola do
seLecT. Metade da tiragem da revista traz Thiago Bruner
Olhar do Museu de Arte do Rio, em 2016. Nelas, crianças de
vestindo a capa Mosquito da Dengue. A outra metade
8 a 11 anos foram estimuladas a refletir sobre seus medos.
traz o menino vestindo a capa Monstro/Estranho.
Patrocínio
Rivane Neuenschwander, O nome do medo/Rio de Janeiro, 2017, em colaboração com Guto Carvalhoneto. Fotografia Pedro Agilson. Thiago Bruner veste capa Mosquito da dengue/Janela aberta.
S E L E C T E D I Ç Õ E S D E A R T I S TA
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Rivane Neuenschwander Artista realiza a quarta edição do projeto de múltiplos colecionáveis O trabalho que compõe a série O Nome do Medo, de
reconhecida importância no cenário artístico brasileiro
Rivane Neuenschwander, é a quarta obra das Edições
e internacional. A revista escolhe e comissiona os
de Artista que seLecT oferece aos leitores. O projeto
artistas. Ao distribuir os múltiplos colecionáveis, espera
faz circular obras de arte contemporânea na forma de
estimular a relação do público com obras de arte e
múltiplos de tiragem limitada, de autoria de nomes de
contribuir para a educação artística da sociedade.
A A R T I S TA Nasceu, em 1967, em Belo Horizonte e atualmente vive
com a Folha (1996), participou de duas bienais de Veneza,
em São Paulo. Por volta dos 22 anos, seu interesse
em 2003 e 2004, além de marcar presença em três
por artes materializou-se no estudo de desenho na
edições da Bienal de São Paulo. Em 2015, apresentou o
Universidade Federal de Minas Gerais. Não tardou a
projeto The Name of Fear, na Whitechapel Gallery, em
fazer sua primeira exposição individual, na Itaú Galeria
Londres; em 2016, participou das exposições Histórias
BH e SP (1992). Daí em diante, passou por várias outras
da Infância, no Masp, e Filmes e Vídeos de Artistas na
instituições culturais. Foi premiada no Antarctica Artes
Coleção Itaú Cultural.
A OBRA O Nome do Medo, 2017 Técnica: Impressão Off-set sobre papel Alvura Suzano 250 g/m² Dimensão: 20 x 27,5 cm Tiragem: 18.000
Parte da série homônima, O Nome do Medo é um conjunto
Diante disso, desenharam e confeccionaram capas
de fotografias que registram diferentes etapas de um
protetoras, que ecoaram em novas produções do
projeto coletivo. Com ele, Rivane Neuenschwander propõe
fashion designer Guto Carvalhoneto. Duas fotografias de
investigações a respeito do medo e de maneiras para
processo foram especialmente escolhidas pela artista
afugentá-lo. O trabalho tem raízes nas oficinas que ocorreram
para esta quarta edição de múltiplos colecionáveis da
na Escola de Artes Visuais do Parque Lage e na Escola do
seLecT. Metade da tiragem da revista traz Thiago Bruner
Olhar do Museu de Arte do Rio, em 2016. Nelas, crianças de
vestindo a capa Mosquito da Dengue. A outra metade
8 a 11 anos foram estimuladas a refletir sobre seus medos.
traz o menino vestindo a capa Monstro/Estranho.
Patrocínio
Rivane Neuenschwander, O nome do medo/Rio de Janeiro, 2017, em colaboração com Guto Carvalhoneto. Fotografia Pedro Agilson. Thiago Bruner veste capa Monstro/Estranho.
S E L E C T E D I Ç Õ E S D E A R T I S TA
1 / 18000
P R OJ E TO
O Nome do Medo, Museu de Arte do Rio (MAR), Praça Mauá, 15, www. museudeartedorio.org.br
NO LUGAR DO FANTASMA BIANCA DIAS Rivane Neuenschwander trabalha sobre o medo infantil em oficinas na EAV Parque Lage e exposição no MAR
RIVANE NEUENSCHWANDER NOS DÁ ACESSO AO MAIS CORAJOSO DOS GESTOS NUM ARTISTA: ASSUMIR-SE JUNTO DE SUA OBRA NUMA DERIVA QUE IMPLICA A DIMENSÃO HUMANA, COMO ALGO INSULAR E PRECÁRIO E, TAMBÉM, HETERÓCLITA FORÇA QUE SE DÁ NO INTRINCAMENTO ENTRE SUJEITO E CULTURA, COMPLEXA TEIA DE ONDE NASCEU O NOME DO MEDO, TRABALHO APRESENTADO PELA PRIMEIRA VEZ, EM 2015, NA WHITECHAPEL GALLERY, EM LONDRES. O projeto refletia, desde então, sua pesquisa e in-
teresse na psicanálise e a tentativa de entender como o medo pode ser traduzido por meio de palavras, desenhos e objetos. O Nome do Medo foi realizado, primeiramente, com crianças de 7 a 9 anos. Agora é retomado no Brasil, a partir de uma série de oficinas realizadas com crianças de até 13 anos na EAV Parque Lage e no Museu de Arte do Rio (MAR), sob curadoria de Lisette Lagnado, de onde se estabeleceu uma fecunda troca. Das oficinas surge a exposição no MAR, que apresenta os trabalhos transformados em capas – elemento da indumentária que povoa o imaginário infantil. Traduzindo o material produzido nas oficinas, o fashion designer Guto Carvalhoneto foi convidado, junto com a artista, a desenvolver capas a partir dos desenhos feitos pelas crianças. As capas apresentam-se com a dupla função de abrigar e afugentar o medo, como possibilidade de uma relação ética, que se expande para além do museu. O que se encontrará é uma condensação das questões processuais e conceituais do projeto, uma aposta de nomeação que convoca o simbólico: gesto singular que reverbera no comum e toca esse sentimento que vive à beira do indizível. As oficinas iniciaram com uma roda de conversa, acompa-
nhada de uma projeção que trazia referências de capas usadas em diversas culturas. Esse primeiro momento motivou o debate entre as crianças e o surgimento de uma interrogação que norteou o trabalho: como narrar e habitar nossos medos? A resposta é esboçada num processo que se apresenta como um ensaio através de filmes, desenhos, bordados e experiências partilhadas, com as crianças construindo um lugar a partir de referências da arte, como os parangolés de Hélio Oiticica, o manto de Arthur Bispo do Rosário, o Divisor de Lygia Pape ou, ainda, na projeção de imagens de uma máscara de Sophie Taueber-Arp, de 1916, ou da imagem de Joseph Beuys enfrentando um coiote numa performance de 1974. Neuenschwander afirma que trazer ao Brasil um projeto dessa natureza guarda diferenças da experiência realizada em Londres, já que a temática do medo é sempre atravessada pelo social e pela maneira única como a criança responde por sua experiência de mundo, inscrevendo aí seu traço singular. A capa interessa como escritura derivada do desenhar, rasgar, colar, manchar. Não se trata, portanto, nem na psicanálise nem na arte, de interpretar o brincar, mas de fazer surgir a enunciação velada, uma espécie de função mediadora de algo que se coloca no lugar do fantasma. Para Lacan, o fantasma é justamente o que promove certo enquadramento da relação do sujeito com a realidade, com seus objetos. Nessa transmissão, a criança apropria-se de seu mal-estar de modo a transformá-lo, borrando os discursos, refundando o jogo de ausência-presença do objeto. A capa surge, então, como uma solução provisória que possibilita uma passagem do pequeno sujeito, mergulhado num abismo ameaçador, ao apelo que reveste e faz cintilar a vida.
FOTO: PEDRO AGILSON
CURADORIA
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NOVOS ASES DO JOGO No tabuleiro do mercado de arte, quais jovens artistas dão as cartas em 2017? L U C I A N A PA R E J A N O R B I AT O
O QUE É PRECISO PARA “CHEGAR LÁ” NO MERCADO DE ARTES VISUAIS? Uma rede de fatores ala-
vanca as carreiras incipientes. Seus sujeitos são tanto formandos de cursos de graduação das mais importantes instituições brasileiras quanto autodidatas que, com uma boa dose de sorte, acabam despontando sobre seus irmãos de geração. Sair de uma boa faculdade já coloca o artista iniciante em vantagem. Bons projetos pedagógicos não apenas põem o jovem artista em contato com as diretrizes estéticas da atualidade como também o colocam em diálogo com mestres que são agentes importantes desse universo. Mas nada impede que formação e contatos sejam supridos no trabalho como assistente de um artista consagrado, como é o caso de Elvis Almeida, que trabalhou com Luiz Zerbini e, de maneira muito autoral, absorveu influências de sua pintura. A validação da produção desses jovens artistas passa em grande parte pelos editais de instituições e curadorias de peso, que funcionam como uma peneira qualitativa. Os salões – como o já consagrado Salão dos Artistas sem Galeria, uma iniciativa do jornalista Celso Fioravante – ajudam a tornar conhecido o nome inaudito. Também ajuda a conquistar uma luz ao sol ganhar representação de uma pequena galeria e, com sorte, consistência e perseverança, ser assimilado por uma major. Paralelamente a exposições individuais e coletivas, a indicação para Bienais vale como consagração. Prêmios de importância nacional, como Pipa e Marcantônio Vilaça, são a cereja do bolo; se forem internacionais, como o Future Generation Art Prize, do Pinchuk Art Centre, podem catapultar o artista para uma art gallery nos EUA, Europa ou Ásia. Qual desses fatores é mais importante para fazer um artista se consagrar como a ficha valiosa do momento? Não há matemática nessa fórmula. O imponderável é que dá o impulso definitivo para o pódio e nem todo mundo passa por todas as etapas acima. Um exemplo disso são os oito nomes que seLecT traz nestas páginas, cada um a seu modo anunciado como a bola da vez. ELVIS ALMEIDA, SEM TÍTULO, 2016 Não dá para ignorar o fato de Elvis Almeida ter sido assistente de Luiz Zerbini. A influência de um dos papas da Geração 80 é o pano de fundo dos trabalhos recentes desse carioca nascido em 1985. Mas o trabalho do pupilo não se reduz ao do veterano. Almeida vai além sem cerimônia, fazendo um mash-up de elementos pop, do grafite e da cultura de rua sobre madeira, que usa como suporte. A Escola de Belas Artes da UFRJ e as aulas na EAV Parque Lage, além do curso de História da Arte nas Redes da Maré, ONG do complexo de comunidades no Rio de Janeiro, também ajudaram a burilar o seu talento. E o reconhecimento veio na forma da indicação ao Prêmio Pipa no ano passado, e no convite a integrar a Galeria Mercedes Viegas. Mas seu gingado não para por aí. Já participou da Abre Alas, projeto de A Gentil Carioca que revela novos nomes; da Internacional de Arte SIART (Bolívia); da Arte Pará e da coletiva Reality Reimagined, na Modified Arts (EUA).
