Geo-grafias a partir da Baixada Fluminense/RJ: fragmentos de pesquisas dos discentes do PPGGEO/UFRRJ

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GEO-GRAFIAS A PARTIR DA BAIXADA

FLUMINENSE/RJ

FRAGMENTOS DE PESQUISAS

DOS DISCENTES DO PPGGEO/UFRRJ

Alexandre

Organizadores

Tadeu Lima de Souza Ferraz

GEO-GRAFIAS A PARTIR DA BAIXADA FLUMINENSE/RJ

FRAGMENTOS DE PESQUISAS

DOS DISCENTES DO PPGGEO/UFRRJ

© Autores, 2023

Organização

Tadeu Lima de Souza

Alexandre Ferraz

Produção Editorial

Aline Pereira de Barros | Letra1

Revisão

Aline Pereira de Barros

Luísa Hall

Paulo de Toledo

Capa e Projeto gráfico

Marta Zimmermann

Diagramação

Ronaldo Machado

Imagem da Capa

Praça dos Direitos Humanos, Nova Iguaçu, RJ

Fotografia: Getúlio Ribeiro, 2023

Impressão

Printstore

Conselho Editorial

Adriana Dorfman

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Anderson Zalewski Vargas Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Hernan Venegas Marcelo Universidade Federal da Integração Latino-Americana

Marcelo Jacques de Moraes

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Márcio Silveira Lima Universidade Federal do Sul da Bahia

Miriam Gárate

Universidade Estadual de Campinas

Regina Coeli Machado e Silva Universidade Estadual do Oeste do Paraná

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (eDOC BRASIL, Belo Horizonte/MG)

G345 Geo-grafias a partir da Baixada Fluminense/RJ: fragmentos de pesquisas dos discentes do PPGGEO/UFRRJ / Organizadores Alexandre Ferraz, Tadeu Lima de Souza – Porto Alegre, RS: Letra1, 2023 192 p. : 16 x 23 cm

ISBN 978-65-87422-34-3

DOI 10.21826/9786587422343

1. Geografia – Ensaios 2. Periferias urbanas. 3 Rio de Janeiro (RJ) I. Ferraz, Alexandre. II. Souza, Tadeu Lima de CDD 910

Elaborado por Maurício Amormino Júnior – CRB6/2422

www.editoraletra1.com.br

CNPJ 12.062.268/0001-37

letra1@editoraletra1.com.br

(51) 3372 9222

Rua Lopo Gonçalves, 554 – Cidade Baixa 90050-350 Porto Alegre/RS

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta edição pode ser copiada e distribuida, seja por meio impresso ou digital sem a expressa autorização da editora.

Tadeu Lima de Souza Alexandre Ferraz Organizadores

FRAGMENTOS DE PESQUISAS DOS DISCENTES DO PPGGEO/UFRRJ
2023
FLUMINENSE/RJ
GEO-GRAFIAS A PARTIR DA BAIXADA

PARTE I

PARTE II

SUMÁRIO Apresentação .......................................................................................... 9 Tadeu Lima de Souza & Alexandre Ferraz
Noções espaciais guarani-kaiowá: possibilidades de diálogo entre território e tekoha ......................................................................... 15 Liziane Neves dos Santos Panorama da (re)produção do espaço do trabalhador em conjunto com a necessidade de morar: a problemática da moradia na constituição da cidade de Nova Iguaçu-RJ e das políticas habitacionais ........................................................................... 30 Flávia da Silva Souza A chuva como evento deflagrador de um perigo à população de Angra dos Reis (RJ): um estudo sobre a frequência e a distribuição das chuvas ......................................................................... 49 Gabriela Fernandes Santos Alves Geografia inclusiva: (re)pensar a escola como um lugar de inclusão para pessoas com transtorno do espectro autista .................... 62 Marilza Santos da Silva Territorialização do poderio técnico brasileiro na África a partir do Cotton-4+Togo..........................................................................77 Gustavo Xavier de Abreu
Sob a Lua num velho trapiche abandonado: representações espaciais e simbólicas do lugar no romance Capitães da Areia .............. 95 Rafael Alves de Freitas
A mulher no espaço relacional do lar: uma análise de raça e de gênero da sobrecarga imposta a elas no espaço doméstico .............. 97 Stefania Luiza Marques Tieppo O papel político dos periódicos do IBGE na inserção da mulher na ciência geográfica: o caso do Boletim Geográfico ........................... 100 Luanna Siebert Representações espaciais negras TLGB+ na música .............................. 103 André Luiz Bezerra Tavares A mímesis como mediadora entre Geografia e Literatura em Torto Arado, de Itamar Vieira Junior .....................................................106 Maria Clara Leadebal Celestino Pretas Raras: memória, ancestralidade e territorialidades de mulheres negras trançadeiras .............................................................. 110 Paloma da Silveira da Silva Uma análise do camelódromo da Uruguaiana (RJ): redes e os circuitos da economia urbana ............................................................... 112 Lucas Juan da Silva Mallet Barretta O mercado de trabalho na Baixada Fluminense: uma análise e proposta de cooperação regional entre os municípios .......................... 115 Natalia Paes Metrópole e economia popular:as territorialidades dos vendedores ambulantes nos trens urbanos .......................................... 119 Camila Brandão de Araújo Domingues Globalização, reestruturação territorial-produtiva e produção cervejeira: uma análise a partir da cervejaria Ambev Rio de Janeiro, Campo Grande, Rio de Janeiro – RJ ........................................ 123 Beatriz do Nascimento Sant’Anna
Novos professores de Geografia: compreendendo a entrada no trabalho docente no contexto de precarização educacional ............. 126 José Guilherme Leandro Trabalhadores de aplicativos: as novas reconstituições de tempo × espaço e as implicações para o trabalho ................................. 129 Pedro Henrique Faleiro Beça Silva O comércio ambulante no transporte ferroviário da região metropolitana do Rio de Janeiro ........................................................... 132 Renata Braga dos Santos Saberes e territórios na cartografia social das comunidades quilombolas da região da Baía da Ilha Grande ...................................... 134 Nathália de Oliveira de Sousa Rede de sensoriamento de baixo custo para monitoramento da qualidade do ar na cidade do Rio de Janeiro .................................... 137 Igor Vieira Vargas Colares Integração dos parâmetros curriculares nacionais do Ensino Fundamental II e Médio para ações educativas em unidades de conservação na Baixada Fluminense ............................................... 139 Julio Cesar Carou Felix de Lima Análise espacial da dinâmica de ocorrência de incêndios florestais no oeste metropolitano do Rio de Janeiro ............................. 142 Mateus Ribeiro Rodriguez Geografia e fotografia: story maps para ambientação no campus da UFRRJ em tempos de isolamento social .............................. 146 Stephanie Paula da Silva Leal O potencial da educação ambiental como mitigadora dos conflitos socioambientais em Unidades de Conservação: Estudo de caso no Parque Natural Municipal de Nova Iguaçu, RJ ......... 149 Fernanda Malheiro Lourenço
A análise do discurso nos pronunciamentos oficiais do governo Bolsonaro (2019-2020) como possibilidade de uma estratégia geopolítica de poder no Brasil para a América do Sul ........... 152 Celso Rodrigues Cardoso Filho Os desafios e as possibilidades do uso das tecnologias digitais da informação e comunicação no ensino da Geografia ............ 155 Fernanda Santana Ribeiro Estágio supervisionado em Geografia e suas diversas faces: Diálogo com a práxis na formação inicial .............................................. 158 Amanda de Castro Lima A política externa brasileira e a atuação dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) em sua agenda .......................... 162 Mariana Herreira Gonçalves Pertile África, racismo e branqueamento do currículo ...................................... 165 Luiz Rafael Gomes Os desafios de um ensino de Geografia contra-hegemônico mediante os interesses do atual projeto político-educacional brasileiro .............................................................................................. 169 Matheus Lima de Albuquerque Enclaves residenciais fortificados e processos de segregação urbana: uma discussão sobre condomínios privados criados a partir do fechamento de ruas no bairro de Bangu, RJ ........................... 172 Saulo de Tarso dos Santos Souza Agricultura urbana na cidade do Rio de Janeiro como política pública: a evolução e a expansão do Programa Hortas Cariocas ........... 175 Maisa Oliveira de Souza Metrópole militarizada: o uso das Forças Armadas no controle urbano do Rio de Janeiro ...................................................................... 178 Mariana dos Santos Nesimi
“Ocupar, resistir e produzir”: Ações e reações do MST na metrópole do Rio de Janeiro ................................................................. 181 Tiago Vinícius de Souza Nunes Transformações no espaço rural e a valorização da paisagem: A atividade turística em Visconde de Mauá/RJ-MG ............................... 184 Raquel Barbosa da Silva SOBRE OS AUTORES ............................................................................. 187

Apresentação

Alexandre Ferraz

Esta é a primeira publicação composta exclusivamente por textos de estudantes do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro-PPGGEO/ UFRRJ. O livro carrega um certo perfil ensaístico, uma vez que traz reflexões abertas e apresenta um leque de temáticas do interesse dos pesquisadores e pesquisadoras ligados ao nosso programa.

É um “livro-conquista”, uma vez que se trata do primeiro livro a ser publicado com as características de autoria que este carrega. Uma produção que surge e se organiza ainda no reflexo da pandemia da Covid-19 e, apesar do lançamento ocorrer já em 2023, diante de novos ares no cenário político, todos os textos apresentados neste livro foram realizados num contexto bastante desfavorável para a Ciência, universidades e institutos federais, que atravessaram períodos de cortes e restrições orçamentárias nos últimos anos, além de tentativas de descrédito e perseguições.

Os textos apresentados estão divididos em dois conjuntos: a Parte 1 reúne, em cinco capítulos, textos de alunos que obtiveram avaliação de destaque positivo no sistema Coleta CAPES, um sistema da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Tadeu Lima de Souza

Superior que coleta informações de todos os programas de pós-graduação do país. Já, na Parte 2, fazemos memória dos trabalhos apresentados durante o 3º Fórum do PPGGEO/UFRRJ, realizado nos dias 15, 22 e 29 de julho de 2021, de maneira remota, devido às restrições impostas pela pandemia de covid-19.

No Capítulo 1, “Noções espaciais guarani kaiowá: possibilidades de diálogos entre território e tekoha”, Liziane Neves dos Santos apresenta-nos a noção de tekoha para os povos Guarani e sua relação com o conceito do território. O Capítulo 2, “Panorama da (re)produção do espaço do trabalhador em conjunto com a necessidade de morar: a problemática da moradia na constituição da cidade de Nova Iguaçu-RJ e das políticas habitacionais”, aborda a questão da moradia em Nova Iguaçu a partir da contribuição da pesquisa de Flávia da Silva Souza. No Capítulo 3, “A chuva como evento deflagrador de um perigo à população de Angra dos Reis - RJ: Um estudo sobre frequência e distribuição das chuvas”, Gabriela Fernandes Santos Alves apresenta seu estudo sobre as chuvas e seus impactos na região de Angra dos Reis. O Capítulo 4, escrito por Marilza Silva, “Geografia inclusiva: (re)pensar a escola como um lugar de inclusão para pessoas com transtorno do espectro autista”, nos provoca a refletir sobre inclusão no ambiente escolar e aborda dados importantes para este debate. Fechando a Parte 1 do livro, o Capítulo 5, “Territorialização do poderio técnico brasileiro na África através do cotton-4+Togo”, de Gustavo Xavier de Abreu, trata da relação comercial entre o Brasil e a indústria de algodão no continente africano.

Com os textos que apresentamos na Parte 2 do livro, como poderão perceber, ao trazermos os resumos expandidos apresentados durante o 3º Fórum do PPGGEO, formamos um grande mosaico de “fragmentos” dos temas de interesse e pesquisas realizados no âmbito do programa de pós-graduação multicampi da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Assumimos, assim, na organização deste livro, a mesma missão a que se propõe o evento, que é a de divulgar os trabalhos e as pesquisas desenvolvidos pelos discentes e docentes integrados ao programa.

O Fórum do PPGGEO serve como espaço de socialização e de aprimoramento de teorias, metodologias e aplicações em temáticas de investigações que tenham como escopo a pesquisa geográfica. A edição do ano de 2021 foi dividida em cinco seções temáticas que visam entrelaçar uma multiplicidade de abordagens a partir de conexões e interfaces de pesquisa. Os textos aqui apresentados estão também organizados de acordo com tais seções, a saber:

Tadeu Lima de Souza & Alexandre Ferraz 10

Conexões A – Gênero, raça, sexualidade, cultura e problemáticas dos espaços públicos-privados;

Conexões B – Mercado de trabalho, crise, economia capitalista;

Conexões C – Geotecnologia e ambiente;

Conexões D – Geografia, relações de poder, práticas educativas e tensões;

Conexões E – Espaços urbanos e rurais e possíveis diálogos.

Há que agradecer a cessão das imagens que usamos no projeto gráfico de nosso livro e destacar o belíssimo trabalho de memória realizado pelo projeto “Praça dos Direitos Humanos”. A foto da capa é do fotógrafo iguaçuano, Getúlio Ribeiro, e retrata um mural de graffiti, recém-restaurado, que retrata personalidades da Baixada Fluminense cujas trajetórias se confundem com a das lutas por direitos nesse território. A praça dos Direitos Humanos foi inaugurada em 2006, durante o Fórum Mundial da Educação, sediado em Nova Iguaçu, e vem, ao longo dos anos, tendo suas paredes ocupadas por murais de artistas urbanos homenageando figuras emblemáticas. Mãe Beata, João Cândido e Dom Adriano Hipólito são alguns dos rostos retratados no trabalho de diversos artistas com produção de Giordana Moreira, da Estamira Produções Culturais. Que os “Fragmentos” de nossas pesquisas, em toda sua multiplicidade, possam ser vistos como uma declaração de compromisso coletivo com a produção e a divulgação científica e a circulação de ideias. Uma vez que o texto traz trabalhos de pesquisadores no curso de suas próprias formações, que esta publicação se difunda entre estudantes e pesquisadores, em especial da Baixada Fluminense, mas não apenas, e de alguma forma se apresente como um horizonte vasto a se expandir, onde o pensamento geográfico e a produção científica das “Geo-grafias” realizadas na (e a partir da) Baixada Fluminense-RJ siga ganhando espaços de divulgação e circulação de ideias.

Apresentação 11

PARTE 1

Noções espaciais guaranikaiowá: possibilidades de diálogo entre território e tekoha1

Introdução

Os Guarani são grupos transfronteiriços que têm seu tronco linguístico Tupi-Guarani e estão presentes em países como Argentina, Bolívia, Paraguai e Brasil. Eles são compreendidos como povos subdivididos entre grupos que possuem algumas variações linguísticas, práticas religiosas e culturais, sendo eles chamados de guarayos, chiriguanos e izozeños, na Bolívia; mbya, ñandeva, pai-tavyterã, ache e guarani-ñandeva, no Paraguai; mbya, na Argentina; e mbyá, ñandeva, kaiowá (pai-tavyterã), no Brasil (BENETTI, 2013).

No Brasil, os Guarani estão distribuídos entre as regiões norte, sul, sudeste e centro-oeste. Tendo sua maior concentração no estado do Mato Grosso do Sul, estão localizados na região conhecida como cone sul, que compreende a Grande Dourados e os municípios próximos à fronteira com o Paraguai. Em maioria,

1 Este texto é uma versão corrigida do primeiro capítulo, resultado da dissertação de mestrado Tetã, tekohas,territórios e resistências: os guarani e kaiowá e a fronteira brasil-paraguai (SANTOS, 2019). A autora agradece à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) pelo apoio financeiro durante a realização da pesquisa.

Liziane Neves dos Santos

os Guaranis no Cone Sul são dos subgrupos kaiowá e ñandeva, que se reconhecem respectivamente como Ava Kaiowá e Ava Guarani (BENITES, 2015).

Esses grupos vivem sob contexto de luta por suas terras sagradas, que tiveram suas formas de ocupação espacial interrompida no início dos anos 1930, com a colonização de seus territórios. 2 A partir das ações de expropriação, os indígenas constroem, desde então, movimentos para recuperar e reocupar seus territórios sagrados, organizando assembleias entre as lideranças de cada tekoha, e formando redes de apoio à luta territorial. O estado do Mato Grosso do Sul é o palco dessa disputa territorial e, de acordo com os Relatórios de Violência Contra Povos Indígenas, organizado pelo CIMI, é um dos estados que registram a maior parte das ações de violências contra povos indígenas no país, sendo os Guarani e Kaiowá o grupo mais afetado.

Com o Termo de Ajuste de Conduta, o TAC, firmado entre o Ministério Público Federal e a Funai em 2007, houve a criação de sete Grupos de Trabalho (GTs) para analisar as reivindicações de terras indígenas e com a previsão de homologação de 47 terras tradicionalmente ocupadas (SANTOS, 2019). Com o avanço na conquista dos direitos indígenas, os fazendeiros3 iniciaram ações cada vez mais truculentas, que contaram com a contratação de pistoleiros para o assassinato de lideranças, casos de violência sexual, atropelamentos e espancamentos (CIMI). E esse cenário se intensificou com a expansão de novas fronteiras agrícolas no país (ARRUZZO; CUNHA, 2019).

Diante das articulações na luta pelas terras tradicionais, nos propomos a realizar uma leitura sobre o diálogo entre as noções espaciais dos guarani e kaiowá com o conceito de território, já amplamente utilizado em algumas análises antropológicas. Utilizamos algumas literaturas que exploram e apresentam a noção espacial desses grupos.

A descolonialidade como um caminho de diálogo

Antes de compreendermos a abordagem descolonial, é necessário entender a construção do pensamento colonial e como a colonialidade se revela como uma nova roupagem do pensamento colonial. Aníbal Quijano introduziu o conceito de colonialidade como uma tradução lógica e um desdobramento da sociedade ocidental desde o período do Renascimento até os dias atuais

2 Ver mais em BENITES (2020).

3 Chamaremos aqui de “fazendeiros” os atores das ações contra os indígenas, pois representarão os produtores de grande, médio e pequeno porte do cultivo agropecuário presentes no Mato Grosso do Sul.

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Liziane Neves dos Santos

Noções espaciais guarani-kaiowá: possibilidades de diálogo entre território e tekoha

(QUIJANO, 2017, p. 94). Essa tradução se dá sob o pensamento construído a partir da colonização, em que há a exploração e a extração econômica e cultural de um povo sobre o outro, como ocorreu em toda América Latina, ao ser colonizada por países Europeus.

Com este conceito compreendemos as ações ocorridas nas colônias e os reflexos trazidos na cultura e na economia desses países durante o período colonial e depois dele. Ainda segundo Mignolo:

A “colonialidade” é assumidamente a resposta específica à globalização e ao pensamento linear global, que surgiram dentro das histórias e sensibilidades da América do Sul e Caribe. (MIGNOLO, 2017, p. 94)

Nesse sentido, a colonialidade foi construída sob olhar e criação de hierarquia, tendo a Europa como seu eixo central. Dessa forma, as ações dos países europeus enquanto colonizadores se deram para desenvolver as atividades econômicas e manter o seu domínio de riquezas. De acordo com Quijano (2005):

A América constituiu-se como o primeiro espaço/tempo de um padrão de poder de vocação mundial e desse modo e por isso, como a primeira identidade da modernidade. Dois processos históricos convergiram e se associaram na produção do referido espaço/tempo e estabeleceram-se como os dois eixos fundamentais do novo padrão de poder. Por um lado, a codificação das diferenças entre conquistadores e conquistados na ideia de raça, ou seja, uma suposta distinta estrutura biológica que situava a uns em situação natural de inferioridade em relação a outros. Essa ideia foi assumida pelos conquistadores como o principal elemento constitutivo, fundacional, das relações de dominação que a conquista exigia. Nessas bases, consequentemente, foi classificada a população da América, e mais tarde do mundo, nesse novo padrão de poder. Por outro lado, a articulação de todas as formas históricas de controle de trabalho, de seus recursos e de seus produtos, em torno do capital e do mercado mundial. (QUIJANO, 2005, p. 117).

Nesse trecho podemos observar que a ideia de raça foi utilizada para constituição de referência para diferenciação de grupos. Os colonizadores catalogaram a cor e os traços fenótipos dos colonizados e construíram uma categoria racial. Desse modo, os “conquistadores” legitimaram o seu domínio, adicionando aos colonizados o estereótipo de inferiorização (QUIJANO,

Diante disso, a modernidade e a racionalidade foram atribuídas aos europeus, com a soma de experiências e como produto exclusivo. E, segundo Mignolo (2017), a modernidade é indissociável da colonialidade, pois é por meio dela que há uma relação de domínio, a conquista, e irá se reconfigurar a categoria trabalho. O que antes os nativos e escravizados realizavam para o

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seu próprio provento, com a colonialidade há a relação do trabalho escravo, a servidão.

Neste sentido, podemos considerar que a colonialidade não termina após o período colonial, pois o imaginário criado a partir dela com a relação de domínio, que é estabelecido também pela ideia de raça, será mantido pelos descendentes destes conquistadores. E consequentemente, essas ações se desenvolveram, como a relação do trabalho.

Um fator importante nesse processo é a tentativa de apagamento das manifestações culturais dos “conquistados”. Nesse sentido, a Igreja teve um papel crucial com a realização de missões para catequizar e demonizar práticas religiosas que diferiam do cristianismo, apontando uma linearidade sobre as condutas dos indivíduos encontrados na América do Sul. As línguas utilizadas por diferentes comunidades indígenas sofreram uma tentativa de silenciamento, com o estabelecimento da língua dos países colonizadores como sendo língua nativa, ignorando a diversidade de línguas faladas no continente.

A abordagem descolonial, nesse sentido, é uma leitura com a tentativa de desatar os nós do pensamento colonial, e as relações de inferioridade impostas pela Europa ocidental, que desconsiderou a pluralidade da América Latina. Mignolo (2017) considera que

O pensamento descolonial e as opções descoloniais (isto é, pensar descolonialmente) são nada menos que um inexorável esforço analítico para entender, com intuito de superar, a lógica da colonialidade por trás da retórica da modernidade, a estrutura de administração e controle surgida a partir da transformação da economia do Atlântico e o salto de conhecimento ocorrido tanto na história interna da Europa como entre a Europa e as suas colônias. (MIGNOLO, 2017, p. 94).

O pensar e o agir nesta perspectiva têm sido um desafio para os pensadores latinos, pois grande parte da literatura tem sido baseada por autores europeus e ou ocidentais, fazendo com que adequemos os conceitos empregados por eles à nossa realidade. Porém, dentre nossas realidades há grupos étnicos que não compartilham da dinâmica social e econômica ocidental, mas são compostos por outras lógicas econômicas e culturais, entre outras.

No sistema capitalista ocidental moderno, não há espaço para a diferença, por representar atraso e afetar diretamente os interesses desse modelo de sociedade. Nesse sentido, a colonialidade, vem como o lado obscuro da modernidade, pois seu desenvolvimento é construído a partir da dominação de outros povos e da desconsideração e do apagamento de outros saberes (MIGNOLO, 2017).

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Liziane Neves dos Santos

As práticas de silenciamento e demonização das diferenças no Brasil foram exercidas também com o auxílio da Igreja Católica, inicialmente com as comunidades indígenas e posteriormente com a população e as práticas de matriz africana. Ainda podemos observar como esses processos que desencadearam diversas situações de conflito e de perdas de direitos desses povos, pois há uma grande carga do pensamento colonial em nosso cotidiano, atribuindo o estereótipo de atraso às práticas que se diferem da descendência europeia, negando a existência de ancestralidade de outros grupos sociais. Dessa forma, há o reforço da categorização de raças advinda com a modernidade, estabelecendo uma hierarquia e criando uma ordem de relevância, tanto no campo cultural, quanto no econômico e social, colocando os povos indígenas e a população negra ainda sob um olhar inferiorizado e atribuindo aspectos negativos sobre suas formas de ser e pensar. Em consequência, temos diversos casos de racismo no país.

De encontro com a perspectiva descolonial, um caminho utilizado para que de fato haja uma quebra dessa hierarquia e para que as narrativas desses povos possam ser ouvidas e vistas como também protagonistas da história de ocupação territorial e desenvolvimento do país, as categorias nativas são ferramentas para compreender a perspectiva de mundo e o modo como esses povos analisam o espaço e entendem suas práticas culturais e sociais. A apropriação do estudo das categorias nativas do campo antropológico auxilia a traduzir o olhar geográfico dos indígenas com as dinâmicas de seu cotidiano, como no caso dos Guarani e Kaiowá.

Segundo Viveiros de Castro (2002) a utilização de conceito (ou categoria) nativo se constrói através da narrativa dos indivíduos relacionada a uma verdade relativa, ou seja, são compostas por meio da cosmologia e das práticas etnológicas do indivíduo:

o pensamento nativo é aqui tomado como atividade de simbolização ou prática de sentido: como dispositivo auto-referencial ou tautegórico de produção de conceitos , isto é, de “símbolos que representam a si mesmos”. (WAGNER, 1986 apud VIVEIROS DE CASTRO, 2002, p.19).

Por meio das categorias nativas podemos compreender as tessituras construídas pelos indivíduos, assim como a sua autorrepresentação e os sistemas de organização como sociedade.

Noções
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espaciais guarani-kaiowá: possibilidades de diálogo entre território e tekoha

Entre tekoha e território

A violência sistêmica de retirada das terras tradicionais rompe com as espacialidades e na sua construção no modo de ser e viver guarani. A terra tradicional é terra sagrada, é nela que os Guarani e Kaiowá tem seu nande reko, lugar em que os antepassados são enterrados, ao qual o corpo do Guarani pertence, o que difere de uma relação de domínio, pois é visto como parte orgânica do ser. Pois não é somente a terra pela terra, mas sim todos os elementos que a compõem, como os rios, a fauna, a flora, elementos que dão condições para que os indígenas possam sobreviver, como afirmou Carlos Walter PortoGonçalves 4 . O antropólogo e kaiowá, Tonico Benites, sugere ainda que

Em relação ao significado vital do território para o povo guarani-kaiowá, é preciso observar em detalhe o relacionamento desses indígenas com seres invisíveis/ guardiões (protetores/deuses) da terra, manifestado através de cantos e rituais diversos dos líderes espirituais. A forma de diálogo e respeito com estes seres humanos invisíveis marca uma diferença muito importante em relação à percepção e ao uso dos recursos naturais da terra (2012, p. 2).

E Eliel Benites ressalta:

No mundo carregado de seres encantados constitui-se o jeito próprio de ser, o teko (jeito particular de viver e estar no mundo). O conteúdo de cada ser se desprende de diferentes patamares – como um pássaro – e se materializa em substância orgânica para o seu aparecimento na terra (ojeasojavo). O teko, assim, é o antecessor do corpo físico no mundo cosmológico: existimos nessas dimensões em duas maneiras, guyra (pássaro) e ayvu (o som da nossa alma), que muitos os traduzem como linguagem. (2020, p. 24).

Segundo Eliel Benites, é através do convívio na aldeia que os saberes e experiências são compartilhados, o teko. Uma das cerimônias sagradas, o Kunumi pepy, em que havia a perfuração dos lábios dos meninos, não é realizada desde 1992, pois não há mais as matérias-primas utilizadas na cerimônia, graças ao devastamento e abertura de áreas para o setor agrícola e pecuário na região, além da derrubada da mata nativa. Além disso, nesse processo, temos a diminuição de casas de reza, lugar em que não só as práticas religiosas são compartilhadas, mas onde toda a cosmovisão guarani é passada aos mais novos. Com o processo de expropriação de terras indígenas a configuração apresentada terá alterações,

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Liziane Neves dos Santos
4 Em sua palestra durante o IX Simpósio Internacional de Geografia Agrária e X Simpósio Nacional de Geografia Agrária, Pernambuco- PE, 2019.

Noções espaciais guarani-kaiowá: possibilidades de diálogo entre território e tekoha

pois, em áreas de retomada ou em acampamento de corredor, pode não haver estrutura para levantar a casa de reza.

O lugar em que os Guaranis podem manifestar seus costumes, tendo como área bem definida e delimitada por limites geográficos naturais, como rios, colinas, e outros, é chamado de tekoha (THOMAZ DE ALMEIDA, 2001).

O tamanho pode variar, assim como a quantidade de famílias, porém há a necessidade de um vínculo de parentesco para a permanência na comunidade, pois estranhos não são aceitos no tekoha. Para os guarani e kaiowá o tekoha é uma instituição divina criada por Ñande Ru 5 , uma propriedade coletiva em que há grandes festas religiosas, decisões de cunho político e reuniões gerais.

O tekoha físico é o lugar do encontro dos caminhos dos espíritos. Estes caminhos levam a diversas aldeias sobrenaturais e encantadas, como Pa’ikuara (moradas do sol na região leste), Yryvukua (fica na região sul, constelação de Andrômeda), Jasy (lua), Chiru (ao norte, aldeia onde fica o Chiru, a força gravitacional universal), Araguaju (aldeia da região do pôr do sol, lugares dos mortos e das maldades), Eichuparĩ (constelação de plêiades) (BENITES, 2020, p. 24).

Segundo Thomaz de Almeida (2001) as noções de tetã e tekoha podem ser consideradas de formas semelhantes para os Guarani e Kaiowá. Nesse sentido, ele atenta que, para compreender essas noções, há a necessidade de entender um conceito básico, como o teko:

Montoya (1876, p. 362) traduz o termo teko como “ser, estado de vida, condição, estar, costume, lei, hábito”. Assim, o ñande (nosso) reko (teko), pode ser traduzido de forma livre, como “modo de ser, modo de estar, sistema, lei, cultura, norma, comportamento, hábito, condição, costume”. A partícula HÁ que compõe o termo tekoha, é um “verbal que se encontra em nomes e verbos; significa instrumento com que se faz a coisa, modo, causa, intento, fim, tempo, lugar... (THOMAZ DE ALMEIDA, 2000a, p. 38, grifos no original).

Nesse contexto, o tekoha é atrelado ao lugar físico, apresentado com um conceito de espaço, “o termo engloba a noção de comunidade vivendo em um determinado espaço físico” (THOMAZ DE ALMEIDA, 2000a, p. 38), e também aos sistemas que estão inseridos nele, fazendo com que haja uma liberdade no uso desse termo em relação ao território dos Guarani e Kaiowá.

Barbosa e Mura (2011) vêem o tekoha como um espaço construído a partir das relações de parentesco, pela família extensa, como sugerido abaixo:

5 Referência religiosa.

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O tekoha, na verdade, se constrói a partir da “soma de espaços sob jurisdição dos integrantes de determinadas famílias extensas, onde serão estabelecidas relações políticas comunitárias e a partir dos quais esses sujeitos poderão determinar laços de parentesco inter-comunitários numa região mais ampliada” (BARBOSA; MURA, 2011, p. 310).

Nesse sentido, os autores apontam que uma região ampliada ao que configura o tekoha é conhecida como tekoha guasu. É nessa região ampliada que é realizada a mobilidade espacial em que são consolidadas as relações de parentesco. Em sentido semelhante, Benites (2012) apresenta o Tekoha guasu como a soma dos espaços territoriais de domínio de cada família extensa. E, em sua compreensão,

Tekoha é a maneira como as comunidades Kaiowa se referem, em guarani, ao espaço ocupado por uma determinada comunidade. Etimologicamente a palavra é composta pela fusão de teko+ha. Teko é o sistema de valores éticos e morais que orientam a conduta social, ou seja, tudo o que se refere à natureza, condição, temperamento e caráter do ser e proceder kaiowá. Há, por sua vez, o sufixo nominador que indica a ação que se realiza. Assim, tekoha pode ser entendido como o lugar (território) onde uma comunidade Kaiowá (grupo social composto por diversas parentelas) vive de acordo com sua organização social e seu sistema cultural, isto é, segundo seus usos, costumes e tradições. Esta explicação está registrada na tese de doutorado em antropologia defendida por Levi Marques Pereira (2004), na Universidade de São Paulo (USP) (BENITES, 2012, p. 23).

Ao longo do processo de ocupação territorial em parte da região centrooeste do país, em especial no cone sul do Mato Grosso, até meados de 1970 e, posteriormente, estado de Mato Grosso do Sul, houve um processo de remoção das populações indígenas habitantes da área. Esse processo, segundo Barbosa e Mura (2011), consistiu em três situações, sendo iniciado com a Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870) com a criação de aldeamentos, posteriormente com a instalação da Companhia Matte Laranjeira (1882-1944) que, além da remoção das famílias para coleta dos ervais nativos, utilizou a mão de obra indígena para colheita do mate, e, por fim, com a criação de reservas indígenas e a instalação de colonos agrícolas na região.

Durante esse processo, houve algumas transformações em relação à espacialização dos kaiowá. Ainda segundo Barbosa e Mura (2011), essas transformações involuntárias, ocasionadas pelas remoções, fizeram com que houvesse ressignificações das práticas culturais dos kaiowá, porém não configuraram em momento algum a perda de cultura ou algo semelhante:

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Noções espaciais guarani-kaiowá: possibilidades de diálogo entre território e tekoha

El tekoha es “el lugar en que vivimos según nuestra costumbre”

[...] Su Tamaño Puede variar en superficie [...], pero estructura y función se mantienen igual: tienen liderazgo religioso proprio (tekoaruvixa) y político (mburuvixa, yvyra’ija) y fuerte cohesión social. Al tekoha corresponden las grandes fiestas religiosas (avatikyry y mita˜ pepy) y lãs decisiones a nivel político y formal en las reuniones generales(atyguasu).

El tekoha tiene un área bien delimitada generalmente por cerros, arroyos o ríos y es propiedad comunal exclusiva (tekoha kuaha); es decir que no se permite la incorporación o la presencia de extraños. El tekohá es una institución divina (tekohañe’e˜ pyrujeguangypy) creada por Ñande Ru. (BARBOSA; MURA, 2011, p. 288)

Desse modo, essa releitura do tekoha como um espaço sagrado, que compõe as práticas religiosas e culturais, mas também como uma área delimitada por limites físicos e materiais, atravessa os sentidos dados pela geografia a um de seus conceitos clássicos, o território.

O conceito de território é debatido na geografia, na sua relação espaçotemporal, em relações sociais e de poder. No final de 1960 e durante 1970, as abordagens dos autores brasileiros que trabalhavam com esse conceito passaram a evidenciar as condições históricas, as contradições sociais e as lutas de classe, em especial com indissociáveis produções e reprodução de capital e/ou valor (SAQUET, 2009).

Nesse sentido, ao abordarmos o conceito de território, há a necessidade de apontar sua relação direta com o espaço, pois é no espaço que o território é construído. No entanto, o espaço não é sinônimo de território; para Raffestin (1993), por exemplo, o espaço é o que antecede o território, sendo o território resultado da ação sobre o espaço. O território é produto de atores sociais que partem da realidade inicial, o espaço. Sendo o território um processo quando se “manifestam todas as espécies de relações de poder, que se traduzem em malhas, redes e centralidades cuja permanência é variável, mas que constituem invariáveis nas categorias obrigatórias” (RAFFESTIN, 1993, p. 7). O território se forma por meio da ação sobre o espaço conduzida por um ator sintagmático, ou seja, por meio da ação exercida por um determinado ator; seja por apropriação concreta ou abstrata, o espaço passa a ser território, no qual se projeta um trabalho, e é marcado por relações de poder, pois o envolvimento para produção desse espaço é um campo de poder.

O território é produzido, usado e vivenciado por personagens que utilizam esse meio, ainda que não participem da sua elaboração. O território é a prisão que os homens constroem para si, pois há a construção de limites. A produção

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do espaço delineado, desenhado, é a representação do território, pois há uma intencionalidade e uma construção de limites. Sendo assim, com base em Raffestin, entendemos o território como um espaço projetado a partir e por relações de poder, em que há uma intencionalidade para sua construção de um ou mais agentes, tendo sua área delimitada para uso. O autor ainda apresenta o sistema territorial, em que esses agentes não se constroem de forma individual, pois há uma estrutura para que dadas ações sejam realizadas. Em virtude de a organização territorial dos kaiowá ser diretamente ligada a relações de parentesco, há uma proximidade com a abordagem do conceito de território apresentada por Raffestin, principalmente quando apontado o sistema territorial, pois a estrutura do território pode ser constituída pela comunidade.

Marcelo Lopes de Souza (1995), por sua vez, vê o espaço como uma área produzida pelo homem, com movimento. A partir da ação política e simbólica por meio da apropriação, o espaço torna-se território, não é apenas o espaço concreto, substrato material em que a ocupação é vista como geradora de raízes e identidades de um grupo. O autor aponta ainda que o território pode ser cíclico, não possui uma rigidez; apesar dos limites, as fronteiras do território podem ser flexíveis. O autor afirma, ainda, que “todo espaço definido e delimitado a partir e por relações de poder é território” (1995, p. 78), porém nem todo poder é considerado por ele como base ou referencial territorial.

Em sentido semelhante, Robert Sack (1986) afirma que o território é movimento, fruto de relações sociais e de poder. De acordo com o autor, que apresenta suas considerações a partir do conceito de territorialidade, o território é um recorte de área delimitado de acordo com as necessidades de uma dada sociedade; sendo assim, alguns territórios podem manter-se fixos e outros podem movimentar-se. Um exemplo disso é que, devido à sua vasta extensão territorial, o Brasil possui em seu histórico algumas separações entre estados e municípios que foram realizadas por demandas administrativas, políticas e financeiras, apontadas como necessidades da população. Como foi o caso de Mato Grosso que, na segunda metade da década de 1970, teve a região sul do estado emancipada e transformada no que conhecemos atualmente como Mato Grosso do Sul. Ainda sobre o estado, podemos observar também que o histórico de sua dinâmica territorial aponta para a delimitação de territórios de acordo com interesses de desenvolvimento econômico. Segundo o autor, o “Território pode ser usado não apenas para conter e restringir, mas também para excluir” (SACK, 1986, p. 71), pois ao mesmo tempo em que ele delimita para dar abertura à demanda econômica dos produtores, ele também exclui

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Noções espaciais guarani-kaiowá: possibilidades de diálogo entre território e tekoha

outras populações que vivem sob outro regime econômico, como os indígenas Guarani e Kaiowá.

Saquet (2009) vê o conceito de território indissociável de espaço e tempo, considerando que, na geografia, a relação espaço-tempo é sincrônica e assincrônica. O autor afirma que território é o resultado das territorialidades, ou seja, o território é construído por consequência das ações humanas, da sociedade, sendo um conjunto de relações apontado por Raffestin (1993) como tríade sociedade-espaço-tempo e a relação espaço-tempo é a base da organização territorial (2009, p. 79). Saquet aponta, ainda, que os

territórios são concomitantes e sobrepostos que se caracterizam pelo controle e pelo domínio, pela apropriação e pela referência, pela circulação e pela comunicação, ou seja, por estratégias sociais que envolvem as relações de poder, materiais e imateriais, historicamente constituídas (SAQUET, 2009, p. 85).

A centralidade na formação do território é atrelada ao homem; é a partir das relações sociais e de interesses que o território é constituído, com as influências políticas, religiosas, econômicas, simbólicas e afetivas que correspondem a uma determinada sociedade. E, sendo assim, em cada território há tempos diferentes, tempos que são coexistentes, podendo ter a mesma unidade de relação espaço-tempo e da relação ideia-matéria. O território, segundo o autor, é multidimensional, pois é construído em diferentes atividades cotidianas, que se revelam na construção de malhas, nós e redes (RAFFESTIN, 1993). Desse modo, as articulações sociais para construção do território são compostas de conflitos, coerências e coesões.

Rogerio Haesbaert (2007) considera que, ao tratarmos do conceito de território, inicialmente devemos apontar a abordagem que utilizamos como ponto de partida. Inicialmente, o autor apresenta três noções de território: a política, a cultural e a econômica. A noção política de território se dá por meio da delimitação e do controle do espaço, exercido por determinado poder, que está em grande parte relacionado ao Estado, mas não é exclusivo dele. A noção cultural de território é um produto simbólico e subjetivo dos indivíduos para com o espaço vivido. Já, a noção econômica de território é uma dimensão espacial das relações econômicas, tendo o “território como fonte de recursos e/ou incorporado entre classes sociais e na relação capital-trabalho” (LEAL; FONSECA, 2009, p. 5). Porém, apesar de apresentar a relevância dessas noções, o autor afirma a necessidade de abordar o conceito em outras dimensões, como o binômio materialidade-idealismo e o binômio espaço-tempo.

