Elber do Prado Vieira
Retratos da Alma Como lidar com seus medos e sentimentos
S達o Paulo / 2011
Prefácio
Neste livro, o Dr. Elber leva-nos aos temas complexos da ciência do comportamento humano. Em uma linguagem simples, como simples é sua pessoa, o autor traz as experiências colhidas no consultório com informações valiosas para nossas experiências cotidianas. O livro Retratos da alma é como uma tela que tem um toque de um artista, mas não precisamos interpretar as pinceladas, pois elas nos são familiares. Quem nunca sentiu medo ou não teve depressão em certos momentos? O mais importante, porém, é que, em todos esses momentos, o nosso Senhor esteve e está presente, curando a nossa alma e fazendo dela uma obra de arte admirável. Estamos diante de um excelente livro que proporcionará a todos grande ajuda. Boa leitura. Robson de Oliveira Pastor da Igreja Presbiteriana Praia de Itapoã. Vila Velha – ES.
Introdução
Como imagina em sua alma (mente), assim ele é. Provérbios do Rei Salomão (Provérbios 23:7a). São cinco e meia da manhã. O choro de um bebê anuncia mais um nascimento. Mais um brasileiro inicia a vida. Mas como ele será daqui a 10, 15, 20, 30 anos? Ah! Se fosse possível saber essa resposta... Por quais acontecimentos irá passar essa pessoa, que já é um ser único, um indivíduo. Com ideias e pensamentos, vontades e realizações, mas também, fracassos, traumas, questões inacabadas, enfim, uma gama de experiências dignas de nota. Ao longo dos meus dezenove anos de experiências de atendimento como psicólogo, recolhi impressões a respeito dos meus pacientes, dos meus companheiros de terapia. Verdadeiros encontros vivenciais. Muitos não concluíram, muitos concluíram, e alguns estão trilhando ainda a terapia. Individual ou em grupo. Usarei de relatos de atendimentos, citando-os com nomes fictícios, para não ferir o princípio do sigilo e da ética profissional. Retratos da alma. Como seria bom se fosse possível fazer um retrato da alma. Seria uma visão e uma perspectiva mais adequada de como se é ou como se pensa. Mas o que a tecnologia oferece hoje é apenas uma visão de como a estrutura cerebral 11
reage aos estímulos externos e internos. Esses mostram fragmentos do funcionamento do cérebro por meio de exames, como Eletroencefalograma, Tomografia Computadorizada e Ressonância Magnética, e outras formas de se verificar seu funcionamento. O texto bíblico citado na epígrafe retrata o poder da mente e como ela se reflete no ser humano. O poder de uma imagem, de uma fantasia é bem tácito. Basta conversar com as pessoas, e logo atesta-se essa situação. Muitas pessoas se colocam abaixo de seu potencial, daquilo que podem ser e pensar. Quer seja porque não houve oportunidade de se desenvolver, quer seja porque se colocam num nível psicológico e social rebaixado, com uma baixa autoestima. Muitos acreditam que não são ninguém, nem valorizam o que são e o que têm. Este livro retrata vivências de pessoas que tiveram a possibilidade de se trabalharem. Alcançaram um patamar de contato consigo, com seu “self ” – com seu eu. E outras que não se dispuseram a vivenciar totalmente suas questões e seus medos. É claro que sei que não é fácil se colocar e se abrir. Isso é próprio do homem. Mostrar sua alma é como ficar nu diante do outro.
Muitas palavras foram ditas Precipitar – com o significado de que não está na hora. Significando desorganização da capacidade para definir posturas. Não agir por precipitação. Desânimo – Não conseguir levar a cabo uma situação. Estafa – Não conseguir se levantar às nove da manhã. Trabalhar – Tomar vários remédios: Rivotril, Triptanol e antipsicóticos. Como é possível ir trabalhar? Medo – Qual o gatilho que dispara? Autocomiseração – Pena de si mesmo. 12
Grandes interrogações. O que fazer com tudo isso? O importante é que em um espaço terapêutico pode-se pensar sobre essas questões e trabalhá-las.
Muitas palavras não foram ditas – Pés que não param de se mover. – Olhos que se movem dizendo o que não se quer dizer, ou dizendo outra coisa. – O silêncio querendo dizer que não se sabe o que fazer; não conseguindo dizer. – O choro dizendo que se está totalmente transtornado com o que está passando. Momentos de grande reflexão que redundaram em percepções e atitudes que contribuíram para uma sanidade própria ao ser humano.
