1º Seminário Especial Estudos e Pesquisas em Educação em Ciências: textos selecionados

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O Ã IÇ D .E 2A 1º SEMINÁRIO ESPECIAL ESTUDOS E PESQUISAS EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS:

textos selecionados ORGANIZAÇÃO

Prof. Dra. Maria do Rocio F. Teixeira e Me. Michele Fanfa


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1º SEMINÁRIO ESPECIAL ESTUDOS E PESQUISAS EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS textos selecionados Organização Prof. Dra. Maria do Rocio F. Teixeira Me. Michele de Souza Fanfa

Porto Alegre 2a. Edição 2022

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ORGANIZAÇÃO Prof. Dra. Maria do Rocio F. Teixeira Me. Michele de Souza Fanfa

CONSELHO EDITORIAL

PROJETO GRÁFICO, DIAGRAMAÇÃO E PRODUÇÃO GRÁFICA Amanda Teixeira | Vinco estúdio

Anderson Zalewski Vargas Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Adriana Dorfman Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Hernan Venegas Marcelo Universidade Federal da Integração LatinoAmericana

REVISÃO E DIAGRAMAÇÃO Caroline Martello Filipe Armando Motta Michele Souza Fanfa Barbara Lopes Martins

Marcelo Jacques de Moraes Universidade Federal do Rio de Janeiro Márcio Silveira Lima Universidade Federal do Sul da Bahia

REVISÃO DA 2A. EDIÇÃO Ronaldo Machado | Letra1

Miriam Gárate Universidade Estadual de Campinas Regina Coeli Machado e Silva Universidade Estadual do Oeste do Paraná

S471t

Seminário Especial de Estudos e Pesquisas em Educação em Ciências (1: 2020 : Porto Alegre, RS). Textos selecionados do 1. Seminário Especial de Estudos e Pesquisas em Educação em Ciências, 03 e 04 de dezembro de 2020, Porto Alegre, RS / organização [de] Maria do Rocio Fontoura Teixeira. – 2a. edição – Porto Alegre: Editora Letra1, 2022. 296 p. : il. color. ; 15,5 x 22 cm Inclui bibliografia. ISBN: 978-65-87422-25-1 DOI: 10.21826/9786587422251 1. Ciência – Estudo e ensino 2. Pesquisa educacional 3. Abordagem interdisciplinar do conhecimento na educação I. Teixeira, Maria do Rocio Fontoura, org. II. Título CDU 371.3:5 CDD 507

Bibliotecário responsável: Filipe Xerxeneski da Silveira – CRB-10/1497

www.editoraletra1.com.br CNPJ 12.062.268/0001-37 letra1@editoraletra1.com.br (51) 3372 9222 Rua Lopo Gonçalves, 554 – Cidade Baixa 90050-350 Porto Alegre/RS

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Este livro é dedicado ao Paulo Henrique Saenger, nosso colega e grande defensor de uma educação igualitária e libertária!

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sumário 9

APRESENTAÇÃO AS EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS NO CENÁRIO DA DESINFORMAÇÃO

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MULHERES NAS ACADEMIAS DE CIÊNCIAS

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AVALIAÇÃO DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA

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ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL: NO MAR, NO CÉU E NA FLORA

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PESQUISA E O ENSINO DE CIÊNCIAS: REFLEXÕES SOBRE O USO DA BIBLIOTECA E FONTES DE INFORMAÇÃO NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM

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LIVRO DIDÁTICO: UMA ANÁLISE A PARTIR DA EJA

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CIÊNCIA ABERTA, DADOS ABERTOS

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TÓPICOS SOBRE EDUCAÇÃO EMPREENDEDORA PARA SUA INTEGRAÇÃO AO ENSINO DE CIÊNCIAS

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TEORIA DECOLONIAL: O QUE ESTÁ SENDO PRODUZIDO? UMA ANÁLISE DAS TESES E DISSERTAÇÕES NA BDTD

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SOBRE OS AUTORES

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APRESENTAÇÃO Prof. Dra. Maria do Rocio F. Teixeira DOI: 10.21826/9786587422251-00

Os fabulosos progressos dos conhecimentos científicos revelaram constantemente camadas cada vez mais amplas e profundas de ignorância, conforme Edgar Morin (2020), em seu livro “Conhecimento, ignorância e mistério”. Para Morin, a nova ignorância é diferente da antiga, que vem da falta de conhecimentos, pois ela surge do próprio conhecimento. Sabemos que a produção de conhecimento avança, nos dias atuais, a patamares impossíveis de serem alcançados pela leitura em tempo normal. Precisamos de um tempo infinitamente maior para estarmos atualizados, ou minimamente informados, daqueles temas que nos interessam ou que são fundamentais para a nossa atuação profissional. Tal cenário não é diferente no âmbito da educação! Por isso, essa nominada explosão do conhecimento nos suscitou a realização de um evento para a discussão dos principais temas, em estudo, sobre a relação ciência/educação. Este livro apresenta textos selecionados do 1º Seminário Especial Estudos e Pesquisas em Educação em Ciências, evento online que aconteceu entre 03 e 04 de dezembro de 2020. Os autores, além de variadas formações, atuam profissionalmente em diferentes espaços de educação, sejam eles formais ou não formais, como escolas, universidades, bibliotecas, planetários, arquivos, herbários, agências de fomento. Todos fazem parte de um grupo de pesquisa, intitulado RICA - Redes, Informação, Conhecimento e Aprendizagem, dentro do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde (PPGQVS), da Universidade Federal 9


do Rio Grande do Sul (UFRGS), sob a coordenação da Profa. Dra. Maria do Rocio Fontoura Teixeira. O livro é composto por nove capítulos, e abaixo, apresentamos cada um deles de modo a levar o leitor a descobri-los. Todos os textos são escritas independentes, o que não engessa, de forma nenhuma, suas leituras. Assim que, a leitura se torna um prazer em conhecer um pouco sobre cada uma das formas de aprender e a ensinar apresentadas pelos autores. Boa leitura!

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AS EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS NO CENÁRIO DA DESINFORMAÇÃO Ronaldo Eismann e Filipe Xerxeneski da Silveira Este 1º capítulo aborda as evidências científicas no cenário da desinformação, contextualizando temáticas adjacentes ao caos informacional na contemporaneidade, bem como a infodemia semiótica, o conhecimento patológico e os epistemicídios infodêmicos. Ressalta que esta era da hiperconectividade em que vivemos é elemento de propulsão do movimento de desinformações e geração de fake news, por meio das mídias digitais. Neste cenário, fica evidente a importância da alfabetização científica, como um dos fatores preponderantes para dirimir o negacionismo científico que assola o nosso país. Assim, a importância das evidências científicas robustas em meio à polarização de discursos em prol da ciência, cresce e se mostra imperativa. Por fim, os autores discutem o negacionismo científico, no cenário da pós-verdade, na perspectiva de moldar a opinião pública, através de crenças, dogmas e de um emaranhado de práticas discursivas. Concluem ser urgente discussões acerca do caos informacional que acarreta essa conturbada crise, causada pela fragmentação comunicacional, civilizatória e econômica dos nossos tempos.

MULHERES NAS ACADEMIAS DE CIÊNCIAS Josefa Conceição Martins e Carlo Mazo Ferreira Neste 2º capítulo, os autores tiveram como pretensão resgatar o percurso histórico e a evolução das Academias de Ciências, no mundo e no contexto nacional brasileiro, além de revelar as relações de gênero e a participação feminina no Prêmio Nobel e no Prêmio L’Oreal para Mulheres na Ciência. Utilizaram como procedimento metodológico, uma busca na literatura sobre o tema, utilizando como estratégias de busca 11


os descritores “academia de ciência”, “mulheres na ciência”, “mulheres cientistas”, “mulheres na ABC”, “gênero na ciência” e “arquivologia”. As fontes de informação para a busca foram o Portal de Periódicos da Capes, o Catálogo de Teses e Dissertações da Capes, a Base Scielo, a Biblioteca Digital de Teses e Dissertações do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), a Plataforma Lattes do CNPq e o site da Academia Brasileira de Ciências. Entre os achados considerados relevantes, ficou evidente a disparidade do quantitativo na relação de gênero em cada academia, e o fato de que houve conquistas substanciais das mulheres, nas últimas décadas, contudo, permanece a desigualdade de papéis entre os gêneros no mundo da ciência. Os autores afirmam que o estudo sinalizou, também, outros achados significativos que merecem menção, pois oportunizam o debate de temas e conceitos pertinentes, como o teto de vidro e a instituição da paridade entre mulheres e homens em todos os níveis e espaços. Concluem que o estudo apontou que as mulheres não estiveram ausentes da ciência, apenas ficaram invisíveis. Todavia, apesar do baixo número nessas academias, as cientistas são atuantes no fazer e nas ações que visam a popularizar a ciência.

AVALIAÇÃO DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA Juliana Carvalho Pereira e Luciana Gasparotto Alves de Lima No 3º capítulo, as autoras trazem uma reflexão sobre as influências que demarcam a constituição de um campo, como o de Ensino de Ciências, na Pós-Graduação brasileira, tendo como aporte teórico principal a sociologia de Pierre Bourdieu. Partindo da utilização do conceito de campo, capital e habitus, procuraram identificar possíveis tendências e desafios, ao longo da geração do conhecimento científico. Realizaram ainda uma análise, a partir da Ficha de Avaliação 2017-2020,

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da Área de Ensino, tendo como foco a produção científica dos PPGs. Com esta análise demonstram como a produção científica perpassa todo o processo de avaliação, realizado pela CAPES, podendo ser como principal item avaliado ou elemento secundário resultante de alguma outra ação.

ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL: NO MAR, NO CÉU E NA FLORA Bárbara Martins Lopes, Michele de Souza Fanfa e Renata Sá Carneiro Leão Neste 4º capítulo, as autoras apresentam teorias e empirismos, relacionados aos espaços de educação formal e de educação não formal e suas potencialidades para a promoção de ensino e aprendizagem. Tendo em vista a globalização das informações e a convergência midiática, é notório que os educandos e educandas se encontrem em uma sociedade onde os conhecimentos científicos fazem parte do cotidiano, mas, muitas vezes, são distorcidos ou ignorados, principalmente em tempos de negacionismo científico e desinformações propagadas em massa. Apesar de a escola ser considerada um espaço de educação por excelência, ela não se configura como o único espaço onde ocorrem processos educativos. Nesses espaços de educação não formal, a finalidade é formar cidadãos e cidadãs do mundo, no mundo, mas seus objetivos não são dados a priori, são construídos no processo interativo, gerando um processo educativo. Ao longo de sua existência, esses espaços foram assumindo, cada vez mais e de formas diferentes, seus papéis educativos. De maneira geral, passaram a contribuir para uma educação mais dinâmica junto às escolas. Afirmam as autoras que nesse âmbito, a educação não formal tem como meta a transmissão de informação atualizada e a formação política e sociocultural. Seja no mar, com a utilização acessível do ambiente da praia, seja no céu, por meio da educação em Astronomia ou mesmo na flora, 13


com as estratégias diferenciadas no ensino da Botânica, os espaços de educação não formal podem ser considerados aliados de peso na educação de crianças e jovens. Concluem que, por esses espaços não formais não se constituírem apenas uma formação complementar aos conteúdos formais, apresentados na escola, mostram-se como uma oportunidade de experimentar vivências e abordagens que podem ser ausentes ou pouco presentes na educação curricular.

PESQUISA E O ENSINO DE CIÊNCIAS: REFLEXÕES SOBRE O USO DA BIBLIOTECA E FONTES DE INFORMAÇÃO NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM Vania Ferreira da Silva e Mariana Paranhos de Oliveira O 5º capítulo analisou a percepção da Ciência da Informação (CI) e do Ensino de Ciências sobre a busca de fontes de informação para pesquisa e investigação, entendendo essa prática como um processo de construção do aprendizado da prática do pesquisador. De caráter qualitativo e bibliográfico, as autoras utilizaram como instrumento de representação e organização o mapa conceitual (AUSUBEL, 2003), para o aprendizado dos conceitos e das temáticas de cada área deste estudo. Por meio de pesquisa qualitativa de cunho bibliográfico nas áreas de Ensino de Ciências e ciência da informação, pretenderam discutir e refletir como os autores abordam a pesquisa, a busca e a necessidade de informação sob a perspectiva de cada área. Através da pesquisa bibliográfica, as autoras conseguiram perceber que o Ensino de Ciências aponta, cada vez mais, para o aluno investigador, indagador, crítico e pesquisador das suas práticas, enquanto a ciência da informação analisa a busca e necessidade de informação, como o processo de construção e aprendizagem, buscando compreender esse indivíduo no seu contexto sociocultural, educacional, político e econômico.

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LIVROS DIDÁTICOS: UMA ANÁLISE A PARTIR DA EJA Douglas Fraga da Silveira, Paulo Henrique Saenger (in memoriam) e Giordano Ferreira Vargas No 6º capítulo, os autores investigam o Programa Brasil Alfabetizado (PBA), do Ministério da Educação (MEC), que busca promover a superação do analfabetismo entre jovens com 15 anos ou mais, adultos e idosos, perpassando todos os níveis da Educação Básica. O estudo teve como objetivo, através de uma revisão bibliográfica e análise de dados estatísticos, disponíveis no Portal da Transparência do MEC, transcender os conhecimentos acerca deste Programa. Também era objetivo, além de produzir uma análise sobre o investimento em Livros Didáticos para esta modalidade, realizar uma reflexão sobre a relevância da utilização de Livros Didáticos impressos para o processo de ensino-aprendizagem de jovens, adultos e idosos. Através da pesquisa realizada, foi possível observar a distribuição dos alunos matriculados na EJA e, também dimensionar o investimento do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), no período 2014-2020, para esta modalidade de ensino. Por fim, os autores apresentam um quantitativo de Livros Didáticos, adquiridos e de alunos beneficiados na EJA, o que permitiu inferir o custo unitário e a sua abrangência no período analisado.

CIÊNCIA ABERTA E BASES DE DADOS Ketlen Stueber e Rodrigo Couto No 7º capítulo, os autores dissertam sobre as formas contemporâneas de produzir, armazenar e disseminar conhecimento científico, tendo como base epistemológica, a Ciência Aberta. Sua atuação é formada através da colaboratividade e interação simultânea de suas cinco escolas de pensamento: escola pública; escola democrática; escola pragmática; escola 15


da infraestrutura e; escola das métricas. O estudo de natureza qualitativa fundamentou-se na pesquisa bibliográfica. Era seu objetivo levantar reflexões e analisar a atuação da Ciência Aberta e o fenômeno promovido pela Dados Abertos. O estudo evidencia a importância da abertura de dados como ação catalisadora para a democratização do conhecimento, para a aproximação da sociedade com o fazer científico e para impulsionar a produção de conhecimento, com base na formação de redes sociais e colaborativas, entre diferentes cientistas, instituições e campos do conhecimento. Os autores concluem que a atuação da Ciência Aberta, suas escolas de pensamento e iniciativas, têm potencial para mudança de novos paradigmas sobre o fazer científico, devido à ação articulada de suas frentes técnicas e jurídicas. A práxis da Ciência Aberta, através de suas escolas de e com a mediação dos diversos atores sociais, convergem e se conectam por meio das tecnologias de comunicação e informação e dos dados abertos.

TÓPICOS SOBRE EDUCAÇÃO EMPREENDEDORA PARA SUA INTEGRAÇÃO AO ENSINO DE CIÊNCIAS André Luís Prytoluk No 8º capítulo, o autor aborda o tema do empreendedorismo, acompanhado de seu viés da inovação. Afirma que esse tema tem encontrado destaque no mundo empresarial, com tangências em todas as áreas do conhecimento, inclusive no fazer didático, através da Educação Empreendedora. A pesquisa realizada buscou inserir esse tema no repertório dos docentes de Ciências e, assim despertar novas experiências de aprendizagem. No texto, o autor sintetiza elementos basilares da Educação Empreendedora, apresentando suas abordagens, as competências empreendedoras a serem fomentadas, os métodos de criação de valor utilizados no Ensino para

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o Empreendedorismo e a potencial integração ao Ensino de Ciências.

TEORIA DECOLONIAL: O QUE ESTÁ SENDO PRODUZIDO? UMA ANÁLISE DAS TESES E DISSERTAÇÕES NA BDTD. Caroline Martello e Maria do Carmo Ferreira Mizetti Já no 9º capítulo, os impasses entre uma educação escolar hegemônica e uma educação que leve em conta o contexto dos alunos ficam evidenciados diante das disputas entre organizações e currículos generalizantes. No Ensino de Ciências, não é diferente. Por isso, faz-se necessário pensar, a partir de categorias de pensamento não incluídas nos fundamentos das concepções ocidentais, aqui chamada de teoria decolonial. A investigação faz parte de um estudo de doutoramento e apresenta um levantamento bibliográfico, entre 2011 e 2019, de caráter exploratório qualitativo, realizado na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). As autoras registraram a ocorrência de 322 produções, com um sensível aumento a partir do ano de 2015, com destaque para os anos de 2016 e 2019, que apresentaram maiores números de publicações. Concluem que o foco das pesquisas é muito diversificado, partindo do pensamento e produção de autores do grupo Modernidade/Colonialidade.

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AS EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS NO CENÁRIO DA DESINFORMAÇÃO Filipe Xerxeneski da Silveira Ronaldo Eismann de Castro DOI: 10.21826/9786587422251-01

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No final de 2019, o mundo ficou em alerta máximo com a descoberta de um novo vírus – o coronavírus. A partir de então, o desconhecido passou de uma epidemia para uma grave situação de emergência epidemiológica, ou seja, a Covid-19 assumiu o caráter de pandemia, sendo considerada um dos maiores desafios sanitários em escala global deste século. Na contramão da sociedade da informação, do conhecimento e da aprendizagem, a pandemia gera um aumento expressivo dos processos de desinformação, infodemia, chegando em um grau assustador de epistemicídios infodêmicos, ou seja, uma morte gradual das produções infocomunicacionais frente a um cenário de obscurantismo e de vulnerabilidade digital. Surge a perspectiva dialética entre desinformação, desordem informacional, crise semiótica, onde as pessoas assumiram papéis de produtores e consumidores de fatos e fakes nessa crise humanitária entre o óbvio, o duvidoso em um nebuloso cenário informacional. Nessa perspecitva, Lyotard diz que “[...] existe assim uma incomensurabilidade entre a pragmática narrativa popular, que é por si legítima, e este jogo de linguagem conhecido do Ocidente que é a questão da legitimidade” (LYOTARD, 2009, p. 42). A linguagem torna-se preponderante à liberdade de expressão e ao direito à diferença para nos (re) colocarmos no mundo. Somos atropelados, constantemente, por discursos negacionistas que vivem contrariando a ciência, utilizando-se de uma denegação irracional para contrariar as evidências, os estudos experimentais e observacionais, buscando atrelar o conhecimento científico consolidado a uma visão minimamente irracional do mundo. Carl Sagan, astrônomo norte-americano, defende que “[...] os valores da ciência e a da democracia são concordantes” (2008, p. 59). Para o autor, A ciência é um meio de desmascarar aqueles que apenas fingem conhecer. É um baluarte contra o misticismo, contra a superstição, contra a religião mal aplicada a assuntos que não lhe dizem respeito. Se somos fiéis a seus valores, ela pode nos dizer quando

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estamos sendo enganados. Ela fornece a correção de nossos erros no meio do caminho. (SAGAN, 2008, p. 59).

É preocupante, nos dias de hoje, a ideia de saúde e prevenção, utilizando meios não comprovados cientificamente, uma vez que a verdadeira prevenção na saúde se utiliza de estudos epidemiológicos, comprovados cientificamente, para atestar a veracidade de informações científicas. Na contraposição entre verdade e pós-verdade, certezas e incertezas, a quantidade de informações produzidas e disseminadas é alarmante e se agrava pelo fato da falta de formação e reflexão das pessoas em compreender e interpretar fatos ser reduzida. Mas quais seriam os fatores preponderantes que influenciam a nossa sociedade para a disseminação de informações falsas e para o descrédito da ciência? A ERA DA HIPERCONECTIVIDADE Dentre os tantos avanços tecnológicos que ocorrem no século XXI, podemos mencionar a grande área da comunicação como uma das mais contempladas nessa perspectiva. Em 2021, para a grande maioria das pessoas, não é novidade carregar a rede mundial de computadores na palma de sua mão ou no bolso de sua roupa, através de um aparelho celular. Essa possibilidade ocorre devido ao conjunto de fatores tecnológicos que fizeram parte da evolução científica e social das últimas décadas. Tal conjugação de fatores concede uma articulação social que acomoda dados, informações e conhecimentos com origens e propósitos diferentes entre as amplas inter-relações possíveis. É dentro dessa articulação tecnológica e social que ocorre o fenômeno da hiperconectividade. Muitas pessoas vivem nessa conexão contínua, que permite uma pluralidade de ações e atividades ao mesmo tempo.

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Através da internet, essa hiperconectividade possibilita um acesso quase que imediato de uma pessoa a outra, mesmo estando distantes fisicamente. Dentre tantas experiências inéditas de que a raça humana faz parte, uma delas está no acesso instantâneo e imenso a gigantescos acervos de dados e informações, digitalizados e registrados na rede mundial de computadores. É importante mencionar os paradoxos produzidos, também, nessa perspectiva. Nesse cenário, é possível estar parado, mas em movimento. É possível estar hiperconectado e sozinho, conversando com dezenas de pessoas ao mesmo tempo. Pessoas sozinhas fisicamente sentem-se acompanhadas e protegidas online. Ao mesmo tempo que as pessoas apreciam a companhia presencial umas das outras, existe um recolhimento ao online. O estar sozinho(a) acaba sendo povoado por um online que inunda a pessoa de informações e interações, e que podem impedir uma experimentação mais profunda do seu eu. Se olharmos para a hiperconectiviade entre os jovens e as crianças, podemos observar a pesquisa “TIC Kids Online Brasil 2019” (MIGON, 2020), do Brazilian Internet Steering Committee, que nos diz: a) 80% dos responsáveis por crianças, com idade entre nove e 17 anos, conversam com os filhos sobre o uso da internet; b) 77% das famílias procuram ensinar a utilizar a internet de modo seguro; c) 55% acabam ajudando a criança a fazer alguma tarefa na internet. A pesquisa nos faz pensar que, em geral, a família brasileira está cada vez mais conectada com uma grande pluralidade de tarefas cotidianas. O neologismo também invadiu o cenário contemporâneo, com dezenas de termos advindos dessa era hiperconectada. Como principais exemplos desses termos, temos: a

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cybercondria, que é a hipocondria motivada por buscas na internet; o cyberbulling, que são os danos morais que ocorrem via internet; a infoxicação, que é a própria intoxicação causada pela imensa quantidade de informações, que ultrapassa a capacidade humana de processamento; o googlar, que é a procura por meio do buscador Google; o facebullying, que significa o assédio que ocorre entre seus usuários; a infobesidade, que é o uso e o consumo das chamadas impurezas digitais. Esses são alguns dentre tantos outros termos que surgem a partir de comportamentos, ações e reações sociais que a internet provoca, seja através das redes sociais, dos aplicativos, dos sites, ou de outros meios digitais. Dessa forma, criamos um processo de fusão entre o ser humano e as máquinas que nos conectam através das redes digitais. É difícil encontrar alguém que ande sem seu celular, alguém que passe, pelo menos 24 horas, sem acessar alguma rede social, algum aplicativo digital. Essa relação híbrida com o cotidiano acaba criando uma relação de dependência, a qual abrange diversas perspectivas sociais, políticas e econômicas. Os meios de comunicação a distância apresentam uma extensão abstrata que nos envia a um estado de onipresença em relação às conexões de internet. Já não é preciso estar ligado por algum tipo de fio condutor, ou através de pontos fixos. Basta um acesso remoto para que haja uma condição de conectividade constante. Segundo Santaella (2010), essa condição de permanência e onipresença é consequência da comunicação que ocorre durante os deslocamentos do usuário, gerando essa ubiquidade pela continuidade temporal do uso de uma mesma ferramenta de comunicação, em vários locais diferentes e de modo instantâneo. São inúmeros os recursos de inovação disponíveis em nossos smartphones. Junto com esses recursos, encontramos as ciberescritas móveis, que proporcionam uma incrível agilidade e consequente aumento de velocidade na escrita que utilizamos dentro desses aparelhos. Esses pequenos teclados vão atualizando nossa escrita, com uma velocidade próxima ao nosso 26


próprio pensamento. Essa escrita rápida favorece uma maior interação comunicacional e proporciona um upgrade interessante entre perguntas e respostas, de modo quase que imediato, dentro do desenvolvimento de algum assunto. Toda essa interação precisa articular dados, informação e conhecimento, de modo eficaz e equilibrado. Porém, com bastante frequência, percebemos grandes desequilíbrios nessas articulações. Assim, criam-se problemas sociais graves, desinformações e desserviços graves para nossa sociedade. A International Encyclopedia of Information and Library Science define dados como: […] um termo geral usado para expressar informação quantitativa ou numericamente codificada; termo particularmente utilizado para descrever informações armazenadas numa base de dados. A palavra é, no entanto, frequentemente usada de forma casual com um sentido não especialmente diferente de “informação”, como, por exemplo, em uma frase como “dados biográficos”. (FEATHER; STURGES, 2003, p. 120, tradução nossa).

A definição faz uma interlocução entre informação e dados. Essa articulação é, frequentemente, usada em nosso cotidiano para expressar os diversos tipos de conhecimento. Quando ocorre alguma falha nesse processo, seja por falta de interpretação correta, seja por falta de um equilíbrio adequado ou outro motivo qualquer, algum sistema de informação pode ser prejudicado. Para o Dictionary of Information Science and Technology, informação é: Um processo em que dados constituem a entrada e o conhecimento a saída. O indivíduo é o sujeito que transforma os dados em conhecimento. As relações entre dois dispositivos técnicos são processos de troca de dados. As relações entre dois ou mais indivíduos são processos de comunicação. O processo de informação inverso é chamado processo de documentação (por exemplo, escrevendo um artigo). (KHOSROWPOUR, 2007, p. 327-328, tradução nossa). 27


Desta forma, podemos conceber os dados como a base para compor qualquer formulação de uma determinada informação. Podem ser obtidos através de estudos, observações, experiências e/ou via processo estatístico. A informação seria uma divulgação do resultado de uma análise de dados que foram computados e/ou investigados acerca de determinado assunto. Já o conhecimento seria a interpretação e a análise de uma ou mais informações, fazendo associações adequadas, de maneira que possa ampliar, reformular ou transformar essas ações em conhecimento. O conhecimento pressupõe a tomada de decisão. Normalmente, existe um conhecimento prévio, resultado antropológico, que possibilita promover essas associações para um novo conhecimento. Nesse sentido, Polanyi diz que o conhecimento humano: Reconsiderarei o conhecimento humano partindo do fato de que podemos saber mais do que podemos dizer. Este fato parece bastante óbvio; mas não é fácil dizer exatamente o que significa. Veja um exemplo. Conhecemos o rosto de uma pessoa e podemos reconhecê-lo entre mil, na verdade, entre um milhão. No entanto, geralmente não podemos dizer como reconhecemos um rosto que conhecemos. Portanto, a maior parte desse conhecimento não pode ser expressa em palavras. Mas a polícia introduziu recentemente um método pelo qual podemos comunicar esse conhecimento. Eles fizeram uma grande coleção de fotos mostrando narizes, bocas e outras características. Destes, a testemunha seleciona os detalhes do rosto que conhece e as peças podem então ser colocadas juntas para formar uma semelhança razoavelmente boa com o rosto. (POLANYI, 1966, p. 136).

Ao pressupor que o conhecimento é social, e não privado, Polanyi busca destacar que esse processo é construído e acaba sendo incorporado às vivências pregressas do indivíduo em seu meio social. Para ele, só é possível obter conhecimento se o sujeito está intimamente ligado às possibilidades, que proporcionam experiências atuais, adquiridas pelas concepções e intelectos de que esse sujeito já dispõe. A essas concepções

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e intelectos podemos atribuir o conhecimento tácito. A prática individual possibilita ajustar esses conceitos e esclarecer a linguagem utilizada. Tal pensamento é corroborado por Fleck, quando diz que o conhecimento não pode ser visto de forma isolada: Aparecem novos motivos que o pensamento isolado e individual seria incapaz de gerar: propaganda, imitação, autoridade, concorrência, solidariedade, inimizade e amizade. Todos esses motivos ganham importância para a teoria do conhecimento, uma vez que todo o acervo de conhecimentos e a interação mental coletiva influenciam cada ato de conhecimento que, sem eles, seria, em princípio, impossível. (FLECK, 2010, p. 86).

São amplos e variados os tipos de conhecimento que existem. Porém, é preciso estarmos atentos para apreciar o conhecimento científico, de modo correto e inequívoco, em tempos de hiperconectividade. Diversos autores apresentam definições diferentes sobre ciência e conhecimento científico, assim como existe uma variante de definições entre o que é ciência e o que é conhecimento científico. Algumas são parecidas, enquanto outras trazem alguns aspectos diferentes, mas a maioria dos autores, que procuram definir ciência, concordam que é preciso saber a diferença entre o conhecimento científico e os demais tipos de conhecimento. Conhecer é uma atividade humana que transpõe o simples ato de perceber alguma coisa, e permite ao sujeito a interpretação e a compreensão sobre um fato ou objeto. Nesse processo, nasce uma representação do objeto de estudo que não é mais um simples objeto, mas, sim, a construção daquele sujeito (FRANÇA, 1994). É preciso ter cuidado para não confundir o senso comum, ou o conhecimento popular, com o conhecimento científico. Para Lakatos e Marconi (1986), o conhecimento científico se diferencia dos demais pela forma, o modo ou o método das aplicações dos seus instrumentos em relação ao contexto. Não se trata de distinção por conta da natureza do objeto ou pela sua veracidade. Na mesma perspectiva, Demo (1985) afirma que o senso comum, ou o conhecimento 29


popular, não faz a problematização da relação entre o sujeito e o objeto. Apenas acredita no que se vê, sem fazer a distinção entre o fenômeno e a sua essência, assumindo informações de terceiros de modo superficial e sem criticidade. Ciência é um processo baseado em metodologia adequada que visa à resolução de problemas ou à ampliação de técnicas e processos com algum propósito. Galileu Galilei (1564-1642), reconhecido pela academia como um dos precursores do método científico, deixou evidente que o empirismo, os caminhos quantitativos e a observação de fenômenos são fundamentais para a compreensão do conhecimento científico. Esse conhecimento científico não deve ser visto somente em sua forma micro. Ele está relacionado a um campo científico que deve buscar relações com outros campos e, partindo dessas relações, modificando-se para agir de modo articulado com todos os contextos em que estão inseridos. Partindo do pensamento de Bourdieu, a ciência não pertence somente ao cientista, mas é, sim, um campo que busca relações com todos os tipos de capital. Para a compreensão dos meios de produção do conhecimento científico, Bourdieu menciona o capital, mesmo estando relacionado a outro campo, como uma relação simbólica do processo: [...] O capital simbólico –outro nome da distinção – não é outra coisa senão o capital, qualquer que seja a sua espécie, quando percebido por um agente dotado de categorias de percepção resultantes da incorporação da estrutura da sua distribuição, quer dizer, quando conhecido e reconhecido como algo de óbvio. (BOURDIEU, 2003, p. 145).

Percebemos, assim, que o capital científico é uma classe única de capital simbólico, sendo um capital fundado a partir do conhecimento e reconhecimento de todo o mecanismo (BOURDIEU, 2013). O mundo pós-moderno é hiperconectado, repleto de informações verdadeiras e falsas que perfazem todas as redes. Seria

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natural pensar que o sistema de ensino possa contribuir para o discernimento adequado do que é e do que não é ciência. O esperado seria que fosse possível o sistema de ensino promover o discernimento entre o conhecimento popular e o conhecimento científico. Nem sempre encontramos essa realidade nos sistemas de ensino. Percebemos uma contribuição do sistema de ensino para a reprodução de conexões entre força e simbolismo nessas perspectivas, tentando compartilhar o capital entre elas. Seguindo a linha de Bourdieu, as constituições descobertas nesse sistema expõem a organização dos conhecimentos científicos na racionalidade das estruturas sociais que culminam na cruel validação do desequilíbrio de partilha do capital cultural. Existe uma permuta entre o capital econômico e as ferramentas culturais e escolares de propagação desses conhecimentos científicos. Dessa forma, podemos admitir que uma família com melhores condições financeiras, beneficiada com capital cultural maior, está mais apta para oportunizar maiores condições para a formação de seus filhos. O mesmo já não ocorre com as pessoas menos favorecidas. Quais as verificações das informações concebidas? Qual família poderá articular melhor os dados, as informações e os conhecimentos que são propagados nas redes? Desse modo, entendemos que o sucesso escolar é diretamente influenciado pelo capital cultural e econômico. Seguindo essa perspectiva, um título poderia ser totalmente secundário em uma família que não possui capital. O diploma acaba sendo um instrumento de legalidade da herança. De fato, o mundo da ciência, como o mundo econômico, conhece relações de força, fenômenos de concentração do capital e do poder ou mesmo de monopólio, relações sociais de dominação que implicam uma apropriação dos meios de produção e reprodução específicos, próprios do subuniverso considerado. (BOURDIEU, 2004, p. 34).

Podemos conceber um sistema estrutural como uma associação integral. Não podemos conceituar um sujeito de modo 31


simplório e unilateral, visto que é preciso considerar toda a sua trajetória social. Entretanto, nos dias de hoje, percebemos uma escola que reproduz um modelo de ensino repleto de desigualdades sociais, mesmo naquelas instituições que propagam o conhecimento científico. No ano de 2020, por conta da pandemia mundial, essa desigualdade ficou ainda mais evidente, deixando legados ainda imensuráveis para a nossa sociedade. Não ampliaremos aqui os demais conceitos de conhecimento trazidos por Polanyi, Bourdieu e outros autores, mas fica evidente o propósito de conceber os conceitos de dados, informação e conhecimento como diferentes e que precisam de uma ótima articulação entre si, para evitar falhas nos processos ligados à infodemia informacional nessa era da hiperconectividade. A ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA NA ERA DA HIPERCONECTIVIDADE Um dos fatores preponderantes responsáveis pelo atual negacionismo científico em nosso país pode estar relacionado à ineficácia do processo de alfabetização científica na educação básica. Mesmo sabendo que o desenvolvimento da negação da ciência é um fator histórico/epistemológico, que percorre diversos caminhos sociais, não podemos deixar de mencionar a precariedade em nosso sistema educacional básico como um ponto relevante nessa perspectiva. O Brasil tem uma das populações que menos acredita em ciência no mundo, segundo uma pesquisa realizada pela agência americana Pew Research Center, no ano de 2019 (FUNK et al., 2019). Nessa pesquisa, realizada em 20 países com mais de vinte mil habitantes, a agência aponta um total de 36% de brasileiros que acreditam pouco, ou quase nada, no trabalho dos cientistas. Somente 23% das pessoas entrevistadas em nosso país disseram acreditar muito nos cientistas. Essa provável relação entre o descrédito na ciência e a falta de uma

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alfabetização científica na educação básica, passando pelo contexto da hiperconectividade atual, podem explicar muitos dos problemas sociais que estamos vivendo atualmente. Dentre tantos, em meio à pandemia, percebemos o crescimento de vertentes de movimentos negacionistas. Precisamos ter cautela ao afirmar que é de fundamental importância o conhecimento científico, a alfabetização científica e a iniciação científica para o combate ao negacionismo cultural existente em nosso país. Essa afirmação não exclui, em hipótese alguma, a necessidade de outros tipos de conhecimento, e não invalida nenhum tipo de conhecimento. Apenas entendemos que, para conhecer a ciência, é preciso que haja uma imersão na alfabetização científica e na iniciação científica, principalmente na educação básica. Torna-se inadmissível que um aluno do terceiro ano do ensino médio saia da escola sem saber o que significa ciência, metodologia científica, evidências científicas. Isso vai muito além do processo de memorização de fórmulas ou de cálculos estequiométricos. Nessa perspectiva, Chassot (2000) afirma que a alfabetização científica é um grande conjunto de conhecimentos que facilitaria a sociedade a fazer uma leitura de mundo mais adequada à ciência, no campo onde vivem. Para o autor, essa leitura mais adequada facilitaria o entendimento social de transformar o contexto em que estão inseridos em um lugar melhor. Para Sasseron e Carvalho (2011), a alfabetização científica deve proporcionar a um indivíduo a capacidade de organizar seus pensamentos, conceitos e práticas, de forma lógica, desenvolvendo o seu pensamento crítico em relação ao mundo. Para os autores, o principal objetivo desse processo está no desenvolvimento de cidadãos mais críticos na perspectiva de atuação social e na organização de capacidades básicas, dispostas em três eixos que estruturam o processo de alfabetização científica de modo regular. São eles: a) a compreensão básica dos conceitos e dos conhecimentos científicos que estruturam a ciência;

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b) o entendimento da epistemologia da ciência, além de fatores éticos, políticos e sociais que contornam a sua prática; c) o conhecimento sobre as relações entre ciência, tecnologia, meio ambiente e sociedade. Podemos observar que os autores que pregam a alfabetização científica para o Ensino de Ciências buscam uma pluralidade de ideias, conhecimentos, aspectos e entendimento desse processo. Quando os eixos estruturados são articulados, percebemos com maior veemência esses objetivos. Esperamos poder ultrapassar o modelo antigo de ensino-aprendizagem, marcado pela mera transmissão de conhecimentos, como se fossem um objeto da ciência, sem contextualizar com a realidade social em que estamos inseridos, nem com a própria história da natureza dos conhecimentos científicos, onde estão articulados fatores econômicos, sociais, políticos e culturais. Fica evidente o desagrado com uma proposição de ensino direcionada para a formação de cientistas, ou no âmbito preparatório do horizonte da escolaridade, que não alcança seus objetivos relacionados a esses contextos e que minimiza o processo para simples aspectos conceituais (CACHAPUZ et al., 2011). A alfabetização científica ainda é motivo de muita discussão em vários aspectos do sistema educacional brasileiro, tanto pelo termo quanto por sua aplicabilidade, bem como pelos processos pedagógicos e metodológicos que são necessários para conceber esse processo de modo eficaz. A pandemia da Covid-19 deixou clara a necessidade social da participação e compreensão pública da ciência, perfazendo os caminhos que envolvem o contexto básico da nossa sociedade, quando nos referimos à ciência, saúde e tecnologia. É nítido que precisamos formar indivíduos alfabetizados, cientificamente capazes de pensar o mundo de forma crítica e de acordo com os conceitos fundamentais da ciência. As dificuldades do nosso país em relação à falta de noção dos conceitos básicos da ciência, assim como o negacionismo

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existente, não é nenhuma novidade que aflorou com a pandemia da Covid-19. A pandemia, bem como o caos que ela causou, apenas serviram para elucidar a falta de conhecimento dos processos fundamentais da ciência. Ao percorrer nossa história, encontramos vários outros exemplos de situações como essas. É evidente que esses exemplos não fazem parte somente do contexto brasileiro e, sim, de um contexto mundial. Dentre tantos exemplos, podemos mencionar a famosa “pílula do câncer”, uma pílula produzida através da fosfoetanolamina. A fórmula molecular da fosfoetanolamina é conhecida como: C2H8NO4P. Essa molécula é produzida naturalmente em organismos de mamíferos e, portanto, também produzida no organismo do homem. Sua produção, em geral, ocorre no retículo endoplasmático eucarionte, e pode ser encontrada em diversos tecidos do corpo humano. Essa molécula é uma antecessora da fosfatidilcolina e da fosfatidiletanolamina, que são substâncias que participam das reações bioquímicas de síntese dos fosfolipídeos, os quais, por sua vez, são um tipo de gordura fundamental para a formação das membranas celulares em seres eucariotos. Embora seja uma substância produzida naturalmente pelo corpo humano, a fosfoetanolamina pode ser obtida de modo sintético, através da reação química entre a etanolamina (molécula que apresenta as funções orgânicas álcool e amina) e o ácido fosfórico (um ácido inorgânico, comumente utilizado pela indústria alimentícia). O mecanismo dessa reação é representado na Figura 1, através da interação intermolecular entre o hidrogênio presente na hidroxila do ácido e o grupo hidroxila da etanolamina:

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Figura 1 – Equação química de síntese da fosfoetanolamina

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

A fosfoetanolamina foi isolada sinteticamente pela primeira vez no Canadá, no ano de 1936. Em meados da década de 1990, o Instituto de Química, da Universidade de São Paulo, da cidade de São Carlos, começou a estudar a substância. As pesquisas ocorreram com células cancerígenas in vitro e in vivo em pequenos animais, e foram coordenadas pelo Prof. Dr. Gilberto Orivaldo Chierice. Com os dados iniciais dos estudos, o pesquisador começou a distribuir a substância, através de cápsulas, para uma ampla gama de pessoas com vários tipos de câncer. Mediante as consequências da terapia em alguns pacientes e da contrariedade de boa parte da comunidade científica mundial, que não encontrava evidências favoráveis nas pesquisas do Dr. Chierice no uso da substância como medicamento de combate ao câncer, em 2015, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) formou um grupo de trabalho com o objetivo de promover estudos científicos que certificassem o uso da substância com a devida eficácia e segurança. É fundamental ressaltar que, para considerar uma substância como medicamento, a mesma deve passar por todas as metodologias científicas adequadas, envolvendo os ensaios pré-clínicos e clínicos, e receber a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Mesmo sem percorrer esse

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caminho de modo satisfatório, algumas pessoas utilizavam a substância e recorriam à justiça para obter o direito ao seu uso. Após a realização dos estudos coordenados pelo MCTI, o órgão emitiu parecer contrário à fosfoetonolamina como medicamento para o combate ao câncer. Mesmo sem a comprovação científica esperada, o Governo Federal decretou a lei que autorizava o uso da substância. Alguns meses depois, em maio de 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) revogou a lei. Depois disso, a substância começou a ser comercializada como suplemento alimentar. Atualmente, não é nada difícil encontrá-la à venda pela internet, nessa condição. Ressalta-se, nesse caso, como a falta de articulação entre ciência, tecnologia, governo e sociedade pode promover exemplos negacionistas, que viram motivo de preocupação com a saúde pública. Será que uma sociedade alfabetizada cientificamente teria pressionado tanto o poder público para a liberação da substância? AS EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS NO CENÁRIO DA DESINFORMAÇÃO, INFODEMIA SEMIÓTICA E CONHECIMENTO PATOLÓGICO Diante do atual cenário, é indiscutível um duelo entre a produção e a disseminação de informações verídicas e inverídicas, uma vez que nos tornamos consumidores e disseminadores de conteúdos nas mídias digitais. Se, por um lado, essa possibilidade democratiza o acesso e o uso da informação nos mais variados meios e suportes, por outro, vivemos uma indiscutível crise informacional, a qual, para muitos estudiosos, tem se consolidado através de uma desordem informacional, de uma infodemia semiótica, ou até mesmo de um conhecimento patológico. As autoras Marwick e Lewis (2017, p. 5), em seu livro, “Manipulação e desinformação da mídia online”, abordam guerras informacionais e táticas de desordem informacional, apresentando quatro características definidoras do que chamam de manipulação midiática: 1) discurso deliberadamente

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ofensivo; 2) antipatia pelo sensacionalismo na grande mídia; 3) objetivo de criar impacto afetivo no público-alvo; e 4) ambiguidades, por meio de paródias que ocultam as intenções de autoria. No caso da infodemia, termo que representa a infestação de informações inverídicas, agindo em rede, como um vírus, a Organização Mundial da Saúde (OMS) cunhou o termo, atribuindo o seguinte significado: [...] infodemia é a rápida disseminação de informações de todos os tipos, incluindo rumores, fofocas e informações não confiáveis, que se espalham instantânea e internacionalmente por meio do crescente uso popular de telefones celulares, redes sociais, internet e outras tecnologias de comunicação. Além disso, há a proliferação de “especialistas” baseados na web, com pontos de vista diversos e muitas vezes contraditórios, que podem causar confusão, ansiedade e até pânico [...]. Essas informações falsas ou enganosas podem ocasionar uma relutância pública generalizada em relação à tomada de medidas promovidas por autoridades sanitárias para o controle de infecções e, assim, atrasar intervenções essenciais. (WHO, 2018, p. 26, tradução nossa).