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MAR/ABR/MAI 2017
FOTO: CORTESIA GALERIA MERCEDES VIEGAS
CARLA CHAIM, VOLUMES III, 2014 Se o curso de Artes Visuais da Faap (SP) é o celeiro de novos artistas no País, Carla Chaim é uma de suas exalunas notórias. Duas vezes formada pela instituição, na graduação e pós em História da Arte, a paulistana coleciona chancelas. Uma delas é fazer parte de coleções como as do MAM-RJ, Itamaraty e da poderosa Ella Fontanals-Cisneros. Já fez residências em lugares como Arteles (Finlândia), Halka Sanat Projesi (Turquia) e The Banff Centre for the Arts (Canadá), e exposições em países como EUA, Portugal e o inusitado Cazaquistão. Suas obras seguem procedimentos de regras pré-estipuladas, em que o corpo tem papel preponderante. Representada pela Galeria Raquel Arnaud, tem entre suas conquistas o Prêmio CCBB Contemporâneo e o Prêmio FOCO Bradesco ArtRio, ambos em 2015, além do Prêmio Funarte de Arte Contemporânea e o Prêmio Energias na Arte, do Instituto Tomie Ohtake. Na virada do ano, despontou na lista dos 21 artistas indicados ao Future Generation Art Prize – selecionada entre nada menos que 4.421 inscritos de 138 países (o vencedor será anunciado em 26/3). Em 2010, a mineira Cinthia Marcelle venceu a primeira edição do Prêmio.
LAIS MYRRHA, DOIS PESOS, DUAS MEDIDAS, 2016 Lais Myrrha parece já ter sido carimbada com os principais referenciais artsy no Brasil. Mestra em artes pela UFMG (2007), rapidamente chamou a atenção de curadores e instituições culturais com sua pungente investigação sobre as ruínas do projeto de civilização do modernismo brasileiro. Arrematou a Bolsa Pampulha, o Rumos Itaú Cultural, a Temporada de Projetos do Paço das Artes e alguns prêmios da Funarte, entre os quais a Bolsa Estímulo às Artes Visuais. Foi indicada em quase todas as edições do Prêmio Pipa (ficou de fora apenas em 2011 e 2014), mas a consagração veio no ano passado, com a marcante participação na 32 a Bienal de São Paulo, com Dois Pesos, Duas Medidas (2016). A instalação que ocupou o vão entre as rampas do prédio de Oscar Niemeyer é formada por dois empilhamentos simétricos de materiais usados para construir as ocas indígenas, de um lado, e as casas de alvenaria, de outro, tensionando as relações entre as tradições construtivas do passado e do presente. Hoje, ela integra a coletiva Avenida Paulista, em cartaz no Masp até 28/5, com um vídeo comissionado pelo museu.
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FOTOS: PAULA ALZUGARAY/ CORTESIA RAQUEL ARNAUD
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LUIZ ROQUE, MODERN (FRAME), 2014
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Quem também subiu nas cotações pela inclusão na 32 a Bienal de São Paulo foi Luiz Roque. O artista, que nasceu, em 1979, em Cachoeira do Sul (RS) e é formado em artes pela UFRGS, tem motivos para esperar o melhor em 2017. Trocou de galeria, foi assimilado pela descolada Mendes Wood DM e, com isso, internacionalizou de vez sua carreira. A prova é ter sido indicado como um dos 17 artistas emergentes do mundo inteiro para se ver neste ano pelo site Artsy. Sua obra transgressora e multimídia usa de assemblages a vídeos em mídias obsoletas, como Super-8 e 16 mm, para encenar histórias surreais que desafiam noções de gênero, comportamento e até da história da arte. Sua estética particular já arrebatou editais do Centro Cultural São Paulo, Paço das Artes e Rumos Artes Visuais, além de ter figurado em inúmeras exposições em países como China, Lituânia, Inglaterra, Áustria e Espanha.
ANA PRATA, SEM TÍTULO, 2015 Atualmente no cast da Galeria Millan, Ana Prata fez sua estreia na cena institucional com exposições da Temporada de Projetos do Centro Cultural São Paulo e do Centro Universitário Maria Antônia. A graduação na UCAUSP foi a plataforma de lançamento dessa mineira nascida em 1980, cujas pinturas trazem forte carga gestual, misturando padrões geométricos e pinceladas abstratas vigorosas. Com incursões também em vídeo, que lhe abriram a participação na 18 a edição do Videobrasil, já expôs em países como França, Portugal e EUA. Se, em 2011, participou da residência da Red Bull House of Art, com curadoria e bênção de Luisa Duarte, em 2016 sua temporada foi internacional. Além da residência na Residency Unlimited, em Nova York, a artista ganhou a individual Dropping the Guru na Pippy Houldsworth Gallery, em Londres.
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FOTOS: CORTESIA GALERIA MILLAN/ CORTESIA MENDES WOOD DM
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JAIME LAURIANO, ARTEFATOS #4, 2016 Além de artista, Jaime Lauriano agora também é gestor. O paulistano nascido em 1985 assumiu, desde o fim de 2016, a administração do Ateliê 397, um dos espaços independentes mais conhecidos da capital paulista. Nada mal para o ex-aluno da Faculdade Belas-Artes (SP) que traz em sua poética a crítica social e racial inserida na História do Brasil. No circuito das majors, segue ascendendo sob os auspícios da Galeria Leme, que o representa e se posiciona para que suas obras alcancem coleções como a da Pinacoteca do Estado de São Paulo, do Museu de Arte do Rio e da Schoepflin Stiftung: The Collection (Alemanha). Se, em 2016, fez residência na Ocupação Cambridge, no antigo e famoso hotel paulistano, já está arrumando as malas para a Casa Wabi, residência artística fundada por Bosco Sordi e coordenada pelo curador Pablo León de La Barra, em edifício de arquitetura de Tadao Ando, localizado na paradisíaca costa de Oaxaca, no México.
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SOLANGE PESSOA, SEM TÍTULO, 2015 Formas orgânicas em desenhos, pinturas, cerâmicas, esculturas e instalações de dimensões colossais compõem a cosmogonia arqueológica de Solange Pessoa. A mineira nascida em 1961 e formada pela Escola Guignard já era veterana na virada do século 21, mas foi só aí que viu sua carreira galgar territórios além-mar. Em 1996/ 1997, ganhou a prestigiada bolsa da The Pollock-Krasner Foundation, que concede ajuda financeira a artistas que trabalham com papel como suporte, mas não promove mostras com os eleitos. Se, em 2001, veio a primeira coletiva internacional, na França, foi com a representação pela Mendes Wood DM desde 2015 que a artista chegou aos cubos brancos do Reino Unido e EUA. Nestes, entrou pela porta da frente, com uma obra adquirida pela peso pesado Rubell Family Collection, uma das maiores do mundo, participou de três coletivas do museu do casal Don e Mera Rubell, em Miami. Entre elas, New Shamans/Novos Xamãs: Brazilian Artists, em cartaz até 27/9.
FOTOS: FILIPE BERNDT, GALERIA LEME/ CORTESIA MENDES WOOD DM
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FABIO SZWARCWALD COLECIONADOR CARIOCA INVESTE NO ESTÍMULO AO COLECIONISMO E NA BUSCA DE ARTISTAS EM LUGARES ONDE O MERCADO NÃO CHEGA
Em meio à pior recessão da história do País, dois empreendedores apostam no mercado de arte e criam novos espaços e modelos de negócios
Com 20 anos de praia no mercado financeiro, o carioca Fabio Szwarcwald, 44, hoje tem os dois pés no mercado da arte. Há meses deixou uma carreira bem-sucedida no banco Credit Suisse para investir em novas ideias. “Querer ser feliz na vida não é uma decisão ‘lógica’. Mas acho que este é um mercado em que, sim, existem muitas oportunidades. E não necessariamente só para galeristas, artistas e curadores”, diz Szwarcwald à seLecT. O desafio que ele se autoimpôs é entrar nesse mercado de cartas marcadas, criando e propondo novos papéis para o gran-
Szwarcwald no Z42 : espaço voltado para a formação de público
FOTO: DANIELA DACORSO
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de enredo da arte contemporânea. “Gosto desses desafios”, diz Szwarcwald, que é colecionador de arte contemporânea desde 2002 e dono de um acervo de cerca de 350 peças. O primeiro passo da nova persona de Szwarcwald é a coordenação curatorial da Z42 Arte, inaugurada em setembro de 2016 em uma casa de 1930, no bairro do Cosme Velho, no Rio. O projeto é original: organizar quatro exposições anuais, com artistas de outros estados do Brasil, mostrando aos colecionadores, artistas e curadores locais o que está acontecendo no cenário de arte fora do Rio de Janeiro. Com 1,5 mil metros quadrados, cinco salas expositivas e salas para ateliês, a casa tem espaço de sobra para a acolhida de um programa de residências de peso para artistas de todo o País. A sustentabilidade da Z42 virá com a porcentagem na venda de trabalhos expostos. “Qual é o meu risco? Não vender os trabalhos. Mas não tenho dúvida de que vou encontrar produção artística de muita qualidade. Falta essa garimpagem aqui. São Paulo tem muito mais essa característica. Como existem muitas galerias, elas sempre têm de trazer novidades de fora. As galerias do Rio fazem menos esse trabalho, pegam artistas que já estão bombando em SP... Então, estarei prestando um serviço para as galerias daqui”, explica. Cursos, palestras e encontros com artistas completam a grade de atividades voltadas para crianças, adolescentes e para colecionadores iniciantes e ávidos não apenas por informações de qualidade, mas por “pertencer” e interagir com o mundo da arte. Há cinco anos Szwarcwald trabalha nessa direção de estímulo ao colecionismo. O espírito empreendedor revelou-se ao se engajar na produção de edições limitadas de obras em grande formato, a preços acessíveis para colecionadores em início de carreira. No dia a dia do Projeto Aurarte, Szwarcwald estreitou laços com artistas, instituições e aprofundou saberes nesse campo que hoje assume a linha de frente em suas prioridades. Vice-presidente do Conselho da EAV Parque Lage, ele também é membro do comitê de aquisições do MAM-RJ, da comissão de seleção do Prêmio PIPA e do International Leadership Council do New Museum, de Nova York. Do mercado em que atuou por duas décadas trouxe a avidez pela pesquisa. E aplica os mesmos princípios ao mercado da arte. “O financeiro e o artístico são dois mercados em que as pessoas têm de estudar, se preparar, se informar bem, pegar pessoas para auxiliar. Não ir com a cara e a coragem.” É para essa formação que ele agora se volta. “Tenho confiança de que meus projetos vão dar certo, porque a arte brasileira tem uma qualidade muito grande.”