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O medo O MÁGICO E O CAMUNDONGO Diz uma antiga fábula que um camundongo vivia angustiado com medo do gato. Certo dia, apareceu um mágico, que teve pena dele e o transformou em um gato. Mas aí ele ficou com medo de cão. Por isso o mágico o transformou em pantera. Então ele começou a temer os caçadores. A essa altura, o mágico desistiu. Transformou-o em camundongo novamente e disse: – Nada que eu faça por você vai ajudá-lo, porque você só tem apenas a coragem de um camundongo. É preciso ter coragem para romper com o projeto que é imposto. Mas saiba que coragem não é ausência do medo, é sim a capacidade de avançar, apesar do medo; caminhar para frente e enfrentar adversidades, vencendo os medos... É isso que se deve fazer. Não se pode derrotar a si mesmo e se entregar por causa dos medos. Assim, jamais se chegará aos lugares que tanto se almeja...
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O medo é um sentimento genuíno. Como exposto anteriormente, o camundongo sentia medo do gato. Racionalmente falando, o camundongo sentia medo de algo, que, do ponto de vista de que o predador do rato é o gato, seria real. Mas como ter medo de algo que não está presente, que não se está vendo? O gato não estava presente fisicamente, mas sim emocionalmente. Mas a questão é o que se sente. Certa vez, atendi uma pessoa que passou a sentir medo de tudo que se relacionasse a más notícias. Sheila me dizia: – Doutor Elber, só em ouvir alguém falar que alguém morreu ou que alguém sofreu um acidente, eu tremo toda. – O que teria acontecido para que você passasse a sentir medo de algo, que antes não dava tanta importância? – questionei. A paciente me relatou que tudo começou depois de ter sido confundida, por um taxista, com outra pessoa. Ela estava dentro do táxi, e o taxista disse que iria matá-la. Sheila relata que pulou do carro em movimento. Machucou-se muito, recuperou-se fisicamente, mas ficou com sequelas emocionais e psicossomáticas. Ao longo da psicoterapia, ela se reintegrou, trabalhou seus medos e suas angústias. Percebeu que não podia ficar vivenciando algo que não mais acontecia e que tinha que trabalhar seus ressentimentos. Fatos da vida cotidiana têm que ser encarados, rompendo com aquilo que está sendo imposto, ou autoimposto, mesmo tendo consciência da morte, para buscar um sentido para a vida. A vida não acaba aqui, porém há uma continuidade com Deus, já que a paciente crê nessa perspectiva. Sheila descobriu que o medo é um aliado, e não um inimigo que tem que ser combatido. Tem, sim, que ser compreendido, analisado. Ela tomou consciência de que o medo é real, de que a morte é real. É por meio dele que se aprende desde criança o 16
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que é certo ou o que é errado: os cuidados com a vida e o resultado de se quebrar regras. É claro que ao ser confrontado com realidades dantes imaginadas, se desencadeia uma reação, na qual a pessoa passa a sentir e ter reações emocionais desequilibradas. Afinal, a pessoa passou por um grande trauma. O corpo fala, de forma que se percebe que ele é um todo integrado, e que busca incessantemente a homeostase e o equilíbrio. O pensamento da pessoa geralmente é sempre voltado para algo catastrófico. Não se pode negar o pânico, só em pensar em entrar em um carro. Era também isso o que acontecia com Sheila. Era um sufoco para ela entrar em um taxi. E essa é uma realidade: fazer com que a pessoa vivencie a situação sem se lembrar do que aconteceu. Mas é justamente o fato de buscar esse enfrentamento que condiciona e traz poder para a pessoa vencer o medo existente. E assim se fez. Sheila progrediu e venceu essa situação.