A passagem do paradigma da sociedade da informação para a sociedade do conhecimento representou as interações e colaborações oriundas das relações em nichos, redes, teias, onde os indivíduos podem se (inter)relacionar, uma vez que o conhecimento passa a ser considerado o recurso principal para a criação e a produção de riqueza, de bem estar social e de aprendizado. Sendo assim, como o conhecimento patológico se torna prejudicial nessa sociedade globalizada? Para Dias (2013), os sistemas de conhecimento são constituídos mediante processos históricos, sociais, culturais por um conjunto de fatores individuais e coletivos. Corroborando as ideias do autor, percebemos que sempre que esses sistemas de conhecimento se afastam da realidade, por manipulação, os indivíduos adquirem percepções distorcidas da mesma. Esse processo representa um conhecimento patológico, onde

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as mentiras ocasionam um enfraquecimento das instituições científicas e democráticas e uma polarização e manipulação discursiva e narrativa. Antes do surgimento do Facebook no Brasil, Debord (2007) já dizia que vivemos em uma sociedade do espetáculo, baseada em sensacionalismos, fantasias, truques e ilusões, onde as mentiras, os boatos, as redes criadas por bolhas informativas, multiplicam-se em ritmo veloz nas sociedades do conhecimento e da aprendizagem, chegando à sociedade da pós-verdade. É notório que comunicação e informação são vias de mão única, uma vez que os processos infocomunicacionais envolvem a troca de informações entre interlocutores, por meio de signos e significados. Nessa perspectiva, Hjørland e Capurro (2007, p. 160) definiram a informação como “[...] um conceito interdisciplinar, dada a sua complexidade, dificuldade de definição e inúmeros significados que devem ser estudados, com especial impacto na investigação em Gestão e Curadoria de Informação.” Nesse mundo tão plural e polarizado, é necessário estarmos alertas às armadilhas que pregamos a nós mesmos. No que tange à comunicação, Mark Burgin (2010), ao tratar de teorias de informação estatística, como a Teoria Matemática da Comunicação de Shannon, observa que “[...] a informação está intrinsecamente conectada com a comunicação, sendo que a comunicação é um processo de troca de informações” (BURGIN, 2010, p. 256). Diante do fenômeno da hiperconetivadade e da hiperinformação, faz-se necessário um discernimento para não cair nas armadilhas da desinformação, sendo que a nossa mente está condicionada a vieses e crenças oriundos de um processo transgeracional. É preciso ter clareza para filtrar os dados reais dos falsos e saber escolher fontes de informações que sejam fidedignas e confiáveis. Seguindo tal linha de pensamento, Pedro Demo (2000, p. 41) diz que [...] a informação é em si ambivalente, tanto em quem a pronuncia, quanto em quem a recebe. Em todos os momentos passa pelo filtro da subjetividade, além de sua dimensão estar limitada pelo aparato perceptor e

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conceitualizador. Mas é esta ambivalência que resgata sempre a possibilidade de criar, inventar. Se tudo fosse apenas lógico, seria apenas repetitivo. O mundo da informação é agitado, conturbado, porque é, ao mesmo tempo, intrinsecamente manipulado e impossível de ser totalmente manipulado.

Em um relatório de 2017 da Comunidade Européia, intitulado “Information Disorder: toward an interdisciplinary framework for research and policymaking”, os autores Claire Wardle e Hossein Derakhshan (2017, p. 10-11) enfatizam que a desinformação e a desordem informacional não são fenômenos novos, embora o surgimento da internet e das mídias digitais trouxeram mudanças fundamentais na forma como a informação é produzida e disseminada. Na visão dos autores, o surgimento de paradigmas informacionais e comunicacionais foram ocasionados pelos fatores que seguem: a) tecnologias de edição e publicação sofisticadas, econômica e amplamente acessíveis que facilitam a criação e distribuição de conteúdo a qualquer pessoa; b) o consumo da informação passou de ser um ato privado a ser um ato público por intermediação das mídias sociais; c) a velocidade da disseminação da informação tem aumentado devido um ciclo acelerado de notícias, potencializado pelos telefones celulares; d) a informação circula em tempo real entre pessoas com relações de confiança, portanto, qualquer peça de informação tem menos probabilidade de ser contestada.

No final do ano de 2019, a humanidade deparou-se com uma pandemia sem precedentes. Uma das palavras que mais esteve em voga foi evidências. É notório que as evidências científicas são consolidadas nas mais diversas áreas do conhecimento para a segurança e a eficácia na tomada de decisões. Immanuel Kant debruçou-se a estudar os componentes do conhecimento,

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relativizando a questão das intuições (senso) e dos conceitos (pensamentos). Para ele, os “[...] pensamentos sem conteúdo são vazios; intuições sem conceitos são cegas” (KANT, 1987, p. 75). Então, fica o questionamento: qual a importância da busca por evidências robustas numa era da desinformação? Com diversas e diversificadas possibilidades de acesso a fontes de informações, repositórios, guidelines, periódicos secundários, dentre outras, torna-se essencial que os profissionais saibam selecionar, analisar e catalogar os artigos e documentos científicos recuperados. Geralmente, em bases de dados, a busca por evidências científicas se dá através da seleção dos termos ou descritores. Na atualidade, faz-se necessário redobrar os cuidados quanto ao acesso e ao uso do conhecimento científico, uma vez que nem todas as informações disponibilizadas na web são consideradas fontes de evidências apropriadas para a busca de respostas científicas e clínicas apropriadas. As fontes de alta qualidade científica são aquelas que apresentam o processo de revisão por pares e pesquisas do tipo revisão sistemática e metanálises, ou seja, o topo da pirâmide dos níveis das evidências científicas. Uma das principais lições advindas da Covid-19 foi a de que a ciência não produz verdades, mas, sim, evidências. Desde o método de René Descartes (1967), o filósofo deixava claro que a nossa alma é de tal natureza que ela não pode se recusar a se render àquilo que ela compreende distintamente. Nessa mesma linha de pensamento, Pascal, um crítico do pensamento descartiano, enfatizou que “[...] as verdades que são descobertas mediante a evidência atual são verdades permanentes, eternas” (PASCAL, 1990, p. 56). É público e notório que a informação de qualidade é a maior aliada para vencer a patologia sanitária e o descompasso social ao qual estamos assujeitados, porém, tanto os órgãos de imprensa quanto a ciência vêm sendo atacados constantemente por grupos negacionistas. A arma mais potente de combate ao negacionismo científico é o fortalecimento e a adesão ao fortalecimenento de políticas

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públicas e às recomendações baseadas em evidências científicas robustas. O NEGACIONISMO CIENTÍFICO NA ERA DA PÓS-VERDADE

Vivemos em um tempo em que os cientistas e parte da população mundial assistem, atônitos e perplexos, às manifestações negacionistas, anticientíficas e pseudocientíficas de discursos de ódio e falsos contra os estudos, embasados cientificamente, com o aval das mais importantes e consolidadas instituições de ciência, tecnologia e inovação do mundo. Recorrendo ao perspectivismo nietzschiano, o filósofo enfatiza que “[...] a linguagem é produto do conhecimento e do sentido da verdade” (NIETZSCHE, 2007, p. 30). Nesse sentido, Nietzsche indaga, então “[...] se essa linguagem é a expressão adequada de todas as verdades” (NIETZSCHE, 2007, p. 30). Muitos filósofos discutem a natureza da verdade, e de que forma as emoções, os dogmas, as crenças e valores pessoais são enfatizados por enunciados de inverdades, em que dados imprecisos e informações enganosas ou errôneas são divulgadas sob uma infinidade de formas e disfarces. Na Ordem do Discurso, Foucault coloca em questão que: [...] a verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder. Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua “política geral” de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro. (FOUCAULT, 2017, p. 52).

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Afora o importante legado foucaultiano, acerca da importância das práticas discursivas para as relações de saber-poder, recorremos a um fenômeno ocorrido no século passado. Há cem anos, à época da gripe espanhola, o secretário da saúde pública nacional do Brasil, Carlos Seidl, encarava a situação instaurada pela epidemia com negligência e descaso, negando os principais preceitos da ciência. Estudos apontam que o movimento do terraplanismo, do negacionismo climático e do movimento antivacinas não são característicos dos tempos atuais. Na década de 1950, antes mesmo da existência da Cochrane Libray e, consequentemente, dos estudos randomizados e das metanálises, a indústria do tabaco se utilizava de anúncios negacionistas, contrariando os estudos sobre a prevalência do câncer de pulmão em indivíduos fumantes. Nessa perspectiva, Dias (2013, p. 112) coloca que “[...] a desinformação e a manipulação psicológica e outros subterfúgios são usados para criar um clima social de aceitação das ideias dominantes, fazendo crer que vivemos num clima de liberdade, onde não há necessidade de recear a violentação das nossas consciências.” A negação das evidências, da ciência e da educação podem comprometer o futuro das instituições de educação, ciência e tecnologia, ocasionando uma crise sistêmica entre os discursos dos cientistas e dos pseudocientistas. Nessa linha de pensamento, Marçal, diz que: Se é certo que há verdadeiras polêmicas científicas, são, por vezes, criadas controvérsias sociais que não têm nenhuma correspondência no plano científico. Tipicamente, nos tabuleiros em que se joga a tática da controvérsia, estão em confronto duas teorias e uma esmaga a outra do ponto de vista das provas em seu favor, ou seja, do conhecimento científico. (MARÇAL, 2014, p. 77).

O movimento da pós-verdade surge na perspectiva de moldar a opinião pública, através de crenças, dogmas e de um emaranhado de práticas discursivas. O fenômeno da 43


pós-verdade acarretou “[...] uma mudança profunda nos modos como as informações são produzidas, recebidas e reproduzidas” (SANTAELLA, 2019, p. 22). Na obra “Temas e dilemas do pós-digital: a voz da política”, Santaella discorre sobre o fato de vivermos em uma sociedade ocasionada por imbricamentos, verdades e inverdades resultantes das relações de saber-poder. Segundo a autora “[...] nas sociedades arquicomplexas atuais, os sistemas não têm estabilidade. Vivemos sob o signo da emergência e adaptabilidade, dada a aceleração e instabilidade do ritmo de transformações econômicas, políticas e culturais” (SANTAELLA, 2016, p. 242). Na sociedade da pós-verdade, tanto a verdade, quanto as instituições de ensino, pesquisa e inovação são constantemente questionadas e atacadas por indivíduos que discutem ciência, cura de doenças, clima e meio ambiente, sentados em uma mesa de bar ou em suas bolhas informativas. Na obra intitulada “Pós-Verdade: a nova guerra contra os fatos em tempos de Fake News”, o autor, Matthew D´Ancona, diz que [...] “quando a verdade desaba como valor social, as continuidades da prática social que ela apoiou são postas em perigo” (D´ANCONA, 2017, p. 72). Não existe uma fórmula mágica que possa exterminar o tsunami da desinformação e do negacionismo científico na era da pós-verdade. Porém, a educação e o ensino de ciências são os maiores aliados no combate às informações inverídicas. É necessário promover iniciativas de educação midiática, informacional e tecnológica, bem como princípios de educação sanitária. Para tanto, profissionais das mais variadas áreas do conhecimento precisam se unir para controlar vieses e passar a produzir tanto educação quanto ciência, baseados em evidências e checagem de dados. O paradigma das tecnologias de informação e comunicação representaram mudanças significativas na web 1.0., 2.0., 3.0. e 4.0., onde as pessoas usufruíram de recursos tecnológicos para resolverem inúmeros problemas de ordem material

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e imaterial. Porém, Edgar Morin, em seu livro “Conhecimento, ignorância e mistério”, faz o alerta de que [...] o sonho de uma sociedade humana totalmente automatizada sob a lei do algoritmo não levaria ao super humano, mas o desumano. O sonho de uma racionalidade algoritmizante tenderá a nos reduzir a máquinas triviais. É um falso ideal. O humano não é algoritimizável. Tampouco a história é algoritimizável ou previsível. (MORIN, 2020, p. 104).

Precisamos valorizar a ciência em todas as instâncias, evitando uma dicotomia entre o certo e o errado, entre a dúvida e a certeza. Obviamente, o tempo da ciência é incompatível com a ansiedade pela informação fidedigna, correta e absoluta. A ciência é das incertezas, das probabilidades, das estatísticas. Enquanto tivermos dúvidas, estaremos fazendo ciência. CONSIDERAÇÕES FINAIS Pensando na perspectiva da educação e do ensino de ciências, considera-se que um dos maiores desafios acerca do movimento pandêmico da desinformação e do negacionismo científico, ocasionados pelos fenômenos da hiperinfomação e hiperconectividade, na sociedade da pós-verdade, perpassam pela alfabetização científica. É assustador vislumbrar pesquisas encomendadas por importantes institutos nacionais mostrando que os jovens desconhecem a ciência do país, não sabem sequer mencionar o nome de um cientista e citam como principais fontes de informação para busca de conteúdos científicos o facebook, o instagram, o youtube e até mesmo o whatsapp. O contraste entre a epistemologia crítica e o negacionismo fica evidente em nosso contexto. A epistemologia crítica da ciência procura colocar os principais obstáculos referentes aos vários tipos de conhecimento, tomando como base outros estudos científicos, observando resultados de experiências adequadas, ouvindo relatos de especialistas na área e articulando todos as ferramentas possíveis para entender e melhorar a 45


construção do processo. Por outro lado, e por óbvio, o negacionismo científico não segue esse mesmo padrão. Normalmente, o negacionismo procura materiais que contrariam a consonância científica, buscam caracterizar processos conspiratórios, apresentam especialistas fictícios e tentam conjecturar contextos políticos e ideológicos. A infodemia e o desenvolvimento científico na pandemia da Covid-19 causaram um ritmo alucinado de trabalho para a comunidade científica tentar entender o SARS-CoV-2. Foram diversos projetos de pesquisa pelo mundo, alguns deles do Brasil, para o desenvolvimento de vacinas. Porém, percebemos que o excesso de informação pode acabar agindo de modo paradoxal à ciência, causando a desinformação. É muito complexo para a sociedade que não é alfabetizada cientificamente discernir informações científicas e não científicas, principalmente quando encontramos diversas falhas na divulgação científica. A popularização da ciência é importante e fundamental para o desenvolvimento de qualquer nação. Seria a melhor dimensão do conhecimento científico na prática. Entretanto, essa popularização precisa estar alicerçada em pilares educacionais, sociais e culturais mais sólidos e funcionais. Podemos conceber que esses processos seriam fundamentais para evitar as crises negacionistas que assombram nosso sistema político e social. As guerras informacionais, impulsionadas pela velocidade da internet e propagadas pelas redes sociais, causam uma grande desordem para qualquer sistema social, que busque algum tipo de equilíbrio e consenso. Esse processo se torna mais perigoso quando estamos diante de uma população com dificuldades históricas no discernimento do conhecimento científico e do conhecimento popular. Percebemos, aqui, um ponto importante a ser observado: sem buscar qualquer excesso de positivismo científico, a sociedade precisa entender que a ciência não é baseada em opiniões pessoais.

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Que o presente texto sirva de inspiração para futuros estudos, àqueles que, assim como nós, acreditam na ciência, na democratização do conhecimento, nas instituições públicas gratuitas e de qualidade e nos indivíduos que dedicam grande parte de suas vidas à produção de fatos científicos dentro dos laboratórios. É urgente discutir o caos informacional, que acarreta uma conturbada crise, consequência da fragmentação comunicacional, civilizatória e econômica.

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MULHERES NAS ACADEMIAS DE CIÊNCIAS Josefa Martins da Conceição Carlo Mazo Ferreira DOI: 10.21826/9786587422251-02

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Figura 1 – Grupo com a Senhora: Congresso de Física, 1931. Fonte: De Masi, 1999.

Quando se pensa em mulheres no contexto da ciência, uma fotografia que registra um momento singular se destaca. Essa fotografia, que data de 1931, registra o Congresso de Física da Fundação Alessandro Volta, realizado em Roma, na Itália, evento que atraiu físicos nucleares de vários países que detinham reconhecimento internacional. Nessa imagem, denominada “Foto do grupo com a senhora”, aparecem os trinta e nove cientistas participantes. A senhora em questão é Marie Curie (DE MASI, 1999). A alusão a essa cientista ressalta o fenômeno da participação desigual das mulheres na ciência, presente nos países desenvolvidos ou em desenvolvimento, acompanhado pelo silêncio das suas contribuições para o mundo científico, o qual era, outrora, de caráter predominantemente masculino. Marie Curie foi uma das mulheres a mudar a história e os rumos das mulheres no mundo da ciência, sendo considerada a maior 43


cientista de todos os tempos. Dentre outras, ela aprendeu a enfrentar e vencer desafios impostos pela sociedade e pelas condições de vida, sendo um grande exemplo como cientista para homens e, principalmente, inspirando as mulheres, pois mostrou que elas são capazes de promover descobertas tão ou mais importantes. Esse capítulo teve como pretensão resgatar o percurso histórico e a evolução das Academias de Ciências no mundo e no contexto nacional brasileiro, e revelar, também, suas relações de gênero e a participação feminina no Prêmio Nobel e no Prêmio L’Oreal para Mulheres na Ciência, temas atuais que têm sido objeto de diversas pesquisas no meio acadêmico. MULHERES NA CIÊNCIA: BREVE CONTEXTO HISTÓRICO Na Europa dos séculos XVII e XVIII, a ciência era um empreendimento jovem, forjando novas instituições e normas. Nesse universo, algumas mulheres tiveram acesso ao trabalho científico, mas, para isso, usaram pseudônimos masculinos. Outras apareciam na qualidade de ajudantes, assistentes ou colaboradoras, geralmente de seus pais, maridos ou irmãos cientistas. Produziam conhecimento fora do espaço da academia, em um trabalho considerado informal. Segundo Perrot (2005, p. 9), “[...] no tempo pretérito, existem zonas mudas, silêncio na narrativa histórica que por muito tempo ‘esqueceu’ as mulheres, como se, por serem destinadas à obscuridade da reprodução, elas estivessem fora do acontecimento”.

Esse silenciar concorre para que algumas pessoas ainda pensem que as mulheres se tornaram cientistas apenas no século XX. Contudo, ao longo do tempo, as mulheres estiveram presentes na ciência. No início, timidamente. Depois, foram ganhando mais espaço, apesar de o mundo da ciência haver se estruturado historicamente em bases masculinas, ora excluindo, ora negando as produções femininas. Historiadoras da ciência, como Shie44


binger (2001) e Del Priore (2012), afirmam que, apesar de as mulheres também serem protagonistas da história e da ciência, elas passam por tensões ou contradições que se estabelecem em diferentes épocas, entre elas e seu tempo, entre elas e as sociedades nas quais estavam ou estão inseridas. Quando se discute sobre essa participação histórica feminina na ciência, uma figura icônica se destaca: Hipátia, a filósofa grega, que reunia seus alunos para estudar Filosofia, Matemática e Astronomia na biblioteca de Alexandria, no Egito antigo, e que foi assassinada por religiosos fanáticos. Chassot (2017) afirma que ela aparece como uma estrela feminina quase solitária numa galáxia masculina, em toda a história da ciência do mundo antigo, no medieval e mesmo nos primeiros séculos dos tempos modernos. No que se refere à presença da mulher na história da ciência, é importante lembrar que a história das mulheres é recente, construída em meio a relações de poder, como também lembra Soihet (1997). Demonstrou-se, a partir de então, a importância da continuidade de se estudar a participação das mulheres nas ciências. Assim como os homens, elas também pesquisam, movimentam a sociedade, transformam valores, criam e recriam trajetórias.

Nesse contexto, no que diz respeito ao reconhecimento e premiações àqueles e àquelas que se sobressaíram nas ciências, destacam-se, dentre outros, o Prêmio Nobel e o Prêmio L’Oreal para Mulheres na Ciência. PRÊMIO NOBEL Foi criado pelo sueco Alfred Nobel, cientista e inventor, que se enriqueceu com patentes, sobretudo, de explosivos, que

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foram idealizados por ele. Entre os explosivos inventados por Nobel, está a dinamite, sua invenção mais famosa. O prêmio surgiu em cumprimento às instruções deixadas por ele em seu testamento, no ano de 1895. Concedido pela Academia de Ciências da Suécia, a partir de 1901, trata-se de um conjunto de seis prêmios internacionais anuais concedidos em várias categorias por instituições suecas e norueguesas, para reconhecer pessoas ou instituições. Atualmente, os Prêmios Nobel de Física e Química são concedidos pela Academia Real Sueca de Ciências. A instituição concede, também, o Prêmio de Ciências Econômicas, em memória de Alfred Nobel, instituído em 1968, que não é exatamente um Prêmio Nobel, mas é conhecido como a premiação na área de Economia. A Assembleia do Nobel do Instituto Karolinska concede o prêmio de Fisiologia/Medicina. A Academia Real Sueca de Ciências também é responsável pelo prêmio de Literatura. O Prêmio Nobel da Paz, por sua vez, fica a cargo do Comitê Norueguês do Nobel. Paralelamente, há, também, a premiação com a Medalha Fields, ou Medalha Internacional de Descobrimentos Proeminentes em Matemática, criado em 1936, outorgada há 84 anos. Os laureados do Prêmio Nobel recebem um diploma, uma medalha de ouro de 18 quilates e uma quantia em dinheiro, que é definida pela Fundação Nobel previamente. A premiação acontece no dia 10 de dezembro, aniversário da morte de Alfred Nobel. Ao longo desses 125 anos, contemplou 936 homens e apenas 52 mulheres, que foram contempladas nas categorias de Física, Química, Fisiologia ou Medicina, Literatura e da Paz. O Prêmio Nobel destaca-se dentre as centenas de premiações prestigiosas que reconhecem o que é tido como excelência na maior premiação mundial na pesquisa científica. Contudo, ao se observar o quantitativo de mulheres nessa premiação ao longo do tempo, constatou-se uma presença mínima de mulheres cientistas laureadas, conforme a tabela 1 a seguir.

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Tabela 1 - Panorama da participação feminina nas premiações. ANOS DAS PREMIAÇÕES

TOTAL DE PREMIADOS

Física

1901 a 2020

Química

PRÊMIO NOBEL

GÊNERO HOMENS

MULHERES

219

215

04

1901 a 2020

186

180

06

1901 a 2020

226

214

12

Literatura

1901 a 2020

139

123

16

Paz

1901 a 2020

118

104

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Fisiologia ou Medicina

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

Durante mais de cinco décadas, a polonesa Marie Curie foi a única pessoa que ganhou dois Prêmios Nobel em Ciências, em áreas distintas: o Nobel de Física, juntamente com Pierre Curie, seu marido, e o físico Henri Becquere, em 1903; e o Nobel de Química, em 1911, dessa feita, sozinha. Até o momento, nenhuma instituição ou personalidade brasileira foi vencedora do Prêmio Nobel. No entanto, muitos nomes brasileiros, todos de homens, foram indicados e considerados para o prêmio. Diante desse panorama, surge a indagação: por que tão poucas mulheres, quando o universo feminino nas ciências é muito maior? Ao longo da história, porém, muitas delas enfrentaram problemas diversos, enquanto outras foram deixadas de lado pelos parceiros nas pesquisas, os quais acabaram levando os créditos e o Prêmio Nobel (MCGRYNER, 1994; CHASSOT, 2017). Dentre as cientistas relegadas das produções, destacam-se: Lise Meitner (1878 – 1968), física austríaca, que descobriu a fissão nuclear; Rosalind Elsie Franklin (1920-1858), biofísica britânica, que descobriu, sozinha, informações sobre a estrutura do DNA; Amalie Emmy Noether (1882-1935), matemática e pacifista ardorosa alemã, que criou a álgebra abstrata, 47


considerada a mãe da matemática moderna; e Jocelyn Bell Burnnel (1943), astrofísica britânica, que encontrou o primeiro Pulsar, uma estrela de nêutrons que transforma energia rotacional em energia eletromagnética. Nos tempos mais recentes, algumas mulheres vêm sendo agraciadas com outras premiações. Uma delas, muito importante, destaca-se no Brasil. PRÊMIO L’OREAL PARA MULHERES NA CIÊNCIA A L’Oreal Brasil, em parceria com a UNESCO Brasil e a Academia Brasileira de Ciências (ABC), promove o programa “Para Mulheres na Ciência”, iniciado em 2006, cujo objetivo é transformar o cenário científico, contribuindo para o equilíbrio de gêneros na área. Trata-se de um programa extremamente bem planejado, com o intuito de dar visibilidade a jovens cientistas, promover a mentoria científica e advogar junto à sociedade a importância da ciência. É, portanto, uma premiação para Mulheres na Ciência, que busca conectar e inspirar mulheres a refletir sobre o futuro da ciência. Até 2020, o programa nacional já premiou 103 jovens pesquisadoras brasileiras, nas categorias Ciências da Vida, Ciências Químicas, Ciências Físicas, Ciências Matemáticas, Ciências Biomédicas, Ciências Biológicas e Ciências da Saúde, as quais se tornaram exemplo e referência para outras jovens cientistas. Segundo Marlova Noleto, primeira mulher a ser diretora da UNESCO no Brasil, mencionando dados recentes,

[...] apenas 20% dos pesquisadores do mundo são mulheres. No entanto, elas são responsáveis pela metade dos artigos científicos produzidos mundialmente. Por isso, nós, representantes mulheres da L’Oréal e UNESCO, temos duplo compromisso com esse prêmio, pois estamos sempre preocupadas que outras mulheres ocupem lugares de liderança em todas as carreiras no mundo (NOLETO, 2020, online).

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Interessam a esse estudo as cientistas laureadas que pertencem à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e à Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que aparecem no quadro 1 abaixo. Quadro 1 – Cientistas premiadas com o Prêmio L’Oreal para Mulheres na Ciência ANO

INSTITUIÇÃO

CIENTISTA PREMIADA

CATEGORIA

2006

UFRGS

Alessandra Bruno

Ciências Biológicas

Lisiane Porciúncula

Ciências Químicas

UFRGS

Ida Schwartz

Ciências da Saúde

UFRGS

Christiane Matté

Ciências Biomédicas

UFPE

Audrey Cysneiros

Ciências Matemáticas

2012

UFPE

Katiuscia Nadyne Cassemiro

Ciências Físicas

Adriane Ribeiro Rosa

Ciências Biomédicas

2013

UFRGS Raquel Giulian

Ciências Físicas

2007

2010

2016

UFRGS

Ana Santos

Ciências Físicas

2018

UFPE

Nathalia Lima

Ciências Químicas

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

Na 15ª edição, realizada em 2020, dentre as sete jovens premiadas, deu-se destaque nesse estudo à cientista Fernanda Farnese, bióloga do Instituto Federal Goiano, premiada na categoria Ciências da Vida, cuja pesquisa desenvolve método com óxido nítrico para a soja em períodos inesperados de seca. Em seu discurso, representando as premiadas, durante a solenidade virtual, falou sobre o estereótipo vigente sobre as cientistas, relatou que: Nos anos 70, pesquisas mostraram que, quando se pedia a uma criança que desenhasse cientistas, 99% desenhavam homens. Hoje, pesquisas similares indicam que cientistas do gênero masculino aparecem em 70% dos desenhos. Ou seja, ainda é um campo de homens (FARNESE, 2020, online). 49


Segundo Farnese (2020, online), “as mulheres, são sub-representadas, recebem menos financiamento e mais críticas do que os correlatos masculinos”. Essas premiações, campanhas e eventos por mais mulheres na ciência também se refletem nas Academias de Ciências, onde ainda há maior concentração masculina. Nos séculos XX e XXI, houve o aumento da atuação feminina na ciência. Nos tempos atuais, a luta pelo reconhecimento continua. AS ACADEMIAS DE CIÊNCIAS: ORIGEM E EVOLUÇÃO Estudos mostram que as mulheres já integram as Academias de Ciências. Contudo, é importante resgatar como essas Academias surgiram e evoluíram no mundo, como o seu conceito chegou aos dias atuais e como aconteceu essa participação feminina. Entre os anos de 366 e 385 a.C., Platão fundou a célebre Academia de Atenas, no jardim de Akademos ou Hekademos, herói ateniense da guerra de Tróia, cujo corpo foi sepultado no terreno que lhe pertencia, e passou a ser conhecido como Jardim de Akademos. Ali, Platão se reunia com seus discípulos para perpetuar seu mestre, Sócrates. Nesse espaço, foi construído o Templo dedicado a Atena, deusa da sabedoria. Platão fundou a Academia aos 40 anos de idade, e permaneceu como “presidente” até os seus 80 anos. Após sua morte, continuou como um instituto de pensamento livre até o século VI, durando 916 anos. Nela, discutia-se livremente todos os assuntos. O termo Academia passou a ser utilizado no século XV, em Florença, na Itália, para definir grupos de estudos de cultura clássica. Posteriormente, estendeu-se às escolas de ensino superior.

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AS ACADEMIAS DE CIÊNCIAS NO MUNDO E SUAS RELAÇÕES DE GÊNERO A literatura apresenta uma série de Academias de Ciências distribuídas em vários países. Este estudo destacou algumas delas. No entanto, a participação das mulheres nessas Academias aconteceu lentamente, uma vez que, por muito tempo, com poucas exceções, as mulheres não puderam desenvolver pesquisas, já que eram impedidas de frequentar as instituições de ensino, pois a elas estava destinado assumir o cuidado da casa, dos filhos e do marido. Cabe destacar que as universidades, embora tenham sido criadas no século XII, só passaram a admitir efetivamente as mulheres em seu quadro de discentes e docentes no final do século XIX e início do século XX (SCHIEBINGER, 2001). De certa forma, as histórias e as trajetórias de mulheres cientistas constituem uma parte por vezes negligenciada na historiografia da ciência. Apesar desse período histórico haver sido fortemente marcado pela produção científica masculina, Chassot (2004) afirma que, em algumas das expedições científicas, a presença feminina se fez presente e vale ser ressaltada pela coragem em realizar ou participar de uma expedição científica e pela ousadia nas observações e registros. Em meio a esse ambiente, as regras de gênero poderiam ser mais maleáveis. Por séculos, as mulheres viajaram para lugares distantes, registrando suas observações em cartas, diários e pinturas, o que permitiu a construção de uma historiografia sobre mulheres viajantes, que atuaram como pesquisadoras de campo (LOPES, 2017). Se, por um lado, a institucionalização excluía as mulheres no século XIX, o campo permanecia sendo um lugar mais permissivo, diferente da ciência produzida entre quatro paredes e com regras estritamente rígidas (SHIEBINGER, 2008). Antes desse período, poucas mulheres estudaram. Nesse contexto, as primeiras Academias de Ciências não deram acesso às mulheres. Foi possível observar que, em

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algumas dessas instituições, essa admissão ocorreu após séculos das suas existências, conforme o discriminado a seguir. ACADEMIA NACIONAL DOS LINCES Foi a primeira Academia, criada em 1603, em Roma, na Itália, pelo príncipe Frederico Angelo. Seu nome deriva do lince, animal caracterizado pela agudeza do seu olhar. Para seus fundadores, seus membros deveriam ser homens dotados de inteligência rápida, assim como esse animal. Após pouco mais de quatro séculos, no ano de 2012, essa Academia admitiu a primeira mulher como sócia correspondente, a física italiana Fabíola Gianotti. ROYAL SOCIETY OF LONDON Foi a segunda Academia, criada em 1660, em Londres, Inglaterra. Embora não houvesse impedimentos para a eleição de mulheres, em suas cartas e estatutos originais, a eleição de membros femininos durante a longa história da sociedade excluiu as mulheres durante 240 anos da sua criação. Admitiu a primeira mulher como membro fellow em 1900, a naturalista britânica e ativista dos direitos das mulheres, Marian Sarah Ogilvie Farquharson. ACADEMIA DE CIÊNCIAS DE PARIS Foi criada em 1666, em Paris, França. Durante três séculos, as mulheres não foram permitidas como membros. Nesse contexto, foram excluídas muitas cientistas, incluindo a ganhadora do Prêmio Nobel de Física em 1903 e o Prêmio Nobel de Química em 1911, Marie Curie, que teve sua candidatura rejeitada. Da mesma forma, a ganhadora do Prêmio Nobel de Química em 1935, Irène Joliot-Curie, a matemática Sophie Germain e outras mulheres cientistas meritórias também não foram admitidas. A primeira mulher a ser aceita como membro correspondente foi uma aluna de Marie Curie, a física e química

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francesa Marguerite Perey, em 1962. A Academia criou o Prêmio de Matemática Sophie Germain, concedido anualmente a partir de 2003. A ARQUIVOLOGIA: IMPORTÂNCIA PARA A MEMÓRIA INSTITUCIONAL E DAS CIENTISTAS BRASILEIRAS A arquivologia tem como princípios básicos no desenvolvimento de sua atividade a preservação, a recuperação e a difusão da informação, na qual o profissional arquivista está inserido. Apesar de essa função ser desenvolvida desde tempos antigos, em sua versão moderna, essa ciência limitou suas práticas a arquivos históricos e administrativos, afastando-se da área científica, a qual, sabidamente, tem uma elevada produção documental e necessidade de trato e gestão documental. TROCAS MÚTUAS ENTRE O ARQUIVISTA E O PESQUISADOR Para Paulo Roberto Elian dos Santos, pesquisador com foco em gestão documental desenvolvendo suas atividades funcionais na FIOCRUZ, a presença de um profissional arquivista desenvolvendo as funções de gestão documental em ambientes científicos ainda é incipiente no Brasil (2009, p. 156). É uma caminhada inicial em busca do objetivo final: a difusão. Para isso, é preciso uma haja uma troca constante entre o arquivista e o pesquisador, focando sempre na compreensão mútua entre os protagonistas, tendo em vista que, por vezes, essa interação vê-se prejudicada pelo desconhecimento aprofundado do profissional em gestão documental sobre a área do pesquisador. Então, é de suma importância a troca de experiencias e a proximidade daquele que cria e desenvolve o conhecimento no Brasil. ACADEMIAS DE CIÊNCIAS NO BRASIL: MULHERES FAZENDO CIÊNCIA A participação das mulheres nas atividades científicas é um tema instigante aos estudos de gênero na ciência. Consiste

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em um insight, no sentido de buscar o que vem sendo produzido, por quem, quando e onde, a fim de possibilitar uma maior familiaridade sobre o assunto no contexto brasileiro e, também, a análise, mesmo que de forma panorâmica, de como vem sendo problematizada a temática das mulheres na ciência brasileira e nas Academias de Ciências no contexto nacional (IGNOTOFSKY, 2017). O tardio acesso à educação e ao ensino superior por parte das mulheres ocasionou o consequente ingresso e o reconhecimento tardio das mulheres brasileiras nas carreiras cientificas. Com o passar dos anos, surgiram as pioneiras, aquelas que ousaram e quebraram esse paradigma, libertando-se das amarras decorrentes da sociedade patriarcal (LERNER, 2019). Segundo dados da Open Box da Ciência (2020), as mulheres compõem cerca de 40% dos pesquisadores e 46% dos docentes de ensino superior no Brasil. No entanto, as desigualdades de gênero afunilam a presença feminina nos postos acadêmicos de maior prestígio, em posições de liderança e em organizações de cunho científico. Entretanto, o esforço de muitas não impediu a invisibilidade das mulheres ao longo do tempo no campo das ciências, o qual, durante muito tempo, excluiu seus nomes. ACADEMIA BRASÍLICA DOS ESQUECIDOS No Brasil, o primeiro movimento acadêmico brasileiro surgiu através da criação de uma Academia de Letras no Brasil Colônia, denominada Academia Brasílica dos Esquecidos, que surgiu em Salvador, na Bahia, em 1724, sob o patrocínio do vice-rei D. Vasco Fernandes César de Meneses. Teve origem como resposta dos letrados coloniais aos letrados de Portugal, por não fazerem parte da Academia de História Portuguesa, criada em Lisboa, no ano de 1720. Essa Academia foi composta por membros de todas as colônias, exceto o Brasil, fato que justificou a criação de uma Academia no Brasil Colônia, que destacava em seu nome o fato de terem sido esquecidos pela metrópole.