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“Eu já sabia que montar um
project space no Brasil seria uma encrenca. Mas as pessoas precisam começar a pensar fora da caixa”, diz Kugelmas
Acima, intervenção de Lydia Okumura no espaço auroras e seu diretor, Ricardo Kugelmas, vestindo camiseta com desenho de Alvaro Seixas
RICARDO KUGELMAS DIRETOR DO ESPAÇO AURORAS TRABALHA SOB O PONTO DE VISTA DO ARTISTA
Lydia Okumura foi a primeira artista brasileira a apresentar seu trabalho no Metropolitan Museum of Art, em Nova York, em 1978. Entre os anos 1970 e 1980, participou de quatro edições da Bienal de São Paulo, mas, desde então, teve pouquíssimas chances de apresentar seu trabalho no Brasil. Okumura vive em Nova York desde 1974, e em fevereiro esteve em São Paulo para individual na Galeria Jaqueline Martins e a montagem de uma instalação. Em cartaz até 19/3, o site specific foi realizado em diálogo com a arquitetura modernista da casa no Morumbi, em São Paulo, que sedia o auroras, project space dirigido por Ricardo Kugelmas, 38. O auroras foi inaugurado em 2016 com a mostra Pequenas Pinturas. Kugelmas acabava de voltar de Nova York, onde
trabalhou como studio manager do artista Francesco Clemente, um dos ícones máximos da Transvanguarda italiana. Antes, havia cursado Direito e trabalhado em São Paulo numa gestora de recursos. “Fui para NY achando que ia ficar dois anos e fiquei dez. Conviver 24 horas por dia com arte foi uma experiência transformadora para mim”, diz Kugelmas para seLecT. O administrador do ateliê de Clemente fazia de tudo: relacionamento com galeristas, curadores, editores das publicações. “Eu defendia o lado do artista e peguei uma visão global do ponto de vista de seus interesses.” O know-how adquirido é aplicado ao auroras, que nasceu de conversas com artistas. “Cheguei em São Paulo em 6 de junho, dia em que o Tunga morreu. Eu conversava muito com
FOTO: DING MUSA
FOTOS: ALVARO SEIXAS, DESENHOS (2016-2017), CORTESIA DO ARTISTA
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No alto, detalhe da área expositiva do espaço Z42, no Rio. Acima, fachada do auroras, em SP, com piscina que recebe projetos de performance e de intervenção sonora
o Tunga, ele achava que era absurdo uma cidade de 20 milhões de habitantes ter tão poucos espaços alternativos de arte. Entendi que tenho mais coisas para fazer aqui do que lá.” O auroras é um espaço independente, voltado para a elaboração de projetos de caráter singular que não são frequentemente abrigados em galerias ou instituições. A principal diferença entre um espaço de projetos e uma galeria é o fato de não representar artistas. “A galeria virou hoje um business com um custo fixo muito alto, que requer muito dinheiro. Fazer cinco feiras por ano, livros, ter folha de pagamento de funcionários CLT... Fazer uma galeria direito custa muito
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caro. Você fica obrigado a vender um xis por mês, para não ter prejuízo. Um espaço que custa R$ 500 mil por mês não pode fazer uma exposição do desenhos do Alvaro Seixas. Não fecha a conta”, diz. Não entrar no esquema comercial – embora comercialize obras para pagar os custos do espaço – lhe garante um pouco mais de liberdade. “Posso me dar ao luxo de, por exemplo, mostrar papel, que no Brasil é muito desvalorizado. Se eu fizer uma exposição e vender dez desenhos de R$ 2 mil, tudo bem. Eu sobrevivo. Se o espaço for autossuficiente, estou feliz.” Vídeo, performance, site specifics, intervenções, música e dança estão entre os projetos que orbitam as ideias de Ricardo Kugelmas. Mas, se a função do auroras não é ganhar muito dinheiro, ele completa a receita fazendo consultorias para a formação de coleções particulares. E destaca os impostos sobre arte como o maior empecilho para a formação de coleções importantes no Brasil. Se considerarmos que a origem das mais substanciais coleções públicas dos EUA ou da Europa foram um dia coleções privadas, conclui-se que estamos muito longe do páreo. “Os EUA tinham um imposto de importação, antes da Primeira Guerra Mundial. Entre as guerras, com a Europa arrasada, os mega-tycoons americanos, Rockefellers, JP Morgans, compraram tesouros, coleções impressionistas, old masters, tudo. Então o governo americano se tocou e colocou imposto zero! Coisa boa deixa entrar! Vieram navios. Tudo está hoje no Metropolitan, no MoMA, no Philadelfia Museum, no Cleveland.” “No Brasil está tudo errado: com 55% de taxas de importação, não querem que entrem obras de arte. Ou o colecionador deixa no apartamento dele na 5ª Avenida ou traz escondido. Nunca vai doar para museu. Não há incentivo para doação, não se facilita nada em nenhuma instância. E o Brasil paga um preço por ter o maior imposto sobre arte do mundo.” Ricardo Kugelmas ressalta que não tem a pretensão de sanar as lacunas do sistema institucional brasileiro. “Eu já sabia que sair de NY para fazer um project space no Brasil seria uma encrenca.” Mas isso não o impede de arregaçar as mangas e ter muitas ideias para virar o jogo – seja pensando em estratégias de políticas públicas ou imaginando todas as casas abandonadas do Morumbi ocupadas por espaços de arte. “As pessoas têm de começar a pensar fora da caixa”, ri.
FOTOS: DING MUSA E EDUARDO LOPES
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COLECIONISMO
DA GALERIA AO MUSEU
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A constituição de acervos de museus de arte está intimamente ligada ao colecionismo privado e até mesmo a experiências comerciais
A N A M AG A L H Ã E S
COLECIONAR OBJETOS QUE HOJE ENTENDEMOS COMO ARTÍSTICOS DEU ORIGEM AOS MUSEUS E À SUA ESPECIALIZAÇÃO EM DIVERSAS ÁREAS DO CONHECIMENTO, AO LONGO DO SÉCULO 19. É na consti-
tuição do museu de arte, na conformação da história da arte como disciplina acadêmica dentro das universidades, concomitantemente à afirmação dos Estados-Nação no Velho Mundo, que tem início uma diferenciação muito clara entre arte “antiga” (da tradição, ou aquilo que em inglês constituiu a noção de Old Masters) e a arte “moderna”. Naquele momento, a ideia de “moderno” associava-se ao que era produzido pelos artistas vivos (mais ou menos como ocorre hoje em relação à ideia de “contemporâneo”). O período pós-revolucionário, na França, marcou um embate entre os artistas vivos e os organizadores das primeiras exposições de arte da tradição – o que o historiador da arte Francis Haskell chama de Old Masters Exhibition, para ele um gênero específico de exposição que sobrevive até hoje –, no qual os artistas vivos se viam prejudicados na promoção e venda de suas obras diante do nascente colecionismo e mercado para a arte da tradição. É a partir SELECT.ART.BR
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Ambiente da Galeria Domus, que surgiu em 1947 como a primeira dedicada à arte moderna na capital paulista FOTO: CORTESIA EDITORA VIA IMPRESSA
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da segunda metade do século 19, e diante das experiências vanguardistas do início do século 20, que essa produção passa a ser designada como “arte acadêmica”, e começa a diferenciar-se cada vez mais da arte moderna, como a entendemos hoje. A partir de então, fez-se muito claramente a separação entre um circuito artístico voltado para o colecionismo de belas artes – que envolveu tanto as coleções de arte da tradição quanto as de arte acadêmica – e outro circuito, que se especializou no colecionismo de arte moderna. Portanto, não é possível pensar num colecionismo de arte moderna sem pensar que ele é contemporâneo ao colecionismo de arte antiga e que, de certa forma, são complementares e emprestam práticas e modelos um para o outro. Isso é evidente na maneira pela qual a produção dos artistas modernos passou a circular e a ser institucionalizada ao longo do século 20, ou seja, pela constituição de críticos, galeristas e colecionadores dedicados a constituir a memória da arte moderna, nos mesmos moldes que o fizeram aqueles que haviam escrito a história da arte e dos artistas do passado. Esse modelo ainda parece operar com bastante eficácia até hoje, com a consolidação de galerias, coleções e museus especializados em arte contemporânea, separando esta das outras duas categorias. Dito isso, a imagem que se construiu para nós do colecionismo de arte moderna e de arte contemporânea é de que haveria nele certo grau de autonomia nas escolhas e um engajamento “autêntico”, “puro” dos colecionadores. Pensemos em três exemplos, em circunstâncias e territórios distintos para tentarmos discutir essa imagem.
