Goteiras de doutrina

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Deir贸 de Andrade

Goteiras de Doutrina

S茫o Paulo 2 012



Apresentação

Todo lavrador deve ter esperança de comer do fruto de seu traba‑ lho. É na esperança de que Deus o abençoará que o lavrador escolhe estação própria e o terreno ideal para o plantio. Além disto, é neces‑ sário tirar os entulhos, arar, adubar o chão antes de lançar a semente para cobri­‑la com a terra. Mas o trabalho não para por aqui, junto com os primeiros ramos aparecem as ervas daninhas que deverão ser cui‑ dadosamente arrancadas para não sufocar a plantação. A roça precisará ser protegida das pragas, dos insetos e dos animais; e quando iniciar a produção dos frutos, defendida dos ladrões. No tempo oportuno, a ceifa será realizada para suprir as necessidades do alimento. Porém a muita dedicação do lavrador não garante a prosperidade da colheita; o apóstolo Paulo usando a metáfora da lavoura para ensinar os obreiros de Corinto, disse que plantar e colher são tarefas dos homens, mas o crescimento está na agenda de Deus. Se Ele não regar a terra seca com a água da chuva, toda dedicação e todo investimento do lavrador terão sido inúteis. É Deus que faz a água cair no solo seco, transformando o lugar árido em terreno fértil, para que as sementes cresçam e produ‑ zam com abundância abastecendo o celeiro do trabalhador. 11


Nosso coração também é uma terra seca, semelhante ao solo res‑ sequido do sertão, que pelo calor do sol endurece o barro. Somos incapazes de produzir frutos agradáveis ao Senhor por causa da nossa aridez.Todavia, assim como Deus manda a chuva para amolecer e fazer do solo duro um chão cultivável, amolece o nosso duro coração com sua doutrina. A palavra de Deus é uma nuvem carregada de água, que é derramada sobre nossa alma para nos sarar e nos tornar produtivos. As goteiras da doutrina de Deus que a chuva da graça traz, penetra no íntimo da nossa vida transformando­‑a, de terreno duro e improdutivo, em terra boa para produzir frutos para o Reino de Deus. A série de textos “Goteiras de Doutrina”, elaborada pelo pastor Deiró de Andrade, tem a intensão de obedecer à ordem do Senhor escrita em Deuteronômio 32.2: “Goteje a minha doutrina como a chuva, destile o meu dito como o orvalho, como chuvisco sobre a erva e como gotas de água sobre a relva”. Cremos que as doutrinas de Deus são os mananciais de água limpa que regam a alma do aflito, fertiliza o coração do entristecido com a alegria do Espirito Santo e limpa os olhos daqueles que ainda não enxergaram Jesus Cristo como o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Os ensinamentos bíblicos é a fonte de água que nasce do trono de Deus para irrigar o solo duro e improdutivo da nossa alma; desta fonte todos são convidados a beber, e os que bebem dela nunca mais tem sede, ao contrário, uma fonte provedora de água jorra dentro de si para a vida eterna.

Pastor Hélio Klabono Jr.

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1 REMÉDIOS DO AMOR QUE CURAM A AMARGURA

Boa parte dos cristãos tende a construir seus sonhos lembrando o vitorioso legado dos grandes personagens bíblicos. Contudo, é neces‑ sário um aprofundamento na história de cada um deles para perceber que objetivos e vitórias podem também trazer marcas de combates interiores contra a raiz de amargura. De fato, quando se sonha com lindos objetivos, quando se constrói uma expectativa da honra alcançada pela fé em Deus, há uma tendência de ignorar a dor do caminho pavimentado pelo Espírito Santo, até que a pessoa esteja pronta e no local apropriado. Cada vez que o assunto é retomado, são acrescentados elementos que pareciam não estar naquele texto e, ao descobrir a ação de Deus na condução daquela vida, nos empolgamos com as meditações de nosso coração. A euforia de ver cada degrau alcançado rumo aos objetivos claros, ao topo da escada, toma conta daqueles que objetivam receber a honra que vem somente de Deus. Gosto de compartilhar com amigos e irmãos esses momentos de meditação acerca dos meus heróis bíblicos, mas jamais devemos nos esquecer de que cada um deles chegou ao patamar da honra apenas depois de passar pelos mais cruéis dos vales. A diferença entre eles e