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Composta por sete membros, em mais um ato de rebeldia, adotaram os seguintes pseudônimos, em tom de crítica aos portugueses: Obsequioso, Nubiloso, Ocupado, Menos Ocupado, Laborioso, Vago (Rocha Pita) e Venturoso. No entanto, a Academia Brasílica dos Esquecidos teve curta duração, encerrando suas atividades no ano de 1725. ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS (ABL) É uma instituição cultural, inaugurada em 20 de julho de 1897, com sede no Rio de Janeiro, cujo objetivo é o cultivo da língua e da literatura nacional. Seguindo o modelo da Academia Francesa, atualmente, a ABL é constituída por 40 membros efetivos e perpétuos. Além desse quadro, existem 20 membros correspondentes estrangeiros. A ABL continua sendo referência histórica para as demais Academias brasileiras (BETTIOL et al., 2018). Quanto ao ingresso de mulheres, há dois fatos interessantes. O primeiro deles se refere à escritora Júlia Lopes de Almeida, que foi a única mulher a participar das reuniões para a criação, contribuindo para a fundação da ABL. Ficou decidido pela comissão que a cadeira de nº 03 seria ocupada por ela. Porém, não foi escolhida para figurar entre os imortais da Academia pelo motivo de ser mulher. A cadeira de nº 03, que lhe seria atribuída, foi repassada ao seu marido, o também escritor Filinto de Almeida, o qual tomou posse na solenidade de inauguração. Júlia faleceu em 1934. Em 2017, a ABL se retratou, afirmando que a escritora Júlia Lopes foi uma grande escritora, e poderia ter feito parte da ABL. Reparou essa injustiça, incluindo seu nome na relação dos escritores que poderiam ter ingressado naquela Academia. O segundo fato diz respeito ao casal Amélia e Clóvis Beviláqua, ela, escritora, e ele, jurista e membro fundador da ABL. Em 1930, sua esposa se candidatou a uma vaga na ABL, mas foi rejeitada. Diante desse fato, Clóvis não aceitou o resultado, e questionou o porquê. A comissão responsável pela escolha dos novos candidatos alegou que, segundo o regimento,

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os membros tinham que ser brasileiros, e foi interpretado que o termo “brasileiro” se referia a homens, portanto, sendo mulher, ela não poderia ser admitida. Tal justificativa não foi aceita por Clóvis, que falou: “Onde foi vedada a entrada a minha esposa, foi vedada também para mim, aqui não pisarei mais”. Ele saiu, e nunca mais voltou à ABL. Essa história deixa ver nas entrelinhas que outras presenças femininas foram vetadas, marcando também outras ausências que nomeiam a presença latente de muitas escritoras que sonharam em pertencer à ABL, perfazendo lacunas repletas de significados. Décadas depois, em 1977, a Academia Brasileira de Letras admitiu a primeira mulher como membro, a escritora Raquel de Queiroz, após um hiato de oitenta anos entre a criação da entidade, em 1897, e o ingresso da primeira mulher, em 1977. ACADEMIA NACIONAL DE ENGENHARIA (ANE) Representando a área das Ciências Exatas, tem-se a Academia Nacional de Engenharia, fundada em 25 de abril de 1991, na cidade do Rio de Janeiro/RJ. Durante as reuniões para a criação da ANE, o grupo fundador contou com a participação de uma mulher. Ocorreu a solenidade de fundação e, entre os titulares admitidos, encontrava-se a engenheira civil, carioca, Clara Perelberg Steinberg, a primeira mulher admitida na ANE. Três anos depois, foram admitidas mais duas mulheres: a engenheira civil Carmen Fridman, e a engenheira civil Djenane Cordeiro Pamplona. ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS (ABC) A Academia Brasileira de Ciências foi fundada em 1916, com sede na cidade do Rio de Janeiro, e celebrou seu 1º Centenário no ano de 2016 (ACADEMIA..., 2016). No entanto, admitiu as primeiras mulheres como membros correspondentes em 1926, ao completar dez anos de existência. A física e radioquímica polonesa Marie Curie, que esteve em viagem ao Brasil para uma série de conferências naquele ano, após conferência na ABC, tornou-se membro correspondente estrangeira. Ainda

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em 1926, a ornitóloga e naturalista alemã Emília Snethilage, que vivia no Brasil desde 1905 desenvolvendo pesquisas no Museu Goeldi, em Belém, no Pará, também se tornou membro correspondente da ABC (ACADEMIA...[2020]; ESTEVES; MASSARAN; MOREIRA, 2007). No ano de 1951, apenas 35 anos após a sua criação, a ABC admitiu mulheres em seus quadros, na categoria de membro titular e associado. Naquele ano, a matemática e professora Marília Chaves Peixoto, gaúcha de Santana do Livramento, foi eleita para a ABC, tendo sido a primeira brasileira a ingressar nos quadros dessa Academia. Também nesse ano, a pernambucana Maria Laura Mouzinho, 1ª doutora em Matemática do Brasil, foi a segunda mulher a ingressar na ABC. Em 2018, em estudo publicado nos Anais da ABC, pesquisadoras afirmam que “concentramo-nos na distribuição por gênero entre as diferentes áreas do conhecimento e identificamos que a proporção de mulheres é muito pequena em todas as áreas, sendo no máximo 25% nas áreas onde são mais frequentes e apenas 1% na Engenharia”, (FERRARI et al., 2017, p. 2544). Esse problema da sub-representação feminina continua sendo realidade na Física (BARBOSA, 2013) e também ocorre na ABC. Como forma de iniciar uma reversão desse quadro, em 2019, a entidade começou a adotar medidas para ter maior paridade em seus quadros. No caso particular de gênero, o movimento de ação afirmativa vem trabalhando desde os anos 60 para aumentar a participação das mulheres em todos os campos. Infelizmente, o aumento dessa participação na ciência é lento. CIENTISTAS DA UFRGS NA ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS A Universidade Federal do Rio Grande do Sul, pelo oitavo ano consecutivo, mantém-se no topo da classificação em excelência dentre as instituições federais, segundo o MEC. Isso não se dá somente pela capacidade de acolher e ensinar mais de quarenta mil alunos e um quadro de funcionários de quase

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dez mil servidores. A UFRGS é, pois, pioneira em pesquisa, desenvolvimento acadêmico e inovação. QUEM SÃO ELAS? Como prova de excelência, a UFRGS conta em seu quadro com nada menos que onze pesquisadoras que atuam como membros titulares da Academia Brasileira de Ciências, são elas: Adriana Raffin Pohlmann (Ciências Químicas); Angela Terezinha de Souza Wyse (Ciências Biológicas); Mara Helena Hutz (Ciências Biológicas); Marcia Cristina Bernardes Barbosa (Ciências Físicas); Marcia Maria Auxiliadora Naschenveng Pinheiro Margis (Ciências Agrárias); Maria Inês Schmidt (Ciências da Saúde); Miriani Griselda Pastoriza (Ciências Físicas); Poli Mara Spritzer (Ciências da Saúde); Sílvia Stanisçuaski Guterres (Ciências Químicas); Thaisa Storchi Bergmann (Ciências Físicas) e Vera Lúcia da Silva Valente Gaiesky, (Ciências Biológicas) (ACADEMIA...[2021]). NÚMERO DE DOUTORAS CRESCE 61% EM SEIS ANOS Segundo o Portal governamental da CAPES, em matéria publicada no ano de 2021, a quantidade de doutoras tituladas a cada ano cresceu 61%, de 2013 a 2019. O número passou de 8.315 para 13.419 na série histórica analisada, e sempre esteve à frente do de homens, que aumentou de 7.336 para 11.013 no mesmo período. A matéria destaca, também, que a presença feminina é relevante para a propriedade intelectual da ciência nacional. O número de patentes registradas com participação de mulheres registrou crescimento de 682% em seis anos. Foram 335 em 2013, e 2.621 em 2019. Porém, diferentemente dos títulos, a quantidade ficou abaixo em relação aos homens - 497 em 2013, e 3.346 em 2019. O Dia Internacional da Mulher, data comemorativa oficializada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1970, simboliza a luta histórica das mulheres para que tenham as

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condições de trabalho equiparadas às dos homens. Celebrado a cada 8 de março, serve para protestar contra a desigualdade salarial, o machismo e a violência (CAPES, [2021]). ACADEMIA PERNAMBUCANA DE CIÊNCIA AGRONÔMICA: AS CIENTISTAS NOS LABORATÓRIOS Criada em 1983 e fundada no ano seguinte, em 1984, a Academia Pernambucana de Ciência Agronômica (APCA), desde os seus primórdios, destinou uma cadeira para uma mulher naquele grupo inicial, composto por 30 membros. Ao longo dos anos, a participação feminina cresceu. Atualmente, sete cientistas integram essa Academia, que se revela um nicho tradicionalmente masculino nas Ciências Agrárias em Pernambuco. A questão de gênero revelou que, nessa Academia, há um percentual masculino de 76%, enquanto que a participação feminina é de 24%. Quadro 2 - Cientistas da APCA ANO DE ADMISSÃO

NOME

CATEGORIA

ÁREA DE ATUAÇÃO

1984

Maria Menezes

Titular

Fitossanidade

1994

Rosa de Lima R. Mariano

Titular

Fitossanidade

2005

Maria Celene Cardoso de Almeda

Titular

Fruticultura

2010

Rita de Cássia A. Pereira

Titular

Botânica

2017

Patrícia Coelho de Souza Leão

Correspondente

Genética Vegetal

2017

Luana Cassandra B. B. Coelho

Titular

Bioquímica

2019

Vivian Loges

Titular

Floricultura

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

É nesse contexto de relacionamentos nem sempre fáceis que essas cientistas utilizam e certificam suas pesquisas e a importância dos laboratórios utilizados nas universidades e institutos de pesquisa, evidenciando a relevância desses espaços nas atividades científicas por elas desenvolvidas. As 59


atividades científicas servem de estimulo para a percepção do como se constrói a ciência (LATOUR, 2011). Entretanto, esse teórico, em suas incursões etnográficas em laboratórios bem situados no campo científico internacional, em seus registros, em seu olhar de antropólogo, deixou passarem despercebidas as mulheres cientistas que neles atuavam, o que não significa a ausência feminina nesses lugares, mas a sua invisibilidade nesses estudos. As cientistas da APCA, assim como as cientistas das demais Academias de Ciências, desenvolvem árduo trabalho de construção da ciência no laboratório, o qual constitui importante espaço em suas pesquisas e se consolida enquanto espaço de pesquisa científica individual ou em pares, mas, também, como lugar de orientação e educação dos orientandos (PIGEARD-MICAULT, 2013). A produtividade é, também, um item constante nas análises sobre gênero e ciência, assim como a publicação dos resultados, ao ser referendada pela comunidade científica, (LATOUR; WOOLGAR, 1997). Sendo assim, seus Currículos Lattes revelaram pesquisas produzidas, que atenderam a demandas específicas, produzindo dados transformados em informações científicas publicadas através de artigos publicados em periódicos de alto impacto, reconhecidos na comunidade nacional e internacional formada por seus pares. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo da história, as mulheres não estiveram ausentes da ciência, elas ficaram invisíveis. Apesar da ascendente participação feminina na ciência, esse crescimento ainda ocorre lentamente. A escolha do tema acerca das cientistas nas Academias de ciência foi instigante. Em seu desenvolvimento, a leitura dos teóricos e a análise dos dados permitiram trazer à visibilidade o contexto ainda pouco conhecido das Academias de Ciências no mundo e no Brasil, bem como das cientistas que delas fazem parte, como uma contribuição para reflexões sobre as mulheres na ciência.

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Buscou-se compreender a ciência a partir dos sujeitos que a constroem. Nessa compreensão, houve a percepção da ciência como campo social estruturado por instituições e agentes. No presente estudo, as Academias de Ciências representaram as instituições, e as agentes são as cientistas que produzem o conhecimento científico. Assim como os homens, elas também movimentam a sociedade, transformam valores, criam e recriam trajetórias. Suas presenças nessas Academias interessaram a esse estudo, uma vez que, apesar dos percentuais que expressam a diferença na representação de homens e mulheres na ciência, refletem, sobretudo, que essa é uma realidade recorrente na maioria das Academias de Ciências. Entre os achados considerados relevantes, ficou evidente a disparidade do quantitativo na relação de gênero em cada Academia, demonstrando que, no Brasil, os homens ainda são maioria no fazer científico, ratificando a percepção dos teóricos com relação à invisibilidade feminina nas ciências. Contudo, apesar do menor número nessas Academias, as cientistas são atuantes no fazer e nas ações que visam a popularizar a ciência. No entanto, ratifica-se que, em função do movimento em favor da igualdade de gênero nas atividades laborais e das ações afirmativas direcionadas à presença feminina nas ciências, essa presença vem ocorrendo, porém, em ritmo lento. Esses achados oportunizaram o debate de temas e conceitos pertinentes, como o teto de vidro, pois é preciso entender a transparência do vidro como ausência de barreiras que impedem as mulheres de ocuparem cargos e posições de poder, no presente estudo, posições de poder e equidade de gênero nas Academias de Ciências, bem como compreender a posição do teto como um entrave para a ascensão das mulheres. O estudo também sinalizou outros achados significativos que merecem menção. A despeito dos avanços relatados, 61


existe um longo caminho a ser traçado para a plena participação feminina na ciência e, consequentemente, nas Academias de Ciências, como a instituição da paridade entre mulheres e homens em todos os níveis e espaços. Ficou evidente a existência de um grande número de mulheres engajadas nas atividades científicas nacionais. O nítido avanço desse contingente de pesquisadoras na direção da busca por maior qualificação profissional aponta para um reconhecimento da participação feminina na criação da ciência. Percebeu-se que a tônica da produção científica está presente e constante no dia a dia das cientistas, as quais, assim como outras mulheres, vêm ocupando seus lugares na ciência, desenvolvendo pesquisas, produzindo dados transformados em informações científicas publicadas através de artigos em periódicos de alto impacto, reconhecidos na comunidade nacional e internacional formada por seus pares. Notou-se que essas mulheres vêm, ao longo do tempo, impondo-se pela essência do conteúdo e afirmando suas presenças na atualidade. Outro achado encontrado foi que a visibilidade dessas mulheres e das suas competências e habilidades serve para a quebra de preconceitos. Isso leva a acreditar que muitas meninas e jovens de hoje, ao internalizarem informações relacionadas ao que é ciência, o que vem a ser cientista, qual seu papel na sociedade, suas contribuições para a melhoria da humanidade, possivelmente, sentir-se-ão motivadas para serem as cientistas do amanhã. Contudo, os desafios ainda são muitos. Urge ressaltar, finalmente, que essa discussão não é definitiva, nem se esgota com os resultados deste capítulo.

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REFERÊNCIAS ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS (org.). Academia Brasileira de Ciências e os caminhos da pesquisa científica no Brasil: uma história entrelaçada (1916-2016). Rio de Janeiro: A Academia, 2016. Disponível em: http://www.abc.org.br/ IMG/pdf/doc-6867.pdf. Acesso em: 2 nov. 2020. ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS. Expansão e consolidação da ABC. Rio de Janeiro, [2020]. Disponível em: http://www.abc.org.br/centenario/1923-1933-expansao-e-consolidacao-da-abc/1926-2/. Acesso em: 21 out. 2020. ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS. Membros Titulares. Rio de Janeiro, [2021]. Disponível em: http://www.abc.org.br/a-instituicao/membros/. Acesso em: 5 mar. 2021. BARBOSA, M. C.; LIMA, B. S. Mulheres na Física do Brasil: Por que tão poucas? E por que tão devagar? In: YANNOULAS, S. C. (Coord). Trabalhadoras: análise da feminização das profissões e ocupações. Brasília: Editorial Abaré, 2013. BETTIOL, M. R. B. et al. Entre livros e discursos: a trajetória das mulheres da Academia Brasileira de Letras. Erechim/Frederico Westphalen: URI, 2018. Disponível em: http://www.fw.uri. br/NewArquivos/publicacoes/publicacoesarquivos//297.pdf. Acesso em: 23 maio 2020. CAPES. Número de doutoras cresce 61% em seis ano. Brasília, 8 mar. 2021. Disponível em: https://www.gov.br/capes/pt-br/ assuntos/noticias/numero-de-doutoras-cresce-61-em-seis-anos. Acessado em: 8 mar. 2021. CHASSOT, A. A ciência através dos tempos. São Paulo: Moderna, 2004. CHASSOT, A. A ciência é masculina? é, sim senhora. São Leopoldo: Unisinos, 2017.

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AVALIAÇÃO DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA Luciana Gasparotto Alves de Lima Juliana Carvalho Pereira DOI: 10.21826/9786587422251-03

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A produção de conhecimento de uma determinada área de estudos incorpora debates e dissensos relacionados ao avanço da ciência em prol do desenvolvimento social e econômico. Nessa perspectiva e, com a velocidade no desenvolvimento da Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), impactos tendem a serem significativos na sociedade da informação e do conhecimento, uma vez que esses são elementos fundamentais no processo de consolidação de uma nova concepção de sociedade. Nesse contexto, a reflexão a seguir diz respeito a dialogar com algumas influências que demarcam a constituição de um campo como o de Ensino de Ciências na pós-graduação brasileira, tendo como aporte teórico principal a sociologia de Pierre Bourdieu, utilizando o conceito de campo, capital e habitus, com o intuito de identificar possíveis tendências e desafios ao longo da geração do conhecimento científico. O estudo ainda ratifica algumas peculiaridades na avaliação da produção científica e os instrumentos utilizados na Avaliação Quadrienal de Programas de Pós-Graduação (PPG), promovida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Cabe contextualizar que a avaliação realizada pela CAPES objetiva, principalmente, analisar os resultados dos programas que fazem parte do Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG), em nível macro de análise. Diz respeito, assim, ao contínuo processo de avaliação que envolve a participação da comunidade científica na busca por alcançar um padrão de excelência nos cursos nacionais de mestrado e doutorado (BRASIL, 2020b). Trata sobre a construção da busca de estratégias e alcance de metas, uma vez que ocorre periodicamente e envolve programas de pós-graduação em funcionamento, 71


incluindo cursos de mestrado e doutorado acadêmico e profissional de diversas áreas temáticas. Esse estudo se atém à Área de Ensino que “[...] integra a Grande Área Multidisciplinar, tendo sido uma das quatro áreas criadas em 6 de junho de 2011, por meio da Portaria CAPES nº 83/2011” (BRASIL, 2019, p. 3). A seguir, na seção 2 discorreu-se sobre a constituição do campo científico da Educação em Ciências no Brasil, tendo como respaldo alguns conceitos desenvolvidos por Pierre Bourdieu e possíveis movimentos que os pesquisadores/atores tendem a realizar durante o processo de investigação científica até a conclusão e publicação dos resultados do estudo. Já a seção 3 tratou, especificamente, sobre como a produção científica perpassa todo o processo de avaliação realizado pela CAPES, podendo ser como principal item avaliado ou elemento secundário resultante de alguma outra ação. Dessa forma, procedeu-se à análise da Ficha de Avaliação 2017-2020 da área de Ensino, tendo como foco a produção científica dos PPGs, e em quais quesitos ela é avaliada, seja qualitativa ou quantitativamente. A EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS NA PERSPECTIVA RELACIONAL DA SOCIOLOGIA DE PIERRE BOURDIEU A PARTIR DOS CONCEITOS: CAMPO, CAPITAL E HABITUS A constituição do campo científico da Educação em Ciências, no Brasil, suscita uma densa discussão, em especial, no que diz respeito ao processo de produção de conhecimento. Tal reflexão se fundamenta no fato de a ciência brasileira desempenhar um papel fundamental nos resultados de pesquisas, que são realizadas nas pós-graduações em Instituições de Ensino Superior (IES), e

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aferidas, dentre outros indicadores, pela avaliação quadrienal da CAPES. O estudo realizado por Paula, Jorge e Morais (2019) sobre os resultados da produção científica de profissionais da saúde salienta a pouca autonomia no desenvolvimento da ciência, impelida pela necessidade de responder às urgências científicas e sociais de cada época. Segundo esses autores, “[...] a investigação científica, pensada na lógica da academia e da ciência, considerando as necessidades da sociedade, deve ser planejada para ser utilizada e aplicada” (PAULA; JORGE; MORAIS, 2019, p. 2). Desse modo, o campo de uma pesquisa pode sofrer influências, desde a elaboração da questão de pesquisa até a efetiva aplicação e publicação dos seus resultados finais. Ao buscar respaldo na sociologia da ciência, foi possível perceber que essa reflexão tem sido aventada desde a década de trinta pelos sociólogos da ciência, como o americano Robert Merton, que defendia a autonomia da ciência, independente do Estado, para que não sofresse nenhuma pressão da sociedade. No entanto, “[...] Bourdieu, Habermas dentre outros pesquisadores [...] põem em xeque essa pretensa autonomia” (SOUSA; GERALDE, 2008, p. 165). Essa assertiva é corroborada pelos estudos de Hochman (1994, p. 208-209), quando ele explica que, para Bourdieu, [...] a noção de comunidade científica autônoma, insulada e auto-reprodutora, com cientistas neutros interessados somente no progresso da sua disciplina, esconde, mais do que elucida, a dinâmica das práticas científicas na sociedade moderna. A autonomia da comunidade científica (e da ciência), como requisito para a eficiência do trabalho científico, deve ser entendida a partir da natureza da sociedade em que ela se insere.

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Nesse complexo meio social, no qual a ciência está inserida, a produção do conhecimento estará voltada à natureza da sociedade, isto é, a interesses econômicos. “A própria luta que os pesquisadores travam pelo lucro simbólico, autoridade científica, determina quais áreas serão mais prestigiadas. Assim colocado, para Bourdieu, a ciência não é autônoma” (SOUSA; GERALDE, 2008, p. 166). Ela subsiste para garantir o mundo social, e deve ser compreendida a partir de campos divididos hierarquicamente, em que os indivíduos são considerados conforme o acúmulo de capital (científico) e a posição que ocupam no campo (BOURDIEU, 1984, 1986). O CAMPO Segundo o autor, “[...] um campo social como outro qualquer, com suas relações de força e monopólios, suas lutas e estratégias, seus interesses e lucros, mas onde todas essas invariantes revestem formas específicas” (BOURDIEU, 2004, p. 122, grifo do autor). Desse modo, “O campo científico é um mundo social e, como tal, faz imposições, solicitações [...] as pressões externas, sejam de que natureza forem, só se exercem por intermédio do campo, são mediatizadas pela lógica do campo” (BOURDIEU, 2004, p. 21). Nessa circunstância, diz respeito a disputas de poder, e pode ser considerado um indicador central na luta por interesses. Segundo Nascimento e Brufrem (2017, p. 89), essas peculiaridades podem ser percebidas “[...] não só no campo acadêmico e/ou científico, mas em todo e qualquer campo, que como eles podem ser designados como uma arena de poder. São as relações hierárquicas instituídas entre os atores e podem indicar as desigualdades nesse meio”. A pesquisa de Silva e Targino (2018) sinaliza o quanto essa lógica da produção científica pode gerar uma espécie de competição entre os pesquisadores para a obtenção da conhecida autoridade científica, do prestígio

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ou do capital simbólico, pois talvez a cooperação científica possa ser fator fundamental para esse fim. A estrutura “[...] do campo científico muda a concepção ingênua da ciência transformando-a em prática, na qual a lógica da produção colaborativa passa a ser a tônica principal” (SILVA; TARGINO, 2018, p. 15). Esse campo social, quando em disputa de alguma autoridade científica, poderia impactar a produção científica em coautoria, por exemplo, já que essa agregaria pontos numa avaliação do curso de pós-graduação. Ainda segundo Bourdieu (2002) o capital científico também levanta a discussão do capital simbólico na forma de autoridade científica, residindo tanto em cientistas particulares de alto status ou como poder sobre o campo científico, que pode ser exercido, evidentemente, por governos, organizações e outras agências, não apenas por cientistas. CAPITAL Cada campo não será determinado apenas como um lugar de constituição, mas uma forma específica de capital. Os atores e as instituições consolidadas nesse cenário estabelecem as regras do jogo político e científico, permitindo que o poder específico e o temporal definam:

[...] reconhecimento de uma competência que, para além dos efeitos que ela produz e em parte mediante esses efeitos, proporciona autoridade e contribui para definir não somente as regras do jogo, mas também suas regularidades, as leis segundo as quais vão se distribuir os lucros nesse jogo, as leis que fazem que seja ou não importante escrever sobre tal tema, o que é brilhante ou ultrapassado. (BOURDIEU, 2004, p. 27).

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A abordagem percebida em Bourdieu (2002) argumenta que tendem a prevalecer os interesses dos dominantes, numa estrutura de campo, e pode ocorrer o monopólio do capital científico específico de determinadas autoridades, ou seja, a formação de grupos intelectuais centrais e, também, dos grupos marginais, que não seguem o que é estabelecido na hierarquia do campo. Para Bourdieu (2015, p. 75), o capital social está vinculado “[...] a um grupo, como conjunto de agentes que não somente são dotados de propriedade comuns (passíveis de serem percebido pelo observador, pelos outros ou por eles mesmos), mas também são unidos por ligações permanentes e úteis”. No meio acadêmico, um exemplo de capital pode ser deduzido na internacionalização dos estudos indexados em bases consideradas de prestígio, pois tendem a garantir elevados índices de citação. A análise dessas citações é uma ferramenta bibliométrica muito utilizada na identificação de trabalhos considerados de relevância no meio acadêmico, além de indicar possíveis relações entre autores e áreas do conhecimento. Os estudos de Nascimento e Brufrem (2017, p. 97) ainda reforçam como o “[...] sistema de comunicação científica chancela e confere distinção aos autores que dele fazem parte, atribuindo-lhes maior capital científico puro que poderá ser transformado em temporal conforme os postulados de Pierre Bourdieu”. Nesse esforço teórico realizado, foi possível perceber a complexidade do conceito de capital, pois ele ainda pode assumir muitas formas, cada uma das quais podendo ser avaliada de modo diferente, a depender da lógica dominante do campo em questão. Segundo Bourdieu (1986), o capital tem quatro formas: a) econômica, relativa aos recursos financeiros; b) cultural, como aparência física, a linguagem falada, o próprio desempenho acadêmico; c) social, relativa à rede social de um indivíduo; e d) simbólica, que se refere ao prestígio e ao reconhecimento.

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Indivíduos que iniciam a vida com mais capital, seja por herança ou por exposição imediata à cultura dominante, terão mais possibilidades de obter vantagens pessoais e sociais. O valor do capital não é determinado apenas pela forma, mas também por fatores, como a forma de aquisição e as características pessoais do proprietário. Os desafios aumentam quando o capital de um indivíduo é desvalorizado pelas regras que operam no campo. Para os autores Turnbull et al. (2019, p. 3, tradução nossa), “Bourdieu interpretou o capital como um legítimo e valioso recurso que os indivíduos podem usar para obter vantagens na sociedade”. Isso indicaria uma possível vinculação ao conceito de habitus desenvolvido por Bourdieu, pois tal conexão poderia indicar o universo simbólico e cultural da sociedade em geral dentro de um sistema de dominação. HABITUS Na construção conceitual elaborada por Bourdieu (1984), enquanto o capital é o que determina a posição de alguém dentro do campo, o habitus é o que determina a disposição de alguém em relação a ele, ou seja,“O habitus, principalmente o acadêmico, tem por prerrogativa a adequação espontânea a situações também variáveis forjadas no confronto instituído no campo” (NASCIMENTO; BUFREM, 2017, p. 92). As autoras não se referiram a confrontos pessoais, mas, sim, ao embate de ideias a cada novo estudo publicado, por exemplo. O habitus consiste no que é utilizado para determinar se o campo é algo no qual os indivíduos estão interessados, com base em evidências empíricas presentes no ambiente social. Segundo Bourdieu (1984), o gosto pessoal de cada indivíduo, produzido pelo habitus, constitui-se a partir do mundo sociocultural e histórico do campo, um modo de perceber como as coisas parecem ser. Esse meio pode ser representado pelas relações recíprocas, o que

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poderia, em suma, incentivar a reprodução cultural da desigualdade ao longo do tempo. Ainda segundo o autor, [...] tal noção permitia-me romper com o paradigma estruturalista sem cair na velha filosofia do sujeito ou da consciência, a da economia clássica e do seu homo economicus que regressa hoje com o nome de individualismo metodológico. Retomando a velha noção aristotélica de hexis, convertida pela escolástica em habitus, eu desejava reagir contra o estruturalismo e a sua estranha filosofia da ação que, implícita na noção levi-straussiana de inconsciente, se exprimia com toda a clareza entre os althusserianos, com o seu agente reduzido ao papel de suporte da estrutura. (BOURDIEU, 2000, p. 60-61, grifos do autor).

O habitus tornou-se um conjunto de conhecimentos agregados ao longo do tempo. Para o autor, a sua caracterização ressaltava a capacidades criadora, ativa, inventiva do agente, algo que não era incluído na noção dita comum de hábito. Considera, assim, a construção de objetividades e de subjetividades do indivíduo. A partir dessas aproximações com sociologia de Bourdieu, procurou-se relacionar a estratégia da produção do conhecimento em conceitos de campo, capital e habitus no meio acadêmico, que busca a obtenção de prestígio e reconhecimento público, principalmente para se reportar à ótica da avaliação quadrienal da CAPES, quando os PPGs tendem a almejar o conceito máximo em suas avalições devido a uma série de razões, dentre elas, o fato de pertencerem à elite do conhecimento. Diz respeito, ainda, a “[...] todo e qualquer indivíduo, mesmo não sendo porta-voz de grupo dominante, compreenda que indicadores, sejam de produção científica, sejam de desenvolvimento humano, são influenciados por condições que extrapolam a objetividade” (NASCIMENTO; BUFREM,

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2017, p. 101), o que indica a necessidade de conhecer os desafios e as hierarquias que regem o desenvolvimento de cada campo. Logo, quando se pensa em avalição, é fundamental refletir como os critérios são empregados no meio científico, suas abordagens e as possíveis contribuições para o campo. São debates atuais e necessários no contexto da pós-graduação, uma vez que as buscas por alternativas estratégicas na produção científica dos pesquisadores incidem em análises e aperfeiçoamento dos atuais critérios de avaliação da CAPES para um melhor delineamento, identidade, produtividade e processo avaliativo, a partir dos PPGs. AVALIAÇÃO DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA PELA ÓTICA DA AVALIAÇÃO QUADRIENAL: UMA ANÁLISE DA FICHA DE AVALIAÇÃO 2017-2020 DA ÁREA DE ENSINO A avaliação da produção científica não ocorre somente por pares, quando um artigo é submetido para publicação, e vai além de saber se a publicação se deu em um periódico com bom Fator de Impacto ou na avaliação Qualis da CAPES. No contexto da avaliação periódica de Programas de Pós-Graduação (PPG), realizada pela CAPES, a avaliação da produção científica de um PPG perpassa diversos pontos, seja direta ou indiretamente, conforme pode ser verificado na última Ficha de Avaliação divulgada pela Fundação, referente à Avaliação Quadrienal 2017-2020. A Ficha de Avaliação é um instrumento utilizado para avaliar os PPGs, e vem sendo aperfeiçoada no decorrer dos ciclos avaliativos, com a devida aprovação do Conselho Técnico-Científico da Educação Superior (CTCES) da CAPES. O relatório do Grupo de Trabalho da Ficha

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de Avaliação, instituído pela Portaria nº 148 de 14 de julho de 2018, ressalta que: [E]sta ficha de avaliação é comum a todas as áreas em termos dos quesitos e itens a serem avaliados, sendo que cabe às áreas propor como esses quesitos e itens serão avaliados, bem como, dentro dos limites estabelecidos pelo regulamento da avaliação, propor os pesos dos mesmos. (BRASIL, 2019, p. 8).

De acordo com o Informativo nº 1, Orientações sobre o processo avaliativo CAPES Ciclo 2017-2020, a atual “Ficha de Avaliação busca valorizar a missão da pós-graduação, que é formar recursos humanos, e permitirá avaliar o conhecimento que é produzido nesse processo de formação de mestres e doutores, e o seu resultado final” (BRASIL, 2020b, p. 5). A Ficha de Avaliação para a Avaliação Quadrienal, referente aos anos de 2017 a 2020, foi estruturada em três quesitos, que se subdividiram em doze itens. Os quesitos foram: 1. Programa (com foco no funcionamento, estrutura e planejamento estratégico do PPG, considerando perfil e objetivos); 2. Formação (com ênfase na qualidade dos produtos de discentes, egressos e docentes e nas atividades de formação); e 3. Impacto na Sociedade (relativo aos impactos da produção intelectual, econômica, social e cultural, bem como internacionalização, inserção e visibilidade do programa) (BRASIL, 2019). Os itens foram, ainda, subdivididos em definições e indicadores adequados às especificidades da área em cada modalidade, acadêmica ou profissional (BRASIL, 2020b, p. 5). Os três quesitos contemplaram, em alguma medida, a produção científica do PPG por meio de seus itens. No caso do quesito 1, a produção foi contemplada explicitamente nos itens: 1.3 Planejamento estratégico do Programa, considerando também articulações com o planejamento

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estratégico da instituição, com vistas à gestão do seu desenvolvimento futuro, adequação e melhorias da infraestrutura e melhor formação de seus alunos, vinculada à produção intelectual – bibliográfica, técnica ou artística. 1.4 Os processos, procedimentos e resultados da autoavaliação do Programa, com foco na formação discente e produção intelectual. (BRASIL, 2020a, p. 2).

Já no quesito 2, a avaliação de produção intelectual apareceu em três itens: 2.1 Qualidade e adequação das teses, dissertações ou equivalente em relação às áreas de concentração e linhas de pesquisa do Programa. 2.2 Qualidade da produção intelectual de discentes e egressos. [...] 2.4 Qualidade das atividades de pesquisa e da produção intelectual do corpo docente no Programa. (BRASIL, 2020a, p. 2).

Por sua vez, o quesito 3 apresentou a avaliação da produção intelectual explicitamente no item 3.1, “3.1 Impacto e caráter inovador da produção intelectual em função da natureza do programa”, enquanto o item 3.3 trouxe tal juízo implicitamente: 3.3 Internacionalização, inserção (local, regional, nacional) e visibilidade do programa (BRASIL, 2020a, p.2). A área de Ensino, para ambas as modalidades, acadêmica e profissional, no quesito 1, item 1.3, optou por avaliar qualitativamente as ações e os procedimentos de gestão do PPG que indiquem continuação e aprimoramento da infraestrutura e da qualificação docente, visando à formação dos estudantes e à melhoria da produção intelectual no contexto da área (BRASIL, 2020a). 81


Assim como a qualificação do corpo docente favoreceu a realização de pesquisa com o aprendizado de técnicas e métodos e, concomitantemente, a melhora da produção científica, a infraestrutura não deve ser negligenciada, mas constituir condições propícias e adequadas para o desenvolvimento de estudos que gerem produções de importância e tenham credibilidade, uma vez que componentes institucionais inadequados podem afetar a pesquisa. Em estudo sobre egressos dos cursos de graduação, Andriola (2014, p. 4) exemplifica a situação: as atividades de ensino, de investigação científica e de extensão serão influenciadas pela qualidade física das salas de aula, da adequação da iluminação, da ventilação e mesmo da segurança proporcionada aos seus usuários; também sofrerão com a qualidade do acervo disponibilizado pelas bibliotecas.

Já o item 1.4, relativo à autoavaliação, examinou o seu alinhamento com o plano estratégico do PPG com foco na formação discente e docente e produção intelectual, com ênfase, ainda, em produtos/processos educacionais (Produção Técnica-Tecnológica - PTT), em se tratando de PPG profissional (BRASIL, 2020a). Compreendeu-se que a autoavaliação e o planejamento estratégico devem guardar estreita relação entre si, e se retroalimentar. Na medida em que o PPG conhece suas fraquezas e pontos fortes, consegue se planejar de maneira mais clara e realista, focando no que é necessário. Para Santos, Lente e Silva (2020), a autoavaliação contribui para a elaboração de diagnósticos que possibilitem a análise do desempenho global quanto aos objetivos, fornecendo subsídios para o aperfeiçoamento da qualidade e fortalecimento. A partir daí, é possível promover uma revisão das prioridades. Em relação ao quesito 2, no item 2.1, de cunho qualitativo, propôs a avaliação de oito teses ou dissertações

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indicadas pelo PPG, quanto à sua qualidade e aderência à respectiva linha de pesquisa e área de concentração, para as duas modalidades (BRASIL, 2020a). Ao se tratar de aderência, a preocupação é de que a produção científica seja coerente com o escopo do PPG e tenha lógica dentro do contexto do planejamento estratégico. Já no item 2.2, para programas acadêmicos, verificou-se, qualitativamente, a adequação quanto à linha de pesquisa e à área de concentração de até dez artigos em periódicos, livros ou capítulos, trabalhos completos em anais de autoria de discentes e egressos realizados no quadriênio indicados pelo PPG. Para programas profissionais, a quantidade passa a ser de até cinco, sendo que foram adicionadas, ainda, até cinco Produções TécnicaTecnológicas (BRASIL, 2020a). Ainda no item 2.2, mas agora de avaliação quantitativa, processou-se a razão entre a pontuação total ponderada de artigos no quadriênio por discentes e egressos em periódicos avaliados como de Qualis A1 a B4, em relação ao total de titulados no quadriênio, somados aos que foram matriculados no último ano do PPG no período. A ponderação é feita a partir de uma tabela, a qual estabelece pontuação para cada estrato Qualis, variando entre 0 e 100. A mesma razão é calculada para razão livros, capítulos de livros e trabalhos completos em anais, porém, sem ponderação por estrato. Para os PPGs profissionais, é medida, ainda, a percentagem de produção técnica indicada pelo PPG em estratos de T1 a T3, com a participação de discentes ou egressos, em relação à produção técnica total nos mesmos estratos indicada. Nesse caso, a pontuação é dada de acordo com uma tabela específica de Produção Técnica-Tecnológica, cujos pontos variam de zera a 200 (BRASIL, 2020a). Cumpre explanar que o Qualis foi criado em um momento no qual a avaliação da CAPES não conseguia apurar a qualidade dos artigos produzidos pelos PPGs, devido 83


ao volume de trabalhos publicados. Dessa forma, adotou-se a classificação dos veículos de divulgação da produção científica, pressupondo-se que a aceitação de um artigo por periódico indexado e com peer review era um bom indicativo da sua qualidade. Considerou-se, ainda, que periódicos de circulação internacional e maior impacto tinham seleção mais competitiva, dando a devida qualidade e relevância aos artigos por eles selecionados. Com o passar dos anos, o sistema de classificação foi sendo aprimorado, incluindo métricas. Consiste, atualmente, junto com a classificação de capítulos e livros, em um dos instrumentos fundamentais para a avaliação da produção intelectual, considerando tanto aspectos quantitativos quanto qualitativos (BARATA, 2016). Some-se aos instrumentos a avaliação da Produção Técnica-Tecnológica. Passou-se ao item 2.4, que se concentrou não mais na produção de egressos e discentes, mas nas atividades de pesquisa e da produção intelectual do corpo docente. A análise foi realizada por meio de até quatro produções por docente permanente indicadas pelo PPG. Primeiramente, verificou-se a capacidade mínima de produção relevante dos docentes e, depois, a aderência às linhas de pesquisa e áreas de concentração do PPG. Aqui, também são apreciadas duas razões: 1) entre a pontuação da produção indicada (artigos A1 a A4, livros e capítulos de livros L1 e L2 ou PPT T1 a T3 para PPG profissionais) em relação ao total de docentes permanentes do PPG; 2) entre a pontuação total de artigos em periódicos (A1 a B4 ou de PTT T1 a T5 para PPGs profissionais) em relação ao número de docentes permanentes do PPG (BRASIL, 2020a). Deu-se seguimento com o estudo do quesito 3. No item 3.1, é avaliado, qualitativamente, o caráter relevante e inovador de dez produções bibliográficas indicadas pelo PPG (para programas acadêmicos), ou cinco produções bibliográficas e cinco PTT (para programas profissionais), 84


de forma a promover o atendimento a demandas da sociedade no que tange à área, tenham elas desde alcance local até internacional (BRASIL, 2020a). Para Zucoloto e Respondovesk (2018, p. 17), a inovação é uma importante ferramenta para minimizar problemas sociais, e que os desafios da sociedade deveriam ser um importante – senão o principal – guia para a definição de políticas de CT&I. Em comparação com outras áreas de políticas públicas, a CT&I tem maior distanciamento da sociedade, uma vez que os cidadãos têm mais dificuldade em visualizar os benefícios diretos destes investimentos. Esta é mais uma razão para aproximar os investimentos tecnológicos das necessidades mais urgentes (ou diretas) da população.