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Peggy Guggenheim na sala de jantar do Palazzo Venier dei Leoni, sua residência veneziana, que hoje abriga a fundação com seu nome
COLEÇÕES MODERNAS EM SP E NY
Tomemos, inicialmente, o caso de Peggy Guggenheim como representativo do colecionismo de arte moderna em meados do século 20. Nascida em uma rica família de judeus de Nova York e estabelecendo-se desde muito cedo em Paris, Peggy foi amiga do artista Marcel Duchamp, e por meio dele teria se interessado, sobretudo, pelos artistas surrealistas. Sua primeira tentativa como galerista foi com a criação da Galeria Guggenheim Jeune, em 1939, em Londres. Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, ela dedicou-se a comprar um quadro de um artista moderno por dia, sob orientação de seu amigo e crítico de arte britânico Herbert Read, pensando na criação de um museu de arte moderna em sua terra natal. O projeto viria a ser suplantado pelo de seu tio, Solomon Guggenheim, o que levou Peggy a fundar a Art of This Century, em 1942. Caracterizada por uma arquitetura absolutamente moderna e radical, a galeria realizou expoSELECT.ART.BR
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sições para apresentação de sua coleção e algumas mostras monográficas de jovens artistas, como no caso dos norte-americanos ligados ao expressionismo abstrato. O fechamento da galeria, em 1947, é seguido pelo restabelecimento de Peggy na Europa, com a compra da chamada Villa Venier dei Leoni, em Veneza, onde ela passa a morar a partir de 1949 e morre em 1976. Sua villa é hoje sede da sua coleção e uma das sucursais do Museu Guggenheim de Nova York. Paralela às iniciativas de Peggy Guggenheim, a São Paulo do pós-Guerra seria marcada pela emergência de instituições ligadas à promoção da arte moderna que veio acompanhada da criação da primeira galeria de arte moderna na cidade. A
Galeria Domus, fundada pelo casal de aristocratas napolitanos Anna Maria e Paschoale Fiocca, foi criada com o apoio financeiro de Ferdinando Matarazzo (primo do mecenas Francisco Matarazzo Sobrinho, então presidente-fundador do MAM-SP) e teve, nos seus poucos anos de existência, papel fundamental no fomento a um colecionismo privado de arte moderna. O que é interessante no caso da Domus é a introdução de artistas estrangeiros em seu acervo e suas exposições, principalmente a promoção da arte moderna italiana. A pesquisa do jornalista José Armando Silva, recentemente publicada no livro Artistas na Metrópole: Galeria Domus 19471951 (Via Impressa), também objeto de uma exposição no
MAM-SP, até 30/4, certamente nos abre novas possibilidades de investigação sobre o colecionismo privado de arte moderna em São Paulo naqueles anos. Sabemos, hoje, que o casal Fiocca não tinha nenhuma experiência anterior com o comércio de arte, como muitos de seus contemporâneos na Itália, que, no imediato pós-Guerra, criaram um comércio de arte moderna como forma de sobrevivência – trocando bens de primeira necessidade (carvão, gás, alimentos etc.) por obras de arte. Embora esse não seja exatamente o caso dos Fiocca, sua inserção no ambiente da elite paulista como galeristas de arte moderna foi, para eles, uma alternativa de tentar uma nova vida no Brasil. FOTO: ARCHIVIO CAMERAPHOTO EPOCHE, CORTESIA PEGGY GUGGENHEIM
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A Galeria Domus teve uma atuação importante não só no fomento ao colecionismo privado de arte moderna, como também por vezes interveio na constituição do acervo do MAM. A promoção dos artistas paulistas (ligados ao ambiente do Sindicato de Artistas Plásticos de São Paulo) resultou em aquisições privadas que encontram reverberações em escolhas feitas para o MAM. É o caso das obras brasileiras que Francisco Matarazzo Sobrinho doara para o acervo inicial do museu, bem como o conjunto de obras do artista autodidata José Antônio da Silva – que teve contrato de exclusividade com a Domus. Nos mesmos anos em que Matarazzo comprou obras do artista, via galeria, José Antônio da Silva era lançado na Exposição de Pintura Paulista (1949), organizada pela Domus na sede do Ministério de Educação e Saúde (atual Palácio Gustavo Capanema), no Rio de Janeiro, e o MAM-SP preparava sua autobiografia, Romance da Minha Vida, para publicação.
Não seria possível pensar na formação dos acervos de museus de arte sem um colecionismo privado. Hoje esse colecionismo se institucionaliza na forma de museus corporativos e empresariais Peggy Guggenheim segura o móbile Arc of Petals (1941), de Alexander Calder, parte da coleção particular da mecenas
DO MUSEU AO ESPAÇO DE ARTE
Um terceiro exemplo, dessa vez mais contemporâneo, é o da coleção Würth, na Alemanha. A Würth é uma empresa inicialmente de estrutura familiar, fundada no segundo pós-Guerra e que cresceu com a reestruturação da economia alemã ao longo das décadas de 1950 e 1960. Embora tenha sucursais em todo o mundo, sua atuação é maior entre a Alemanha, a Áustria e a Itália. Ali, a Würth tem, junto às suas plantas de fábrica e escritórios, uma rede de espaços de exposição de arte, no formato do que os alemães chamariam de Kunsthalle, criando assim um circuito alternativo de exposições de arte moderna e contemporânea fora das grandes capitais culturais da Europa. O envolvimento com a promoção de arte moderna e contemporânea partiu do herdeiro da família, Rheinhold Würth, que, a partir da década de 1960, inicia uma coleção de arte moderna e contemporânea que hoje é composta de 17 mil obras de arte, e tem ao menos dois conjuntos representativos de trabalhoss: dos artistas Anthony Caro e Christo – sendo o primeiro amigo pessoal do colecionador. Em 2003, Würth adquiriu a coleção do príncipe de Fürstenberg, composta de obras primorosas de Old Masters, em especial de mestres alemães dos séculos 15 e 16. A aquisição ocorreu durante a construção e ampliação do Kunsthalle Würth, em Schwäbisch Hall, um burgo medieval na região da Suábia, sede de uma das principais fábricas da empresa. Em seu Kunsthalle, a empresa traz grandes exposições de artistas modernos e contemporâneos, presentes em sua coleção, mas lançando mão de empréstimos de museus de arte SELECT.ART.BR
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do mundo inteiro. Perto dele, funciona hoje a Johanniterkirche, uma pequena igreja medieval adaptada como espaço museológico para apresentação da coleção permanente do príncipe de Fürstenberg. Esses três exemplos levantam aspectos ainda inexplorados pela pesquisa em arte e seu sistema. Em primeiro lugar, e como já sugerido no início deste artigo, de que o colecionismo atual tem mais a ver com o colecionismo tradicional do que imaginamos. Além disso, de que não seria possível pensar na formação dos acervos de museus de arte sem um colecionismo privado. A diferença hoje talvez seja a de que esse colecionismo se institucionaliza na forma de museus corporativos e empresariais, complementando o papel dos museus nacionais públicos, ao continuarem a representar seus territórios/países. Citamos aqui Francis Haskell, um dos poucos especialistas que se interessaram pela história do colecionismo de arte. Seria necessário e importante retomar pesquisas nessa direção, para entendermos a constituição da narrativa de arte moderna e contemporânea, bem como a dimensão sociológica (se podemos assim chamar) e histórica da arte e seu sistema. Para finalizar, pensemos apenas em duas perguntas que emergem desses exemplos. Qual o papel que mulheres colecionadoras tiveram na história da arte e suas instituições? Em que medida o mundo empresarial se identifica com a figura do artista? FOTO: ARCHIVIO CAMERAPHOTO EPOCHE, CORTESIA PEGGY GUGGENHEIM
PODER
Por que os curadores
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são os mais valiosos intermediários nas transações do mercado de arte global
POUCOS MERCADOS SÃO MAIS ETÉREOS DO QUE O MERCADO DE ARTE CONTEMPORÂNEA. PELA NATUREZA DE SEUS PRODUTOS, MUITAS VEZES OBRAS DE ARTE IMATERIAIS, E PELA DIFICULDADE DE SE ENCONTRAREM BASES SÓLIDAS PARA DEFINIR CRITÉRIOS DE VALOR, ESSE MERCADO ACARRETA PROBLEMAS JURÍDICOS E ECONÔMICOS INTRINCADOS. Mes-
SUPERCURADORES FELIPE MARTINEZ
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mo com o recente desenvolvimento de indicadores e instrumentos para análise, a falta de solidez ainda persiste. A despeito disso, o mercado de arte mundial movimenta bilhões de dólares todos os anos, e passou por um vertiginoso crescimento nas duas últimas décadas. Tal crescimento se explica, em boa medida, pela modificação do perfil das grandes feiras de arte desde fins dos anos 90. Elas passaram então a contar ativamente com a presença de curadores e com inovações, cuja intenção seria afastá-las de seu caráter puramente comercial. Nesse processo, grandes feiras, como a ARCO ou a Art Basel, foram as primeiras a criar seções especiais com curadoria específica.
Organizaram também palestras e debates com personalidades do mundo artístico como parte de sua estratégia de mercado, tornando-se grandes eventos capazes de rivalizar com os principais acontecimentos do calendário artístico mundial. Situação que parece oferecer às obras à venda uma aura de sofisticação e inteligência, agregando valor aos produtos disponíves. Desse modo, a presença dos curadores nas grandes feiras de arte foi um passo fundamental para elevá-las do puro e baixo comércio para as alturas de sofisticados eventos artísticos. Assim funcionam hoje as grandes feiras como a londrina Frieze ou a Art Basel, importantes nesse circuito: elas contam com debates sobre arte, dos quais participam destacados nomes do cenário mundial. Entretanto, mesmo com o aspecto de importantes espaços para a discussão de ideias e tendências na arte contemporânea, as feiras de arte têm como objetivo último o comércio das obras. A reflexão existe, mas comprometida pela íntima associação entre uma coisa e outra.