RETORNANDO À FÁBULA Na fábula anterior, observa-se uma consciência do medo de forma exacerbada. O mágico tentou de todas as formas fazer o camundongo vencer o seu medo. Assim, ele o transformou em um gato inicialmente. Em princípio, o agente do medo agora estaria vencido. Mas não foi isso que aconteceu. Não deu certo. O rato passou a temer o cão. Mas tinha um cão atrás dele? Em princípio, não! Então o mágico pensou: “Vou transformá-lo em um animal bem grande e forte... Uma pantera! E, assim, resolverei seu dilema”. Agora sim ele sentiria o poder de ser um animal superior. Mas o camundongo passou a temer os caçadores, os predadores top de linha, os homens. Nesse caso,
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esses poderiam fazer mal a ele? E se ele estivesse numa área de preservação protegida, ou em um zoológico? Depois de tantas tentativas frustradas, o mágico desiste. Fala para o camundongo que ele só tem a coragem de um camundongo, e o transforma de novo em um camundongo. Que projeto estava imposto ao ratinho? Quem impôs alguma coisa? Talvez o próprio ratinho, ou alguém pode ter contado alguma história para ele, em que os ratos têm que temer os gatos, independentemente da situação vivida. É claro que se trata de um camundongo. O rato sempre será um rato. O máximo que se pode fazer por ele é ensiná-lo algum truque. Também é possível condicioná-lo a viver em uma situação, como ocorre em experimentos científicos. O ser humano, por outro lado, não é um camundongo. Ele tem um potencial de adaptação e de mudança que pode se dar ao longo de sua vivência como pessoa.
O MEDO IMPEDE SEUS PLANOS Quantos, ao longo de suas vidas, desistiram de seus planos por causa do medo? Que descontrole pode se transformar em síndrome do pânico? A síndrome do pânico é um conjunto de medos acumulados, ou que surgem ao longo de uma experiência ou experiências traumáticas, ou de perdas significativas para a pessoa. Ele aparece de forma sutil muitas vezes. Quando a pessoa percebe o pânico, ela já está com os nervos em frangalhos. É uma situação em que a fé pode estar sendo posta em prova. Caracteristicamente, o que se sente é às vezes inexplicável. É aquele sentimento de que algo ruim irá acontecer. Um sentimento de morte sempre presente. A pessoa pensa que irá morrer de verdade. Ela muitas vezes recorre aos serviços de saúde, e 18
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quando chega lá, depois de minutos, o que se estava sentindo acaba, como em um passe de mágica. É impressionante. Mais adiante haverá um capítulo específico sobre esse tema. Pode também ocorrer que a pessoa viva constantemente com essas sensações. E se faz necessário que busque um tratamento psicológico imediatamente. A subjetividade humana é implacável. Por mais que se tente esquecer um fato vivido que trouxe significado para a pessoa, ele irá retornar com uma gama de emoções, tiques nervosos, medos, temores incompreensíveis e até dores. Até que ela se posicione em relação a esses fatos. Uma experiência vívida pode ser observada diante da questão dos medicamentos controlados. Os pacientes têm um grande medo de deixá-los. Muitos na verdade são orientados a não deixá-los de usar definitivamente. Transformam-se em verdadeiros dependentes químicos. É claro que as anfetaminas, os barbitúricos e medicamentos do gênero e os psicofármacos em geral têm sua parcela de ação no processo de tratamento. Mas é fato também que muitas pessoas poderiam viver sem eles. Fato que experimentei com alguns pacientes que abandonaram, por iniciativa própria, seus medicamentos. Alguns substituíram pela acupuntura, e/ou medicamentos naturais, os fitoterápicos, os florais de Bach ou os homeopáticos. Conseguiram manter sua sanidade depois de um tratamento adequado. Em poucos casos, foi realizada uma ponte de ligação entre o psicólogo e o psiquiatra. E é interessante que essa ponte de contato deu certo. O ser humano é multifacetado, assim, não se pode pensar em um tratamento com um único profissional. Isto é, querer dar conta de uma questão que abarca a área física, psicológica, social e espiritual. É necessária uma integração entre as áreas do saber humano. Os aspectos biopsicossociais transcendem essa questão. 19