No item 3.3, que diz respeito à internacionalização, à inserção e à visibilidade do PPG, foi observada, qualitativamente, se a produção intelectual indicada pelo PPG envolveu coautores estrangeiros e alcançou padrão internacional de qualidade. Houve, ainda, a verificação de atualização do sítio eletrônico do PPG, inclusive, quanto à produção intelectual (ZUCOLOTO; RESPONDOVESK, 2018). Para Glänzel (2002), a colaboração em coautoria aumenta a produtividade dos autores e o número de publicações. Além disso, publicações com pesquisadores estrangeiros geram maior visibilidade e relevância ao artigo publicado. CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme analisado por Bourdieu, a ciência está inserida em um complexo meio social de forma que a produção do conhecimento contempla a natureza da sociedade. O entendimento do mundo social deve se dar por campos divididos hierarquicamente, com a valoração dos 85


indivíduos a partir do seu acúmulo de capital científico, da sua posição no campo e da sua disposição em relação a ele, ou seja, o habitus. Nesse processo de avaliação da quadrienal, foi possível observar o impacto das adversidades do mundo contemporâneo, que inclui, dentre outros, a escassez de financiamentos. Desse modo, os desafios são constantes a serem enfrentados na área para seguir no aprimoramento dos seus processos de formação e de avaliação, no sentido de que, efetivamente, impactem com produtos acadêmico-científicos de qualidade, aplicáveis e geradores de mudança para a melhoria da sociedade. Diante da importância das métricas, quando se trata de avaliação de PPG promovida pela CAPES, há que se ter em mente que a produção científica passa a ser vista em outras óticas, dada a complexidade do processo avaliativo. Assim sendo, publicações em bons periódicos podem não ser suficientes para gerarem um bom desempenho do programa na Quadrienal. Além de outros fatores, no que tange às publicações, diversos aspectos devem ser considerados, como a qualidade do periódico, coautoria, aderência, inovação, capacidade de gerar impacto social entre outros aspectos definidos por cada área de avaliação em seus Documentos de Área e Fichas de Avaliação. Verificou-se, portanto, o entrelaçamento da produção científica com os processos avaliativos utilizados pela CAPES, que vão além dos indicadores.

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REFERÊNCIAS ANDRIOLA, W. B. Estudo de egressos de cursos de graduação: subsídios para a autoavaliação e o planejamento institucionais. Educ. rev., Curitiba, n. 54, p. 203-220, dez. 2014. BARATA, R. B. Dez coisas que você deveria saber sobre o Qualis. Revista Brasileira de Pós-Graduação, v. 13, p. 13-40, 2016. BOURDIEU, P. Distinction: A social critique of the judgement of taste. Routledge, 1984. BOURDIEU, P. The Forms of Capital. In: RICHARDSON J. (ed.). Handbook of theory and research for the sociology of education. Connecticut, US: Greenwood Publishing Group, 1986. p. 47-58. BOURDIEU, P. A socioanálise do sociólogo. In: BOURDIEU, P. O campo econômico: a dimensão simbólica da dominação. Campinas: Papirus, 2000. p. 71-81. BOURDIEU, P. A gênese dos conceitos de habitus e de campo. In: BOURDIEU, P. O poder simbólico. 5. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. p.59-73. BOURDIEU, P. Os usos sociais das ciências: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: UNESP, 2004. BOURDIEU, P. Escritos de Educação. 16. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015. BRASIL. Ministério da Educação. Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Relatório Final do Grupo de Trabalho Ficha de Avaliação. Brasília: CAPES, 2019. Disponível em: https://www.gov.br/capes/ pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/avaliacao/ relatorios-tecnicos-e-grupos-de-trabalho. BRASIL. Ministério da Educação. Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Ficha de Avaliação – Programas Acadêmicos e Profissionais. Área 46: Ensino. Brasília: CAPES, 2020a. Disponível em https://www.

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gov.br/capes/pt-br/centrais-de-conteudo/FICHA_ENSINO. pdf. Acesso em: 23 jan. 2020. BRASIL. Ministério da Educação. Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Informativo nº 1: Orientações sobre o processo avaliativo CAPES Ciclo 20172020. Brasília: CAPES, 2020b. Disponível em: https://www. gov.br/capes/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/ avaliacao/sobre-a-avaliacao/areas-avaliacao/sobre-as-areas-de-avaliacao/colegio-de-ciencias-exatas-tecnologicas-e-multidisciplinar/multidisciplinar/ensino. Acesso em: 23 jan. 2020. GLÄNZEL, W. Coautorships patterns and trends in the sciences (1980-1998): a bibliometric study with implications for database indexing and search strategies. Library Trends, Urbana, v. 50, n.3, p. 461-73, 2002. HOCHMAN, G. A Ciência entre a Comunidade e o Mercado Leituras de Kuhn, Bourdieu, Latour e Knorr-Cetina. In: PORTO CARRERO, V. (Org.). Filosofia, história e sociologia da ciência I: abordagens contemporâneas. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1994, p. 199-232. Disponível em: http://books.scielo.org/. Acesso em: 10 set. 2017. NASCIMENTO, B. S.; BUFREM, L. S. Sociologia reflexiva de Pierre Bourdieu no campo da ciência da informação: relacionamentos possíveis. In: LUCAS, E. R. O.; SILVEIRA, M. A. A. (Org.). A Ciência da informação encontra Pierre Bourdieu. Recife: Universitária da UFPE, 2017. p. 85-104. PAULA, M. L.; JORGE, M. S. B.; MORAIS, J. B. O processo de produção científica e as dificuldades para utilização de resultados de pesquisas pelos profissionais de saúde. Botucatu, Interface: comunicação, saúde, educação, v. 23, n. 12, p. 1-15, ago. 2019. SANTOS, M. P.; LENTE, S. M.; SILVA, V. O. Autoavaliação institucional e planejamento estratégico participativo: articulação na construção do plano de desenvolvimento institucional. Amplamente: educação do século XXI, v. 1, 2a ed., 2020.

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SOUSA, J.; GERALDES, E. As contribuições de Karl Marx e Max Weber sobre a autonomia/não autonomia da ciência e tecnologia. Ciências & Cognição, v. 13, n. 1, p. 163-174, 2008. SILVA, J. R.; TARGINO, M. G. Visibilidade e prestígio na construção da rede colaborativa dos docentes de medicina veterinária da Universidade Federal de Alagoas: um olhar a partir do conceito de capital simbólico de Pierre Bourdieu. Ciência da Informação em Revista, Maceió, v. 5, n. 2, p. 14-30, 2018. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/index.php/pbcib/ article/view/44328. Acesso em: 10 jul. 2019. TURNBULL, S. M. et al. Bourdieu, networks, and movements: using the concepts of habitus, field and capital to understand a network analysis of gender differences in undergraduate physics. Plos One, n. 12, p. 1-28, 2019. ZUCOLOTO, G. F.; RESPONDOVESK, W. Inovação com Impacto Social: Afinal, do que falamos? Radar, n. 57, 2018. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/ radar/180827_radar_57_cap02.pdf. Acesso em: 15 fev. 2021.

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APÊNDICES Quesitos e Itens da Ficha de Avaliação para a Avaliação Quadrienal referente aos anos de 2017 a 2020. QUESITOS / ITENS 1 – Programa 1.1 Articulação, aderência e atualização das áreas de concentração, linhas de pesquisa, projetos em andamento e estrutura curricular, bem como a infraestrutura disponível, em relação aos objetivos, missão e modalidade do Programa. 1.2 Perfil do corpo docente, e sua compatibilidade e adequação à Proposta do Programa. 1.3 Planejamento estratégico do Programa, considerando também articulações com o planejamento estratégico da instituição, com vistas à gestão do seu desenvolvimento futuro, adequação e melhorias da infraestrutura e melhor formação de seus alunos, vinculada à produção intelectual – bibliográfica, técnica ou artística. 1.4 Os processos, procedimentos e resultados da autoavaliação do Programa, com foco na formação discente e produção intelectual. 2 – Formação 2.1 Qualidade e adequação das teses, dissertações ou equivalente em relação às áreas de concentração e linhas de pesquisa do Programa. 2.2 Qualidade da produção intelectual de discentes e egressos. 2.3 Destino, atuação e avaliação dos egressos do Programa em relação à formação recebida. 2.4 Qualidade das atividades de pesquisa e da produção intelectual do corpo docente no Programa.

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2.5 Qualidade e envolvimento do corpo docente em relação às atividades de formação no Programa. 3 – Impacto na Sociedade 3.1 Impacto e caráter inovador da produção intelectual em função da natureza do Programa. 3.2 Impacto econômico, social e cultural do Programa. 3.3 Internacionalização, inserção (local, regional, nacional) e visibilidade do Programa.

Pontuação dos Periódicos ESTRATOS

PONTUAÇÃO

A1

100

A2

85

A3

75

A4

60

B1

50

B2

35

B3

25

B4

10

C

0

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Pontuação dos Livros e Capítulos LIVRO INTEGRAL

CAPÍTULOS

L1

200

100

L2

160

80

L3

120

60

L4

80

40

L5

40

20

LNC

0

0

Pontuação da Produção Técnica-Tecnológica ESTRATOS

PONTUAÇÃO

T1

200

T2

150

T3

100

T4

50

T5

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TNC

0

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ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL: NO MAR, NO CÉU E NA FLORA Bárbara Martins Lopes Michele de Souza Fanfa Renata Sá Carneiro Leão DOI: 10.21826/9786587422251-04

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Neste capítulo, apresentam-se teorias e empirismos relacionados aos espaços de educação formal e de educação não formal e suas potencialidades para a promoção de ensino e aprendizagem. Essa discussão é essencial para compreender a capacidade desses espaços na promoção da Alfabetização Científica (AC) e de que maneira eles abrangem diferentes indivíduos, de distintas classes sociais e faixas etárias, tornando a educação científica mais acessível. A partir do desenvolvimento de pesquisas relacionadas ao Ensino de Ciências em áreas de conhecimento diversas - Educação Ambiental Oceânica, Astronomia e Botânica -, pode-se compreender esses ambientes como espaços agregadores da educação formal e curricular. De início, torna-se imprescindível que sejam delimitados os conceitos de educação formal e não formal e, assim, ponderar como eles contribuem para a educação como um todo. Nesse sentido, concebe-se o reconhecimento do ambiente escolar como espaço de educação formal por muitos autores, como Gohn (2006), Jacobucci (2006), Marandino (2015) e Gadotti (2005). A escolarização, dessa forma, pauta-se em objetivos claros, sendo dependente de uma diretriz educacional centralizada, como o currículo. Um dos objetivos da escola é transmitir os conteúdos, separados em disciplinas, por meio de uma normativa que determina quais deles serão ministrados pelo professor ou professora. Tratando-se das aulas de Ciências e Biologia, muitas vezes, a rigidez conteudista da educação formal faz com que as aulas se tornem desinteressantes para os estudantes ou, até mesmo, conservadora em relação aos acontecimentos científicos. Tendo em vista a globalização das informações e a convergência midiática, é notório que os educandos e educandas se encontrem em uma sociedade onde os conhecimentos científicos fazem parte do cotidiano, mas, muitas vezes, são distorcidos ou ignorados, principalmente em tempos de negacionismo científico e desinformações propagadas em massa. Essa avalanche de informações faz com que os estudantes passem a acreditar em argumentações visualizadas nas mídias sociais,

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ou até mesmo em sites não confiáveis. Tal desinformação acaba por colocar em dúvida os conhecimentos trazidos por professores nas escolas, fazendo com que os educandos passem a não acreditar na escola como um espaço potencializador de conhecimento e aprendizagem, com um papel importante na vida social dos sujeitos. Além disso, conciliar assuntos atuais cotidianos com as demandas curriculares torna-se um desafio, tendo em vista que, na educação formal, existem prazos e metas a serem atingidos. Diante dessas e de outras questões, é preciso ressaltar que os espaços de educação não formal tornam possíveis novos processos metodológicos para que a escola se coloque na contramão dessas informações (FANFA, 2020). Sendo assim, a escola tem o papel fundamental de socializar e permitir aos educandos o acesso a conteúdos confiáveis, que possibilitem a ampliação dos horizontes. Portanto, é no núcleo escolar que as crianças e jovens adquirem determinados conhecimentos que a sociedade considera valiosos e de suma importância para a formação dos sujeitos, por se tratar de um espaço de reprodução social. Mas por que tantas crianças não avançam nessa carreira escolar? Bourdieu (2015), ao conceituar capital cultural, apresenta formas de compreensão desse fenômeno: no estado incorporado; no estado objetivado e no estado institucionalizado. O capital cultural, no estado incorporado, pressupõe um trabalho que deve ser investido pessoalmente pelo sujeito para que ocorra a incorporação de um conjunto de saberes, que se tornarão sua propriedade individual. Trata-se de um capital que não é imediatamente transmissível pela família, mas adquirido ao longo do tempo, tendo como principais fatores os gostos, o nível de domínio sobre a norma culta da língua vigente e as referências de natureza escolar. Esse capital tem forte influência na relação de tempo/espaço, na qual a família permite que o educando ou a educanda dedique à incorporação de seu capital cultural. Tem relação, também, com o tempo destinado a visitas a museus, viagens, conhecimento de música e 100


arte, por exemplo. “O capital cultural é um ter que se tornou ser, uma propriedade que se faz corpo e tornou-se parte integrante da ‘pessoa’, um habitus. Aquele que possui pagou com sua própria pessoa” (BOURDIEU, 2015, p. 83). Desse modo, constitui-se o capital cultural herdado pela família, que atua, de forma marcante, no desempenho escolar do descendente. Os conhecimentos considerados apropriados e legítimos facilitam o aprendizado dos conceitos e dos códigos escolares, uma vez que as referências culturais, os gostos, o comportamento e o maior ou menor domínio da língua culta têm ligação direta com o desempenho escolar dos sujeitos. No estado objetivado, o capital cultural se constitui sob a forma de bens culturais herdados, bens econômicos que podem refletir na compra de livros, pinturas, esculturas entre outros itens, sendo sua materialidade transmitida de geração para geração. No entanto, para a apropriação simbólica desses bens, são indispensáveis os instrumentos para essa apropriação, quer dizer, possuir os códigos necessários para decifrá-los. É necessário possuir o capital cultural em seu estado incorporado. Segundo Bourdieu (2015, p. 85), “[...] assim, os bens culturais podem ser objetos de uma apropriação material, que pressupõe o capital econômico, e de uma apropriação simbólica, que pressupõe o capital cultural”. Por seu turno, o capital cultural, no estado institucionalizado, refere-se ao capital cultural adquirido pelo sujeito, sob a forma de títulos escolares, diplomas e certificados, tendo em vista que estudantes de famílias com pais diplomados têm maiores chances de se sobressair e ter um maior desempenho escolar, visto que, “com o diploma, essa certidão de competência cultural confere ao seu portador um valor convencional constante e juridicamente garantido no que diz respeito à sua cultura” (BOURDIEU, 2015, p. 87). Os valores atribuídos aos diplomas escolares são relativamente recentes, pois, segundo Ghanem e Trilla (2008, p. 17), “a escola é uma instituição histórica. Não existe desde sempre, 101


nem nada garante sua perenidade”. A partir do século XIX, quando se expande o acesso à escola, o discurso pedagógico preocupou-se, cada vez mais, em caracterizar a educação como sinônimo de escolarização, dando um poder cultural para quem tinha acesso à educação escolar. Todavia, esse acesso era atribuído às classes sociais mais favorecidas. Atualmente, a escola envolve o coletivo, promovendo diversas trocas, mas, principalmente, a preocupação em ensinar e instruir os sujeitos, além de se configurar como um espaço de lutas, de maneira que, sutilmente, acaba por reproduzir as desigualdades sociais. Por ser um espaço de aprendizagem, a escola foi vista, por muito tempo, como o único local possível para preparar as crianças para a vida em sociedade, conforme as regras criadas por uma classe dominante com políticas públicas geralmente bem definidas. Vieira (2001) define a escola como uma instituição de poderes e de saberes, pois é em seu interior que acontecem as disputas e a formação do cidadão. É nesse ambiente cheio de contradições que a maioria das crianças ampliam seu convívio social e cultural, atribuindo o capital cultural adquirido no ambiente familiar. No entanto, esse capital atribuído ao ambiente escolar não se constitui da mesma forma para crianças de classes sociais diferentes. Para Bourdieu (2015), “[...] o privilégio cultural torna-se patente quando se trata da familiaridade com obras de arte, a qual só pode advir da frequência regular ao teatro, ao museu” (p. 50). Percebe-se, assim, que a cultura consiste em valores e significados que orientam e dão personalidade a um grupo social. À medida que a escola passa a utilizar os espaços não formais, ela incorpora aos educandos um capital que, muitas vezes, não é adquirido pelos estudantes no seu ambiente familiar. Dessa forma, os museus - compreendidos hoje como espaços de educação não formal -, atribuíram ao seu escopo algumas práticas pedagógicas, passando a apresentar o conhecimento científico não mais como quando foi concebido, e, sim, de maneira contextualizada, reformulada e buscando torná-lo compreensível

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a todos os grupos que possuem acesso ao ambiente museal, entre eles, a escola. Apesar de a escola ser considerada um espaço de educação por excelência, ela não se configura como o único espaço onde ocorrem processos educativos. Gohn (2006) ponderou sobre cada um dos espaços educativos, delimitando seus campos de desenvolvimento, descrevendo quem é o educador de cada campo, qual a finalidade, como se educa, seus principais atributos e quais resultados deles se espera. Para a autora, a educação formal ocorre nas instituições escolares, sendo um espaço regulamentado por lei, e que possui um professor devidamente certificado. Nesses espaços, a educação ocorre por meio de regras e padrões definidos previamente, sendo sua finalidade formar o indivíduo como cidadão ativo, desenvolvendo competência e habilidades. Os resultados esperados da escola são a certificação e a capacidade para níveis mais avançados. Nos casos dos espaços de educação não formal, a autora salienta que se trata de locais onde há processos interativos intencionais, sendo o educador o “outro”. Tal entendimento é corroborado por Almeida et al. (2017, p. 68), posto que compreendem que: Tais espaços apresentam-se como recursos para auxiliar na apropriação do conhecimento como um bem cultural, por meio de uma abordagem interessante, possibilitando a utilização de métodos diferenciados de ensino, atrelados às atividades que proporcionem informação e entretenimento ao público.

Nesses espaços de educação não formal, a participação é optativa, com a intencionalidade no ato de aprender e trocar saberes (JACOBUCCI, 2008). Sua finalidade é formar cidadãos e cidadãs do mundo, no mundo, mas seus objetivos não são dados a priori, são construídos no processo interativo, gerando um processo educativo. Um dos seus principais atributos é a construção da cultura, e o resultado esperado nesse tipo de educação é a leitura e a interpretação do mundo que cerca o sujeito (GOHN, 2006). 103


Segundo Jacobucci (2008), falar em espaço não formal de educação configura um local em que existe uma ação educativa intencional. Por seu turno, Almeida et al. (2017, p. 68) informam que, nesses espaços, são “utilizados recursos didáticos atrativos, seja do ponto de vista visual ou do ponto de vista da maior interação entre o estudante com as ferramentas usadas no espaço”. Nesse contexto, é interessante salientar o entendimento de Oliveira e Almeida (2019, p. 346), quando analisam: Ainda há pouco conhecimento das potencialidades destes espaços não formais de educação, seja na educação para a vida ou como complemento da educação escolarizada, além dos processos que compreendem esses espaços para educação básica e para a formação continuada no ensino de ciências.

Ao longo de sua existência, esses espaços foram assumindo, cada vez mais e de formas diferentes, seus papéis educativos. De maneira geral, passaram a contribuir para uma educação mais dinâmica junto às escolas. Nesse âmbito, a educação não formal tem como meta a transmissão de informação atualizada e a formação política e sociocultural. A partir dos anos 1990, a educação não formal começou a ganhar maior destaque no território brasileiro, mas foi somente nos anos 2000 que a expressão educação não formal passou a se espalhar totalmente por comunidades variadas, em especial, associada à inclusão social e à promoção da cidadania (GOHN, 2010). Na atualidade, tais espaços passam a valorizar exposições mais dinâmicas e atraentes, tendo como influências as teorias educativas (CAZELLI; MARANDINO; STUDART, 2003). Tal valorização pode ter ajudado, de alguma forma, a manter um olhar mais atento dos professores sobre esses ambientes. Ainda assim, nem todas as saídas da escola são planejadas pelos professores com a intenção de realizar atividades educativas. Muitas vezes, os educadores optam por não realizar atividades em outras instituições de educação não formal com a justificativa do custo alto com transporte, pois muitos educandos não 104


podem custear e/ou a escola também não possui verba específica para essa destinação. Sendo assim, muitos professores acabam por utilizar espaços com acesso mais facilitado, como praças, parques ambientais e praias, com o intuito de abordar assuntos relacionados com o conteúdo das aulas de ciências. Os espaços mencionados são considerados espaços informais, pois neles não existe a intencionalidade educativa; são espaços que podem ser utilizados com objetivo educacional e planejamento por parte das instituições educadoras. Para Pugliese (2015), essas saídas são comuns nos cursos de formação de professores e para estudantes de bacharelado, configurando-se como saídas de campo. Sendo essa uma prática realizada nos cursos de licenciatura, torna-se um exemplo para que os futuros professores se apropriem desse método educativo e o reproduzam em suas atuações como docentes na educação básica. Nos arredores da escola, há um potencial que pode e deve ser usado pelos professores. Trilla Bernet (2004) pondera sobre a importância das descobertas dos estudantes nos caminhos até a escola, a relação entre a escola e seus arredores e, também, várias maneiras de explorar pedagogicamente o meio ambiente. “O entorno da escola constitui, portanto, um ambiente físico, mas de dimensões, limites e significados variáveis e, por fim, inevitavelmente subjetivo” (TRILLA BERBET, 2004, p. 308, tradução nossa). Essas práticas fazem com que cada educando se relacione com o ambiente e construa conhecimentos que contribuem para sua realidade cotidiana. Cada contexto e cada prática têm uma função e um objetivo, e os espaços de educação não formal escolhidos pelo docente devem ser pensados de forma minuciosa para contemplar o conteúdo ministrado em sala de aula. Tais espaços são capazes de fazer com que o sujeito reflita sobre a temática abordada e tenha suas percepções sobre o meio onde vive, fazendo pontes de conhecimento com sua realidade, questionando e compreendendo o mundo como um todo. Para isso, é preciso potencializar os espaços educativos, não formais e informais, que estão 105


disponíveis e se configuram como ambientes de livre acesso, baixo custo e alto poder de interação com o meio ambiente. A PRAIA COMO ESPAÇO POSSÍVEL PARA A EDUCAÇÃO AMBIENTAL A partir de estudos desenvolvidos no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências da UFRGS, dedica-se essa escrita à contemplação do mar, em especial, da praia, como um espaço possível de ensino e aprendizagem sobre biologia marinha, atribuindo as aulas de Ciências e Biologia. As questões relacionadas ao oceano estão sendo pensadas e aplicadas em todo o mundo por meio dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Em setembro de 2015, na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova Iorque, ocorreu a Cúpula de Desenvolvimento Sustentável. Nesse encontro, todos os países membros definiram os novos 17 ODS como parte de uma nova agenda de desenvolvimento sustentável: Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Dentre os objetivos, encontra-se o ODS 14 - Vida na Água, para conservar e promover o uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável, com a finalidade de abordar o oceano e as influências desse ambiente no planeta. Nesse contexto, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) criou o kit pedagógico Cultura Oceânica Para Todos. Entender como o oceano influencia a vida e como as ações humanas influenciam o oceano é o papel da Cultura Oceânica, proposta pela UNESCO. No entanto, é preciso pensar de que forma será abordada uma cultura proposta por uma instituição mundial. Nesse sentido, também é importante trilhar caminhos para a construção humanizadora de uma educação que abarque outras formas culturais, no sentido de que a aprendizagem possa acontecer significativamente. Assim, torna-se essencial pensar nas possibilidades da produção do conhecimento científico, que tenha como objetivo um Ensino de Ciências mais contextualizado, usando o espaço da praia como

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um potencializador para formar estudantes mais críticos em relação às questões ambientais. Carvalho (2006) afirma que a Educação Ambiental, por meio da prática de sensibilização, é capaz de chamar a atenção para a má distribuição do acesso aos recursos naturais, assim como para o seu esgotamento, e envolver os cidadãos em ações sociais ambientalmente apropriadas. As práticas educativas realizadas em ambientes não formais, como a praia, contribuem para a construção de saberes, à medida que as crianças têm a oportunidade de investigar e problematizar situações cotidianas. Segundo Oliveira e Gastal (2009), o uso de ambiente não formal possibilita à criança compreender, com mais clareza, os conhecimentos já adquiridos. Usar esse ambiente como espaço educativo desperta a curiosidade das crianças, estimula seu senso crítico e sua proximidade com a natureza. Para Menezes (2012), as crianças podem se tornar agentes multiplicadores quando passam a se reconhecer como parte do meio ambiente, e não apenas como observadores. Suas atitudes mudam, e a necessidade de cuidar a flora. Sendo assim, o quanto antes forem abordados assuntos relacionados ao meio ambiente com as crianças, haverá mais chances de despertar nelas a consciência de preservação. Podem ser observados alguns trabalhos realizados em espaços não formais, como trilhas ecológicas (FREITAS, 2017), zoológicos (CERATI, 2014; TURCO; MARTINS; RANCURA, 2016) e praias (SILVA et al., 2016). Chassot (2016), autor de referência entre os que se dedicam a teorizar sobre a alfabetização científica e o Ensino de Ciências, incita a reflexão sobre as diferentes formas de se ler o mundo. Nesse sentido, a educação deve subsidiar os sujeitos para além dos seus saberes cotidianos, para além da lente que escolheram para ler seus mundos e, por meio de outras oportunidades, poderem utilizar a lente da ciência para garantir sua qualidade de vida, autonomia de decisão e emancipação. Acredita-se que é possível refletir sobre a ciência e o meio ambiente em um espaço informal. Levar o ensino e a construção do conhecimento 107


científico para um espaço comum para muitas pessoas, como a praia, não é uma tarefa fácil, mas é uma prática possível. QUANDO O CÉU NÃO É O LIMITE De maneira geral, se o Ensino de Ciências mobiliza estudantes dos mais diversos níveis escolares nos espaços além dos muros da escola, pode-se afirmar, sem receio, que o potencial científico na educação ultrapassa as barreiras do céu e do cosmo. Em se tratando da Astronomia – uma das áreas da ciência que mais despertam o interesse de pessoas de todas as idades, desde os primórdios –, os espaços de educação não formal constituem importantes e fundamentais fontes de conhecimento. Os conteúdos relacionados à Astronomia estão presentes durante toda a educação básica, pulverizados entre as temáticas que envolvem a Terra e o Universo, Física e outras áreas. Para se aprofundar nessa ciência, no entanto, os interessados recorrem a cursos, estudos individuais ou vivências em museus e locais geralmente situados fora do ambiente escolar. Planetários, museus de ciência, cursos amadores e clubes de Astronomia são alguns desses espaços, os quais, por sua natureza imersiva, chegam a ser determinantes na educação em Astronomia. Presente nos conteúdos do Ensino de Ciências nos ensinos fundamental e médio, a educação em Astronomia passou, e passa, por certa decadência, no que se refere ao aprofundamento oferecido nas escolas aos estudantes, seja por problemas de formação dos professores, ausência de aparatos auxiliares ou mesmo erros conceituais e limitações nos livros didáticos. Além dos esforços de entidades como a Sociedade Brasileira de Astronomia (SBA) e o Observatório Nacional (ON), diversos estudos apontam para a necessidade de incentivo e investimento na educação em Astronomia, seja por meio dos conteúdos formais ou das iniciativas de espaços não formais.

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Langhi e Nardi (2018), ao traçarem um panorama da educação em Astronomia desde os primórdios até a década anterior, ressaltam a profunda influência de sociedades, associações e grupos de pesquisa exercida sobre mudanças em programas e currículos escolares mundo afora. No Brasil, segundo os autores, a Astronomia possuía, tempos atrás, tradição privilegiada entre as áreas nobres do conhecimento. Contudo, atualmente, estaria numa posição menos do que secundária em comparação a outras áreas do saber humano. Em plena era do conhecimento, muitos ainda não compreendem que a construção histórica da humanidade sempre esteve ancorada no saber científico e na sua aplicabilidade. Embora reservada ao mesmo grupo privilegiado de pessoas que têm acesso ao ensino e aprendizagem formais das ciências, a Astronomia tem sido forte instrumento de resistência na popularização científica e no diálogo com uma parcela maior da sociedade. Dessa forma, o foco na educação científica da sociedade configura-se como missão conjunta de instituições de ensino, de pesquisa e de difusão cultural, conforme aponta o Plano Nacional de Astronomia (BRASIL, 2010). A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento norteador da educação instituído, no Brasil, em 2018, em meio a diversas polêmicas e após três versões diferentes, aponta ser necessário aos estudantes do ensino fundamental o acesso aos mais diversos conhecimentos científicos produzidos ao longo da História, assim como a aproximação, de forma gradativa, dos processos, procedimentos e práticas da investigação científica (BRASIL, 2017). Polêmicas e tentativas de padronização à parte, na BNCC, as temáticas da unidade Terra e Universo, por contemplarem do primeiro ao nono ano do ensino fundamental, por exemplo, parecem ter ganho maior visibilidade na inserção curricular da Astronomia. Reis e Lüdke (2019), em estudo sobre os interesses dos estudantes em Astronomia relacionados às orientações para o currículo de Ensino de Ciências, ponderam que a Base se aproximou mais da realidade dos estudantes e de seus 109


interesses. Segundo os autores, “[...] orienta para um ensino de Astronomia mais gradual e que envolva temas contemporâneos em Astronomia moderna como vistos em literatura geral de divulgação científica” (REIS; LUDKE, 2019, p. 164). De fato, como apontam Langhi e Nardi (2018), inúmeros estudos demonstram uma necessidade de transformação do ensino de Astronomia na educação regular. Mas os conceitos e vivências dessa ciência se limitam às escolas. Autores como Massarani e Moreira (2016) acreditam que não, que a popularização científica vem se ampliando em toda a América Latina, com a consequente expansão dos ambientes de educação não formal. Como se observou no início deste capítulo, esses espaços científico-culturais são responsáveis por um relevante papel na divulgação científica, para todas as idades. No caso dos sujeitos em percurso escolar, contribuem, além dos conteúdos e experiências, para a pluralização de uma cultura científica necessária ao pensamento crítico e à consciência do que somos e de onde estamos, especialmente no caso da educação em Astronomia. Mas, numa geração de pessoas que já nasceram com o mouse na mão e que o céu a enxergar poderia ser apenas aquele pedaço azul da vista entre os prédios, existiria esse mesmo interesse pelas vivências extracurriculares da educação em Astronomia? E por que não envolver as mais diversas tecnologias e ultrapassar os limites entre céu e tela? Mesmo com grande envolvimento com o mundo digital, os cibernativos e cibernativas permanecem envolvidos com experiências relacionadas a museus de ciências, centros interativos, clubes de Astronomia e planetários, tradicionais ou não. Sugerem informações recentes a que, mesmo nas atividades programadas a partir do espaço escolar, jovens ainda respondem, com destacado entusiasmo, às experiências nesses ambientes, que acompanham as transformações socioculturais.

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Kantor (2012) já reforçava a tese de que os museus interativos de ciências brasileiros estão historicamente mais direcionados ao público escolar do que em outros países, o que permitiria um auxílio forte ao Ensino de Ciências regular. A proposta dos espaços científicos fora da escola, para Massarani et al. (2015), seria também a de demonstrar que a ciência é capaz de explicar o funcionamento dos aparatos tecnológicos ao nosso redor, para além dos fenômenos da natureza. Segundo os autores, as exposições interativas e experiências envolvendo as diversas dimensões, entre curiosidade, raciocínio e emoções, levaram a um crescente aumento da visitação a essas instituições nas últimas décadas. Tanto é que, num levantamento realizado para a elaboração do Guia de Centros e Museus de Ciência da América Latina e do Caribe, verificaram que, de 464 espaços científico-culturais existentes, 268 localizam-se no Brasil. O movimento crescente, apesar das barreiras - como os recentes e contínuos cortes de investimentos governamentais em instituições científicas e educacionais -, permanece forte. No caso do Estado de Pernambuco, por exemplo, centros interativos, como o Espaço Ciência, permanecem com grande público, tanto na parceria com escolas quanto nas visitas espontâneas. O projeto de extensão e inclusão social, Desvendando o Céu Austral, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), vem contabilizando a média de 300 pessoas inscritas nas turmas do curso de Introdução à Astronomia, realizado semestralmente no campus principal da universidade e, durante a pandemia da Covid-19, de forma virtual (UFRPE, [2021]). Kantor (2012) já apontava a evolução tecnológica como atrativo importante aos jovens estudantes, tornando-se elemento indispensável nos museus e planetários, além de outros ambientes de imersão e realidade virtual. Esses espaços estariam deixando de ser apenas centros de popularização da Astronomia, transformando-se, segundo o autor, em teatros, onde se podem criar situações as mais diversas. “O espectador pode ser levado para uma viagem espacial pelo Sistema Solar, para o fundo do oceano, ou para o antigo Egito, ultimamente

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inclusive com visão tridimensional” (KANTOR, 2012, p. 47). O autor reforça que as interfaces entre essas tecnologias e os sistemas sensoriais dos seres humanos permitem que haja o rompimento da fronteira entre o que é espaço real e o espaço construído, trazendo inúmeras possibilidades a serem exploradas. Oliveira (2017) acredita ser esse tipo de experiência um grande fator de interesse para os chamados cibernativos, ou seja, indivíduos que, conforme ressalta o autor, ocupam mais de um espaço ao mesmo tempo na escola, uma vez que permanecem conectados, e querem experimentar outras realidades sociais, “querem existir mais” (OLIVEIRA, 2017, p. 80). Embora os espaços não formais alcancem não apenas os jovens e sua naturalidade com as tecnologias, o desejo de experimentar múltiplas realidades e a possibilidade de vivenciar diversas experiências identitárias de crianças e adolescentes em fase escolar facilita a imersão no espaço e nos assuntos astronômicos. Isso porque o fazem, também, por meio de softwares e aplicativos para smartphones, por exemplo. Nas pequenas telas, existem inúmeras opções gratuitas e criativas para se contemplar o céu, como o famoso aplicativo da National Aeronautics and Space Administration (NASA), NASA App, com fascinantes imagens cósmicas e notícias da agência espacial. Pondera-se, portanto, que, se as atividades de Astronomia extraclasse se apresentam imprescindíveis, seria prudente que o ensino formal modificasse as abordagens e adotasse estratégias que funcionam nos espaços não formais. Uma das alternativas seria justamente incluir as tecnologias pelas quais os estudantes demonstram interesse e se sentem engajados. As plataformas digitais, conforme indicam Ferreira e Agner (apud GOMES; GOMES, 2019), vêm apresentando interessantes recursos para conquistar o público leigo, no que se refere à Astronomia. A partir de estudo que tratou sobre a experiência do usuário acerca de aplicativos da área, tais autores afirmam que esses programas podem ser considerados importantes ferramentas de divulgação científica, como os próprios

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espaços de educação não formais, devendo se adaptar à convergência midiática e ampliar os canais de informação. De acordo com o estudo, os aplicativos mais utilizados eram os de previsão do tempo, mapa estelar, rastreamento da ISS e satélites, além de aplicativos de astrofotografia e edição de imagens cósmicas e celestes. De forma digital ou in loco, compreende-se que novas relações epistêmicas são necessárias para ampliar a popularização científica e a aprendizagem geradas a partir dos espaços de educação não formal. Nesse sentido, clubes de Astronomia, observatórios e, inclusive, aplicativos funcionam como relevantes elementos educativos que vão além dos conteúdos curriculares, muitas vezes escassos na sala de aula por razões diversas que se buscou trazer neste capítulo. No céu, no mar ou na terra, o Ensino de Ciências, de maneira geral, tende a ganhar cada vez mais força e apoio complementar com as ações não formais que ocorrem além-muros, promovendo a inclusão de jovens e adultos engajados, principalmente aqueles com menos acesso aos conteúdos da educação científica. OS ESPAÇOS NÃO FORMAIS DE APRENDIZAGEM NO ÂMBITO DA BOTÂNICA O estudo das plantas acompanha a evolução do homem há séculos. No que tange ao ensino da Botânica, convém destacar a dificuldade no ensino da matéria para os educandos, tendo em vista que os assuntos, desde o ensino fundamental, são repassados para os discentes de forma mecânica, repletos de nomes científicos e de termos que estão distantes do cotidiano. Isso repercute no entendimento de que aprender os conceitos e termos da Biologia e, mais precisamente, da Botânica é algo não prazeroso e desmotivador. A desmotivação em aprender também é associada ao conteúdo repassado de forma abstrata, com fórmulas e de modo 113


abstrato, por meio de assuntos muito teóricos, o que contribui para o Ensino de Ciências e de Biologia de modo subvalorizado (SCHELEY; SILVA; CAMPOS, 2014; HALMENSCHLAGER, 2001; FARIA; JACOBUCCI; OLIVEIRA, 2011). No que se refere às aulas que envolvem o ensino das plantas, os docentes também acabam apresentando a tendência de dar exemplos baseados em animais, deixando as plantas em segundo plano. A memorização é, também, outro óbice que contribui para o desinteresse dos educandos no aprendizado da matéria, na medida em que, ao memorizar, os estudantes tendem a não compreender a conexão entre os fatos, buscando atender às exigências escolares. De fato, os conteúdos escolares, muitas vezes, não dialogam com a atualidade. A título exemplificativo, em algumas situações, tais assuntos sequer são abordados em sala. Esse entendimento vem a ser destacado por Salatino e Buckeridge (2016), quando afirmam que os estudantes veem a Botânica como uma matéria entediante e díspar da atualidade. Aulas práticas com interações com plantas são uma forma de estimular práticas de conservação da biodiversidade, além de contribuir para a formação de cidadãos preocupados com o futuro. Nesse sentido, temas como o desmatamento devem ser trabalhados, a fim de desenvolver uma consciência coletiva responsável e preocupada com o amanhã, no sentido de se promover uma aprendizagem dialógica, da qual o discente participa ativamente. Uma forma de deixar o ensino da Botânica mais interessante é fazer o uso dos espaços não formais de aprendizagem como forma complementar de ensinar. Segundo Faria, Jacobucci e Oliveira (2011, p. 88), nesses espaços, nos quais podem ser exemplificados os museus e os zoológicos, entre outros ambientes interativos, conforme visto acima, “[...] as atividades educativas são de diferentes naturezas, e estratégias variadas têm sido propostas para realiza-las”. Ainda que não haja consenso na delimitação do que vem a ser espaço não formal de aprendizagem, considera-se, neste

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capítulo, o entendimento de Jacobucci (2008, p. 55), ao inferir que o termo se relaciona à descrição de “lugares, diferentes da escola, onde é possível desenvolver atividades educativas”. É interessante salientar a ação educativa, que deve estar presente nos espaços além dos muros escolares, para que eles sejam considerados espaços não formais de aprendizagem. Aliado a isso, tal ambiente está intimamente ligado ao conceito de educação cidadã, muito bem salientado por Gohn (2014, p. 40). De acordo com a autora: A educação não formal é aquela que se aprende “no mundo da vida”, via os processos de compartilhamento de experiências, principalmente em espaços e ações coletivos cotidianas. Nossa concepção de educação não formal articula-se ao campo da educação cidadã – a qual no contexto escolar pressupõe a democratização da gestão e do acesso à escola, assim como a democratização do conhecimento. Na educação não formal, essa educação volta-se para a formação de cidadãos (as) livres, emancipados, portadores de um leque diversificado de direitos, assim como de deveres para com o(s) outro(s).