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Desse modo, observamos que, apesar de ser um conceito construído sob um olhar ocidental, o território é um conceito que permite diálogos interessantes com a tradução do tekoha para os Kaiowá. E, a partir da perspectiva descolonial, observamos que a construção de Arturo Escobar (2015) do conceito é a que mais se aproxima dentre os autores abordados, pois, segundo ele, o território é produto da relação espaço-temporal que o homem produz para sua sobrevivência, sendo esta relação atravessada por condições políticas, econômicas ou culturais. Escobar (2015) afirma ainda que há uma inter-relação que gera sinergia e complementaridade do espaço-tempo com o mundo natural, ou seja, os territórios são espaços tempos vitais para comunidade:

O território é definido como um espaço coletivo composto por todo o lugar necessário e indispensável onde homens e mulheres, jovens e adultos, criam e recriam suas vidas. É um espaço de vida onde se garante a sobrevivência étnica, histórica, cultural. (ESCOBAR, 2015, p. 10).

O território não somente é base material para produção/ação no espaço de suas práticas, mas também na relação imaterial e de diferentes ontologias. O autor exemplifica essas relações com um caso ocorrido na Colômbia, com comunidades do rio Yurumangui que são territórios coletivos de afrodescendentes. As comunidades estão envolvidas em um conflito territorial com grandes empresas que têm o objetivo de apropriar-se de seus territórios para expandir o cultivo de palmeira, banana, pecuária extensiva e outros produtos para mercados de exportação. Nesse caso, o autor afirma que o conflito não é somente de território, mas sim de ontologias, ou seja, são modos de ver os elementos de formas diferentes. Enquanto as grandes empresas e produtores enxergam a terra como uma área de expansão de lucro e produção e impõem o modelo complexo militar-empresarial, as Comunidades Negras concebem o território para além do espaço da reprodução humana e suas práticas, mas nas relações humanas e não humanas, considerando a natureza como parte do território não somente como o espaço, mas como algo a mais.

Segundo Escobar (2015), esse algo a mais só pode ser percebido quando é possível considerar outras ontologias; o descrédito em relação a essas “crenças”, considerando apenas a realidade sobre o que é apontado pela ciência, ignora outras visões do que o mundo é ou pode vir a ser. Considerar que há apenas um mundo “exclui a possibilidade de ontologias múltiplas, já que se assume que as diferenças são entre diversas ‘perspectivas’ de uma única realidade ‘objetiva’”

(ESCOBAR, 2015, p. 12).

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Considerações finais

As relações de conflito no Mato Grosso do Sul contra indígenas são sustentadas com novas formas de expansão e o reforço do discurso do desenvolvimento do setor sucroenergético, agrícola e pecuário no estado. A mortalidade dos indígenas vinculada às violências sofridas dentro das reservas, acampamentos, na cidade, nas rodovias, entre tantas violências, coloca-nos diante da necessidade da garantia dos direitos territoriais dos Guarani para com seu tekoha .

As territorialidades construídas ao longo desse processo seguem definidas por diferentes racionalidades e temporalidades constituídas por ontologias que não dialogam entre si. Nesse contexto, os caminhos delineados até a formação dos conflitos são pleiteados pelo Estado, por meio de políticas que inserem e vitimam os indivíduos. A solução para frear o genocídio, tanto no sentido físico quanto jurídico, ainda não está definida, uma vez que as respostas dadas pelos órgãos institucionais responsáveis não compreendem que os GuaraniKaiowá partem de outra cosmologia. O tekoha configura o espaço produzido a partir de ontologias que foram silenciadas e apagadas por lógicas coloniais. A colonialidade se expressa nas ações de expropriação territorial, nas ações truculentas do agronegócio e na morosidade do processo de demarcação de terras indígenas no país.

Levando em consideração esses fatores, consideramos que o diálogo entre o conceito de território e o tekoha, como categoria nativa, parte de uma estratégia de expansão da compreensão da noção de espacialidade desses grupos indígenas. O território é definido a partir do espaço vivido, produzido por atores sociais que o delimitam e se expressam socialmente e, a partir disso, são construídas suas territorialidades. O tekoha é o espaço produzido a partir de aspectos materiais que condicionam a sobrevivência desse grupo, além dos aspectos imateriais que expressam sua religiosidade e práticas culturais. Com isso, o espaço se atualiza de acordo com sua ontologia particular, por meio de suas relações e dos sentidos produzidos pelos sujeitos/atores (ESCOBAR, 2015).

Noções
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Panorama da (re)produção do espaço do trabalhador em conjunto com a necessidade de morar: a problemática da moradia na constituição da cidade de Nova Iguaçu-RJ e das políticas habitacionais1

Introdução

Para iniciarmos a compreensão da problemática habitacional em um espaço visto como “periférico” em todo seu processo histórico, devemos ter em mente, a priori, que o referido processo não foi algo linear, mas simultâneo, composto por diversos elementos e agentes. Também se faz necessário colocar em locus a questão habitacional no espaço em estudo, que é constituída por uma dupla problemática, pois, preteritamente, já possuíam os desafios que são enfrentados pelas grandes metrópoles, além destes espaços sofrerem com o agravo do planejamento.

1 Texto que é fruto, e parte, de uma pesquisa maior intitulada “O aprofundamento de desigualdades no espaço do trabalhador a partir do programa Minha Casa Minha Vida no município de Nova Iguaçu-RJ” (2019).

Flávia da Silva Souza

A respeito da realidade brasileira, Furlanetto, Cruz e Almeida (1987, p. 29), na década de 1980, afirmaram que havia um consenso sobre o conceito de “periferia”: todos os autores pesquisados a definem, objetiva ou subjetivamente, como sendo um espaço social e economicamente desvalorizado, carente de infraestrutura e de uma coordenação da gestão dos bens públicos na escala metropolitana, ocupado por contingentes populacionais de baixa renda.

É mediante diferentes perspectivas de periferia, no sentido mais provocador que poderia ser considerado periférico – no sentido histórico em contraposição com o atual –, que, em determinados momentos, a relação centro-periferia utilizada na dimensão espacial (organização de centralidades no/do espaço) trabalha tal compreensão.

Com base em Volochko (2015, p. 106-107), podemos compreender que essa perspectiva nos auxilia a pensar na produção dos novos espaços das periferias urbanas, partindo de uma análise qualitativa que não nega as quantificações, apenas buscando estabelecer uma dialética entre qualidade e quantidade que seja capaz de superar a redução da compressão do espaço a seus termos formais, tipológicos e locacionais (espaço sistêmico), redução esta da própria lógica do Estado que entende o espaço como meio a ser organizado e ordenado, e do capital, que o vê como acumulação.

É importante ressaltar que, no processo de ocupação do Município de Nova Iguaçu (como também em outros municípios que compõem essa região), o desenvolvimento histórico, econômico e social estará muito atrelado à concepção ou a noção de Baixada Fluminense que, em vários momentos, é vista como representação social ou política desse espaço. Mas, aqui, se trata da compreensão inicial da “Grande Iguassú”, a partir de Silva (2013; 2017a; 2017b).

A paisagem também nos evidencia o plano do imediatamente visível, apontando, ao mesmo tempo, para o espaço edificado em sua morfologia espacial, assim como para o movimento da vida: as relações sociais, também atravessadas pela realidade das classes sociais - morfologia social (VOLOCHKO, 2015, p. 109). E, assim, se dá a mobilização atual do espaço periférico das cidades e metrópoles, sendo levadas pelo mercado imobiliário formal articulado à política habitacional do Programa “Minha Casa Minha Vida” (PMCMV), que foi gestada e promovida pelo Governo Federal; e a financeirização das economias, o que trouxe uma explosão de empreendimentos (principalmente residenciais) em espaços pouco valorizados em bairros caracterizados por terrenos incorporáveis às novas construções sociais (VOLOCHKO, 2015, p. 109).

Panorama da (re)produção do
de
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espaço do trabalhador em conjunto com a necessidade
morar...

Compreendemos a Baixada Fluminense, aqui, como sendo representada pela dinâmica dos municípios da grande Iguaçu 2 e como um espaço heterogêneo e central para aqueles que nele residem e realizam sua vida, onde a negação do planejamento criou diversos desafios (como o do morar), que ainda não foram superados no momento atual.

O acelerado processo de urbanização experimentado pelo município de Nova Iguaçu, segundo Rodrigues (2006, p. 80), não foi acompanhado por uma efetiva ação governamental no que se refere à aplicação de investimentos em serviços urbanos, de modo que esse processo fez com que ocorresse a redução de espaços de lazer e recreação na localidade.

É a partir desta compreensão (que é um elemento central para pensar as contradições contidas na questão habitacional) que podemos conceber a (re)produção realizada em Nova Iguaçu ao longo do espaço-tempo. Perceber que as lógicas habitacionais foram dadas pela necessidade de morar da classe trabalhadora da Cidade do Rio de Janeiro e a questão habitacional como fator de desenvolvimento urbano e econômico (ao invés do desenvolvimento social) são importantes fundamentos da discussão aqui apresentada.

Breve contexto de constituição da problemática habitacional de Nova Iguaçu-RJ a partir do processo de ocupação

O processo de ocupação da Grande Iguassú está ligado a diversas razões. Para melhor compreender os fatos que fazem parte da constituição ocupacional que originou a mesma, é necessário compreender antes a morfologia componente na paisagem que serviu como fator locacional para o desenvolvimento urbano e dos elementos pertencentes às dinâmicas de concentração (produtivas, sociais e econômicas).

Para Silva (2017a, p. 2), o município de Iguassú, criado em 1833, ocupava todo o território atualmente denominado Baixada Fluminense, originariamente fazendo parte da Cidade do Rio de Janeiro. Segundo a autora, “naquele momento existia uma pequena rede de povoados na região que se estabeleceu em função da localização, ficando nas encruzilhadas dos caminhos/estradas ou nas margens dos rios com os portos”, que, em muitos casos, era rota de pouso dos tropeiros, que foram abrindo caminho para a realização de atividades.

2 (Ver mais em SOUZA, 2019).

Flávia da Silva Souza 32

De acordo com Silva (2017b, p. 9), os povoados eram inicialmente provas incontestes de que havia ocupação e geração de riquezas das localidades, onde os rios eram considerados estradas fluviais que serviam para interligar os povoados e escoar a produção dos engenhos de farinha, de açúcar e de azeite, que, em grande parte, se localizavam às margens da baía de Guanabara em direção para a Cidade do Rio de Janeiro. Assim, ainda no século XIX, a região fazia parte interiorana da Cidade do Rio de Janeiro, “mas com a criação do município e a produção de café no Vale do Paraíba rapidamente fez prosperar a única vila da região: Iguassú” (SILVA, 2017b, p. 9).

A ideia que foi difundida por muitos autores de que a população declinou a um número “assustadoramente baixo”, deixando a região vazia, é utilizada para descrever em cores fortes esse “vazio” demográfico que foi construído para a região3 (SILVA, 2017a, p. 419). A ferrovia também alterou essa dinâmica, e novos povoados surgiram em função da relação do trem com a citricultura (inicialmente) e os loteamentos.4. Estes últimos acabariam por se transformar nos novos municípios da região na segunda metade do século XX, e, com a chegada da ferrovia Central do Brasil (1858) à cidade do Rio de Janeiro, instaurou-se uma dinâmica própria pelos locais por onde passavam os trilhos, não sendo diferente na Baixada Fluminense (SILVA, 2017b, p. 11). É a partir da chegada da ferrovia que a compreensão das principais relações sociais existentes nesse espaço foi tecida, e é mediante elas que será possível desvendar quais foram os fundamentos que compõem a região da Baixada Fluminense.

Ainda sobre a rede de transportes, é possível afirmar, de acordo com Pereira (1977, p. 120), que, a partir da resolução de nº 146, de 7 de julho 1924, o Estado anunciou ter beneficiado Nova Iguaçu com a construção e reconstrução de estradas de rodagens ligando os centros agrícolas à sede do município, com serviços gerais de saneamento, com a reforma da rede distribuidora de água à cidade, com o calçamento e prolongamento de ruas, com a iluminação de praças, com a construção de redes de esgoto em diversos pontos, com a construção de hospital, com a instalação de estrutura elétrica, entre outros benefícios.

3 Em 1840, quando o município era considerado próspero, sua população correspondia a 15.049 habitantes, e a capital da província, tinha 25.415 habitantes. Os demais municípios do Rio de Janeiro possuíam populações similares à de Iguaçu, mesmo no Vale do Paraíba, centro dinâmico da economia cafeeira, cujos municípios de Piraí, Vassouras e Valença tinham, respectivamente, 12.101, 17.232 e 20.589 habitantes. Com densidade demográfica de 9,85, hab./km2 em 1840, no período considerado como vazio (1890-1910), o município passou a registrar 14,55 hab./km2, em 1890, e 21,01 hab./km2, em 1910 (SILVA, 2017a, p. 420).

4 Eis o fenômeno da expansão da citricultura que viria dar o surgimento aos muitos bairros [...]. A cidade estava pontilhada de chácaras e sítios. A terra adquiriu surpreendente valorização. Alguns proprietários não resistiam à tentação das ofertas e vendiam ou arrendavam suas terras para a cultura de laranja (PEREIRA, 1977, p. 124).

Panorama da (re)produção do espaço do trabalhador em
com a necessidade de morar... 33
conjunto

A avenida Abílio Augusto Távora (RJ-105), conhecida popularmente como “Estrada de Madureira”5 , é, segundo Simões (2011, p. 28), a estrada que compunha a área que estava sob influência de Maxambomba, sendo formada pelas antigas áreas laranjeiras que se ligavam à estação e uma importante rede de estradas de distribuição e tratamento da produção de laranjas vindas de Campo Grande, Santa Cruz e Bangu.

No fim da década de 1980, Furlanetto, Cruz e Almeida (1987, p. 41-42) observaram que, ao longo da Estrada de Madureira6 , já ocorriam renovações em determinadas áreas, demonstrando que a estrada revelava de forma cristalina as fases do crescimento do município, pois ainda apresentava, em determinados trechos, a permanência marcante do que poderia ser considerado como rural. Como veremos mais adiante, a Estrada de Madureira ganhará novos e outros papéis, pois a produção estatal da casa, a partir da década de 1990, fará parte das centralidades principais das Unidades Regionais de Governo (URGs)7 de Cabuçu e Km 32, na porção sudoeste do município” (Figura 1, na página seguinte) (SILVA, 2016, p. 28).

Segundo Rodrigues (2006, p. 61), o desmantelamento dos laranjais, combinado com a crescente necessidade de lotes para a construção de moradias no período de 1939-1970, fez com que os produtores transformassem suas terras em pequenos loteamentos residenciais8 , o que era visto como a salvação dos investimentos que foram feitos anteriormente no período das laranjas.

Silva (2017b, p. 8), pautada em Rodrigues (2006) e Soares (1962), também salienta que o fim da citricultura foi um fator preponderante para a ocupação urbana da região e, no bojo desse processo, acabou consolidando a “periferização” da Grande Iguassú no decorrer do século XX. Contudo, Silva (2017b) observa que houve a construção do mito em torno da citricultura, como se esta fosse o único instrumento explicativo para o entendimento da ocupação urbana da região, ou pelo menos para Nova Iguaçu.

5 Liga o centro de Nova Iguaçu ao bairro de Km 32, próximo à divisa com o bairro Campo Grande, em conjunto com as Avenidas Plínio Casado e Joaquim da Costa Lima, é trecho integrante da rodovia estadual RJ-105 (SILVA, 2016, p. 49).

6 Denominação utilizada ao longo da pesquisa para nos referirmos à Avenida Abílio Augusto Távora (RJ-105).

7 Divisão territorial administrativa realizada por regiões, com a finalidade do controle administrativo junto ao território.

8 Com a crescente inflação que valorizava as terras da cidade e os problemas de moradia cada vez mais presentes para a população carioca, estes foram os elementos impulsionadores da especulação em torno das terras do Município de Nova Iguaçu e da Baixada Fluminense como um todo (RODRIGUES, 2006, p. 61-62).

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As extensões planas da baixada serviram como atrativo para a metrópole, que se encontrava em estágio de crescimento. Segundo Soares (1962, p. 161), a investida da vida urbana pelo recôncavo foi se fazendo sem planejamento, sem continuidade, deixando para trás espaços “vazios” que só aos poucos foram sendo preenchidos. No entanto, a autora diz que, apesar da “anarquia” que caracteriza a progressão da cidade (e das cidades brasileiras em especial), este processo está subordinado às vias de circulação que, como elemento organizador por excelência, no passado, contribuiu para o surgimento de vários aglomerados.

Devido ao grande crescimento da então capital 9 (em decorrência do desenvolvimento de novas funções e da ampliação das antigas), novas necessidades foram surgindo por maiores lugares para expansão de atividades. Após 1945, tem início uma nova fase: à medida que cresce o Grande Rio, os preços dos imóveis vão deslocando as classes populares para favelas ou para

9 A capital do país, até 1960, foi a cidade do Rio de Janeiro, que, entre 1960 e 1975, compôs o antigo Estado do Rio de Janeiro, até 1975, onde sempre esteve localizado o Município de Nova Iguaçu, era Niterói.

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Figura 1. Mapa URG’s de Cabuçu e Km 32 em Nova Iguaçu-RJ. Fonte: Prefeitura de Nova Iguaçu (2008).

regiões consideradas periféricas e mais afastadas, como Nova Iguaçu (SILVA, 1993, p. 25).

Diante disso, a Baixada Fluminense – com base no entendimento físico de “baixada” realizado por Soares (1962) –, foi sendo implementada pois, em termos de localização, se encontrava em proximidade ao centro, fato considerado valioso para a expansão da metrópole. Mas, em contrapartida, nas décadas posteriores,

A expansão dos serviços urbanos tem ficado muito aquém do inchamento da cidade. Em 1980, apenas 37,7% da população do município dispõe de água encanada e apenas 30,3% de esgotos; a água de esgotos, despejada em canais abertos e em rios, compromete seriamente a ecologia local e a da Baía da Guanabara, contribuindo para as péssimas condições sanitárias da Baixada Fluminense. (SILVA, 1993, p. 26).

Isso fez com que a Baixada fosse alvo de várias iniciativas governamentais que visavam a beneficiar a própria capital do país, como o seu saneamento, a instalação de colônias agrícolas, a retificação e pavimentação de estradas antigas e a construção de novas, a eletrificação ou melhoria das condições técnicas da rede ferroviária; ela representou e representa boa parte dos capitais particulares da metrópole em empreendimentos diversos, tais como loteamentos, instalação de indústrias, empresas de transportes coletivos e outros (SOARES, 1962, p. 161).

É válido ressaltar, mesmo que de maneira breve, que, em virtude dos inúmeros problemas urbanos que existiam no município de Nova Iguaçu em seus processos de consolidação e de desenvolvimento, surgiu o Movimento Amigos de Bairro (MAB)10 . De acordo com Carlos Roberto Andrade Trigo (1993 apud SILVA, 1993, p. 34), o MAB surge com a necessidade de organização popular para suprir a falta dos partidos políticos, que estavam amordaçados, e com a necessidade de o povo organizar-se para retomar a democracia no país, também existiam reivindicações para a melhoria de vida da população local.

O movimento foi responsável por uma série de reivindicações (que aconteceram a partir de ações sociais) acerca de melhorias em prol dos bairros e dos moradores do município de Nova Iguaçu. Foi uma importante ferramenta de luta social nas décadas de 1970 e 1980, e tem grande importância histórica para a população iguaçuana.

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10 Ver mais em BERNARDES, 1983 .

Contexto atual do processo de ocupação

No século XX, o avanço do meio técnico-científico informacional (SANTOS, 2014) contribuiu com o aumento dos meios de transporte, possibilitando a expansão das cidades em outras direções para além das áreas consideradas centrais. Ao longo dos tentáculos gigantescos de ferrovias e rodovias, a metrópole cresceu inicialmente, para, depois, preencher os espaços intermediários com uma poeira cada vez mais densa de construções (SOARES, 1962, p. 162) nos espaços “vazios”.

Com a expansão da metrópole carioca em direção ao recôncavo da Guanabara ao longo das vias de circulação, Soares (1962) apregoa que ela se realizou não somente como uma onda que progressivamente se derramou sobre a baixada. Para a autora, a referida expansão se processou também de maneira descontínua e “desordenada”11: “núcleos esparsos, de origens diferentes, vão sendo moldados por imensa massa de construções ou permanecem isolados, que marchava a vanguarda da urbanização (SOARES, 1962, p. 171)”, onde os “vazios” espaciais foram sendo preenchidos “desordenadamente”, devido à dispersão das construções (marca da própria região).

O crescimento da região metropolitana, que se deu de modo acelerado na visão de Rodrigues (2006, p. 68), gerou em uma série de desequilíbrios, tais como aqueles verificados entre a oferta e a procura de casas e serviços urbanos. Desta forma, tarefas novas e complexas surgiram para os poderes públicos locais próximos com a cidade.

Os transportes ainda têm papel fundamental no processo de ocupação dos lugares, e a ação desenvolvida pelo capital imobiliário em conjunto com o Estado se deu de modo intenso. Para Simões (2011, p. 113), ao receber uma concessão para uma linha de bonde, os empresários apropriaram-se de terras ao longo das linhas ou já possuíam as mesmas para a realização da concessão, e criavam, em seguida, lotes para atender as classes abastadas, oferecendo-lhes condições de vida melhores em áreas consideradas centrais.

Entre o final do século XIX e o início do século XX, o modelo de investimentos seletivos começou a tomar maior corpo e se consolidou no Rio de Janeiro: a expansão demográfica foi fator para a expansão dos subúrbios e

11 Entendemos aqui, que o processo de urbanização e os preenchimentos dos “vazios” espaciais se deram com a ausência de planejamento urbano e/ou com a própria ausência como uma forma de planejamento urbano para os espaços periféricos – diferente da concepção de crescimento desordenado.

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a necessidade de morar... 37
em conjunto com

a expulsão dos pobres cada vez mais para longe dos centros12 . Nesse mesmo momento, foi desenhada a política pública carioca, e quiçá brasileira, de casa popular para os pobres: remoção maciça das áreas de maior valor sem realocação, obrigando os menos desfavorecidos à resolução da problemática do morar por conta própria, com a ida para cortiços, favelas próximas ao centro e áreas periféricas um pouco mais distantes (SIMÕES, 2011, p. 104).

É a partir disso que as ferrovias vão ganhando mais espaço no processo de urbanização brasileira, para que os pobres pudessem realizar sua instalação, pois necessitariam de duas condições: a primeira, o sistema de transporte com certa regularidade e preço acessíveis; e a segunda condição, o acesso à propriedade privada da casa (Ibidem, p. 113).

Para Soares (1962, p. 172), a constituição “espontânea” de núcleos em torno das estações ferroviárias é a forma mais antiga pela qual começou a se realizar a dilatação do espaço urbano da Cidade do Rio de Janeiro em direção à baixada. Nesse ponto, perto de cada estação, casas estavam sendo construídas, algumas lojas surgiam, praças tomavam forma e aos poucos iam crescendo mais aglomerados que inicialmente tinham forma longitudinal alinhada às margens dos trilhos, para depois crescerem em sentido transversal à linha férrea. Uma característica marcante do processo brasileiro de ocupação das linhas férreas foi a constituição “espontânea” em torno das estações ferroviárias, originada nas facilidades proporcionadas pelo transporte de rápido acesso à população de baixa renda, permitindo alcançar os longínquos locais de trabalho e promovendo um crescente movimento em direção à periferia (RODRIGUES, 2006, p. 60).

No século XIX, a cidade do Rio de Janeiro demandava áreas próximas para promover sua expansão, objetivando terrenos baratos que fossem servidos por transportes para abrigar a população de trabalhadores que para ela afluíam e que era atraída pela expansão do mercado de trabalho na capital ( RODRIGUES, 2006, p. 61). Segundo Simões (2011, p. 117), o resultado do processo de expansão urbana da Cidade do Rio de Janeiro em direção aos limites administrativos foi levando o padrão de precariedade para além dos limites inicialmente propostos, exportando para a Baixada Fluminense o modelo de autoconstrução, como nas franjas da Cidade do Rio de Janeiro.

Muitos dos loteamentos populares foram se instalando em Nova Iguaçu.

Rodrigues (2006, p. 110) afirma que a população trabalhadora encontrou no município casas a preços baixos, bem como lotes baratos e com facilidades de

12 Essa condição foi favorecida e impulsionada em 1893 pelo intenso processo de “higienização” da Cidade do Rio de Janeiro, quando o então p refeito, Barata Ribeiro, iniciou uma luta contra os cortiços no Centro.

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pagamento e, com isso, as construções realizadas por esta população acabaram se caracterizando de forma precária (processo este para o qual a prefeitura colaborou, na medida em que pouca exigência fazia para o controle das licenças de edificações).

A prefeitura de Nova Iguaçu teve importante participação nesta seara, pois não evitou o retalhamento da terra e, a partir da década de 1940, acabou se tornando uma grande aliada desse processo, reduzindo ao mínimo as exigências legais para a criação dos loteamentos e praticamente abandonando a fiscalização nas áreas periféricas (SIMÕES, 2011, p. 155-156).

Ainda segundo Simões (2011, p. 156-157), a facilidade legal de se lotear e a necessidade premente dos chacareiros e exportadores à beira da falência em Nova Iguaçu se juntam à aceleração do processo imigratório para a Cidade do Rio de Janeiro e um acirramento do problema habitacional no núcleo da metrópole. E ainda afirma que, com a intensificação do parcelamento da terra em 1940 (que se deu de modo individualizado e aleatório com as vendas oriundas de partes ou de todas as chácaras), deu-se origem a uma paisagem extremamente variada no período, com a presença de casas em grandes terrenos ao lado de pequenas fileiras de casas em vilas ao extremo de pequenos prédios comerciais e terrenos vazios.

Com base na realidade iguaçuana, Simões (2011, p. 159) afirma que à medida que a ocupação foi sendo realizada por pessoas muito pobres e para quem não haveria qualquer tipo de política habitacional, pode-se verificar a adoção do processo de autoconstrução, que se tornou uma das formas mais efetivas para a problemática habitacional. Martins (2010, p. 156) aponta que a casa construída aos poucos pelo trabalhador se constitui na única possibilidade de casa, perseguida pelo trabalhador nas grandes cidades brasileiras. E ainda afirma que essa produção se realizou de forma paralela à produção da ideologia da casa própria.

Com a expansão das periferias por meio de uma indústria imobiliária específica, a atuação do trabalhador na construção de sua casa se deu pelo aumento da jornada de trabalho, sendo esse meio predominante de produção da casa própria durante as últimas quatro décadas, ao menos nas periferias. (MARTINS, 2010, p. 156-157.

A paisagem urbana da cidade de Nova Iguaçu é marcada pelos processos históricos ocupacionais do morar: a autoconstrução, por muito tempo, foi uma das formas mais características da realidade social citadina e do movimento

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da sociedade13 , pois “à medida que as barreiras econômicas impostas ao parcelamento do solo em Nova Iguaçu-RJ vão caindo, as limitações legais também vão sendo deixadas para trás” (SIMÕES, 2011, p. 155).

Furlanetto, Cruz e Almeida (1987, p. 37) reconheceram que a visão que se tinha dos bairros da cidade era caótica em termos de paisagem urbana, geralmente localizados em áreas de acesso mais difícil, isto é, áreas não cortadas por vias importantes, o que dificulta ainda mais seus contatos com o núcleo do distritosede e de outros espaços. E dizem que algumas características são comuns a esses bairros, como nos loteamentos recentes, cuja maioria dos moradores ainda não conseguiu terminar as obras das casas (geralmente faltando telhado e o acabamento externo).

Uma enorme quantidade de pessoas, que afluiu e continua afluindo para o município de Nova Iguaçu para fins de moradia e trabalho, fez com que a população aumentasse de 49.136 habitantes em 1940 para 145.649, em 1950, sendo sua maioria composta por pessoas que trabalhavam na metrópole carioca e que para lá se dirigiam diariamente (SOARES, 1962, p. 66).

Nova Iguaçu, quando comparada com outras periferias metropolitanas, é uma das que se apresenta com maior distanciamento da área central (como outros municípios da Região Metropolitana, como Japeri, São Gonçalo, Queimados, entre outras), mas, mesmo assim, permanece como atrativo de grande parcela da população para fixar residência. A abertura da Rodovia Presidente Dutra, a partir de 1951, surgiu como um novo eixo de acesso ao município, dando margem a novos loteamentos (FURLANETTO; CRUZ; ALMEIDA, 1987, p. 33).

Todavia, os processos são outros, em que os empreendimentos imobiliários aparecem, como já apontado, em lugares considerados centrais, como forma de “estratégia de desenvolvimento” local. Por isso, a realidade chamada “periférica” deve ser muito bem referenciada, pois a (re)produção das periferias, a bem dizer, pode ser exatamente a metrópole.

Segundo Furlanetto, Cruz e Almeida (1987, p. 34), na década de 1980, Nova Iguaçu contava com 29 firmas construtoras, inclusive firmas que têm sua sede na Cidade do Rio de Janeiro, sendo importante lembrar que, dentre elas, algumas trabalhavam exclusivamente para o setor público. Em complemento, com base no Censo de Serviços, o município contava com 138 estabelecimentos dedicados à promoção imobiliária em geral (serviços de compra, venda, loteamentos,

13 Onde o crédito também passou/passa a ser uma nova forma do movimento da sociedade, e onde tanto a autoconstrução e o crédito guardam uma forma de estrutura.

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incorporação, administração, locação e arrendamentos de imóveis), nos quais 580 pessoas encontravam-se ocupadas neste setor.14

A expansão de cidades consideradas periféricas, como Nova Iguaçu, em momento pretérito, derivou da falta dos mecanismos para a geração de sua própria riqueza como forma de atender carências dos espaços centrais, onde a cidade serviu como lugar de abrigo15 , “[...] contudo, a forma mais generalizada pela qual se vem realizando atualmente a incorporação da baixada à área metropolitana do Rio de Janeiro é o loteamento” (SOARES, 1962, p. 173), e outra forma de incorporação foi a implementação da indústria no meio rural, onde cada vez mais o recôncavo foi se tornando o parque industrial da metrópole ( SOARES, 1962, p. 174).

A organização espacial do comércio se deu nos centros das cidades, havendo também uma expansão comercial, principalmente nos gêneros de alimentos e de vestuário, nos bairros periféricos, nas sedes dos distritos e às margens das rodovias federais. Já as grandes organizações continuaram concentrando suas filiais nos centros dos distritos sede e montaram grandes lojas para atacado/varejo às margens das rodovias (FURLANETTO; CRUZ; ALMEIDA, 1987, p. 35).

O panorama acima traçado sugere que, paralelamente ao processo de produção das periferias históricas, sobretudo com a difusão da construção da casa própria em loteamentos considerados irregulares e regulares, o Estado brasileiro, a partir da década de 1960, iniciou uma ação sistemática de produção habitacional com os Conjuntos Habitacionais das Companhias Habitacionais (COHABs) e o Banco Nacional de Habitação (BNH) (VOLOCHKO, 2015, p. 108).

Também se verifica a ocorrência de bairros de classe média16 alta com residências unifamiliares, ocupando amplos terrenos com jardins, em ruas arborizadas e com boa pavimentação. Esses bairros localizam-se sempre bem próximos ao centro urbano do distrito-sede, garantindo aos moradores o acesso

14 Por ser um Município que apresenta ainda algumas características antigas como, por exemplo, áreas perirurais junto à Serra de Madureira e por ter sofrido um processo de grandes transformações no urbano e estar funcional e espacialmente integrado à metrópole carioca, se distingue dos demais subúrbios periféricos do Rio de Janeiro, como Nilópolis e São João de Meriti. Este pode ser considerado um município que, além de ter características marcantes, é o único entre todos os da periferia que apresenta maior tendência de autonomia de funções em relação ao Município do Rio de Janeiro (FURLANETTO; CRUZ; ALMEIDA, 1987, p. 34).

15 Entendemos por “abrigo” espaços em vias de atender necessidades do morar na forma de chão e terra, mesmo que ainda se dê precariamente. O sentido de abrigo em sua forma mais plena será aqui retratado como “moradia digna”.

16 Dentre os maiores municípios da periferia da RMRJ, Nova Iguaçu foi o que apresentou maior incidência de classe média (FURLANETTO; CRUZ; ALMEIDA, 1987, p. 37).

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privilegiado à infraestrutura que o núcleo possui17, seja qual for o quadro político da prefeitura:

Os atores podem ser incorporadores imobiliários (no caso da periferia da RMRJ, as construtoras fazem esse papel), os grandes proprietários de terras, os grandes comerciantes, as grandes indústrias, as associações de moradores. Em virtude desse jogo, é interessante notar a grande diversidade de bairros de classe média, média-baixa e baixa coexistindo em áreas não muito afastadas dos núcleos dos distritos sede (FURLANETTO; CRUZ; ALMEIDA, 1987, p. 37).

O processo histórico habitacional de Nova Iguaçu nos revela o importante papel da classe trabalhadora e de outros agentes na formação e na ocupação da cidade. É partindo dessa perspectiva que Nova Iguaçu foi ofertada como um espaço tecido pelas relações voltadas ao trabalhador (local de moradia de grande parcela dos trabalhadores pobres) a partir do processo de ocupação da cidade por diferentes mecanismos e agentes que (re)produzem o espaço.

Em vista das necessidades do morar e das implicações para se atingir essa demanda, que também entendemos como mercadoria, as relações em suas diferentes dimensões (sociais, econômicas, políticas, entre outras) vão criar e impor ritmos na (re)produção do espaço. Para Martins (2009, p. 37), o imóvel representa para o comprador uma inserção no urbano, parte integrante da sua reprodução como trabalhador, e possível participação em relações sociais derivadas do morar na cidade. E ainda, segundo a autora, estas escalas do morar no urbano, desenhadas a partir da jornada de trabalho, alinham-se às escalas mundiais de reprodução do capital financeiro, apresentando o ritmo do endividamento oriundo do uso do imóvel como o ritmo de trabalho.

As políticas habitacionais, quando voltadas ao trabalhador, podem ser entendidas pela adoção de critérios de renda como elemento central das instituições e balizadores para os agentes que fazem parte da política, sendo segundo Fagnani (2015, p. 757): governos (municipal, estadual e federal), empresários, bancos, movimentos sociais, “sem-teto”, moradores em condições sub-humanas; o mesmo ocorre com a diversidade da clientela: classe média, “sem-teto”, comunidades quilombolas, comunidades indígenas, moradores

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(Re)produção do espaço de Nova Iguaçu a partir das políticas habitacionais
17 Fator diferenciado, e diferenciador, dos bairros mais afastados desses centros.

de favelas, moradores de cortiços, moradores de áreas de risco e mananciais de acordo com o que é proposto segundo a Lei nº 11.124, de 24 de junho de 2005, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) e institui o Conselho Gestor do FNHIS.

Na década de 1970, vários conjuntos foram implementados, e havia a expectativa da construção de diversos conjuntos em vários lugares do estado do Rio de Janeiro. Em Nova Iguaçu não foi diferente, e o município contou com a promessa de inauguração de 84 unidades no Jardim Jasmim (localizado na Estrada de Madureira) em 1971, segundo o Correio da Manhã (1971-1974). Tal construção fazia parte do projeto de duplicação das COHABs em 1971 no Rio de Janeiro, e nos revela a intensa atuação de políticas habitacionais na Estrada de Madureira antes do PMCMV.

Martins (2010, p. 158) nos diz que devemos fazer o exercício de considerar que a imensa periferia produzida em outros tempos pelas horas a mais de trabalho agora passa a ser produzida também por grandes incorporadoras com a presença do capital adiantado, que se desdobra em valorização imobiliária e fictícia no contexto atual. Também a crise do trabalho irá apresentar o endividamento como inerente ao cotidiano do trabalhador, e a produção do espaço urbano como algo imbricado neste processo (MARTINS, 2009, p. 36).

Dentre os diferentes tipos de política pública, a habitacional é considerada umas das principais: é por meio da casa que outros direitos poderão ser garantidos, e a população passa a ser representada como cidadã para o Estado (mesmo que ainda dotados de deveres, e não de direitos), pois “habitar talvez represente a forma mais imediata pela qual os homens se apropriam do espaço” (VOLOCHKO, 2015, p. 107).

O trabalho, ao longo do tempo, se tornou um importante pré-requisito para a obtenção da casa própria, e a sua falta para a manutenção das precárias condições de vida e do morar. Na relação conflituosa, mas necessária, entre o trabalho e a casa, a renda é um importante meio para a realização da troca, e é a partir dela que o mundo do financiamento se valerá.

A criação do BNH em 1964 teve como principal objetivo produzir moradias para os trabalhadores e, a partir de 1966, os recursos financeiros para a concretização de suas metas passam a ser provenientes do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) (RODRIGUES, 2012, p. 11) e do Fundo de Amparo ao trabalhador (FAT). O PMCMV, criado anos depois e em diferente contexto político, foi implementado com os mesmos recursos que o BNH no

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período da ditadura, também fazendo uso do FGTS para efetuar a primeira política habitacional brasileira em âmbito federal.

Outra característica importante do BNH, de acordo com Silva (2016, p. 39), é a presença de um agente para cada segmento de mercado pois, ao passo que as cooperativas habitacionais destinavam-se à faixa de renda entre 3 e 6 salários mínimos; para a faixa de um a três salários, a responsabilidade ficava com as COHABs, podendo estas serem municipais ou estaduais.

A lei de criação do BNH18 prevê responsabilidades nas áreas de habitação, e também foi responsável por financiar a área de saneamento básico, mas, embora prevista nos marcos jurídicos que lastrearam sua criação, não foi obtida a implementação de saneamento básico ao longo do tempo. O BNH começou a promoção habitacional em ampla escala na Região Metropolitana do Rio de Janeiro a partir da década de 1970, mas sem infraestrutura adequada (SILVA, 2016, p. 39).

Os primeiros conjuntos já mostravam a necessidade de não apenas construir-se moradia, mas dotá-las de infraestrutura básica na distribuição dos empreendimentos nos municípios metropolitanos, embora mantivessem a concentração destes na cidade do Rio de Janeiro. Outra forma de produção existente em Nova Iguaçu, em conjunto com os loteamentos e a autoconstrução, foi a produção estatal da casa que, embora seus primeiros empreendimentos datem da década de 1970, durante a gestão do BNH, o maior aporte de empreendimentos em Nova Iguaçu data da década de 2010, no âmbito do PMCMV.

Essa produção está concentrada, sobretudo, em alguns bairros mais distantes da área central da cidade seguindo a direção sudoeste (URGs de Cabuçu e do Km 32), próximos à divisa com o Município de Seropédica, com presença de atividades rurais, sobretudo nas encostas da Serra de Madureira, seguindo o eixo de expansão da Estrada de Madureira, no qual a produção estatal de casas tem se concentrado desde a década de 1980, segundo Silva (2016, p. 18).

Isso nos revela o marco contemporâneo das políticas habitacionais para a população pobre num corte mercadológico operado pela associação entre as construtoras/empreiteiras e o Estado, tendo a sua concretização a partir de intensas dinâmicas nas franjas de Nova Iguaçu.

Atualmente, grande parte da dinâmica habitacional da cidade de Nova Iguaçu gira em torno do PMCMV – seja para as classes mais pobres ou

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18 Criação pela Lei nº 4.380,
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de
de agosto de 1964.

mais abastadas. Segundo Silva (2016, p. 60), a Prefeitura Municipal aprovou 22 empreendimentos destinados ao reassentamento, distribuídos por sete construtoras, totalizando 12.760 unidades habitacionais até 2016. Em Nova Iguaçu, apesar de ser possível identificar a presença de grandes condomínios financiados pelo PMCMV em diferentes pontos da cidade, como nos bairros Cerâmica e Posse, localizados próximo da Rodovia Presidente Dutra, Jardim Alvorada, Cabuçu e São Francisco de Paula, todos localizados à beira da Estrada de Madureira, esses empreendimentos se concentram ao longo de parte da região que nos últimos anos recebeu um número considerável de novos condomínios residenciais.

As casas construídas pelo PMCMV, destinadas em grande medida a atender às demandas por moradia da classe média e baixa, se instalam marcadamente em áreas em que os preços da terra são mais baratos e/ou desvalorizados, em áreas situadas nas “franjas” das cidades. Trata-se de uma estratégia utilizada para se obter altos lucros com a implantação desses conjuntos habitacionais.

Os condomínios de alto padrão se tornam cada vez mais frequentes. O número de empreendimentos imobiliários destinados ao consumo das classes de maior poder aquisitivo se multiplicaram ao longo dos anos, e a população pobre experimenta cada vez mais o processo de precarização de condições da moradia, e isso deixa profundas marcas na paisagem urbana.

Empresas locais, regionais, nacionais e internacionais estão atuando, tais como: Rossi Residencial S.A, Tenda S.A, Construtora Cury, Visione Engenharia, entre outras, que fazem parte da (re)produção do espaço urbano da cidade de Nova Iguaçu a partir da produção de empreendimentos do PMCMV, como os executados por empreiteiras, como a Construtora Cury, Tenda S.A., Direcional Engenharia, EMCCAMP Residencial, entre outras.