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muitos de nós está exatamente na confiança que mantiveram no Deus que lhes colocou sonhos no coração e capacidade de esperar pelo resultado, apesar de todas as agruras vencidas. Eles não foram toma‑ dos do lugar de sossego para se fazerem heróis num único minuto. O caminho foi realmente duro.Vejamos o relato de José. “Disse­‑lhe o pai: ‘Vá ver se está tudo bem com os seus irmãos e com os rebanhos, e traga­‑me notícias’”. Assim começa a narrativa de um homem provado ao extremo. Ele tinha tudo para ser o mais depressivo dos humanos; contudo, foi tocado pelo amor de Deus, que o convenceu ser necessário passar pelas provas a fim de servir como o salvador do mundo de sua época. Jacó enviou José aos seus irmãos, quando estava no vale de Hebrom. José se perdeu quando se aproximava de Siquém, longe do destino; um homem o encontrou vagueando pelos campos e lhe perguntou: – Que é que você está procurando? Ele respondeu: – Procuro meus irmãos. Pode me dizer onde eles estão apascen‑ tando os rebanhos? Respondeu o homem: – Eles já partiram daqui. Eu os ouvi dizer: ‘Vamos para Dotã’. Assim, José foi à busca dos seus irmãos e os encontrou perto de Dotã. Mas eles o viram de longe e, antes que chegasse, planejaram matá­ ‑lo. Eles realmente o odiavam, pois além de ser o preferido do papai, ainda revelava sonhos que os deixavam cada vez mais inferiorizados com a expectativa do futuro daquele jovem. – Lá vem aquele sonhador! – diziam uns aos outros. Enquanto José se aproxima do acampamento, o planejamento de sua morte é especialmente terrível, pois são seus irmãos que o combi‑ nam... “Diremos que um animal selvagem o devorou e veremos o que será dos seus sonhos...” Um lapso de bom senso repentino os toca e José é salvo daquela tragédia quando Rubem, o mais velho, argumenta que não deveriam tirar a vida de alguém que fosse do seu próprio

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s­ angue, e, visando resgatá­‑lo posteriormente do ódio e levá­‑lo de volta ao pai, propôs que o jogassem num poço do deserto. A execução do plano é perversa e dolorida. Chegando José, seus irmãos lhe arrancaram a túnica longa, agarraram­‑no e o jogaram no poço, que estava vazio e sem água. Não havia remorso nem sentimento de apreço pelo irmão mais jovem, apenas ódio, ódio e mais ódio. Ao se assentarem para comer, viram ao longe uma caravana de ismaelitas que vinha de Gileade, com seus camelos carregados de especiarias, bálsamo e mirra, com destino ao comércio no Egito. Foi Judá quem propôs a venda de José como escravo e conven‑ ceu os demais a ganharem dinheiro com a transação, o que lhes traria maior prazer que a morte do sonhador. Ele disse a seus irmãos: – Que ganharemos se matarmos o nosso irmão e escondermos o seu sangue? Vamos vendê­‑lo aos ismaelitas. Não tocaremos nele, afinal é nosso irmão, é nosso próprio sangue. E seus irmãos concordaram. Quando os mercadores se aproxima‑ ram, os irmãos tiraram José do poço e o venderam por vinte peças de prata e os ismaelitas o levaram para o Egito. Rubem, que não participara da transação, ao voltar e não encon‑ trar José naquele poço de onde planejava salvá­‑lo, logo rasgou suas vestes e protestou contra seus irmãos, pois era o mais velho e respon‑ sável pelo grupo. – Para onde irei agora? – é toda a preocupação esboçada. Então, eles mataram um bode, mergulharam no sangue a túnica de José e a mandaram ao pai com um recado: ‘Achamos isto.Veja se é a túnica de teu filho’. Ele a reconheceu e disse: – É a túnica de meu filho! Um animal selvagem o devorou! José foi despedaçado! Então, Jacó rasgou suas vestes, vestiu­‑se de pano de saco e chorou muitos dias por seu filho. Todos os seus filhos e filhas vieram consolá­ ‑lo, mas ele recusou ser consolado, dizendo: – Não! Chorando descerei à sepultura para junto de meu filho.