Sasseron (2019) enfatiza que a construção do conhecimento por meio da compreensão dos fenômenos que são corriqueiros e próximos da realidade, além de entendimentos de como se desenvolve a vida, são importantes também por contribuir para a proposição de novos conhecimentos. Dessa feita, há que se observar que o Ensino de Ciências, em especial, o de Biologia, necessita dessa abordagem não enciclopédica, e os espaços não formais podem servir de alternativa para essa construção de conhecimento (ALMEIDA et al., 2017). O uso dos espaços de educação não formal, como museus, jardins botânicos, herbários, planetários, entre outros ambientes, com a intencionalidade educativa, também contribui para minorar a chamada cegueira botânica. Ainda que cada vez mais cercada por tecnologias e avanços da urbanização, o que diminui a interação do verde com a humanidade, a sociedade acaba não notando as plantas em seu entorno, as quais podem 115


abarcar desde as gramas até as árvores de grande porte. E essa não percepção é ainda maior quando, no cenário observado, há outros seres vivos, como os animais (NEVES; BÜNDCHEN; LISBOA, 2019). CONCEITO E RAZÕES DE EXISTÊNCIA DA CEGUEIRA BOTÂNICA O termo, também conhecido como plant blindness ou negligência botânica, foi criado pelos botânicos e pesquisadores James Wandersee e Elizabeth Shussler, e traduz a inabilidade ou incapacidade das pessoas de perceberem as plantas na sua rotina, o que compromete a verificação da importância das mesmas para a vida (ALLEN, 2003; MACEDO, 2016). Katon, Towata e Saito (2013) complementam ao abarcar no conceito, também, a incapacidade de se perceber a importância das plantas tanto para a biosfera quanto para os humanos, causando ainda uma visão errônea de que elas seriam inferiores aos animais. Quando se fala a respeito do tema, um simples teste, que recebe o nome de “piscada de atenção”, é proposto (OLIVEIRA; LIESENFELD, 2020): algumas imagens são mostradas ao observador, para que sejam identificados os seres vivos. Na maior parte das vezes, muitas pessoas não são capazes de enxergar as plantas, ainda que elas estejam na maior parte da composição da imagem. Salatino e Buckeridge (2016, p. 177) assim afirmam: Imaginemos uma foto típica da savana africana, mostrando árvores, arbustos, gramíneas e girafas. Se apresentássemos essa foto a uma pessoa escolhida aleatoriamente e perguntássemos o que se vê na foto, provavelmente ela diria: “girafas”. A probabilidade de que ela mencionasse as plantas na foto seria mínima.

Entre as possíveis justificativas que embasariam a existência da cegueira botânica, destaca-se uma característica neurofisiológica: o cérebro humano é programado para visualizar e dar mais atenção aos animais em detrimento das plantas, seja

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por conta dos padrões de cores, ou por serem ou não seres ameaçadores (MACHADO; AMARAL, 2015; SALATINO; BUCKERIDGE, 2016). Outra justificativa pode ser percebida de acordo com o que destaca Pieroni (2019, p. 31): “O fato de as plantas serem seres vivos estáticos, não ameaçadores e apresentarem um padrão de cor pouco saliente, faz com que o nosso cérebro as ignore durante o processo de percepção visual, a não ser que estejam em floração ou frutificação”. Pode-se entender, assim, que a negligência botânica seria uma “condição default de humanos” (SALATINO; BUCKERIDGE, 2016, p. 178). Há, ainda, que se considerar a diminuição da convivência com a natureza, uma diminuição da interação entre a humanidade e as plantas (NEVES; BÜNDCHEN; LISBOA, 2019). Por conta dos avanços tecnológicos e da urbanização, frutos, sementes e raízes chegam às mãos da população nos supermercados, muitas vezes já de forma industrializada. Interessante é a passagem de Salatino e Buckeridge (2016, p. 179), quando destacam: [...] ao ver, por exemplo, uma bela mandioca na gôndola do supermercado, o processo de semiose não nos leva no sentido de imaginar a planta que produz aquela raiz, mas sim um prato de mandioca frita [...] tampouco pensamos numa planta de guaraná ao tomar o refrigerante.

Outro óbice já exposto anteriormente é o excesso das aulas quase que exclusivamente expositivas, as quais tendem a gerar um desgaste no processo de ensino e aprendizagem. O excesso de teorias, de modo descritivo e focado na memorização do conteúdo, leva a situações de perda de estímulo e entusiasmo dos estudantes. Esse desinteresse acaba provocando um ciclo vicioso, pois o docente, muitas vezes, pauta-se por essa justificativa para dizer que a aula não é entusiasmante, pois o corpo discente não auxilia nessa motivação (KATON; TOWATA, 2012). A percepção acerca do ciclo vicioso dos docentes também é notada por Salatino e Buckeridge (2016), ao informarem que os professores têm uma formação insuficiente em Botânica, o que 117


acaba desmotivando crianças e jovens no aprendizado da matéria. Dentre esses, por sua vez, os que escolherem seguir a carreira acadêmica também acabarão por se mostrar incapazes de transmitir entusiasmo no repasse da matéria. SUPERAÇÃO DE OBSTÁCULOS São muitos os desafios para a superação da cegueira botânica. Algumas sugestões e experiências podem ser exploradas, com o intuito de minorá-la. Uma delas é buscar uma maior aproximação junto ao meio ambiente, através de passeios familiares ou o incentivo a encontros promovidos como forma de aproximar os saberes tradicionais, como o conhecimento de ervas, estreitando-se a relação entre o homem e a natureza. Assim fazendo, haverá estímulo à conservação ambiental e uma maior preocupação no que tange aos desastres ambientais, por meio do diálogo de saberes plurais. Outro fator que pode contribuir para evitar o apagamento das plantas é uma nova forma de pensar as aulas, fazendo com que, desde o ensino básico, as crianças possam ter acesso a informações sobre a importância das plantas, com a valorização das mesmas. Ainda a respeito do tema, o autor Richard Louv (2016) criou a expressão “desordem do déficit da natureza”, a fim de mostrar o quão prejudicial pode ser a falta de convívio das crianças com as plantas (DAWSON; NORBERG-HODGET; JACSON, 2017). Também é forma de se evitar a cegueira botânica o incentivo ao uso dos espaços de educação não formal, especialmente através de visitas guiadas a jardins botânicos, herbários e outros museus a céu aberto. No que atine aos herbários, Souza, Aoyama e Menezes (2020, p. 90) destacam que são “[...] importantes ferramentas para a obtenção de conhecimento e documentação sobre a flora, além de serem instrumentos eficazes de ensino, onde teoria e prática se complementam”. Nesse sentido, Fagundes e Gonzalez (2006) apontam os herbários como um instrumento didático para que os estudantes 118


possam ter suporte para o reconhecimento da flora de um dado local. Além disso, no ensino médio, são uma excelente estratégia para desenvolver os conceitos de Biologia, através da manipulação das plantas. A partir de uma maior abordagem em sala de aula a respeito da importância e conservação das plantas, é possível estimular que haja uma maior preocupação com o futuro da sociedade. Temas como desmatamento devem ser detalhados, com o intuito de desenvolver cidadãos responsáveis com o amanhã. A cegueira botânica pode, sim, vir a ser diminuída, e é por meio de iniciativas como as que foram faladas anteriormente que isso pode ser concretizado. Corrobora-se o entendimento de Sipavicius e Cerati (2017), quando enfatizam que a educação, quando realizada nos espaços naturais, é de fundamental importância, haja vista que desenvolve a biofilia e, como consequência, auxilia a diminuir a negligência botânica. CONSIDERAÇÕES FINAIS Seja no mar, com a utilização acessível do ambiente da praia, seja no céu, por meio da educação em Astronomia ou mesmo na flora, com as estratégias diferenciadas no ensino da Botânica, os espaços de educação não formal podem ser considerados aliados de peso na educação de crianças e jovens. Isso porque constituem não apenas uma formação complementar aos conteúdos formais apresentados na escola, mas a oportunidade de experimentar vivências e abordagens que podem ser ausentes ou pouco presentes na educação curricular. Observa-se que, muitas vezes, a escola prioriza um conhecimento preconizado por livros didáticos que pode estar distante da realidade dos sujeitos aprendizes, numa tendência positivista, hegemônica e fechada a saberes alternativos (GONDIN; MÓL, 2009). Os espaços não formais, por sua vez, tendem a aproximar os estudantes desses aspectos, o que facilita o processo de contextualização dos conteúdos e as relações entre ciência, tecnologia e sociedade.

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Sugere-se, pois, que o acesso a tais ambientes possa ser ampliado e ofertado a um número cada vez maior de professores e professoras em formação, para que, quando no exercício regular da profissão, possam trabalhar a prática cotidiana das temáticas abordadas junto aos educandos não apenas de forma conteudista, mas em seu máximo potencial empírico, transdisciplinar e, principalmente, inclusivo. REFERÊNCIAS ALLEN, W. Plant blindness. BioScience, v. 53, n. 10, p. 926, 2003. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/ejemplar/471776. Acesso em: 18 fev. 2021. ALMEIDA, G. O. et al. O planetário como ambiente não formal para o ensino sobre sistema solar. Revista Latino-Americana de Educação em Astronomia, n. 23, p. 67-86, 2017. Disponível em: https://www.relea.ufscar.br/index.php/relea/article/ view/279/344. Acesso em: 19 fev. 2021. BRASIL. Plano Nacional de Astronomia (PNA). Brasília: Ministério da Ciência e Tecnologia, 2010. Disponível em: https://www.sab-astro.org.br/wp-content/uploads/2017/03/ PNA-FINAL.pdf. Acesso em: 18 jan. 2020. BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. MEC/Secretaria de Educação Básica, 2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: 17 nov. 2019. BOURDIEU, P. F. O capital social – notas provisórias. In: NOGUEIRA, M. A.; CATANI, A. (orgs.). Escritos de educação. 16. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015. CARVALHO, I. C. M. Educação ambiental: a formação do sujeito ecológico. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2006. CAZELLI, S.; MARANDINO, M.; STUDART, D. Educação e Comunicação em Museus de Ciências: aspectos históricos, pesquisa e prática. In: GOUVÊA. G.; MARANDINO, M.; LEAL, M. C. (orgs.). Educação e Museu: a construção social do caráter educativo dos museus de ciências. Rio de Janeiro: Access, 2003. 120


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PESQUISA E O ENSINO DE CIÊNCIAS: REFLEXÕES SOBRE O USO DA BIBLIOTECA E FONTES DE INFORMAÇÃO NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM Vania Ferreira da Silva Mariana Paranhos de Oliveira DOI: 10.21826/9786587422251-05

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Os estudos sobre usuários na área da Ciência da Informação discutem e refletem acerca do porquê, de como e para quais fins os usuários de um sistema de informação buscam, ou qual a sua necessidade da informação (FIGUEIREDO, 1994). Dessa forma, é possível traçar um perfil com as necessidades informacionais dos usuários, quando esses utilizam alguns serviços, ou fontes de informação da biblioteca, centrados nos sistemas e na recuperação da informação. A partir dos estudos de usuários, surge o comportamento informacional, que vai além do estudo do perfil e das necessidades informacionais daqueles, iniciando um trabalho sobre a cognição, associado à Psicologia, com o intuito de compreender e analisar o processo de busca e uso de informação como um processo de construção e aprendizagem (KUHLTHAU, 1999). Esta pesquisa partiu da revisão bibliográfica nas áreas da Ciência da Informação e do Ensino de Ciências, partindo da perspectiva da busca de fontes de informação e desse processo como prática e construção do aprendizado.

ESTUDO DE USUÁRIOS Diversas são as questões sobre a necessidade de informação, tais como motivos, desejos, estímulos, entre outros. Os estudos de usuários têm sido uma temática constante na área de Ciência da Informação (CI), muitas vezes com o foco direcionado mais para um perfil de usuário, no intuito de facilitar a elaboração dos sistemas de informação, do que precisamente direcionada às necessidades de informação do indivíduo. A CI tem duas abordagens para estudos de necessidades de informação. A primeira é a abordagem tradicional, cujos estudos são direcionados aos sistemas e às bibliotecas, entendendo a informação como algo exterior ao indivíduo. A segunda, por outro lado, é a abordagem alternativa, direcionada à perspectiva do usuário, da individualidade diante da necessidade, busca e comportamento informacional (COSTA; SILVA; RAMALHO, 2005; DERVIN; NILAN, 1986; MENZEL, 1964).

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Para Menzel (1964), a necessidade de informação consiste em uma atividade para um fim específico. O autor analisa a informação através de três abordagens, e identifica três necessidades, a saber: a abordagem corrente (necessidade de se manter atualizado), a abordagem de acompanhamento (necessidade de informação específica diretamente ligada ao trabalho ou pesquisa) e a abordagem exaustiva (necessidade de buscar e encontrar toda informação relativa ao assunto). As pesquisas voltadas à necessidade de informação tiveram como foco o estudo do usuário numa perspectiva do sistema, da busca e da recuperação da informação. Chen e Hernon (1982 apud FERREIRA, 1995, [não paginado]) refletem sobre a necessidade de compreender essa necessidade da informação, num viés do sujeito a ser pesquisado. Os esforços são empreendidos na busca da informação e do contexto do indivíduo. Nesse diapasão, “[...] a informação necessária e o esforço empreendido no seu acesso devem ser contextualizados na situação real onde ela emergiu; o uso da informação deve ser dado e determinado pelo próprio indivíduo” (CHEN; HERNON, 1982). O foco dos estudos em necessidades da informação deve partir desse contexto do indivíduo, pois a visão que deve ser considerada tem que abranger hábitos, cultura, educação, contexto social e histórico do indivíduo. Além disso, essa abordagem busca entender como pessoas chegam à compreensão das coisas, no sentido de identificar o processo de busca de informação em situações particulares (FERREIRA, 1995). As abordagens alternativas em Ciência da Informação (CI) vêm contribuindo para uma melhor compreensão dos estudos no que se refere à necessidade da informação. Ao apontar, como núcleo de pesquisa, o indivíduo em seu processo de motivação, averigua o uso da informação (FERREIRA, 1995), ao procurar identificar as motivações ou os desejos numa perspectiva da individualidade do sujeito, e não somente num panorama grupal. Por esse ângulo, evidenciam-se as palavras de Shera (1977, p. 10), ao informar: “assim como a necessidade de informação orienta o indivíduo, assim também orienta sociedades. É à base do comportamento coletivo, tanto quanto do comportamento individual”.

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As novas abordagens da CI levaram esta pesquisa a questionar como esse indivíduo chega até a busca de seus desejos e necessidades. Pinto (2010) faz distinção sobre necessidade e desejo, ao entender que necessidade parte de uma obrigação de busca ou motivação para alcançar um objetivo, enquanto que desejo, por sua vez, parte de uma opção própria de busca, um despertar pessoal. Complementa o supracitado autor que “os estudos de usuários devem então, investigar os desejos de informação, ou seja, aquela que irá, de fato, alterar o estado de conhecimento do usuário” (PINTO, 2010, p. 5). Nesse sentido, Miranda (2010, p. 161) indica: “[...] logo, uma necessidade (consiste num estado intencional) de informação é uma representação, e deve sê-lo porque um sujeito faz uso dessa necessidade de informação como sendo uma representação de um desejo particular”.

Nos modelos alternativos da abordagem da necessidade da informação, outros fatores são levados em consideração, tais como os contextos sociocultural, educacional, político e econômico. Devem ser ressaltadas, também, as inferências do indivíduo nesse processo, que partem de uma necessidade ou desejo e viram uma busca, onde estarão presentes os processos de comunicação, como o diálogo que o indivíduo faz com a formulação da sua busca (DERVIN, 1989). Este capítulo pautou-se pelo modelo de abordagem alternativa de necessidade da informação, uma vez que considera os estudos direcionados para o individuo e compreende essa busca e necessidade de informação como um processo de construção de um exercício de aprendizado. COMPORTAMENTO INFORMACIONAL No intuito de ampliar esse conceito de estudos que trouxessem características, necessidade ou perfil do usuário, a Ciência da Informação procurou entender o processo de busca e do uso da informação de forma holística, investigando, através de um paradigma cognitivo, como esse usuário interage com a informação. O comportamento informacional está relacionado à

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busca, ao uso de informações e de fontes, a fim de atender às necessidades de cada indivíduo. No paradigma cognitivo, Capurro (2003) debate a inserção de indicativos sobre a informação da prática social, sua aplicação e uso, e como tem tido grande impacto nos estudos e concepção de sistemas de recuperação da informação, levando-se em consideração o indivíduo cognoscente e seus modelos mentais no processo informacional. Considera, ainda, que esse indivíduo leva consigo modelos próprios, que não podem ser generalizados, e que cada indivíduo tem sua forma de interpretar o mundo. A criação, em 1975, do Centre for Research on User Studies (CRUS), na Universidade de Sheffield, Inglaterra, bem como a formulação de teorias, tais como a teoria dos Anomalous States of Knowledge de Belkin (1980), a abordagem construtivista baseada em processo de Kuhlthau (1991) e a teoria Sense Making de Dervin (1989), entre outros, contribuíram para a noção de Comportamento Informacional, concentrando suas pesquisas na abordagem da busca, do uso da informação e do comportamento humano (ARAÚJO; PAULA, 2017). Na década de 1980, o termo comportamento informacional ganhou novo enfoque com Wilson (1981), e retomou suas investigações para um modelo que apresentou os conceitos de necessidade e uso da informação, quando se passou a estudar o usuário em suas várias ações informacionais, em seus vários momentos de necessidade de informação, seu engajamento em vários processos de busca e interação com diversas fontes, recursos, serviços e sistemas. (ARAÚJO; PAULA, 2017). Já na década de 1980, Wilson (1981) menciona que “por qualquer razão a necessidade de informação deve ter um motivo que ocasiona esse comportamento [information behavior]” (WILSON, 1981, p. 6). Para esta pesquisa, foi adotado o conceito de Wilson (2000, p. 49), no qual o “comportamento informacional é todo comportamento humano relacionado às fontes e canais de

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informação, incluindo a busca ativa e passiva de informação e o uso da informação”. Wilson (1999) define que o comportamento informacional pode se apresentar através de dois aspectos: o comportamento de busca da informação, realizado pelo usuário em diferentes fontes e de diferentes maneiras, assim como o comportamento de busca de informação em sistemas de informação, que estuda a relação entre o usuário e o sistema e os processos que ele desenvolve para alcançar os resultados desejados. Nessa perspectiva, Kuhlthau (1991) direciona seus estudos para o Processo de Busca de informação (PBI) centrada no usuário, levando em consideração seu contexto, cognição e emoções. Para a autora, “PBI é a atividade construtivista do usuário para encontrar significado a partir da informação, a fim de ampliar seus conhecimentos sobre determinado problema ou assunto” (KUHLTHAU, 1991, p. 361). O paradigma social tem apontado para uma nova compreensão do seu objeto de estudo, levando em conta não só o ser cognoscente. Propõe-se a ir além dos estudos dos sistemas e do acesso à informação, procurando compreender o uso e o sentido que o indivíduo dá à informação dentro do seu contexto social, histórico e cultural, considerando “os condicionamentos sociais e materiais do existir humano” (CAPURRO, 2003), de forma a percorrer um novo caminho para analisar a informação, num viés contemporâneo nos processos informacionais e no uso, produção e fluxo da informação. O modelo de PBI de Kuhlthau (1991) foi baseado numa série de cinco estudos, realizados em seis etapas, que incorporam aspectos afetivos (sentimentos), cognitivos (ideias) e físicos (ações), a seguir destacado:

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Quadro 1 – Modelo do Processo de Busca de Informação de Kuhlthau (1991)

Estágios no ISP

Sentimentos a cada estágio

Pensamentos a cada estágio

Ações a cada estágio

Tarefas apropriadas

1. Iniciação

Incerteza

Geral / Vago

Busca de informações pré-existentes

Reconhecimento

2. Seleção

Otimismo

-

-

Identificação

3. Exploração

Confusão/ Frustração / Dúvida

-

Busca de informação relevante

Investigação

4. Formulação

Clareza

Direcionamento/ Claro

-

Formulação

5. Coleta

Senso de direção / Confiança

Aumento de interesse

Busca de informação focada ou relevante

Conexão

6. Apresentação

Alívio/Satisfação ou Desapontamento

Claro ou Focado

-

Complementação

Fonte: Kuhlthau, 1991.

Nesse trabalho, um novo olhar recai sobre o comportamento informacional, uma vez que a autora abordou o tema como um processo de aprendizagem e construção do usuário. Diferentemente de outros estudos, ela tem uma orientação centrada no usuário, e não nos sistemas de informação, visto que “Esse modelo se destacou por concentrar os aspectos afetivos, cognitivos e físicos presentes nos indivíduos no momento de procura e uso da informação” (ARAÚJO; BRAGA; VIEIRA, 2010). Grandes contribuições para a área de Educação advêm desse trabalho, uma vez que concentrou seus estudos sobre a busca de informação para atender aos atributos cognitivos e afetivos no uso de informações em atividades construtivas 138


que procurem direcionar os usuários para a resolução de problemas, o aprendizado e a busca de significado. “O modelo teórico abordado por Kuhlthau teve e tem grande importância no Brasil, pois trata a informação como algo subjetivo, que só se torna útil para o usuário quando este cria um sentido para ela” (ARAÚJO; BRAGA; VIEIRA, 2010). INVESTIGAÇÃO E PESQUISA NA FORMAÇÃO DO ALUNO DO ENSINO DE CIÊNCIAS O Ensino das Ciências surgiu, no Brasil, para impulsionar o progresso da ciência e da tecnologia, em um país que passava pelo processo de industrialização (KRASILCHIK, 2000). A reforma e a atualização dos currículos do Ensino de Ciências no Brasil são uma exigência e constante tema nos debates da área. No contexto histórico, a formação inicial do professor passou por diversas transformações e exigências - do tecnicista para o educador, do educador para o professor-pesquisador, e do professor-pesquisador para o professor pesquisador-reflexivo (AZEVEDO et al., 2012). Os formadores precisam ser também, pesquisadores, para poderem tratar o conteúdo como um momento no processo de construção do conhecimento, ou seja, trabalhar o conhecimento como objeto de indagação e investigação. Precisam ser, finalmente, investigadores de sua própria ação de formadores, dos processos de aprendizagem que ocorrem durante o processo de formação, investigadores de seu próprio processo de ensino. (PEREIRA, 1999, p. 119).

A formação inicial do professor no Ensino de Ciências deve ser caracterizada pelo conjunto da aquisição do conhecimento, aliado à sua criatividade, vivências e entendimento do papel social da sua profissão. Cumpre salientar que “outro saber de que não posso duvidar um momento sequer na minha prática educativo-crítica é o de que, como experiência especificamente humana, a educação é uma forma de intervenção no mundo” (FREIRE, 2018, p. 96). 139


A partir de uma avaliação das demandas dos ambientes acadêmicos (a Universidade) e profissionais (estágios, escolas), nos quais atuam os licenciandos, refletiu-se a respeito da importância da pesquisa para esses profissionais. Enquanto alunos na Universidade, a pesquisa contribui para o enriquecimento de suas atividades. Por outro lado, enquanto professores, nos seus estágios, ela promove um melhor desempenho nas suas atividades em sala de aula. Cachapuz (2006) relata a importância do envolvimento entre os pesquisadores e os professores, pois, através dessa interação, é possível aliar conhecimentos teóricos a práticos e, dessa forma, partir para uma investigação-ação. O autor também aborda o tema da investigação em didática no ensino das ciências, o qual colabora, nesse contexto, para a compreensão do aluno-pesquisador, esse que, logo, estará em sala de aula como professor, trabalhando com temas e pondo em prática uma didática para o Ensino de Ciências. Nessa perspectiva, entendeu-se que a pesquisa é importante tanto na formação inicial do professor, quanto no seu cotidiano em sala de aula. As Universidades, por exigência do MEC, precisam disponibilizar bibliotecas e acervos com diversas fontes de informação, uma vez que, quando da avaliação dos cursos, esses são um dos pontos de destaque e avaliação. Algumas reclamações são feitas em relação às bibliotecas e seus acervos, desde acervos desatualizados até instalações incômodas, como mencionam Diaz Bordenave e Pereira (2008), mas nem sempre esse quadro se repete em todas as instituições. Com o advento das tecnologias de informação e comunicação, os conteúdos tornaram-se mais acessíveis, o que facilita o desenvolvimento de pesquisas e a facilidade de se obter informação. Nesse estudo, entende-se informação como o “[...] fenômeno humano e social, que deriva de um sujeito que conhece, pensa, se emociona, interage com o mundo sensível à sua volta e a comunidade de sujeitos que comunicam entre si” (SILVA, 2006, p. 24).

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Por outro lado, muitos usuários da internet não sabem selecionar fontes de informação, e pouco utilizam os serviços e as fontes de informação disponibilizados pelas bibliotecas de suas instituições. Se conhecessem as fontes e a maneira de utilizar materiais de referência bibliográfica, seu ensino se veria enriquecido e atualizado, e seus alunos adquiririam uma experiência muito importante para sua vida profissional: a de saber localizar e aproveitar o constante fluxo de conhecimento que vem de todas as partes do mundo para a biblioteca da faculdade. (DIAZ BORDENAVE; PEREIRA, 2008, p. 284).

Pozo e Crespo (2009), ao abordarem o tema aprendizagem e Ensino de Ciências, conduzem a discussão para uma melhor opção para o Ensino da Ciência, que é o ensino por descoberta, permitindo aos alunos a investigação e a reconstrução de descobertas científica. Nesse contexto, percebeu-se que a pesquisa, a investigação, a dúvida e as hipóteses deveriam acompanhar a formação do aluno desde as séries iniciais, e que ele deveria ter contato com a prática no seu cotidiano. Porém, nem sempre é essa realidade a encontrada nas salas de aula. Nessa perspectiva, o importante é o professor introduzir tais práticas nesse contexto. Na formação inicial do professor, é necessário que ele se envolva com a pesquisa, dominando a utilização das fontes de informação, sejam elas impressas ou digitais, e que esteja em constante diálogo com as produções científicas da sua área, ciente de que esse envolvimento trará benefícios para sua vida acadêmica e para o melhor desenvolvimento das práticas em sala de aula. Nessa perspectiva, Bagno (1998, p. 19) preceitua que “sem pesquisa não há ciência, muito menos tecnologia”. Complementa o mesmo autor ao dizer que é fundamental aos alunos, desde suas séries iniciais, aprender a pesquisar, mas esse objetivo só é alcançado se os professores forem capacitados para ensinar.

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No processo de ensino-aprendizagem, muitos estudos revelam a importância do estímulo à criatividade e à exploração de descobertas. Mas, para o professor realizar essas atividades, ele precisa, além dos conhecimentos inerentes à formação básica, dialogar com as atualizações de sua área. No biênio 2001/2002, em pesquisa realizada por Lima e Vasconcelos (2006), 42 professores de 31 das 35 escolas municipais de ensino fundamental da Prefeitura do Recife (PE) foram entrevistados sobre sua metodologia no Ensino de Ciências. Quando perguntados a respeito das fontes de informação e pesquisa, 20% dos entrevistados responderam que desconhecem os periódicos científicos de sua área, e que não tinham verba destinada à compra de revistas. Isso vem a corroborar o entendimento de que muitos alunos e professores não conhecem as fontes de informação da sua área, ou mesmo a biblioteca de suas instituições, buscando os conteúdos na internet de forma aleatória, o que inviabiliza a busca de um melhor desenvolvimento de suas pesquisas. A BIBLIOTECA COMO INSTRUMENTO DE ENSINO-APRENDIZAGEM Partindo da obra “Estratégias de ensino-aprendizagem”, de Juan Diaz Bordenave e Adair Martins Pereira, abordou-se alguns pontos de reflexão que os autores levantam sobre a biblioteca como instrumento de ensino-aprendizagem, dialogando com a área de Ciência da Informação. Nesse livro, os autores apresentam as diversas fases do ensino-aprendizagem, aplicando como princípio a educação problematizadora. A percepção dos autores sobre a biblioteca como instrumento de ensino-aprendizagem parte da proposta da obra, que tem como intuito provocar uma inquietação nos professores no que diz respeito à metodologia e às práticas pedagógicas. Tal obra começa com várias indagações que têm como problema a pergunta “Por que os alunos leem pouco?” A partir

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daí, os autores discutem que são diversas as justificativas que envolvem o problema, que vão desde o tempo escasso do aluno, perpassando por bibliotecas precárias até os professores, que não estimulam o uso da biblioteca. Ao longo do tempo, muitos professores e alunos têm reclamado sobre as bibliotecas e, embora em alguns casos haja fundamento, em outros, tais fundamentos não são tão válidos, uma vez ser comum aos bibliotecários terem que lidar com professores e alunos que sequer fizeram uma visita à biblioteca da sua instituição. Esses professores, que não frequentam a biblioteca da instituição da qual fazem parte, desconhecem os serviços que são prestados pelo setor, e desconsideram o uso do material bibliográfico ou das bases de dados como fortes aliados para o desenvolvimento do ensino e metodologias de aprendizagem. Os autores Diaz Bordenave e Pereira ainda apresentam diversos serviços oferecidos, utilizando a biblioteca universitária da Universidade Federal de Viçosa como exemplo. Expõem, nos subtópicos do capítulo, os seguintes elementos: a)  Conhecimento das instalações da biblioteca - os autores abordam quão importante é que professores e alunos conheçam as instalações da biblioteca e em quais setores podem usufruir dos seus serviços; b)  Organização dos materiais bibliográficos – nesse tópico, é abordado como o acervo da biblioteca é organizado, e que tipo de classificação utilizam para o material bibliográfico; c)  Identificação dos materiais bibliográficos – apresenta, nesse ponto, a catalogação e como os usuários podem realizar buscas através dos dados da ficha catalográfica; d)  Fontes de Informação agrícola – os autores finalizam os elementos, expondo diversas fontes de informação da área agrícola, mas que podem ser direcionadas para cada área do conhecimento.

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Quando duas áreas se encontram, podem dialogar e realizar trocas construtivas no processo de desenvolvimento da ciência. Quando a Educação e ensino, representados por Bordaneve e Pereira, encontram a Ciência da Informação, e inserem um novo olhar sobre a biblioteca e seus serviços, é possível vislumbrar uma nova oportunidade de ensino e da utilização de espaços como as bibliotecas, que nem sempre são valorizadas no processo de construção do saber. FONTES DE INFORMAÇÃO As fontes de informação, nos seus mais variados suportes, surgem da necessidade do homem de registrar seu conhecimento e estender para outro suporte o que a memória não pode preservar. Do impresso ao digital, as fontes de informação servem de ferramenta para o aprofundamento de diversos assuntos e reflexão de novos temas, como diz Teixeira (2011, p. 37): “[...] a informação pode estar em diferentes suportes e esta diversidade propicia a necessidade de estudos sobre as relações entre as pessoas e as fontes de informação”. A escrita e a imprensa foram tecnologias fundamentais para o avanço das fontes de informação impressa. As enciclopédias foram uma das primeiras fontes de informação. Na Antiguidade, Aristóteles foi chamado de “o pai da enciclopédia”. O termo enciclopédia apareceu no século XVI (CAMPELLO; CALDEIRA, 2008). Assim, como toda leitura e livros, as enciclopédias eram destinadas ao público erudito, servindo a uma parte da sociedade. Os dicionários, por sua vez, surgiram na Idade Média, quando os estudiosos escreviam nos manuscritos explicações para as palavras de difícil compreensão. Partindo dessas duas importantes fontes de informação, chegou-se a outras tantas nos dias atuais. Carrizo Sainero, Irureta-Goyena e Sáenz (1994) definem fontes de informação como um conceito muito amplo. Com o transcorrer do tempo, o homem deixou testemunhos, 144


conhecimentos e passos, os quais, ao se transformarem em materiais e produtos, tornaram possível se alcançar o conhecimento. Portanto, as fontes de informação são, em si, produtos das vivências e conhecimento adquiridos pelos homens ao longo de sua existência. Essas fontes ainda são classificadas pelos autores como fontes documentais ou bibliográficas. Lorenzo Rodrigues, Martinez Piñero, A. e Martinez Piñero, B. (2004) apontam que a definição apresentada por Carrizo Sainero (2000) considera como fonte de informação qualquer objeto que transmita algo, que gere conhecimento. Ainda menciona que as fontes de informação são instrumentos de transferência de informação, que tem sua base na bibliografia, apontando que o desenvolvimento das fontes de informação ocorreu no século XVI, quando o livro passou a ser o instrumento de transmissão do saber. Atualmente, as fontes de informação mais utilizadas nas universidades são os livros, as revistas científicas, as bases de dados, CDs, DVDs, dicionários, bibliotecas e internet. Cunha (2001) diz que o uso apropriado das fontes de informação é a chave para o sucesso do desenvolvimento da ciência e tecnologia. Através das fontes de informação, as pesquisas nas mais variadas áreas de conhecimento se desenvolvem e apontam a novas descobertas. O avanço das tecnologias de informação e comunicação facilitou bastante o desenvolvimento da pesquisa, uma vez que as universidades podem contar com a política de acesso aberto a algumas publicações científicas e bases de dados. Cunha (2001) relata a importância do pesquisador que sabe manejar bem as fontes de informação científica e tecnológica, mostrando que esse terá vantagens em relação a outros pesquisadores que não sejam dotados da mesma eficiência ou competência na área. O uso adequado de fontes de informação e, principalmente, as competências desenvolvidas na busca, seleção, organização e uso dessas fontes pelo pesquisador traz benefícios para qualquer campo de pesquisa ou profissional.

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Lorenzo Rodrigues, Martinez Piñero, A. e Martinez Piñero, B. (2004) afirmam que as fontes de informação constituem uma plataforma comum da comunidade cientifica para a difusão de seus conhecimentos, e que esses instrumentos facilitam o fluxo e a transmissão dessa produção de conhecimento. Com a internet e o uso das tecnologias de comunicação e informação, é possível para professores e alunos, nos dias atuais, conhecerem diversas fontes de informação, sejam elas privadas ou públicas. Há uma disponibilidade excessiva de conteúdos na internet e de fácil acesso, mas cabe aqui uma reflexão: será que os alunos estão preparados para a seleção de fontes de informação no meio digital? Será que eles têm visto essas fontes como instrumento de ensino-aprendizagem? Embora a obra de Diaz Bordenave e Pereira discuta sobre a biblioteca como instrumento de ensino-aprendizagem, é sabido que, atualmente, a pesquisa pode ser realizada, sem, necessariamente, o deslocamento para esses espaços. Mas, nesse momento, refletiu-se como as bibliotecas, seus serviços e profissionais podem capacitar alunos e professores para a inserção das fontes no processo de ensino-aprendizagem, desenvolvendo competências informacionais que podem mudar o comportamento informacional de discentes e docentes e contribuir de forma significativa para o entendimento do processo de busca de informação e uso da informação como uma atividade construtivista do seu aprendizado. METODOLOGIA Esta pesquisa caracterizou-se por ser uma pesquisa qualitativa, de caráter bibliográfico, uma vez que utilizou livros, artigos de jornais e revistas sobre o tema. Segundo Vergara (2005), a pesquisa bibliográfica é um estudo organizado, desenvolvido com foco em material publicado nos mais diversos suportes informacionais e acessíveis ao público em geral. O mapa conceitual, adotado para esta pesquisa, direcionou-se pelos estudos da Teoria da Aprendizagem de David 146


Ausubel. Partiu-se da concepção de Ausubel, quando diz: “O fator isolado mais importante que influencia o aprendizado é aquilo que o aprendiz já conhece” (AUSUBEL, 2003, p. 30). Nessa perspectiva, o estudo foi direcionado pelas fontes recuperadas na pesquisa bibliográfica, e que, a partir das leituras e do fichamento do material, possibilitou a elaboração do mapa. Para a construção dos mapas conceituais, foi utilizado o software CmapTools versão 6.03, disponibilizado gratuitamente pelo Institute for Human & Machine Cognition (IHMC), da Universidade da Florida (EUA). RESULTADO Utilizou-se o mapa conceitual para representar e organizar os temas das duas áreas e suas ligações. Partiu-se da concepção de Araújo e Formenton (2015), que utilizam os mapas conceituais como ferramenta de apoio para o pesquisador em sua etapa de levantamento bibliográfico. Através dessa prática, foi possível organizar as informações relacionadas ao campo de conhecimento de cada área. Foi elaborado um sistema de cores para a apresentação dos conceitos: foram utilizados o sombreamento em azul para os conceitos da área de Ciência da Informação, os de cor vermelha para Ensino de ciências e os de cor verde para os conceitos de relação entre as duas áreas, que fornecem um importante diálogo sobre o comportamento informacional na formação inicial dos alunos do Ensino de Ciências.