Considerações finais

Pode-se perceber que o capital imobiliário ganha novos e outros espaços, constituindo mercados de bens necessários para a realização da vida (como é o caso da casa própria). Com isso, o direito à moradia e o direito à cidade estão se perdendo cada vez mais das políticas habitacionais e dos próprios cidadãos. Os limites devem ser estabelecidos para a realização de uma produção habitacional mais social - ao invés de econômica -, para que haja moradia digna para a população pobre e, assim, se promova a realização da vida nos espaços periféricos.

Panorama da (re)produção do espaço do trabalhador em
a necessidade de morar... 45
conjunto com

Somente assim poderemos rever criticamente as negações de uma aplicação efetiva dos direitos constitucionais do morar e da vida de forma digna para todos os cidadãos. E é seguindo este caminho que propomos o direito de morar em primeiro plano, em conjunto com o direito à cidade e outros mais que estão intrínsecos, mas que foram deturpados no processo de aquisição a partir do financiamento da casa própria pelas políticas habitacionais.

O município de Nova Iguaçu é fruto de intensos processos habitacionais da população pobre e trabalhadora, e tal problemática pode ser observada ao longo deste texto no espaço-tempo pretérito e atual. O espaço pode ser caracterizado pelas relações de trabalho e do trabalhador, e as políticas habitacionais implementadas comprovam, e fomentam, tais relações antes mesmo do processo de constituição do município.

O processo de ocupação de Nova Iguaçu foi realizado pelas mãos e força de trabalho da população pobre, mas “novos” e outros sentidos e significados foram instaurados na relação intrínseca da casa e do trabalho nas políticas de produção da casa própria.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Presidência da República. Lei n° 11.977 de 7 de julho de 2009. Dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas; altera o Decreto-Lei no 3.365, de 21 de junho de 1941, as Leis nos 4.380, de 21 de agosto de 1964, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 10.257, de 10 de julho de 2001, e a Medida Provisória no 2.197-43, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências.

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Flávia da Silva Souza

A chuva como evento deflagrador de um perigo à população de Angra dos Reis (RJ): um estudo sobre a frequência e a distribuição das chuvas

Introdução

O tempo e o clima influenciam a vida das pessoas visto que, direta ou indiretamente, perpassam várias esferas da sociedade.

A chuva, importante elemento climático de referência de uma área, pode facilitar ou limitar as atividades humanas, sendo fundamental à produção de alimentos, ao consumo direto da água, a produção de energia elétrica, dentre outras.

Qualquer irregularidade no regime das precipitações pode afetar a vida da sociedade, segundo o modo como os indivíduos lidam com suas habitualidades e excepcionalidades. A ocorrência de eventos, como as enchentes e os deslizamentos de terra, por exemplo, vincula-se à forma como o espaço foi construído e organizado, e pode trazer transtornos graves à vida social, caso as pessoas não estejam preparadas para lidar com a ocorrência de eventos extremos.

O sudeste do Brasil é uma região com grandes contrastes pluviométricos devido à sua localização geográfica, topografia e

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aspectos dinâmicos da atmosfera (MINUZZI et al ., 2007). O estado do Rio de Janeiro possui um alto total pluviométrico anual, cerca de 1.500 mm (REBOITA et al ., 2010), com distribuição espacial de precipitação heterogênea (NIMER, 1979; DERECZYNSKI et al ., 2009). No sul do estado, onde se localiza a região da Costa Verde, o total pluviométrico anual passa dos 2.500 mm em alguns locais (MONTEIRO, 1969; DAVIS; NAGHETTINI, 2000).

A região turística da Costa Verde estende-se desde Santos por todo o litoral norte no estado de São Paulo até o litoral sul do estado do Rio de Janeiro, incluindo os municípios de Paraty, Angra dos Reis, Mangaratiba, Itaguaí e Rio Claro, segundo o Ministério do Turismo (2015) e a Secretaria de Estado de Turismo do Rio de Janeiro (2018). Caracteriza-se pela presença da Serra do Mar muito próxima ao litoral, onde ambos se confundem em um belo cenário. Tal paisagem, por um lado, exibe um dos destinos mais bonitos da costa brasileira, mas, por outro, o relevo escarpado com orientação paralela à costa se contrapõe ao deslocamento dos sistemas frontais, formando uma barreira orográfica às chuvas, contribuindo para a elevada precipitação nesta região, as maiores do estado do Rio de Janeiro (NIMER, 1979). Os eventos pluviométricos mais intensos podem acarretar desastres naturais de grandes proporções, como aqueles verificados nos anos de 2002, 2009/2010 e 2013 no município de Angra dos Reis.

Em 2002, choveu no dia 9 de dezembro o que era esperado para um período de três meses. A força da água provocou o deslizamento de uma encosta no bairro do Areal, que destruiu 70 casas, deixando 40 mortos, 100 feridos e mais de 500 pessoas desabrigadas. O governo federal liberou R$ 10 milhões para a reconstrução das moradias das famílias vítimas da tragédia (VIEIRA, 2010).

Em 2009, em Angra dos Reis, a chuva forte que começou na noite de 31 de dezembro provocou um deslizamento de terra na Ilha Grande, atingindo a Pousada Sankay e outras sete casas na Enseada do Bananal, onde morreram 31 pessoas. No continente, a chuva ocasionou maiores danos ao centro de Angra dos Reis. Parte do Morro da Carioca deslizou, matando 22 pessoas e desalojando outras 250 famílias. O governo federal liberou R$ 80 milhões para a reconstrução das moradias das famílias vítimas da tragédia (O GLOBO, 2010).

Em 2013, desde as primeiras horas do ano, Angra dos Reis registrou chuvas fortes que a deixaram em situação de emergência. A região mais atingida foi a zona oeste da cidade, principalmente os bairros Bracuhy, Santa Rita do Bracuhy, Frade e Parque Mambucaba. Pelo menos oito casas desabaram, ferindo 15 pessoas, e outras 40 pessoas haviam sido retiradas de suas casas (SEPPI, 2013).

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Diante desses tristes episódios ocorridos na Costa Verde Fluminense, tão intensos sobre Angra dos Reis, surgem alguns questionamentos: seriam esses desastres consequências das formas indevidas de ocupação por pessoas em situação de grande vulnerabilidade social, no processo de expansão urbana em áreas suscetíveis a deslizamentos? Ou realmente estamos vivenciando um período de maior frequência e intensidade dos eventos extremos? Também pode haver uma associação entre ambos.

Para a primeira pergunta, muito provavelmente, a resposta é sim. Angra dos Reis é o município de maior população na região, onde grande parte dos moradores, sem condições financeiras para morar nas poucas e estreitas planícies, acabam por ocupar as encostas, que são suscetíveis a deslizamentos. Atualmente, em municípios com maior densidade populacional, a expansão da área urbana tem sido sinônimo de expansão dos riscos também, pois, como essas áreas são as mais intensamente transformadas, as populações criam uma vulnerabilidade e, assim, muitas vezes, as chuvas já não precisam ser de grande magnitude para provocarem sérios desastres (GONÇALVES, 2003). Entretanto, entende-se que o problema não é o aumento populacional em si, mas, sim, o padrão de produção do espaço.

Esta pesquisa destinar-se-á a responder à segunda pergunta e, para isso, se faz necessário definir o que é evento extremo em cada município da área de estudo. É de grande importância uma minuciosa investigação da climatologia de uma determinada região para conhecer suas características atmosféricas médias e compreender suas flutuações no decorrer do tempo. Assim, é possível se planejar diante das variações climáticas, apoiando atividades das mais diversas, desde a agricultura, a saúde, até o planejamento urbano, a defesa civil e o gerenciamento de recursos hídricos (LUIZ SILVA; DERECZYNSKI, 2014).

Este planejamento é mais do que necessário, pois o sumário executivo do primeiro Relatório de Avaliação Nacional, o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), feito nos mesmos moldes do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (Intergovernmental Panel on Climate Change – IPCC), divulgou que no Brasil o aumento de temperatura será entre 1°C e 6°C até 2100, em comparação à registrada no fim do século XX. Como consequência, deverá diminuir significativamente a ocorrência de chuvas em grande parte das regiões central, norte e nordeste do país. Nas regiões sul e sudeste, por outro lado, haverá um aumento do número de precipitações (PBMC, 2013).

Corroborando com essas projeções, Dereczynski et al. (2013) e Luiz Silva et al. (2014) mostraram que dias frios e noites frias têm se tornado menos frequentes

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na cidade do Rio de Janeiro, ao passo que a frequência de ocorrência de chuvas fortes, dias quentes e noites quentes deverá aumentar. Esses resultados também foram observados para outras áreas do estado do Rio de Janeiro (LUIZ SILVA; DERECZYNSKI, 2014).

Diante desse quadro, ficam questões a serem respondidas: como tem sido o comportamento das chuvas ao longo dos anos? Têm sido mais intensas? Chove mais em Angra dos Reis do que nos municípios vizinhos? O que se pode chamar de evento extremo em Angra dos Reis e demais municípios da região? Para responder a estas questões, o objetivo geral desta pesquisa é definir a partir de qual total pluviométrico a chuva se constituirá uma ameaça ou efetivamente um perigo à população do município de Angra dos Reis.

Como objetivos específicos, pretende-se: caracterizar a vulnerabilidade da população; analisar a distribuição espacial e temporal da pluviosidade na região da Costa Verde Fluminense; analisar os mais recentes eventos de pluviosidade com maior repercussão na mídia pelos seus efeitos sobre a desorganização do espaço de Angra dos Reis nos anos de 2002, 2009/2010 e 2013.

Revisão bibliográfica – Eventos Extremos

O Relatório Espacial sobre Gestão dos Riscos de Extremos Climáticos e Desastres (SREX) analisa a forma como sistemas climáticos, fatores humanos e meio ambiente interagem para influenciar os impactos dos desastres e o gerenciamento de risco, bem como as opções de adaptações. Para isso, leva em consideração os efeitos da mudança do clima sobre os eventos extremos, os desastres e o gerenciamento de risco de desastres (IPCC, 2012). Segundo o Relatório Especial (IPCC, 2012), um evento é definido como a ocorrência de um valor de uma variável de condição meteorológica ou clima acima (ou abaixo) de um valor limite, perto das extremidades “caudas” superiores (ou inferiores) da faixa de valores da variável observada. Consolidando essa definição, Cameron et al. (2012) afirmam que um clima em mudança provoca alterações na frequência, intensidade, extensão espacial e duração de extremos das condições meteorológicas e climáticas, podendo resultar em eventos sem precedentes. Os eventos climáticos podem ainda ser classificados em usuais e extremos.

Barbosa (2008) define eventos usuais como os episódios registrados com maior frequência, possibilitando uma melhor absorção pelas sociedades e um planejamento de adaptação ao seu ritmo natural. Tais eventos também são definidos como aqueles que não se afastam significativamente das médias, com uma frequência alta em qualquer escala temporal de ocorrência (GONÇALVES,

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2003). Há evidências de que eventos extremos, tais como secas, enchentes, ondas de calor e de frio, furacões e tempestades, têm sido mais frequentes ou mais intensos e têm impactado tanto os sistemas humanos quanto os ecossistemas, além de provocar perdas em diversos setores econômicos e vidas em várias partes do planeta.

Com base nos números registrados pelo Emergency Events Database (EMDAT) do International Disaster Database, nos últimos anos ocorreu um aumento exponencial da frequência e intensidade de desastres causados por eventos extremos (EM-DAT, 2012). Os resultados do SREX para o Brasil confirmam esse aumento, com as observações dos dados de temperatura e precipitação referentes ao período de 1961 a 1990, revelando também as mudanças projetadas para o período de 2071–2100.

Avalia-se que os desastres naturais mais comuns que ocorrem no Brasil são os relacionados com os eventos hidrológicos, as enchentes, as secas, a erosão e os escorregamentos ou deslizamentos de terra (MARENGO, 2007; BRASIL, 2007). Barbosa (2008) destaca a possibilidade de ocorrência de uma aceleração do ciclo hidrológico, gerando a intensificação de eventos extremos. Com isso, eventos como deslizamentos de terra, inundações e vendavais podem tornar-se mais frequentes e intensos, principalmente nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, enquanto o quadro de desertificação pode agravar-se na região Nordeste. Eventos extremos, como secas ou enchentes severas alteram consideravelmente as características habituais de uma dada região, desde a física, movimentando massas e redistribuindo algumas características da paisagem, até a social, por exemplo, causando grandes transtornos sociais, como no caso dos longos períodos de estiagem no sertão.

As relações entre os eventos extremos positivos e negativos das chuvas resultam em impactos que provocam muitos problemas para as zonas rural e urbana. Tais impactos revelam uma enorme vulnerabilidade da sociedade frente aos fenômenos climáticos. Monteiro et al . (2012) afirmam que as populações urbanas geralmente são mais atingidas quando as chuvas apresentam anomalias positivas, e as rurais quando as chuvas são escassas. Numa abordagem conceitual sobre os eventos extremos de precipitação, Sarewitz et al . (2000) tratam estes fenômenos como sendo ocorrências que apresentam uma incidência rara, distanciando-se da média, variando em sua magnitude. Porém, essa perturbação ocorre por um período determinado, voltando posteriormente ao seu estado habitual. Em termos meteorológicos e climatológicos, grandes desvios de um estado climático moderado, definidos como eventos extremos, ocorrem em escalas que podem variar desde dias até milênios. Porém, o mais importante

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para as atividades humanas talvez sejam os eventos extremos em curto prazo (relacionados ao clima), devido ao seu potencial de impactos significativos.

Os eventos climáticos e meteorológicos extremos também são um aspecto integrante da variabilidade climática, e sua frequência e intensidade podem variar de acordo com a mudança climática. Do ponto de vista social, eventos extremos são aqueles que provocam impactos extremos, ou seja, são aqueles que envolvem risco (mortes, desabrigados, danos materiais). Eles têm relação direta com a vulnerabilidade e a resiliência. Uma das mais importantes questões relacionadas a eventos extremos em curto prazo é se sua ocorrência está aumentando ou diminuindo com o tempo, isto é, se há uma tendência a cenários propícios à ocorrência desses eventos. A variabilidade e as mudanças na intensidade e na frequência de eventos extremos dependem não apenas da taxa de mudança no meio de uma determinada variável, mas também da ocorrência de mudanças nos parâmetros estatísticos que determinam a distribuição daquela variável. A análise de tendências mais complexa é a da precipitação extrema, devido ao baixo grau de correlação entre os eventos de precipitação.

Assim, estimativas confiáveis de tendências em eventos de precipitação extrema são possíveis somente para regiões com redes densas, que permaneçam estáveis ao longo do tempo. A falta de estações climatológicas com séries contínuas de dados, a dificuldade de acesso à base de dados, não divulgadas mesmo por instituições governamentais em várias partes da América do Sul, são os maiores obstáculos para a quantificação das mudanças extremas durante o século passado (HAYLOCK et al., 2006). Outro aspecto abordado por Monteiro et al . (2012) é que a chuva é uma variável aleatória, e o valor de sua altura acumulada (em milímetros) não poderá ser previsto com uma exatidão determinística, mas, na verdade, ela será de natureza probabilística, ou seja, pode-se atribuir uma probabilidade para que a altura da chuva fique compreendida entre dois limites arbitrariamente escolhidos. Porém, há uma grande dificuldade entre os pesquisadores em determinar limiares para os eventos extremos. Isto se deve à dificuldade de estabelecer valores (em milímetros) confiáveis para regiões com características pluviométricas e climáticas diferenciadas em todo o país e a partir de que montante pode ser considerado um evento extremo (MONTEIRO et al ., 2012).

Metodologia

Os dados pluviométricos diários foram extraídos, respectivamente, do banco de dados do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), por meio do Banco de

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Dados Meteorológicos para Ensino e Pesquisa (BDMEP); da Agência Nacional de Águas (ANA), por meio do portal HIDROWEB; da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), por meio do portal AGRITEMPO; e do National Oceanic and Atmospheric (NOAA). Esses dados são referentes ao período de janeiro de 2001 a dezembro de 2016. Trata-se de cinco estações meteorológicas convencionais e sete pontos TRMM distribuídos ao longo dos municípios de Paraty, Angra dos Reis, Mangaratiba, Rio Claro, Bananal e Cunha. Este período justifica-se por ser uma série coincidente entre as estações selecionadas na área de estudo, incluindo a ocorrência dos três eventos com grande destaque na mídia pela intensidade e pelos danos causados em Angra dos Reis e adjacências.

O procedimento metodológico foi dividido em cinco etapas que serão descritas separadamente a seguir. Entretanto, a pesquisa se apoiou na união das respostas de cada uma para construir os resultados:

• Consistência do banco de dados e preenchimentos das falhas: dentre as 12 estações/pontos selecionados para o estudo, dados faltantes foram encontrados apenas nas estações Angra dos Reis e Bracuhy ao longo do período de 2002 e 2013. Para a aplicação e validação da técnica de preenchimento de falhas, foram utilizados os dados diários de precipitação das estações/pontos Vila Mambucaba e TRMM. 951.

• Consistência do banco de dados e a espacialização da precipitação: esta etapa se encarregou do uso de técnicas de geoestatística para identificação da distribuição espacial da precipitação. Foi realizada a partir de dados diários da série histórica de 2001 a 2016 com todas as 12 estações/pontos selecionados para o estudo, sendo esta fase diretamente dependente da execução bem-sucedida da primeira etapa, ou seja, do preenchimento das falhas.

• Análise Sinótica: baseou-se na análise das Cartas Sinóticas da Marinha para observar o desempenho da atmosfera nos dias dos eventos severos com grande destaque na mídia (10/12/2002, 01/01/2010 e 04/01/2013).

• Definição dos Eventos Extremos de Precipitação: esta etapa fez uso dos dados diários da série histórica de 2001 a 2016 com todas as 12 estações/pontos selecionados para o estudo e se baseou na metodologia de Lyra e Garcia (2006) – distribuição de probabilidade, percentil 95.

• Espacialização da Vulnerabilidade Social: trata-se de uma análise qualitativa da vulnerabilidade a partir do Índice de Condição de Vida e Saúde – ICVS, proposto por (FARIAS, H.S, 2012).

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Resultados

Os resultados mostram que, no período de 2002 a 2013, Bracuhy e Mambucaba apresentaram os mesmos índices de chuvas, seguido da estação Angra dos Reis (Centro) e da estação TRMM.951 (Jacuecanga), e que a maior parte da área urbana do município, e que é intensamente ocupada, concentra os maiores índices de chuva. No tratante ao recorte dos eventos extremos, ao analisar o ocorrido em 2002, nota-se que Bracuhy concentra o maior registro de chuva (210 mm), seguindo de Angra dos Reis e Mambucaba, tendo a estação TRMM.951 o menor índice (25 mm). O evento de 2010 se assemelha ao de 2002, tendo Bracuhy o maior registro de chuva (350 mm), seguido por Centro e Mambucaba, que apresentaram índices iguais (300 mm), tendo a estação TRMM.951 o menor deles (100 mm). O evento de 2013 mostra Mambucaba com o maior registro de chuva (450 mm), que também é o maior de todo o período, seguido de Bracuhy (300 mm), Centro (250 mm) e TRMM.951 (100 mm). Nota-se que tanto nas análises dos eventos extremos quanto em toda a série temporal os maiores índices de chuvas ficaram concentrados na área urbana do município de Angra dos Reis.

Ao longo desses anos, eventos pluviométricos muito acima da média foram registrados. Esses eventos foram classificados como extremos, possibilitando a observação de um ano padrão chuvoso ou tendente a chuvoso. A exceção é o ano de 2002, quando a ocorrência de um episódio catastrófico em dezembro acarretou uma das maiores tragédias socioeconômicas e ambientais da história de Angra dos Reis, sobretudo, diante do padrão observado em 2002, que foi de um ano padrão classificado como normal, o que corrobora com a intensidade daquele evento.

A partir de uma visão panorâmica (Figura 1, na página seguinte), a série temporal de 16 anos (2001-2016) para todas as estações pluviométricas da área de estudo, independentemente de suas localizações a barlavento e/ou a sotavento, apresenta acumulados pluviométricos que variam de acordo com as características do clima tropical, em que há uma maior concentração de chuvas nos meses de primavera (23 de setembro a 22 de dezembro) e verão (22 de dezembro a 20 de março), e uma diminuição dos totais de precipitação nos meses de outono (20 de março e 21 de junho) e inverno (21 de junho a 23 de setembro).

Analisando em um maior detalhe, nota-se o efeito orográfico nos totais de chuva do município de Angra dos Reis, especificamente nas estações Mambucaba e Bracuhy, onde estão concentrados os maiores volumes de precipitação. Do

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Figura 1. Mapa de Isoietas acumulado de chuvas para o período de 2001 a 2016. Fonte: Gabriela Fernandes Santos Alves (2019).

ponto de vista dos seus respectivos máximos acumulados em 24h, pode-se afirmar que metade das estações, seis em 12, apresentaram o registro máximo da série do ano de 2010 (Bananal, Trindade, Paraty 905, Paraty 906, Rio Claro 997 e Rio Claro 998), e outras três estações apresentaram registros muito elevados (Cunha, Bracuhy e Mangaratiba) também nesse ano. Outros registros máximos ocorreram em 2006 na estação Mangaratiba/Marambaia, em 2008 no ponto Angra TRMM.951, em 2011 na estação Paraty INMET, e em 2013 nas estações Cunha, Mambucaba e Bracuhy. No ano de 2013 foram registradas as maiores concentrações de chuva em 24 horas: em Bracuhy foram 224,3 mm e Mambucaba 318,9 mm.

Considerações finais

A região da Costa Verde possui elevados totais pluviométricos, sendo um dos maiores do estado do Rio de Janeiro. Tais totais estão condicionados, principalmente, ao relevo, em especial pela proximidade da Serra do Mar, que irá controlar o chamado efeito orográfico e que é um importante mecanismo de compreensão da dinâmica pluviométrica local. Ademais, a própria conformação da costa favorece a ocorrência de chuvas mais constantes e intensas em localidades específicas do trecho TRMM. 950 (Paraty) e Bracuhy (Angra dos Reis). O município de Rio Claro, por sua vez, localizado no topo da Serra da Bocaina, apresenta os menores valores de precipitação. Em termos de acumulado anual, esses valores de precipitação ocorrem em função da inter-relação entre relevo e umidade do ar.

Nesse contexto, Angra dos Reis se encontra em uma posição confrontante ao deslocamento das frentes frias fazendo com que os máximos de precipitação ocorram a barlavento da Serra do Mar. O relevo força a elevação do ar úmido que resfria e condensa, favorecendo a formação de nuvens e produzindo precipitação intensa, como verificado em Mambucaba e Bracuhy, onde o total anual de chuvas ultrapassou 3.000 mm no ano de 2010.

Após a ocorrência de precipitação a barlavento da escapa, o ar torna-se mais seco e desce a barreira orográfica sendo comprimido e aquecido, inibindo a formação de nuvens e de precipitação. Portanto, as áreas a sotavento das barreiras topográficas locais apresentam índices mais modestos de precipitação, como ocorre na área continental em Paraty e nos municípios situados sobre a Serra do Mar, como Bananal, Cunha e Rio Claro, que apresentam índices pluviométricos anuais inferiores a 2.000 mm.

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Analisando os três eventos catastróficos relacionados aos episódios de pluviosidade intensa nos anos de 2002, 2010 e 2013, observa-se que os totais de pluviosidade registrados:

• foram maiores nos meses de dezembro e janeiro;

• foram maiores no município de Angra dos Reis, nas estações Mambucaba e Bracuhy;

• estiveram associados à passagem de sistemas frontais;

• foram maiores a cada evento: 2002 foi intenso (Mambucaba: 132,2 mm; Bracuhy: 211 mm), mas 2010 foi mais (Mambucaba: 282,1 mm; Bracuhy: 307,2 mm) e 2013 ainda mais, sendo o mais intenso dos três (Mambucaba: 446,7 mm; Bracuhy: 335,3 mm).

Ao relacionar os totais observados nos eventos com os extremos, é possível afirmar que o evento de 2002 não se consolidou como um evento extremo em nenhuma das estações; já o evento de 2010 se consolidou como um evento extremo para as estações de Trindade e TRMM. 906 assim como o evento de 2013 que se consolidou como um extremo para a estação Mambucaba. As consequências causadas pelos eventos extremos tornaram-se mais graves devido à distribuição da condição de vida da população, ruim/regular, nessas localidades.

Assim, percebe-se que os problemas enfrentados em Angra dos Reis são uma conjunção de processos naturais e sociais ocasionados pela proximidade da vertente da Serra do Mar com o Oceano Atlântico, fazendo com que episódios eventuais se tornem catastróficos para uma parcela da população, normalmente aquelas que, por não possuírem condições financeiras para habitarem locais mais seguros da estreita planície, acabam por ocupar as encostas, as mais afetadas por fenômenos naturais mais intensos. É preciso que a Prefeitura Municipal, juntamente com os governos estadual e federal, criem estratégias que impeçam a ocupação de encostas e áreas próximas aos principais rios da região, áreas suscetíveis aos efeitos das chuvas intensas, tornando-as menos vulneráveis.

É importante ressaltar que este trabalho é de cunho exploratório e, como tal, apenas levantou questões para estudos e não pode ser generalizado para todo e qualquer tipo de região e/ou eventos extremos. Entretanto, cabe ressaltar que as ideias aqui levantadas podem servir como um incentivo para um maior conhecimento sobre a temática de eventos extremos de chuva.

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Geografia inclusiva: (re)pensar a escola como um lugar de inclusão para pessoas com transtorno do espectro autista1

Marilza Santos da Silva

Introdução

A Geografia, como uma ciência social, tem um papel importante para fomentar o debate: que professor de geografia deveríamos ser para o público-alvo de uma educação que deveria ser inclusiva? Nesse propósito, este trabalho tem como pressuposto (re)pensar a escola como um lugar de inclusão das pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e a necessidade do educador ir ao encontro de informação e formação para atuar com os alunos público-alvo da Educação Especial.

Como destacado por Silva (2017), o autismo é um transtorno invasivo do desenvolvimento, caracterizado por alterações na interação social, comunicativa e do comportamento, que se manifesta antes dos três anos de idade e persiste durante a vida adulta. As Diretrizes de Atenção às pessoas com Transtorno do Espectro Autista (Brasil 2013) abordam o que antes era

1 Parte desse trabalho está sob inspiração da minha dissertação de mestrado no Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, que contou com a orientação do Prof. Dr. Clézio dos Santos

classificado como Transtorno Global do Desenvolvimento (TGD) e, mais recentemente, é classificado como pessoa com TEA.

De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM – V (2014), o TEA é classificado conforme dois fatores principais: relativos aos déficits de comunicação social e os comportamentos/interesses restritos e repetitivos. E ainda com as percepções de Silva (2017), o TEA é considerado como uma síndrome neuropsiquiátrica, sem etiologia específica, um distúrbio do desenvolvimento complexo, com etiologias múltiplas e graus variados.

Para esta reflexão sobre o público da Educação Especial, os dados oficiais do Instituto Nacional de estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (BRASIL, 2020a) evidenciam que o número de matrículas na Educação Especial apresentou um aumento de 79,8% no período de 2008 a 2019. No que corresponde ao número de matrículas desse público, em classes comuns, no mesmo período (2008 a 2019), salta de 376 mil matrículas para 1,1 milhão, o que equivale um aumento de 190,3%. Esses dados demostram um aumento significativo do público-alvo da Educação Especial, como também parâmetros para análises das circunstâncias educacionais em que estão inseridos esses educandos, o que impulsiona uma reflexão sobre o princípio da inclusão, a estrutura físicapedagógica, a formação inicial e continuada do educador, na perspectiva da Educação Especial e Inclusiva.

Considerar a escola como um lugar de inclusão e a responsabilidade social de ser educador, (nos) leva a refletir sobre a base histórica e social em que se desenvolve a educação, com padrões pré-estabelecidos, que pune divergências com exclusão, pois há uma tendência à homogeneização dos sujeitos ao não levar em conta a bagagem cultural, a identidade e a individualidade de cada um. Dessa forma, torna-se cada vez mais importante o debate em torno da mudança dos padrões que tendem à segregação e a exclusão, não somente da pessoa com TEA, mas de todo o público-alvo da Educação Especial.

Este trabalho aborda um estudo de caso abrangendo dois jovens autistas, no que tange à escola como um lugar de vivência, e por meio de suas representações gráficas mentais (desenhos) pretende compreender qual o sentimento dessas pessoas quando se faz referência à escola. Nessa perspectiva, a idealização desse estudo foi construída com base na minha própria experiência como educadora e fonoaudióloga, o que me permite estar em contato direto com pessoas autistas de várias faixas etárias e em constante diálogo com seus responsáveis. Esse contato me trouxe inquietações sobre as necessidades que permeiam esse público e, a partir disso, o objetivo deste trabalho será sugerir reflexões que

Geografia
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inclusiva: (re)pensar a escola como um lugar de inclusão...

transponham os moldes presentes em leis, diretrizes, currículos que anseiam por homogeneizar, colonizar e institucionalizar o ser outro.

A escola como um lugar de inclusão

É dentro de espaços e temporalidades preestabelecidas que são moldadas a diferença, a alteridade e a identidade do público-alvo da Educação Especial, especificamente, neste trabalho, os sujeitos com TEA. Considerando que muitas das vezes a lembrança sobre a luta dessas se limita a uma data específica no calendário, para que seja lembrada a luta dessas pessoas, de seus pais e familiares, para que o mínimo seja feito. Com isso, dentro dessa prática hegemônica, que se constituiu a identidade e o ser diferente de pessoas com Necessidades Educativas Especiais, que são moldadas a estereótipos.

Skiliar (2003) nos conduz (re)pensar a inclusão, e nessa reflexão, a escola como um lugar de inclusão para os educandos com Necessidades Educativas Especiais. Assim, no que compreende a Educação Especial na perspectiva inclusiva, várias leis, diretrizes, textos, documentos, currículos são propostos,

mas nenhuma palavra sobre as representações como olhares ao redor do outro. Nenhuma palavra sobre a necessidade desses científicos; lugar de encontro e confronto de culturas e a geografia escolar se torna mediadora desses processos. Compreendendo a escola como um lugar de relações, que Silva (2017) salienta a importância da reflexão sobre o uma metamorfose nas nossas identidades. Nenhuma palavra sobre a vibração com o outro. (SKILAR, 2003, p. 40).

Quando o olhar permanece preso à deficiência, a mudança nada mais é que a burocratização e banalização do outro. A geografia, como uma ciência social, tem um papel importante para impulsionar e propor o debate em prol de uma educação inclusiva, desse modo, elucidando esse olhar com Cavalcanti (2012), que destaca o papel social da geografia e a função social da escola. Para a autora, a escola é um lugar de encontro de culturas, saberes cotidianos, conceito de “Espaço Vivido”, que é trabalhado pela geografia humanística, por autores como Tuan (1983, p. 151), e que retrata que “o espaço se transforma em lugar à medida que adquire definição e significado”. Dessa forma, o lugar é o espaço que possui significado para as pessoas que vivem nele, das relações intrínsecas que são estabelecidas, como o próprio lar. Nessa concepção, torna-se fundamental para práticas educacionais considerar a escola como um lugar de experiências, de afirmação de identidade do sujeito, de construção com coletivo, onde os sujeitos constituem formas mais

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ativas de se relacionar com esse coletivo e com o que rege as relações entre as pessoas.

Ainda na perspectiva da importância do lugar, Santos (2006) também destaca que o conceito de lugar está intimamente relacionado ao conceito de “espaço vivido”. Logo, o lugar é:

[...] um cotidiano compartido entre as mais diversas pessoas, firmas e instituições – cooperação e conflito são a base da vida em comum. Porque cada qual exerce uma ação própria, a vida social se individualiza; e porque a contiguidade é criadora de comunhão, a política se territorializa, com o confronto entre organização e espontaneidade. O lugar é o quadro de uma referência pragmática ao mundo, do qual lhe vêm solicitações e ordens precisas de ações condicionadas, mas é também o teatro insubstituível das paixões humanas, responsáveis, através da ação comunicativa, pelas mais diversas manifestações da espontaneidade e da criatividade. (SANTOS, 2006, p. 218).

Para contextualizar essa análise, quando se considera a escola como um lugar de construção de saberes e vivências, torna-se importante evidenciar dados quantitativos que retratam a realidade em números de matrículas da Educação Especial nos sistemas de ensino. Esse trabalho não tem a intenção de quantificar o público-alvo da Educação Especial, mas esses dados mostram que é crescente e real o número de matrículas dessas pessoas, revelando a importância do debate.

A seguir, são apresentados os Microdados do Censo Escolar Inep/MEC (Brasil, 2020a), no período entre 2008 e 2019, retratando o total de matrículas da Educação Especial nos sistemas de ensino, tanto nas classes especializadas quanto comuns. Observa-se que o número de matriculados na escala Brasil e na subdivisão classe comum vem aumentando (os números estão expressos em milhares) e, em classes exclusivas, houve um pequeno decréscimo com tendência a estável, tendo em vista a política pública de inclusão social de alunos públicoalvo da Educação Especial em classes comuns, como pode ser observado na Figura 1, na página seguinte.

Logo, estar atento ao cerne da formação dos educadores (as universidades) torna-se um dos pontos de partida para as reflexões sobre o tema. Assim, fazendo um recorte especificamente no estado do Rio de Janeiro quanto aos currículos das Universidades públicas2 que têm em seu corpo o Curso de Licenciatura em

2 Os currículos dos cursos de Licenciatura em Geografia das seguintes Universidades: Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (Seropédica e Instituto Multidisciplinar); Universidade Federal do Rio de Janeiro; Universidade

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Geografia, foi constatado que recentemente 3 algumas dessas universidades apresentam além da disciplina de Libras (com exceção da UERJ-FEBF e UERJFFP que não apresentam a referida disciplina), ofertam na modalidade optativa/ eletiva disciplinas de educação especial e ou inclusiva em sua estrutura curricular, conforme analisado nos sites das instituições, de acordo com o exposto no Quadro 1, na página seguinte.

Nesse sentido, quando analisado de acordo com os dados do INEP (Brasil, 2020a), o quantitativo de educandos público-alvo da educação especial e o de professores da educação básica que têm alguma formação para atuar com os referidos alunos, esses dados divergem, como analisado na Figura 2, na página seguinte. Considerando que apenas 5,8 % dos professores realizaram cursos destinados à formação continuada objetivando a educação especial.

Analisando a recente mudança nos currículos de licenciatura em geografia das referidas instituições e com o crescente avanço das pesquisas direcionadas à escola e educação escolar, percebe-se que ainda assim são necessários mais estudos, principalmente no campo de investigação em que este trabalho se realiza, o que conduz a (re)pensar ou (re)significar a concepção de ser educador. Para quem pretende atuar, como enfatizado por Miranda e Galvão (2012, p. 12), “são

Federal Fluminense (Niterói, Campos dos Goytacazes, Angra dos Reis) e Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Maracanã; Faculdade de Formação de Professores e Faculdade de Educação da Baixada Fluminense).

3 No ano de 2020 foi realizada uma análise das referidas instituições quanto aos currículos de licenciatura em geografia e nenhuma das instituições tinham em seus currículos disciplinas obrigatórias e/ou optativas/eletivas que contemplassem a Educação Especial/Inclusiva em sua estrutura curricular (SILVA, 2021).

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Figura 1. Total de matrículas da Educação Especial nos sistemas de ensino. Fonte: Microdados do Censo Escolar (Brasil, 2020).

Geografia inclusiva: (re)pensar a escola como um lugar de inclusão...

Quadro 1. Universidades do Estado do Rio de Janeiro e as grades curriculares da Licenciatura em Geografia com Libras e/ou Educação Especial e/ou Inclusiva.

Universidades Disciplina obrigatória Disciplina optativa/eletiva

UERJ-Maracanã Libras Prática pedagógica em Educação Inclusiva

UERJ-FEBF – –

UERJ-FFP – –

UFRRJ-IM Libras Educação Especial

UFRRJ-Seropédica Libras –

UFRJ Libras –

UFF-Niterói Libras Educação Especial Educação Inclusiva Educação Especial e Inclusiva

UFF-Campos dos Goytacazes Libras Educação Especial e Inclusiva

UFF-Angra dos Reis Libras –

Fonte: Elaborado pela autora com os dados disponíveis nos sites das Instituições, no ano de 2022.

Figura 2. Percentual de docentes da educação básica com formação continuada em educação especial no Brasil (2019).

Fonte: Brasil (2020).

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necessárias mais do que mudanças pontuais, mas mudanças nos paradigmas dos sistemas educacionais”, indo além do que se determina decretos e leis que enfatizam as mudanças nos currículos de licenciatura e, sim, a importância do debate sobre o tema, na formação inicial do educador.

Os documentos e a educação especial

Muitas são as leis e muitos são os decretos e os tratados que estabelecem os direitos das pessoas com Necessidades Educativas Especiais e que os conceituam, como se pode observar na Lei 13.146 de 2015 (Brasil, 2015), que institui a Lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência, destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoas com deficiências, visando à sua inclusão social e cidadã. E em seu Art. 2º a lei estabelece em igualdade de condição, para qualquer cidadão, a participação plena e efetiva na sociedade. Apesar disso, é fundamental transpor os documentos teóricos e dados quantitativos, pois como aponta Skiliar (2003) muito se tem “escrito” e “reproduzido” sobre a deficiência e muito pouco sobre a alteridade deficiente.

No que se refere à formação do educador, o Decreto nº 8.752, de 9 de maio de 2016 (Brasil, 2016), que dispõe sobre a Política Nacional de Formação dos Profissionais da Educação Básica, tem como um dos seus objetivos no Art. 3º, Capítulo V, “apoiar a oferta e a expansão de cursos de formação inicial e continuada em exercício para profissionais da educação básica pelas instituições de ensino superior em diferentes redes e sistemas de ensino”. No entanto, tornase primordial verificar as condições e a acessibilidade do educador à formação continuada, quando se faz uma análise entre a teoria e a prática.

Ainda nessa perspectiva, o Decreto nº 10.502, de 30 de setembro de 2020 (Brasil, 2020b), que institui a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida, em seu Art. 1º, capítulo II, dentro de seus objetivos, dispõe sobre a necessidade de qualificação para professores e demais profissionais da educação, assegurando formação profissional de orientação equitativa e inclusiva. Assim, observa-se que há mais um documento que dispõe sobre a necessidade de qualificação do profissional da educação, porém, os dados do INEP (Brasil, 2020a) supracitados, referentes ao percentual de docentes da educação básica com formação continuada em educação especial no Brasil e os referidos documentos, apontam para uma divergência da realidade, evidenciando a necessidade de debates e reflexões em todos os segmentos da educação.

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Analisando o contexto histórico-social da educação no Brasil e as bases nas quais se alicerçam o processo educacional, é dentro dessa conjuntura que foi e é constituída a Educação Especial, o que nos aponta para a necessidade urgente de (re)pensar para além dos documentos, dos dados quantitativos que envolvem o processo educacional de inclusão de pessoas com NEE, pois, na prática exercida, como apresentado na dissertação de Silva (2017), a realidade na qual está inserida esse público difere muito do que consta nos dados teóricos. Logo, estudos e debates sobre esse tema tornam-se necessários para que ocorram medidas eficazes e funcionais na realidade desses alunos.

Que escola inclusiva é essa?

A escola se torna um lugar efetivamente inclusivo quando proporciona o relacionamento social e o desenvolvimento das habilidades de todos os educandos. E, na perspectiva desse trabalho, é muito importante compreender que o aluno com TEA pensa, tem sentimentos, escolhas, quereres, assim como qualquer outro aluno. Dessa forma, enxergá-los em suas individualidades faz parte do processo efetivo de inclusão. Como professora e fonoaudióloga, inquieta-me a fala de alguns responsáveis e da pessoa autista quando descrevem a escola e suas relações, como apresentarei mais adiante neste trabalho.

Para isso, torna-se importante destacar que a pessoa com TEA apresenta Distúrbio do Processamento Sensorial. E, de acordo com Marco et al . (2011), comportamentos sensoriais atípicos são características presentes em todas as pessoas neuroatípicas. Tais características, quando compreendidas, contribuirão para as estratégias, intervenções sociais e educacionais dessas pessoas, auxiliando no seu processo de inclusão social. Assim, quando se desconhece essa condição, a escola passa a ser muitas vezes um lugar de recusa, pois há muitos estímulos visuais, auditivos, olfativos, gustativos, táteis e proprioceptivos que podem desencadear sensações de angústia e de fuga, tornando-se, assim, um lugar “desagradável”.

Como o professor pode lidar com as especificidades da pessoa autista ou de qualquer outro educando que necessite do Atendimento Educacional Especializado? O primeiro passo é assegurar ao educador as condições para ir em busca de informação e formação para sua atuação educacional efetiva. Mas, para que isso ocorra, é preciso ir além do querer do professor; torna-se necessário investimento e interesse público para fornecer as condições necessárias desde a formação inicial, que contemple também a Educação Especial e Inclusiva, até a formação continuada.