FOTO: CORTESIA ART BASEL
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A última edição da Art Basel Miami Beach, ocorrida no fim de 2016, teve como principal atração a presença do todo-poderoso curador suíço Hans Ulrich Obrist, responsável por organizar conversas e debates com artistas que considerava importantes. Não por acaso, Obrist figura no topo do tradicional ranking dos mais poderosos do mundo da arte, estabelecido pela revista Art Review (Obrist já havia ocupado o primeiro lugar em 2009 e, desde então, nunca deixou o Top 10). O curador, célebre por sua incansável rotina de trabalho e por utilizar as redes sociais, como o Instagram e o Twitter, divulgando as ideias e os artistas pelos quais se interessa, recentemente declarou em entrevista ao jornal The New York Times ser um curador de “intenções, ideias e artistas” mais do que de obras de arte. Assim, seu interesse primordial são os artistas, suas ideias e suas intenções: as obras vêm depois. O curador incorpora a criação ajudando a transformar intenção em arte. A declaração de Obrist é reveladora dos caminhos da arte na modernidade. Os objetos artísticos e os suportes tradicionais foram para o segundo plano. Com isso acentua-se uma importante característica já presente no mercado de arte desde o século 19: a valorização da subjetividade dos artistas em detrimento da materialidade das obras. Tal princípio já aparecia nas práticas comerciais de Paul Durand-Ruel, o grande marchand dos impressionistas. Ele promovia a subjetividade de seus artistas como um valor em si, de modo que era mais importante ter “um Monet” do que uma “simples” paisagem pintada pelo artista. Desse modo, a importância da subjetividade criadora vem antes do próprio objeto na definição dos valores das obras. Ironicamente, SELECT.ART.BR
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Acima, obras de Alicja Kwade e Pedro Cabrita Reis (respectivamente) na concorrida abertura da seção Unlimited da Art Basel 2016; na página ao lado, Hans Ulrich Obrist, que se autodefine “um amador de intenções, ideias e artistas”
vale lembrar o velho tema iniciado no romantismo e muito presente na arte conceitual do século 20: a fuga do objeto arte como fuga da arte mercadoria, ideia, por exemplo, presente no manifesto do Grupo Fluxus de 1963. VASARI CONTEMPORÂNEO
É significativo de nossos tempos que Obrist tenha lançado sua Vida dos Artistas, Vida dos Arquitetos” nome que imediatamente remete à obra de Giorgio Vasari, lendário historiador do Renascimento. Sem nenhuma formação em História da Arte, Obrist, assim como Vasari, representa o homem de seu tempo escrevendo sobre os artistas e a arte de seu tempo. A figura de supercuradores como Obrist não pode ser compreendida
Diferentemente de um consultor de mercado, o curador não somente tem grande importância na identificação de quais ativos devem ser comprados, mas é capaz de agregar valor à própria arte
sem que se entenda a dinâmica do mercado. Ainda que não ajam diretamente em galerias comerciais, as opiniões que exprimem e as tendências que ditam têm o poder de direcionar e balizar a atribuição de valor às obras de arte, já que indicam quais artistas – e não obras, é bom lembrar – são promissores ou não. Na prática, ser o curador de ideias e intenções é poder definir quais ideias e quais intenções são dignas de ser artísticas e, por conseguinte, de adquirir valor de mercado. Diferentemente de um investidor ou um consultor de mercado, o curador não somente tem grande importância na identificação de quais ativos devem ser comprados ou destacados, mas também é capaz de agregar valor à própria arte.
O exemplo de Obrist faz pensar se há limite para a atuação de curadores no mercado, e de que modo os curadores atuais passam, cada vez mais, a assumir o papel de um broker, capaz de definir valores e padrões de mercados e – por que não? – de se beneficiar diretamente dos valores transacionados. Informações a esse respeito, entretanto, são escassas e persiste a atmosfera obscura sobre os valores e os participantes das transações. O mercado de arte é um mercado com pudores a respeito de sua própria natureza comercial, como se a arte importasse mais que o dinheiro. O texto que introduz o ranking dos 100 mais poderosos da revista Art Review, no qual Obrist ocupa o primeiro posto, diz sem subterfúgios que essa classifiFOTOS: REPRODUÇÃO, FLICKR/ CORTESIA ART BASEL
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Fachada da Serpentine Gallery, em Londres
cação se destina a revelar quem decide qual tipo de arte será visível ou não e, portanto, quem é o mais poderoso ao definir os valores estéticos e monetários da arte nos dias de hoje. Não é preciso grande esforço intelectual para entender que ambos – estético e monetário – são indissociáveis. Assim, a aparência progressista dos discursos de curadores e a roupagem sofisticada das galerias são parte de uma estrutura de produção e comercialização de obras de arte em nossos dias. Na lista dos poderosos da revista Art Review deste ano aparecem os nomes brasileiros da galerista Luisa Strina e do trio formado por Felipe Dmab, Pedro SELECT.ART.BR
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Em um mundo onde curadores têm o poder de legitimar ideias e intenções, nem todo mundo é artista, ao contrário do que diz a máxima de Joseph Beuys
Mendes e Matthew Wood, responsáveis pela galeria paulistana Mendes Wood DM (respectivamente, posições 57 e 91), todos diretamente ligados ao mercado e entendidos não exatamente como galeristas, mas como uma espécie de viabilizadores da arte. O poder dos curadores não traz benefícios somente no que diz respeito às questões de mercado. A visibilidade e o status de Hans Ulrich Obrist foram, sem dúvida, benéficos à galeria Serpentine, instituição da qual é diretor artístico, e que teve um expressivo acréscimo no número de visitantes nos últimos anos. Recentemente, algo parecido ocorreu em terras brasileiras com o atual diretor artístico do Masp, Adriano Pedrosa, presente três vezes na lista dos poderosos da Art Review (2012, 2014 e 2015). É inegável que a visibilidade de Pedrosa tenha contribuído para a reestruturação do museu paulista. Um erro comum ao analisar o mercado de arte contemporânea é a ingênua separação entre mundo artístico, no qual o curador supostamente deve agir, e mundo comercial, território de colecionadores e galeristas. Na arte do século 21, os dois mundos estão intimamente conectados e não se pode entender um sem que se entenda o outro. Antes de ser uma questão ética, a centralidade da figura do curador na dinâmica do mercado de arte é um sintoma da própria importância do mercado para o funcionamento do sistema das artes. Em um mundo onde curadores têm o poder de legitimar ideias e intenções, nem todo mundo é artista, ao contrário do que diz a máxima de Joseph Beuys, e nem toda arte pode ser vendida. Trata-se, sem dúvida, de um poder de mercado capaz de dar inveja a qualquer investidor ou agência de risco. FOTO: JOHN OFFENBACH, SERPENTINE GALLERY
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INSTITUIÇÕES
Com históricos recentes de trocas de bastão, projetos suspensos e XX
encerramento de atividades, quais os desafios que as instituições brasileiras enfrentarão em 2017
DANÇA DAS CADEIRAS
Na pág. ao lado, Lorenzo Mammi e nesta, Cauê Alves, respectivamente, diretores artísticos do Instituto Moreira Salles e do MuBE XX
DA N I E L A B O U S S O
NO FIM DE 2016, A PINACOTECA DE SÃO PAULO ANUNCIOU O NOME DE JOCHEN VOLZ COMO DIRETOR-GERAL E AGRADECEU A CONTRIBUIÇÃO DE TADEU CHIARELLI POR DOIS ANOS À FRENTE DO MUSEU. ELE AGORA REASSUME A FUNÇÃO DE PROFESSOR EM TEMPO INTEGRAL NA USP, ONDE LECIONA HÁ 35 ANOS. Volz assume o
cargo em maio, com a missão de dar continuidade ao trabalho de Chiarelli e avançar um passo em relação à internacionalização da Pinacoteca. Mas são poucos os casos, hoje, em que a mudança reverte a favor das instituições. O reflexo da bagunça generalizada em que o País mergulhou em 2016 é visível em museus com escassez de recursos. Há uma dose ampliada de tropeços e dificuldades de Norte a Sul. No Rio de Janeiro, no primeiro semestre de 2016, a Secretaria de Cultura do Estado rompeu o contrato de gestão com a OCA Lage, organização social de cultura que regia a Escola de Artes Visuais do Parque Lage e a Casa França-Brasil, e o diretor-executivo Marcio Botner deixou o cargo. Lisette Lagnado, que entrou a convite de Botner, permaneceu como diretora artística e o curador Pablo León de La Barra deixou a Casa França-Brasil. Marcelo Campos assumiu. Crise instaurada, o repasse de recursos às duas instituições volta a ser SELECT.ART.BR
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de responsabilidade exclusiva do estado do Rio de Janeiro, hoje falido. De La Barra não chegou a completar um ano de atuação independente: neste último fevereiro, foi nomeado curador do MAC Niterói, ao mesmo tempo que Marcelo Velloso assumiu a diretoria. O Museu de Arte do Rio (MAR) também perdeu seu diretor artístico, Paulo Herkenhoff, no segundo semestre de 2016 e em seu lugar assumiu Evandro Salles, com a perspectiva de continuar o seu trabalho. Em abril, Luiz Camillo Osorio deixou a curadoria do MAMRJ e o crítico Fernando Cocchiarale passou a dividir a direção artística nas artes visuais com a curadora Fernanda Lopes. Para Cocchiarale, que já havia sido curador do MAM-RJ entre 2001 e 2007, “essa gestão está sendo uma nova experiência e há curadores de outras áreas, como cinema e design, além da reestruturação dos setores de pesquisa e documentação. A ideia é dar ênfase às coleções do MAM, de Joaquim Paiva e de Chateaubriand, além de projetos de exposições temporárias e programas de curadores convidados. Talvez dois por ano, mas isso dependerá de recursos”, diz à seLecT. PAULICEIA DESVAIRADA
Em São Paulo, André Sturm, diretorFOTOS: PAULO D’ALESSANDRO
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As atuais gestões do MuBE e do IMS são exemplos
O Brasil sofre de descontinuidade crônica - seja em
raros de profissionalização de museus e espaços de
projetos sociais e educacionais, que deveriam ser de
arte contemporânea entre nós
longo prazo, seja no meio cultural e artístico - e a ação das organizações sociais é duvidosa
-executivo da OS de cultura que rege o MIS e o Paço das Artes, deixou o cargo para assumir como secretário municipal de Cultura – passando a bola para o diretor-administrativo Jacques Kahn e a cineasta Isa Castro (programação do MIS). Em março de 2016, o governo de São Paulo forçou a saída do Paço das Artes do edifício que a instituição ocupava na USP, para desenvolver uma fábrica de vacinas. O espaço permanecia lacrado e vazio até o fechamento desta edição (fevereiro de 2017) e a diretora artística Priscila Arantes trabalhava dividindo sua programação entre os espaços do MIS, da Oficina Oswald de Andrade e ações desenvolvidas junto ao projeto Ocupação Cambridge, no Centro de São Paulo. O Museu de Arte Contemporânea da USP (MAC-USP), que ficou por mais de um ano sob direção interina da curadora Katia Canton, finalmente ganha um rumo mais claro com a direção geral de Carlos Roberto Ferreira Brandão. E a antiga sede do museu na Cidade Universitária está agora sob a coordenação dos departamentos de Artes Plásticas, Música e Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes (ECA), onde foi inaugurado, em janeiro último, o Espaço das Artes. As curadorias das exposições inaugurais do novo espaço ficaram a cargo dos artistas e professores da ECA, Marco Giannotti, Dora Longo Bahia e Mario Ramiro.