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Figura 1 – Mapa Conceitual do referencial teórico Fonte: Elaborado pelas autoras, 2018.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Exige-se cada vez mais dessa formação inicial do professor do Ensino de Ciências. O diálogo entre essas duas áreas pode trazer grandes contribuições para o entendimento da pesquisa e o uso da informação como uma atividade construtivista. O texto de Diaz Bordenave e Pereira (2008) trouxe grandes contribuições para a área da educação e ensino. Embora, como os autores bem relatem na introdução, o livro tenha sido escrito para o ensino de ciências agrárias, ele pode ser utilizado por professores de outras disciplinas e áreas do conhecimento. Além disso, trouxe um olhar muito sensível e provocativo ao uso e conhecimento das bibliotecas e seus serviços. Levantou questões defendidas pela Biblioteconomia e Ciência da Informação sobre a necessidade, o uso da informação e o comportamento informacional, ao levantar a inserção dessa biblioteca como instrumento de ensino-aprendizagem, com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento das habilidades, no que diz respeito ao comportamento informacional dos docentes e discentes. O processo de busca e de uso da informação deve ser conduzido por uma reflexão crítica para que a pesquisa, a recuperação e o uso da informação sejam atividades construtivistas a serem introduzidas na formação do licenciando de Ensino de Ciências. Assim sendo, observou-se que é necessário investir no desenvolvimento de habilidades que beneficiem sua construção de conhecimento e possibilitem a capacitação para avaliar e analisar as fontes de informação utilizadas nas suas atividades diárias. É necessário que o corpo docente e os sistemas de bibliotecas apresentem aos discentes as mais diversas fontes de informação que disponibilizam e, mais do que isso, capacite-os para 149


o uso desse material. À luz de uma grande ousadia, como seria interessante que houvesse disciplinas nos cursos de licenciaturas ou graduação apresentando os mais diversos recursos informacionais, disciplinas essas que desenvolvessem algumas competências nos discentes. Ao refletir sobre o grande desafio do licenciando que irá sempre trabalhar com conteúdos, que precisa estar atualizado na sua área e de como essas competências podem enriquecer sua prática profissional, percebeu-se que o processo de busca de informação não é algo tão simples, que não depende só de um termo jogado no Google. Depende de uma problematização sobre o seu tema de pesquisa, sobre quais estratégias de busca vai adotar, sobre quais refinamentos irão direcionar seus resultados de busca. É, enfim, um processo de busca de informação e aprendizagem.

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LIVRO DIDÁTICO: UMA ANÁLISE A PARTIR DA EJA Douglas Fraga Silveira Paulo Henrique Saenger Giordano Ferreira Vargas

DOI: 10.21826/9786587422251-06

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Conforme o Portal do Ministério da Educação (MEC) o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) é um programa voltado à aquisição e distribuição de materiais de apoio à prática educativa. De acordo com o Portal, o PNLD contempla, de forma sistemática, regular e gratuita todos os níveis da educação básica, inclusive a Educação de Jovens e Adultos (EJA) de escolas públicas básicas das redes federal, estaduais, municipais e distrital e, também, às instituições de educação infantil comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos e conveniadas com o Poder Público que estejam cadastradas nesse Programa. Por outro lado, conforme Crisóstomo K. L e Crisóstomo M. T. (2015), para a Educação de Jovens e Adultos, o livro didático acaba por ser um instrumento que requer um olhar diferenciado em seu uso, uma vez que pode estar muito distante da realidade dos alunos e, com isso, tornar o processo da aprendizagem improdutivo. Em outras palavras, um dos objetivos do livro didático, na modalidade EJA, é fazer com que o aluno possa associar os conteúdos dos livros à sua vida diária e prática, bem como refletir sobre os fenômenos de nossa língua. Entretanto, para Silva (2012), o PNLD é considerado como um modelo de política pública voltada à educação, apresentando, contudo, dificuldades decorrentes, por exemplo, da ação de empresas que participam, de alguma forma, do processo de aquisição dos livros didáticos. Frequentemente, essas organizações intervêm no processo de publicidade, influenciando de forma indevida a escolha do professor, além de restringirem o acesso público ao livro. Contudo, diversos autores apontam inúmeras alternativas, por exemplo, o uso de computadores e tablets, como ferramenta auxiliar no processo de ensino, conforme afirma Seixas (2017) em sua tese de doutorado. Essas alternativas são capazes de oferecer uma relação custo-benefício superior à do exemplar impresso, pelo fato de apresentarem aspectos mais contemporâneos, sendo mais receptivos aos alunos, além de 161


proporcionarem maior versatilidade aos professores e aos gestores das escolas, possibilitando a caracterização dos conteúdos programáticos voltados à EJA. Logo, acredita-se ser necessário (re)pensar o papel do livro didático na prática pedagógica da EJA, bem como mensurar o preço médio de cada exemplar e analisar sua evolução ao longo dos últimos anos. Nesse sentido, buscou-se refletir sobre o uso do livro didático no processo de ensino-aprendizagem da Educação de Jovens e Adultos, assim como analisar o custo médio de cada livro, a partir dos dados estatísticos do Portal da Transparência do MEC. REFERENCIAL TEÓRICO EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS De acordo com Di Giorgi et al. (2014) e Crisóstomo K. L e Crisóstomo M. T. (2015), durante o processo de urbanização e industrialização do país no início do século passado, o governo, com o intuito de qualificar a mão de obra, buscou alfabetizar a população adulta. Assim, diversas medidas foram adotadas visando a reduzir o analfabetismo, dentre elas, a criação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) e do Fundo Nacional do Ensino Primário (FNEP). Ainda para as autoras, a EJA é uma modalidade de ensino criada pelo Governo Federal que perpassa todos os níveis da Educação Básica do país, destinada aos jovens, adultos e idosos que não tiveram acesso à educação na escola convencional na idade apropriada. Com isso, permite que o cidadão retome os estudos e os conclua em menos tempo, possibilitando sua qualificação para conseguir melhores oportunidades no mercado de trabalho. Por outro lado, essa modalidade de ensino ainda é vista com certo olhar de preconceito. Entretanto, é importante

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evidenciar que o público-alvo da EJA, geralmente, é de adultos que vivem à margem da sociedade, isto é, com baixo poder aquisitivo (QUEIROZ, 2012; CRISÓSTOMO K. L.; CRISÓSTOMO, M. T., 2015). Diante desse cenário, a maneira como os conteúdos são abordados em sala de aula, muitas vezes, estão em desacordo com as necessidades e com a realidade do educando, conforme relata Queiroz (2012) em sua dissertação de mestrado, através de entrevistas com alunos e professores da EJA. Essa discrepância fica ainda mais evidente nos conteúdos dos livros didáticos. Ainda, para Preti (2016), o processo de ensino-aprendizagem tem sido pautado quase que exclusivamente pelo uso de livros didáticos, que apresentam textos enormes, com linguagem de difícil entendimento e que não fazem referência àquilo que o jovem ou adulto vive em seu cotidiano. LIVRO DIDÁTICO O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), gestor do PNLD, dispõe que o livro didático é uma ferramenta alternativa elaborada para facilitar a mediação didático-pedagógica do conhecimento prático e teórico entre o professor e o aluno. Por outro lado, Munakata (2012) e Di Giorgi et al. (2014) afirmam que o livro didático está consagrado na cultura escolar, e tem assumido a primazia entre os recursos didáticos utilizados na maioria das salas de aula do Ensino Básico. Ainda assim, o livro didático é apenas um instrumento auxiliar para a prática docente (VERCEZE; SILVINO, 2008). Outro detalhe identificado por Di Giorgi et al. (2014) é a importância do livro que, para muitos professores, vai além de sua função principal, que é a de ser uma ferramenta auxiliar à prática didática. Franco (1982) também observou, em sua pesquisa, que muitos educadores se utilizam dessa ferramenta didática como fonte de consulta pessoal. Igualmente, Silva (2012) justifica o livro didático como sendo um dos maiores responsáveis pela informação e formação dos professores.

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Por outro lado, Preti (2016) apresenta que o livro didático tem se tornado uma espécie de manual didático, simplificando e objetivando o trabalho didático, transferindo a responsabilidade de transmitir o conhecimento do professor para o livro didático. Verceze e Silvino (2008), afirmam que o livro não deve ser visto como única fonte de conhecimento disponível para o educando, mesmo sendo utilizado didática e corretamente em sala de aula, pois o professor deve ter consciência da necessidade de um trabalho diversificado. Para tanto, é preciso buscar em outras fontes as informações ou os conteúdos que venham a complementar e enriquecer os conteúdos dos livros didáticos. Silva (2012) e Di Giorgi et al. (2014) complementam que o livro didático se consolidou enquanto uma política de Estado, tornando-o um objeto acessível a todos os estudantes de escolas públicas brasileiras. Entende-se, contudo, que essa política precisa ser revista, de modo que passe a considerar a possibilidade do livro se tornar um produto consumível, isto é, com uma vida útil menor. Isso se dá em face do fato de que os conteúdos disponíveis nos livros possam ser revistos e atualizados periodicamente, levando à obsolescência do livro já impresso. GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS Métodos que visem a otimizar os recursos disponíveis devem ser incessantemente almejados por qualquer agente econômico (SHINGO, 1996; SANTINI et al., 2015), sejam eles: empresarial, almejando ao lucro financeiro; familiar, na busca por melhor qualidade de vida de um grupo familiar; ou, ainda, governamental, agindo como reguladores e intervindo, quando necessário, na economia do Estado, quer seja incentivando, quer seja estabelecendo normas, leis e critérios ou praticando políticas voltadas ao desenvolvimento de toda a sociedade (MACHADO, 2002). Além disso, adaptar-se a um cenário em constantes mudanças e com acelerado avanço tecnológico é imprescindível a

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qualquer um desses agentes. No caso governamental, o Estado deve ainda ser maleável às diferenças culturais e socioeconômicas existentes nas diferentes regiões que compõem o país para, então, aplicar seus recursos de forma otimizada, direcionando-os a políticas públicas que visem ao desenvolvimento de toda a sociedade (PRETTO, 2003). Por outro lado, conforme Silva, Gil e Okabayashi (2014), os administradores públicos necessitam de subsídios gerenciais que cumpram com eficiência, eficácia e efetividade suas políticas públicas. Logo, nenhum gestor deveria deliberar sobre algo sem conhecer os custos envolvidos, os respectivos riscos e benefícios das alternativas de ação existentes, exaurindo-as (KRAJEWSKI; RITZMAN; MALHOTRA, 2009; BORNIA, 2009; SOUSA, 2012). Ademais, de acordo com Saviani (2007), não há consenso sobre a necessidade ou a pertinência da utilização do livro didático, ainda que seja um dos recursos mais utilizados em salas de aulas do Ensino Fundamental e Médio. Em paralelo, Fracalanza (1987) menciona a preocupação de pesquisadores em desenvolver estudos sistemáticos sobre o livro didático. Entretanto, devido à desarticulação existente entre as instituições de pesquisa e as agências de financiamento, pouco se sabe efetivamente sobre a extensão e a qualidade das pesquisas existentes sobre o livro didático. Diversos autores, como Vasconcelos e Souto (2003), contestam o uso do livro didático como ferramenta de apoio ao ensino e relatam incontáveis reportagens que retratam o descaso para com essa ferramenta, o que torna pertinente a realização de uma análise econômico-financeira a respeito do livro didático. METODOLOGIA Mesmo que Oliveira (2011) observe a argumentação de alguns autores quanto à inconveniência em definir limites entre os estudos qualitativos e quantitativos nas pesquisas, e que a diferença entre essas abordagens esteja além da simples escolha de estratégias de pesquisa e procedimentos de coleta de

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dados, é possível dizer que esta pesquisa apresenta uma abordagem quali-quantitativa. É possível também descrevê-la como exploratória, já que Gil (2008) observa que a pesquisa exploratória tem como objetivo desenvolver, esclarecer conceitos e ideias para estudos posteriores. Quanto à técnica de coleta de dados, por se tratar de uma pesquisa na qual se deseja obter informações para a explicação e a compreensão do objeto em estudo, pode-se caracterizá-la como pesquisa bibliográfica e documental (YIN, 2001; SILVA; MENEZES, 2005; OLIVEIRA, 2011). Ainda, de acordo com Yin (2001) e Oliveira (2011), a combinação de ambos os métodos de coleta de dados está fundamentada na lógica de se utilizar diversas fontes de evidências em prol da convergência ou não-convergência dos fatos. Conforme sugere Oliveira (2011), considera-se que este trabalho busca enriquecer a leitura e ultrapassar as incertezas, extraindo conteúdos por trás da mensagem analisada e permitindo uma maior aproximação com o sentido do conteúdo, já que a construção das unidades de análise faz-se a partir da compreensão do conteúdo. Nesse sentido, utilizou-se a análise de conteúdo (OLIVEIRA, 2011). Procurando compreender o Programa Nacional do Livro Didático, especificamente o livro didático para a Educação de Jovens e Adultos e seu custo de aquisição, busca-se inicialmente referências e esclarecimentos acerca da EJA e do processo de aquisição do livro didático, isto é, o processo de aquisição e distribuição a partir de dados estatísticos. Ainda que a idealização do livro didático seja quase centenária, foi somente a partir de 2007 que a produção desses livros passou a ser voltada diretamente à Educação de Jovens e Adultos, a partir da concepção do Programa Nacional do Livro Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos (PNLA). O programa foi instituído pela Resolução nº. 18, de 24

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de abril de 2007, para acolher os alunos do Programa Brasil Alfabetizado (PBA). A oferta gratuita de títulos didáticos passou a ser voltada à alfabetização e à escolarização de indivíduos com idade de 15 anos ou mais (QUEIROZ, 2012). Com a Resolução nº 51, de 16 de setembro de 2009, foi promulgado o Programa Nacional do Livro Didático para a Educação de Jovens e Adultos, norteado pelo PNE, que almeja a erradicação do analfabetismo e o gradativo acolhimento a jovens e adultos pelas redes de ensino, com o propósito de ampliar o ingresso à educação pública de qualidade (BRASIL, 2010). Para Queiroz (2012), a edição do PNLA de 2009 proporcionou o aumento significativo de alunos. Em 2010, o PNLA foi vinculado ao PNLD EJA, estendendo o atendimento a todas as escolas públicas e instituições parceiras do Programa Brasil Alfabetizado, com turmas do Ensino Fundamental (anos iniciais, 1º ao 5ºano; e anos finais, 6º ao 9º ano). A partir desse momento, a pesquisa direcionou-se ao atual processo de aquisição e distribuição do Livro Didático1 e, apesar de historicamente aperfeiçoada, ainda não pode ser considerada isenta de críticas. Autores como Britto (2011) e Di Giorgi et al. (2014) sistematizam o processo em seis etapas, a saber: 1ª) o lançamento do edital que estabelece as regras, o conteúdo para os exemplares e especificações técnicas; 2ª) a candidatura das editoras, quando já há uma análise prévia dos exemplares submetidos pelas proponentes. Após, é confeccionado o Guia do Livro Didático com as avaliações dos livros aprovados, publicadas pelo FNDE em seu sítio eletrônico e em material impresso; 3ª) a escolha 1 Conforme dados disponíveis no Edital de Convocação nº 01/2019 – CGPLI para o processo de inscrição e avaliação de obras didáticas para o programa nacional do livro e do material didático PNLD 2019 – atualização BNCC. Conforme dados disponíveis no Edital de Convocação nº 01/2019 – CGPLI para o processo de inscrição e avaliação de obras didáticas para o programa nacional do livro e do material didático PNLD 2019 – atualização BNCC. 167


dos exemplares por parte dos professores e gestores das escolas cadastradas no Censo Escolar; 4ª) a compilação dos pedidos, com os quantitativos e a solicitação de compra; 5ª) a produção dos exemplares; e, por fim, 6ª) a entrega dos exemplares às escolas. Destaca-se que todos as etapas contam com o acompanhamento de técnicos do FNDE e das secretarias estaduais de educação. Ao entender um pouco mais sobre a história, sua evolução e o processo de aquisição e distribuição do Livro Didático, buscou-se, então, dados acerca do número de alunos da EJA beneficiados, o número de exemplares distribuídos e o investimento feito para essa modalidade, em outras palavras, os dados estatísticos. Contudo, diante da magnitude do Programa e de sua longevidade, optou-se por fazer um recorte temporal. Assim, decidiu-se analisar o investimento feito nos anos 2014-2020. RESULTADOS Para Queiroz (2012), a EJA é uma modalidade de educação básica com características próprias, alicerçada na Lei nº 9394/96, ou seja, é necessário um grande esforço, não só dos educandos, mas também do professor, que deve aproximar os conteúdos estudados à realidade do aluno, promovendo, dessa forma, um ensino significativo e prazeroso. Ainda para a autora, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA expressam que, para atender a essa modalidade, é preciso considerar o perfil dos estudantes ao indicar um modelo pedagógico, de modo a assegurar a equidade na distribuição específica dos componentes curriculares. De acordo com Queiroz (2012), a EJA possui um público de diversas faixas etárias, sendo, predominantemente (cerca de 55%), do sexo feminino. Acrescido a isso, a grande maioria dos indivíduos são jovens com idade entre 15 e 24 anos (cerca de 39%). A pesquisa de Queiroz (2012) ainda destaca que apenas 2% da população analisada era de indivíduos com mais de 64 anos, o que, possivelmente, persiste nos dias atuais.

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Os dados tabulados, ano a ano, para a EJA - Educação de Jovens e Adultos (incluindo o Programa Brasil Alfabetizado, também voltado à alfabetização de jovens, adultos e idosos), disponíveis no Portal da Transparência do MEC, são: I) os investimentos em reais; II) o número de exemplares distribuídos; e III) o número de alunos beneficiados são mostrados na Tabela 1 a seguir. Ao analisar os dados disponíveis, viu-se que os exemplares adquiridos são dos seguintes componentes curriculares (disciplinas): Língua Portuguesa, Literatura, Espanhol, Inglês, Filosofia, Sociologia, Artes, Educação Física, História, Geografia, Química, Física, Biologia e Matemática, além de volumes interdisciplinares, que abrangem conteúdos de Ciências, História e Geografia ou, ainda, volumes de Projetos Integradores, que contemplam, no mínimo, dois componentes curriculares Tabela 1 - Dados Estatísticos Livro Didático Educação de Jovens e Adultos

Ano 2014

Beneficiados 6.227.629

Exemplares 14.951.374

Valores (R$) R$ 169.745.724,94

2015

N/A2

N/A

N/A

2016

3.352.605

7.770.111

R$ 104.482.963,81

2017

10.209.699

24.933.520

R$ 173.334.755,87

2018

2.075.973

3.374.120

R$ 46.160.440,28

2019

N/A

N/A

N/A

2020

N/A

N/A

N/A

Total

21.865.906

51.029.125

R$ 447.563.444,62

Fonte: Portal da Transparência do MEC, 2021.

DISCUSSÕES Os dados, conforme a Tabela 1 acima, permitem diversas análises quanto à evolução do número de exemplares, do número de alunos beneficiados, do valor investido, assim como correlações entre essas variáveis, como, por exemplo, o número 2. ‘N/A’ significa que não houve valor investido, consequentemente, não foram adquiridos exemplares, tampouco alunos beneficiados. 169


médio de exemplares por aluno, o ano e o valor médio de cada livro didático. Destaca-se a ausência de investimento nos anos de 2015, 2019 e 2020. Consequentemente, nesses anos, nenhum aluno da Educação de Jovens e Adultos foi beneficiado com um novo exemplar. Acrescido, para fins de comparação, de acordo com os dados disponíveis no Portal da Transparência, o investimento total em livros didáticos no período analisado (2014-2020) somou quase 10 bilhões de reais. Entretanto, como pode ser visto, o investimento em livros didáticos para a EJA (incluindo o Programa Brasil Alfabetizado) somou cerca de 5% desse valor, isto é, menos de 500 milhões de reais na soma de todos os anos analisados. Por outro lado, vê-se que, no período analisado, foram distribuídos mais de 51 milhões de exemplares aos alunos da Educação de Jovens e Adultos. Isso significa que, nos anos em que houve investimento em livro didático para essa modalidade, foram distribuídos em média cerca de 12,5 milhões de exemplares por ano. Novamente, ao comparar com as demais modalidades da Educação Básica (anos iniciais do Ensino Fundamental, 1º ao 5º ano, incluindo a Educação Infantil; anos finais do Ensino Fundamental, 6º ao 9º; Ensino Médio), menos de 6 por cento dos exemplares distribuído no período foi para alunos da Educação de Jovens e Adultos, tendo sido distribuído mais de 1 bilhão de exemplares no período de 2014-2020. Fica evidente que essa porcentagem é acentuada devido à ausência de investimento nos anos de 2015, 2019 e 2020. Ainda de acordo com Tabela 1, é possível interpretar que mais de 21 milhões de alunos da EJA foram beneficiados com novos exemplares no período. Entretanto, esse valor se torna ínfimo se comparado com os alunos dos demais níveis beneficiados. Isto é, quase 250 milhões de alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 5º ano), incluindo a Educação Infantil, e dos anos finais do Ensino Fundamental (6º ao 9º 170


ano), além do Ensino Médio, foram beneficiados com novos exemplares. Em outras palavras, apenas cerca de 10% de todos os alunos beneficiados no período foram da EJA. Por outro lado, é possível perceber, ainda, através da Tabela 1, que, no ano de 2017, houve um expressivo investimento em livros didáticos para a Educação de Jovens e Adultos. Consequentemente, nesse ano, o número de beneficiados representa quase metade do total de beneficiados em todo o período. Contudo, deve-se levar em consideração a ausência de investimento nos anos de 2015, 2019 e 2020. Continuando a análise dos dados da Tabela 1, vê-se que esses dados (valor investido e número de exemplares distribuídos) podem ser correlacionados e, com isso, permitir, por exemplo, que seja encontrado o valor médio de cada livro adquirido, ou, também, correlacionar o número de exemplares adquiridos e o número de alunos beneficiados, quando se obtém a média de livros por aluno beneficiado em cada ano. Ainda, é possível inferir que o custo médio do livro didático, para cada aluno, pode ser calculado a partir da divisão do valor investido pelo número de alunos beneficiados. Diante disso a Tabela 2 a seguir apresenta o resultado dessas correlações. Tabela 2 - Correlações 2014

2015

2016

2017

2018

2019

2020

Valor médio de cada livro adquirido

R$ 11,35

-

R$ 13,45

R$ 6,95

R$ 13,68

-

-

Média de Exemplares por Beneficiado

2,40

-

2,32

2,44

1,63

-

-

Custo médio em Livro Didático para cada aluno

R$ 27,26

-

R$ 31,16

R$ 16,98

R$ 22,24

-

-

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

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CONCLUSÕES Ainda que se tenha feito um recorte temporal nos dados existentes, ressalta-se a magnitude desse Programa, isto é, considerando apenas os sete anos de análise, percebe-se que o investimento para a Educação de Jovens e Adultos representa apenas cerca de cinco por cento do total do investimento em Livros Didáticos, acrescido em três dos sete anos analisados, quando não houve investimento para essa modalidade. No período de 2014 a 2020, o Programa distribuiu mais de 1 bilhão de exemplares para todos os níveis. Contudo, pouco mais de 51 milhões deles foram destinados aos alunos da Educação de Jovens e Adultos. Salienta-se novamente que, nos anos de 2015, 2019 e 2020, não houve distribuição de novos exemplares aos alunos da EJA. Foi possível identificar que, ao calcular a média no período analisado (média das médias), o preço médio de cada Livro Didático para a EJA foi R$ 11,36. Na média, cada aluno beneficiado recebeu dois exemplares por ano. A partir disso, pode-se estimar que o custo médio em Livro Didático por aluno foi de R$ 24,41 por ano. Embora se tenha percebido um declínio no número de alunos beneficiados ao longo dos anos analisados, não se pode confirmar nenhuma redução no número de alunos ingressantes nos respectivos níveis, visto que a pesquisa não obteve essa informação. Ainda assim, percebe-se que, em média, cada aluno é beneficiado com mais de um exemplar. Os resultados encontrados também não evidenciam se os exemplares são entregues anualmente para novos alunos ou se os alunos são beneficiados com novos livros ao mudarem de seriação. Ainda assim, pode-se concluir que são muitos os exemplares existentes no país. Viu-se que cada aluno beneficiado deve ter recebido, em média, pelo menos dois livros. Essa informação pode ser justificada pelo número de disciplinas que contemplam a grade curricular, sendo elas: Língua Portuguesa, Literatura, Espanhol, 172


Inglês, Filosofia, Sociologia, Artes, Educação Física, História, Geografia, Química, Física, Biologia e Matemática, além de volumes interdisciplinares que abrangem conteúdos de Ciências, História e Geografia, ou, ainda, volumes de Projetos Integradores que contemplam, no mínimo, dois componentes curriculares. Verificou-se, também, que a modalidade de Educação de Jovens e Adultos atende a um público bastante diversificado no que tange à faixa etária, isto é, o número de alunos com faixa etária entre 15 e 24 anos (jovens e adolescentes) soma um percentual bastante expressivo com relação às demais faixas etárias. Pode-se dizer, também, que problemas sociais, como a má distribuição de renda, desemprego, condições inadequadas de moradia, entre outras, são questões que perpetuam a existência dessa modalidade. Outro dado relevante identificado nessa pesquisa é a evidência de que o livro didático não está contextualizado no universo sociocultural dos estudantes da EJA, ou seja, geralmente, os livros utilizados apresentam textos enormes, com linguagem de difícil entendimento e que não fazem referência àquilo que o jovem ou adulto vive em seu cotidiano. Mesmo tendo sido investido no período um valor de cerca de 500 milhões de reais, o preço médio de cada exemplar é claramente baixo, R$ 11,36. Ainda assim, esse investimento remete a possíveis questionamentos, como, por exemplo: “É realmente necessário todo esse investimento anualmente?”. Futuras pesquisas podem inferir sobre a necessidade de um investimento tão expressivo como esse. FINANCIAMENTO Este trabalho foi financiado com recursos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, através de bolsa Demanda Social.

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REFERÊNCIAS BORNIA, A. C. Análise gerencial de custos: aplicação em empresas modernas. São Paulo: Atlas, 2009. BRASIL. Sexta Conferência Internacional de educação de adultos: Marco de Ação de Belém. Brasília: UNESCO, 2010. BRITTO, T. F. O Livro Didático, o Mercado Editorial. Brasília: Centro de Estudos da Consultoria do Senado, 2011. CRISÓSTOMO, K. T.; CRISÓSTOMO, M. T. O uso de livros didáticos da educação de jovens e adultos: que caminho trilhar? Linkscienceplace - Interdisciplinary Scientific Journal, v. 2, n. 4, 2015. DI GIORGI, C. A. G. et al. Uma proposta de aperfeiçoamento do PNLD como política pública: o Livro Didático como capital cultural do aluno/família. Ensaio: aval.pol.públ.Educ, v. 22, n. 85, p. 1027-1056, out/dez. 2014. FRACALANZA, H. Educação em Debate. Projeto Material Didático, Fortaleza, v. 3, n. 1, jan/jun., 1987. FRANCO, M. L. P. B. O livro didático de História do Brasil: algumas questões. Cadernos de Pesquisa, n. 41, p. 22-27, 1982. GIL, A. C. Métodos e técnicas de Pesquisa Social. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Dados Estatísticos. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/. Acesso em: 10 mar. 2021. KRAJEWSKI, L.; RITZMAN, L.; MALHOTRA, M. Administração de produção e operações. Prentice-Hall, 2009. MACHADO, N. Sistema de informação de custo: diretrizes para integração ao orçamento público e à contabilidade governamental. 2002. Tese (Doutorado em Contabilidade) – Departamento de Contabilidade e Atuária, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002.

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MUNAKATA, K. O livro didático: alguns temas de pesquisa. Revista Brasileira de História de Educação, v. 12, n. 3, p. 179197, 2012. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Dados Estatísticos. Portal Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação – FNDE. Disponível em: http://www.fnde.gov.br/programas/programas-do-livro/ livro-didatico/dados-estatisticos. Acesso em: 10 mar. 2021. OLIVEIRA, M. F. Metodologia científica: um manual para a realização de pesquisas em Administração/Maxwell Ferreira de Oliveira. Catalão: UFG, 2011. PRETI, O. Desafios na produção de material didático impresso no programa UAB em Moçambique. LYALOSHO: Revista Científica de EAD, v. 1. 2016. PRETTO, N. Educação e inovação tecnológica: um olhar sobre as políticas públicas brasileiras. Revista Pedagógica, v. 5, n. 11, p. 65-84, jul./dez. 2003. QUEIROZ, A. M. Livro Didático na EJA: Concepções de professores e alunos no cotidiano escolar. 2012. Dissertação (Mestrado em Educação) - Instituto de Educação, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa, 2012. SANTINI, S. et al. Fatores de mortalidade em micro e pequenas empresas: um estudo na região central do Rio Grande Do Sul. Revista Eletrônica de Estratégia&Negócios, v. 8, n. 1, p. 145169, jan./abr. 2015. SAVIANI, D. O Plano de desenvolvimento da educação: Análise do projeto do MEC. Educ. Soc., Campinas, v. 28, n. 100, p. 12311255, out. 2007. SEIXAS, R. H. M. Tecnologias educacionais no ensino de ciências da natureza em escolas públicas do município de Pelotas/ Brasil. 2017. Tese (Doutorado em Educação em Ciências) Instituto de Ciências Básicas da Saúde, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2017. SILVA, E. L.; MENEZES, E. M. Metodologia da Pesquisa e Elaboração de Dissertação. 4. ed. Florianópolis: Atual, 2005. 175


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CIÊNCIA ABERTA, DADOS ABERTOS Ketlen Stueber Rodrigo Corrêa Couto da Silva

DOI: 10.21826/9786587422251-07

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A História da Ciência está marcada por processos temporais, sociais e políticos que fundamentaram diferentes correntes teóricas, todas cruciais para o desenvolvimento – e, às vezes, para o regresso - humano, material, imaterial e tecnológico do planeta e dos seres que o habitam. Por muito tempo, correntes de pensamento baseadas em teorias positivistas e cartesianas dividiram a sociedade e a ciência: de um lado, os cidadãos; de outro, os pesquisadores e cientistas, calcando a Ciência em estruturas hierárquicas. Em meados de 1960, para compreender como se dava a produção de conhecimento, Thomas Kuhn (2017) debruçou-se em diferentes fontes de comunicação: artigos científicos, enciclopédias, livros didáticos, correspondências produzidas entre os pesquisadores da época. Ousou buscar as respostas para além do seu campo de estudo, a Física, dedicando-se também à Filosofia e às Ciências Sociais. Ao mergulhar na genealogia do conhecimento diante de diferentes concepções - profundas e variadas -, brindou-nos com a “Teoria das Revoluções Científicas”(1962), em que o ponto-chave dessas revoluções se dá por meio do surgimento de novos paradigmas. Kuhn (2017, p. 280) apresenta o conceito de paradigma e o aplica em dois sentidos diferentes. O primeiro, de natureza sociológica, “[...] indica toda constelação de crenças, valores, técnicas etc., partilhadas pelos membros de uma comunidade determinada”. O segundo, de natureza filosófica, representa as “[...] soluções concretas de quebra-cabeças que, empregadas como modelos ou exemplos, podem substituir regras explícitas como base para a resolução dos restantes quebra-cabeças da ciência normal”. Ao considerar os sentidos de ordem sociológica, pode-se dizer que a Ciência Aberta não é apenas um conceito, mas, sim, um novo paradigma das formas de acessar e produzir o conhecimento científico. Diante do atual contexto social e tecnológico, fusionado às novas formas de produção de conhecimentos partilhados, tem-se a possibilidade de criar teorias, técnicas, discursos e saberes de modo coletivo e não hierárquicos, através de movimentos

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cíclicos, dialógicos e equânimes, entre os cientistas e a sociedade. A Ciência Aberta busca interagir de modo distinto à frente das tensões e das assimetrias causadas entre a forma tradicional de produção científica e a população geral, que não se encontra nas academias e instituições de pesquisa. A Ciência Aberta pode, também, ser compreendida através das teorias da complexidade (MORIN, 2010), principalmente ao considerar que todos os tipos de saberes e ciências seguem movimentos de troca, do geral para o específico, do específico para o geral, com o objetivo de considerar o “todo” para conhecer suas partes, e vice-versa. Morin (2010, p. 113) afirma que, para evitar a chamada miopía intelectual (originada nos reducionismos), é preciso pensar “[...] as partes em relação com o todo e o todo em relação com as partes. Tal pensamento evita ao mesmo tempo que se perceba apenas um fragmento fechado de humanidade, esquecendo a mundialidade, e que se perceba apenas uma mundialidade desprovida de complexidades”. Tal perspectiva cabe ao campo epistêmico voltado a construir conhecimentos de forma sistêmica e em harmonia com as distintas ambiências da esfera pública e social dentro e fora dos espaços formais, tais como escolas, universidades e instituições de pesquisa. Analisada de outro ângulo, a Ciência Aberta e suas formas de produção de conhecimento vinculam-se às teorias de redes de Latour (2000; 2006; 2017), pois movimento e dinamicidade são características comuns em ambos os campos. Para isso, considera-se que conhecimento e informação possuem a mesma gênese: a necessidade humana de interação, troca e criação de informações, conteúdos e conhecimentos. Para Latour (2006, p. 22), a informação é “[...] uma relação estabelecida entre dois lugares, o primeiro, que se torna uma periferia, e o segundo, que se torna um centro, sob a condição de que entre os dois circule um veículo que denominamos muitas vezes forma, mas que, para insistir em seu aspecto material, eu chamo de inscrição”. Nessa perspectiva, a informação é entendida enquanto fenômeno gerador de movimento e dinamicidade, e se estabelece 184


a partir de uma dimensão epistêmica que, sem a necessidade de matéria, cria a forma de distintos objetos e fenômenos por meio de descrições. É essa ação que permite que o pesquisador, cientista, artista ou qualquer outro ator social transforme/represente a matéria em inscrição. Entende-se por inscrição: Termo geral referente a todos os tipos de transformação que materializam uma entidade num signo, num arquivo, num documento, num pedaço de papel, num traço. Usualmente, mas nem sempre as inscrições são bidimensionais, sujeitas a superposição e combinação. São sempre móveis, isto é, permitem novas translações e articulações ao mesmo tempo que mantêm intactas algumas formas de relação. (LATOUR, 2017, p. 362). A partir da ação de transformar matéria em informação, e informação em inscrição e relacioná-las entre si, aproximando objetos e fenômenos que possuam relação ou algum tipo de proximidade dentro de dimensões interdisciplinares, Latour (2000; 2006; 2017) elabora a teoria das redes. De acordo com seus estudos, as redes são estruturas por onde circulam e se transformam o conhecimento. Os temas ou fenômenos que compõem as redes estão interligados (conforme seu grau de compatibilidade) em movimentos aleatórios e não hierárquicos. Para Latour (2006), as redes estão imersas em relatividade, e os fenômenos se deslocam o tempo todo do centro para a periferia, e vice-versa. Mesmo composta por um “núcleo” (geralmente, composto por conhecimento estático) e sistemas periféricos (em que o conhecimento muda de status com mais facilidade), Latour (2017) afirma que o conhecimento produzido nas e pelas redes permite, constantemente, translações e articulações. As translações remetem aos deslocamentos das informações e inscrições nas redes. A veracidade dos fenômenos está na forma como os mesmos se mantêm e circulam. Seus movimentos é que lhes garantem validade. Quem rege o movimento das redes são os atores sociais ligados a elas com 185


base nas inscrições e nos métodos utilizados para compreender e impulsionar tais fenômenos. Nesse contexto, a Ciência Aberta está presente no fator humano de criação de conteúdos, inscrições, informações e conhecimentos que mantém as redes ativas, vivas. Mas, afinal, o que é Ciência Aberta? E como ela aproxima pensamentos e autores tão respeitados, como Thomas Kuhn, Edgar Morin e Bruno Latour da realidade contemporânea brasileira? A resposta a essas perguntas se desenvolvem a seguir, com a descrição das principais características, linhas de pensamento e os tipos de ação propostos pela Ciência Aberta. CIÊNCIA ABERTA: ORIGEM E ATUAÇÃO Três são as fontes criadoras da Ciência Aberta, segundo Albagli, Clinio e Raychtock (2014): a) o movimento de cultura livre digital; b) a Open Knowledge; e c) a academia científica Royal Society. Dentre as principais características oriundas da cultura livre digital, está a oposição aos modos dominantes de produção a todos os tipos de expressões criativas, tanto no mundo das artes (música, literatura, cinema...), quanto na educação, ciência e comunicação científica. Segundo os autores, a comercialização do conhecimento científico promove o avanço e a difusão da ciência, através da criação de mecanismos artificiais de ordem legal e econômica, que impedem seu livre acesso e circulação. Em contraposição a esses obstáculos, a Ciência Aberta defende que o conhecimento produzido é um patrimônio imaterial, um tipo de “bem comum”, que deve estar voltado para a construção de sociedades mais justas e sustentáveis, com o intuito de fortalecer a cidadania. Como oposição ao “mercantilismo” científico, a geração de capital cognitivo pode se voltar para a promoção e a criação de modelos de negócios comunitários, produzidos coletivamente através dos conteúdos tácitos e explícitos, gerados pela informação e pelo conhecimento.

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Com base nos princípios da Open Knowlodge, o acesso, uso, reuso e distribuição do conhecimento científico devem ocorrer sem restrições legais, tecnológicas e sociais (ALBAGLI; CLINIO; RAYCHTOCK, 2014). Em 2012, a Academia de Ciências Royal Society propôs seis áreas-chave de ação para a Ciência Aberta, de acordo com os autores: a) a transparência dos cientistas entre seus pares, a sociedade e os meios de comunicação; b) a legitimação de todas as fases da pesquisa. Para além dos resultados, os levantamentos, análises e a comunicação de dados precisam ser publicados e reconhecidos; c) o compartilhamento de informações necessita ser padronizado para potencializar sua abrangência; d) assegurar o compartilhamento de dados para reutilização e ampliação de pesquisas sobre determinado tema entre os pares; e) a ampliação de recursos humanos para o gerenciamento e o uso de dados digitais; f) o investimento em softwares de análises de dados. As discussões sobre a atuação da Ciência Aberta concentram-se em duas frentes. No âmbito jurídico – através da produção intelectual e do incentivo de licenças livres para trabalhos técnicos, culturais e artísticos -; e, em âmbito técnico – por meio de produção de máquinas e formatos que permitam a universalização de acesso, reutilização e disseminação de obras. Para Albagli (2015, p.10), a atuação da frente jurídica gera tensões evidentes entre as práticas de socialização do conhecimento e os fenômenos de privatização da ciência: As abordagens da ciência aberta implicam superar a perspectiva de pensar a ciência a partir da sua produtividade intrínseca. Implicam o abalo de hierarquias, de fontes estabelecidas de autoridade e reputação,

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colocando foco nas relações entre ciência e poder, e, mais amplamente, entre saber e poder.