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que este trabalho se pretendeu desenvolver, a partir do estudo de caso de dois jovens autistas e suas representações mentais, uma reflexão sobre a escola como um lugar de vivência. Com isso, em um ambiente de terapia fonoaudiológica, foi proposto que essas pessoas representassem por meio do desenho o que sentiam quando estavam na escola.

Assim, em uma das conversas com um dos jovens autistas, E (irei identificálo apenas com a letra inicial de seu nome), de 16 anos, que no momento estava cursando o segundo ano do Ensino Médio em uma escola privada, ao perguntálo sobre sua semana e como foi na escola, E me relata: “você sabe, né? A escola é um lugar muito difícil para mim. O professor falou que eu tenho que fazer o trabalho em grupo e eu não consigo”. Nesse momento, o que pude orientálo, diante de sua dificuldade de socialização e comunicação, seria na próxima aula falar com o professor que não consegue e pedir ajuda para ser incluído em um grupo. Mas, suas dificuldades transpassam sua capacidade de interação, envolvem o que esse trabalho já citou, são contextos complexos que necessitam visibilidade.

Com isso, sugeri que E representasse o que sentiu em um desenho, oferecendo-lhe uma folha de papel A4 branca, lápis e lápis de cor. Como se pode observar na Figura 3, E não usou o colorido para sua representação:

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É nessa perspectiva e considerando a responsabilidade social da geografia
Figura 3. Representação da escola como lugar por um jovem autista (E). Fonte: Silva, 2021.

A partir da representação gráfica de E, o labirinto e o túnel, representados apenas no lápis grafite, sem colorido, sugerem dificuldades em lidar com a socialização e com os sentimentos que o ambiente escolar despertava; a compreensão da imagem do jovem aluno fica evidente em sua fala. Quando pedi para que me explicasse sua representação, E me descreve: “na escola eu me vejo preso em um labirinto, em um trem de pensamentos, penso em cada lado e onde pode me levar”. Diante da fala desse jovem, mais uma vez, as reflexões recorrem a Skiliar (2003), quando o autor propõe uma outra epistemologia para entender as relações de saber e poder e, assim, outras formas de se enxergar a alteridade sob outras perspectivas de discursos.

Seguindo com as análises, o mesmo processo foi sugerido para uma jovem de 22 anos, que há dois anos havia sido diagnosticada com TEA de grau I/ Asperger, aqui também identificada apenas com a letra inicial de seu nome: T. A opção pelas experiências de T deu-se pelo fato de ela, ao ser informada de sua condição, ter retomado seus momentos na escola e feito um exercício de reflexão espontânea, de como se sentia na escola quando mais jovem. Diante de sua fala, perguntei a ela se gostaria de representar o sentimento em um desenho, oferecendo-lhe o mesmo material ofertado para E. Sua representação pode ser observada na Figura 4.

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Figura 4. Representação da escola como lugar por uma jovem autista (T). Fonte: Silva, 2021.

Na representação gráfica de T, do lado esquerdo, é possível inferir que seu foco estava nos estudos e, assim, por ter altas habilidades, se sentia o destaque da escola. Do lado direito da representação, T compreende que precisava socializar, e sua alta habilidade não traria o destaque que tinha anteriormente, os julgamentos e as necessidades seriam outras. O ambiente escolar, despertou em T, sentimentos de fuga, como se pode ver em sua representação: “buraco onde eu gostaria de estar” e quando pedi a ela que explicasse sua representação, T preferiu escrever, com isso, decidiu assinalar temporalmente sua vivência na escola privada no período entre 1997 a 2008, onde se encontrava desde a Educação Infantil ao 1º ano do Ensino Médio (T destaca que foi dos 4 anos aos 15 anos). T menciona que, nesse período, ela dominava a escola, conteúdos e aparentemente suas relações, quando se encontrava em uma escola menor de seu bairro, muito diferente quando precisou se mudar para uma escola pública maior, no 2o. ano do Ensino Médio, necessitando aprender a imitar as pessoas para facilitar sua vivência (a imitação é uma atitude muito comum em pessoas autistas). A seguir, na Figura 5, segue a representação escrita de T na escola:

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Figura 5. Representação escrita da escola como lugar por uma jovem autista (T). Fonte: Silva, 2021.

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Torna-se importante destacar que essas representações da escola como um lugar de vivências de dois jovens autistas, (nos) possibilita [re]pensar e [re] significar a concepção de ser educador. Para isso, são necessárias mais do que mudanças pontuais, mas mudanças nos paradigmas dos sistemas educacionais. Como pode-se enfatizar nessa fala de Miranda e Galvão:

Nessa perspectiva, a inclusão de pessoas com deficiência nos processos institucionais dos vários ambientes, dentre os quais, os escolares requerem, muito além de mudanças pontuais, mas transformações paradigmáticas e culturais no sistema organizacional, assim como o desenvolvimento de concepções, estruturas relacionais e referenciais culturais capazes de agenciarem a complexidade e o conflito inerentes à interação entre diferentes sujeitos, linguagens, interesses, culturas. (MIRANDA; GALVÃO, 2012, p. 12).

Diante dessa demanda, uma das propostas é a formação continuada dos educadores, a fim de se [re]pensar as necessidades escolares e os processos de escolarização dos sujeitos que também são público-alvo da educação inclusiva. Assim como o estágio supervisionado do professor em formação, acreditando que a escola é o lócus da formação docente, pois é o lugar onde se possibilita a interação crítica e reflexiva de conceitos das práticas pedagógicas.

Para Khaoule e Souza (2013), o que se almeja alcançar é a reflexão sobre o contexto em que está inserido a formação inicial dos professores, proporcionandoos, além do conhecimento da geografia, elementos para repensar a forma como esses futuros educadores irão exercer suas práticas e o compromisso social através da aprendizagem dos seus alunos, uma aprendizagem mútua, para além dos muros da escola.

Ainda nesse sentido, o [re]pensar a formação docente também pode ser contextualizado com essa fala de Jesus e Effgen (2012), ao mencionarem que a escola é um lugar que dispõe da “oportunidade para (re)pensar as relações de poder existentes no currículo, os mecanismos utilizados para validar os conhecimentos e os pressupostos que fundamentam quem pode ou não aprender” (p. 18). Desse modo, é possível correlacionar a importância do estágio docente, contribuindo para a formação do educador, proporcionando conhecimento e reflexões importantes para sua formação.

Ainda sob a percepção de Skliar (2003, p. 157), “o lugar no mundo desses outros deficientes tem sido permanente relacionados e confundidos com seu lugar institucional que foi frequentemente profanado pela perversidade de pensar tudo em termos de inclusão e exclusão”. Nas propostas atualmente

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impostas, a Educação Especial, nada mais é que uma espacialidade colonial em seus discursos e práticas.

Considerações finais

Quando a geografia se torna inclusiva e se propõe a (re)pensar a escola como um lugar de inclusão para pessoas com TEA, ampliam-se o lugar de vivência social, as experiências vividas, o sentimento de pertencimento ao lugar e, consequentemente, a apreensão dos conteúdos trabalhados, tornando a escola efetivamente inclusiva.

Torna-se necessário que educadores busquem formação e informação que os conduzam a enxergar as pessoas com deficiência como um ser outro, na sua diferença, na sua identidade, para além dos estereótipos da anormalidade. É necessário que busquem superar as práticas sob os moldes de currículos como propostas de conceitos universalizantes e únicos no processo de ensino aprendizagem da geografia.

Assim, diante das representações desses dois jovens autistas, pode-se apreender o quão importante é a escola como um lugar de vivência, de construção das relações com o coletivo, de afirmação da identidade. Como educadores, a busca de conhecimento, da superação dos rótulos e estigmas para com a pessoa autista e com todo o público-alvo da Educação Especial (nos) proporcionará conhecimentos ímpares e práticas incríveis.

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Marilza Santos da Silva

Territorialização do poderio técnico brasileiro na África a partir do Cotton-4+Togo1

Introdução

A presença brasileira na África por meio das cooperações Sul-Sul requer uma interpretação atenta às nuances condicionadas por intencionalidades, contextos e potencialidade que nem sempre se apresentam com clareza numa observação mais superficial. Um elemento que não se pode perder de vista é a assimetria que se mostra entre doador e beneficiários. Desnível que pode ser amenizado ou aprofundado. Amenizado, se o Brasil atuar no sentido de conferir autonomia para que os recipiendários, de acordo com uma concepção endógena e autêntica, alcancem um posicionamento dentro da economia-mundo que corresponda às demandas de cada país africano envolvido (MAWDSLEY, 2015). Aprofundado, no caso de gerar uma dependência maior de determinado pacote financeiro, tecnológico ou mesmo de apoio político. Condicionalidades à cooperação também tendem, por meio da exploração dessas, a escavar um abismo entre os dois lados do Atlântico Sul.

Gustavo Xavier de Abreu 1 O presente texto é um fragmento do Capítulo 2 da dissertação defendida pelo autor do texto no âmbito do PPGGEO-UFRRJ.

O Brasil busca ascender sozinho em termos de poderio econômico, técnico e político, endossados pela comprovação de potencial de liderança e por alianças?

O Brasil pretende atuar no sentido da emancipação africana em sua busca de uma posição de maior voz e prestígio no sistema interestatal capitalista?

Questionam-se as bases históricas capitalistas da subalternidade sulista? Que atores atuam e se beneficiam das cooperações, seja no Brasil ou na África? A assimetria coloca o Brasil numa posição de poder e/ou exploração sobre a África?

Perguntas como estas podem guiar uma incursão mais eficiente na discussão das cooperações do Brasil com a África e do processo de territorialização do poderio brasileiro sobre o continente.

A articulação de interesses públicos e privados já aponta para as boas oportunidades de financiamentos, mercados e lucros, acessadas pelo empresariado brasileiro por meio das portas abertas pela diplomacia e por instituições públicas de renome internacional (VISENTINI, 2010).

O presente texto emerge como uma possibilidade de tentar apresentar elementos da política externa brasileira para a África, em especial para os projetos de cooperação técnica agrícola, enfatizando o papel do Cotton-4. Para isso, é necessário pensar na construção teórica sobre poder e hegemonia no âmbito dos projetos de cooperação.

Cooperação técnica Brasil-África: poder e hegemonia

A posição do Brasil no contexto internacional atual torna-se especialmente atraente aos países africanos, sobretudo àqueles que enfrentam dificuldades com as quais já há experiências brasileiras consolidadas e reconhecidas. Somando as tecnologias sociais desenvolvidas (GARCIA; KATO, 2014, p. 161) em solo brasileiro àquelas existentes e de destaque em setores como o agrícola, caso do Cotton-4 +Togo aqui estudado, e às condicionalidades diferenciadas das tradicionais cooperações Norte-Sul, as CIDs Brasil-África ganham um potencial bastante expressivo dentro das Cooperações Sul-Sul.

Para analisar as relações de hegemonia possivelmente presentes nas relações de cooperação entre Brasil e África, ajuda começar com reflexões acerca de poder e política. Na definição de política de Hannah Arendt (2006) já se notam as tensões e os desafios que surgem nas relações entre diferentes, quando ela afirma que o “homem, tal como a filosofia e a teologia o conhecem, existe – ou se realiza – na política apenas no tocante aos direitos iguais que os mais diferentes garantem a si próprios” (p. 1). Quando a autora aborda a política externa (p. 2), ela remonta às suas raízes na expansão imperialista e

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Gustavo Xavier de Abreu

dotada dos interesses econômicos dos Estados nacionais europeus que deram início à expansão do modelo que pode ser percebido até hoje. Notamos que na relação de cooperação técnica Sul-Sul entre Brasil e também África no âmbito do Cotton-4+Togo, interagem Estados Nacionais de poderio político, técnico e econômico assimétricos, o que nos remete aos interesses econômicos intrínsecos ao referido projeto.

Já em Raffestin (1993), encontramos uma distinção entre formas de poder, em que se diferencia o Poder (com maiúscula) do poder (com minúscula), sendo o primeiro o que “se manifesta por intermédio dos aparelhos complexos que encerram o território, controlam a população e dominam os recursos. É o poder visível, maciço, identificável” (p. 52). Já o poder (com minúscula) “se esconde por trás do Poder”, estando “presente em cada relação”. O geógrafo segue afirmando que, entre outras características, as relações de poder são intencionais e não subjetivas e também que, onde há poder há resistência (p. 53). Conclui-se daí que nas relações Sul-Sul há um exercício efetivo de poder, sendo possível encontrar movimentos de resistência.

O pensador (1993, p. 53) segue diferenciando o poder entre coercitivo, remunerador e normativo. Como a presença do Brasil no continente africano por meio do Cotton-4+Togo baseia-se na transferência de recursos e na cooperação técnica, visando aumento de produtividade, geração de diversidade genética e aprimoramento do produto cultivado (EMBRAPA, 2014), podemos destacar o poder remunerativo, tendo em vista os investimentos brasileiros estimados pela Agência Brasileira de Cooperação (2014) em US$ 5,21 milhões, dentro de um total a ser financiado pelo IBA com valor liberado de US$ 19.840.863,76 (Projeto n. 10.023: Projeto Base de Cooperação Técnica Sul-Sul (ABC/PNUD apud ANUNCIATO, 2014, p. 37). Nos itens seguintes deste trabalho este valor será relativizado, posto na perspectiva dos investimentos brasileiros, tanto em cooperação Sul-Sul, cooperação com a África e projetos estruturantes, sobretudo em agricultura. Desta forma, um valor que, a princípio pode não impressionar, ganha importância dentro do projeto geopolítico brasileiro.

Fiori (2014) traz contribuições valiosas para a discussão sobre a política, o poder e sua expansão, começando por apontar “força política e sua coerência econômica interna” (p. 13) como os diferenciais históricos que conferem aos Estados nacionais o potencial de expansão.

Em sua análise do conceito de poder, Fiori (2014) faz lembrar algumas ideias de Raffestin (1993) abordadas anteriormente, apontando que “em termos estritamente lógicos, o poder é uma relação que se constitui e se define, tautologicamente, pela disputa e pela luta contínua pelo próprio

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poder” (p. 15). A análise de Fiori generaliza a proposição acima, afirmando que a mesma se aplica “em qualquer nível de abstração e em qualquer tempo ou lugar, independentemente do conteúdo concreto de cada relação de poder em particular” (2014, p. 15).

Além disso, o historiador lista características do poder, afirmando que o mesmo é: assimétrico, limitado, relativo, heterostático, triangular, fluxo, sistêmico, expansivo, indissolúvel, dialético e ético (FIORI, 2014, p. 15-18). A disputa pelo poder leva então à formação de lideranças (centros) no sistema internacional.

A análise de Fiori, em sua continuação, traz mais esclarecimentos: “Dentro do sistema mundial formado por ‘Estados-economias nacionais’, as economias líderes são transnacionais e imperiais por definição” (2014, p. 26). Segue-se que esta expansão transnacional e imperial dos Estados-economias nacionais gera o que Fiori chama de um “rastro” ao redor de si. Fiori afirma ainda a possibilidade da coexistência de tipos diversos de liderança dentro do sistema internacional, o que produz rastros nas áreas lideradas por cada Estado-economia nacional, originando “vários centros e periferias com dinamismos e trajetórias diferentes” (2014, p. 26-27).

Percebe-se aí que o projeto brasileiro de busca de maior poder no sistema internacional para alcançar seus objetivos políticos e econômicos carrega em sua essência as sementes do imperialismo e da transnacionalização; resta investigar, entre os tipos possíveis de liderança econômica global ou regional, qual dos dois, ou ambos, o Brasil pretende exercer sobre a África, especificamente sobre os integrantes do Cotton-4+Togo. Cabe ressaltar que o Brasil, enquanto integrante do Sul econômico global, busca com uma série de iniciativas – como o apoio em missões de paz da ONU, a reivindicação de um assento permanente no Conselho de Segurança da mesma, investimentos robustos em projetos de cooperação internacional em múltiplos setores – superar a condição periférica, um grande desafio, visto que

Como no caso do poder, também no caso do desenvolvimento econômico ninguém ganharia se todos ganhassem, e os que já ganharam lutam para manter e ampliar suas vantagens, estreitando o caminho dos demais e reproduzindo as condições de desigualdade. Assim, nenhum Estado ou economia nacional conseguirá jamais alcançar uma posição de liderança dentro de algum desses subsistemas econômicos sem dispor de uma economia dinâmica e de um projeto político e econômico capaz de articular interesses de Estado com aqueles dos grandes capitais privados. Além disso, nenhum capital privado individual jamais logrará se internacionalizar sem o apoio do seu Estado de origem. (FIORI, 2014, p. 27).

Gustavo Xavier de Abreu 80

E também que

No entanto, essas grandes potências se protegem coletivamente, impedindo o surgimento de novos Estados e economias líderes, pela monopolização das armas, da moeda e das finanças, da informação e da inovação tecnológica. Por isso, o aparecimento de uma potência emergente é sempre um fator de desestabilização e mudança do sistema mundial, porque sua ascensão ameaça o monopólio das potências estabelecidas. (FIORI, 2014, p. 30).

Ao afirmar que “hoje os europeus e seus descendentes norte-americanos exerceram um verdadeiro poder estrutural sobre o sistema interestatal capitalista, por terem criado e ainda controlarem o software do sistema” (FIORI, 2014, p. 28), o autor nos desperta um importante questionamento: O projeto Brasileiro de poder busca reformular o software em sua essência ou apenas maior autonomia dentro e poder sobre o software já existente? No caso da primeira opção, que novas bases o Brasil visaria construir? No caso da segunda, esse maior controle favoreceria a mitigação da exploração e da desigualdade ou apenas buscaria para o Brasil o papel, mesmo que mais brando, do explorador?

Tais questões podem ser debatidas a partir do exemplo do projeto Cotton- 4 e da cooperação Brasileira com o continente africano.

A cooperação brasileira com a África na área da Agricultura

Faz-se importante tomar algumas linhas a fim de situar a EMBRAPA no contexto agrícola e agrário brasileiro e mundial, assim como sua importância para as CSSs. “A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) é referência mundial no seu campo de atuação” (VALENTE et al., 2015 p. 345). Sua criação remonta ao ano de 1973, sob a proposta técnica e metodológica de gerar e difundir tecnologia para a agricultura, a fim de alcançar por meio de métodos e técnicas modernas avanços em produtividade (VALENTE et al., 2015). Seguindo os elementos norteadores dos governos militares no Brasil, não havia esforços no sentido de combater a concentração de renda ou fundiária. Aos poucos, com a redemocratização, o pequeno produtor passa a conquistar presença em políticas públicas promovidas via EMBRAPA, sobretudo na gestão Lula (2003-2010) (VALENTE et al., 2015. A própria EMBRAPA atingiu maior pujança.

A partir dos mandatos presidenciais de Luiz Inácio Lula da Silva, a preocupação com a agricultura patronal e familiar foi intensificada. De um lado, por sua

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do poderio técnico brasileiro na África a partir do Cotton-4+Togo

importância na composição do Produto Interno Bruto (PIB) nacional; de outro, pela necessidade de produção de alimentos que pudessem garantir a segurança alimentar no Brasil. (VALENTE et al., 2015, p. 346-347).

Entendemos, então, como a convergência do crescimento econômico brasileiro, da própria EMBRAPA e a reorientação geopolítica do Brasil para a Cooperação com a África resultaram num papel destacado da instituição nas CSSs.

A cooperação técnica desempenhada por intermédio da EMBRAPA dividese, segundo Muñoz e Carvalho (2016, p. 43), em projetos estruturantes, que contam com investimentos superiores a um milhão de dólares, duram mais de dois anos, contam com presença permanente de profissional (is) da Embrapa e podem ocorrer em parceria com a Agência Brasileira de Cooperação (ABC) e agências internacionais; projetos pontuais, que apresentam orçamentos mais enxutos e menor duração; e as capacitações, que consistem em cursos sobre agricultura tropical, além das plataformas de inovação agropecuária.

De acordo com a definição que a Agência Brasileira de Cooperação disponibiliza em seu site 2 , os projetos estruturantes de cooperação, como o Cotton-4+Togo3 , recorte deste trabalho, são aqueles que visam criar e estruturar instituições para capacitar mão-de-obra em áreas deficientes nos países que demandam cooperação. Sendo assim, estes projetos diferenciam-se de cooperações mais pontuais por sua duração, complexidade, disponibilidade de profissionais e volume de investimentos.

Milhorance (2013, p. 7), recorrendo a Buss, aprofunda-se no conceito de cooperação estruturante, apontando para outros aspectos desta, tais como a “integração do desenvolvimento de recursos humanos ao desenvolvimentos organizacional e institucional e pela proposta de se aproveitar das capacidades endógenas e dos recursos de cada país” Segundo os autores, isto significa um distanciamento das práticas de cunho colonial de “transferência passiva e unidirecional de conhecimentos e tecnologias” (MILHORANCE, 2013, p. 7).

Contudo, conforme reiterado pelo próprio presidente Lula, este é um modelo em construção (IPEA/ABC 2010 apud MILHORANCE, 2013, p. 7).

Anunciato e Marx (2013), em seu artigo sobre a atuação da EMBRAPA no caso do Cotton-4, elencam alguns dos potenciais e riscos da cooperação brasileira para a África, ou mesmo as vantagens e desvantagens que podem

2 http://www.abc.gov.br/Gestao/ProjetosEstruturantes

3 Para maiores informações sobre o projeto, veja: https://www.embrapa.br/cotton-4-togo.

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ser encontradas no caminho brasileiro rumo a uma cooperação técnica em agricultura que supra seus interesses:

por um lado, é um incentivo à cooperação internacional e ao sentimento de parceria e ganhos mútuos, já que o Brasil teria vantagens com relação aos doadores tradicionais, para ofertar cooperação em programas bem-sucedidos para o desenvolvimento social e excelência nos setores de pesquisa agrícolas e energéticos, todos adaptáveis ao continente, sobretudo pela semelhança de solo e clima, e a similaridade dos problemas no desenvolvimento econômico e político. Por outro lado, como um “doador emergente”, haveria o questionamento da efetividade dessa ajuda, pois não haveria critérios, como os elencados pela OCDE, para garanti-la; além disso, as condicionalidades podem promover reformas estruturais, políticas e econômicas que habilitam os países a inserirem-se na economia global e serem mais competitivos. (ANUNCIATO; MARX, 2013, p. 4).

Temos, então, que as cooperações empreendidas pelo Brasil e pelos demais emerging donors desafiam um modelo já estabelecido pelos países do Norte e se diferenciam substancialmente, oferecendo competitividade e riscos. No que tange à falta de parâmetros ou mesmo às ameaças inerentes ao “inédito”, o Brasil encontra-se já antecipado pela China, não só nos passos rumo à cooperação, mas também em aportes financeiros, de forma que não corre riscos tão imprevisíveis. Além disso, o Brasil já possui uma experiência ainda maior em CSS na América Latina e África, de modo que conta com um considerável know-how nesse setor da política externa, tendo ampliado os investimentos de cooperação na África nos últimos anos (Tabela 1, na página seguinte).

No que diz respeito aos projetos estruturantes de cooperação entre Brasil e África, os projetos em agricultura somam US$ 6.269.729,00, de um total de US$ 26.947.831,26. Um total de quase 23,3%, de modo que o Cotton-4 sozinho já alcança quase 70% do montante destinado à agricultura4 , ou pouco mais de 16% do total dos projetos estruturantes de cooperação com o continente africano. No mapa da Figura 1, podemos acompanhar a distribuição espacial das cooperações brasileiras com a África.

Note-se que a cotonicultura se destaca nos C-4 e no Togo, o que reafirma a importância do Cotton-4 +Togo no âmbito dos projetos estruturantes de cooperação Sul-Sul entre Brasil e África, com destaque ainda maior entre os projetos em agricultura. Notamos que é líder em número de projetos de cooperação em agricultura no continente africano, com um total de treze projetos.

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do poderio técnico brasileiro na África a partir do Cotton-4+Togo
4 De acordo com Anunciato e Marx (2013, p. 4) conta com outros 35 projetos capitaneados pela EMBRAPA no continente.

Tabela 1. África –Projetos Estruturantes

Recursos da ABC (US$)

2.970.681,60

4.380.351,00

4.500.000,00

754.530,00

Executores brasileiros

SENAI

EMBRAPA

Ministério da Saúde, UFMG e Herominas

Ministério da Saúde

Área

Educação

Agricultura

Saúde

Saúde

Caixa 1.236.006,00

Desenvolvimento Urbano Econômica Federal

Título

Centro de formação profissional Brasil–Guiné Bissau / Fase IIRevisão B

Apoio ao desenvolvimento do setor algodoeiro dos Países do Cotton-4 (Benin, Burkina Faso, Chade e Mali)

Centro de Hemoterapia e Doença Falciforme Brasil

–Gana

Capacitação em Produção de medicamentos Antiretrovirais

Implantação do Centro de Formação Profissional BrasilMoçambique

Apoio ao desenvolvimento urbano de Moçambique

UABMoçambique MEC/CAPES

País

Guiné Bissau

Cotton-4

Gana

Moçambique

Moçambique

Moçambique

Moçambique Educação

Seguridade Social 615.475,00

Modernização da Previdência Social de Moçambique MPS/DATAPREV/INSS

4.073.428,00

Moçambique

São Tomé e Príncipe Educação

Saúde 1.153.698,00

Social Instituto Mazal 1.250.393,88

Apoio ao Programa de Luta contra a tuberculose em São Tomé e Príncipe

São Tomé e Príncipe

1.889.378,00 TOTAL

26.947.831,25

Apoio ao desenvolvimento da produção de artesanato em São Tomé e Príncipe –Fase II e III

São Tomé e Príncipe Desenvolvimento

Senegal Agricultura

Fonte: http://www.abc.gov.br/Gestao/ProjetosEstruturantes.

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Educação SENAI 3.635.092,00
–Fase II
488.797,00
Centro de Formação Profissional Brasil–São Tomé e Príncipe SENAI
Ministério da Saúde
Apoio ao desenvolvimento da rizicultura no Senegal EMBRAPA

Territorialização do poderio técnico brasileiro na África a partir do Cotton-4+Togo

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Figura 1. Mapa dos projetos de cooperação técnica em agricultura na África. Fonte: ROCHA, 2018.

Burquina Faso e Benin contam com 12 e Chade com seis. Já o Togo, que passou a integrar o projeto num momento posterior aos demais, participa de apenas duas cooperações em agricultura com o Brasil. Além dos C-4, Moçambique e Senegal também apresentam expressivo número de cooperações técnicas em agricultura com o Brasil.

Dentre os projetos de cooperação Sul-Sul entre Brasil e África, destacamse em número os de cunho agrícola, totalizando, de acordo com a Figura 2, 28 projetos ou 21% das cooperações.

De acordo com o Relatório de Atividades de 2017 da Agência Brasileira de Cooperação (ABC, 2017, p. 39) as principais demandas vindas da África, Ásia e Oceania para Cooperação Técnica Sul-Sul são para os setores de agricultura,

Figura

Fonte: BERNDT, 2009, p. 14.

pecuária, saúde, educação e formação profissional. De modo que, no que tange à agricultura, entre as maiores preocupações dos beneficiários da cooperação está o incremento da segurança alimentar, assim como auxílio aos pequenos produtores e à agroindústria, destacando-se gêneros como o algodão, a canade-açúcar e o eucalipto, que já contam com uma sólida e ampla produtividade no Brasil. Assuntos como conservação dos solos, “exploração sustentável de

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2. Gráfico com número de projetos por área.

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florestas” e cooperativismo permeiam as demandas apresentadas às instituições brasileiras.

O Documento da ABC (2017, p. 40) enfatiza os avanços do apoio brasileiro à cotonicultura africana como a principal frente da cooperação brasileira com a África e aponta sua origem para o contencioso do algodão entre Brasil-Estados Unidos no âmbito da Organização Mundial do Comércio, de modo que os recursos indenizatórios conseguidos pelo Brasil integram os investimentos no Cotton-4+Togo.

Cabe ressaltar que, embora seja o de maior aporte financeiro, o Cotton4+Togo não é o único projeto de cooperação Sul-Sul com África em cotonicultura, havendo também o Cotton-Victoria (Burundi, Quênia e Tanzânia) e o Curso de aperfeiçoamento de técnicos africanos (Benin, Burquina Faso, Burundi, Camarões, Chade, Côte d’Ivoire, Malaui, Mali, Quênia, Senegal, Tanzânia, Togo, Zimbábue). Assim sendo, ainda de acordo com a ABC (Ibid.), são 15 os países africanos beneficiários da cooperação técnica com o Brasil no setor algodoeiro, de acordo com a Tabela 2.

Tabela 2. Apoio ao Desenvolvimento do Setor Algodoeiro por meio da Cooperação Sul-Sul País Subprojeto Título do Subprojeto

Projetos de coordenação

BRA/12/002-S004

BRA/12/002-S001

Coordenação de CTPD

Apoio a Coordenação de Projetos e Atividades de Cooperação Técnica na Área de Algodão

Regional - África (Benim, Burundi, Burkina Faso, Cameroun, Côte d’lvoire, Moçambique, Burquina Faso, Chade, Malaui, Mali, Quênia, Senegal, Tanzânia, Togo, Zimbábue)

BRA/12/002-S003

Projeto Regional de Fortalecimento do Setor Algodoeiro nas Bacias do Baixo Shire e Zambeze: Cotton Shire Zambeze

BRA/12/002-S005

Fortalecimento Tecnológico e Difusão de Boas Práticas Agrícolas para o Algodão em Países do Cotton-4 e no Togo: Cotton-4+Togo

BRA/12/002-S006

BRA/12/002-S007

Fonte: ABC, 2017. Relatório de Atividades 2017.

Projeto Regional para o Aperfeiçoamento de Técnicos Africanos em Cotonicultura

Projeto Regional de Fortalecimento do Setor Algodoeiro na Bacia do Lago Victória: Projeto Cotton-Victória

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É importante

um breve histórico da consolidação do Brasil como potência agrícola que se torna um parceiro elegível para cooperações técnicas. De acordo com Milhorance (2013, p. 10), com base em Teixeira, é a partir da década de 1950 que ganha força a modernização da agricultura brasileira, sendo essenciais no processo a importação de insumos mais avançados, o crédito rural e os incentivos fiscais. Há ainda o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e a criação da EMBRAPA, como elementos-chave no processo de desenvolvimento de tecnologias próprias para as diversas condições edáficas, climáticas e ecológicas do país (MILHORANCE, 2013).

Esta autora apoia-se em ideias de Delgado, Sabourin e Schneider para reforçar que tal modernização não só não contribuiu para estabelecer melhores relações de trabalho com o meio ambiente como as degradaram. Aponta-se, então, para a coexistência no Brasil de “duas agriculturas”, a moderna patronal e a de subsistência camponesa. De modo que, mesmo com o incremento de políticas públicas para o pequeno agricultor durante o governo Lula, não se alterou o status da agricultura empresarial no Brasil como a grande privilegiada e a definidora de agendas governamentais (MILHORANCE, 2013). A autora, contudo, elenca uma série de medidas implementadas durante o governo Lula, gestão 2003-2011:

Nesse contexto, o governo Lula buscou aplicar uma estratégia de coexistência pacífica entre os dois modelos agrícolas (CHRISTOFFOLI, 2007). Uma mudança significativa no Pronaf ocorre com a implementação do Programa Mais Alimentos (PMA), que surge com o objetivo de apoiar as grandes cooperativas bem como a empresas agrícolas familiares. Outros programas também contribuem para a integração das ações públicas, almejando-se a intersetorialidade, como, por exemplo, o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA). O PAA é coordenado por um grupo composto de diferentes ministérios e combina mecanismos de apoio à produção e à comercialização, aplicando preços de referência diferenciados para a agricultura familiar. Ele foca simultaneamente múltiplas dimensões da cadeia agroalimentar. Por fim, a criação em 2003 do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) garante maior visibilidade aos conflitos em torno das distintas demandas da agricultura familiar e da agroindústria de exportação. (MILHORANCE, 2013, p. 11).

Em França et al. (2009), encontramos um importante relato de como programas de distribuição de alimentos podem assegurar a viabilidade da produção do pequeno agricultor com a estabilização da demanda em níveis que garantem a sustentabilidade para os mesmos por meio de uma rede estabelecida de compras governamentais. Os autores afirmam ainda que o Brasil conseguiu estabelecer

88
Gustavo Xavier de Abreu
traçar

complementaridade entre o setor agroexportador de relevância global e a agricultura familiar que corresponde a 70% do consumo interno de alimentos.

O aumento da produção agrícola nos últimos anos foi considerado grande, tendo em vista o baixo aporte de subsídios (MILHORANCE, 2013, p. 10-11). Além disso, os bons resultados no que diz respeito à segurança alimentar atingiram, cinco anos antes da data-limite, a meta estabelecida pelos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, de acordo com dados do IPEA (2010) obtidos através de Milhorance (2013, p. 10-11). A pesquisadora segue elencando o papel da EMBRAPA que, apesar das questões ambientais e ecológicas associadas, logrou a expansão da fronteira agrícola no Brasil e o aumento da produtividade onde já se produzia graças ao desenvolvimento de tecnologias e adaptações de técnicas (MILHORANCE, 2013).

O papel “modelo que deu certo” assumido pelo Brasil e referendado por entidades como o Banco Mundial e a FAO Brasil, de acordo com Garcia et al. (2012, p. 16) combina crescimento econômico e inclusão social, ambos almejados pelos países africanos elegíveis para cooperações brasileiras. O status de potência emergente de certa forma aproxima o Brasil das dificuldades africanas e naturaliza a ideia de transferência direta de soluções desenvolvidas e aplicadas em solo brasileiro, independente das especificidades de contexto e de demanda. “Isso se deu com programas de transferência de renda, como o ‘Bolsa Família’ (GIUGALE, 2012), com o Programa Aquisição de Alimentos, com o Mais Alimentos em com o desenho de uma política para a segurança alimentar e nutricional no âmbito dos países e da CPLP” (GARCIA et al., 2012, p. 16).

De acordo com Muñoz e Carvalho (2016, p. 33-34), devido ao reconhecimento internacional do relativo êxito alcançado por programas como o Bolsa Família e o Fome Zero, o Brasil tornou-se referência em alimentação, o que abre a possibilidade de “transferência” dessas experiências. O Brasil conclui mais um importante passo na consolidação de sua imagem de parceiro desejável para cooperações técnicas em agricultura no âmbito das CSSs com a nomeação de José Graziano para a direção da FAO em 2011 (FAO, 2011).

Considerações finais

Há, contudo, que se questionar se, com estes projetos financiados pelo BNDES para a África, o Brasil não estaria exportando, o que, de acordo com Garcia et al . (2012, p. 6) seria um “modelo de desenvolvimento”. De acordo com tal modelo, o Brasil poderia estar reproduzindo na África “o próprio modelo brasileiro, baseado em grandes obras de infraestrutura e produção de

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Territorialização do poderio técnico brasileiro na África a partir do Cotton-4+Togo

commodities minerais e agrícolas para exportação, tendo no Estado seu principal agente fomentador” (GARCIA et al ., 2012, p. 6).

Todo este prestígio alcançado pelo Brasil é utilizado como um importante dinamizador para o agronegócio por duas razões. A primeira é o reconhecimento do potencial brasileiro em cumprir demandas sociais por meio de seu know-how, o que abre portas, não só para a EMBRAPA, mas para o capital privado agrário atuar, de acordo com interesses nem sempre claros, no Sul econômico global sob o discurso de Cooperação para o Desenvolvimento. Em Muñoz e Carvalho (2016, p. 33-34) temos a segunda razão: a alimentação deixa de ser apenas um direito “básico que deve ser garantido e protegido” e se converte em “uma mercadoria que pode ser trocada com alto lucro no mercado de commodities”.

O continente africano apresenta alguns padrões que o “empurram” em direção a uma parceria com um país como o Brasil que, além de emergente, portador de um discurso de dispensa de condicionalidades e experiência de recipiendário em CIDs, tornou-se referência em aumento de produtividade agrícola e combate à fome. A saber, na maior parte dos países africanos, a produção agrícola é a principal fonte de receita e, ao mesmo tempo, necessita-se importar alimentos (MILHORANCE, 2013, p. 12). Constam entre as razões para este quadro, além da produção socioeconômica do espaço africano ao longo da história, limitações quanto à precária qualificação da mão de obra e o difícil acesso à água e a solos férteis em muitos países, é o que Milhorance (2013) apurou de dados colhidos de BM/IPEA (2011) e UA/NEPAD (2009a).

Existe uma urgência na questão alimentar no continente africano, e se observa que a situação nos C-4 e em Togo é preocupante. Em Mali, a desnutrição apresenta-se em baixo percentual; Benin, Togo e Burquina Faso apresentam moderados percentuais de desnutrição; já, no Chade, o percentual é alto. Cabe ainda ressaltar, de acordo com Anunciato e Marx (2013) que o algodão é para Benin, Burkina Faso, Chade e Mali uma commodity essencial para a economia, de modo que a cooperação técnica no que tange ao aumento da produtividade, o melhoramento do produto para valorização comercial e a dinamização da cadeia de produção são altamente desejáveis.

Um importante desafio discursivo diz respeito às similaridades históricas, culturais e agroclimáticas entre Brasil e África. Tais similaridades favorecem uma criação conjunta e horizontal de saídas, o que seria inviável sem o knowhow e o potencial de investimentos brasileiro? Ou seriam uma justificativa para uma transferência da tecnologia e do modelo agroindustrial brasileiro tal qual um pacote fechado?

Gustavo Xavier de Abreu 90

Territorialização do poderio técnico brasileiro na África a partir do Cotton-4+Togo

Assim, reafirmamos que uma nova revolução verde, mesmo que empreendida dentro de uma cooperação Sul-Sul pode ser tão ou mais contraditória que a empreendida na década 1950. A geração e a manutenção da dependência externa, a ignorância do pensamento e da contribuição local, a não atenção para a raiz dos problemas agrários locais já surtiram efeitos, tais como o incremento das desigualdades e tensões no campo, bem como o aumento da fome e da concentração fundiária na própria América Latina.

REFERÊNCIAS

AGÊNCIA BRASILEIRA DE COOPERAÇÃO. AVALIAÇÃO DO PROJETO “APOIO AO DESENVOLVIMENTO DO SETOR ALGODOEIRO DOS PAÍSES DO C-4” (BENIN, BURQUINA FASO, CHADE E MALI). São Paulo: ABC, 2014. Disponível em: www.gov.br/abc/pt-br/ centrais-de-conteudo/publicacoes/documentos/avaliacao_1fase_cotton4_pt.pdf/ Acesso: 16 de abr. 2017

AGÊNCIA BRASILEIRA DE COOPERAÇÃO. Cotton-4+Togo: Uma parceria de sucesso. São Paulo: ABC, 2014. Disponível em: Acesso: 04 nov. 2018. AGÊNCIA BRASILEIRA DE COOPERAÇÃO. Disponível em: http://www.abc.gov.br/imprensa/mostrarconteudo/1056/ Acesso: 15 de mar. 2017.

ANUNCIATO, R. O.; MARX, V. Política externa brasileira e a atuação da EMBRAPA no caso do Cotton-4. 4º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais. Belo Horizonte, 2013

ARENDT, H. O Que é Política? 6.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.

BERNDT, P. P. A cooperação técnica internacional como instrumento da política externa brasileira: o Brasil como doador junto aos países africanos. Trabalho de Conclusão de Curso (Relações Internacionais) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2009.

EMBRAPA. O fio que nos une à África. Disponível em Acesso:15 jul. 2019

FAO, 2011. Disponível em: http://www.fao.org/director-general/en/. Acesso: 15 jul. 2019.

FIORI, J. L. História, estratégia e desenvolvimento: para uma geopolítica do capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2014.

GARCIA, A. S.; FONTES, V. Brazil’s new imperial capitalism. Toronto: Socilaist Register, 2014.

GARCIA, A. S.; KATO, K.; FONTES, C. A história contada pela caça ou pelo caçador? Perspectivas sobre o Brasil em Angola e Moçambique. PACS, 2012

MAWDSLEY, E. Development geography: Cooperation, competition and convergence between ‘North’ and ‘South’. Progress in Human Geography, 2015.

91

MILHORANCE, C. A política de cooperação do Brasil com a África Subsaariana no setor rural: transferência e inovação na difusão de políticas públicas. Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, v.56, n. 2, p. 5-22, 19 p. 2013. Disponível em:. Acesso: 26 out. 2018.

MUÑOZ, E. E.; CARVALHO, T. C. O. A Cooperação Sul-Sul brasileira com a África no campo da alimentação: uma política coerente com o desenvolvimento? Caderno CRH, Salvador, v. 29. p 33-52, 2016.