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QUAL O SEU MEDO? ... o Senhor chamou o homem, e respondeu-lhe o homem: “Ouvi a tua voz no jardim e tive medo, porque estava nu; e escondi-me.” (Gênesis 3:10) É interessante que a primeira experiência de medo do homem que se tem relato está na Bíblia. Está no livro de Gênesis, na passagem descrita acima. Foi então, com Adão e Eva que tudo começou. Eles experimentaram uma gama de emoções ao desobedecerem a Deus no paraíso. O fato foi que comeram o fruto proibido. Que não foi o ato sexual. Adão e Eva fugiram da presença de Deus. O encontro diário que acontecia não aconteceu. O medo das consequências foi tal que abandonaram sua rotina e passaram a ser errantes. Acredito em uma involução, ao invés de uma evolução, como alguns preconizam. E foi Deus quem os procurou para que dessem conta de seu erro, e posterior redenção, em Cristo Jesus. As consequências vieram, mas puderam aprender algo com essa experiência vivida. O fato que não se pode negar é que todos são humanos! Em uma perspectiva teológica, somos imagem de Deus, mas humanos. Então, não adianta mudar de homem para leopardo, como no caso do camundongo. Mas sim se entender e se trabalhar, ter ganhos em meio a perdas. MEDO DE BARATA O que leva alguém a ter medo de um animal tão pequeno como esse? É fato que esse medo não é de agora. Relatos de fósseis de 105 (cento e cinco) milhões de anos atrás mostram esse animal presente na vida do homem. Então, é como se esse medo já fizesse parte integrante de um inconsciente coletivo. 20
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Em geral, são as mulheres que mais temem as baratas. Basta que a vejam a metros de distância para que comecem a buscar socorro. É interessante que a barata não enxerga, e não tem olhos. Sua forma de interagir com o ambiente é por meio de suas antenas – que são seus olhos. Elas também captam as impressões do ambiente – odor, movimentos. Mas o que está por trás do medo da barata? Seu aspecto. Seu visual é que atormenta as pessoas. Quem nunca teve um contato imediato com uma barata? Quantos já sentiram as pernas da barata passar pelo seu pé, ou perna? E quando se mata uma. Não é agradável ver o que sai de dentro dela, e o cheiro que ela exala que é uma forma de proteção e também uma forma de manter longe os seus predadores. O aprendizado do medo também faz parte da história da pessoa. Não é raro ver as mulheres da família passando esse medo para as outras. Criam um verdadeiro pânico geral quando a barata atravessa a sala ou o quarto. E quando voa parece que a cabeça é o alvo predileto delas. A impotência revelada, neste caso, é de se espantar. Mas a pessoa pode trabalhar para vencer esse medo. O medo pode ser então aprendido: experiências já foram realizadas demonstrando isso. Um exemplo é o do bebê. Primeiramente, se apresenta um coelho ao bebê, e este não tem reação de medo. Posteriormente apresenta-se o coelho ao bebê acompanhado do som de uma forte sineta. Após uma frequência de vezes em que se apresenta o coelho junto com a sineta, o bebê passa a tomar susto toda vez que é apresentado o coelho, passando a temê-lo. No segundo momento, mas aí sem a sineta, ele aprende que o coelho não traria um grande barulho. Posteriormente, reaprendeu a perder o medo, pois se apresentou o coelho sem sineta por muitas vezes, e percebeu que não teria mais barulho. Então, o comportamento de medo cedeu, acabou. 21
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Existe uma gama de técnicas para se lidar com o medo acima, ou o medo em geral, que por sinal é bem variado: medo de altura, medo do agora (agarofobia), medo do escuro, medo de altura, etc. Esses medos são reflexo de algo interno, que está no fundo da alma, da mente humana. No processo de psicoterapia, consegue se chegar lá. Controlar o medo ou não ter mais medo. Muitos pacientes meus colocam a questão do medo, do ponto de vista de fraqueza, por exemplo. Como se faltasse na pessoa aquele “q” de força, de condição pessoal, para lidar com seus medos. Mas muitos na verdade têm uma questão inacabada, pendente mesmo. É o caso da Senhora “X”. A Senhora “X”, diante de suas situações, vê sempre a impossibilidade. Na verdade, ela tem uma questão que é a menos valia, ou seja, a autoimagem negativa. Vive entre dois polos: ser coração (fazer o bem = ser anjo, ser agradável), ou ser cabeça (fera = ser um perigo, fazer o mal). Como um vulcão, pronto a entrar em erupção, a explodir. Essa paciente precisa aprender a implodir (se tiver que se calar, se calar), e aprender a explodir (se tiver que dizer não, dizer, sem com isso se descontrolar), atingindo a todos a sua volta. Às vezes é um aprendizado longo, mas se consegue chegar lá. E ela sabia dessa situação, pois dizia: “Não consigo ficar calada, e às vezes chego a agredir as pessoas!”. É claro que ela estava passando por um processo em que estava se conscientizando dessa forma de agir. A Senhora “X” ainda está aprendendo a integrar suas atitudes, e renovando sua maneira de pensar. Saindo da autoculpa para a atitude de perdoar a si mesma e a outrem! Retornando a fábula... O mágico se restringiu a mudar a forma do camundongo. Fazendo isso, não alterou a forma de pensar e agir do ratinho. Então, mudar, ou tentar mudar alguém, não é uma saída adequada. Só se muda em si, aquilo que se quer 22