Para a autora, os embates gerados no âmbito jurídico voltam-se às questões de Direitos de Propriedade Intelectual (DPI). A burocratização dos DPI beneficia agentes intermediários denominados como “rentistas do conhecimento” (ALBAGLI, 2015, p. 11), causando prejuízo aos próprios autores diante das mudanças nas formas de produzir e circular a ciência por meio de “[...] financiamentos privados nas universidades; patenteamento; publicações com editores privados; elevação nos preços de assinaturas de periódicos e licenças restritivas de acesso e uso dos conteúdos”. Nesse sentido, Albagli (2015) aponta, ainda, a relação dúbia de criação coletiva e a disseminação da informação, que se torna restritiva no que tange ao verdadeiro acesso ao conteúdo. A autora caracteriza como capitalismo cognitivo aquilo que “[...] se reproduz a partir da apropriação da informação e do conhecimento coletivamente produzidos” (ALBAGLI, 2015, p. 12). Desse modo, a Ciência Aberta volta-se para o acesso livre a publicações científicas, como forma de resistência, com base na sociedade em rede e nas culturas livres de compartilhamento, para que o capitalismo digital/cognitivo perca espaço. A frente de âmbito técnico está diretamente relacionada às iniciativas e ações propostas pela Ciência Aberta, e será desenvolvida juntamente com a seção intitulada: “Iniciativas em Ciência Aberta”. DEFINIÇÕES, ESCOLAS E ABORDAGENS Conforme descrito até o momento, a Ciência Aberta é uma forma de exercer a prática científica em suas relações com a sociedade e se posicionar contra a exploração do capitalismo cognitivo. Para o exercício da cientificidade, por essa perspectiva, é necessário considerar suas diversas frentes de atuação (ALBAGLI, 2015). As frentes de atuação estão conectadas entre si, complementam-se e, ao mesmo tempo, são formadas de modo partilhado (Quadro 1).

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Quadro 1 – Escolas da Ciência Aberta com base em Albagli; Clinio e Raychtock (2014) Abordagens

Características

Linhas de ação

Escola pública

Acesso, clareza e compreensão universal do conhecimento científico

Ciência Cidadã

Escola democrática

Conhecimento como direito humano. Ciência é catalisadora do desenvolvimento e necessita ser fomentada pelo Estado

Dados abertos e Acesso aberto

Escola pragmática

Plataformas coleInovação aberta, conhecimento científico otimizado por colabora- tivas de produção científica tividade e ferramentas on-line

Escola da infraestrutura

Discute possibilidades e desafios tecnológicos de estrutura computacional para criação e compartilhamento de dados científicos

Criação de ambientes abertos para além das plataformas

Escola das métricas

Modos alternativos de mensurar o processo e o impacto da produção científica em ambientes não formais de produção do conhecimento

Comentários e compartilhamentos em redes sociais, downloads, postagens sobre temas e conteúdos

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

Conforme Albagli, Clinio e Raychtock (2014), as frentes de atuação da Ciência Aberta são formadas por cinco diferentes escolas ou linhas de pensamento. A escola pública defende que as pesquisas científicas incluam e se comuniquem com um público mais amplo do que os chamados especialistas. O objetivo é ampliar a compreensibilidade dos resultados, através da Ciência Cidadã. A escola democrática posiciona-se a favor do acesso ao conhecimento, enquanto direito humano. Para isso, é desejável que a pesquisa científica seja promovida de diversas formas, 189


com financiamento público. Dessa forma, a produção de conhecimento não fica presa à iniciativa privada, tampouco às formas mercadológicas de exploração do capital intelectual. O objetivo é tornar a ciência catalisadora da cidadania, através do desenvolvimento social e sustentável, com a aplicação de duas estratégias (ALBAGLI; CLINIO; RAYCHTOCK, 2014): a) via dados abertos (open data), com o intuito de garantir que os dados primários, coletados durante a pesquisa, sejam disponibilizados de maneira aberta, e em formatos que possibilitem a consulta, escrutínio e reutilização dos mesmos em pesquisas posteriores; b) via acesso aberto (open access), por meio da abertura dos resultados de pesquisa, tradicionalmente, tornados públicos através de publicações científicas. A escola pragmática centra-se na inovação aberta, e vislumbra que o fazer científico pode ser otimizado por conhecimento externo e colaboratividade simultânea, através de ferramentas on-line – para acesso a variados tipos de conhecimentos e expertises. Segundo Albagli, Clinio e Raychtock (2014), a colaboração entre cientistas é crescente desde a década de 1970, e almeja, com a Ciência Aberta, a desenvolver métodos eficientes para a produção e a disseminação do conhecimento. Nesse sentido, o sistema de reconhecimento e de recompensa da ciência precisa ser questionado e repensado. A escola da infraestrutura foca nas possibilidades e nos desafios tecnológicos, especialmente, os de infraestrutura (hardwares e softwares). Seu objetivo é estabelecer conexão entre computadores para criação de redes de alto desempenho e processamento que suportem pesquisas com uso intenso de dados. O fortalecimento de recursos humanos dá-se através da constituição de redes sociais de colaboração e interação entre cientistas. Por fim, a escola das métricas aposta na inserção de novos modos de mensurar a produção científica: as altmetrias, ou,

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métricas alternativas. O objetivo é valorizar as formas qualitativas de mensurar não apenas o produto final da atividade científica, mas o processo e o impacto das mesmas, por meio de comentários on-line, compartilhamentos, downloads, postagens, tweets, comentários, dentre outras formas de interação humana, através dos meios de comunicação e informação. A atuação simultânea das cinco escolas da Ciência Aberta evidencia, conforme Albagli (2017, p. 659), que “[...] não basta uma perspectiva pragmática que se limite à abertura ao campo científico estrito e a um novo tipo de produtivismo em ciência; faz-se necessária uma perspectiva democrática, que reconheça e dialogue com outros atores e espaços de conhecimento”. Para isso, a Ciência Aberta investe na importância do aumento de visibilidade, acesso, produção e circulação de conhecimento científico. Busca, ao mesmo tempo, aumentar a base social da ciência, através das relações e interlocuções de diferentes saberes e agentes cognitivos, expostos, de maneira prática, através das iniciativas descritas na próxima seção. INICIATIVAS EM CIÊNCIA ABERTA Existem muitos aspectos que contribuem para o fortalecimento da Ciência Aberta, dentre eles, a Internet, o uso de plataformas colaborativas, o compartilhamento de informações como motriz para o desenvolvimento das ciências e a importância da produção científica originária de universidades e instituições públicas. Conforme as escolas e abordagens, Albagli, Clinio e Raychtock, (2014) identificam várias iniciativas. São elas: A) ACESSO ABERTO A PUBLICAÇÕES CIENTÍFICAS (OPEN ACCESS) Movimento pioneiro que promove o acesso de qualquer pessoa à literatura científica. O único requisito é que sejam respeitados os direitos autorais da obra, por meio de citação e reconhecimento, diante das ações legais (cópia, reprodução,

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impressão, distribuição, pesquisa, indexação e aplicação do conhecimento em âmbito prático). A publicação em revistas científicas de acesso aberto é conhecida como via dourada, enquanto que o arquivamento e o auto arquivamento de publicações já divulgadas e aceitas em revistas de acesso pago denomina-se via verde. A via diamante é a forma de publicação e acesso aberto e gratuito para submissão, publicação e leitura, beneficiando tanto os autores/pesquisadores de um estudo, quanto o público leitor. É o modelo ideal, considerando as características da escola democrática. No entanto, tornar realidade esse modelo é um grande desafio no atual contexto de desvalorização da ciência e da educação, evidenciadas pela gestão federal eleita em 2018. B) EDUCAÇÃO ABERTA E RECURSOS EDUCACIONAIS ABERTOS (REAS) Cultura voltada para elaboração colaborativa, partilha de práticas de ensino e criação de recursos educativos por meio de licenças livres. A educação aberta valoriza a produção do conhecimento entre especialistas e demais cidadãos, com distintos níveis de saberes. A criação de materiais acessíveis, em âmbito de política pública, busca integrar escolas, universidades e instituições de pesquisa governamentais. Defende que os conhecimentos financiados por contribuintes devem ser abertos. Adota as seguintes RAYCHTOCK, 2014):

estratégias

(ALBAGLI;

CLINIO;

estímulo à criação de materiais de ensino e pesquisa, por estudantes e educadores com licenças abertas, para acesso, utilização, adaptação e redistribuição pública;

promoção de licenciamento de recursos educacionais entre educadores, autores, editores e instituições de forma aberta e a adoção de formatos acessíveis às

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pessoas com deficiências e àquelas que não têm acesso à Internet; •

promoção de políticas públicas para educação aberta em governos, conselhos, escolares faculdades e universidades, pois os recursos educacionais financiados pelos contribuintes devem ser abertos;

criação de ambientes virtuais de aprendizagem, disponibilização gratuita de cursos completos com interlocução entre criadores de conteúdo e participantes.

C) CIÊNCIA CIDADÃ (CITIZEN SCIENCE) Engajar a população na produção do conhecimento, através da disponibilidade de recursos materiais - computação compartilhada (volunteer computing) - e/ou intelectuais - inteligência distribuída, sensoriamento voluntário, diálogo com a sociedade e pesquisa direta - são meios efetivos para tornar a Ciência Cidadã uma realidade. Segundo Albagli, Clinio e Raychtock, (2014), outra forma de participação é através dos cadernos de pesquisa abertos, em que as informações de uma pesquisa são disponibilizadas em tempo real, respeitando protocolos e licenças de conteúdos, para estimular a discussão, a contribuição e a transparência entre os cientistas e a sociedade. D) DADOS CIENTÍFICOS ABERTOS (SCIENTIFIC OPEN DATA) Limitar o acesso aos dados científicos gera barreiras, enquanto que a publicação de dados primários de pesquisas (textuais ou não) potencializa o avanço da ciência e da sociedade. Para isso, a transparência de dados de origem governamental, financeira, científica, cultural, geográfica, viária e estatística necessita ser priorizada. O desenvolvimento de estudos e teorias científicas pode ser potencializado, através da exposição e acesso aos dados primários (ALBAGLI; CLINIO; RAYCHTOCK, 2014). 193


O fazer científico tende a se ampliar, pois o compartilhamento aberto dos dados pode contribuir em resultados de estudos de diferentes instituições de ensino e pesquisa. As peças-chaves de “quebra-cabeças” científicos se dão pelo acesso aos dados brutos de um determinado estudo, podendo, também, revelar inconsistências, plágio ou fraude, além de apontar os níveis de qualidade de análise. Albagli, Clinio e Raychtock (2014) apresentam algumas ferramentas e materiais científicos abertos: a) uso de softwares livres; b) hardwares abertos; c) insumos e protocolos para padronizar e universalizar o acesso de dados e informações. De modo geral, percebeu-se que a maioria das iniciativas da Ciência Aberta busca envolver a participação da sociedade e da comunidade científica, tendo como ponto em comum a web, seus repositórios, ferramentas digitais e demais possibilidades oferecidas através dos dados abertos. Enquanto existem conceitos, fundamentos e teorias, estão presentes nas tecnologias as extensões para permitir que a Ciência Aberta viabilize os Dados Abertos. Assim, as tecnologias, principalmente aquelas que estão hospedadas na nuvem, permitem a construção de plataformas de acesso aberto para dados científicos, atendendo aos pesquisadores de todas as escolas. DADOS ABERTOS A comunidade científica passou a perceber que o hiato entre a descoberta e a divulgação estava desaparecendo, em grande parte, devido à Internet. Nesse contexto, toda pesquisa científica poderia ser imediatamente publicada, e isso acarretaria novas dinâmicas de compartilhamento e acesso. A partir

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disso, passou a existir a pressão para que a informação esteja integrada à web. Enquanto os sistemas para acomodarem essa nova realidade ainda estavam em desenvolvimento, surge, paralelamente, a necessidade de recomendações éticas em prol da divulgação científica. Os princípios FAIR vêm para cumprir esse importante papel. PRÍNCIPIO FAIR: FINDABLE, ACCESSIBLE, INTEROPERABLE, REUSABLE Os Princípios para Dados FAIR asseguram que um protocolo mínimo deve ser cumprido, como prática recomendada para a gestão de dados contextualizados ao conceito de Ciência Aberta. Elaborado em 2014 e, posteriormente, publicado em 2016 na revista Nature, sob a autoria de Wilkinson et al. (2016), chamou-se “The FAIR Guiding Principles for scientific data management and stewardship”. O acrônimo FAIR aglutina os quatro conceitos basilares, que se traduzem da seguinte forma: Findable, Accessible, Interoperable and Reusable. A seguir, detalhou-se cada um desses termos: •

Findable (localizáveis): os dados devem ser facilmente localizáveis. Essa é a única forma de garantir a reutilização da informação, a partir da identificação de seus metadados.

Assim, o conjunto de dados e serviços agregados de indexação devem vir a facilitar a localização da informação, seja através de recursos humanos ou computacionais. •

Accessible (acessíveis): deve haver a recuperação da informação, a partir de identificadores relevantes, utilizando-se, para isso, padrões abertos, com a indexação, através de metadados, que devem ser considerados parte interdependente dos dados.

O acesso deve estar disponível em plataformas abertas, ou seja, tecnologicamente acessíveis ao usuário.

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Interoperable (interoperáveis): Os dados devem ser interoperáveis, isto é, o formato dos dados deve permitir que outras tecnologias possam importar para uso. Isso inclui os metadados.

O quadro 2 apresenta alguns formatos existentes que permitem interoperabilidade. Quadro 2 - Relação entre tipo e linguagem de dados abertos Tipo de dados

Apropriado (alguns exemplos)

Dados tabulares com metadados extensos

.csv .hdf5

Dados tabulares com metadados mínimos

.csv .tab .ods .sql

Dados textuais

.txt .odt .odm .tex .md .htm .xml

Código

.m .r .py .rmd .netcdf .iypnb .rstudio

Dados de imagem digital

.tif .png .svg .jpg

Dados de áudio digital

.flac .ogg .wav

Dados de vídeo digital

.mp4 .avi .mkv

Dados geoespaciais

MetCDF, tabular GIS atribute data, shp, shx, dbf, prj, sbx, sbn, postGist, tif, tfw, GeoJSON

Dados vetoriais e matriciais

.dwg .dxf .x3d .x3dv .x3db

Dados genéricos

.xml .json .rdf

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

Para ser interoperáveis, o formato dos dados deve permitir o uso de diferentes ferramentas, desatrelando o arquivo digital da propriedade de patentes sobre a tecnologia. Esse movimento advém da cultura de software livre, movimento que defende o código aberto das tecnologias. Por fim, tem-se Re-usable (reutilizáveis): FAIR tem maior objetivo na reutilização dos dados. Para isso, os metadados e os

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dados devem estar bem descritos para que possam ser replicados e/ou combinados em diferentes contextos. Além disso, a reutilização dos metadados deve estar declarada, através de uma licença ou licenças claras e acessíveis. Para chegar ao FAIR, consideram-se eventos que colaboraram mais diretamente para a construção da ideia de Ciência Aberta, no contexto desse artigo. São eles: •

2001, criação do projeto Commons Creative, por Lawrence Lessig, professor da Universidade de Standford (EUA), que tem lastro nas ideias da comunidade software livre, com iniciativas como a GPL/LGPL (GNU General Public Licence e Lesser General Public License). Enquanto o modelo de licenças GPL, criado por Richard Matthew Stallman, em 1989, focava em softwares, o modelo de licenças propostos por Lessig, chamado Commons Creative, passou a oferecer um modo de padronizar formas mais flexíveis de distribuição de conteúdos culturais em geral (música, filmes, artes gráficas e a produção de textos, entre outros);

Figura 1 - Modalidades de licenciamento Commons Creative

Fonte: https://br.creativecommons.net/licencas/ 197


2001, a Open Archives Iniciativa – OAI, versão 1.0, do OAI-PMH, foi publicada em janeiro. Iniciativa conhecida como OAI, tem como objetivo apoiar o desenvolvimento de uma arquitetura tecnológica para arquivos para plataforma Eprints, que fornecem software de código aberto para a criação de repositórios abertos, com aderência ao OAI para a coleta de metadados;

2002, Open Access Movement (OAM, Budapest). A Conferência de Budapeste, a Reunião de Bethesda e a Conferência de Berlim foram três reuniões importantes que contribuíram para consolidar e divulgar a adoção de formatos abertos para a informação científica (FURNIVAL; HUBBARD, 2011);

2006, Linked Open Data (LOD), proposta pelo pesquisador Tim Berners-Lee, o criador do padrão World Wide Web (teia em todo o mundo), propõe, de maneira muito simples, que todos os documentos na Internet devem respeitar as seguintes características (ou princípios): a) utilizar-se de endereços de Internet para mecanismo único de identificação (Uniform Resource Identifier, URI); b) cada endereço deve estar disponível via protocolo HTTP (Hypertext Transfer Protocol); c) ao identificar o endereço de uma URI, o usuário deve poder obter metadados padronizados (RD1F, Resources Description Framework); d) o usuário deve poder incluir outras URIs, para que ele possa explorar mais conteúdos.

E, finalmente, a publicação do artigo “The FAIR Guiding Principles for scientific data management and stewardship”, em 2016, referenciando o princípio FAIR, como já citado anteriormente.

1 https://www.w3.org/TR/rdf-schema/

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No caso do Brasil, de maneira complementar, destacam-se quatro momentos importantes que geram impacto para o conceito de dados abertos e, por consequência, para a Ciência Aberta. Esses momentos são: •

Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011), que versa sobre os direitos de acesso à informação de dados da administração pública;

Criação do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014), que regula o uso de Internet no país, por meio de princípios, garantias, direitos e deveres para os usuários da rede, e determina o papel do Estado nesse contexto;

4º Plano de Ação Nacional em Governo Aberto (2018). O Brasil é signatário da Open Government Partnership (OGP), iniciativa internacional lançada em 2011, com a participação de 75 países. A OGP pretende fortalecer as democracias, combater a corrupção e melhorar a governança para o século XXI. A cada dois anos, os países membros apresentam seus Planos de Ação Nacional, com temas prioritários. Na edição do 4º Plano de Ação, desenvolvido pelo Brasil, o país priorizou dez temas, entre esses, a Ciência Aberta, o que foi considerado um posicionamento estratégico pelos membros da OGP. O país assumiu o compromisso para a implantação da rede interinstitucional pela Ciência Aberta, a realização de diagnóstico nacional e internacional e a definição de diretrizes e políticas para a promoção da Ciência Aberta;

Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD ou LGPDP) (Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018). Para fiscalizar e regular a LGPD, foi criada a Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais (ANPD) e, como parte integrante da estrutura da Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais (ANPD), haverá o Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais 199


(CNPD). Tal Conselho é um órgão consultivo, formado por representantes da sociedade e do poder público, num formato de colegiado, com 23 titulares, não remunerados, com mandato de dois anos, e de diferentes setores, sendo seis representantes do Executivo Federal, um do Senado Federal, um da Câmara dos Deputados, um do Conselho Nacional de Justiça, um do Conselho Nacional do Ministério Público, um do Comitê Gestor da Internet no Brasil, quatro da sociedade civil com atuação comprovada em proteção de dados pessoais, quatro de instituição científica, tecnológica e de inovação, e quatro de entidade do setor empresarial, ligado à área de tratamento de dados pessoais. É possível se argumentar que as múltiplas iniciativas, de maneira independente, vieram, uma a uma, a formar a base conceitual, jurídica e técnica para consolidar a Ciência Aberta e favorecê-la como novo paradigma. CONSIDERAÇÕES FINAIS Enquanto o foco de preocupações concentra-se na importância da Ciência Aberta, seus desdobramentos e impactos para as publicações, outros movimentos se articulam em frentes diversas para um melhor aproveitamento dos dados científicos. Com a computação em nuvem e a consolidação de bancos de dados e repositórios, cada vez mais abrangentes e com maior volume de dados, termos como datascience se incorporam ao jargão do cotidiano dos pesquisadores. A habilidade de se manipular, com estratégias competentes, grandes quantidades de informações, através de softwares em bases, únicas ou distribuídas, também é parte da nova realidade, ampliando o potencial das pesquisas, trazendo a possibilidade de estudos mais densos e precisos, a partir da incorporação de amostras cada vez maiores. Os dados já existentes passaram de isolados a conectados pela Internet, de fechados a abertos, e de padrões proprietários 200


para padrões FAIR, tornando, com isso, o potencial de pesquisas mais abrangentes, tecnológica e economicamente viáveis, com esforço para que sejam cada vez mais acessíveis, mesmo com recursos limitados. Aqui reside a relevância da Ciência Aberta, pois ela projeta o potencial de uma Ciência mais ágil, capaz de dar respostas mais rápidas frente às necessidades da sociedade. Portanto, foi possível afirmar que a Ciência Aberta está para além de si mesma, pois, na sua arquitetura entre acesso livre, padrões com código fonte aberto, repositórios na Internet e no desenvolvimento de novas tecnologias, ela amplia as oportunidades de investigação aos pesquisadores. Isso pode, num futuro próximo, levar a bases de Ciência Aberta abrangentes, gerando mais oportunidades de pesquisa. Através dos dados abertos, a produção do conhecimento científico torna-se uma realidade cada vez mais acessível, oferecendo motivos para crer que o conhecimento social, produzido coletivamente, pode superar as formas de domínio instituídas pelos movimentos de privatização, em prol da democratização do conhecimento científico. FINANCIAMENTO Este trabalho foi financiado com recursos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, através de bolsa Demanda Social.

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REFERÊNCIAS ALBAGLI, S.; CLINIO, A.; RAYCHTOCK, S. Ciência Aberta: correntes interpretativas e tipos de ação. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v. 10, n. 2, p. 434-450, 2014. ALBAGLI, S. Ciência aberta em questão. In: ALBAGLI, S.; MACIEL, M. L.; ABDO, A. H. (orgs). Ciência aberta, questões abertas, Brasília, p. 9-25, 2015. ALBAGLI, S. Ciência Aberta como instrumento de democratização do saber. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 15, n. 3, p. 659-660, set./dez., 2017. FURNIVAL, C.; HUBBARD, B. Acesso aberto às publicações científicas: vantagens, políticas e advocacy. Revista de Ciência da Informação e Documentação, Ribeirão Preto, v. 2, n. 2, p. 160177, jul./dez. 2011. Disponível em: http://revistas.ffclrp.usp.br/ incid/article/view/109. Acesso em: nov. 2019. KUHN, T. A estrutura das revoluções científicas. 13. ed. São Paulo: Perspectiva, 2017. LATOUR, B. Ciência em Ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Editora UNESP, 2000. LATOUR, B. Redes que a razão desconhece. In: BARATIN, M.; JACOB, C. O poder das bibliotecas. 2. ed. Rio de Janeiro: UERJ, 2006. p. 21-44. LATOUR, B. A esperança de Pandora: ensaios sobre a realidade dos estudos científicos. São Paulo: UNESP, 2017. MORIN, E. Em busca dos fundamentos perdidos. In: MORIN, E. Em busca dos fundamentos perdidos: textos sobre o Marxismo. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 2010. p. 91-126. WILKINSON, M. D. et al. The FAIR Guiding Principles for scientific data management and stewardship. Nature, Scientific Data, 2016.

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TÓPICOS SOBRE EDUCAÇÃO EMPREENDEDORA PARA SUA INTEGRAÇÃO AO ENSINO DE CIÊNCIAS André Luís Prytoluk

DOI: 10.21826/9786587422251-08

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O tema do empreendedorismo, acompanhado de seu viés da inovação, até antes do grave momento provocado pela pandemia do Covid-19, apresentava-se corrente nos debates e estudos do setor empresarial, sendo uma constante também nos meios de comunicação. Com a crise sanitária, o empreendedorismo e a inovação permanecem nos noticiários como alternativa ao desemprego e como estratégia de sobrevivência das empresas, podendo ser projetado também como alternativa para a retomada econômica que se espera advir. Reunindo em sua constituição todas as ciências humanas e gerenciais (GUIMARÃES, 2004, p. 8), o campo de estudo do Empreendedorismo também dialoga com o da Educação, união que se consagra através da Educação Empreendedora1, aqui entendida quando faz referência “ao desenvolvimento de habilidades e do espírito empreendedor pelos aprendizes, de modo que se tornem capazes de transformar ideias criativas em ação” (LOPES, 2017, p. 23). Buscando inserir esses temas no repertório dos docentes e, assim, despertar novas experiências de aprendizagem, esta exposição sintetiza elementos basilares da Educação Empreendedora, apresentando suas abordagens, as competências empreendedoras a serem fomentadas, os métodos de criação de valor utilizados no Ensino para o Empreendedorismo e a potencial integração ao Ensino de Ciências. EMPREENDEDORISMO E EDUCAÇÃO O Empreendedorismo pode ser compreendido de acordo com sua contemporaneidade, firmando-se, aqui, o entendimento de que empreender, no sentido de dispor-se a fazer algo, constitui-se em característica evolutiva de nossa espécie (McCLELLAND, 1961). O conceito começa a ser definido em referência às atividades dos aventureiros comerciais e construtores da época da Renascença (SAVARY DES BRULONS, 1723, col. 1 Este termo unificador foi exposto no ano de 2000 pela educadora finlan-

desa Kristiina Erkkilä, em seu livro “Entrepreneurial education: mapping the debates in the United States, the United Kingdom and Finland”, editado nos Estados Unidos da América (LACKÉUS, 2015, p. 8). 209


248), passando a ser compreendido como fenômeno econômico no século XVII, ao explicitar-se a noção de risco (CANTILLON, 2002), incorporando a noção de “criação da utilidade” – base da inovação, no século XIX (SAY, 2011), compreendida a partir do início do século XX como fenômeno econômico da “destruição criadora” do capitalismo (SCHUMPETER, 1997, p. 111). Dos anos 1930 aos 1970, coincidindo com a imperiosidade das grandes indústrias e seriação da produção, o estudo do Empreendedorismo volta-se para a análise psicossocial do empreendedor (WENNEKERS, 2006, p. 24). Na virada do milênio, assume maior preponderância com a reestruturação da ordem econômica em transcurso, centrada na capilaridade possibilitada pela internet e pelos avanços da tecnologia eletrônica, fazendo emergir novos e grandes players no mainstream e maximizando as possibilidades de customização no atendimento das necessidades humanas (primárias, sociais e culturais) também por pequenos players. Ao final da segunda década do século XXI, observou-se que o comportamento empreendedor foi alçado ao status de estilo de vida, na afirmação do conceito do intraempreendedorismo, que envolve a postura pessoal para resolver problemas independentemente de ser empregador, empregado, autônomo, servidor público, agente social, cultural ou mesmo nas ações da vida particular. Esse conceito está implícito em uma recomendação da Comissão Europeia para a Educação (EUROPEAN COMMISSION, 2012), de que o empreendedorismo envolva a “ação criativa e inovadora, em todos as esferas da vida da pessoa” (LOPES, 2017, p. 6). No viés da “atividade do empreendedor”, a entidade promotora do empreendedorismo na Dinamarca, a “Fonden for Entreprenorskab”, define que “Empreendedorismo é quando você age sobre oportunidades e ideias e as transforma em valor para os outros. O valor criado pode ser financeiro, cultural ou social”2 (FFE-YE, 2012 apud BACIGALUPO et al., 2016, p. 10, tradução nossa).

2 Do original: “Entrepreneurship is when you act upon opportunities and ideas and transform them into value for others. The value that is created can be financial, cultural, or social.”

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Em 1998, o relatório formulado para a UNESCO pela Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI (DELORS et al., 1998), no tópico “O ensino superior e a evolução do mercado de trabalho”, apontava que as universidades deveriam adaptar constantemente os seus cursos às necessidades da sociedade, acompanhando sua evolução. O documento sugere que seja adotada, entre outras diretrizes, uma formação integradora, envolvendo o conhecimento acumulado pela humanidade. A divisão por disciplinas pode não corresponder às necessidades do mercado de trabalho e as instituições que obtêm melhores resultados são as que souberam incrementar, com flexibilidade e espírito de cooperação, aprendizagens que transcendem os limites entre disciplinas. (DELORS et al., 1998, p. 137).

A partir dessa recomendação pela integração disciplinar, a Educação Empreendedora apresenta-se como uma modalidade educativa3 potencialmente integradora e que, assim, pode contribuir para o estabelecimento dos quatro pilares da educação propostos no referido relatório: “aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos (e com os outros) e aprender a ser” (DELORS et al., 1998, p. 89). Já no documento “Green Paper - Entrepreneurship in Europe”, de autoria da DireçãoGeral Empresa e Indústria da Comissão das Comunidades Europeias, de 2003, está a recomendação pela inserção do Empreendedorismo na Educação: “a educação e a formação devem contribuir para incentivar o empreendedorismo, promovendo a mentalidade certa, a consciência das oportunidades de carreira enquanto empreendedor e competências”4 (EUROPEAN COMMISSION, 2003, p. 12, tradução nossa). 3 Educação Empreendedora é aqui entendida como modalidade ed-

ucativa, assim como o são a Educação Física, a Educação Artística, a Educação Lógica, a Educação Social, a Educação Científica, a Educação Religiosa e outras como a Educação Familiar, a Educação Comunitária, dentre outras. 4 Do original: “Education and training should contribute to encouraging entrepreneurship, by fostering the right mindset, awareness of career opportunities as an entrepreneur and skills.” 211


Após análise da evolução do Empreendedorismo desde sua raiz etimológica até as correntes econômicas e psicológicas, seguida da análise da evolução das teorias de aprendizagem, métodos de ensino e correntes educacionais reformistas nos últimos cinco séculos (PRYTOLUK, 2019), percebeu-se que a Educação Empreendedora está implícita e encontra previsão e justificativa para sua adoção pela Lei n° 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). O artigo 1º, parágrafo 2º, mantido na revisão de 2017, aponta para a visão maior dessa lei: “A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social” (BRASIL, 2017). Essa preocupação do legislador brasileiro, de integrar a educação escolar ao mundo do trabalho, no contexto nacional, soa, para muitos educadores, como uma corrupção dos objetivos da Educação. No entanto, observa-se que toda educação tem por meta minimizar o sofrimento e maximizar a felicidade do indivíduo educando. Assim, sua preparação para o convívio em sociedade demanda seu preparo para as atividades laborais em sua vida adulta, pois nela irá se inserir. Muitos professores provavelmente raciocinarão que o que é bom para a sociedade a longo prazo não é necessariamente bom para o aprendizado dos alunos a curto prazo e, por isso, descartam a educação empreendedora. Benefícios como alegria, engajamento, criatividade e aprendizado, enfrentando desafios sociais, poderiam ser razões muito mais viáveis para os professores adotarem práticas de educação empreendedora, especialmente se comprovados que contribuem para o fortalecimento da mentalidade acadêmica e o desempenho acadêmico resultante.5 (LACKÉUS, 2015, p. 33). 5 Do original: “Many teachers will probably reason that what is good for society long-term is not necessarily good for student learning short-term, and on those grounds dismiss entrepreneurial education. Benefits such as joy, engagement, creativity and learning by taking on societal challenges could however be much more viable reasons for teachers to adopt entrepreneurial education practices, especially if proven that they contribute to strengthened academic mindsets and resulting academic performance.”

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Reforça-se, portanto, a pertinência de um olhar sem preconceitos ao tema, visto que os benefícios de sua aplicação já são reconhecidos nos países desenvolvidos da América, Europa e Ásia. Isso porque os efeitos da Educação Empreendedora atravessam o nível societário e o nível individual. Ela não apenas promove a criação de empregos, o crescimento econômico e o aumento da resiliência societária como também estimula o crescimento individual, o envolvimento escolar e a igualdade (LACKÉUS, 2015, p. 6). UM CAMINHO PEDAGÓGICO PARA A EDUCAÇÃO EMPREENDEDORA Por alinhamento aos objetivos desta exposição, destaca-se, para uma introdutória compreensão da Educação Empreendedora, a apresentação de suas abordagens, das Competências Empreendedoras a serem perseguidas na formação do estudante e de um apanhado dos métodos de criação de valor, almejando a que esses possam ser introduzidos em sala de aula e laboratórios, propiciando práticas e experiências de aprendizagem na área do Ensino de Ciências. Em 2016, com base em um estudo proposto pela Comissão Europeia, foi formulado, pelo seu grupo de “Science for Policy do Joint Research Centre”, um quadro referencial com as Competências Empreendedoras, termo abreviado para EntreComp. Essa identificação descritiva busca apoiar a promoção da competência do empreendedorismo no mundo da educação e do trabalho, iniciativa originária de um estudo que “remonta a 2006, quando a ‘Recomendação sobre competências-chave para a aprendizagem ao longo da vida’ identificou um ‘sentido de iniciativa e empreendedorismo’ como uma das oito competências essenciais para todos os cidadãos”6 (EUROPEAN PARLIAMENT AND THE COUNCIL, 2006 apud BACIGALUPO et al., 2016, p. 5, tradução nossa). O sentido de iniciativa e em6 Do original: “back to 2006 when the ‘Recommendation on key competences for lifelong learning’ identified a ‘sense of initiative and entrepreneurship’ as one of the 8 key competences for all citizens”. 213


preendedorismo refere-se à capacidade de transformar ideias em ações, ideias que gerem valor para alguém que não a si mesmo. Trata-se de uma competência transversal estratégica, necessária a todo cidadão para sua realização pessoal e social. Essa estrutura das Competências Empreendedoras pode ser aplicada na formulação de currículos da educação formal e instrucional, em experiências de educação não formal e para que o cidadão avalie sua proficiência empresarial. O quadro EntreComp organiza-se em três áreas de competências: - Ideias e oportunidades, - Recursos e - Ação. Cada área é composta por cinco competências, conforme o quadro 1. Da união dessas competências individuais decorre o estímulo à formação do senso de iniciativa e empreendedorismo como uma competência geral (BACIGALUPO et al., 2016, p. 5). Quadro 1 - Competências Empreendedoras

Identificação de oportunidades

Ideias e Oportunidades

Uso da imaginação e habilidades para identificar oportunidades de criação de valor social, cultural e econômico.

Criatividade

Combinação de conhecimento e recursos em abordagens inovadoras.

Visão

Desenvolver uma visão para transformar ideias em ação e visualizar cenários futuros.

Maximização do valor das ideias

Reconhecer o valor de uma ideia e identificar as formas de potencializá-la.

Pensamento ético e sustentável

Prever as consequências das ideias e das ações, agindo de modo responsável.

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Autoconsciência e autoeficácia

Acreditar nas próprias capacidades e desenvolvê-las.

Motivação e perseverança (resiliência)

Estar preparado para trabalhar sob pressão, adversidades e falhas temporárias.

Mobilização de recursos

Obter e gerenciar os recursos materiais, não-materiais e digitais, incluindo capacitações técnicas, legais, fiscais e dos meios digitais.

Recursos

Ação

Conhecimentos sobre finanças e economia

Estimar custos, elaborar e executar planejamento financeiro, subsidiar a tomada de decisões.

Mobilizando os outros

Inspirar e entusiasmar as partes interessadas através da comunicação, persuasão, negociação e liderança.

Tomar a iniciativa

Assumir os desafios, agindo de forma independente para atingir as metas, manter as intenções e aquilo que foi planejado.

Planejamento e administração

Definir metas, prazos, prioridades e planos de ação, adaptando-se a mudanças imprevistas.

Lidar com a incer- Ao criar valor, elaborar teza, ambiguidade protótipos e testes, agir de forma rápida e flexível. e risco

Trabalhar com outros

Envolve a formação de equipe, a colaboração e a rede de relacionamento, trabalhando em conjunto, cooperando e resolvendo conflitos.

Aprender com a Experiência

Aprender fazendo e com os outros, refletindo sobre os sucessos e insucessos, seus e dos outros.

Fonte: Adaptado de BACIGALUPO et al., 2016, p. 12; LOPES, 2017, p. 25. 215


Como pode ser observado, “Criatividade”, “Pensamento ético e sustentável” e “Trabalhar com os outros” são exemplos de competências que são almejadas na formação de todo estudante, estando integradas à educação escolar moderna. Essas 15 competências podem ser alcançadas em maior ou mais número, dependendo da opção por um dos níveis em que se encontram as três abordagens de Educação Empreendedora: o ensino através, sobre ou para o empreendedorismo. Importa ressaltar que cada estudante apresentará maior facilidade ou dificuldade com determinadas competências, por diversos motivos de aprendizado anteriores e de acordo com a própria personalidade do educando (GUIMARÃES, 2004, p. 8). Outrossim, o desenvolvimento individual das competências empreendedoras guardará relação com seu o grau de “ensinabilidade”. O foco no desenvolvimento das competências está mais presente nos ensinos Para e Através do Empreendedorismo. O Ensino Através do Empreendedorismo pressupõe o aprendizado pelo desenvolvimento de competências e da prática de experiências empreendedoras. Essa abordagem da Educação Empreendedora é mais elástica, possibilitando o seu emprego na aprendizagem de conteúdos de diversas áreas do conhecimento, a partir da assunção do comportamento empreendedor pelos aprendentes. O Ensino Sobre o Empreendedorismo abarca as conceituações, a historicidade e as metodologias utilizadas, buscando a reflexão sobre conteúdos e recursos técnicos disponíveis. O Ensino Para o Empreendedorismo tem por objetivo capacitar os empreendedores com as competências e conhecimentos para a criação de novos empreendimentos econômicos, sociais ou culturais, inserindo nos aprendentes a mentalidade empreendedora (OLIVEIRA; BURCHARTH; DUTRA, 2016, p. 63). Em termos práticos, no primeiro nível de contato, os alunos agem em desafios da sociedade e problemas cotidianos a partir de seus próprios interesses, integrados às temáticas da disciplina, sem tratar essa atividade empreendedora como um assunto à parte, como um curso de empreendedorismo. A

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criatividade, o engajamento e a autoeficácia serão ativados, desenvolvendo, ainda, a tolerância à incerteza e à ambiguidade. No segundo passo, há maior ênfase no conhecimento curricular sobre o Empreendedorismo, fazendo com que os alunos agreguem a linguagem e os termos de negócios. No terceiro estágio da progressão da Educação Empreendedora, a teoria do Empreendedorismo é explicitada, fazendo com que os alunos a comparem com suas atuações, objetivando desenvolver a paixão e a identidade empreendedora através da criação de valor (LACKÉUS, 2015, p. 25). Enquanto o Ensino Sobre o Empreendedorismo pode ser transmitido de forma passiva, com palestras e aulas instrucionais, os ensinos Para e Através do Empreendedorismo são, eminentemente, metodologias ativas. MÉTODOS DE CRIAÇÃO DE VALOR E MÉTODO DO EMPREENDEDORISMO A partir de Lackéus, resgatam-se três métodos que focam mais na criação do valor do que na criação do empreendimento. Outros modelos foram compilados de outros autores, conformando-se nove métodos de criação de valor aplicáveis na educação em geral e no Ensino Para o Empreendedorismo. Esse segmento da apresentação parte da definição de que “método é uma maneira de pensar e agir, construída sobre um conjunto de premissas, usando um portfólio de técnicas para criá-lo”7 (NECK; GREENE, 2011, p. 55, tradução nossa). O método Causation consiste no mais tradicional. Parte da observação da realidade, buscando-se detectar problemas e propor soluções. Apresenta a visão clássica do empreendedor como uma pessoa “que está atenta às imperfeições do mercado e é capaz de coordenar os recursos de maneira mais eficaz, graças as informações sobre as necessidades e recursos de

7 Do original: “The method is a way of thinking and acting, built on a set of assumptions using a portfolio of techniques to create.” 217


diferentes atores”8 (LANDSTRÖM; HARIRCHI; ÅSTRÖM, 2012, p. 1155, tradução nossa). O método Effectuation, desenvolvido por Sara Sarasvathy e colegas, apresenta-se como um processo repetitivo de tomada de decisão e busca de um comprometimento ativo, objetivando a criação de um novo valor. Este processo inicia com três perguntas localizadoras: “Quem sou eu?”; “O que eu sei?”; e “Quem eu conheço?”. Essa forma de raciocínio, ao fazer o caminho da pessoa para a realidade, opõe-se ao método científico, que faz o caminho inverso. (LACKÉUS, 2015, p. 29). O terceiro método, o da Bricolagem, designação originária do termo de Lévi-Strauss utilizado em 19669, aqui sintetizada como ‘polivalência operacional criativa’, define-se no Empreendedorismo como a “aplicação de combinações de recursos disponíveis a novos problemas e oportunidades” (BAKER; NELSON, 2005 apud OLIVEIRA; BURCHARTH; DUTRA, 2016, p. 42). Esse método está centrado na disponibilidade de recursos em uma região ou situação. O Business Model Canvas, ou Modelo de Negócios Canvas, desenvolvido pelo teórico, consultor e empreendedor suíço Alexander Osterwalder e seu professor, o belga Yves Pigneur, é composto por nove blocos a serem preenchidos, formando uma lista de verificação das tarefas, decisões e definições necessárias para a criação de valor. Esses blocos expressam as principais atividades de uma empresa, cada um sendo encabeçado por uma pergunta-chave, acrescido de um descritor. Tais blocos organizam-se em torno de quatro perguntas gerais: “O quê?”, “Para quem?”, “Como?” e “Quanto?”. O quadro 2 relaciona esses blocos. Sua numeração interna refere-se a uma sugestão de ordem para seu preenchimento, normalmente, 8 Do original: “[…] who is alert to imperfections in the market and is able to coordinate resources in a more effective way thanks to information about the needs and resources of different actors.” 9 Em LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. Trad. Maria Celeste da Costa e Souza e Almir de Oliveira Aguiar. São Paulo: Nacional, 1976.