RAFFESTIN, C. Por uma Geografia do Poder. São Paulo: Ática, 1993

ROCHA, A. S. A política externa e geopolítica brasileira na era Lula: uma análise dos acordos de cooperação técnica para a África. In: RÜCKERT, A. A.; SILVA, A. C. P. da; SILVA, G. de V. (org.). Geografia Política, Geopolítica e Gestão do Território: integração sul-americana e regiões periféricas. Porto Alegre: Editora Letra1, 2018. p. 131-144

VALENTE, A. L. E. F.; LOMBARDO, A. M. S.; TERTO, A. P.; CAMPOS, J. I. O papel da Embrapa na cooperação técnica internacional para o desenvolvimento sustentável da África subsaariana. In: OTERO, M. R.; OLIVEIRA, M. M.; TIBÚRCIO, B. A.; RAMÍREZ, A. R. (org.). Agricultura e Desenvolvimento Rural Sustentável: Desafios da Cooperação Técnica Internacional. Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura: Brasília, 2015. p. 345-379.

VISENTINI, P. F. Cooperação Sul-Sul, diplomacia de prestígio ou imperialismo “soft”? as relações Brasil-África no governo Lula. Revista SÉCULO XXI, Porto Alegre, v. 1, n. 1, p. 6584, 2010.

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Gustavo Xavier de Abreu

PARTE 2

Sob a Lua num velho trapiche abandonado: representações espaciais e simbólicas do lugar no romance Capitães da Areia

A pesquisa aqui desenvolvida discorre sobre um olhar atento para a Literatura Brasileira, por entender que a partir dela podemos estabelecer conexões interdisciplinares com a Geografia, mais precisamente com a Geografia Cultural/Humanista. Nesse sentido, a Literatura se coloca como um rico documento que, embora esteja no campo do imaginário, é revestido também pelos contextos histórico-geográficos nos quais o romance literário se insere. Por isso, Capitães da Areia , de Jorge Amado, é um excelente romance modernista, permeado de críticas sociais, que foi publicado em 1937 e retrata a trajetória de crianças abandonadas – (corpos pretos), com suas crises existenciais, morando em um trapiche (armazém) na praia da cidade de Salvador, na Bahia. Assim, busca-se apresentar uma discussão fenomenológica do romance, ao trazer para a análise o conceito de “lugar” e suas perspectivas topofílicas e topofóbicas, tendo como principal inspiração os teóricos Gaston Bachelard (2008), Yi-Fu Tuan (1980), Merleau-Ponty (1999), dentre outros, inclusive autores atuais, sempre no diálogo desse referencial teórico. Dessa forma, sentimentos de aversão e pertencimento, tanto em relação aos personagens quanto ao espaço em que vivem, bem

como da própria sociedade baiana no contexto do romance, caminham juntos nessa construção literária de Jorge Amado, analisado aqui pelo viés geográfico, em que sujeitos e suas ações são discutidos à luz da fenomenologia, revelando, assim, o modo como a cidade de Salvador foi sendo criada e recriada dentro dessa perspectiva do(s) lugar(es). Logo, a metodologia utilizada vai ao encontro da revisão do conceito de lugar e do retrabalhamento bibliográfico, a fim de se alcançar um todo interdisciplinar, que chamaremos então de Geografias Literárias. Portanto, a arte literária cumpre um papel para além da contemplação do senso-comum, e o romance Capitães da Areia, pelas problemáticas que ele denuncia (desigualdade, segregação, preconceito racial), torna-se aqui objeto de pesquisa/estudo para o campo geográfico. E é a partir desta proposta, sob a lua num velho trapiche abandonado, que percorremos os lugares materiais e simbólicos da narrativa do escritor baiano.

REFERÊNCIAS

AMADO, Jorge. Capitães de Areia. Rio de Janeiro: Record, 2002 [1937].

BACHELARD, G. A poética do espaço. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2008.

MERLEAU-PONTY. Fenomenologia da Percepção. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

TUAN, Yu-Fu. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. São Paulo: Difiel, 1980.

Rafael Alves de Freitas 96

A mulher no espaço relacional do lar: uma análise de raça e de gênero da sobrecarga imposta a elas no espaço doméstico

A pandemia de Covid-19 escancarou as relações presentes dentro do espaço doméstico e, com ela, a necessidade de analisar geograficamente o espaço da casa e principalmente o papel da mulher dentro desse espaço. Com a ordem para que ficássemos em casa, a permanência dentro do ambiente doméstico e seu uso se tornaram ainda mais frequentes para aquelas famílias que podiam se manter isoladas. Essa situação de isolamento trouxe consigo a necessidade de entender como a dinâmica do espaço doméstico afeta principalmente a mulher que ali vive, tanto as que podem se manter isoladas quanto as que não possuem esse privilégio.

De acordo com Massey (2004, p. 8), o espaço é “um produto de inter-relações” que possibilita a “existência da multiplicidade”, além de ser um “produto de relações-entre-relações”, o que significa dizer que o espaço está sempre em processo. Sendo assim, a reflexão geográfica sobre a espacialidade da casa, por exemplo, e a ênfase nas relações de poder que impactam a (sobre)vivência das mulheres no espaço doméstico em tempos pandêmicos é um assunto urgente e atual (OLIVEIRA, 2020). Dessa forma é possível pensar o espaço da casa como um espaço

relevante para uma análise corporificada da Geografia, ratificando a sobrecarga histórica das mulheres, sobretudo as negras.

Portanto, por meio de revisão bibliográfica e fazendo vasto uso das Geografias Feministas, o interesse desta pesquisa é analisar o espaço relacional e corporificado do lar, usando como ponto de partida a experiência da mulher que ocupa, voluntariamente ou não, os cargos de cuidado, remunerado ou não, e o impacto que o estado pandêmico do país causou nas relações e no espaço doméstico para essa mulher, que é múltipla e diversa. Faz-se necessário um recorte de raça para essa análise, pois, historicamente, as mulheres negras são as mais exploradas dentro da subdivisão piramidal de uma sociedade que as mantêm, ainda, na base.

Essas reflexões abrem uma brecha para pensarmos as razões dessas temáticas relacionadas a gênero e raça terem demorado tanto para serem incorporadas aos saberes geográficos, ou que não fosse de interesse da ciência, e encontramos respostas no padrão de reflexão que em sua maioria era feita por um restrito grupo hegemônico de homens heterossexuais brancos e cristãos. Esse padrão impedia que reflexões para além dos seus próprios cotidianos e vivências fizessem parte do seu campo de estudo.

Entende-se que quanto mais variada e diversa for a comunidade geográfica científica, mais temáticas e problemáticas serão incorporadas aos discursos geográficos (SILVA, 2009). Assim, a subordinação das pessoas ao discurso hegemônico se estabelece por meio de tensões, que desestabilizam a pretensa universalidade científica. Nessa perspectiva, emergiram as chamadas “geografias feministas”, desenvolvidas com o objetivo de desafiar a crença fundamentalista da universalidade do saber geográfico estabelecido, por meio da reivindicação de novas versões científicas que pudessem dar visibilidade a grupos sociais repudiados pelo conhecimento hegemônico (SILVA, 2009, p. 26).

Refletir sobre o agravamento da sobrecarga de trabalho das mulheres na pandemia significa trazer a casa para o centro do debate geográfico. Pensar sobre a espacialidade da casa é uma forma de trazer as relações de gênero para a análise geográfica, entendendo a importância de repensar espaços pouco valorizados na história da Geografia. Para além disso, cabe refletir sobre as geometrias de poder (MASSEY, 2008) e sobre as desigualdades de gênero presentes não só no espaço doméstico, mas também nas variadas escalas de análise geográfica, que reiteram as mulheres nas posições de submissão, além de diferentes modos de insurgir contra opressões patriarcais que ocorrem no lar e também nos espaços de trabalho, na rua ou no transporte público. Trata-se de trazer uma contribuição geográfica para a análise das questões de gênero,

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Stefania Luiza Marques Tieppo

A mulher no espaço relacional do lar: uma análise de raça e de gênero da sobrecarga imposta a elas no espaço doméstico

REFERÊNCIAS

MASSEY, Doreen. Filosofia e Política da espacialidade: algumas considerações. GEOgraphia, v. 6, n. 12, p. 7-23, 2004.

MASSEY, Doreen. Pelo espaço: uma nova política da espacialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008. 312p.

OLIVEIRA, Anita Loureiro de. A espacialidade aberta e relacional do lar: a arte de conciliar maternidade, trabalho doméstico e remoto na pandemia de Covid-19. Rev. Tamoios: Especial COVID-19, São Gonçalo, ano 16, n. 1, p. 154-166, maio 2020.

SILVA, Joseli Maria. Fazendo geografias: pluriversalidades sobre gênero e sexualidades. In: SILVA, Joseli Maria (org.). Geografias subversivas: discursos sobre espaço, gênero e sexualidade. Ponta Grossa: Todapalavra, 2009. p. 25-53.

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de raça e de classe que incidem na microesfera das relações pessoais e apontar para um tensionamento nos arranjos familiares de cuidado, trazendo o tema da divisão de tarefas no lar (trabalho não-remunerado) para o centro da vida pública e a casa para o centro da análise geográfica.

O papel político dos periódicos do IBGE na inserção da mulher na ciência geográfica: o caso do Boletim Geográfico

O Instituto Brasileiro de Estatística e Geografia (IBGE) administrava dois periódicos principais: a Revista Brasileira de Geografia e o Boletim Geográfico. Desse modo, havia a necessidade de difusão e divulgação da produtividade científica geográfica brasileira. Os objetivos centrais das revistas eram divulgar o território nacional, publicar a metodologia geográfica e a metodologia de ensino de geografia (BARCELOS, 2010). Criado em 1943, pelo IBGE, a fim de divulgar pesquisas, atividades e favorecer o avanço científico geográfico no país, o B oletim Geográfico tornou-se um dos principais repositórios da geografia brasileira, sendo, portanto, de suma relevância para a compreensão do contexto em que surgiu e para a ciência geográfica brasileira. O peso que sua criação teve para os estudiosos da época confere ao periódico o título de instrumento político para o reconhecimento das funções do geógrafo.

A justificativa para a presente pesquisa reside no objetivo de comprovar a inserção da mulher na ciência geográfica por meio do periódico Boletim Geográfico e relacioná-lo a geografias feministas. Porém, ainda há muito o que estudar sobre essa dinâmica. Apesar dos periódicos serem considerados um importante veículo de

O papel político dos periódicos do IBGE na inserção da mulher na ciência geográfica: o caso do Boletim Geográfico

divulgação da geografia, no Brasil há a cultura de não estudar periódicos desde o período da graduação. Entende-se, portanto, que a recuperação e a valorização desses acervos são imprescindíveis para o desenvolvimento da história do pensamento geográfico no país. Pretende-se não somente resgatar uma memória, mas, sim, entender que a geografia sempre deve estar aberta à reconstrução do seu passado com novos olhares, a fim de se atualizar e talvez iniciar um processo de reparação histórica devido ao apagamento das mulheres na geografia.

As Geografias feministas não são postas de forma unificada em termos de métodos e teorias. Podemos citar pelo menos três correntes filosóficas: radical, socialista e liberal. Sua designação tem sido reivindicada no plural dada à diversidade que congregam esta vertente do pensamento geográfico. A chamada geografia feminista é parte integrante do movimento da ciência geográfica, e sob essa denominação há trabalhos positivistas fundados no iluminismo, no marxismo, na fenomenologia e assim por diante (SILVA, 2010).

Diante disso, as estruturas da construção dos saberes foram questionadas pelo movimento feminista, que se desenvolvia também em um engajamento político, contra as desigualdades sociais e no embate contra um conhecimento até então legitimado na história do pensamento geográfico. No entanto, o movimento é complexo, abrangendo variadas vertentes filosóficas e posturas ideológicas e políticas. Desde a década de 1970, a produção científica em geografia cresceu, adotando uma abordagem feminista (SILVA; NABOZNY; ORNAT, 2010).

Em termos metodológicos, esta pesquisa apoia-se em dois eixos: o papel político do Instituto Brasileiro de Geografia na inserção das mulheres na ciência e as geografias feministas.

Ademais, pretende-se examinar qual a dimensão da contribuição das mulheres para a ciência geográfica por meio de um mapeamento do periódico Boletim Geográfico acerca dos textos já publicados por mulheres ao longo dos anos de existência da revista.

Desse modo, embasada na metodologia escolhida para esta pesquisa, após mapear toda a contribuição de 96 mulheres no periódico Boletim Geográfico, levantamos os dados apresentados nas tabelas a seguir.

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Tabela 1. Textos publicados por mulheres no Boletim Geográfico desde 1940

Tabela 2. Mulheres que mais publicaram no Boletim Geográfico

REFERÊNCIAS

BARCELOS, Sâmea Silva de Melo. A geografia urbana na Revista Brasileira de Geografia (1939-1995). Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.

SILVA, Joseli Maria; NABOZNY, Almir; ORNAT, Marcio José. A visibilidade e a invisibilidade feminina na pesquisa geográfica: uma questão de escolhas metodológicas. Abordagens Geográficas, v. 1, n. 1, p. 23-41, 2010.

SILVA, Susana Maria Veleda da. Geografia e gênero/geografia feminista. O que é isto? Boletim Gaúcho de Geografia, v. 23, n. 1, p. 105-110, 1998.

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Luanna Siebert
Década Quantidade de textos 1940 22 1950 48 1960 46 1970 41 Total 157 Fonte: Boletim Geográfico
Terezinha de Castro 11 Léa Quintiere 10 Lísia Bernardes 9 Marília Wilma de Oliveira Veiga 8 Ruth Matos Almeida Simões 7 Maria Magdalena Vieira Pinto 6 Ignez Amelia Leal Teixeira Guerra 6 Conceição Vicente de Carvalho 5 Ignez Costa Barbosa 4 Ariadne Soares Souto Mayor 4 Ruth Lopes da Cruz Magnani 4 Fonte: Boletim Geográfico.

Representações espaciais negras TLGB+ na música

A confluência entre as epistemologias das existências e as teorias da representação proporcionou as reflexões que consubstanciam a produção deste trabalho. É por entender a cultura como um campo fértil para análise das problemáticas socioespaciais, que se estimula o pensamento sobre representações culturais em diálogo com o ambiente vivido.

A construção de geografias que sentem, fazem sentir e sentido está relacionada com a necessidade de se pensar em geografias que revelem seu senso existencial.

O existir, ser em ato, oferece esta ideia de epistemologia da existência, porque existindo estão todos. Existem todas as empresas, existem todas as instituições, e todos os homens juntos existem, não importam as suas diferenças. E os geógrafos não devem escolher entre empresas, e instituições e muito menos entre pessoas. Todos constituem este espaço banal que é o centro de nosso trabalho e por intermédio do qual nós mostramos nosso interesse pelo Mundo e pelo Homem (SANTOS, 1996, p. 14).

Milton Santos revela, além da fundamentação da epistemologia da existência, um papel indispensável do/a geógrafo/a: o de não hierarquizar as formas plurais de análise do espaço, principalmente por este ser banal, onde tudo e todxs

existem juntxs1, independentemente das suas diferenças. Além disso, as formas de analisar os fatos são múltiplas e, como efeito, as maneiras de investigação do espaço geográfico, também. Por isso, Milton Santos salienta:

Há necessidade, por parte do intelectual, de ler não apenas uma, mas várias versões sobre um fato, para que possa ter outra visão do mundo, uma visão real dos fatos concretos, já que o mundo pode ser visto com muitas lentes distintas. (SANTOS, 2014, p. 65).

A leitura das relações socioespaciais de pessoas TLGB+ negras na sociedade brasileira, como é o caso deste trabalho, é de possível realização através de diferentes vias, portanto. A maneira escolhida para realizar este estudo diz respeito às representações espaciais nas músicas produzidas por corpos TLGB+ negros, principalmente porque “[a] música é um meio para as pessoas comunicarem suas experiências ambientais de ‘espaço’ e de ‘lugar’”

(FUINI, 2014, p. 102).

É preciso considerar que “a representação é a produção do sentido pela linguagem” (HALL, 2016, p. 53). Por isso, entender a importância da linguagem, por meio de signos e códigos nas relações humanas, que possibilitam a construção de conceitos, ideias, maneiras de pensar, ser e agir, é também admitir que:

A linguagem é um sistema social por completo. Isso significa que nossos pensamentos privados precisam negociar com todos os sentidos das palavras guardadas na linguagem que o uso do nosso sistema inevitavelmente desencadeará. (HALL, 2016, p. 48).

A linguagem produzida pela música de corpos TLGB+ negros, assim como qualquer outra representação, não somente negra e TLGB+, produz uma cadeia de interpretações nos jogos de códigos e símbolos, em que cada um/a terá sua interpretação daquela representação, podendo existir interpretações coletivas (nunca exatamente iguais) de acordo com a experiência e a vivência das pessoas.

Portanto, tanto a produção das representações espaciais musicais, quanto a interpretação delas, produzem um campo fértil de análise socioespacial

1 Diante da necessidade de inclusão e acesso ao texto para pessoas que utilizam tecnologias assistivas, optou-se por substituir "todxs existem juntxs" para "todes existem juntes", como registro da pluralidade. O uso do X como marcador da existência coletiva, entretanto, faz referência a dissertação de Carolina Pereira Peres, querida amiga e brilhante colega, intitulada Geo-grafias dxs sujeitxs: gênero e ação cultural em Nova Iguaçu produzida no PPGGEO, UFRRJ, que por sua vez debateu o tema referenciada na produção de BORBA, R. ; LOPES, A. C. Escrituras de gênero e políticas da differánce: imundície verbal e letramentos de intervenção no cotidiano escolar. Linguagem & Ensino, Pelotas, v. 21, p. 241-285, 2018.

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André Luiz Bezerra Tavares

Representações espaciais negras TLGB+ na música

através da cultura. Exemplo: quando Linn da Quebrada, uma travesti preta afirma: “Não adianta pedir que eu não vou te chupar escondida no banheiro”

(LINN DA QUEBRADA, 2017), ela revela uma trama socioespacial que envolve relações entre sexualidades, poder, espaço público e privado, masculinidade, objetificação e resistência. Além disso, evidencia possibilidades interpretativas de pessoas que conhecem, praticam e tem concepções extremamente diferentes sobre o fenômeno dos “banheirões”, representado na música.

As representações espaciais na música de artistas TLGB+ negros/as/es, promovem interpretações espaciais infinitas, justamente por serem produzidas e interpretadas por pessoas, e cada um/a, é um pluriverso de pensamentos em si. Outras relações que envolvem (trans)necropolítica, preterimento afetivo-sexual, construção identitária, mobilidade urbana, diáspora e políticas transatlânticas, além de outras questões, estão presentes nas músicas de artistas negros TLGB+, algo que revela interação, dinâmica e movimento. Tais questões necessitam de um estudo aprofundado pela geografia pelo seu caráter relacional, aberto e plural, tal como o espaço.

REFERÊNCIAS

FUINI, L. L. Territórios e territorialidades da Música: Uma representação de cotidianos e lugares. GEOUSP Espaço e Tempo, São Paulo, v. 18, n. 1, p. 97-112, 2014..

HALL, Stuart. Cultura e representação. Rio de Janeiro: Apicuri, 2016.

LINN DA QUEBRADA. (+ Muito) Talento. In: LINN DA QUEBRADA. Pajubá.Spotify/Linn da Quebrada, 2017. Álbum. 14 músicas. (46min 39s).

SANTOS, Milton. Metamorfose do espaço habitado. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2014.

SANTOS, Milton. Por uma geografia cidadã: por uma epistemologia da existência. Boletim Gaúcho de Geografia, v. 21, n. 1, p. 7-14, 1996.

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A mímesis como mediadora entre Geografia e Literatura em Torto Arado, de Itamar Vieira Junior

Problemática de pesquisa

A pesquisa se estabelece a partir de uma inquietação dada pelas fronteiras erguidas entre Geografia e Literatura, oriundas do projeto de Modernidade que ajudou a instituir esta ciência no século XIX, mas que permanece a isolá-la. No entanto, consideramos que uma aproximação entre as duas possui o potencial de expansão de horizontes reciprocamente geográficos e literários, o que, considerando suas particularidades, pode ser mediado pelo conceito de mímesis com fundamento em Luís Costa Lima (2006). Então, para demonstrar de forma empírica os resultados benéficos desta relação, abordaremos o trabalho do escritor e profissional da Geografia Itamar Vieira Junior em seu livro Torto Arado (2021), em especial no que se refere ao tratamento dos temas centrais da Terra e do Corpo.

Objetivos

O principal objetivo deste trabalho é buscar, a partir da noção de mímesis, como se dá a compreensão geográfica da Terra e do Corpo na obra Torto Arado, de autoria do escritor e geógrafo

Itamar Vieira Junior. Para tal, destrinchamos o objetivo principal em objetivos específicos, que visam desvendar através de aporte teórico as aproximações e os afastamentos entre Geografia e Literatura, esclarecer o conceito de mímesis e entrelaçá-lo à busca de evidências empíricas no livro selecionado, principalmente no que se refere à Terra e ao Corpo como abordagens narrativas de cunho geográfico.

Metodologia

Para alcançar os objetivos propostos, a pesquisa está dividida em três momentos. Um momento inicial de revisão bibliográfica para fundamentar as abordagens selecionadas no âmbito da história do pensamento geográfico com as aproximações e afastamentos entre Geografia e Literatura, bem como da proposta de sua mediação através do conceito de mímesis, a partir das ideias de Costa Lima (2006, 2009), Hissa (2002), entre outros).

Os outros momentos são voltados a aproximações empíricas, traçando os diálogos miméticos entre o que é apresentado nesta obra literária de amplo olhar geográfico. A primeira aproximação é referente ao papel da Terra na narrativa de Torto Arado, abordando o campesinato e a vida rural das personagens, e a segunda à centralidade do Corpo, que permeia toda a narrativa.

Aporte teórico

De acordo com Hissa (2002), a Ciência Moderna veio a se constituir com base na ruptura dos sistemas de mitos, em busca da verdade racional a ser desvendada no mundo. Nessa abolição da “ética dos deuses” (HISSA, 2002), muitas correntes de pensamento contribuíram para a institucionalização e o desenvolvimento da Geografia. No entanto, é considerável o afastamento que o pensamento moderno provocou entre as ciências e os demais saberes, tal como as artes.

Ainda assim, identificamos que os propósitos de ambas são distintos, estando a Geografia direcionada aos fatos e fenômenos do espaço geográfico, e, portanto, do real, ao passo que a Literatura não possui tal pretensão em meio à sua poética. No entanto, consideramos que uma aproximação entre ambas possui o potencial de expansão de horizontes reciprocamente geográficos e literários, o que pode ser mediado pelo conceito de mímesis. Sendo obra da imaginação, a mímesis se põe em aberto, não sendo diretamente afetada pelas concepções de verdade (COSTA LIMA, 2009). Dessa forma, ao falarmos de ficção, não possuímos o interesse de trazê-la para a esfera do real – até porque

A mímesis
mediadora entre Geografia e Literatura em
Arado, de Itamar Vieira Junior 107
como
Torto

esta não é a intenção dos autores –, mas, sim, analisar os potenciais de inserção do olhar geográfico na escrita literária a partir do conceito apresentado.

De maneira preliminar, trazemos à tona o quanto este olhar é acentuado pelo autor ao tratar em Torto Arado da vida de Bibiana e Belonísia, duas irmãs negras na rural Chapada da Diamantina. Desta forma, popularizou temas da Geografia que pretendemos investigar nesta pesquisa, tais como a estreita relação das personagens com a Terra e o importante papel do Corpo para o desenvolvimento da narrativa.

Apontamentos parciais

É possível observar que a obra teve uma grande repercussão, e argumentamos que esta se deve, dentre tantos motivos, à sua autenticidade ao tratar de questões que geram identificação pessoal e/ou geracional entre os leitores. Isto reforça nossa hipótese de que o caráter autêntico da obra está justamente em seus aspectos geográficos e, consequentemente, miméticos do livro.

Em entrevista ao Programa Roda Viva (2021), o autor alegou ter escrito cerca de 80 páginas da narrativa em sua juventude, mas acabou por perdê-las. Anos mais tarde, tendo amadurecido sua pesquisa, estudos na Geografia e trabalho como servidor público no INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), ele pôde se deparar com a vida no campo de fato, reavivando sua necessidade de escrever o enredo que lhe viera à mente em momento anterior, porém com maior propriedade para contar uma história nesse “Brasil Profundo”, como citado por ele, que revela as raízes e origens de nosso país.

A partir de outras entrevistas concedidas pelo autor e da própria leitura aprofundada da obra, é possível confirmar como é impossível pensar o brilhantismo deste livro, já considerado um clássico contemporâneo pela crítica nacional, sem a trajetória científica e profissional do autor dentro do campo da Geografia. Assim, pretendemos avançar na pesquisa levantando evidências desta estreita relação.

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Maria Clara Leadebal Celestino

A mímesis como mediadora entre Geografia e Literatura em Torto Arado, de Itamar Vieira Junior

REFERÊNCIAS

COSTA LIMA, Luiz. História. Ficção. Literatura. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

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HISSA, Cássio Eduardo Viana. A mobilidade das fronteiras: inserções da Geografia na crise da modernidade. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.

RODA Viva. Itamar Vieira Junior. 15/02/2021. Vídeo (1 hora, 31 minutos e 51 segundos).

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Mu9iUc2UHBQ. Acesso em: 06 de maio de 2021.

VIEIRA JUNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2021 [2019].

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Pretas Raras: memória, ancestralidade e territorialidades de mulheres negras trançadeiras

Este trabalho tem o objetivo de evidenciar as memórias de mulheres negras trançadeiras como agentes responsáveis por estabelecer um encontro, em escala cotidiana, e nos múltiplos deslocamentos que são feitos em suas trajetórias, com a ancestralidade africana e com/nos territórios. É a partir da história de vida dessas mulheres que atuam como transmissoras de saberes ancestrais e possibilitam um debate acerca da herança cultural africana, eixo fundamental do desenvolvimento da subjetividade coletiva e individual de todo um grupo de pessoas, que se propõe compreender as circunstâncias que as levaram a profissionalizar um saber que foi assimilado a partir de uma memória coletiva negra de cuidado, compartilhada por outras mulheres que também têm seus cabelos crespos e encontraram nas tranças a possibilidade de ter uma experiência livre e natural com o cabelo e ainda estabelecer um diálogo íntimo com os debates sobre racismo, território e ancestralidade.

Conhecer as histórias dessas mulheres, que atuam majoritariamente na região metropolitana do Rio de Janeiro, nos possibilita remontar peças do passado que nos ajudam a compreender especialmente o fato de que os cabelos sempre representaram particularidades dos povos, expressavam condições sociais, econômicas e culturais características ao

Paloma da Silveira da Silva

Pretas Raras: memória, ancestralidade e territorialidades de mulheres negras trançadeiras

longo dos séculos. Seguimos ressignificando as experiências com o cabelo, com nossos corpos e, sobretudo, com as marcas que o racismo tem construído na subjetividade de pessoas negras, principalmente com o silenciamento de experiências, como a de mulheres negras dentro de espaços que desempenham o lugar de poder.

Nesse sentido, é importante ressaltar o lugar de agência a que este trabalho busca dar ênfase, às experiências de mulheres negras trançadeiras, que se deslocam por vários territórios que representam abrigo para as conexões que são permeadas de memórias ancestrais, que compõem muitos sentidos, então é o toque do cuidado ao pentear os cabelos e também é o sabor da comida preparada pela avó que, entre uma panela e outra, nos presenteia com muitas histórias. É por meio da oralidade, do saber falado das mais velhas, ou apenas de quem viveu mais experiências, que buscasse evidenciar como se dá a territorialidade dessas mulheres, como elas experimentam o território e como o significam. O método das escrevivências, proposto por Conceição Evaristo (2017), nos auxilia a transformar em registros escritos nossos fazeres, nossos saberes, evidenciando aqui o cotidiano e essa relação com a ancestralidade, como caminho para compreender as formas de construir saberes que são geográficos.

REFERÊNCIAS

EVARISTO, Conceição. Conceição Evaristo: ‘minha escrita é contaminada pela condição de mulher negra’ Entrevista à Juliana Domingos de Lima em 26 de mai de 2017. Nexo Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2017/05/26/Conceião-Evaristo'minha-escrita-é-contaminada-pela-condição-de-mulher-negra'

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Uma análise do camelódromo da Uruguaiana (RJ): redes e os circuitos da economia urbana

Este trabalho busca analisar o Mercado Popular da Uruguaiana, alocado na área central do Rio de Janeiro, segundo duas perspectivas que, embora sejam distintas, possuem inter-relações. A primeira diz respeito às redes (geográficas/comerciais) em que os produtos comercializados nesse Mercado estão inseridos. Buscar-se-á identificar a origem das mercadorias e o seu percurso até o consumidor final. A segunda perspectiva dialoga com o fato desse Mercado possuir (também) características do Circuito Superior, em diferentes etapas da comercialização das mercadorias, embora seja – teoricamente – identificado como pertencente ao Circuito Inferior da Economia.

De acordo com Santos (1979), todas as camadas da população podem consumir fora do circuito ao qual são tidas como pertencentes. Esta constatação é importante por observar que, no entanto, os indivíduos consomem em locais tidos como “pertinentes das suas classes sociais”. Assim, de acordo com Carlos (2001), a cidade é condicionada à produção de capital que ela exerce, impondo configurações espaciais que formam cadeias produtivas, as redes, integrando diversos processos de geração de capital e fluxo de mercadorias, o que são dois aspectos presentes nas redes de cidades citadas.

Considera-se como base estruturante e teórica do presente trabalho, conceber uma discussão teórica a respeito da Teoria sobre os Circuitos da Economia Urbana (SANTOS, 1979; SILVEIRA, 2015) e o conceito de Rede Geográfica (BENKO, 1996; SPOSITO, 2008 e MACHADO, 1993; 1996; 1998).

A discussão sobre a Teoria dos Circuitos da Economia Urbana possibilita que se possa compreender a economia da qual fazemos parte, como os circuitos se constroem e são categorizados, como são capazes de gerar influência e como tal teoria se adequa às mudanças ao longo do tempo, tornando-se assim, atual. Santos (1979) afirma que uma das primeiras medidas cabíveis a serem tomadas é a definição de cada circuito na economia urbana e, consequentemente, as relações que cada circuito mantém com a sociedade e com o espaço em que está inserido. Ou seja, os circuitos da economia urbana são originados a partir da hierarquização de atividades atreladas ao poder de consumo do público.

Já, o estudo do conceito de Redes possui caráter relevante a este texto por possibilitar a compreensão das redes nas quais o recorte espacial deste texto está inserido, permitindo, desta forma, o detalhamento e a compreensão de como as redes são constituídas e de como o Camelódromo da Uruguaiana está inserido nelas.

A operacionalidade do presente trabalho consiste em um levantamento bibliográfico de obras, livros, artigos, teses, revistas e sites especializados que trabalham com o embasamento teórico-conceitual desta pesquisa. Um pertinente recurso utilizado nos procedimentos metodológicos se constitui na elaboração de entrevistas estruturadas e não estruturadas juntamente com levantamento analítico da comercialização e transporte de mercadorias e caracterização e análise das redes entre cidades (Ciudad del Este, Foz do Iguaçu, Cascavel e São Paulo) e o Camelódromo da Uruguaiana.

O Camelódromo da Uruguaiana é um estabelecimento teoricamente enquadrado no Circuito Inferior da Economia Urbana, mas que apresenta, paradoxalmente, características associadas ao seu Circuito Superior. Tem-se como hipótese que tal relação é dialética, configurando uma mútua dependência entre os dois circuitos. Com relação à importância do objeto de análise, vale destacar que o Mercado Popular da Uruguaiana está presente no cotidiano de muitas pessoas, englobando desde residentes do município do Rio de Janeiro a pessoas de outras áreas.

O Camelódromo da Uruguaiana possui relações em diferentes recortes espaciais e em diferentes níveis hierárquicos. Possui, ainda, um fluxo de capital internacional em larga escala e, assim, o encadeamento de atividades geridas nas redes do mercado ocorrem em locais estratégicos, onde a operacionalização das

Uma
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análise do camelódromo da Uruguaiana (RJ): redes e os circuitos da economia urbana

REFERÊNCIAS

BENKO, G.. Economia, Espaço e Globalização na aurora do século XXI. Trad. Antônio de Pádua Danesi. São Paulo: Editora Hucitec, 1996.

CARLOS, Ana Fani Alessandri. Espaço-tempo na metrópole. São Paulo: Editora Contexto, 2001.

MACHADO, L. O. Sociedade urbana, inovação tecnológica e a nova Geopolítica. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 55, n. 1-4, p. 5-13, 1993.

MACHADO, L. O. Sistemas, Fronteiras e Território. Rio de Janeiro, 1996. Disponível em: http:// www.retis.igeo.ufrj.br/wp-content/uploads/2002-Sistemas-fronteiras-e-territorio LOM.pdf

MACHADO, L. O. Em T.M.Strohaecker, A.Damiani, N.O.Schaffer, N.Bauth, V.S.Dutra (org.). Fronteiras e Espaço Global, AGB-Porto Alegre, Porto Alegre, 1998. p. 41-49.

SANTOS, Milton. O Espaço Dividido: os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. Rio de Janeiro: Francisco Alves Editora, 1979. p. 345.

SILVEIRA, M. L. Modernização contemporânea e nova constituição dos circuitos da economia urbana. Geousp – Espaço e Tempo, v. 19, n. 2, p. 245-261, 2015.

SPOSITO, Eliseu S. Redes e Cidades. São Paulo: Editora UNESP, 2008.

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Lucas Juan da Silva Mallet Barretta
atividades está em conjunto com a concentração de determinados meios, como por exemplo, transporte, capitalização, contrabando e fluxo de informações gerais das cidades envolvidas nas redes nas quais está inserido.

O mercado de trabalho na Baixada Fluminense: uma análise e proposta de cooperação regional entre os municípios

De cidades-dormitório a uma região atrativa para a dinâmica industrial, a Baixada Fluminense passa por uma reestruturação econômico-espacial que altera a dinâmica produtiva na região. Contudo, este período, marcado por incentivos estatais e pelo surgimento de novas multinacionais, não favoreceu as classes sociais como um todo, no sentido de obter legados benéficos. Com novas rodovias e a intensificação da dinâmica industrial, a região, que já não tinha uma estrutura adequada nem condições básicas sociais, intensifica a precarização no espaço onde se alocam a maior parte dos trabalhadores.

No que tange ao mercado de trabalho, o que antes poderíamos apontar para municípios que possuíam uma maior capacidade logística, com aproveitamento de antigas estruturas produtivo-industriais em solos precários tanto para a produção como para moradia, hoje, os problemas socioespaciais persistem, e o mercado de trabalho ao invés de oferecer maior oferta de empregos, está reduzindo sua oferta e ainda com níveis salariais baixíssimos. Com a média salarial em aproximadamente 2,8 mil reais em 2019, a população enfrenta dificuldades para lidar com as crises (social, política, econômica, sanitária, pandêmica,

violência, etc.). E os empregos, cuja oferta também não aumentou, mantêm o padrão de vida da população abaixo do mínimo de condições humanas básicas. Para pensarmos em um desenvolvimento local/regional, é necessário refletir sobre como o mercado de trabalho deve se adequar e se fortalecer com as transformações sociais que ocorrem no lugar onde habitam as pessoas. Pensar em políticas de cooperação regional que incluam o mercado de trabalho como um dos principais instrumentos de desenvolvimento da região abrangendo todas as classes sociais é o intuito deste trabalho.

Desta forma, a pesquisa pretende apresentar o mercado de trabalho na Baixada Fluminense, apontando os efeitos das políticas neoliberais advindas desde o início do séc. XXI e propor políticas que favoreçam a interligação dos municípios da Baixada com o mercado de trabalho. Neste sentido, a análise partirá de tópicos no mercado de trabalho, tais como: terceirizações de setores; tecnificação e o surgimento do subemprego, diminuição das leis trabalhistas, flexibilização das funções trabalhistas, surgimento do setor de gestão/administração nas divisões sociais do trabalho etc.

O objetivo desta pesquisa consiste em analisar o mercado de trabalho, as formas de cooperação territorial na Baixada Fluminense e apontar os efeitos da reestruturação produtiva no contexto das políticas neoliberais implantadas na região. Para isto, a pesquisa será dividida nos seguintes tópicos: (1) contextualizar a formação socioeconômica da Baixada Fluminense; (2) analisar a reestruturação da Baixada dando ênfase à chegada do neoliberalismo no país e seus efeitos para a região; (3) apresentar dados e análises sobre o mercado de trabalho neste contexto; (4) apresentar políticas alternativas de cooperação regional entre os municípios que possam fornecer uma menor dependência da região com a metrópole.

A partir de uma ótica marxista, a pesquisa buscará analisar o contexto histórico e social sob a perspectiva do materialismo dialético, ou seja, analisar as contradições existentes na realidade entendendo-as como um movimento de transformação social que é movido pela luta de classes. Todavia, a pesquisa estrutura-se em uma abordagem quali-quantitativa a partir de dados extraídos do IBGE e do RAIS/CAGED do Ministério do Trabalho, que possibilitarão uma análise do mercado de trabalho da Baixada Fluminense em sua primeira parte e, como segunda parte, a pesquisa se dedica a debater modelos de cooperação regional para se pensar em desenvolvimento regional.

Assim, a estrutura da pesquisa partirá da divisão dos seguintes temas: mercado de trabalho, reestruturação econômica-espacial na Baixada Fluminense e modelos de desenvolvimento regional. Autores como David Harvey, Claus Offe

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O mercado de trabalho na Baixada Fluminense: uma análise e proposta de cooperação regional entre os municípios

e Ricardo Antunes auxiliarão na compreensão do mercado de trabalho, assim como geógrafos locais como André Rocha, Floriano Oliveira e Robson Dias contribuirão para as reflexões sobre a região da Baixada Fluminense, e autores como Celso Furtado, Giuseppe Dematteis e Alberto Magnaghi possibilitarão reflexões acerca de propostas de cooperação regional para pensarmos em políticas de desenvolvimento para os municípios da Baixada.

A pesquisa pretende apresentar a situação socioeconômica do mercado de trabalho na Baixada Fluminense a partir da exposição de dados sobre empregos e salários de acordo com cada setor dos municípios da região. Com a exposição dos dados e a contextualização da conjuntura da região, a pesquisa abordará o debate sobre modelos de desenvolvimento regional, a fim de propor políticas que possam proporcionar uma maior cooperação regional entre os municípios da região da Baixada Fluminense.

A partir de dados já coletados sobre empregabilidade, média salarial e PIB da região da Baixada Fluminense, identifica-se que enquanto o PIB nos 13 municípios da Baixada apresentou um aumento considerável em seu nível de produção de aproximadamente 79%, o número de empregados formais apresentou uma queda de 2,6%. Dentre estes empregados formais, percebe-se ainda o baixo nível salarial na região que, em 2019, apresenta a média de 2,8 mil reais.

O trabalho pretende contextualizar as precarizações ocorridas no mercado de trabalho no período de 2010 a 2020 e seus efeitos para a classe trabalhadora, que continua com situações precárias não apenas em questões sociais e de moradia, como também em questões econômicas.

Como resultados parciais, aponta-se a necessidade de se pensar em modelos de desenvolvimento regional que possam propor políticas que vão contra as consequências que a região já enfrenta. Vale destacar a relevância do problema estrutural e sistêmico para que muitos problemas se mantenham, contudo, não se descarta a urgência de se pensar em políticas que possam trazer menor dependência destes municípios com a metrópole.

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Ricardo. Trabalho e precarização numa ordem neoliberal. A cidadania negada: políticas de exclusão na educação e no trabalho. São Paulo: Cortez, 2001. p. 35-48.

ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. Boitempo Editorial, 2015.

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BRANDÃO, Carlos Antônio. Território e desenvolvimento: as múltiplas escalas entre o local e o global. Campinas: Editora da Unicamp, 2007.

DE OLIVEIRA, Patrícia Matias; DA SILVA, Robson Dias. Baixada Fluminense: Notas sobre os Impactos Iniciais do Arco Metropolitano. 2018.

DEMATTEIS, Giuseppe; MAGNAGHI, Alberto. Patrimonio territoriale e coralità produttiva: nuove frontiere per i sistemi economici locali. Scienze del territorio, v. 6, p. 12-25, 2018.

FURTADO, C. Teoria e política do desenvolvimento econômico. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1992.

OFFE, Claus. Trabalho: a categoria-chave da sociologia.  Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 4, n. 10, p. 5-20, 1989.

OLIVEIRA, Floriano José Godinho de. Reestruturação produtiva e regionalização da economia no território fluminense. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, 2033.

ROCHA, André Santos da. Os efeitos da reestruturação econômica metropolitana na Baixada Fluminense: Apontamentos sobre o “novo” mercado imobiliário da região. Espaço e Economia. Revista brasileira de geografia econômica, n. 6, 2015.