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E continuou a chorar por ele. Que cena! Os mesmos perver‑ sos que aplicaram aquele terrível golpe agora tentam consolar o pai... Nesse meio tempo, no Egito, os midianitas venderam José a Potifar, oficial do faraó e capitão da guarda. (Gn 37.14­‑36). Uma enorme exposição de motivos para que um homem seja o mais amargurado e infeliz de todos os viventes é encontrada nesse texto bíblico, numa sucessão de eventos que têm o poder de entriste‑ cer até o mais otimista dos viventes. Todos nós conhecemos a história de José, um menino abençoado que gozava de certos privilégios com o pai, e, por esta razão despertou a inveja no coração de seus irmãos. Por causa deste sentimento maligno que ocupava o coração de seus irmãos, o rapaz foi jogado numa cisterna vazia, em seguida vendido a um grupo de negociantes, que por sua vez o vendeu pelo melhor preço que puderam, do mesmo jeito que faziam com outras merca‑ dorias e escravos que possuíam. José acabou sendo comprado por um homem importante da sociedade egípcia, e, da casa de Potifar, injusta‑ mente foi jogado na cadeia, de onde saiu para governar o Egito e ser lembrado historicamente por este último evento. Que roteiro! Que história... José ocupa um lugar de destaque na galeria de vencedores, entre esses a quem muito admiro. Um servo de Deus que marcou sua época, mas tinha todos os ingredientes para ser amargurado em razão do que precisou sofrer. A grande verdade é que ninguém está livre de sofri‑ mentos, sejam os eleitos por Deus para governar ou os que foram elei‑ tos para serem governados; sejam os heróis populares ou os anônimos. A prova de que somos predispostos a experimentar esse gosto amargo está no ensino sagrado que diz: “Nenhuma raiz de amargura brote e cause perturbação, contaminando a muitos” (Hb 12.15). Quando a erva daninha aparece, ela precisa ser arrancada imediatamente, sob risco de causar prejuízos enormes pela perturbação com abrangência coletiva, pois “contamina a muitos”. Uma pessoa que experimentou níveis extremos de amargura é capaz de derramar lágrimas todas as vezes em que se lembra do fato 16


que desencadeou o sentimento, ainda que seja muito tempo depois. É fácil de ilustrar isso por meio de comparação; quando machucamos alguma parte do corpo, a intensidade da dor pode provocar alguns gemidos e fazer brotar dos olhos algumas lágrimas. Porém, com o passar do tempo, esquecemos a dor física que o ferimento provocou. De vez em quando, é possível lembrar­‑nos do incidente por causa da cicatriz formada, contudo, não sentimos mais a dor. Lembro­‑me de quando eu tinha 17, talvez 18 anos. Tentei abrir uma lata de atum. Naquela época, os alimentos vendidos nessas emba‑ lagens não tinham os mecanismos de hoje, para prevenir acidentes. Era uma espécie de chave que a gente ficava torcendo até determinado momento para, em seguida, empurrar a tampa e, finalmente, abrir a lata e comer o seu conteúdo. Na época, usávamos as latinhas de sardi‑ nha e atum para construir carrinhos para nossas brincadeiras. Lembro­ ‑me muito bem que essa era uma lata redonda, e ao empurrar a aba, cortei a minha mão. Cortou feio e sangrou muito. Sentindo muita dor, fui à casa de um vizinho, era um irmão que congregava na igreja próxima de casa. Quando cheguei lá, botaram pó de café e um monte de outras coisas até estancar o sangue. Já se passou um tempinho desde então. Cada vez que olho para a mão, eu vejo aquela cicatriz, que já não me incomoda nem um pouco, e tenho saudades daquela época. As cicatrizes da amargura são diferentes. Não aparecem fisica‑ mente, mas somos capazes de lembrar a dor com a mesma intensidade de quando nossa alma foi ferida. Quando falamos sobre o assunto, os olhos se enchem de lágrimas. Não importa quanto tempo passou, a dor ainda é bastante real e continua lá. Mágoas trazidas por palavras, situações dolorosas, tristezas e traições queimam o peito como um ferro incandescente, encostado à pele. Essa sensação de dor se repete toda vez que lembramos as coisas que nos amarguraram. José foi traído e, exatamente por isso, tinha todas as possibilidades de ser um vencedor amargurado, assim como muitas pessoas que não esquecem as mágoas, mesmo depois de grandes bênçãos alcançadas da parte de Deus. Esse tipo de experiência tem um peso muito grande, 17