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utilizando-se painéis onde se colam etiquetas escritas manualmente (OSTERWALDER; PINEUR, 2011, p. 44). Quadro 2 – Representação gráfica do Modelo Canvas de Negócios 8 “Como?” Parceiroschave Quem ajuda você?

7 “Como?” Atividadeschave O que você faz?

2 “O quê?” Proposta de valor Como você os ajuda?

6 “Como?” Recursos-chave Quem você é & o que você tem?

4 “Para quem?” Relacionamento com clientes Como vocês interagem? 3 “Para quem?” Canais Como eles chegam até você & como você entrega?

9 “Quanto?” Estrutura de Custos O que você dá?

1 “Para quem?” Segmento de Clientes Quem você ajuda?

5 “Quanto?” Fontes de renda O que você ganha?

Fonte: Adaptado por DANILEVICZ; CARRARO, 2018, a partir de OSTERWALDER; PINEUR, 2011, p. 44.

O quinto modelo de criação de valor utilizado no Ensino Para Empreendedorismo, e que pode ser adaptado ao Ensino Através do Empreendedorismo, conjuga os conceitos do Customer Development e do Lean Startup10. Esses conceitos têm em comum a ênfase na rápida validação de uma hipótese sobre a possibilidade de algum produto ou serviço criar valor para as pessoas, através da experimentação com agentes do mundo real. Os mesmos possuem ferramentas que podem ser aplicadas na educação, a partir de testagem de hipóteses com pessoas reais fora da escola (LACKÉUS, 2015, p. 31,). O sexto modelo, o Appreciative Inquirity11, compõe-se por um quadro teórico do domínio do comportamento organizacional, que dá ênfase às oportunidades. Constitui-se um método 10 Termos traduzidos livremente aqui para ‘Desenvolvimento de Clientes’ e ‘Emergente Ágil’. 11 Traduzido livremente aqui para ‘Investigação Apreciativa’. 219


para gerar novas ideias a partir de perguntas como: “Quais métodos foram bem-sucedidos antes?”, “O que podemos aprender com o que funciona bem?”, “Como podemos obter mais do que é bom no futuro?”, e “O que precisamos fazer para realizar nossos sonhos?” (LACKÉUS, 2015, p. 31). Esse método gera um posicionamento mental que desperta inspiração, alegria e motivação nas equipes, estados de ânimo fundamentais quando se envolve um processo de mudança. O sétimo método aplicável é o Service Learning12, que se define como “[...] uma experiência educacional organizada que atende às necessidades da comunidade e que cumpre os objetivos de aprendizagem”13 (STEINKE; FITCH, 2007, p. 24 apud LACKÉUS, 2015, p. 32, tradução nossa). Conjuga o ensino em sala de aula com o serviço comunitário, com um modelo de trabalho que envolve aspectos do estágio, da prática e do voluntariado, podendo ser utilizado em quase todas disciplinas e, também, interdisciplinarmente. O Design Thinking14, mais do que um conjunto de técnicas reunidas em um método de inovação iterativo baseado em equipe (GUSHI, 2010, p. 1), constitui-se como sendo uma abordagem, por envolver a adoção de uma postura mental de identificação de problemas e geração de soluções (VIANNA et al., 2012, p. 13). Como processo, o Design Thinking pode ser proposto em cinco etapas, como no Bootcamp Bootleg, modelo implantado na Universidade de Stanford: entender/observar (empatia), definir, idear, prototipar e testar. (CAVALCANTI; FILATRO, 2017, p. 161). A essa primeira etapa, entender/observar, Vianna et al. (2012) denominam também por Imersão, subdividindo-a em Preliminar e Em Profundidade. Na Imersão Preliminar, busca-se o entendimento inicial do problema e talvez seu reenquadramento, enquanto que, na Imersão em Profundidade, identificam-se as “necessidades dos atores envolvidos no pro12 Traduzido livremente aqui para ‘Aprendizado de Serviço’. 13 Do original: “[…] an organized educational experience that both

meets needs of the community and fulfills learning objectives.”

14 Traduzido livremente aqui para ‘Pensamento de Design’.

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jeto e prováveis oportunidades que emergem do entendimento de suas experiências frente ao tema trabalhado” (VIANNA et al., 2012, p. 17). A segunda etapa é a da Análise e Síntese, onde os dados coletados são organizados visualmente, “de modo a apontar padrões que auxiliem a compreensão do todo e identificação de oportunidades e desafios” (VIANNA et al., 2012, p. 17). No terceiro momento, o da Ideação, são geradas as ideias inovadoras através de práticas colaborativas que estimulam a criatividade. Na Prototipação, as ideias são selecionadas com critérios de objetivos do negócio, viabilidade tecnológica e necessidades humanas atendidas para, então, serem validadas. Essa fase auxilia na materialização da ideia, proporcionando um aprendizado contínuo e a verificação da solução encontrada. A quinta etapa é a da Implementação ou Testagem, quando a ideia inovadora se transforma em um novo negócio. Finalizando essa relação de abordagens metodológicas no Ensino Para e Através do Empreendedorismo, ressalta-se um modelo didático aqui referido como Método do Empreendedorismo, que foi desenvolvido pelas professoras estadunidenses Heidi Neck e Patricia Greene. Esse método consiste em cinco práticas, que oferecem oportunidades para jogar, sentir, criar, experimentar e refletir. A prática do Jogar envolve brincadeiras, competições, jogos criados, jogos “de prateleira” (varetas, banco imobiliário, etc.), jogos específicos de estímulo à criatividade e tomada de decisão, além de uso de gamificação, de maneira a estimular a imaginação e a sociabilização. A prática da Empatia estimula a observação, possibilitando a proposição de alternativas de solução para situações ou problemas a partir do posicionamento mental de se colocar no lugar de outrem. A prática da Criação, fundamental para o ensino do Empreendedorismo e do comportamento empreendedor, envolve uma combinação de condições favoráveis a ambientes, situações, técnicas e estímulos. A prática da Experimentação consiste na interação com problemas e necessidades, envolvendo testes e tentativas, a implantação e a constante adaptação às novas situações. A quinta prática, a da Reflexão, ocorre

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durante todo o processo e, de forma especial, ao final da segunda, terceira e quarta práticas (LOPES, 2017, p. 44). EDUCAÇÃO EMPREENDEDORA NO ENSINO DE CIÊNCIAS A presença da Educação Empreendedora no Ensino de Ciências encontra defesa em trecho da conclusão de um artigo da professora de Gestão e Marketing irlandesa Briga Hynes: A educação empresarial deve ser incorporada às disciplinas não-comerciais de engenharia e ciência, nas quais surgem ideias de negócios/produtos, mas muitas vezes esquecidas ou ignoradas, porque os alunos não são suficientemente instruídos no conhecimento e nas habilidades exigidas15. (HYNES, 1996, p. 17, tradução nossa).

No documento “Science Educatıon for Responsible Citizenship”, de 2015, a Comissão Europeia reafirma a inclusão de competências, entre elas, as empreendedoras, nas disciplinas que envolvem a Educação Científica. A educação científica deve se concentrar nas competências, com ênfase no aprendizado através da ciência e mudança de ponta a ponta, ligando a ciência a outros assuntos e disciplinas. O sucesso no século XXI depende da aquisição de competências-chave, em vez de simplesmente aprender fatos16. (EUROPEAN COMMISSION, 2015, p. 20, tradução nossa).

15 Do original: “Enterprise education should be incorporated into the

non-business disciplines of engineering and science where business/ product ideas emerge, but are often forgotten or ignored because students are not sufficiently educated in the knowledge and skills required.” 16 Do original: “Science education should focus on competencies with an emphasis on learning through science and shifting from stem to steam by linking science with other subjects and disciplines. Success in the 21st century depends upon acquiring key competences rather than simply learning facts 222


Essas visões coadunam-se com a definição do Empreendedorismo Científico como “processo de produzir produtos inovadores baseados na ciência, com base na capacidade de prever um novo produto que não está no mercado” (PETER; ANNE, 2000 apud DEVECI; CEPNI, 2017, p. 127). Aos conhecimentos apresentados sobre Educação Empreendedora, Educação Científica e Empreendedorismo Científico, aproxima-se a compreensão do contexto nacional do Ensino de Ciências. Atualmente, podem ser observadas três tendências compondo o cenário do Ensino de Ciências no Brasil. A primeira tendência, da História da Ciência, utiliza dados e textos que permitem reconstruir a história do conceito em estudo, explicando, assim, a sua evolução. Pela tendência do Cotidiano, são estabelecidas relações com a vida e as rotinas do aluno, dentro do entendimento de que a vida envolve Química, Física e Biologia. Já a tendência do ensino pela Atividade Experimental – Laboratório consiste em espaços e experiências que valorizam a relação entre teoria e prática, onde o conhecimento estabelecido pode ser testado, podendo, também, servir de ponto de partida para a sua superação (SANTOS, 2005, p. 56). Observando as três tendências atuais do Ensino de Ciências no Brasil, considerou-se que o Ensino pelo Cotidiano manifesta maior articulação com a Educação Empreendedora, principalmente no despertar das Competências Empreendedoras. CONCLUSÃO O Empreendedorismo, como campo de estudo e em sua aplicação, envolve praticamente todos as áreas do conhecimento. Sua aderência ao Ensino de Ciências também se dá de forma natural, através da Educação Empreendedora. A partir do exame dos conhecimentos levantados, foi possível verificar que a Educação Empreendedora opera no desenvolvimento de competências, que vão das mais ‘ensináveis’ para as mais ‘praticáveis’. Também foi observado que essas competências guardam relação com as abordagens da Educação 223


Empreendedora, compreendidas como o Ensino Através, Sobre e Para o Empreendedorismo. Para tanto, foi possível incluir em levantamento nove métodos de criação de valor, de forma a instrumentalizar o educador com essas tecnologias, a partir da contextualização de nível e de conteúdos a serem ministrados. Assim, as articulações entre a Educação Empreendedora e o Ensino de Ciências foram expostas, a partir de conceituações que podem se transformar em realizações práticas, desde o desenvolvimento das competências-chave até a formação de repertório com conhecimentos de Ciências específicos, que poderão ser empregados no exercício profissional. Dos projetos de jardinagem (CHARITY et al., 2017) às feiras de Ciências, da fabricação de produtos com base em reações químicas (EJILIBE, 2012) até o cultivo de horta pedagógica (NOGUEIRA et al., 2014, p. 1402), diversas são as possibilidades para que o educador implante a pedagogia empreendedora em suas disciplinas de Química, Física e Biologia.

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TEORIA DECOLONIAL: O QUE ESTÁ SENDO PRODUZIDO? UMA ANÁLISE DAS TESES E DISSERTAÇÕES NA BDTD Maria do Carmo Mizetti Caroline Martello

DOI: 10.21826/9786587422251-09

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Além do grave extermínio praticado em toda a América Latina contra os povos originários, o processo de colonização impôs um pensamento eurocêntrico, branco, cristão, e racista que dizimou qualquer outra forma de pensamento e/ou de relação entre esses povos com o seu meio, condenando-os ao silenciamento, ao que Toledo e Barrera Bassols (2015) chamam de “anmesia biocultural”. Assim, a modernidade não é um projeto emancipatório, como o pensamento europeu insiste em afirmar, mas, sim, um projeto civilizatório (GROSFOGUEL, 2019), que produz uma violência muitas vezes silenciosa. É possível discutir sobre decolonialidade por meio do relato de Galeano (2011), quando descreve a viagem de Cristóvão Colombo três anos após a chegada às Américas, onde comandou pessoalmente um ataque contra os indígenas da Dominicana. Lutou com duzentos infantes, muitos cavaleiros e cães adestrados para dizimar os indígenas. Foram enviados mais de 500 indígenas para a Espanha, vendidos como escravos em Sevilha, que morreram miseravelmente. Para Grosfoguel (2016, p. 37): O debate suscitado pela conquista das Américas era sobre se os “povos sem religião” encontrados por Colombo em uma de suas viagens eram “povos com alma ou sem alma”. A lógica da argumentação era a seguinte: 1. se você não tem uma religião, você não tem um Deus; 2. se você não tem um Deus, você não tem uma alma; e, por fim, 3. se você não tem uma alma não é humano, mas animal.

Com a colonização e todas as suas consequências, os povos originários foram desaparecendo, modificando sua cultura, costumes, tradições. O conhecimento dos mais velhos corre o risco de ser enterrado com eles. Levando em conta a importância de se trazer para o debate assuntos que tenham com viés a Teoria Decolonial, este capítulo teve como objetivo apresentar um levantamento bibliográfico, nos últimos nove anos, das dissertações e teses brasileiras que trazem a teoria decolonial em suas pesquisas.

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METODOLOGIA Tratou-se de um estudo de abordagem qualitativa, de caráter exploratório, decorrente de um levantamento bibliográfico nos últimos nove anos (2011-2019) de teses e dissertações brasileiras embasadas na teoria decolonial. Assim, segundo Gil (2019, p. 74), “A revisão de literatura promove o levantamento acerca do que já se conhece em relação ao assunto que está pesquisado. Possibilita, portanto, identificar lacunas no conhecimento existente e, consequentemente, orientar a pesquisa com proposito de preenchê-las”. O recorte temporal desta pesquisa se deu devido ao fato de a primeira publicação com as temáticas de interesse ter sido registrada no ano de 2011. A busca ocorreu na base de dados da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). Essa base oferece ao pesquisador os metadados, tais como autores, título da dissertação ou tese, palavras-chave, sendo os documentos originais de responsabilidade da instituição depositária. A Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) integra e dissemina, em um só portal de busca, os textos completos das teses e dissertações defendidas nas instituições brasileiras de ensino e pesquisa. O acesso a essa produção científica é livre de quaisquer custos. [...] contribui para o aumento de conteúdos de teses e dissertações brasileiras na internet, o que significa a maior visibilidade da produção científica nacional e a difusão de informações de interesse científico e tecnológico para a sociedade em geral. (BDTD, [2020]).

Para a seleção dos dados, procurou-se as dissertações e teses por meio dos seguintes verbetes: educação decolonial, decolonialidade e colonialidade. Esses verbetes deveriam estar presentes no título das produções, nas palavras-chave ou nos resumos indicados pelos autores das pesquisas e ter relação com o ensino de ciências.

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A análise dos dados ocorreu, inicialmente, pela procura de todos os trabalhos que retornassem da busca na base de dados pesquisada. Após, verificou-se de que forma os verbetes estavam presentes, pois, como critério, deveriam estar presentes no título do estudo, nas palavras-chave ou nos resumos indicados pelos autores. Em seguida, categorizou-se as pesquisas de acordo com o ano de publicação, o nível – mestrado ou doutorado –, a localização da instituição realizada, bem como os Programas de Pós-Graduação e quais autores decoloniais foram usados em cada pesquisa publicada. RESULTADOS Foram obtidos um total de 322 registros de teses e dissertações nas diversas áreas do conhecimento, a partir da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações. Os trabalhos apresentaram período de abrangência entre 2011 e 2019. Nos trabalhos selecionados com a temática decolonialidade nas diversas áreas do conhecimento (como Psicologia, Direito, Serviço Social, Sociologia, Antropologia, Administração, Ensino de Ciências, entre outras), constatou-se um aumento no número de teses e dissertações, a partir do ano de 2014 (Figura 1), o que demonstrou um crescente interesse dos pesquisadores pelo referencial decolonial e seus potenciais campos de análise. Destacou-se o número de produções nas diversas áreas do conhecimento em 2018 e 2019, com 87 e 86 produções, respectivamente. A Figura 1 abaixo mostra um panorama geral, por ano de publicação de todas as teses e dissertações registradas na base de dados da BDTD, no período de 2011 a 2019. A estruturação das Áreas do Conhecimento da CAPES apresenta uma hierarquização em quatro níveis, do mais geral ao mais específico, sendo nove grandes áreas, que se dividem em 48 áreas de avaliação. Essas áreas de avaliação, por sua vez, agrupam áreas básicas (ou áreas do conhecimento), subdivididas em subáreas e especialidades:

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1º nível - Grande Área: aglomeração de diversas áreas do conhecimento, em virtude da afinidade de seus objetos, métodos cognitivos e recursos instrumentais refletindo contextos sociopolíticos específicos;

2º nível – Área do Conhecimento (Área Básica): conjunto de conhecimentos inter-relacionados, coletivamente construído, reunido segundo a natureza do objeto de investigação com finalidades de ensino, pesquisa e aplicações práticas;

3º nível - Subárea: segmentação da área do conhecimento (ou área básica) estabelecida em função do objeto de estudo e de procedimentos metodológicos reconhecidos e amplamente utilizados;

4º nível - Especialidade: caracterização temática da atividade de pesquisa e ensino. Uma mesma especialidade pode ser enquadrada em diferentes grandes áreas, áreas básicas e subáreas. (CAPES, [2021]).

Como pôde ser observado na Figura 2, Ciências Humanas possui o maior número de produções em estudos decoloniais dentro das grandes áreas designadas pelas CAPES, com 151 pesquisas. Deu-se seguimento com a área das Ciências Sociais Aplicadas, com 75 produções: a área de Letras, Linguística e Artes tem 50 teses e dissertações, a área Multidisciplinar segue com 43 publicações, a área das Ciências da Saúde, com duas pesquisas e, por fim, a área das Ciências Agrárias, com apenas um estudo publicado. Já na Figura 3, foi possível observar a diversidade de Programas de Pós-Graduação que produziram teses e dissertações nesses últimos nove anos com o referencial decolonial. Foram 24 diferentes Programas na grande área de Ciências Humanas, 15 Programas nas Ciências Sociais Aplicadas, 22 Programas na área Multidisciplinar, dez Programas em Letras, Linguística e Artes, dois Programas na área das Ciências da Saúde e um Programa nas Ciências Agrárias, totalizando 73

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Figura 1 - Teses e Dissertações publicadas de 2011 a 2019 (diversas áreas do conhecimento)

Fonte: elaborado pelas autoras, 2020.

Figura 2 - Teses e Dissertações por área do conhecimento

Fonte: elaborado pelas autoras, 2020.

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Figura 3 – Programas de Pós-Graduação por Área do Conhecimento

Fonte: Elaborado pelas autoras, 2021.

Figura 4 – Universidades com mais publicações

Fonte: Elaborado pelas autoras, 2020.

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Programas de Pós-Graduação em 50 Universidades públicas e privadas. Apesar da grande diversidade de Programas de PósGraduação que pesquisam dentro da perspectiva decolonial, a produção por universidade se concentrou em apenas dez instituições do total de 50 encontradas na pesquisa (Figura 4). A Universidade Federal de Santa Catarina e a Universidade de Brasília ficaram empatadas em primeiro lugar, com 31 publicações entre teses e dissertações. Em seguida, seguiu-se a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com 29 produções e a Universidade Federal de Goiás, com 28 pesquisas. Em quarto lugar, a Universidade Federal de Pernambuco apareceu com 23 produções e, também empatadas, a Universidade Federal da Bahia e a Universidade Federal de Minas Gerais surgiram com 20 pesquisas cada. Por fim, a Unisinos produziu 11 teses e dissertações, e a Pontifícia Católica de São Paulo, 10 pesquisas. Observou-se que as demais publicações apareceram diluídas entre as outras 40 universidades, todas abaixo de dez publicações por instituição. Por esse motivo, a Figura 4 demostrou as universidades com o número mais expressivo de produções. Ao investigar as universidades com o número de pesquisas mais expressivas, percebeu-se que essas instituições possuem grupos de estudos, os quais se dedicam a pensar a questão decolonial em diversas áreas, como o Direito, a Psicologia, a Educação, o Ensino, a História, o Serviço Social, a Sociologia, entre outros. Isso levou a crer que a maior quantidade de publicações dessas universidades deu-se pela motivação desses grupos. Dentro de cada grande área, foi possível destacar os Programas de Pós-Graduação com mais publicações, como os PPG’s em Educação, com 72 publicações em Ciências Humanas, seguidos pelos PPG’S de Direito, com 52 produções nas Ciências Sociais Aplicadas. Depois, surgiram os PPG’S em Letras, com 27 teses e dissertações em Linguísticas nas Letras, Linguísticas e Artes, e dois programas com cinco produções 241


Figura 5 – Programas de Pós-Graduação com mais publicações

Fonte: Elaborado pelas autoras, 2021.

cada, tendo sido eles: Educação Científica e Tecnológica da UFSC e Multidisciplinar em Cultura e Sociedade da UFBA, na área Multidisciplinar. Também houve um empate na área das Ciências da Saúde, com dois Programas com uma publicação cada, sendo o Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano da UFRGS e o Programa de Pós-Graduação em Saúde Púbica da USP. Por fim, destacou-se o Programa de Pós-Graduação em Agricultura Orgânica da UFRRJ, nas Ciências Agrárias. A seguir, o Quadro 1 possibilitou um olhar mais detalhado sobre as áreas, programas de pós-graduação e universidades que vêm produzindo sobre o tema. Ao total, foram 74 Programas de Pós-Graduação, separadas em cinco das nove Áreas de Conhecimento indicadas pela CAPES.

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Quadro 1 – Programas de Pós-Graduação com publicações sobre colonialidade e teoria decolonial

Área de Conhecimento: Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação

Universidade/ Quantidade de publicações

Programa de Pós-Graduação em Educação

UFRGS (11), UFMG (6), UFPA (5), UFPE (5), UFSC (4), UFRRJ (3), UNISINOS (3), UNB (2), USP (2), UFBA (2), PUC/RIO (2), UNINOVE (2), UFPEL (2), UNILASALLE, UNEMAT, UFG, UFS, UNIOESTE, UEFS, UFSCAR

Programa de pós Graduação em Educação Contemporânea

UFMT (5), UFPE (4)

Programa de Pós-graduação Conhecimento e Inclusão Social em Educação

UFMG (2)

Programa de Pós-Graduação em Educação Agrícola

UFRRJ

Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares

UFRRJ

Programa de Pós-graduação em Educação, Cultura e Comunicação em Periferias Urbanas

UERJ

Programa de Pós-Graduação Associado em Educação, Culturas e Identidades

UFRPE

Programa de Pós-Graduação Profissional em Formação de Professores

UEPB

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Programa de Pós-Graduação em História

UFG (8), UFRGS (4), PUC/SP (3), UNB (2), UFRRJ, UFSC, UFRN

Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura

PUC/RJ

Programa de Pós-Graduação em Sociologia

UFPE (4), UNB (3), UFSCAR (2), UFRGS (2), UERJ, UFG, UFC, USP

Programa de Pós-graduação em Psicologia

UFPE (4), UFGD, UFSC, UFMG

Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social e Institucional

UFRGS (2)

Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia: Psicologia Social

PUC/SP

Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura

UNB

Programa de Pós-Graduação em Antropologia

UFPEL (3), UFPA (2), UFMG

Programa de Pós-graduação em Antropologia Social

UFG

Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas

UFSC (6)

Programa de Pós-Graduação em Estudos Comparados sobre as Américas

UNB (6)

Pós Graduação em Ciências da Religião

PUC/SP (3), UMESP

Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais

UFSC (2)

Programa de Pós- Graduação em Integração Contemporânea da América Latina

UNILA (2)

Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas

UFSC

244


Programa de Pós-Graduação em Geografia

UFRRJ

Total de 24 Programas de Pós-Graduação

Área de Conhecimento: Sociais Aplicadas Programa de Pós-Graduação

Universidade/ Quantidade de publicações

Programa de Pós-Graduação em Direito

UFSC (7), UNB (6), UNISINOS (6), UFMG (5), UFPE (3), PUC/ PE (3), PUC/ RJ (3), UFBA (2), FDV (2), UFSM, UNIJUÍ, UNICEUB, UFRGS,

Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos

UFG (4)

Programa de Pós-Graduação em Direito Agrário

UFG (2)

Programa de Pós-Graduação em Direito e Inovação

UFJF

Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas

UFPB (2)

Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional

UFF

Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais

PUC/SP (3), UFRRJ, UFCG, UNESP, UNISINOS

Programa de Pós-Graduação em Administração

FGV/RJ (2), UNIGRANRIO, UEL

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Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional

UTFPR (3)

Programa de Pós-Graduação em Serviço Social

PUC/RS, UFSC, PUC/RJ

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

UFMG (2)

Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação

UFRJ, UFBA

Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Linguagens

UNIVERSIDADE TUIUTI

Programa de Pós Graduação em Comunicação

UFPE

Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo

UNB

Total de 15 Programas de Pós-Graduação

Área de Conhecimento: Letras, Linguística e Artes Programa de Pós-Graduação

Universidade/ Quantidade de publicações

Programa de Pós-Graduação em Letras

UFRGS (5), USP (4), UNIOESTE (3), UNESP (2), UFPE (2), UFBA

Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística

UFG (8), UFSCAR

Programa de Pós-Graduação em Linguística

UNB

Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas

USP (3), UFBA (2), UFRGS

Programa de Pós-Graduação em Artes

UNB (2), UNESP (2), UFRGS, UFC, UFMG

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Programa de Pós-Graduação em Literatura

UFSC (3), UNB

Programa de Pós-Graduação em Música

UFBA, UFMG

Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem

UFF, UFMT

Programa de Pós-Graduação em Dança

UFBA

Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos

UFMG

Total de 10 Programas de Pós-Graduação

Área de Conhecimento: Multidisciplinar Programa de Pós-Graduação

Universidade/ Quantidade de publicações

Programa de Pós-Graduação Multidisciplinar em Cultura e Sociedade

UFBA (5),

Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica

UFSC (5)

Pós-graduação Interdisciplinar em Estudos Latino-Americanos

UNILA (4)

Programa de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências

UFBA (3)

Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais

UFABC (3)

Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre a Universidade

UFBA (2)

Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo

UFBA (2)

Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania

UNB (2)

Programa de Pós-Graduação em Estudos Culturais

USP (2)

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Programa de Pós-Graduação Integração da América Latina

USP (2)

Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Matemática

UFG, UFS

Programa de pós-graduação em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional

UNB

Programa de Pós-Graduação em Bioética

UNB

Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural

UFRGS

Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde

UFRGS

Pós-Graduação Interdisciplinar em Culturas Populares

UFS

Programa de Pós Graduação em Mudança Social e Participação Política

USP

Programa de Pós-Graduação em Docência para a Educação Básica

UNESP

Programa Pós-Graduação Interdisciplinar Humanidades, Direitos E Outras Legitimidades

USP

Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido

UFP

Programa de Pós-graduação em Ciência Ambiental

USP

Programa de Pós-Graduação em Ciências do Ambiente

UFT

Total de 22 Programas de Pós-Graduação

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Área de Conhecimento: Ciências da Saúde Programa de Pós-Graduação

Universidade/ Quantidade de publicações

Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano

UFRGS

Programa de pós Graduação em Saúde Púbica

USP

Total de 2 Programas de Pós-Graduação

Área de Conhecimento: Ciências Agrárias Programa de Pós-Graduação

Universidade/ Quantidade de publicações

Programa de Pós-Graduação em Agricultura Orgânica

UFRRJ

Total de 1 Programa de Pós-Graduação Fonte: Elaborado pelas autoras, 2020.

Foi possível perceber uma tendência, nos estudos com perspectiva decolotnial, da utilização de autores como Walter Mignolo, Enrique Dussel, Aníbal Quijano, Ramón Grosfoguel, Catherine Walsh, entre outros, que formam o coletivo conhecido como Grupo Modernidade/Colonialidade (M/C). Esse grupo surge na década de 1990, nos Estados Unidos, primeiramente com o nome “Grupo Latino-Americano dos Estados Subalternos”. Em 1998, por divergências teóricoepistemológicas, o grupo latino foi desagregado, e surgiu o então atual Grupo Modernidade/Colonialidade. Porém, notouse que os referenciais não se fecharam nesses autores, e outros grandes nomes (muitos que antecedem o Grupo M/C), como Frantz Fanon, Lélia Gonzales, Stuart Hall, Abdias Nascimento, Achille Mbembe e Gayatri Chakravorty Spivak foram usados nas pesquisas. 249


CONSIDERAÇÕES FINAIS Passados mais de quinhentos anos da invasão das Américas e do início da colonização pelos europeus, ainda existe o preconceito, a exploração e o desrespeito relacionados a diversos grupos subalternizados. É importante destacar que há uma legislação específica que trata sobre comunidades tradicionais, bem como sobre cultura e história afro-brasileira e indígena. Leis, decretos e políticas públicas abriram o diálogo na primeira década dos anos 2000, o que ainda não garante uma sociedade mais justa e igualitária e o respeito à diversidade, que ainda estão longe de ser alcançados. Na aferição da pesquisa sobre decolonialidade, observou-se um interesse recente das universidades pelo assunto. Ainda é pouca a produção em algumas áreas, como Multidisciplinar, Saúde e Agrárias. Essas áreas podem levantar discussões importantes, como questões dentro do ensino de ciências, da educação ambiental, da ecologia, da saúde indígena, quilombola e camponeses, sobre agroecologia e agronegócio, entre tantos outros. O número de produções que empregam a teoria decolonial como elemento de suas pesquisas ainda é relativamente pequeno, uma vez que a temática é relativamente nova e apresenta grande potencial para novas investigações. Vislumbrouse, aqui, a possibilidade de decolonização a partir de outras racionalidades, como o conhecimento dos mestres e griôs, dos indígenas, dos quilombolas, dos agricultores e de tantos outros grupos, negados e subalternizados em nome de uma única verdade. FINANCIAMENTO Este trabalho foi financiado com recursos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, através de bolsa Demanda Social. 250


REFERÊNCIAS BDTD - BIBLIOTECA DIGITAL BRASILEIRA DE TESES E DISSERTAÇÕES. Sobre a BDTD. Disponível em: http://www. ibict.br/informacao-para-ciencia-tecnologia-einovacao%20/ biblioteca-digital-Brasileira-de-teses-e-dissertacoesbdtd/apresentacao. Acesso em: 03 ago. 2020. CAPES. Documento de Apoio, 21 março 2018. Disponível em: https://uab.capes.gov.br/avaliacao/documentos-de-apoio/91-conteudo-estatico/avaliacao-capes/6831-tabela-de-areas-de-conhecimentoavaliacao. Acesso em: 01 mar. 2021. GALEANO, E. As Veias Abertas da América Latina. Porto Alegre: L&PM, 2011. GIL, A. C. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. São Paulo: Atlas, 2019. GROSFOGUEL, R. Para uma visão decolonial da crise civilizatória e dos paradigmas da esquerda ocidentalizada. In: BERNARDINO-COSTA, J.; MALDONADO-TORRES, N.; GROSFOGUEL, R. Decolonialidade e Pensamento afrodiaspórico. Belo Horizonte: Autêntica, 2019. p. 55- 77. GROSFOGUEL, R. A Estrutura do Conhecimento nas Universidades Ocidentalizadas: racismo/sexismo epistêmico e os quatro genocídios /epistemicídios do longo século XVI. Sociedade e Estado, Brasília, vol. 31, n. 1, p. 25-49 jan./abr. 2016. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102- 69922016000100025&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 15 de fev. 2021 TOLEDO, V. M.; BARRERA-BASSOLS, N. A Memória Biocultural: A importância ecológica das sabedorias tradicionais. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2015.

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SOBRE OS AUTORES André Luís Prytoluk Mestre em Educação em Ciências (2019), Bacharel em Comunicação Social (1984), Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde (PPGQVS) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) (2020atual), Professor Adjunto da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS (1988 - atual). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0011-7319. Contato: andre.prytoluk@ufrgs.br

Bárbara Martins Lopes Mestranda em Educação em Ciências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Graduada em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco - Unicap. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6516-3869 Contato: bmartinslopes@gmail.com

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Carlo Mazo Ferreira Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Arquivista do Programa de Gestão Documental e Digitalização da Fundação de Apoio à Universidade Federal do Rio Grande do Sul. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2154-9903. Contato: carlo.mazo@gmail.com

Caroline Martello Doutoranda e Mestra em Educação em Ciências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Graduação em Museologia pela Universidade Barriga Verde. Bolsista CAPES. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5777-6190 Contato: carolinemartello@gmail.com

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Douglas Fraga Silveira Graduado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2018). Mestre em Educação em Ciências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2020). Doutorando em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0588-4864. Contato: douglasfs23@gmail.com

Filipe Xerxeneski da Silveira Bibliotecário-documentalista do Instituto Federal de Educação, Ciência, Tecnologia do Rio Grande do Sul. Mestre em Educação e Ensino de Ciências UFRGS e Doutorando em Educação e Ensino de Ciências UFRGS. ORCID: http://orcid.org/0000-0002-5338-1498. Contato: lipexs@gmail.com

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Giordano Ferreira Vargas Graduado em História - Licenciatura pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2020). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7582-4173. Contato: giordanocolorado@gmail.com

Josefa Martins da Conceição Doutora em Educação em Ciências, pelo Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Bibliotecária da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Benemérita das Academias Brasileira e Pernambucana de Ciência Agronômica (ABCA e APCA). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2769-3217. Contato: cmartins3012@gmail.com

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Juliana Carvalho Pereira

Doutora e Mestre em Educação em Ciências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, graduação em Pedagogia pela Universidade Federal de Santa Maria, graduação em Biblioteconomia, especialização em Gestão Escolar pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora da Educação Básica - Ensino Fundamental na Prefeitura Municipal de Cachoeirinha. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0473-109X. Contato: julianapereir@gmail.com

Ketlen Stueber

Bacharel em Biblioteconomia - Habilitação em Ciência da Informação pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC); Especialista em Biblioteca escolar, cultura escrita y sociedad en Red pela Universidade Aberta de Barcelona e União dos Estados Iberoamericanos (OEI); Mestre em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Doutoranda no Programa de Pós-Graduação de Educação em Ciências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGEC-UFRGS). ORCID: https://orcid. org/0000-0002-2171-0365. Contato: ketistueber@hotmail.com

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Luciana Gasparotto Alves de Lima Doutoranda e Mestre em Educação em Ciências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Graduação em Nutrição pela Universidade de Brasília. Analista em Ciência e Tecnologia da CAPES. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6644-4478. Contato: lugasparotto@gmail.com

Maria do Carmo Mizetti Doutoranda no programa de PósGraduação em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestrado no Programa de Pós Graduação em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2017). Especialista em Literatura Brasileira e Portuguesa pela UFRGS. Especialista em Gerenciamento e Desenvolvimento de Sistemas de Informação pela FURG. Atualmente é Analista de Projetos e Políticas Públicas do Rio Grande do Sul. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3960-7873. Contato: mariadocarmomizetti@gmail.com

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Maria do Rocio Fontoura Teixeira

Doutora em Educação em Ciências, pelo Programa de Pós-Graduação Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde da UFRGS, com a tese Redes de Conhecimento em Ciências. Mestre em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1996) e graduação em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1975). Professora aposentada do Departamento de Ciências da Informação da Faculdade de Biblioteconomia da UFRGS, é professora Permanente do Programa de Pós-Graduação Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde. Coordenadora do Programa de Gestão Documental da FAURGS. Associada à Sociedade Brasileira de Gestão do Conhecimento RS. Tem experiência na área de Educação em Ciências e Ciências da Informação, com ênfase em Gestão da Informação, Gestão do Conhecimento, Gestão Documental, Redes de Conhecimento, Produção Científica, Fontes de Informação Científica e Tecnológica, Análise de Redes Sociais e Espaços não Formais de Educação. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9888-7185. Contato: mrfontoura@gmail.com

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Mariana Paranhos de Oliveira Bacharela em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2017) e especialista em Educação Ambiental pela Faculdade São Luís (2020) e mestranda do Programa de Pós-Graduação Educação em Ciências: Químicas da vida e saúde, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2019) e membro dos Grupos de Pesquisa e Estudos em Educação do Campo e Ciências da Natureza da mesma instituição e RETIS. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2332-7711. Contato: marianaparanhosdeoliveira@hotmail. com

Michele de Souza Fanfa Mestra em Educação em Ciências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Graduada em Ciências Biológicas Licenciatura pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. ORCID: http://orcid.org/0000-0003-0338-9579. Contato: fanfami@gmail.com

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Paulo Henrique Saenger Graduado em Pedagogia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2004). Mestre em Educação em Ciências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS (2021). In memoriam

Renata Sá Carneiro Leão Doutoranda em Educação em Ciências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, mestra em Extensão Rural e Desenvolvimento Local - UFRPE, especialista em Políticas Públicas - UFRPE e graduada em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco - Unicap. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8509-5755. Contato: renatascleao@gmail.com

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Rodrigo Corrêa Couto da Silva Graduado em Gestão da Tecnologia da Informação (Unisul), MBA em Gestão de Projetos (USP), Mestrado em Ensino de Ciências (UFRGS), cursando MBA em BigData e Inteligência Competitiva e MBA em Marketing Digital Estratégico, Doutorando em Ensino de Ciências pela UFRGS. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0644-019X. Contato: rodrigo.couto@gmail.com

Ronaldo Eismann de Castro Graduado em Química pela Ulbra. Especialista em Metodologia no Rnsino de Química e Biologia pela UCAM. Mestre e Doutorando em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde pela UFRGS. Professor de química no La Salle Canoas. Professor de química e coordenador do Núcleo de Iniciação Científica do Colégio Santa Dorotéia de Porto Alegre. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0587-8133. Contato: profronaldoeismann@gmail.com

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Vania Ferreira da Silva Doutora em Educação em Ciências pela UFRGS, mestra em Ciência da Informação pela UFPE, possui especialização em Cultura Pernambucana pela Fafire, e graduação em Biblioteconomia pela UFPE. Atualmente é bibliotecáriadocumentalista da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Tem experiência na área de Ciência da Informação, com ênfase em organização da informação, comportamento informacional, cultura e memória. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4986-6994. Contato: vaniafdsilva@gmail.com

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autores André Luís Prytoluk Bárbara Martins Lopes Carlo Mazo Ferreira Caroline Martello Douglas Fraga Silveira Filipe Xerxeneski da Silveira Giordano Ferreira Vargas Josefa Martins da Conceição Juliana Carvalho Pereira Ketlen Stueber Luciana Gasparotto Alves de Lima Maria do Carmo Mizetti Maria do Rocio Fontoura Teixeira Mariana Paranhos de Oliveira Michele de Souza Fanfa Paulo Henrique Saenger Renata Sá Carneiro Leão Rodrigo Couto Ronaldo Eismann de Castro Vania Ferreira da Silva


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