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Metrópole e economia popular: as territorialidades dos vendedores ambulantes nos trens urbanos

Introdução

Em um cenário socioeconômico do qual um país periférico recebe a modernidade, sem ter sancionado demandas internas de grande parte da sua população e próprias ao modelo de desenvolvimento histórico (OLIVEIRA, 1981; SINGER, 1999), o desemprego é tomado como condição de crescimento capitalista, passando, assim, a ser estrutural.

Sabendo-se que a estrutura econômica urbana ultrapassa as dicotomias entre o que é velho, atrasado, arcaico e o que é avançado, novo, tecnológico, toma-se, numa leitura totalizante e dialética, a miscelânea das atividades econômicas que ora se completam, ora se subordinam, ora se conflitam, sobretudo, a partir das razões territoriais dos agentes hegemônicos e nãohegemônicos/contra-hegemônicos (SANTOS, 2008). Isto leva ao questionamento central desta pesquisa: como os agentes nãohegemônicos/contra-hegemônicos, ou seja, os pobres, encontram o seu lugar (de subsistência) na metrópole?

Objetivos

Compreender como as atividades dos pobres encontram o seu lugar na cidade; analisar a dinâmica de localização da economia pobre na metrópole fluminense; compreender as territorialidades no uso do espaço ferroviário da metrópole fluminense.

Metodologia

A partir de uma abordagem dialética e totalizante do espaço banal (SANTOS, 2000), foram realizadas idas a campos nas plataformas e vagões da Supervia (especificamente o Ramal Japeri e o Ramal Saracuruna), entre os anos de 2018 a 2020, a fim de levantar um perfil quantitativo e qualitativo aproximado dos camelôs que ali frequentavam (SEBRAE, 2015; 2016; MELO; TELES, 2000), bem como um levantamento de dados relativos a taxas de desemprego, desocupação e ocupação no país e no estado do Rio de Janeiro.

Fundamentação teórica e discussões

Para uma análise mais fidedigna da economia praticada nas cidades, usou-se como base a teoria dos “Dois Circuitos da Economia Urbana”, desenvolvida por Milton Santos (2018), a partir da qual foi possível destrinchar o Circuito Inferior como sendo formado por atividades de produção e comercialização simples, baseadas em pequenos capitais, mantendo relações “privilegiadas” com o espaço local e regional. Esse circuito não tem como propósito principal o acúmulo de capital, caracteriza-se pelo uso modesto de tecnologias, funda-se no trabalho intensivo e a organização de suas atividades é estabelecida no plano familiar ou “autônomo” – com todas as ressalvas ao uso do termo, como bem situado por Ramos (2014). Os vendedores ambulantes seriam, portanto, uma expressão dessa economia popular, dos pobres, dos de baixo.

Foi fundamental tomar como precursor do entendimento das práticas desses camelôs a pesquisa antropológica feita por Lênin Pires (2011), em um contexto no qual o espaço ferroviário na metrópole fluminense era um serviço oferecido pelo Estado. Com isso, a partir da década de 1990, sob concessão à empresa privada Supervia, a pesquisa seria de grande relevância para entender o funcionamento de um espaço “privado”, para fins de transporte coletivo de passageiros, que se converteu em um espaço de circulação, de trabalho, de consumo, de disputa, de conflito e ação política.

Camila Brandão de Araújo Domingues 120

Para entender as diferentes territorialidades, a normatização do território e o território como normal, Santos (2008) e Nascimento Jr. (2011) ajudaram a elucidar as dinâmicas hegemônicas, de cima para baixo, e contra-hegemônicas, de baixo para cima, sendo estas últimas contra-racionais, irracionais aos usos hegemônicos.

Uma outra tarefa imprescindível para o entendimento ao qual esta pesquisa se propõe foi atualizar a teoria dos Circuitos, tendo em vista a capilaridade do Capital, numa relação de criação de novos nexos entre os Circuitos Superior e Inferior, como a disponibilidade do crédito como forma de pagamento de pequenas quantias (MONTENEGRO, 2011; 2013).

Considerações finais

Percebeu-se que as territorialidades que são próprias do lugar, a partir das práticas dos vendedores ambulantes dos trens, ressaltando o território como a própria norma, intervêm e sofrem intervenção da normatividade do lugar, por meio de ações hegemônicas da Supervia.

Coube aqui iniciar um estudo sobre essas territorialidades, com suas táticas e estratégias (CERTEAU, 2014), que transformam o espaço ferroviário, atribuindo a ele funções que fogem à sua intenção inicial. Ademais, visualizouse que esse mesmo espaço pode ser ora luminoso – visto o contingente de pessoas que dele faz uso – e ora opaco, por perpassar a periferia metropolitana, desprezada por grandes empresas e serviços públicos e constituinte de pessoas com rendas modestas. Portanto, os trens passam a ser um “refúgio” para pessoas que buscam obter renda e até mesmo para os passageiros acessarem produtos mais baratos. Além disso, apesar da aparente simplicidade, essas atividades cumprem um importante papel como atenuadoras dos efeitos sociais provocados pelo desemprego.

REFERÊNCIAS

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. Petrópolis: Vozes, 2014.

MELO, Hildete Pereira de; TELES, Jorge Luiz. Serviços e informalidade: o comércio ambulante no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2000.

MONTENEGRO, Marina Regitz. Globalização, trabalho e pobreza no Brasil metropolitano O circuito inferior da economia urbana em São Paulo, Brasília, Fortaleza e Belém. Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.

Metrópole
popular:as
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e economia
territorialidades dos vendedores ambulantes nos trens urbanos

MONTENEGRO, Marina Regitz. Novos nexos entre os circuitos da economia urbana nas metrópoles brasileiras. Revista da ANPEGE, v. 9, n. 11, p. 29-41, 2013.

NASCIMENTO JR., Francisco das Chagas do. Do uso corporativo ao uso subversivo do território nos países periféricos. Mercator, Fortaleza, v. 10, n. 23, p. 49-58, 2011.

OLIVEIRA, Francisco de. A economia brasileira: crítica à razão dualista. Petrópolis: Vozes, 1981.

PIRES, Lenin. Esculhamba, mas não esculacha! Niterói: Editora da UFF, 2011.

RAMOS, Tatiana Tramontani. Uma Geografia da pobreza urbana: informalidade e precarização do trabalho. Boletim Campineiro de Geografia, v. 4, n. 1, 2014.

SANTOS, Milton. O papel da geografia: um manifesto. Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n. 9, p. 103-109, 2000.

SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008.

SANTOS, Milton. O espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2018.

SEBRAE. Painel regional: Baixada Fluminense. Observatório Sebrae/RJ. Rio de Janeiro: SEBRAE/RJ, 2015.

SEBRAE. Painel regional: Baixada Fluminense I e II. Observatório Sebrae/RJ. Rio de Janeiro: SEBRAE/RJ, 2016.

SINGER, Paul. Globalização e desemprego: diagnóstico e alternativas. 3. ed. São Paulo: Contexto, 1999.

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Camila Brandão de Araújo Domingues

Globalização, reestruturação territorial-produtiva e produção cervejeira: uma análise a partir da cervejaria Ambev Rio de Janeiro, Campo Grande, Rio de Janeiro – RJ

Apresentando posição de destaque na economia nacional, a produção e o mercado cervejeiro possuem ampla ramificação em todo o seu processo produtivo e comercial, que vai do agronegócio/agricultura até o pequeno/grande varejo, envolvendo milhares de pessoas direta ou indiretamente ao se fazer presente em todas as regiões do país. A partir disso, a análise desse mercado sob a perspectiva de atuação da Ambev, que é uma corporação que nasce depois de um extenso histórico de fusões, que conta com mais de 200 marcas de bebidas alcoólicas e não alcoólicas, além de atividade em inúmeros países, abre uma variada gama de discussões que podem ser feitas no âmbito da geografia econômica, principalmente no que tange à temática de reestruturação territorial produtiva contemporânea, e de questões transversais na perspectiva do capitalismo globalizado.

A filial Cervejaria Rio de Janeiro localiza-se no km 31 da BR465 (antiga Rio-São Paulo), na divisa do bairro Campo Grande, Rio de Janeiro-RJ com o município de Nova Iguaçu-RJ, e é um importante braço da empresa. Destacada como a maior cervejaria da América do Sul, foi inaugurada em 1996 (inicialmente como

Beatriz do Nascimento Sant’Anna

Antarctica) e consiste em uma fábrica, um centro de distribuição/vendas, além de possuir sua própria fábrica de vidros, inaugurada em 2008, para a produção de garrafas de cerveja long neck . Produz rótulos da Antarctica, Brahma, Bohemia e Skol, e possui um ambiente de trabalho informal e flexível.

Com o propósito de dar continuidade às reflexões levantadas ao longo da minha pesquisa sobre o mercado cervejeiro, com enfoque na filial Cervejaria Rio de Janeiro, alguns objetivos a serem traçados com interesse nas temáticas da geografia da indústria e geografia econômica são os seguintes: analisar, a partir de uma empresa de grande porte, as mudanças do capitalismo contemporâneo; discutir conceitos como reestruturação-produtiva, produção flexível e mecanismos de consumo e distribuição, como, por exemplo, o aplicativo “Zé Delivery”; entender a cadeia produtiva “do campo ao copo”; compreender as estruturas de marketing, os discursos e a confecção/gestão das marcas (branding); estudar, a partir de uma análise de caso, as mudanças do capitalismo numa unidade fabril carioca, entre outras questões.

A metodologia utilizada para a realização da pesquisa se divide em revisão bibliográfica pertinente ao tema; análise de relatórios, notícias e documentos da/sobre a empresa; e, dentro das possibilidades, realização de trabalho de campo para observar a dinâmica produtiva e organizacional da filial em análise.

O slogan utilizado pela empresa descreve, em linhas gerais, seu domínio que vai da seleção das matérias primas até os pontos de venda. O desenvolvimento da pesquisa ainda em curso, na perspectiva teórica, debruça-se sobre temas que abordam a mundialização do capital, a reestruturação espacial-produtiva, o capitalismo cognitivo, a acumulação flexível, a formação de monopólios, a financeirização, as mudanças econômico-ambientais, etc.

No momento da escrita deste resumo a pesquisa encontra-se em fase inicial, e o levantamento bibliográfico até o presente momento abrange as contribuições de Harvey (1992 [1989]), Soja (1993), Sennett (2004), Alves (2007), que deixamos como referência a quem porventura também esteja pesquisando a área.

Beatriz do Nascimento Sant’Anna 124

REFERÊNCIAS

ALVES, Geovanni. 3: Ensaios de sociologia do trabalho. 2. ed. Londrina: Praxis; Bauru: Canal 6, 2007.

HARVEY, David. Condição Pós-Moderna: Uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Edições Loyola, 1992.

SANT’ANNA, Beatriz do Nascimento. Acumulação flexível em questão: uma análise a partir da Ambev Cervejaria Rio de Janeiro, Campo Grande, Rio de Janeiro – RJ. Espaço e Economia, Dossiê Oeste Metropolitano do Rio de Janeiro. Ano IX, número 19, 2020.

SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 2004.

SOJA, Edward. Geografias pós-modernas: a reafirmação do espaço na teoria social crítica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993.

Globalização, reestruturação territorial-produtiva e produção cervejeira... 125

Novos professores de Geografia: compreendendo a entrada no trabalho docente no contexto de precarização educacional

A problemática a ser abordada nesta pesquisa insere-se num momento de precarização do trabalho docente e suas imbricações dentro do contexto de crise econômica, altos índices de desemprego e uma pandemia que afeta diretamente a forma tradicional do trabalho dos professores, dentro de sala, no chão da escola.

Podemos dizer que a situação econômica e sanitária do Brasil modifica sobremaneira a quase totalidade dos trabalhos exercidos ou a busca por esse emprego. No caso dos professores, há uma ruptura das oportunidades em diversas instituições privadas, que deixaram de existir durante este momento de pandemia e, com isso, deixaram muitos professores desempregados ou com uma menor renda, no caso dos que trabalham em mais de uma escola.

Outro ponto que deve ser salientado é que, tratando-se dos professores de Geografia que são o foco do trabalho a ser desenvolvido, houve uma redução significativa das oportunidades por meio de concursos públicos, ao menos no Estado do Rio de Janeiro. Podemos tomar como exemplo que a cidade do Rio de Janeiro realizou seu último concurso para professores de

Geografia no ano de 2016, e ainda não convocou a maior parte dos aprovados. No caso do Estado, o último concurso foi em 2014.

Aqui e acolá um ou outro município realizou concursos para professores nos últimos cinco anos, porém sempre com poucas vagas ou por meio de processos relacionados ao frágil vínculo de “contratado”, ou seja, um professor temporário na rede.

Além disso, a precarização do trabalho docente atingiu um ponto ainda mais perverso, constatado no retorno dos alunos e professores às atividades presenciais, em muitos casos, no momento mais crítico da pandemia. Essa volta às salas de aula trouxe, além do adoecimento do corpo dos professores, fatal em muitos casos, o adoecimento mental desses profissionais.

Essa precarização do trabalho docente é exaustivamente debatida e elencada por Silva (2018), em sua tese de doutorado, que expressa os seus diversos pontos dentro das escolas públicas. A investigação que se pretende realizar aqui apoiase nesta leitura e na relação dos mecanismos que essa precarização traz aos docentes, sobretudo no contexto atual.

Deste modo, podemos apresentar como o tema desta pesquisa a compreensão do trabalho docente dos professores de Geografia em relação ao mercado de trabalho e aos desafios atuais. Entretanto, compreendendo que o impacto maior neste mercado de trabalho se dá entre os professores recém-formados e buscando também uma maior acuracidade nesta análise, pretende-se, então, como objetivo geral, compreender a entrada dos professores recém-formados nesta dinâmica atual.

Os aqui os chamados de “recém-formados” compreendem o grupo de professores, licenciados em Geografia, formados a partir de 2017, ano considerado um marco nas políticas públicas de educação, pois com a Lei 13.415/2017 houve a instituição do “Novo Ensino Médio”. Essa política muda de forma significativa a inserção da disciplina Geografia nesta etapa do ensino. A partir desse momento, vê-se uma guinada em direção à institucionalização da disciplina “Ciências Humanas” em detrimento das tradicionais disciplinas de História, Sociologia, Filosofia e Geografia.

O que, a priori , pode parecer apenas uma mudança de nomenclatura, deve ser motivo de alerta à “comunidade geográfica”. Isto, pois, a partir desse momento, com essa mudança em direção a uma nova disciplina, não há um apontamento direto e claro em relação ao papel da Geografia e de seus profissionais dentro do Ensino Médio. Daí a pertinência de nos desdobrarmos

Novos
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professores de Geografia: compreendendo a entrada no trabalho docente...

sobre os profissionais recém-formados e observarmos este ingresso nas escolas, já nessa nova perspectiva.

Ademais, pretende-se, por meio deste trabalho, auxiliar na análise e gerar insumos que ajudem a compreender essa manutenção da Geografia como disciplina nas escolas, neste momento em que há um “ataque” às disciplinas.

O recorte adotado para este estudo se dará entre os egressos de duas universidades federais, a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Embora ambas as instituições pertençam à mesma esfera, compreende-se que por conta da localização, uma na Baixada Fluminense e outra na Capital, possa haver para estudantes oportunidades distintas de ingresso no mercado de trabalho. Desta forma, busca-se em alguma medida ter uma representação do Estado do Rio de Janeiro, dentro do tempo hábil em que a pesquisa deve ser produzida.

Neste momento inicial de desenvolvimento e com o imperativo da pandemia, pretende-se, por hora, buscar informações junto a esses professores, por meio de entrevistas pré-estruturadas via chamadas de vídeo, algo que poderá no futuro ser modificado para entrevistas presenciais. Porém essa realidade ainda parece distante no horizonte pandêmico que nos cerca.

Mais uma vez tratando da questão sanitária atual, um dos pontos que se pretende investigar junto aos professores é se a forma de “dar aula” se modificou. Apoiando-se na ideia de Tardif (2012), pode-se pensar que o trabalho do professor é um trabalho social, construído socialmente. Essa relação formativa do professor, dada em sala de aula por meio do contato com os alunos cotidianamente, tem uma ruptura no momento atual com as aulas em formato digital. Esse elemento modifica a relação professor-aluno e modifica também a forma como o “saber docente” é construído, agora mediado pelas telas e por vezes de forma assíncrona.

REFERÊNCIAS

SILVA, Amanda Moreira da. A precarização do trabalho docente no século XXI: o precariado professoral e o professorado estável formal sob a lógica privatista empresarial nas redes públicas brasileiras. Tese (Doutorado) – Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 13. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2012.

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José Guilherme Leandro

Trabalhadores de aplicativos: as novas reconstituições de tempo × espaço e as implicações para o trabalho

Problemática da Pesquisa

Os trabalhadores por aplicativo tornaram-se pauta nacional devido à sua enorme importância nos últimos debates políticos, econômicos e sociais que têm permeado a sociedade brasileira. A cada dia, milhares de trabalhadores saem às ruas para pegar os mais variados produtos em diversos locais e entregar ao cliente no menor tempo e trajeto possíveis. Sob quais condições de trabalho e estresse eles são submetidos é o ponto de partida inicial do projeto, visto que não há segurança legal trabalhista que os ampare (TOZI, 2018).

Além do mais, munidos de seus celulares e de plataformas do mais alto grau de sofisticação, a todo instante, recebem as melhores coordenadas que devem seguir para que haja sempre o menor tempo despendido no espaço calculado e recalculado pelo aplicativo. Ou seja, os trabalhadores por aplicativo estão sendo submetidos a todo momento a recálculos de rotas, comprimindo cada vez mais a relação o tempo × espaço (HARVEY, 1993).

A questão surge da crescente e cada vez mais intensa de despojados do mercado formal de trabalho numa economia em colapso, que não encontra mais oportunidades de vender o seu tempo em troca de dinheiro nos postos tradicionais de trabalho. Na subsistência sua e de seus dependentes, os entregadores submetem-se a condições degradantes e desprovidas de qualquer amparo legal trabalhista depois que as novas tecnologias os substituem nos antigos postos de trabalho. (KURZ, 2018, p. 11)

Objetivos

O objetivo deste projeto é compreender o processo de compressão tempo x espacial de e as dinâmicas dos trabalhadores de aplicativo e os reflexos trabalhistas aos quais eles estão submetidos.

Metodologia

Revisão Bibliográfica; Análise de dados; Trabalho de campo (caso possível).

Fundamentação Teórica e Apontamentos Parciais

As dinâmicas temporais e espaciais dos trabalhadores ocorrem no espaço físico, onde a aniquilação do espaço pelo tempo é preponderante para que o fluxo de giro do capital seja cada vez mais intenso e eficaz, desembocando na tentativa de encurtar o tempo o máximo possível no trajeto vendedor versus consumidor. O trabalho terá como arcabouço central de interpretação a obra do geógrafo britânico marxista David Harvey, denominado Condição Pós-Moderna: Uma Pesquisa sobre as Origens da Mudança Cultural (1993), que constitui uma contribuição vital para a compreensão e melhor análise do espaço e do tempo sob a ótica do deslocamento dos trabalhadores de aplicativos. A condição pósmoderna que o autor nos coloca é uma situação em que a relação de tempo x espaço torna-se cada vez mais comprimida a uma ótica econômica que impõe ritmos cada vez mais acelerados de vida.

Colocar nome autor aqui 130

Trabalhadores de aplicativos: as novas reconstituições de tempo × espaço e as implicações para o trabalho

REFERÊNCIAS:

HARVEY, David. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 1993.

KURZ, Robert. A crise do valor de troca. Rio de Janeiro: Editora Consequência, 2018.

TOZI, Fábio. As novas tecnologias da informação como suporte à ação territorial das empresas de transporte por aplicativo no Brasil. In: Anais do XV Coloquio Internacional de Geocrítica, Barcelona, 7-12 de mayo de 2018.

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O comércio ambulante no transporte ferroviário da região metropolitana do Rio de Janeiro

Problemática da pesquisa

Atualmente o mundo do trabalho impõe enormes desafios para a classe trabalhadora, para quem é imprescindível resistir às violações de seus respectivos direitos, ainda que existam práticas trabalhistas que garantam um mínimo de estabilidade jurídica e financeira. Diante de todas as alterações relacionadas ao mundo do trabalho, a globalização neoliberal se mostra como um fator perverso e determinante do desmantelamento das relações trabalhistas, e a periferia, nesse contexto, se tornou um lugar de constante destruição relacionada aos direitos e deveres laborais.

Consequentemente, ocorre a degradação do trabalho estável com profundas consequências sociais, dando lugar a um processo de desconstrução do trabalho e a uma crescente precarização que se espraia pelo espaço urbano, em especial, com relação às atividades pertencentes ao circuito inferior da economia urbana, afetando diretamente as noções de tempo e de espaço como resultado da intensificação do processo de informalização.

Renata Braga dos Santos

Objetivos

O objetivo principal desta pesquisa é compreender a dinâmica do comércio informal no transporte ferroviário da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, na perspectiva do Circuito Inferior da Economia Urbana, buscando salientar a dimensão do transporte ferroviário no processo de urbanização, na evolução da cidade do Rio de Janeiro, e diferenciar as formas de trabalho por conta própria que podem ser intituladas como subemprego. Para isto, pretende-se:

• Reconhecer os benefícios e malefícios do trabalho por conta própria nos trens da Supervia;

• Investigar a organização dos trabalhadores por conta própria para a comercialização de produtos;

• Contrapor os usos dos modais de transporte em relação ao trabalho dos ambulantes na Supervia e no MetrôRio.

Metodologia/Abordagem teórica

O método de pesquisa utilizado está pautado em reflexões e revisão bibliográfica sobre o circuito inferior da economia urbana, globalização, formas de trabalho informal/ilegal, configuração da malha ferroviária e da região metropolitana do Rio de Janeiro. A referência central do trabalho é a obra de SANTOS (2008), que contribui para o esclarecimento da noção de comércio “informal” no circuito de inferior da economia urbana, salientando o lugar de trabalho e o cotidiano dos ambulantes, diante da falta de investimento de capital e da expansão da comercialização de produtos de baixo valor, cujo consumo se limita aos indivíduos que não conseguem adquirir mercadorias no circuito superior, e por conta disso, ajudam no espraiamento da economia coexistente de mercadorias extremamente baratas. Para fundamentar esta reflexão, serão utilizadas pesquisas de campo, que serviram de base empírica, realizadas nos ramais de Santa Cruz, Belford Roxo, Japeri e Saracuruna.

REFERÊNCIAS

SANTOS, Milton. O Espaço Dividido. Os Dois Circuitos da Economia Urbana dos Países Subdesenvolvidos. 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008.

O comércio ambulante no transporte ferroviário da região metropolitana do Rio de Janeiro 133

Saberes e territórios na cartografia social das comunidades quilombolas da região da Baía da Ilha Grande

Nathália de Oliveira de Sousa

Introdução

As ausências sobre as vivências e os saberes das comunidades tradicionais, como as quilombolas, revelam um impacto multiescalar ao longo do espaço-tempo na construção de narrativas sobre um Brasil de forte ancestralidade dos povos africanos e indígenas. Desse resultado, observa-se trajetórias escolares com percepções fragmentadas sobre a formação populacional brasileira, e Ratts (2010, p. 126) diz que “para alguns essa narrativa tranquiliza face a outras formações socioespaciais em que o racismo ou o etnocentrismo parecem mais rígidos na vida e no espaço social”. Com isso, este projeto faz uso conceitual e metodológico da cartografia social como articulação junto às comunidades quilombolas. A apropriação da cartografia, no seu amplo significado, visa ampliar as ações diante das demandas complexas do território.

Saberes e territórios na cartografia social das comunidades quilombolas da região da Baía da Ilha Grande

Problemática Central

Dada a potência da produção de saberes nos territórios quilombolas no fomento de narrativas acerca do Brasil e seus impactos nas narrativas na escola e no território, quais análises socioespaciais podem ser materializadas partindo da cartografia social?

Objetivos

• Produzir mapas temáticos socioambientais/culturais a partir da cartografia social;

• Construir de forma participativa indicadores de etnodesenvolvimento nas dimensões espacial e socioambiental;

• Elaborar EtnoAtlas geográfico;

• Divulgar o uso do material construído em escolas da região, provocando debates em diferentes escalas, tendo como garantia a promoção de ensino das temáticas em foco, pela BNCC e a lei 10.639.

Metodologia

A cartografia social neste projeto possibilita a mediação da pesquisa com as comunidades quilombolas. Espera-se gerar interpretações e a construção colaborativa de um material que apreenda as relações com seus territórios e fortaleça e valorize narrativas sobre vivências e olhares sobre a gestão territorial. Os conceitos que articulam esta discussão, a princípio, são os conceitos de território e cartografia social.

A cartografia social, de acordo com Wagner (2010, “surge como uma nova ferramenta de planificação e transformação social. Atualmente, é utilizada como apoio em processos de organização comunitária através de um planejamento participativo de todos os atores sociais” (p. 9).

Para a confecção de tais mapas serão realizadas atividades coletivas compostas pelas seguintes etapas:

1. Reunião propositiva para apresentação e consulta de temas pertinentes;

2. Caminhadas transversais e mapas falados;

3. Apresentação da ferramenta Google Earth® para os voluntários;

135

4. Mapeamento colaborativo dos temas definidos na reunião propositiva e nas atividades coletivas de caminhada transversal e mapa falado;

5. Transposição/processamento do material em meio digital por meio do uso de softwares de consulta como o Google Earth® e análise espacial com o QGis;

6. Reunião devolutiva.

Área de estudo

A pesquisa se desenvolverá em dois quilombos da região da Baía da Ilha Grande, no estado do Rio de Janeiro: Santa Rita do Bracuhy (Angra dos Reis) e Campinho da Independência (em Paraty). Essa região experimentou de maneira semelhante em seu território o boom da atividade turística na década de 1970/80 com a abertura da Rodovia Rio-Santos e a intensificação das ações do capital imobiliário (RODRIGUES, 2006). Ainda hoje, experimenta o desenrolar desse fenômeno que trouxe algumas consequências negativas, destacando-se, neste caso, a comunidade do Bracuhy, ainda em processo de regularização fundiária e, atualmente, fragmentada em seu território original.

REFERÊNCIAS

ARROYO, M.; SILVEIRA, M. L. (org.) América Latina: cidade, campo e turismo. São Paulo: CLACSO, 2006.

ALMEIDA, A. W. B. A. Nova cartografia social da Amazônia. Disponível em: http://www. novacartografiasocial.com/index.php?option= com_content&view=article&id=5:joomlalicense-guidelines&catid=25:apresentacao. Acesso em: 08 mai 2011

RATTS, A. Geografia, relações étnico-raciais e educação: a dimensão espacial das políticas de ações afirmativas no ensino. Revista Terra Livre, São Paulo, ano 26, v. 1, n. 34, p.125140, 2010

RODRIGUES, B.A. Turismo e territorialidades plurais – lógicas excludentes ou solidariedade organizacional. In: LEMOS, A. I. G; ARROYO, M.; SILVEIRA, M. L. América Latina: cidade, campo e turismo. São Paulo, 2006. p. 297-315.

Nathália de Oliveira de Sousa 136

Rede de sensoriamento de baixo custo para monitoramento da qualidade do ar na cidade do Rio de Janeiro

Com o acelerado avanço tecnológico e o aumento da industrialização, cada vez mais rejeitos e poluição são gerados. A qualidade do ar acaba sendo afetada por um excesso de carga de poluentes sem que haja tempo da natureza para uma recuperação. Assim, monitorar como está o ar em regiões urbanas é interessante para que medidas de infraestrutura e organização sejam tomadas de forma adequada e preventiva. No Brasil, apenas oito estados e o Distrito Federal mantêm sua qualidade do ar monitorada (IEMA, 2016). Logo, uma alternativa de baixo custo, com projeto tanto de hardware quanto de software , aberto e gratuito, pode ajudar no processo de mais locais, quer de iniciativa pública ou privada, terem o controle de monitoramento do ar. Desta forma, a presente pesquisa apresenta e analisa sensores de qualidade do ar de baixo custo, a partir de uma placa Arduíno, que é uma plataforma de prototipagem com hardware e software livres, ou seja, tanto o projeto de construção quanto a programação encontram-se disponíveis de forma gratuita para replicação e modificação, bem como o SIG WEB Vicon SAGA , que pode ser acessado via navegador em qualquer plataforma (Windows, Linux e MacOS) e conta também com uma versão para celulares com

sistema Android . Seu objetivo é registrar eventos e entidades de um ambiente em uma base georreferenciada, e ele permite ainda a elaboração de formulários customizáveis, de acordo com a necessidade do usuário, sendo também possível inserir multimídia, como fotos, áudio e vídeos.

Os sensores serão espalhados inicialmente em quatro bairros da cidade do Rio de Janeiro, com diferentes características físicas, de adensamento urbano e também geográficas. Pretende-se relacionar os dados obtidos em cada localização, comparando-os um com o outro e também relacionando com dados de saúde da respectiva região, cuja entrada tenha sido sob o diagnóstico de problemas respiratórios, decorrentes da má qualidade de seus ambientes. Espera-se que o projeto sirva como opção de baixo custo para implementação e replicação, podendo assim ser mais um parâmetro para tomadas de decisões por parte do poder público para infraestrutura de qualidade de vida e também para setores privados terem controle de suas emissões de poluentes.

REFERÊNCIAS

ARDUINO. 2021. What is Arduino? Disponível em: https://www.arduino.cc/en/Guide/ Introduction. Acesso em: 21 maio 2021.

IEMA – Instituto de Energia e Meio Ambiente. Plataforma de Qualidade do Ar. Disponível em: http://qualidadedoar.org.br/. Acesso em: 22 maio 2021.

VICON SAGA. 2021. Disponível em: https://viconsaga.com.br/site/home. Acesso em: 21 maio 2021.

138
Igor Vieira Vargas Colares

Integração dos parâmetros curriculares nacionais do Ensino Fundamental II e Médio para ações educativas em unidades de conservação na Baixada Fluminense

Julio Cesar Carou Felix de Lima

Este trabalho apresenta uma proposta de integração dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Básico para a criação de uma cartilha socioambiental para uso nas unidades de conservação da Baixada Fluminense. Por meio de visitas monitoradas, a cartilha propõe conectar estudantes com as unidades do território fluminense, que sofrem com a falta de recursos e com a invisibilidade de uma área periférica.

Problemática de Pesquisa

No Brasil, a Lei n. 9.985 criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) em 18 de julho de 2000, para regulamentação e categorização das Unidades de Conservação (UCs). Com o aumento das UCs e a consolidação do SNUC, a Educação Ambiental (EA) veio a ser um ponto muito debatido, e essa discussão gerou uma base legislativa que garante o ensino da EA nos diferentes níveis de ensino. A Política Nacional de

Educação Ambiental “compreende os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida” (BRASIL, 1999).

Uma das características fortes das UCs é a condição de que podem ser laboratórios de ensino, e as práticas de EA aplicadas em espaços naturais favorecem um campo experimental que se diferencia e que pode ser manejado por muitos projetos pedagógicos para possibilitar espaços educativos formais, não formais e informais, promovendo diferentes tipos de imersões nas UCs e conhecimento sobre EA (PIMENTEL, MAGRO, 2014; QUEIROZ, GUIMARÃES, 2017).

As UCs em regiões periféricas costumam ter um menor número de visitações, como as da Baixada Fluminense (BF), por exemplo, que são afetadas diretamente pela escassez de recursos humanos, materiais e financeiros para as manutenções e os serviços básicos. A BF possui vários estereótipos negativos relacionados à violência e a poluição ambiental, sendo também vista como “Terra sem Lei”, e, segundo Farias et al. (2020), as áreas de proteção ambiental do Oeste Metropolitano sofrem pressão do mercado imobiliário e do poder público para mudarem seu uso do solo, de área vegetada para solo construído. Os fatores apresentados são alguns dos motivos que influenciam a baixa visitação das UCs na região.

A proposta para o desenvolvimento de uma cartilha de EA para o Ensino Fundamental II e Médio, integrando os conteúdos dos PCN e aplicando nas UCs da BF, visa potencializar a interação do estudante com a natureza ao trazer a temática da conservação para mais perto da realidade deles, com a finalidade de unir os conhecimentos da sala de aula com o que pode ser ensinado de forma prática nas UCs e proporcionar um olhar mais crítico e emancipatório sobre as questões ambientais.

Objetivos

Contribuir com o ensino-aprendizagem da EA da BF por meio de uma cartilha ecopedagógica, baseada nos conteúdos do Ensino Básico que se associam com a temática das Unidades de Conservação, a fim de oferecer um produto didático aos professores, educadores ambientais e gestores.

Julio Cesar Carou Felix de Lima 140

Metodologia

A pesquisa foi estruturada com o levantamento bibliográfico, buscando referências em temas como: Cartilha Ambiental, Educação Ambiental, Ecopedagogia, Educomunicação, Unidades de Conservação do Rio de Janeiro, Racismo Ambiental, Degradação Ambiental e Invisibilidade da Baixada Fluminense. Com a leitura, análise e sintetização das ideias das referências que atenderam esta pesquisa, foi organizada a base teórica para este trabalho.

Abordagens Teóricas

O trabalho utiliza revisão bibliográfica em conjunto com análise e revisão dos PCN para composição de linhas de abordagens nas temáticas de UCs para composição da Cartilha.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999. Política Nacional de Educação AmbientalPNEA. Brasília, 1999. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9795.htm. Acesso em: 05 abr. 2021.

FARIAS, H. S. de; VARGAS, K. B.; MARINO, T. B.; SOUSA, G. M. de; LUCENA, A. J. de. Vulnerabilidade socioambiental no Oeste Metropolitano do Rio de Janeiro: estratégias de prevenção a riscos. Espaço e Economia, Revista brasileira de geografia econômica , v. 19, 2020. https://doi.org/10.4000/espacoeconomia.14182

PIMENTEL, D. de S.; MAGRO, T. C. Diferentes dimensões da Educação Ambiental para a inserção social dos Parques. Anais do uso público em Unidades de Conservação, Niterói, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, p. 1-9, 2014.

QUEIROZ, E. D. de; GUIMARÃES, M. O trabalho de campo em unidades de conservação como ambiente educativo e estratégia pedagógica fundamental para uma formação diferenciada em educação ambiental. Revista de Políticas Públicas, v. 20, p. 421-426, 2017.

Integração dos parâmetros curriculares nacionais do Ensino Fundamental II e Médio... 141

Análise espacial da dinâmica de ocorrência de incêndios florestais no oeste metropolitano do Rio de Janeiro

Problemática

A região do Oeste Metropolitano do Estado do Rio de Janeiro (OMRJ) compreende áreas da zona oeste da cidade do Rio de Janeiro somadas a municípios da Baixada Fluminense, abrangendo um complexo econômico de grande valia não apenas para o estado, mas também para todo o país, visto que corresponde a uma área de ligação rodoviária entre três grandes estados: Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte (OLIVEIRA, 2015). Além disso, a região é marcada por diversos conflitos socioambientais.

Por ser uma área de grande variabilidade ambiental, localizada no bioma de Mata Atlântica e ainda concentrar os principais rios de abastecimento da região metropolitana, o Oeste Metropolitano torna-se um local de grande necessidade de estudos de impactos, riscos ambientais e levantamentos diagnósticos de suas características naturais.

Objetivos

Este trabalho propõe uma análise socioambiental da região do OMRJ, tomando por base a ocorrência de incêndios florestais ocasionados por diversos fatores. Como objetivos específicos busca-se realizar um levantamento dos dados de maior ocorrência nos últimos anos e um mapeamento da distribuição espacial desses eventos.

Abordagem teórica

Em se tratando das problemáticas socioambientais, destaca-se aqui a ocorrência de incêndios florestais, em que diversas abordagens vêm sendo tomadas, como em Sousa et al . (2010), Fernandes et al . (2011), Tomzhinski (2012) e Rodriguez & Sousa (2020). Dentro do recorte e da temática escolhida, é necessário realizar um levantamento de dados ambientais para analisar de que forma o fogo se comporta em cada variável ambiental, suas causas, as áreas mais suscetíveis à ocorrência e os problemas socioambientais intrínsecos.

Metodologia

Serão utilizados como dados de entrada a base cartográfica contínua (IBGE, 2018) e os focos de ocorrência de queimadas, obtidos a partir do Banco de Dados de queimadas do INPE, captados pelo sensor MODIS do satélite AQUA

M-T, além de imagens de LANDSAT para caracterização e classificação de uso e cobertura do solo.

Serão realizados inicialmente o mapa de localização, e o mapeamento de densidade de ocorrência dos incêndios para análise socioambiental (Figura 1), associados a características da região, apontando os municípios de maior ocorrência e seus indicadores sociais e ambientais.

Apontamentos parciais

Já é possível identificar no ano de 2020 um grande índice de ocorrência de incêndios na região, como apresentado no mapa da Figura 1, onde podem ser visualizados também os municípios mais afetados.

Análise
do Rio de Janeiro 143
espacial da dinâmica de ocorrência de incêndios florestais no oeste metropolitano

Referências

BDQUEIMADAS - INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS – INPE. Disponível em <https://queimadas.dgi.inpe.br/queimadas/bdqueimadas#exportar-dados> Acesso em: 19 maio de 2021.

FERNANDES M.C.; COURA P.H.F.; SOUSA G.M.; AVELAR A.S. Avaliação Geoecológica de Susceptibilidade à Ocorrência de Incêndios no Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Revista Floresta e Ambiente,v. 18, n. 3. p. 299-309, 2011.

IBGE. Bases Cartográficas Contínuas. Disponível em <https://www.ibge.gov.br/geociencias/ cartas-e-mapas/bases-cartograficas-continuas/15759-brasil.html?=&t=downloads> Acesso em: 19 de Agosto de 2020.

SOUSA, G.M.; COURA, P.H.F.; FERNANDES, M.C. Cartografia geoecológica da potencialidade à ocorrência de incêndios: Uma proposta metodológica. Revista Brasileira de Cartografia, v. 62, ed. esp. 1, p. 277-289, 2010.

TOMZHINSKI, G.W. Análise Geoecológica dos Incêndios Florestais no Parque Nacional do Itatiaia. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2012.

Mateus Ribeiro Rodriguez 144
Figura 1. Densidade de ocorrência de incêndios no OMRJ. Elaborado pelo autor

Análise espacial da dinâmica de ocorrência de incêndios florestais no oeste metropolitano do Rio de Janeiro

RODRIGUEZ, M.R.; SOUSA, G.M. Análise temporal da dinâmica dos incêndios no Parque Nacional de Itatiaia entre os anos de 2008 e 2018. In: Anais da V JGEOTEC. Niterói, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: Geopartners, 2020. p. 679-688.

OLIVEIRA, L.D. A emersão da região logístico-industrial do Extremo Oeste Metropolitano fluminense: reflexões sobre o processo contemporâneo de reestruturação territorialprodutiva. Revista Espaço e Economia, ano IV, n. 7, p. 1-23, 2015. http://journals.openedition. org/espacoeconomia/1814

145

Geografia e fotografia: story maps para ambientação no campus da UFRRJ em tempos de isolamento social

Introdução

Em março de 2020, as aulas da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) foram suspensas devido à pandemia de Covid-19. Passado mais de um ano de distanciamento social, as aulas ainda ocorrem remotamente em diferentes ambientes Web. No semestre atual, iniciado em 31 de maio de 2021, pela primeira vez a UFRRJ recebeu novos alunos que não tiveram contato físico com a universidade. Como romper essa distância e permitir que os novos alunos tenham um contato com a UFRRJ?

O processo fotográfico vai além do elemento decorativo. A fotografia é a melhor maneira de descrever a paisagem, na medida em que expressa inúmeras informações além do textual. A fotografia agrega valores na comunicação cartográfica, criando, inclusive, sensações afetivas. Turk (1994) salienta que a cartografia é comumente identificada como uma aplicação da visualização científica quando, na verdade, a cartografia é a técnica fundamental de visualização que de modo particular é usada em muitas áreas da ciência. E cada vez mais faz parte do

nosso cotidiano. Assim, este trabalho tem como objetivo permitir que os novos ingressantes façam uma visita virtual ao campus sede da UFRRJ, em Seropédica, e, a partir da geovisualização, ter acesso a imagens e mais informações relevantes.