justamente porque o traidor necessariamente é alguém muito pró‑ ximo; é a atitude de alguém que estende a mão para desamarrar os laços da amizade. Isso causa profunda amargura. A traição somente é caracterizada quando alguém do círculo da intimidade resolve agir com deslealdade. O salmista expressa a dor da traição quando escreve que ‘seu melhor amigo em quem confiava e que partilhava do seu pão voltou­ ‑se contra ele’; Jesus se reportou a essa palavra do Salmo 41.9 para se referir ao traidor, junto dele, na mesa da última ceia (Jo 13.18). Quando uma pessoa muito próxima nos trai, isso deixa marcas profun‑ das e provoca dor, muita dor! O jovem José foi arremessado em um buraco. Muito provavel‑ mente, sofreu algumas escoriações que, certamente, não foram as dores que mais o incomodaram. Sim, existiram as dores físicas, mas estas foram amplamente suplantadas pelas dores da alma, provocadas por seus irmãos. Foi como dizer que José não valia mais que um punhado de moedas ou um objeto, uma coisa que podia ser negociada com os primeiros mercadores que passassem por ali. Lendo o texto de Gênesis 37, quase ouvimos os gritos do moço, implorando aos próprios irmãos que não o deixassem ir. Quem sabe não gritou o nome do velho pai, Jacó, numa atitude desesperada de ferir a consciência embrutecida dos irmãos traidores? Melhor seria estar em casa, aquecido nas noites frias, a ouvir as histórias de seu velho e querido pai, mas estava sendo carregado por um bando de estranhos, enquanto mirava os olhos de seus irmãos, que dividiam as moedas do preço alcançado pela venda. Certamente, essas imagens incomodaram José como aguilhões ferindo seu peito, sua alma e seu coração. Os novos ‘proprietários’ de José o levaram para o Egito, onde, obviamente, o venderam por um valor maior, a fim de obterem o lucro esperado na transação. Todavia, o Senhor estava com ele e abençoava tudo o que fazia (Gn 39.2), e por isso mesmo, transformou­‑se em mordomo da casa do importante chefe da guarda de Faraó. É verdade que o filho de Jacó 18


era um escravo estrangeiro naquele lugar, porém é melhor ser escravo, servindo como mordomo numa casa confortável de um figurão egíp‑ cio, do que trabalhar pela ração diária em qualquer vilarejo pobre das periferias daquele país. Parecia que as coisas estavam indo bem até que a lasciva mulher do Potifar resolveu assediá­‑lo descaradamente. E, por não ceder aos caprichos daquela mulher, ele foi caluniado e injusta‑ mente lançado na cadeia. Quais eram os pensamentos dele acerca dos antigos sonhos que expusera, esperançoso? Como era homem íntegro e Deus o abençoava em tudo que fazia, José ganhou a confiança do carcereiro, que passou a tratá­‑lo com bon‑ dade e deixar todas as coisas sob seus cuidados (Gn 39.21­‑23). No cárcere, havia um padeiro e um copeiro. Numa manhã, José percebeu que ambos estavam abatidos por causa de sonhos que tiveram. Ele os ouviu e interpretou os sonhos com tanta sabedoria e graça divina que tudo aconteceu como havia afirmado (Gn 40.1­‑23): o padeiro morreu e o copeiro voltou a desempenhar suas antigas atividades no palácio de Faraó. Quando o copeiro estava deixando o cárcere, José pediu­‑lhe para que se lembrasse dele quando estivesse servindo Faraó. Porém, foi esquecido e somente depois de dois longos anos é que o copeiro se lembrou dele. Sim, o Senhor tem a história completa em suas poderosas mãos e governa com sabedoria os destinos daqueles cujo coração o agrada. O respeitado Faraó teve sonhos que o preocupavam muito e com cuja interpretação ninguém podia acalmá­‑lo. Levado à presença do homem mais poderoso do Egito, José interpretou os sonhos e disse resoluta‑ mente àquele governante que anos de muita fartura viriam e, logo em seguida, anos de seca intensa assolariam toda a terra. Ele aconse‑ lhou o Faraó a se prevenir, mostrando­‑lhe os meios eficazes para isso. Satisfeito, o Faraó o promoveu. José se tornou o segundo homem mais importante do Egito. É impossível saber quanto tempo se passou desde o dia em que José, sob ordens de seu pai, saiu de casa para ver como iam seus irmãos e os rebanhos. José não pôde obedecê­‑lo completamente, porque foi 19