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“Este é um projeto que estamos curtindo muito, pois as instalações do antigo MAC representam um dos melhores espaços expositivos da cidade. A questão vai ser como manter isso em pé. Inauguramos uma mostra de ex-alunos da pós em novembro e a mostra anual dos formandos em dezembro. Mesmo com pouco, estamos conseguindo fazer direito esse trabalho”, conta Ramiro à seLecT. Sem horizonte ficou o Museu da Língua Portuguesa, que perdeu o diretor de programação Antonio Sartini – sem substituição –, uma vez que a sede do museu na Estação da Luz foi dizimada por um incêndio em 2015.
Temos aí o exemplo do esforço pessoal da diretora Beth da Matta, mas hoje isso é insuficiente para a construção de um plano museológico que permita escolhas de programação. Em Porto Alegre, Fabio Coutinho, superintendente cultural da Fundação Iberê Camargo, atribui o abalo na estrutura financeira da instituição à crise política e econômica pela qual passa o País. “Os patrocinadores estão tendo prejuízo e fica difícil fazer aportes com dinheiro incentivado. Um dos nossos problemas na gestão cultural é a falta de uma política de Estado”, diz Coutinho à seLecT. O projeto educativo segue de pé e o foco da gestão continua sendo o acervo, cujas obras já estão digitalizadas. Já mostras concebidas com três anos de antecedência, como exposições de Joaquín Torres Garcia, William Kentridge e Regina Silveira, estão suspensas. O museu praticamente fechou suas portas ao público, e abre apenas às sextas e sábados. Após várias demissões conta agora com 45 funcionários.
VELHOS PROBLEMAS
O Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães (MAMAM), no Recife, é outro caso de instabilidade. A atual diretora, Beth da Matta, assumiu em 2009 com o museu fechado ao público, em meio a uma reforma paralisada. Passando por cima da frustração pela total ausência de recursos por parte das políticas públicas, ela retomou a reforma e reabriu o museu apenas com o térreo em funcionamento. O MAMAM mantém-se aberto com doações de obras de artistas, com o edital do Prêmio Marcantônio Vilaça e com contrapartidas que advêm de parcerias com outras instituições que oferecem mostras itinerantes, as quais custeiam novas exposições de artistas locais.
NOVAS PERSPECTIVAS
Acima, Fernando Cocchiarale, que reassumiu a direção artística do MAM-RJ com a saída de Luiz Camillo Osorio; ao lado, Pablo León de La Barra, novo curador do MAC Niterói
No último dia 25 de janeiro, a Pinacoteca de São Paulo anunciou a inauguração em 2018 de sua terceira sede, a Pina Contemporânea. Diretoria e conselho do museu estudam propostas inovadoras para o futuro espaço, que estará dentro do Parque da Luz, a 50
metros de distância da Pinacoteca. “A ideia é que os artistas se aproximem do dia a dia do museu e que eles possam compartilhar experiências de forma inédita”, informou Chiarelli, ainda que os planos sejam embrionários. Dois espaços promissores tomam impulso em 2017. Com previsão de abertura no segundo semestre, a nova sede paulistana do Instituto Moreira Salles (IMS) parece um sonho no cenário cultural brasileiro. Com 1,5 mil metros quadrados distribuídos em três andares, o edifício projetado pelo Escritório Andrade Morettin foi pensado de forma a trazer a rua – a Avenida Paulista, com suas várias tribos – para o interior. Focado em fotografia, música, cinema e literatura, o IMS tem curadoria do crítico Lorenzo Mammi, agora com a missão de homogeneizar a programação das sedes carioca e paulista. “Será uma ampliação do que fazemos no Rio e não uma ruptura. Não haverá exposições blockbuster. Nosso orçamento não é grande, mas é fixo e vai manter-se por 40 anos, a partir de um fundo aportado pela família Salles e de novos aportes realizados pelos filhos”, diz Mammi à seLecT. “A instituição poderá manter-se com os juros de longo prazo. Isso nos permite trabalhar em projetos de fôlego, planejados com dois anos de antecedência. Mas há uma regra estatutária: não utilizamos dinheiro público, é isso que nos permi-
FOTO: CORTESIA MAM-RJ/ CORTESIA QUIEN MAGAZINE MÉXICO
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À esq., simulação de ambiente interno da nova sede do Instituto Moreira Salles na Avenida Paulista; à dir., detalhe do MuBE
te tomar o tempo necessário para cada projeto.” Com essas palavras, Mammi, sem dúvida, acalenta o desejo de muitos profissionais de museus brasileiros. O IMS pretende agora tratar a fotografia como um universo expandido. Lorenzo afirma que não haverá mais distinção entre foto, vídeo, cinema e internet, e que essa questão será tratada, teórica e conceitualmente, também em oficinas. São três os desafios: mostrar a fotografia brasileira a partir do acervo de mais de 2 milhões de imagens, em exposições transversais; abolir as fronteiras entre os meios; exibir obras internacionais, como The Clock, de Christian Marclay, que abre a instituição na segunda semana de julho. O novo MuBE é a segunda promessa do ano, com o projeto de repensar a tridimensionalidade no Brasil contemporâneo. Depois de uma transição que durou uma década, o estatuto do museu foi redesenhado por Flavia Velloso, em 2016. Entraram no Conselho as colecionadoras Cleusa Garfinkel e Karla Meneghel, que convidaram o curador Cauê Alves para a direção artística. “Fundamental construir acervo e programação seguidos de um plano museológico”, diz Alves à seLecT. “Hoje,
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o MuBE tem um acervo de apenas oito obras que permaneceram na área externa do museu por 20 anos. Serão restauradas e estarão em projetos de itinerância para outras cidades. Pretendemos integrar o museu à cidade, um contato mais franco com o espaço que explore a relação da paisagem de Burle Marx com a arquitetura e a tridimensionalidade.” Cauê Alves pensa na construção de um acervo de obras-projetos. “A não fisicalidade do acervo é uma das linhas, mas não a única. Vamos pensar o educativo como parte do trabalho curatorial”, diz. Para gerar receitas, os conselheiros devem fazer um aporte anual de recursos à instituição, além de leis de incentivo e eventos nos intervalos das exposições. As atuais gestões do MuBE e do IMS são exemplos raros de profissionalização de museus e espaços de arte contemporânea entre nós. Sabemos que o Brasil sofre de descontinuidade crônica – seja em projetos sociais e educacionais que deveriam ser de longo prazo, seja no meio cultural e artístico – em que a ação das organizações sociais é duvidosa. Mas propostas como essas, amparadas pela sociedade civil, dão um sabor de esperança à geleia geral em que o Brasil patina.
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FOTOS: CORTESIA DO ARTISTA/ GALERIA NARA ROESLER
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E MALFATTI CRIOU O MODERNISMO Retrospectiva mostra pioneirismo da pintora que, a despeito das críticas, esteve sempre à frente de seu tempo “Anita Malfatti é uma artista que todos conhecem... mas ninguém conhece”, diz Regina Teixeira de Barros, curadora da exposição em cartaz no MAM de São Paulo. Ela tem razão. É célebre a história da crítica ferrenha que Monteiro Lobato fez à primeira exposição da artista, da qual ela nunca teria se recuperado. Pois a história prova que ela não só se recuperou como demonstrou que, com sua pintura primorosa, não foi mera coadjuvante do modernismo de Oswald e Mário de Andrade, mas sim sua fundadora. Parece estranho que os dois artistas com quem Malfatti formou o Grupo dos Cinco (unidos ainda a Menotti del Picchia e Tarsila do Amaral) tenham se tornado mais famosos do que aquela que foi a inspiração de todos eles. Inclusive da Semana de Arte Moderna de 1922, na qual ganhou lugar de destaque no saguão do Theatro Municipal, com um bom conjunto de suas telas e desenhos. Todas essas histórias estão na retrospectiva, um percurso cronológico que mostra como a pintora esteve à frente de seu tempo mesmo para negar as premissas que antes seguiu. A pincelada errática e o domínio da técnica flertaram com quase todas as vanguardas SELECT.ART.BR
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Anita Malfatti: 100 Anos de Arte Moderna até 30/4, Museu de Arte Moderna de São Paulo, Parque do Ibirapuera (Av. Pedro Álvares Cabral, s/nº – Portão 3) www.mam.org.br
europeias da primeira metade do século 20, até transgredir a norma culta. Nos anos de formação na Alemanha e nos EUA, absorveu as cores do fauvismo e aplicou em paisagens vibrantes, e exportou o impacto do expressionismo e do cubismo aos nus e retratos. Aventurou-se na gravura em metal e refinou em desenhos o traço da mão esquerda (tinha um defeito congênito na mão direita que a forçou a se tornar canhota). Quando foi estudar em Paris, entre 1923 e 1928, graças a uma bolsa do Pensionato Artístico do Estado de São Paulo, retomou um virtuosismo de acento acadêmico que pareceria demodé a muitos dos modernistas, mas não a ela, que cotejava os cânones clássicos e modernos sem perder a mestria. Finalmente, já nas últimas décadas de sua vida, ao tomar contato com a obra de Heitor dos Prazeres e José Antônio da Silva, enveredou pelo naïf sem cerimônia, buscando uma pintura livre. Mulher e artista precursora, Malfatti não se deixou acomodar no traço mais fácil ou consagrado, desafiando a todo tempo a vanguarda do momento. A amostragem ampla que o MAM-SP traz a público agora, passados cem anos da primeira exposição de arte moderna (a individual de 1917 duramente atacada por Monteiro Lobato), fortalece a sigla do museu e mostra que só o tempo compreende de fato aqueles que a ele se adiantam. Não admira que galeristas afirmem que a arte brasileira ainda não foi plenamente valorizada pelo mercado internacional. Anita Malfatti não deve nada aos estrangeiros de seu tempo. LPN
Retrato de Mulher (estudo para A Boba, 1915-16); na outra pág., detalhe de Academia XI, c.1917
FOTOS: LEONARDO CRESCENTI, COLEÇÃO MUSEU DE ARTE BRASILEIRA, MAB-FAAP/ ROMULO E VALENTINO FIALDINI
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LIVROS
SÃO PAULO
FELIZMENTE, AINDA ENIGMÁTICA LUANA FORTES
Individual celebra 20 anos de parceria entre Vânia Mignone e a Casa Triângulo, mostrando a capacidade da artista de permanecer na zona do mistério Para escrever sobre uma exposição, uma conversa com o artista pode ser proveitosa. No entanto, no caso da nova individual de Vânia Mignone, sua décima na galeria, a atmosfera de incertezas que seu trabalho propõe indicou que talvez não fosse esse o melhor caminho. Saber, por exemplo, que seu recorrente fundo preto monocromático pode ser influência de um antigo manto de sua avó, apesar de não apresentar respostas exatas, poderia soar um tanto esclarecedor. SELECT.ART.BR
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Como afirma Felipe Scovino no texto curatorial da exposição, a produção de Mignone “tem sua força precisamente por nos ofertar mais dúvidas do que certezas”. E nas novas séries de pinturas apresentadas agora, permanece essa qualidade. Enquanto algumas indicam possíveis narrativas ao serem exibidas como polípticos, não é possível perceber uma clara linha narrativa, mas sim indicativos que deixam o público num lugar de especulação. Talvez no conjunto de pinturas que relata o incêndio de um circo esse mistério não tenha se apresentado com muita ênfase, visto que três frases indicam um claro acontecimento. São elas: “O circo queimou”, “Queimou”, “Queimou a tarde inteira”. Mas, em contraposição, qualquer um dos grupos de pinturas apresentados na sala ao lado pode deixar uma pessoa postada à sua frente por horas. É evidente que, além disso, existem enlaces entre a obra de Vânia Mignone e outros universos. A maneira pela qual a artista vem construindo e exibindo seus trabalhos assemelha-se à montagem de uma sequência de frames no cinema. Ou podese pensar a respeito do papel da mulher no mundo contemporâneo a partir daquelas que protagonizam muitas de suas obras. No entanto, fora uma paleta de cor um pouco distinta, que agora conta com laranja, lilás, azul e marrom, não parece haver mudanças na poética da artista. Ao certo, Vânia Mignone ainda dedica sua pesquisa ao mistério e à imprecisão. Felizmente, trata-se de um terreno que ainda pode muito ser explorado, pois, mais uma vez nas palavras de Felipe Scovino, a potência da artista no meio da pintura “se faz por ser um eterno enigma”.