Metodologia

Para os autores MacEachren & Kraak (2001), a geovisualização integra visualização, cartografia, análise de imagens, visualização de informações, análise exploratória de dados e SIG (Geographical Information System) para oferecer teorias, métodos e técnicas para exploração visual, análise, sintetização e apresentação de dados espaciais. No campo da geovisualização e da comunicação cartográfica, optou-se por desenvolver a metodologia com a ferramenta ArcGIS StoryMaps. O processo de mapeamento online da UFRRJ na plataforma ESRI aconteceu pela complexidade dos recursos oferecidos. O software e os aplicativos ArcGIS combinam mapeamento e análise de dados para fornecer inteligência de localização e atender às necessidades de transformação digital. Assim, foi realizado um trabalho de campo para registros fotográficos e de vídeo de 35 pontos de interesse selecionados. Além da coleta em campo, foram reunidas referências textuais encontradas no portal da UFRRJ (https:// portal.ufrrj.br) e algumas fotografias antigas do acervo de memórias (http:// r1.ufrrj.br/centrodememoria/centro-de-memoria/). Estas informações foram acrescidas para ajudar na localização dos principais espaços e edificações do campus. O processo de construção do StoryMaps é finalizado com a publicação do link gerado e, pronto o mapeamento online, já pode ser visualizado e consequentemente compartilhado.

Na última etapa, para avaliar a efetividade da ferramenta Arcgis StoryMaps, será elaborado um questionário no Google Forms, a ser aplicado para os alunos ingressantes, idealmente após o retorno presencial das aulas, tornando possível estatisticamente os apontamentos positivos que essa comunicação cartográfica pode oferecer. Neste sentido, essas etapas futuras serão avaliadas, buscando interpretar as potencialidades que a fotografia e a geografia podem oferecer com esse produto de StoryMaps.

Abordagem teórica

Para Santos (2002), ”A paisagem é história congelada, mas participa da história viva. São suas formas que realizam, no espaço, as funções sociais” (p. 107).

No entanto, a imagem da paisagem nos permite ir além, pois “o caráter simbólico

147
Geografia e fotografia: story maps para ambientação no campus da UFRRJ em tempos de isolamento social

dos lugares revela-se ao ser humano como algo que precede a linguagem e a razão discursiva, apresentando assim determinados aspectos do real, enfatizando as relações entre simbólico e o lugar” (COSTA, 2003, p. 33). O trecho destacado de Costa afirma que o caráter simbólico dos lugares perpassa a relação de troca do indivíduo para com o meio, e não se pode excluir também o papel que as imagens desempenham na construção desse lugar simbólico. Assim, pretende-se utilizar a fotografia associada à cartografia para permitir a localização no campus da UFRRJ por alunos ingressantes que nunca estiveram lá presencialmente. No entanto, não se trata de uma localização apenas. O intuito é enriquecer a experiência com informações relevantes sobre as atividades desenvolvidas em cada espaço selecionado, além de buscar despertar a afetividade a partir dos registros em um ensaio fotográfico profissional que realcem as belezas naturais e das edificações históricas do campus, reconhecidamente um dos mais belos do país.

REFERÊNCIAS

COSTA, Otavio José Lemos. Memória e Paisagem: em busca do simbólico dos lugares. Espaço e Cultura, Rio de Janeiro, n. 15, p. 33-40, 2003.

ESRI, 2021. Disponível em: https://learn.arcgis.com/en/become-a-student-member/. Acesso em: 20 de maio 2021.

LEAL, S.P.S. Uso da ferramenta StorymapJS (Knight Lab) e sua aplicação aos prédios históricos da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - Campus Seropédica/RJ. Monografia (Bacharelado em Geografia). Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, 2020.

MACEACHREN, AM; KRAAK, MJ.Desafios de pesquisa em geovisualização. Cartografia e Ciência da Informação Geográfica, v. 28, n. 1, p. 1-11, 2001.

SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo – razão e emoção. São Paulo: Edusp, 2002.

TURK, A. G. Towards and understanding of human-computer interaction aspects of Geographic Information Systems. Cartography, v. 19, n. 1, p. 31-60, 1994.

UFRRJ – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Centro de memórias: História da 8ª Universidade mais bela do mundo. 2021. Disponível em: http://r1.ufrrj.br/centrodememoria/ historia-ufrrj/. Acesso em 25 de maio 2021.

Colocar nome autor aqui 148

O potencial da educação ambiental como mitigadora dos conflitos socioambientais em Unidades de Conservação:

Estudo de caso no Parque Natural Municipal de Nova Iguaçu, RJ

Fernanda

As Unidades de Conservação (UC) são áreas específicas criadas e protegidas pelo poder público que visam a conservação ambiental. Essa proteção é dada pela Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Desde a criação do SNUC, há quase 20 anos, o número de UCs no Brasil mais que triplicou. Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente (MMA) de 2020, existem atualmente 2.446 UCs no país, sendo 1.669 equivalentes às de Uso Sustentável e 777, de Proteção Integral. Esse aumento expressivo no número de áreas protegidas pode ser considerado uma vitória frente há anos de luta dos movimentos ecológicos e conservacionistas. Entretanto, por outro lado, é necessária uma preocupação com as consequências sociais, visto que as UCs não são ilhas isoladas da ação humana, mas sim territórios em disputa. Essa disputa está relacionada ao que diferentes atores sociais pretendem nos territórios em questão, atores estes que podem ser populações tradicionais,

populações do entorno, movimentos ambientalistas, setores econômicos ou políticos interessados na exploração dos recursos naturais, entre outros. As diversas intencionalidades desses grupos acabam por irromper nos chamados conflitos socioambientais, os quais “surgem das distintas práticas de apropriação técnica, social e cultural do mundo material” (ZHOURI; LASCHEFSK, 2010, p. 17-18).

Os conflitos socioambientais podem ter diversas origens nas UCs, principalmente na categoria Parque, foco que será dado no presente projeto. No Parque Natural Municipal de Nova Iguaçu, dentre os vários conflitos existentes, o alvo deste trabalho será a caça ilegal e a prática de queimadas, esta última muito recorrente na vertente norte da UC.

Segundo Moreira e Ferreira (2015), “cabe ao poder público em suas diversas instâncias, dotar os diferentes atores sociais de condições de equidade no exercício do diálogo e na busca de soluções consensuais” (p. 8) para tais conflitos. Nesse sentido, a Educação Ambiental é um importante instrumento capaz de promover a participação não só desses atores, mas também de toda a sociedade nas questões socioambientais e ainda capacitá-los para uma gestão participativa nas unidades de conservação, o que poderia auxiliar a atenuar os embates existentes. Desse modo, o presente projeto pretende analisar como a Educação Ambiental ajuda a mitigar os conflitos socioambientais presentes no território do PNMNI.

Os objetivos específicos são: compreender como a EA é desenvolvida em UC; discutir o que são conflitos socioambientais e como eles afetam as UC; mapear os conflitos socioambientais existentes no PNMNI; identificar ações de EA realizadas por atores públicos no PNMNI, bem como o que é expressado em pesquisas científicas produzidas sobre EA neste espaço; e apontar estratégias metodológicas de EA para subsidiar ações de combate a determinados conflitos no PNMNI, como queimadas e caça.

A metodologia parte de uma abordagem qualitativa, uma vez que é baseada na compreensão e na interpretação dos fenômenos a partir de suas representações, crenças, opiniões, percepções, atitudes e valores (SILVA; SILVA, 2013). Sendo assim, será realizado um levantamento bibliográfico para a compreensão dos principais conceitos que embasam esta pesquisa (território, unidades de conservação, conflito socioambiental e educação ambiental), bem como entrevistas com o gestor do PNMNI, a fim de obter dados sobre os conflitos presentes na unidade e, a partir disso, produzir mapas de cobertura de solo, levantamentos de ações/programas de EA empreendidos no parque e análise de propostas de pesquisas sobre EA na unidade, previamente selecionadas.

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O potencial da educação ambiental como mitigadora dos conflitos socioambientais...

REFERÊNCIAS

Ministério do Meio Ambiente. Dados Consolidados do Cadastro Nacional de Unidades de Conservação Ambiental. Disponível em: http://www.mma.gov.br/areas-protegidas/ cadastronacional-de-ucs/dados-consolidados.html. Acesso em 13 de Julho de 2020.

MOREIRA, Tereza; FERREIRA, Luiz Fernando (org.). Conflitos: estratégias de enfrentamento e mediação. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2015.

SILVA, Vanessa Messias; SILVA, Bruno Torres Braga da. Percepção Ambiental da Comunidade do Entorno do Parque Natural Municipal Barão de Mauá, Município de Magé, RJ. Anais do Uso Público em Unidades de Conservação, Niterói, v. 1, n. 3, p. 9-19, 2013.

ZHOURI, Andréa; LASCHEFSKI, Klemens. Desenvolvimento e conflitos ambientais: um novo campo de investigação. In: ZHOURI, Andréa; LASCHEFSKI, Klemens (org.). Desenvolvimento e Conflitos Ambientais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010. p. 11-33.

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Essa pesquisa tem uma importante missão no sentido de evidenciar o papel essencial da Educação Ambiental como instrumento que propicia o entendimento e a reflexão sobre a realidade, no intuito de uma sensibilização ante as questões socioambientais e a busca de uma melhor qualidade de vida por meio de uma participação ativa na sociedade.

A análise do discurso nos pronunciamentos oficiais do governo Bolsonaro (2019-2020) como possibilidade de uma estratégia geopolítica de poder no Brasil para a América do Sul

Celso Rodrigues Cardoso Filho

Algumas considerações iniciais

A Análise do Discurso (AD) como proposta teórico-metodológica desta dissertação é uma técnica ou um conjunto de procedimentos que têm como objetivo esclarecer qualitativamente as intenções ou omissões dos discursos. Os efeitos dos sentidos dos discursos ligados ao contexto histórico-sociocultural consolidam posições estruturais ideológicas que são mediadas pela linguagem como fator de construção do discurso para transformar realidades no mundo social.

Busca-se trazer “à luz” os “desvios” das falas discursivas, contextualizá-los, destrinchá-los, na tentativa de entender os signos dos ditos e não ditos, compará-los com as formações discursivas que nutrem os pronunciamentos.

Para tentar entender essa intencionalidade do governo Bolsonaro e obter alguma resposta conjuntural que justifique

a hipótese de que existe uma política estratégica nos discursos geopolíticos para a América do Sul, traçamos alguns elementos de pesquisa que pudessem responder ao seguinte questionamento: em que medida os discursos geopolíticos nos pronunciamentos oficiais, sob a diplomacia do governo Bolsonaro, revelam uma estratégia geopolítica de poder para a América do Sul?

Objetivos

O objetivo geral desta pesquisa é realizar uma análise crítica dos discursos geopolíticos de Bolsonaro e seus porta-vozes (o Vice-presidente e o Chanceler) nos pronunciamentos oficiais.

Como objetivos específicos queremos investigar, a partir de um olhar sobre as relações internacionais do Brasil na América do Sul, o seguinte: 1) Como realizar uma Análise do Discurso Geopolítico tendo como base conceitual a Escola Francesa de Análise do Discurso, principalmente as teorias formuladas por Michel Pêcheux e Michel Foucault? 2) Quais as bases históricas, políticas e econômicas que contribuem para que seja possível traçar um paralelo de uma discursividade geopolítica de poder supostamente conduzida pelo Governo Bolsonaro? 3) Que implicações geopolíticas são possíveis de extrair sobre a possibilidades de uma estratégia de poder na América do Sul pelo governo Bolsonaro?

Caminhos metodológicos possíveis

A pesquisa usa o método da Análise do Discurso (AD) em uma revisão bibliográfica e documental e tem um caráter exploratório de abordagem qualitativa. A AD nos permite caminhar em direção aos fatos e sentidos do discurso para compreender e nos conectar com a realidade social por meio da história, do sujeito e da linguística. Não é um exercício fácil, pois caberá ao pesquisador (analista do discurso) buscar a melhor interpretação do “dito” e do “não dito”.

Para a construção do corpus delimitamos os pronunciamentos e documentos produzidos durante o governo Bolsonaro nos anos de 2019 e 2020, os dois primeiros anos desse governo. Neste estudo, foram selecionados 12 discursos do Presidente, Jair Bolsonaro, um discurso do Vice-presidente, Hamilton Mourão, 15 discursos do Ministro Ernesto Araújo, além das Resenhas de Política Exterior do Brasil nº 124, 125 e 126, do Ministério das Relações Exteriores

A análise do discurso nos pronunciamentos oficiais do governo Bolsonaro (2019-2020)... 153

(MRE),Arquivo Central DCA, referentes ao primeiro e segundo semestres de 2019 e primeiro semestre de 2020.

Abordagem Teórica

Optamos pela Escola Francesa de Análise do Discurso, fundada por Michel Pêcheux, que observa o discurso como objeto de análise e que, em sua teoria, “a linguagem é materializada na ideologia e como esta se manifesta na linguagem” (ORLANDI, 2005, p. 10).

Os autores que nos ajudaram a costurar o corpus deste trabalho durante o percurso na categoria de AD são Michel Pêcheux, Michel Foucault, e outros autores que contribuíram com a AD, dentre eles, citamos Eni Pulcinelli Orlandi, Helena H. Nagamine Brandão e Maria do Rosário Valencise Gregolin.

REFERÊNCIAS

FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. São Paulo: Loyola, 1996.

GREGOLIN, Maria do Rosario Valencise. A Análise do Discurso: conceitos e aplicações. São Paulo: Alfa, 1995.

PÊCHEUX, Michel. O discurso: estrutura ou acontecimento. Campinas: Pontes, 1990

SORJ, Bernardo; FAUSTO, Sergio. O papel do Brasil na América do Sul: estratégias e percepções mútuas. In: Brasil e América do Sul: Olhares cruzados. Disponível em < http:// www.plataformademocratica.org/Arquivos/Brasil_e_America_do_Sul_Olhares_cruzados. pdf>. Acesso em 25/04/2021.

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Fernanda Santana Ribeiro

Ao discutimos as Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC´s) na educação, precisamos estabelecer uma discussão assinalada segundo o lapso temporal do seu contexto: antes do ano de 2020, quando a ideia de trabalhar com essas ferramentas estava presente, porém as TDIC´s se configuravam como mero suporte da aula presencial ou surgiam em atividades sem muita complexidade; ou após o ano de 2020, marcado pela pandemia da Covid-19 e as intensas mudanças causadas nas relações escolares – com a consequente necessidade do uso das ferramentas digitais, uma vez que o ensino passou a se dar na modalidade não presencial ou popularmente chamada de ensino remoto.

Diante desse cenário, levantamos as seguintes indagações: vê-se que as TDIC´s já fazem parte do cotidiano da escola, mas como podem se tornar mais eficientes como estratégias auxiliares das aulas presenciais e como podem ser ainda mais funcionais no contexto das aulas remotas? Como empregar TDIC´s num contexto em que discentes são obrigados a estudar sob modalidade remota, apesar das limitações de acesso à Internet, seja por indisponibilidade de rede ou por falta de condições

Os desafios e as possibilidades do uso das tecnologias digitais da informação e comunicação no ensino da Geografia

financeiras para aquisição desse serviço? Quais são as possibilidades e os desafios do uso de TDIC´s como uma das possíveis linguagens para o ensino da disciplina de Geografia nos anos finais do Ensino Fundamental?. Nosso objetivo é discutir o uso das tecnologias digitais para além do mero apoio à aula tradicional, pois visamos abordar também as potencialidades de uso de outras ferramentas, tais como as plataformas de jogos, redes sociais, aquelas cujo uso possa se dar de modo offline ou em um ambiente com poucos recursos.

Para alcançar tais objetivos, esta investigação seguirá alguns passos. Inicialmente, serão formulados e aplicados questionários semiestruturados aos docentes de Geografia para investigar como avaliam a eficiência e a necessidade do uso de TDIC´s no ensino da Geografia escolar.

A seguir, serão desenvolvidas duas oficinas em que serão trabalhadas duas ferramentas tecnológicas, ainda não definidas. As turmas em que tais oficinas serão aplicadas são aquelas em que a pesquisadora já atua, a saber a turma do 8° ano e a turma de 7° ano. Ambas as turmas fazem parte da Escola Municipal José Eulálio de Andrade, no município de Paty do Alferes-RJ. Serão avaliados itens como: aplicabilidade da oficina, resultados objetivos (análise das apostilas físicas) e subjetivos (engajamento da turma).

Esta pesquisa foi iniciada em 2019, porém com a pandemia, foi necessário buscar formas de alcançar o aluno, que estava distante fisicamente, e a solução foi se concentrar no meio digital, em especial em redes sociais das quais os alunos já faziam parte. Retornamos, em 2020, com a ideia de trabalhar com ferramentas digitais diferentes das que foram elencadas para o ensino não presencial (aplicativos de mensagens e plataformas de videoconferência), após uma pesquisa informal com os alunos do 6° ano ao 9° ano, para a identificação dos aplicativos mais populares e com maior engajamento.

Descobrimos os vídeos de um minuto da rede social de vídeo Tiktok, privilegiando a linguagem informal e descontraída, porém sem perder o objetivo do ensino. No ano 2021, continuamos trabalhando com o Tiktok e construindo projetos paralelos às aulas regulares. A turma do 7° ano, por exemplo, construiu um mapa do bairro de Avelar com os pontos de referência, usando fotografias digitais, que não estão presentes na plataforma do Google Earth.

Para compreendermos essa relação da Geografia com a tecnologia, é importante entender o que é tecnologia. Para este estudo, nos deteremos na ideia de que a tecnologia, grosso modo, é uma técnica. Já “técnica”, por sua vez, pode ser pensada conforme Santos (2008, p. 25): as técnicas são como famílias, pois transportam uma história. Complementando tal pensamento Lévy (1999)

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Fernanda Santana Ribeiro

Os desafios e as possibilidades do uso das tecnologias digitais da informação e comunicação no ensino da Geografia

nos explica que “a técnica é produzida dentro de uma cultura, e uma sociedade encontra-se condicionada por suas técnicas” (p. 25).

A escola e sua comunidade, por estarem presentes num mesmo espaçotempo, não estão excluídas da “digitalização” dos seus processos administrativos e pedagógicos e acabam se moldando a ele. O ensino de Geografia não é um caso diferente, já que as geotecnologias possibilitaram um ensino diferenciado de cartografia, da noção de espaço geográfico e da paisagem, abrindo espaço para uma nova leitura e para a participação ativa dos alunos nas atividades. Precisamos destacar que existem outras ferramentas e linguagens com potencial para uso no ensino de Geografia, tais como as redes sociais e as plataformas de jogos voltados para educação.

Cavalcanti (2019, p. 53) sinaliza que o uso de linguagens alternativas, tais como vídeos, jogos e as redes sociais, está cada vez mais presentes no ensino de geografia, podendo potencializar a aprendizagem dos alunos. Para isso, é preciso expor o discente a situações a partir das quais ele precisa confrontar ideias e questionar fatos, com argumentação e ampliar a sua visão de mundo. Essas investigações ainda estão em andamento; por isso, não é possível ainda definir os resultados concretos do uso das TDIC´s no ensino não presencial. Contudo, informalmente, a partir de relatos dos alunos nos grupos das turmas, observações dos responsáveis e análises da devolutiva das apostilas físicas, observamos um aumento da participação, uma melhor assimilação do conteúdo e sugestões de temas para os próximos vídeos. Assim, verifica-se que é urgente estudar estratégias que atinjam os alunos, entre as quais sugerimos o uso de TDIC´s como as geotecnologias e também alternativas como as redes sociais com base em vídeos. O ensino de Geografia é dinâmico e, por isso, não pode prescindir de se atualizar quanto às ferramentas tecnológicas.

REFERÊNCIAS

CAVALCANTI, Lana de Souza. Pensar pela Geografia: ensino e relevância. Goiana: C&A Alfa Comunicação, 2019.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 17.ed. Rio de Janeiro: Record, 2008.

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Estágio supervisionado em Geografia e suas diversas faces: Diálogo com a práxis na formação inicial

O Estágio Supervisionado em Geografia é um importante elemento curricular na formação do profissional professor, sendo este o momento de vivenciar o verdadeiro tripé universitário entre ensino, pesquisa e extensão. Todavia, mesmo assumindo essa importância de um campo de conhecimento fundamental para a formação profissional do professor, o Estágio Supervisionado ainda é encarado somente como um momento de ir assistir aula do professor regente na escola, esvaziando todo o valor desse componente de formação de sua importância para a pesquisa, que fundamenta as práticas pedagógicas, e desvalorizando o seu papel social como uma oportunidade de aproximar, efetivamente, a universidade da escola, pois

além de abranger o ensino e pesquisa, o estágio também possui caráter de extensão por ser uma atividade que envolve duas instituições de diferentes objetivos e políticos: de um lado a universidade (...), e de outro, a escola (...).”, servindo, então como ponte para ligar essas duas realidades. (AUGUSTO, 2019, p. 31)

Pimenta e Lima (2004), ao trazerem para o centro de debate a prática do Estágio Supervisionado, mostram como este é muito mais que uma atividade instrumental, sendo espaço de formação docente alicerçado na pesquisa. Compreender o Estágio Supervisionado apenas como a oportunidade de observar um professor para, no futuro, imitá-lo, transforma esse momento da formação docente em um ato vazio, que enxerga o ensino como uma prática imutável e que transforma o comportamento dos alunos em algo padrão, como se toda sala de aula e toda escola tivessem as mesmas demandas e a mesma realidade.

Ao abordar a importância da prática do Estágio Supervisionado em Geografia, torna-se necessário refletir sobre essa formação docente que acontece no Brasil para buscar compreender a raiz do problema da desvalorização. O curso de Licenciatura em Geografia tem em seu arcabouço teórico matérias específicas que abordam sua ciência e as matérias pedagógicas, que são as disciplinas que formam o profissional professor, porém, é possível perceber que há a desvalorização dos conteúdos pedagógicos e uma atenção maior para as disciplinas específicas, acarretando problemas na prática docente do futuro profissional que estará em sala de aula.

Ser professor exige uma formação profissional que revele os saberes da prática dessa profissão, já que como Tardif (2010 afirma é preciso “compreender como são integrados concretamente nas tarefas dos profissionais e como estes os incorporam, produzem, utilizam, aplicam e transformam em função dos limites e dos recursos inerentes às suas atividades de trabalho” (p. 256) para, dessa forma, realizar a construção da identidade docente.

Essa formação que contrapõe teoria e prática, alimentando a desvalorização das disciplinas pedagógicas, na verdade, afasta o futuro do professor de dominar a teoria e ter uma prática de qualidade, executando, de fato, a práxis, afinal, como mostra Pimenta e Lima (2004), “o curso nem fundamenta teoricamente a atuação do futuro profissional nem toma a prática como referência para a fundamentação teórica. Ou seja, carece de teoria e de prática” (p. 33).

Lançando luz sobre o Estágio Supervisionado e a formação inicial do professor de Geografia, surge a curiosidade em saber se a desvalorização do Estágio pode ser explicada pela desvalorização do trabalho docente, afinal, a formação docente não acontece de uma hora para outra e não é um dom natural, como muitas vezes é posto socialmente. O processo de criação da identidade docente demanda estudos e leituras sobre educação.

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Estágio supervisionado em Geografia e suas diversas faces: Diálogo com a práxis na formação inicial

Nóvoa (2009) traz para o debate o lugar da profissão docente, afirmando que esta não se define só pela prática ou, apenas, na teoria, mas sim em “um terceiro lugar, no qual as práticas são investidas do ponto de vista teórico e metodológico, dando origem à contração de um conhecimento profissional docente (p. 33)”.

Para a investigação da hipótese do estudo, será necessário que a pesquisa divida-se em dois momentos:

a. a construção teórica de conceitos como formação docente, identidade docente, Estágio Supervisionado e práxis, com autores como Augusto (2019), Pimenta e Lima (2004), Tardif (2010), Nóva (2009), entre outros;

b. a realização do diálogo com os licenciandos em Geografia do Instituto Multidisciplinar da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (IM/ UFRRJ) em dois momentos diferentes de sua formação, o primeiro na disciplina de Estágio Supervisionado em Geografia I e o segundo na disciplina de Estágio Supervisionado em Geografia IV, na qual acontece a última prática de estágio.

Esses diálogos serão analisados segundo o referencial teórico na expectativa de entender a importância do Estágio Supervisionado na formação inicial docente e o porquê de sua desvalorização, possibilitando refletir e realizar teorias que tenham mais conexão com a realidade que o IM/UFRRJ e as escolas que recebem o estagiário estão inseridas.

Desse modo, a pesquisa tem como objetivo geral compreender a raiz da desvalorização do Estágio Supervisionado em Geografia e, em específico, identificar a percepção dos licenciandos do curso de Geografia do IM/UFRRJ acerca da importância do Estágio Supervisionado em Geografia, investigar a origem da desvalorização do trabalho docente e comparar as percepções e ações dos licenciandos em relação ao Estágio Supervisionado em Geografia nos momentos antecedente e ao final, em sua formação como professor de Geografia.

Essas problematizações buscam conhecer as expectativas dos licenciandos a respeito do Estágio Supervisionado e, a partir delas, traçar reflexões que compreendem as motivações da desvalorização desse componente curricular, investigando esse comportamento que separa a teoria da prática, dando a sensação de que para ser um bom professor de Geografia basta dominar os conteúdos específicos, deixando de lado as disciplinas que formam o profissional docente.

Amanda de Castro Lima 160

Estágio supervisionado em Geografia e suas diversas faces: Diálogo com a práxis na formação inicial

REFERÊNCIAS

AUGUSTO, R. G. O estágio supervisionado como aporte para a função social da universidade. In: QUEIROZ, E. D.; SANTOS, C.; AUGUSTO, R. G. EstágioSupervisionado e Prática de Ensino em Geografia: Construindo a ponte Universidade-Escola. Nova Iguaçu: Agbook; IM/UFRRJ, 2019. p. 29-38.

NÓVOA, A. Professores: imagens do futuro presente. Lisboa: Educa, 2009.

PIMENTA, S. G.; LIMA, M. S. L. Estágio e Docência. São Paulo: Cortez, 2004.

TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2010.

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A política externa brasileira e a atuação dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) em sua agenda

Mariana Herreira Gonçalves Pertile

A atual dinâmica global exige cada vez mais uma reconfiguração das relações existentes nos mais diversos níveis, desde uma ampla escala (entre Estados) até as mais íntimas relações humanas.

A política, por tratar dessas relações sob diferentes formas (ARENDT, 2002), vem ganhando amplo espaço de debate no cotidiano. Assim, é importante observar como diversos atores respondem ao sistema predominante e sua lógica, baseada no lucro e estandardização (SANTOS, 1996), carregada de contradições. Dentre elas destaca-se a diferenciação entre países e regiões provocada pela (des)valorização do território conforme o interesse do capital (THÉRY, 2008).

O Brasil se insere nesse contexto ao buscar novas parceiras de forma a garantir sua autonomia e projeção internacional. Assim, verifica-se uma aproximação e um maior interesse pelos países do chamado Sul Global, multifacetado em sentido econômico, político e cultural, que contempla principalmente África, Ásia e América Latina. Nesse sentido, a diplomacia exerceu papel decisivo para tal aproximação e a construção da imagem brasileira

de liderança e comprometimento, conferindo-lhe credibilidade e reputação, auxiliando sua inserção na conjuntura internacional (NYE, 2004).

A aproximação com os PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa) situa-se nesse contexto com particularidade devido à sua afinidade linguística e semelhança histórico-cultural – concebida pelo compartilhamento do colonizador em comum, Portugal. Tal particularidade é uma condição favorável para o desenvolvimento para além de um vínculo comercial, sendo estratégico também devido à sua localização (grande parte dos países) na costa do Atlântico Sul, com interesse voltado para a defesa das reservas de gás e petróleo na zona marítima (PENHA, 2011).

Nesse contexto, o trabalho pretende analisar a evolução da relação entre o Brasil e os PALOP, interpretando o posicionamento brasileiro frente a esse recorte. Como recorte temporal adota-se o período de 2011 a 2020, momento em que se observa uma tendência de afastamento entre os dois lados do Atlântico. Esta tendência possui como trama os efeitos da crise 2008, que levou a ajustes (principalmente orçamentários), que desencadearam uma instabilidade política, culminando no impeachment da Presidente Dilma Rousseff. Desde então, a relação passou por ressignificações de cunho ideológico por parte dos governos subsequentes, o que provoca dúvida sobre como esses países se inserem na agenda brasileira.

De forma a possibilitar tal avaliação, o presente trabalho conta o levantamento de dados nas organizações e sistemas ligados aos Ministério das Relações Exteriores, como o ComexStat (dados comerciais de importação e exportação) e o site da Agência Brasileira de Cooperação. Eles representam as principais oportunidades e definição de relacionamento, permitindo o envolvimento de atores para além do âmbito governamental – como empresas, instituições, associações. Dispõe-se também de documentos oficiais que, a partir da sua combinação, visam interpretar e traduzir como cada governo lidou com essa porção do continente africano.

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política externa brasileira e a atuação dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) em sua agenda

REFERÊNCIAS

ARENDT. Hanna. O que é política? 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.

MILANI, Carlos R. S. Aprendendo com a história: críticas à experiência da Cooperação Norte-Sul e atuais desafios à Cooperação Sul-Sul. Caderno CRH, Salvador, v. 25, n. 65, p. 211-231, 2012.

NYE, Joseph S. Soft Power: The Means to Success in World Politics. New York: Public Affairs Press, 2004.

PENHA, Eli Alves. Relações Brasil-África e geopolítica do Atlântico Sul. Salvador: EDUFBA, 2011.

SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço. Técnica e Tempo. Razão e Emoção. São Paulo: Hucitec, 1996.

THÉRY, Hervé. Globalização, desterritorialização e reterritorialização. Revista da ANPEGE, v. 4, n. 4, p. 89-96, 2008.

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África, racismo e branqueamento do currículo

Em um país em que mais da metade da população se declara com ascendência africana, o mínimo de se esperar é que os conteúdos ensinados em suas escolas, em sua metade tivessem sua origem ou relação também com o continente africano, posto como referência de conhecimentos, saberes, culturas e geografias. Mas o mais óbvio não é a regra e, no currículo colonial brasileiro, o que se apresenta de África é pior que o mínimo: para além da invisibilização, a construção de imaginários negativos sabota a auto-identificação consciente e positiva de grande parte dos cidadãos.

Neste trabalho, vamos falar sobre o racismo no Brasil a partir da análise do currículo escolar comum, observando alguns fatos históricos para compreender como a violência e a cristalização do racismo tornam-se parte da estrutura da sociedade brasileira. A partir da compreensão da existência de uma conduta racista em todas as esferas sociais do nosso cotidiano, buscaremos analisar como o continente africano é retratado nos tópicos, conteúdos e competências específicas da nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC), na disciplina de Geografia.

A partir dos pressupostos teórico-metodológicos de base decolonial e antirracista, vamos comparar com as perspectivas utilizadas para tratar os demais continentes, postos como centrais, buscando compreender a partir de que

premissas se baseia a invisibilização da cultura africana e da presença dos não brancos no cotidiano escolar. Veremos que o branqueamento e a exclusão decorrente da invisibilização desses corpos podem ser observados de diversas formas em nosso dia a dia, desde a lógica de construção do currículo até a consolidação das estruturas do poder vigente, sendo o mesmo racismo.

Temos o objetivo de analisar e debater como se apresentam os conteúdos sobre o continente africano, presentes na BNCC, no trecho referente à disciplina de Geografia. O ponto de partida é a análise da seção 4.4.1 Geografia do novo currículo, na qual observamos como os conteúdos acerca do continente Africano são apresentados, relacionando-os com a exposição dos demais continentes, para que possamos compreender e comparar as diferenças, e buscamos entender quais continentes têm, dentro do campo da identificação, maior preferência.

A partir da análise comparativa entre os conteúdos sobre a África e os referentes aos continentes que são referência de civilização moderna ocidental, Europa e América do Norte, buscaremos entender as consequências da exposição a esses conteúdos para os estudantes brasileiros que têm na sua formação de sua identidade sérias defasagens de referências. Uma vez que a nova base é gestada anteriormente e homologada após o golpe jurídico/parlamentar/ midiático de 2016, assim mesmo a BNCC se coloca como um documento de caráter normativo, definindo os conteúdos e as temáticas essenciais a todos os estudantes, como mostrado em seu site.

Aporte teórico

Esse trabalho visa observar como se dá a significância da ideia de raça dentro da colonialidade do saber e do poder e como esta se forma junto à construção e a imposição da modernidade colonial. A partir desse debate, buscaremos uma crítica ao discurso colonial de invisibilização dos corpos, signos e marcas, que tiveram suas histórias arrancadas e invisibilizadas do contexto histórico brasileiro.

A base dessa discussão assenta-se em grande parte sobre um grupo de intelectuais preocupados com a mudança do pensamento colonial para um pensamento que tenha em sua origem as experiências e aspirações dos, hoje, subalternizados. Utilizaremos os escritos de alguns autores do grupo M/C modernidade colonialidade, e entre outras referências e bases teóricas podemos citar também: Dussel (2005), Hall (2010), Munanga (2003), Quijano (2005), Mignolo (2005), Maldonado-Torres (2007), Santos (2004; 2002), Silva (2010).

Luiz Rafael Gomes 166

África, racismo e branqueamento do currículo

O debate se direciona para a busca de alternativas ao pensamento colonial e de ferramentas de resistência e construção de novas formas de existência epistêmica dentro do campo educacional, buscando transgredir as colonialidades presentes no currículo, superando os paradigmas impostos pelo pensamento colonial. Nossa perspectiva é a de um currículo em disputa de forças constante dentro das relações sociais de poder e saber, no qual prevalece a visão de mundo colonial. Apontaremos para a pedagogia decolonial como ferramenta para construção de uma alternativa à monocultura do saber e do poder e, para tanto, nos inspiramos em autores como Foucault (2010).

Na última etapa, é feita a análise da BNCC. A partir dos textos introdutórios de cada seção e dos quadros de competências e habilidades pretendidas, buscaremos entender como o currículo se branqueia na medida em que os conteúdos sobre o continente africano (não) são apresentados. Esta análise, juntamente com os questionários, nos dará uma ideia de em que medida os currículos racistas e os conteúdos colonizados podem ser prejudiciais na construção do imaginário geográfico, identitário e sociocultural de uma população como a brasileira, de maioria afrodescendente.

Metodologia

Propomos uma pesquisa bibliográfica documental, envolvendo a análise discursiva dos referenciais curriculares da BNCC em sua relação com pressupostos teórico-metodológicos de base decolonial e antirracista. Como método de análise, observamos a relação entre os conteúdos acerca da África e os que dizem respeito à Europa e América do Norte, por entendermos que são continentes postos como centrais dentro do imaginário cultural e geopolítico do mundo ocidental moderno colonial.

Buscaremos, assim, compreender como os tópicos e os usos pedagógicos dos conteúdos podem construir imagens sobre os continentes, positivas e desejáveis de um lado, e negativas, estereotipadas e indesejáveis do outro, para podermos analisar e debater como se apresentam os conteúdos sobre o continente africano, presentes na nova BNCC, no trecho referente à disciplina de Geografia.

Entendendo as consequências da exposição a esses conteúdos para os estudantes brasileiros, que têm na formação de sua identidade sérias defasagens de referências, poderemos compreender como os tópicos e os usos pedagógicos dos conteúdos podem construir imagens sobre os continentes, positivas e desejáveis de um lado, e negativas, estereotipadas e indesejáveis do outro.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação/ Secretaria de Educação Básica. Proposta de Base Nacional Comum Curricular (BNCC) - Setembro de 2015. Disponível em: http://basenacionalcomum. mec.gov.br/ . Acesso em: 01/08/2018

DUSSEL, Enrique. Europa, modernidade e Eurocentrismo. In: LANDER, E. A Colonialidade do Saber: eurocentrismo e ciências sociais latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005. p. 24-36.

FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade . São Paulo: Editora Martins Fontes, 2010. HALL, Stuart. El espectáculo del “Otro”. In: HALL, Stuart. Sin garantías: Trayectorias y problemáticas en estudios culturales, 2010. p. 102-124.

QUIJANO, A. A Colonialidade de Poder. Eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, E. A Colonialidade do Saber: eurocentrismo e ciências sociais latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005.

MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. 3° Seminário Internacional de Relações Raciais e Educação. Palestra conduzida em PENESB-RJ. 05 de novembro de 2003.

MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra. Petrópolis: Vozes, 1999.

MUNANGA, Kabengele. Diversidade, etnicidade, identidade e cidadania. Movimento Revista de Educação, Niterói, n. 12, p. 34-56, 2005.

MIGNOLO, Walter D. A colonialidade de cabo a rabo: o hemisfério ocidental no horizonte conceitual da modernidade. In: LANDER, E. A Colonialidade do Saber: eurocentrismo e ciências sociais latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005. p. 33-50.

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SANTOS, Boaventura de Souza. O fim das descobertas imperiais, Jornal da AGB, n. 14, v. 1, p. 45-58, 2004.

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SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidade: uma Introdução às Teorias de Currículo. 3. ed. São Paulo: Editora Autêntica. 2010.

Luiz Rafael Gomes 168
Partindo dessa pesquisa, podemos entender como uma perspectiva positiva de um continente pode levar a uma identificação positiva com ele, o mesmo ocorrendo com referências negativas, tendo por baseos conteúdos da BNCC em referência ao continente africano.

Os desafios de um ensino de Geografia contra-hegemônico mediante os interesses do atual projeto políticoeducacional brasileiro

Diante da atual conjuntura educacional, não obstante o cenário político do país, urge a necessidade da presente pesquisa, no âmbito do ensino de Geografia, que trata de analisar os interesses da classe detentora dos poderes políticos pelo campo da política educacional do país, mais especificamente, pela elaboração dos currículos/documentos oficiais que sustentam as diretrizes nacionais no setor da educação pública.

A problemática da pesquisa baseia-se na G eografia que se deseja ensinar, diante dos entes hegemônicos, elaboradores desses documentos educacionais, com base na análise do principal documento oficial, dentro da política educacional brasileira: a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Uma Geografia muitas vezes desconexa da realidade da diversidade de estudantes deste Brasil plural em que vivemos, sustentado por uma lógica competitiva de uma falaciosa meritocracia, mediante um currículo único, para um país de dimensões e realidades continentais.

O objetivo da pesquisa é identificar quem são esses agentes hegemônicos que atuaram e ainda atuam na elaboração dos

Matheus Lima de Albuquerque

principais currículos da educação brasileira e que objetivos estão por trás desses conteúdos que são (im)postos, a serem dados por nós, professores e professoras de Geografia, muitas vezes sem qualquer relação com a localidade e sem significado para o estudante. Concomitante a isto, também há o objetivo de trazer a proposta de uma Geografia “contra-hegemônica”, por parte dos educadores, legitimados por uma reestruturação curricular que efetivamente ouça os educadores locais, acima de qualquer interesse do capital sobre a educação, criando assim, possibilidades e reflexões para uma melhoria do conceito de qualidade educacional.

Tendo como base empírica da presente investigação, a metodologia da pesquisa valoriza os aspectos locais, uma vez que é realizada por uma pesquisa de campo com entrevistas e questionários aplicados ao corpo pedagógico e estudantil do Colégio Estadual Engenheiro Arêa Leão e da Escola Estadual Mestre Hiram, num estudo comparativo, sob a ótica da educação pública, no município de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.

No campo das abordagens teóricas da pesquisa, são privilegiadas as contribuições teóricas de quem já trabalhou a partir da perspectiva de uma Geografia aplicada ao contexto escolar, como Lacoste (1988), por exemplo. Há também a contribuição de importantes geógrafos da atualidade, tais como Girotto (2017), trazendo contribuições sobre as intencionalidades de um currículo, que retira a autonomia pedagógica do docente, reduzindo-o muitas vezes à uma escala de tutor daquilo que é necessário ser repassado, mediante um documento prescritivo, normatizando o que é necessário ser abordado dentro do campo da Geografia, como diria Rocha (2010). Adotamos também as contribuições de Moreira (1987) com o conceito de Geografia NHE dos livros didáticos, descritiva e mnemônica, ante aos interesses dos alunos, e também de autores fora da Geografia, mas que coadunam com a temática da pesquisa, como Freire (1987) e seu conceito de educação bancária, e o autor da corrente marxista, Gramsci (1989), com suas noções de “Estado ampliado”, ”sociedade civil e política”, e “sujeito de novo tipo”.

Matheus Lima de Albuquerque 170

REFERÊNCIAS

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

GIROTTO, Eduardo Donizetti. Reconhecer os professores e seus saberes: ação política na formação docente em geografia. Revista de Geografia, Recife, v. 34, n. 1, p. 91-109, 2017.

GRAMSCI, Antonio. Concepção Dialética da História. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1989.

LACOSTE, Yves. A geografia – isso serve, em primeiro lugar para fazer guerra. Campinas: Papirus, 1988.

MOREIRA, Ruy, O discurso do avesso. Para a crítica da Geografia que se ensina. Rio de Janeiro: Dois Pontos, 1987.

ROCHA Genylton Odilon Rêgo. O ensino de Geografia no Brasil: as prescrições oficiais em tempos neoliberais. Revista Contrapontos, v. 10, n. 1, p. 14-28, 2010.

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Os desafios de um ensino de Geografia contra-hegemônico...