maltratado pelos irmãos, vendido como escravo duas vezes, acusado de infidelidade, preso e, depois de muito tempo, veio a ocupar o cargo de governador do Egito. José é o tipo de homem ao qual se referiu Davi séculos mais tarde: ‘Os passos de um homem bom são confirmados pelo Senhor’ (Sl 37.23). A mão de Deus é percebida em cada momento da vida de José, desde a tenra idade, ao ser vendido, até quando já era homem for‑ mado, pai de família e ocupava o importante cargo de governador no Egito, ocasião em que sobreveio a crise mundial que ele havia previsto interpretando os sonhos de Faraó. Depois de sete anos de produção farta, quando José, sabiamente, armazenou muito alimento, a fome se espalhou por toda a terra. Então o governador do Egito abriu os celei‑ ros para negociar com as outras nações o alimento estocado. A crise também alcançou a família de Jacó, que soube que no Egito havia abundância de trigo. Este, reunindo seus filhos, os enviou com quantia de dinheiro necessária para comprar o alimento (Gn 42.1­‑2). Os filhos de Jacó se achegaram ao governador para negociarem o trigo, se curvaram diante dele, sem, todavia, reconhecer o irmão. Estava cumprida a primeira parte do sonho de José, que tratava dos feixes de trigo encurvando­‑se diante dele. Indagados sobre quem eram, apre‑ sentaram um relatório completo sobre a família, do irmão que havia morrido e do pai que os havia enviado àquele lugar para negociar o alimento. Provocados por José, falaram do irmão mais novo, filho da mesma mãe de José, o Benjamim; ele havia ficado com o velho pai na terra de Canaã. Obviamente, José conhecia toda a história até ao dia em que foi forçado a deixar sua casa e, sem dúvida, diversos sentimentos toma‑ ram conta de seu coração. A alegria de saber que seu pai e seu irmão Benjamim estavam vivos, a saudade da casa em que viveu com a famí‑ lia, a amargura causada por seus irmãos que o venderam e agora esta‑ vam diante dele naquela terra... Dominado pelas emoções, “José se retirou e começou a chorar, mas logo voltou e retomou a conversa com os irmãos” (Gn 42.24). Quando retorna ao ambiente da reunião, 20