Na página ao lado, Vânia Mignone, Sem Título, 2016
AS REGRAS DO JOGO ANA LETÍCIA FIALHO
Individual Vânia Mignone, Casa Triângulo, até 25/3, Rua Estados Unidos 1.324, www.casatriangulo.com
O mercado de arte parece estar finalmente se constituindo como um campo de estudos no Brasil, tendo em vista o crescente número de seminários, cursos, pesquisas (acadêmicas ou não) e publicações que surgiram nos últimos anos. A contribuição mais recente à bibliografia nacional é Arte e Mercado no Brasil. Às vezes com rigor acadêmico, mas em geral em tom mais ensaístico, os 15 autores apresentam reflexões sobre o mercado de arte, o sistema da arte e a produção artística no Brasil, amalgamadas em um elegante projeto editorial, bilíngue e ilustrado. A escolha e disposição das obras não é aleatória, e contou com o experiente olhar de Paulo Herkenhoff, de forma a realçar o que há de melhor na produção artística brasileira (e no mercado). Herkenhoff contribui também com um provocativo glossário/prefácio, onde se apropria de jargões da economia e do marketing para falar “do sistema da arte e algumas condições do jogo do mercado, a fim de evidenciar suas contradições e obscuridades”. Discordo do autor em apenas um ponto – as regras do mercado estão, sim, dadas; a questão é que elas raramente são explicitadas com tanta clareza, inteligência e senso de humor: os artistas bem sucedidos, por exemplo, são “administradores de ativos” que dominam técnicas de “marquetagem” e “styling”, segundo Herkenhoff. Já a “Lei de Lygia Pape” trata das trocas desiguais no processo de construção de uma história da FOTOS: EDOUARD FRAIPONT
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arte ainda hoje desfavorável aos agentes (e ao pensamento) oriundos da periferia internacional. De fato, tal desequilíbrio é ainda mais evidente se considerarmos o alto grau de internacionalização do mercado e dos artistas brasileiros, e a baixa circulação internacional do pensamento crítico produzido no Brasil. Tal questão-chave reaparece com propriedade nos textos de Frederico Coelho e Daniela Labra, e ressalta a importância de publicações bilíngues como esta. Felipe Scovino e Lígia Canongia revisitam uma produção artística hoje altamente valorizada pelo mercado nacional e internacional (concretismo, neoconcretimo, arte-política, anos 1980), mas surpreendentemente pouco se detêm sobre a relação dos artistas com o mercado nos respectivos períodos, ou na atualidade. Já Frederico Coelho, ao tratar dos artistas dos anos 2000, aponta a força crescente do mercado como elemento determinante da produção, juntamente com a mundialização (também relacionada ao mercado), o acesso à tecnologia e o aumento de um viés acadêmico no campo das artes. Sua contribuição é singular e particularmente interessante quando distancia-se de assertivas comuns e óbvias – que atribuem ao mercado apenas o estímulo à produção e circulação da arte contemporânea –, e sugere que a poética contemporânea está impregnada por um contexto onde o mercado assumiu um protagonismo inédito. Coelho tem razão ao afirmar que cabe ao campo das artes criar o contraponto crítico, apontando limites e usos distorcidos de uma nova situação internacional da arte brasileira. Entre os artigos com um foco mais centrado no SELECT.ART.BR
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Arte e Mercado no Brasil, org. César Cunha Campos, FGV Projetos, 375 págs., 2016
mercado, cabe sublinhar a contribuição de Silvia Finguerut para um melhor entendimento de diferentes instâncias, agentes, dinâmicas e interações do setor com as outras esferas do sistema da arte. Vale também mencionar a proposta da equipe liderada pelo economista Fernando Blumenschein de construir uma metodologia de base econométrica para análise de precificação e taxas de retorno de artistas brasileiros. A fonte e o espectro de análise são ainda demasiadamente limitados (33 leilões realizados por Evandro Carneiro entre 2003 e 2014), mas o modelo é interessante e eventualmente poderá contribuir para uma análise do potencial do mercado brasileiro como instrumento financeiro. Finalmente, cabe lembrar que o projeto do livro foi concebido ao final de um período de grande dinamismo, crescimento e internacionalização do mercado de arte brasileiro, mas sua publicação ocorreu já em um contexto distinto, de uma crise econômica que atinge fortemente o campo da cultura. Nesse sentido, as importantes contribuições de Daniela Labra e Silvia Finguerut mereceriam uma atualização. Seria interessante investigar a internacionalização da produção e do mercado brasileiros frente a crise, tendo em conta, por exemplo, a crescente presença da arte brasileira em coleções públicas e privadas no exterior, o aumento de quase 100% das exportações das galerias do mercado primário em 2015, o fenômeno inédito da abertura de filiais de galerias brasileiras no exterior, todos amplamente noticiados mas até agora pouco analisados. Um outro aspecto que nos parece fundamental e que ainda não foi tratado adequadamente diz respeito à relação dos artistas com o mercado, do ponto de vista dos artistas. A boa notícia é que Arte e Mercado no Brasil dará origem a uma coleção dedicada ao tema, e novas abordagens e reflexões poderão ser contempladas, de forma a tornar o mercado da arte não só menos obscuro, mas também sujeito a análises críticas consistentes.