Enclaves residenciais fortificados e processos de segregação urbana: uma discussão sobre condomínios privados criados a partir do fechamento de ruas no bairro de Bangu, RJ

Saulo de Tarso dos Santos Souza

A presente proposta de investigação foi submetida ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro com o objetivo de realizar uma discussão sobre a adoção de uma espécie de medida mitigadora para conter o aumento da criminalidade, da violência e do sentimento de insegurança, por meio do fechamento de logradouros públicos da cidade do Rio de Janeiro.

Com justificativas que apontam para a deficiência da segurança pública e o aumento da criminalidade no Rio de Janeiro, uma política de fechamento de ruas foi incentivada pelas administrações municipais de Cesar Maia e Marcelo Crivella a partir da redação de decretos municipais específicos (Decreto Municipal Nº 23084/2003; Decreto Municipal Nº 43038/2017), que autorizaram o fechamento de ruas residenciais para a segurança dos moradores.

Essa política de fechamento de ruas foi contemplada com a promulgação de uma lei em 2017. De autoria da vereadora Rosa

Enclaves residenciais fortificados e processos de segregação urbana...

Fernandes, a lei municipal 6.206/2017 trouxe um ar de legalidade à adoção desse tipo de medida ao permitir o fechamento de ruas para o tráfego de veículos estranhos aos moradores de vilas, ruas sem saída e ruas transversais, sendo permitido o trancamento total dos portões entre às 22h00min e 07h00min horas. Tramita no legislativo municipal do Rio de Janeiro outro projeto de lei complementar (PL nº 117/2019) de autoria dos vereadores Rafael Aloísio Freitas e Rosa Fernandes, que visa ampliar a política de fechamento para outros tipos de vias de circulação públicas.

A problemática que move essa proposta de pesquisa é a busca de entendimento de como diferentes atores sociais se convenceram ou foram convencidos de que a instalação de barreiras físicas (como cancelas, portões e obstrutores) pode ser uma solução aos problemas da segurança pública relacionados ao aumento da criminalidade e violência urbana.

O objeto de estudo desta pesquisa é o espaço urbano, partindo da compreensão de que a política de fechamento de ruas promove um processo de privatização do espaço com a criação de condomínios (quando o fechamento é total) ou alterando a morfologia das ruas, transformando-as em rua sem saída (quando ocorre fechamento parcial).

O objetivo geral desta pesquisa é investigar e discutir o processo de privatização/fechamento de logradouros públicos no bairro de Bangu e a consequente criação de condomínios privados e produção de ruas sem saída. E os objetivos específicos são: a) investigar os impactos e as consequências da política de fechamento de ruas para a população residente e também para a população não residente; b) discutir sobre os processos de segregação urbana que decorrem da adoção dessa política de fechamento de ruas; c) promover um debate sobre o papel do Estado acerca da segurança pública, sobre o sentimento de insegurança, violência urbana e medo na cidade; d) discutir sobre a securitização urbana como estratégia de controle do cotidiano. A metodologia adotada para viabilizar essa pesquisa é a observação participante, com realização de entrevistas estruturadas para a produção de dados.

Para o desenvolvimento dessa pesquisa serão adotados alguns conceitos. Um deles é o de “enclaves fortificados”, que são “espaços privatizados, fechados e monitorados para residência, consumo, lazer e trabalho. A sua principal justificação é o medo do crime violento” (CALDEIRA, 2000, p. 211). Além disso, compreendendo a formação de enclaves no espaço urbano, o conceito de “contenção territorial” também será adotado por envolver “sempre a impossibilidade da reclusão ou do fechamento integral” (HAESBAERT, 2008, p. 114).

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A política de fechamento de ruas que está em curso decorre da produção e reprodução do espaço urbano, e gera processos de segregação urbana que também fazem parte da discussão proposta nesta pesquisa. Sobre esses processos, Andrelino Campos (2011) nos diz que é possível compreender a segregação socioespacial induzida e também a autossegregação como fenômenos do espaço urbano. Sobre essas formas, Arlete Moysés Rodrigues (2014) sugere que os condomínios fechados ampliam as formas de segregação socioespacial. A discussão sobre segregação irá contemplar tanto o fenômeno da autossegregação, quanto o da segregação socioespacial.

Esta proposta de investigação ainda está em construção. Até o momento, o levantamento bibliográfico tem sido realizado para ampliar o arcabouço teórico como uma forma de contribuir com a escrita do trabalho.

REFERÊNCIAS

CALDEIRA, T. P. R. A cidade de muros; São Paulo: Edusp, 2000.

CAMPOS, A. Pretos/Pardos e a segregação sócio-espacialmente induzida contínua na cidade do Rio de Janeiro; In: XII Simpurb, Belo Horizonte: UFMG/SIMPURB, v. 1, pp. 1-22, 2011.

HAESBAERT, R. Dilema de conceitos: espaço-território e contenção territorial. In: SAQUET, M. A; SPOSITO, E. S. (org.). Territórios e territorialidades: teorias, processos e conflitos. São Paulo: Expressão Popular, 2009.

RODRIGUES, A. M. Propriedade fundiária urbana e controle socioespacial urbano. Scripta Nova – Revista Eletrónica de Geografía y Ciencias Sociales, Barcelona, v. 18, n. especial, p. 1-17, 2014.

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Saulo de Tarso dos Santos Souza

Agricultura urbana na cidade do Rio de Janeiro como política pública: a evolução e a expansão do Programa Hortas Cariocas

Maisa Oliveira de Souza

Compreender a relação rural-urbano nos dias atuais não é uma tarefa fácil. As definições, os conceitos e as características desses termos precisam estar presentes na análise. Além disso, e não menos importante, o contexto histórico que fez campo e cidade se tornarem interdependentes é essencial para esse estudo. Não podemos, hoje, pensar em rural sem pensar em urbano e viceversa. O campo é um sujeito de extrema importância para a formação e o crescimento das cidades. O sistema capitalista atual transforma todos os espaços em urbanos, mas as características do espaço rural vêm resistindo frente a todos esses processos de urbanização e atuação do capitalismo.

A Agricultura Urbana é um conceito que vem se intensificando no cenário político atual, por ser um fenômeno multidimensional relacionado com diferentes categorias sociais como, por exemplo, a geração de renda e emprego, a saúde humana, o uso do solo, a segurança alimentar e nutricional, a educação e o meio ambiente (BOUKHARAEVA et al., 2007). O conceito de Agricultura Urbana abrange diversos atores e uma vasta pluralidade de realidades envolvidas; com isso, ocorre certa heterogeneidade de grupos profissionais como geógrafos,

biólogos, nutricionistas, engenheiros ambientais e agrônomos, por exemplo, na concretização do conceito tornando-o mais complexo (ARRUDA, 2006).

A implementação de políticas públicas, hoje, é oportuna para o desenvolvimento da sociedade e do espaço, envolvendo fatores como educação, saúde, segurança, transporte, meio ambiente, entre outros. Essas políticas, quando em prol da produção de alimentos, trazem uma importância significativa principalmente no que requer a segurança alimentar e nutricional. O programa “Hortas Cariocas”, criado pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro em 2006, por meio da Agricultura Urbana, fornece alimentos totalmente orgânicos para a população mais vulnerável a partir da criação de hortas urbanas e orgânicas em favelas e escolas municipais da cidade.

As motivações no tema proposto se dão devido à importância de estudos sobre agricultura urbana no Brasil, visto que o crescimento da urbanização se intensificou nas últimas décadas, fazendo assim com que milhões de agricultores migrassem para a cidade. A agricultura urbana contribui junto a essa população com a diminuição da pobreza e a geração de renda, além de valorizar a cultura rural.

Segundo Coutinho e Costa (2012) “a realização de práticas agrícolas dentro das cidades traz novas possibilidades de compreensão do espaço urbano além de novos elementos” (p. 88). Esta pesquisa tem por objetivo geral analisar a evolução e a expansão de políticas públicas de produção de alimentos na Cidade do Rio de Janeiro. Pretende-se analisar a criação dessas políticas públicas, seus objetivos, suas áreas de atuação e expansão e os impactos socioeconômicos causados no espaço urbano. A metodologia está baseada em leituras acerca dos conceitos de Agricultura Urbana, relação Rural-Urbano, Segurança Alimentar e Nutricional e Políticas Públicas; trabalhos de campo em hortas do Programa; reuniões do Conselho de Segurança Alimentar do Município do Rio de Janeiro, o CONSEA-Rio; reuniões com membros da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro responsáveis pelo Programa Hortas Cariocas; e durante a pandemia, comunicação via e-mail, Whatsapp e outras redes sociais com membros e agricultores do Programa.

Como resultados preliminares, destaca-se que, durante a pandemia da Covid-19, o Programa Hortas Cariocas reformulou algumas atividades e implementou outras novas para atender justamente a essas famílias vulneráveis, principalmente no que requer a Segurança Alimentar e Nutricional. A produção, que antes da pandemia era 50% doada e os outros 50% vendida nas feiras, está sendo 100% doada para as famílias das comunidades pertencentes às hortas. Além disso, a criação de novas hortas ampliou o espaço produtivo e,

Maisa Oliveira de Souza 176

Agricultura urbana na cidade do Rio de Janeiro como política pública...

consequentemente,

REFERÊNCIAS

BOUKHARAEVA, L.; CHIANCA, G.; MARLOIE, M. Agricultura urbana: dimensões e experiências do Brasil atual. Agricultura Urbana como fenômeno universal. Rio de Janeiro: Enda Brasil, 2007.

ARRUDA, J. Agricultura Urbana e Peri-Urbana em Campinas/SP: análise do Programa de Hortas Comunitárias como subsídio para políticas públicas. Disseertação (Mestrado) –Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil, 2006

COUTINHO, M. N.; COSTA, H. S. D. M. Agricultura urbana: prática espontânea, política pública e transformação de saberes rurais na cidade. Geografias, Belo Horizonte, v. 1, n. 2011, p. 81-97, 2012.

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a produção dos alimentos orgânicos e a geração de emprego para novos hortelões. E, principalmente, o Programa vem seguindo todos os cuidados recomendados pela Organização Mundial da Saúde.

Metrópole militarizada: o uso das Forças Armadas no controle urbano do Rio de Janeiro

O presente trabalho busca pensar o processo de militarização do espaço urbano no Rio de Janeiro, estabelecendo uma relação com um projeto empresarial de cidade, responsável por intensificar os processos de segregação urbana e de controle territorial. Buscando evidenciar essa relação, estuda-se o emprego das Forças Armadas no território, tendo como recorte espacial a metrópole do Rio de Janeiro, e como recorte temporal, o período de redemocratização até a contemporaneidade, embora a ênfase dada seja dos anos 2007 em diante, quando inicia-se a fase dos Megaeventos no estado.

Objetivo

Como objetivo principal pretende-se discutir o papel específico do uso das Forças Armadas para a segurança urbana e o controle territorial, além de buscar compreender sua relação com o processo de militarização do espaço urbano. Como objetivos específicos, têm-se a proposta de pensar como o referido processo está atrelado à tentativa de construir uma “cidade segura”, ou que ao menos aparente ser, para atrair investimentos externos. É, ainda, pretensão do presente trabalho, pensar no papel da aplicação das Garantias da Lei e da Ordem (GLO) ou do

Mariana dos Santos Nesimi

encarceramento arbitrário nos últimos anos como consequências diretas desse movimento de controle urbano.

Metodologia

A metodologia consiste na revisão bibliográfica dos temas, além da análise de relatórios que fornecem dados sobre a militarização, possibilitando expor o aprofundamento deste movimento na metrópole.

Abordagens teóricas

Para consolidar as ideias apresentadas, pretende-se usar autores da Geografia que discutem o processo de militarização do espaço urbano, objeto de estudo do trabalho, tais como Stephen Graham, Mike Davis e Marcelo Lopes de Souza. Para estabelecer a relação com a ideia de cidade empresarial, pretende-se, principalmente, utilizar os conceitos expostos por David Harvey. Ainda, serão utilizados autores que discutem questões relacionadas ao controle territorial.

Discussão conceitual

A metrópole fluminense tem registrado episódios que apontam para a implementação de um modelo militarizado de gestão de território sob a justificativa de resolução dos conflitos sociais existentes. A partir das Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), as Forças Armadas, junto às polícias cada vez mais militarizadas, passam a atuar em territórios de pobreza da metrópole. Se, num outro momento histórico, o Exército tomava as ruas quando a normalidade e a ordem do país estavam fragilizadas, hoje este movimento soma-se a “um entrelaçamento crescente entre os regimes democráticos vigentes, em especial na periferia do sistema capitalista, e a acumulação da violência” (BRITO, 2013, p. 80).

Ainda que essa forma de lidar com os conflitos urbanos seja algo presente desde a época da ditadura militar, a década de 1990 foi um marco expressivo recente do processo de militarização do espaço urbano. Em função dos eventos que seriam realizados na cidade do Rio de Janeiro, como a ECO-92, as favelas e os demais bairros populares da capital, vistos como perigosos, passaram a ser ocupados e controlados militarmente por meio da realização da Operação Rio (BARREIRA; BOTELHO, 2013, p. 119).

Metrópole
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militarizada: o uso das Forças Armadas no controle urbano do Rio de Janeiro

Na década seguinte, já no contexto da realização dos megaeventos que se iniciaram em 2007, notava-se um “projeto militarista-empresarial” em andamento, consequência direta de uma política neoliberal (VALENTE, 2017, p. 11), que dava continuidade à repressão violenta por meio da atuação das forças de segurança em lugares marginais. É possível estabelecer uma relação entre esse modelo de gestão com a tentativa de construção de uma “cidade global”, alinhada às economias de “Primeiro Mundo”. Dessa forma, a questão urbana, assumindo contornos de uma cidade empresarial, passa a ser pautada pelo princípio da competitividade, e, por consequência, estruturada pela busca permanente por investimentos. Para que obtivesse êxito, seria importante a ascensão de uma cidade considerada segura. Nesse momento, os projetos de pacificação de áreas favelizadas, como as UPPs, e demais ações de controle por parte do Estado frente a esses territórios, passam a ser empreendidos com mais vigor.

REFERÊNCIAS

BARREIRA, Marcos; BOTELHO, Maurilio. O Exército nas ruas: da Operação Rio à ocupação do Complexo do Alemão. In: BRITO, Felipe; OLIVEIRA, Pedro Rocha de (org.). Até o último homem: visões cariocas da administração armada da vida social. São Paulo: Boitempo, 2013. p. 115-128.

BRITO, Felipe. Considerações sobre a regulação armada de territórios cariocas. In: BRITO, Felipe; OLIVEIRA, Pedro Rocha de (org.). Até o último homem: visões cariocas da administração armada da vida social. São Paulo: Boitempo, 2013. p. 79-114,

VALENTE, Júlia Leite. O Rio de Janeiro no urbanismo militar e empresarial. Revista Continentes, n. 10, p. 7-26, 2017.

Mariana dos Santos Nesimi 180

“Ocupar, resistir e produzir”: Ações e reações do MST na metrópole do Rio de Janeiro

Tiago Vinícius de Souza Nunes

Há tempos a Geografia vem se incumbindo de explicar as imbricações entre campo e cidade. Os movimentos sociais são a expressão máxima das demandas recorrentes desta relação. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST – apresenta-se atualmente como o maior e mais expressivo movimento social de luta pela terra no território brasileiro. Sendo parte da sua pauta, a cidade é, para o MST, um dos caminhos possíveis para a contestação do cenário de desigualdades sociais que perduram historicamente no campo no Brasil. Desta forma, nos questionamos se as ações a partir da Feira Estadual da Reforma Agrária Cícero Guedes e da distribuição de marmitas solidárias permitiriam territorializar o Movimento na metrópole do Rio de Janeiro. Somado a isto, a ocupação na metrópole carioca pelo MST poderia se mostrar como uma estratégia para a difusão das questões agrárias?

Objetivo Geral

Identificar as ações de territorialidade do MST na metrópole do RJ como uma possível estratégia de difusão das questões agrárias na cidade; Investigar a distribuição de marmitas solidárias realizadas pelo Movimento; investigar as práticas adotadas pelo MST na Feira Estadual da Reforma Agrária Cícero Guedes.

Metodologia

Visando elucidar as questões levantadas por esta pesquisa, utilizaremos o seguinte percurso metodológico: consultas em acervos on-line e revisão bibliográfica acerca do tema; entrevistas com os Sem Terra e trabalho de campo.1

Abordagens Teóricas

Em maio de 1990, no 2° Congresso Nacional do MST, realizado em Brasília, foi criado e introduzido nos debates sobre as questões agrárias do Movimento o lema “Ocupar, Resistir, Produzir”.

De acordo com os Sem Terra, a forte repressão do Estado e o não avanço da Reforma Agrária foram fundamentais para a necessidade do encontro naquele ano. “Diversas entidades e organizações estavam presentes em apoio ao MST [...].

O objetivo do Movimento era incentivar a produção nos assentamentos, mas para isso era preciso equipamento, infraestrutura, além de uma política agrícola governamental voltada para assuntos de reforma agrária” (MST, 2021).

O lema representa os três estágios daquilo que o Movimento considera como o melhor caminho para a transformação da sociedade. No documentário intitulado “Ocupar, resistir e produzir – As Feiras do MST” 2 , os Sem Terra descrevem as ações que estão balizadas na epígrafe do movimento. Ocupar é um ato político que demanda do Estado uma resposta frente ao problema da concentração fundiária. A Resistência vem após a ocupação, é uma luta constante para permanecer nos acampamentos e nos assentamentos. É com a solidariedade e a fraternidade entre os povos que a resistência se materializa. Produzir é um ato amor, de respeito à saúde e à vida das pessoas. A produção de alimentos orgânicos a partir da reforma agrária popular e a comercialização destes nas cidades é uma das vias que levaram o MST a se territorializar, também, nos espaços urbanos. Especialmente na metrópole do Rio de Janeiro.

Na cidade do Rio de Janeiro, o MST encontrou um novo desafio para se territorializar. A luta pela terra na região metropolitana carioca tinha uma nova demanda por parte dos trabalhadores. De acordo com Alentejano (2018) “[...] o que estava por trás neste caso era a intenção de se ver livre da cobrança de aluguel

1 Em virtude do acometimento da pandemia, tanto a entrevista como o trabalho de campo estão condicionados à melhoria das condições sanitárias. Caso não seja possível serem realizados de forma presencial, optaremos por alternativas que utilizem os meios digitais.

2 Disponível em: https://mst.org.br/2018/04/23/ocupar-resistir-e-produzir-as-feiras-do-mst/. Acesso em: 03 de julho de 2021.

Colocar nome autor aqui 182

“Ocupar, resistir e produzir”: Ações e reações do MST na metrópole do Rio de Janeiro

que restringia ainda mais a já arrochada renda destes trabalhadores” (p. 4). Desta forma, Alentejano (op. cit.) também ressalta o “obstáculo à territorialização do MST no estado: a dificuldade em lidar com o caráter urbano embutido na luta pela terra no Rio de Janeiro” (p. 6).

Medeiros (2020) menciona que “Os conflitos fundiários no estado do Rio de Janeiro são um ângulo privilegiado para a reflexão sobre as relações entre rural e urbano[...]” (p. 49). Desta forma, torna-se fundamental elucidar os processos que relegaram trabalhadores do campo para a cidade e vice-versa, além do papel do MST nesse contexto.

Apontamentos parciais

Esperamos, com este trabalho contribuir, para a desconstrução do estigma que permeia o imaginário popular sobre Movimento, além de colaborar para o debate acerca das questões agrárias e das ações do MST realizadas na metrópole carioca.

REFERÊNCIAS

ALENTEJANO, Paulo Roberto R. Luta Por Terra e Reforma Agrária no Rio de Janeiro. Revista Eletrônica da Associação de Geógrafos do Brasil, Niterói, Ano 1, 2005.

MEDEIROS, Leonilde Servolo de. Ditadura, conflito e repressão no campo: a resistência camponesa no estado do Rio de Janeiro: Consequência, 2018.

MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA. 2° Congresso Nacionaldo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Disponível em: https://mst.org.br/nossahistoria/88-93/. Acesso em: 03 de julho de 2021.

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Transformações no espaço rural e a valorização da paisagem:

A atividade turística em Visconde de Mauá/RJ-MG

Raquel Barbosa da Silva

Nas últimas décadas, o espaço rural brasileiro vem passando por significativas transformações provenientes da intensificação do sistema capitalista nessa área. No entanto, tal modelo de produção, regulado pela busca incessante do lucro, tem alterado as características sociais, espaciais e econômicas desse local. Este espaço, antes tido como essencialmente agrário, atualmente compreende também uma diversidade de atividades tipicamente urbanas, sendo assim caracterizado como o “novo rural”.

Segundo Carneiro (2012), a cidade passa a se voltar para o campo, seja por meio de um movimento de deslocamento físico, seja por meio da veiculação e intercomunicação de valores. O primeiro, promovido pela facilidade de acesso a veículos motorizados e pela expansão do sistema viários, e o segundo, devido a símbolos pertencentes a universos culturais distintos. Desta forma, o espaço rural não é mais percebido como suporte de atividades econômicas ligadas unicamente ao cultivo da terra, visto que o turismo, o lazer e as segundas residências conseguem expressividade nesse espaço (TEIXEIRA; LAGES, 1997).

O espaço a ser estudado será a região de Visconde de Mauá, principalmente de três vilas, localizadas entre os estados do

Transformações no espaço rural e a valorização da paisagem: A atividade turística em Visconde de Mauá/RJ-MG

Rio de Janeiro e Minas Gerais. A Vila de Visconde Mauá, no município de Resende/RJ; a Vila de Maromba, no município de Itatiaia/RJ; e a Vila de Maringá, dividida pelo Rio Preto, separando-a entre os municípios de Itatiaia/ RJ e Bocaina de Minas/MG.

Segundo Guimarães (2014), esta região, que inicialmente tinha seu eixo econômico atrelado a produções agrícolas, passa, a partir da década de 1970, a ter sua principal atividade econômica relacionada ao turismo. Nesse contexto, a paisagem se torna o principal atrativo em razão das potencialidades naturais. Para Albuquerque (2019), a paisagem no turismo proporciona um poder de persuasão, tornando-se assim artigo passível de venda. Desse modo, propõe-se uma fuga da realidade, na qual a paisagem teria uma função básica na materialização da ideia que se anseia passar.

Entre os elementos que contribuem e dão possibilidades para a prática do turismo nessa área estão: a criação do Parque Nacional de Itatiaia (1937) e da APA da Serra da Mantiqueira (1985). Além disso, a construção e ampliação da rodovia Presidente Dutra (1949), e o fato de estar próximo de duas metrópoles nacionais (Rio de Janeiro e São Paulo) são fatores que facilitam o deslocamento dos visitantes (GUIMARÃES, 2014).

Visando um melhor planejamento e aproveitamento das potencialidades turísticas, a Companhia de Turismo do Estado do Rio de Janeiro (TURISRIO) inclui essa área na Região das Agulhas Negras, abarcando os municípios de Itatiaia, Resende, Porto Real e Quatis (TURISRIO, 2020).

A atividade econômica do turismo, por depender das especificidades de um determinado espaço, implica reestruturações de distintas naturezas sobre a localidade na qual se instala, conduzindo a profundas modificações em sua constituição socioeconômica. (ALBUQUERQUE, 2019). Considerando essa perspectiva, este trabalho tem por objetivo entender o papel da paisagem como propulsora da atividade turística na região de Visconde de Mauá. Além disso, buscaremos compreender como os moradores locais estão sendo integrados a esse fenômeno.

A análise do potencial turístico de Visconde de Mauá fundamenta-se pelo fato de o atrativo estar integrado tanto ao Parque Nacional de Itatiaia quanto à APA da Serra da Mantiqueira. Por serem áreas resguardadas por legislações específicas e pelo poder público, sua preservação é teoricamente mais assegurada, “possibilitando a manutenção do principal atrativo da região: a paisagem ligada às amenidades e ao lazer proporcionado pela natureza” (GUIMARÃES, 2014. p. 5).

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Diante disso, a pesquisa busca responder se a atividade turística, pautada nos aspectos da valorização da paisagem, tem possibilitado uma maior dinamização econômica e social na região de Visconde de Mauá. Para tanto, a nossa metodologia para elaboração do trabalho conta com amplo levantamento bibliográfico como teses, dissertações e artigos referentes à temática estudada. Nossa operacionalização será baseada em fontes especializadas como: TURISRIO, o IBGE, a Fundação CEPERJ e as Secretarias de Turismo dos municípios integrantes da região. Além disso, realizaremos trabalhos de campo com a finalidade de presenciar a realidade local.

Sendo assim, a pesquisa além da importância acadêmica, tem amplo compromisso social, pois procura atender à sociedade, trazendo questionamentos que precisam ser estudados com a finalidade de compreender a realidade e contribuir com propostas que beneficiem a população local.

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, E. O fenômeno do turismo à luz da geografia. In: RIBEIRO, M. A.; FERNANDES, U. S. (org.). Geografia e Turismo: reflexões interdisciplinares. Curitiba: Appris, 2019. p. 49-58.

CARNEIRO, M. J. Do “rural” como categoria de pensamento e como categoria analítica. In: CARNEIRO, M. J. Ruralidades contemporâneas: modos de viver e pensar o rural na sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Mauad X: FAPERJ, 2012.

GUIMARÃES, A. A. S. Da agropecuária ao turismo: as transformações no espaço rural de Visconde de Mauá – RJ. Observatório Geográfico da América Latina, 2014. Disponível em: http://www.observatoriogeograficoamericalatina.org.mx.egal14. Acesso em: 20 abr. 2020.

TEIXEIRA, A. M.; LAGES, V. N. Transformações no espaço rural e a Geografia Rural. Ideias para discussão. Revista de Geografia, São Paulo, n. 14, p. 9-33, 1997.

TURISRIO. Mapa das regiões turísticas do estado do Rio de Janeiro. Disponível em: http:// www.turisrio.rj.gov.br/projetos.asp. Acesso em: 12 ago. 2020.

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Raquel Barbosa da Silva

SOBRE OS AUTORES

AMANDA DE CASTRO LIMA

Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGGEO-UFRRJ).

E-mail: amanda.geografia@outlook.com

ORCID: 0000-0001-9964-7012

ANDRÉ LUIZ BEZERRA TAVARES

Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGGEO-UFRRJ).

E-mail: andreluizbt2@gmail.com

ORCID: 0000-0003-0674-998X

BEATRIZ DO NASCIMENTO SANT’ANNA

Mestre em Geografia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGGEOUFRRJ). Licenciada e Bacharel em Geografia pela UFRRJ. Professora de Geografia atuando na educação básica. Membro do Laboratório de Geografia Econômica e Política (LAGEP/REEC/UFRRJ), Linha: Reestruturação Econômica-Espacial Contemporânea, com a pesquisa sobre a Reestruturação Territorial-Produtiva e o mercado cervejeiro nacional a partir da análise da Companhia de bebidas das Américas AMBEV – Filial Rio de Janeiro.

E-mail: ibeatrizsantanna@hotmail.com

ORCID: 0000-0003-1188-6428

CAMILA BRANDÃO DE ARAÚJO DOMINGUES

Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGGEO-UFRRJ). graduada em Geografia pela UFRRJ/IM e membro desde 2015 do grupo de estudos Teoria Crítica, Mundialização e Usos do território brasileiro pela mesma instituição. Pesquisa sobre os efeitos do capitalismo global nos países periféricos e as respostas locais a partir da economia popular.

E-mail: camilageografiarj@outlook.com

ORCID: 0000-0002-1717-6067

CELSO RODRIGUES CARDOSO FILHO

Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGGEO-UFRRJ).

E-mail: celso_rcf@yahoo.com.br

FERNANDA MALHEIRO LOURENÇO

Licenciada e Mestranda em Geografia pela UFRRJ. Integrante dos Grupos de Pesquisa: Grupo de Estudos Integrados em Ambiente: Geografia e Ensino (GEIA) e Observatório de Gestão das Unidades de Conservação da Baixada Fluminense. Tem atuado com pesquisas em educação ambiental e unidades de conservação

E-mail: fernandamalheiro8616@gmail.com

ORCID: 0000-0001-7077-5088

FERNANDA SANTANA RIBEIRO

Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGGEO-UFRRJ).

E-mail: fernanda.ribeiiro@yahoo.com.br

ORCID: 0000-0001-9901-2498

FLÁVIA DA SILVA SOUZA

Professora de Geografia do município de São José dos Campos-SP, doutoranda em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGEO-UERJ) e mestra em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGGEO-UFRRJ). Recentemente ganhou o prêmio Maurício de Almeida Abreu de melhor pesquisa de mestrado em Geografia Humana no biênio 2019-2020 pela ANPEGE.

E-mail: flaviasouza1993@gmail.com

ORCID: 0000-0003-2422-1361

GABRIELA FERNANDES SANTOS ALVES

Possui graduação em Geografia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2014) e mestrado em Geografia pelo PPGGEO da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (2019). Atualmente é professora Docente I de Geografia da Prefeitura Municipal de Volta Redonda e da Prefeitura Municipal de Mangaratiba, cursando doutorado em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Geociências, atuando principalmente nos seguintes temas: Climatologia Geográfica; Gênese das chuvas; Excepcionalidades; Risco; Vulnerabilidade; Suscetibilidade.

E-mail: gabriela.geouerj@yahoo.com.br

ORCID: 0000-0003-2474-6723

GUSTAVO XAVIER DE ABREU

Mestre em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGGEO-UFRRJ), atualmente realiza sua pesquisa de Doutorado em Geografia pela UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Pesquisador Vinculado ao LAGEP/UFRRJ (Laboratório de Geografia Econômica, Política e Planejamento).

E-mail: gustavo.xaviera@gmail.com

ORCID: 0000-0002-2919-2048

Colocar nome autor aqui 188

IGOR VIEIRA VARGAS COLARES

Mestrando na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, no programa de Pós-Graduação em Geografia com projeto na subárea de Planejamento Ambiental e Geotecnologias. Possui graduação em Ciências Matemáticas e da Terra - Sensoriamento Remoto e Geoprocessamento pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2017). Tem conhecimento na área de Geociências, com ênfase em Geoprocessamento, atuando principalmente nos seguintes temas: índices geomorfológicos, índice de eficiência de drenagem, densidade de drenagem, cartografia web e rede semântica.

E-mail: igor_colares@yahoo.com.br

ORCID: 0000-0002-9475-9506

JOSÉ GUILHERME LEANDRO

Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGGEO-UFRRJ).

E-mail: joseguilhermeleandro@gmail.com

ORCID: 0000-0002-9736-2176

JULIO CESAR CAROU FELIX DE LIMA

Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGGEO-UFRRJ). Pesquisa sobre Conservação e Educação Ambiental em Unidades de Conservação; Especialista em Engenharia de Segurança do Trabalho (2019) e Graduado em Engenharia Ambiental (2016) ambas pela Universidade Santo Amaro (UNISA).

E-mail: juliocesarcarou@gmail.com

ORCID: 0000-0002-5388-1409

LIZIANE NEVES DOS SANTOS

Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGEO) na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Mestre em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGGEO-UFRRJ). Pesquisadora do Grupo de pesquisa Geografias e Povos Indígenas (GEOPOVOS/CNPq), e Núcleo de Estudos Geoambientais (NUCLAMB/ UFRJ).

E-mail: liznves@gmail.com

ORCID: 0000-0001-6599-0242

LUCAS JUAN DA SILVA MALLET BARRETTA

Professor de Geografia, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atualmente vinculado ao Programa de Pós-Graduação na categoria Mestrado da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGGEO-UFRRJ), membro do Laboratório Política, Epistemologia e História da Geografia (LAPEHGE). Atua na linha de pesquisa de Geografia Humana, com ênfase em Geografia Urbana e Geografia Econômica

E-mail: lucasbarrettageo@gmail.com

ORCID: 0009-0006-8022-6182

LUANNA SIEBERT

Mestranda em Geografia do Programa de Pós Graduação da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ e Licenciada em Geografia pela mesma universidade.

E-mail: luannasiebert@gmail.com

ORCID: 0000-0003-2756-6189

189

LUIZ RAFAEL GOMES

Mestre em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGGEO-UFRRJ). Pesquisador na área de Educação em Geografia, e Currículo, com ênfase na educação antirracista de base decolonial e afrocentrada. Atua como mediador pedagógico presencial no curso de Licenciatura em Geografia da UERJ pelo consorcio CEDERJ, no polo Niterói, desde 2019, e professor da rede de ensino de Magé, desde 2021. Participa do grupo de Estudos Decolonialidade, Educação e Culturas, do Programa de Pós-graduação do IFRJ-SG desde 2017.

E-mail: lrafaelgomes@hotmail.com

ORCID: 0000-0002-2808-3317

MARIA CLARA LEADEBAL CELESTINO

Pesquisadora na área de Geografia e Literatura e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGGEO-UFRRJ) na linha de pesquisa “Espaço, Política e Planejamento”. Professora da Educação Básica, graduada em Geografia nas modalidades Licenciatura e Bacharelado pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

E-mail: mclaral1@hotmail.com

ORCID: 0000-0001-6672-697X

MAISA OLIVEIRA DE SOUZA

Mestra em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGGEO/UFRRJ) com pesquisa voltada para as práticas agrícolas no espaço urbano (agricultura urbana) com ênfase na cidade do Rio de Janeiro. Licenciada em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

E-mail: maisaufrj@gmail.com

ORCID: 0000-0002-9515-3346

MARIANA DOS SANTOS NESIMI

Doutoranda em Geografia Humana Na Universidade de São Paulo. Mestre em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGGEO-UFRRJ) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e graduada em Geografia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Integrante do grupo de pesquisa Espaço, Teoria Social e Cidade (UFRRJ).

E-mail: mariananesimi@outlook.com

ORCID: 0000-0002-2130-0606

MARIANA HERREIRA GONÇALVES PERTILE

Graduada em Bacharel e Licenciatura em Geografia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGGEO-UFRRJ). Integrante do Laboratório de Geografia Econômica e Política (LAGEP).

E-mail: mariana.herreira@gmail.com

ORCID: 0000-0001-8221-0527

MARILZA SANTOS DA SILVA

Marilza Silva é Bacharel em Fonoaudiologia pela UNESA (2004); Licenciatura Plena em Geografia – UFRRJ (2015); Mestra em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (2017). Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Ensino de Geografia

Colocar nome autor aqui 190

(GEPEG) – UFRRJ/IM. Possui ampla experiência na área de fonoaudiologia clínica e educacional; em geografia com ênfase em ensino de geografia e educação inclusiva, atuando nos seguintes temas: Ensino de Geografia, Educação Inclusiva; Atividades pedagógicas (Cartografia Escolar); Geografia e Baixada Fluminense – RJ e nos Transtornos de Aprendizagem.

E-mail: marilzafonogeo@gmail.com

ORCID: 0000-0002-0950-0664

MATEUS RIBEIRO RODRIGUEZ

Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGGEO-UFRRJ). Bacharel em Geografia pela mesma Universidade. Foi bolsista PIBIC - CNPq entre os anos de 2019 e 2020; Atualmente é vinculado ao Laboratório Integrado de Geografia Física Aplicada (LiGA) na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, campus Seropédica, onde desenvolve pesquisa relacionada à análise de incêndios em vegetação na região do oeste metropolitano fluminense.

E-mail: mribeiro.rodriguez@gmail.com

ORCID: 0000-0003-3072-0431

MATHEUS LIMA DE ALBUQUERQUE

Graduado em Licenciatura Plena em Geografia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ/IM). Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGGEO-UFRRJ). Membro do Projeto de Extensão “Universidade na Comunidade” pela UFRRJ/IM. Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisa de Ensino de Geografia (GEPEG), atuando na linha de pesquisa Ensino de Geografia e Formação de Professores.

E-mail: profalbuquerq@gmail.com

ORCID: 0000-0001-8792-8757

NATALIA PAES

Mestranda em Geografia, atuando na área de Espaço, Política e Planejamento. Graduada em Ciências Econômicas na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (2019). Membro do grupo de pesquisa Coletivo Marxistas da Rural (MAR - UFRRJ) atuando na linha Teoria do Valor e do Laboratório de Geografia Econômica e Política (LAGEP - UFRRJ) atuando na linha Reestruturação Econômica-Espacial Contemporânea.

E-mail: nataliafspaes@hotmail.com

ORCID: 0000-0003-1266-7390

NATHÁLIA DE OLIVEIRA DE SOUSA

Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGGEO-UFRRJ). Licenciada em Geografia pela mesma Universidade. Especialista em Linguagens artísticas, cultura e educação (IFRJ). Docente no ensino básico. Realiza pesquisas com enfoque na área de geografia humana, ensino e cultura.

E-mail: nathaliasousa.oliveira0@gmail.com

ORCID: 0000-0003-3639-7225

PALOMA DA SILVEIRA DA SILVA

Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGGEO-UFRRJ).

E-mail: silveirapaloma@outlook.com

ORCID: 0009-0008-6857-471X

191

PEDRO HENRIQUE FALEIRO BEÇA SILVA

Geógrafo formado pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, campus Seropédica. Tem pesquisas sobre cooperação sul-sul, mas pesquisa atualmente na área da geografia econômica e à crítica do valor.

E-mail: phfbessa@gmail.com

ORCID: 0000-0002-5745-6469

RAFAEL ALVES DE FREITAS

Mestre em Geografia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGGEO-UFRRJ / Bolsista

CAPES). Especialista (Lato Sensu) em Ensino de Geografia pela Universidade Paulista (UNIP) e, em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas e o Mundo do Trabalho pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Licenciado em Geografia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Atua como Professor de Geografia da Secretaria de Educação de Araruama/RJ. Pesquisa a abordagem humanista e cultural em geografia, tendo interesse nos temas ligados à geografia literária, ao lugar, à fenomenologia e às artes. Além do ensino de Geografia, envolvendo metodologias, linguagens e tecnologias. Pesquisador do Grupo de Estudos Integrados em Ambiente: Geografia e Ensino (GEIAUFRRJ/IM). Parecerista de artigos científicos, de revistas como: Geoingá (UEM), Geotemas (UERN), GEOgraphia (UFF), Tamoios (UERJ), Boletim Gaúcho de Geografia (UFRGS), Geofronter (UEMS), Ensaios de Geografia (UFF), Geoconexões (IFRN), Revista Tocantinense de Geografia (UFT) e Revista de Literatura, História e Memória (Unioeste).

E-mail: uerj.raf@gmail.com

ORCID: 0000-0002-9050-5939

RAQUEL BARBOSA DA SILVA

Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGGEO-UFRRJ).

raquelbsgeo@gmail.com

ORCID: 0009-0000-1245-3769

RENATA BRAGA DOS SANTOS

Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGGEO-UFRRJ). Licenciada e Bacharel em Geografia pela mesma Universidade. Atuou como bolsista CAPES no Programa Institucional de Iniciação à Docência (PIBID) e no Programa Residência Pedagógica (RP)

E-mail: renatinhaa_braga@hotmail.com

ORCID: 0000-0002-8810-4853

STEFANIA LUIZA MARQUES TIEPPO

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGGEO-UFRRJ).

E-mail: stefaniatieppo@gmail.com

ORCID: 0000-0001-5736-8664

Colocar nome autor aqui 192

STEPHANIE PAULA DA SILVA LEAL

Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGGEO-UFRRJ)

E-mail: stephanie.leal@hotmail.com

ORCID: 0000-0003-2270-6680

SAULO DE TARSO DOS SANTOS SOUZA

Licenciado em Geografia pela Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2016), Bacharel em Geografia pela Universidade Federal Fluminense (2020). Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, integrante do grupo “Para uma crítica da economia política do espaço”, coordenado pelo Prof. Dr. Marcio Rufino Silva na mesma universidade (IGEO-UFRRJ).

E-mail: saulo.tar.so@hotmail.com

ORCID: 0000-0002-0289-8745

TIAGO VINÍCIUS DE SOUZA NUNES

Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGGEO-UFRRJ). Pesquisa há alguns anos o MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra e suas ações.

E-mail: tvsnunes@outlook.com

ORCID: 0000-0001-6654-6311

193

Esta é a primeira publicação composta exclusivamente por textos de estudantes do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGGEO/UFRRJ). O livro carrega um certo perfil ensaístico, uma vez que traz reflexões abertas e apresenta um leque de temáticas do interesse dos pesquisadores e pesquisadoras ligados ao nosso programa. É um “livro-conquista”, uma vez que se trata do primeiro livro a ser publicado com as características de autoria que este carrega. Uma produção que surge e se organiza ainda no reflexo da pandemia da Covid-19 e, apesar do lançamento ocorrer já em 2023, diante de novos ares no cenário político, todos os textos apresentados neste livro foram realizados num contexto bastante desfavorável para a Ciência, Universidades e Institutos Federais, que atravessaram períodos de cortes e restrições orçamentárias nos últimos anos, além de tentativas de descrédito e perseguições.

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