José, com objetivo de conhecer como estava o coração e a personali‑ dade dos filhos de seu pai e, sem revelar sua identidade, os acusou de serem espiões (Gn 42.9). Não, não era um plano de vingança, mas uma sábia manobra, para que seu pai, Jacó, e seu irmão fossem trazidos ao Egito, onde seriam socorridos e bem­‑tratados. Fazendo uso de seu poder, deteve um dos seus irmãos, Simeão, e despediu os outros, ordenando que trouxessem o caçula, Benjamim, sob as duras penas de não poderem mais comprar o alimento e não verem mais o irmão detido. O combalido e velho Jacó, ao receber seus filhos de volta, lamentou e demonstrou inequi‑ vocamente que amava a todos os filhos ao dizer: – Vocês estão tirando meus filhos de mim! Já fiquei sem José; agora, sem Simeão, e ainda querem levar Benjamim! Tudo está contra mim! (Gn 42.36) Como a fome continuasse muito rigorosa, quando acabou o ali‑ mento trazido do Egito da primeira vez, o velho pai, sem alternativa e muito relutante, organizou uma comitiva para o Egito, incluindo nela o seu filho caçula, Benjamim, aquele que foi exigido pelo governador para que pudessem negociar o alimento. Aqui, vemos a providência dos remédios de Deus para a cura da amargura. Além de dinheiro em dobro para custear o alimento, Jacó ordenou que seus filhos levassem os melhores produtos da sua terra para agradar o coração do governador egípcio. Jacó não podia imagi‑ nar que os presentes eram produtos que o governador, na sua moci‑ dade, conhecera muito bem. No Egito, José tinha mesa farta e abun‑ dância de tudo que desejasse; todavia, os produtos de sua terra natal eram especiais, não somente pelo sabor, mas pela capacidade de trazer à memória os bons momentos da família reunida em volta da mesa, em alegria e comunhão. Em nosso país, temos muitas pessoas que migraram de suas regiões em busca de oportunidades. Estão longe da família e dos costumes há muitos anos e quando têm a oportunidade de fazer uma simples visita à terra natal, eufóricos, relatam que não veem o 21


momento de sentarem­‑se à mesa para comer aquela iguaria especial de sua história. Eles expressam­‑se com tanta emoção que as feições na face parecem indicar que já estão sentindo o cheiro e o sabor da tal comida. Os amigos conterrâneos que não podem fazer tal via‑ gem fazem mil recomendações ao privilegiado, exortando­‑o a não se esquecer de trazer na bagagem de volta o pedaço daquela carne especial, da farinha que comiam junto à família, do doce, da fruta ou uma cesta que reúne todos os ingredientes. Não é somente por causa do paladar, mas porque a memória será reavivada e a lembrança dos momentos felizes que passaram junto a pessoas importantes, que ficaram na terra natal, será ativada. Assim, os alimentos na cesta foram preparados por Jacó, mas vie‑ ram das mãos de Deus, que sabe cuidar de seus filhos, não importa onde ou como estejam. A Bíblia descreve os ingredientes que Jacó desejou enviar para José: “Então, disse­‑lhes Israel, seu pai: Pois que assim é, fazei isso; tomai do mais precioso desta terra em vossos vasos, e levai ao homem um presente: um pouco do bálsamo e um pouco de mel, especiarias e mirra, terebinto e amêndoas” ( Gn 43.11). A primeira coisa que Jacó deseja mandar para José é um pouco de bálsamo, uma substância que tem propriedades medicinais. O profeta Jeremias ressalta esse poder curativo, quando questiona o povo idólatra: “Não há bálsamo em Gileade? Não há médico em Gileade? Por que será, então, que não há sinal de cura para a ferida do meu povo?” José estava longe de casa havia muitos anos e a velha ferida da amargura e da saudade estava alojada no coração dele. Deus motiva Jacó a enviar­ ‑lhe bálsamo, sem saber que estava oferecendo ao filho o remédio para lhe restaurar a saúde. É possível que você fique a imaginar que uma doença de muito tempo, ou uma marca antiga, seja difícil de curar. Algumas vezes sabe‑ mos que é humanamente impossível alcançar a cura; mas o nosso Deus tem bálsamo para nos curar, para sarar as marcas do passado e sarar as feridas abertas. A angústia que, semelhante a um ácido, corrói a 22