LIVROS
DIVINA COMÉDIA BAIANA PAULA ALZUGARAY
Instalação de Camila Sposati na III Bienal da Bahia dá origem a nova obra, na forma de uma publicação Teatro da Pedra começa mudo, silencioso, sem uma palavra de texto. Abre com imagens de um buraco de onde saem vapores e de uma estrutura em caracol que desce ao fundo da terra e imediatamente remete ao Inferno de Dante. Imagens de referência (o Leviatã em gravura antiga, por exemplo) e desenhos preparatórios vão ajudando a compor a ideia de que o espaço retratado equivale a um teatro de arena. No avançar das páginas, aparece uma frase ou outra. Dark water. Theather of the water. Theather of the whole world. Uma página dedicada à ficha técnica do Teatro Anatômico da Terra confere a dimensão da multiplicidade de vozes que deram vida ao trabalho realizado por Camila Sposati na III Bienal da Bahia, em 2014. Ali são listados músicos, engenheiros, curadores, dançarinos, conselheiro espiritual, vice-prefeito, historiador da medicina, pedreiro, benfeitor etc. Essas páginas com registros visuais do Teatro Anatômico da Terra – uma arena escavada até 6 metros do chão, nos fundos de uma casa colonial em ruínas na ilha de Itaparica, Salvador – são apenas o prólogo da publicação. Na página seguinte tem início o propriamente dito Teatro da Pedra. O que vem a seguir não pode ser definido como catálogo, monografia ou ensaio, embora seja um pouco de cada coisa. Mas ganha camadas de sentido se entendido como o novo trabalho de Sposati, artista que se expressa em diversas linguagens – vídeo,
Teatro da Pedra, de Camila Sposati, Iluminuras, 112 págs., 2017, R$ 55
intervenção, escultura, desenho, instalação. Desta vez, ela se expressa na forma de um livro. Teatro da Pedra remonta à pesquisa dos últimos dez anos, dissecando os meandros do seu interesse pela química e os processos de transformação da matéria. Em textos assinados pela própria artista, o curador Marcelo Rezende, o antropólogo Frédérick Keck, o médico Paulo Rosenbaum, ou na entrevista entre Sposati e o químico André Sella, o livro tem a mesma pujante multiplicidade de vozes que passaram pelo Teatro Anatômico da Terra, na Bahia. E convida o leitor a se debruçar e a se fascinar sobre a pedra bruta da ideia artística, antes de ser lapidada e desdobrada em tantos trabalhos. FOTOS: DIVULGAÇÃO/ RICARDO VAN STEEN
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LIVROS
CORPO EM CÓPIA
LIVROS
ENSAIO SOBRE O PRECIOSISMO Livro-obra de Thiago Honório provoca reflexão sobre dinâmicas de valorização da arte Se a obra de Thiago Honório fosse apresentada em um livro de conceitos e procedimentos de trabalho, o ato de colecionar seria o prólogo. Todo seu pensamento artístico começa nos gestos de selecionar, apropriar, organizar e guardar. O tempo de incubação de uma coleção, até que suas peças sejam submetidas a operações de triagem, corte, edição e montagem, é muito variável. É impossível discernir o tempo e os percursos que levaram o artista a reunir 39 estojos das mais diversas procedências para a elaboração do livro-obra {[()]}. A vertigem suscitada pelo tempo condensado no objeto é comparável ao avanço de páginas que reproduzem estojos vazios, sem nenhuma expectativa de qualquer conteúdo guardado SELECT.ART.BR
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Perspectiva interna do livro publicado pela Ikrek Edições
{[()]} – Entre chaves, colchetes e parênteses, de Thiago Honório, Ikrek Edições, Edição de 500 cópias, 2016
entre chaves, colchetes ou parênteses. Nesse jogo de penetração proposto no livro-obra, subentende-se que “o mais profundo é a pele” – epígrafe oculta do trabalho. A presença fantasmagórica dos objetos retirados de seus estojos – impressa nas marcas de talheres, lápis, colares, relógios, brincos, canetas, tinteiros, pulseiras etc. – equivale à pátina de tempo e de uso, que envolve as ferramentas de trabalho colecionados para a realização de outro trabalho, recentemente exposto no Masp. A julgar pela delicadeza dos materiais que revestem as caixas, subentende-se ali uma coleção de objetos valiosos ausentes. Essas caixas de antigos tesouros, assim como fazia o trabalho Menos-Valia [leilão] (2010) de Rosângela Rennó, fazem pensar sobre dinâmicas de perda e agregação de valor – afetivo ou monetário. O livro-obra de Honório parte do preciosismo do conteúdo – quando a caixa estava cheia – passa pelo esquecimento do objeto esvaziado e chega até sua revalorização, agora convertido em um lindo e desejável objeto artístico. PA
Repetição é chave de leitura para obra em xerox, postal, fotografia e grafite de Hudinilson Jr. “Hudi, aqui está o texto pronto. Quanto ao seu, eu tomei a liberdade de revisá-lo criticamente, tendo em vista torná-lo mais conciso e menos repetitivo em algumas informações. Ramiro.” O bilhete do artista Mario Ramiro, companheiro no grupo 3NÓS3, um dos primeiros coletivos de que se tem notícia no Brasil, foi incorporado ao trabalho xerográfico Narcisse – Gesto III (1986) e está acessível na página 235 de Posição Amorosa – Hudinilson Jr., publicação que reúne texto ensaístico de Ricardo Resende e extensiva seleção de imagens de obras de Hudinilson Urbano Jr. (1957-2013). O bilhete chama atenção porque, mais que remeter aos procedimentos de trabalho ou aos vínculos pessoais e profissionais do artista, ele explicita uma chave de leitura da obra de Hudi, que é considerado hoje o pioneiro da arte xerox no Brasil. Essa chave é a repetição. Avançar sobre as 464 páginas desse inventário imprescindível é constatar a repetição como um mecanismo de vida e uma obsessão no trabalho. Estamos diante da reprodução do próprio corpo, sempre abraçado amorosamente às máquinas copiadoras; a repetição de um mesmo ângulo fotográfico, inúmeras vezes em uma mesma folha de papel; a repetição de um ícone em trabalhos diversos; a repetição de figuras grafitadas nas paredes da cidade; e, como não poderia deixar de ser, da nudez masculina em todos os campos de ação, em uma poética declaradamente homoerótica e pornográfica. Com esse gesto, o artista posicionava-se afirmativamente em
Posição Amorosa – Hudinilson Jr., de Ricardo Resende, org. Roberta Martinho, Itaú Cultural e WMF Martins Fontes, 464 págs., 2016, R$ 75
relação a uma discussão crucial na época: a relatividade entre cópia e original. O livro traz ainda uma oportuna contribuição à discussão inflamada em São Paulo nos primeiros meses da gestão de João Doria Jr. na prefeitura, ao abordar os primórdios da pichação e do grafite na cidade. Nos anos 1980, Hudi caiu na rua pichando a frase “Me beija”. Nas madrugadas, ao conhecer Alex Vallauri (autor da vedete A Rainha do Frango Assado), é introduzido à linguagem da máscara e do estêncil, do grafite. “Os grafites poéticos tinham um rendilhado e qualidade nos detalhes. Feitos nessa técnica, como a gravura ou o carimbo, poderiam ser repetidos infinitamente. Os desenhos eram uma declaração sensual e de amor à cidade”, escreve Resende. PA FOTOS: EDOUARD FRAIPONT/ RICARDO VAN STEEN
Cursos de Outono
EXPEDIENTE
A programação intensiva de cursos e oficinas de outono começa em março. Pense rápido e mãos na massa.
EDITOR E DIRETOR RESPONSÁVEL: DOMINGO ALZUGARAY EDITORA: CÁTIA ALZUGARAY PRESIDENTE-EXECUTIVO: CARLOS ALZUGARAY
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EDITORA RESPONSÁVEL: PAULA ALZUGARAY
Colecionar ar te moderna e contemporânea, com Ana Magalhães Origens e at u alidade do colecionismo
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Ar te e Mercado, com Felipe Martinez A lógica do Mercado de Ar te nos sécu los 20 e 21
Roseli Romagnoli Hassan Ayoub
Oficina de crítica e escrita sobre a r te,com Rafael Vogt Maia Rosa Exercícios práticos de introdução à crítica de ar te
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A família cresceu NOVA FEIRA EM SP
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Pouco antes de a ArtRio 2017 acontecer no segundo semestre, uma nova feira de arte vai surgir em São Paulo. O local: Hotel Unique. As datas: 17 a 20/8. Só vão entrar galerias convidadas (alguns se dizem “intimados”), todos os estandes serão pequenos e os organizadores vão interferir também na decisão de que obras de que artistas serão mostradas. E como serão mostradas. A razão é privilegiar o conjunto, além de evitar repetições. “Uma galeria que faz um trabalho ruim atrapalha os galeristas que estão fazendo um trabalho bom”, justifica Ricardo Sardenberg, diretor de programação da nova feira e representante da ArtBasel no Brasil, posição que ocupa há cerca de cinco anos. Os sócios da nova feira, que está sendo chamada de Semana de Arte, são os galeristas Luisa Strina, no mercado há mais de 40 anos, Thiago Gomide, sócio da galeria Bergamin & Gomide, e Waldick Jatobá, colecionador que dirige o evento de design MADE. Sardenberg, uma espécie de “curador” da nova feira, trabalhou com o colecionador Bernardo Paz até a inauguração do Inhotim. Também fundou e dirigiu a Editora Cobogó, antes de se tornar representante da ArtBasel, que opera feiras de arte muito bem-sucedidas na Suíça, em Miami e Hong Kong. A ArtBasel não está envolvida com a nova feira de São Paulo, mas a ideia surgiu exatamente na Basileia, numa conversa de almoço entre Strina, Gomide e Sardenberg. “Estávamos naquela loucura daquela feira, daquele tamanho, e a gente pensou: queríamos uma feira pequena, em que pudéssemos olhar tudo”, conta Strina. Sardenberg descreve a futura feira como “quase uma joiazinha, bem selecionada”. O plano é ter “no máximo 35 estandes: 32 de galerias, tanto do mercado primário quanto do secundário, inclusive galerias estrangeiras, e também um estande de joias, um de mobiliário e um antiquário”, conta ele. “Nossa feira tem um pouco essa ideia, que seja sortido”, diz Gomide. Se entrar será mais difícil, em compensação o preço do SELECT.ART.BR
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estande para o expositor será menor do que o cobrado pela SP-Arte. Ninguém terá presença eterna, para garantir novidades e qualidade. O curador procura ainda articular uma semana inteira de programação paralela, que vai divulgar exposições em instituições públicas e privadas, sem relação comercial com a feira. A ideia é “ativar o mês de agosto”, depois das férias de julho e no final das férias de verão do Hemisfério Norte. “As coisas estão de volta na cidade, o clima está frio, está seco, é um momento bom de se estar em São Paulo”, argumenta. Diferenças marcadas, Sardenberg faz questão de elogiar a SP-Arte. “Ela é a maior responsável pela ampliação e diversificação do mercado brasileiro. A SP-Arte é um sol e a gente é um satélite. A SP-Arte tem uma visão muito mais ampla de todo o mercado. A Semana é quase como uma feira para os profissionais da área, mais do que para o público em geral, embora não o exclua. A Semana já é uma consequência do que a SP-Arte construiu ao longo desses 15 anos”, diz. A SP-Arte foi a única feira do Hemisfério Sul a figurar em relatório internacional do The Art Newspaper do ano passado, entre os eventos mais importantes do mundo. “Tudo que contribuir para gerar mais vigor no mercado é bem-vindo”, fez questão de dizer a diretora da SP-Arte, Fernanda Feitosa, sobre a nova feira. A repercussão na ArtRio foi menos efusiva. “Não entendo a necessidade de outra feira, mas estou pouco informada”, diz Brenda Valansi, diretora da ArtRio. “Estamos caminhando para um formato de feira menor, com mais qualidade. Parece que esse é o formato que eles também estão propondo. Mas nunca quero ser vista como uma feira excludente – como foi divulgado que eles farão.” Da ArtRio, Sardenberg não fala. “Confesso que não vou há uns dois anos.” Luisa Strina continua a participar, já que o resultado tem sido positivo para ela, mesmo em um ano ruim como foi 2016. FOTO: JIMMY BAIKOVICIUS, FLICKR
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