alma, tem seus efeitos interrompidos quando o bálsamo do Senhor é derramado sobre nós. As injustiças a que fomos submetidos e as dores que elas nos provocam nos deixam sem explicações. A falta de uma resposta plausível ou o silêncio aumenta ainda mais o sofrimento; porém, Deus tem o bálsamo que sara as feridas. Novamente, o profeta Jeremias nos ajuda a compreender o poder de cura que o bálsamo do Senhor possui; numa figura de linguagem diz­‑se que a Babilônia caiu de repente e ficou arruinada. Mas se o bálsamo fosse derramado na ferida, a Babilônia seria curada (Jr 51.8). José recebeu o bálsamo como um presente para curar suas feridas e para refrigério da sua alma; é como se Deus estivesse dizendo: – Você não precisa mais ficar deprimido, angustiado pelos eventos que arrancaram você da sua casa, aí está o remédio para as suas dores. O bálsamo do Senhor cura qualquer tipo de ferida, seja física ou emo‑ cional. Aleluia! No Egito, José casou­‑se e constituiu família. Um de seus filhos recebeu o nome de Manassés, pois disse José: ‘Deus me fez esquecer o sofrimento’. Quando Deus derrama do seu bálsamo, a ferida desaparece e nunca mais incomoda. Antes do bálsamo, a ferida incomoda repetidas vezes, causa agonia e desespero; porém, quando ele é derramado, cura o corpo doente e refrigera o espírito amargurado. A segunda coisa que Jacó enviou para José foi mel. Essa especiaria era muito valiosa naquela época, pois não havia açúcar e o mel era o principal adoçante. Também era um alimento muito apreciado nos tempos bíblicos, por causa de suas propriedades nutritivas e energé‑ ticas, fazia parte do cardápio dos homens de Davi que estavam no deserto (2Sm 17.29), com ele se fazia bolo (Êx 16.31) e era um bom presente que agradava o coração dos que o recebiam (1Rs 14.3). O mel também era reputado como produto com propriedades medici‑ nais e, no livro de Provérbios é comparado a uma boa palavra que pro‑ porciona cura para os ossos (Pv 18.24). Cientificamente, já sabemos que se criarmos o hábito de ingerir uma porção diária desse alimento, a expectativa de vida aumenta consideravelmente. O mel está intima‑ mente associado à terra de Canaã, pois quando Deus prometeu dá­‑la à 23


descendência de Abraão disse que o lugar ‘mana leite e mel’ (Êx 3.8), uma riqueza natural que poderia ser encontrada com tanta fartura que possibilitava a exportação do produto (Ez 27.17). As pessoas conhe‑ ciam o mel e sua importância social a tal medida que Sansão, um juiz em Israel, elaborou um enigma usando­‑o como figura: ‘Do que come saiu comida; do que é forte saiu doçura’ (Jz 14.14). ‘O que é mais doce que o mel? O que é mais forte que o leão?’; responderam a Sansão, que elaborou o tal enigma baseado na sua própria experiência. Ele, estando com fome, encontrou uma colmeia na carcaça de um leão morto, retirou o mel e comeu (Jz 14.9­‑10). O mel ainda é de muita importância na sociedade moderna; as indústrias alimentícias e farmacêuticas utilizam­ ‑no como base de muitos produtos, em cosméticos e até in natura. O profissional que extrai o mel é o apicultor, como o irmão José Carlos Beile, que tra‑ balha como diácono no estacionamento da igreja onde sirvo a Deus como pastor. Nas páginas do Novo Testamento, encontramos João Batista, um profeta de Deus, cuja dieta alimentar era composta por gafanhoto e mel silvestre. Imagino que gafanhoto não tenha um sabor muito apre‑ ciado. Lembro­‑me que, um dia, estava pregando e acabei engolindo um mosquito, é bem amarguinho! Não sei qual o sabor de um gafa‑ nhoto, mas imagino que também seja amargo. João não podia dispen‑ sar essa iguaria porque é rica em proteínas e não tinha tantos outros alimentos com as mesmas propriedades, mas o amargo da língua logo era esquecido pelo mel silvestre que comia. José, possivelmente, tinha algum tipo de mel à sua disposição no Egito, mas não o da ‘terra que mana leite e mel’, não era aquele que o Senhor fazia brotar nas campinas de sua terra natal, aquele era um mel especial. Santa ironia! Seus irmãos o fizeram tomar o fel mais amargo que experimentou e agora foram intimados a carregar uma cesta chei‑ nha de mel das terras de Canaã para adoçar o paladar do irmão. A terceira coisa que compunha o presente de José, na verdade, não era um único ingrediente, como no caso do bálsamo e do mel, 24



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