Nordeste VinteUM

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Edição Nº 29 — Ano III — Dezembro/2011 — Revista Nordeste VinteUm – Publicação sobre economia, política, cultura e educação — www.nordestevinteum.com.br

livro bomba amaury jr desnuda corrupção tucana em privatizações

O Despertar DO

NordestE

Enquanto a economia mundial mostra sinais de cansaço, o Brasil dá um passo à frente. Neste cenário, a Nordeste VinteUm lança série especial sobre a necessidade de planejamento estratégico para o desenvolvimento da região nordestina

RETROSPECTIVA 2011

Fatos e histórias que estiveram em nossas páginas



Insight VISÃO DE MUNDO Antônio Rocha Magalhães

Caatinga

Rio 20

I Conferência Regional de Desenvolvimento Sustentável do Bioma Caatinga – A Caatinga na Rio+20 13, 14, 15 e 16 de março de 2012 Auditório Celso Furtado do Banco do Nordeste, Centro Administrativo Getúlio Vargas, Passaré -­Fortaleza/Ceará

Maiores informações:

85 3223.6652 / 85 3223.5653 ou pelo site:

www.caatinganariomais20.org.br Realização:

Nordeste xx

Instituto de Difusão Social do Conhecimento

Apoio:

Promoção

“ Inserir o debate ambiental é muito difícil porque está no meio do interesse a curto prazo contrapondo o Capitalismo. (...) É um processo que é lento, mas vai ser alcançado aos poucos” “ Temos uma experiência de cem anos de gerenciamento de água não adequado. Se tem um potencial hídrico da região, mas é preciso ter um aproveitamento correto da água por ser um bem escasso e ter um valor econômico. Por isso não pode ser desperdiçada” “ O grande desafio é que as atividades humanas no semiárido estão indo além da capacidade do que ele tem de fornecer como base para a vida humana. As comunidades que habitam o Semiárido já são afetadas pelo clima atual, com as secas”

“Antônio Rocha Magalhães é pautado pela preocupação com o desenvolvimento humano e com o meio ambiente. Sua simplicidade e sua humildade são características dos grandes homens que têm como centro de sua atuação o desenvolvimento do homem e a visão da sustentabilidade ambiental” Ariosto Holanda, deputado federal

“Graças aos esforços de pessoas como o doutor Rocha Magalhães, esta será uma década de discussões, debates e buscas de soluções para os problemas ambientais enfrentados por muitos países no mundo” Luc-­­­Marie Constant Gnacadja, secretário executivo da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação.

“O professor Antônio Rocha Magalhães é um dos mais respeitados estudiosos da sustentabilidade em todo o mundo, um especialista no estudo dos problemas dos semiáridos e, sobretudo, um homem que luta para mudar a situação de pobreza das populações das áreas secas do planeta, especialmente do Nordeste brasileiro” deputado Zequinha Sarney, do Partido Verde.


Sumário

Editora Assaré Ltda ME Rua Waldery Uchôa, 567 A Benfica, Fortaleza, Ceará CEP: 60020‑110 e‑mail: assare@editoraassare.com.br (85) 3254.4469

30 Entrevista

Revista Nordeste VinteUm (85) 3223.6652 www.nordestevinteum.com.br Diretor‑presidente Francisco Bezerra presidente@editoraassare.com.br Diretor Administrativo Financeiro Orlando Júnior financeiro@editoraassare.com.br Diretor de Arte Claudemir Luis Gazzoni arte@editoraassare.com.br Diretor de Marketing e Negócios Rodrigo Nunes comercial@editoraassare.com.br Editor‑chefe Lucílio Lessa luciliolessa@nordestevinteum.com.br Editor de Cultura e Arte Barros Alves barrosalves@nordestevinteum.com.br Editor de Arte Vladimir Pezzole arte@editoraassare.com.br Jornalistas André Teixeira, Georgea Veras e Samira de Castro Estagiária de Jornalismo Maura Nascimento redacao@nordestevinteum.com.br Diagramador Luiz Gonzaga Xavier arte@editoraassare.com.br

cAPA ILUSTRAÇÃO vLADIMIR PEZZOLE Edição Nº 29 Ano III — Dezembro — 2011 Revista Nordeste VinteUm Política, Economia, Cultura e Educação www.nordestevinteum.com.br

Marcio Pochmann e o Brasil em tempos de crise mundial

Coordenador de comunicação Antonio Cardoso imprensa@nordestevinteum.com.br Revisor Barros Alves Repórter fotográfico Paulo Rocha Colaboradores Arievaldo Viana, Benedito Vasconcelos Mendes, Flamínio Araripe, Luiz Carlos Antero, Juarez Leitão, Messias Pontes, Rodrigues Júnior e Sávio Araújo Impressão Marcograf Tiragem 25.000 exemplares

Personagem do Ano O economista Antônio Rocha Magalhães é o Personagem Nordeste VinteUm 2011

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Nordeste VinteUm é uma publicação mensal da Editora Assaré Ltda ME. Não nos responsabilizamos por artigos assinados ou por qualquer conteúdo publicitário e comercial, sendo estes últimos de inteira responsabilidade dos anunciantes. Todos os direitos reservados.

Economia Nordeste VinteUm faz balanço econômico do País

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44 Guerra no

Capa

Sertão

Série debate a necessidade de planejamento para o desenvolvimento regional

Gerente de atendimento Bárbara Freitas comercial@editoraassare.com.br

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Reveja as batalhas que ilustraram a seção durante o ano

Carta do editor

C

aro leitor, chegamos ao fim de mais um ano com a sensação de dever cumprido por levar até você temas de relevância para o crescimento nordestino. Em homenagem a figuras que contribuem nesse processo, elegemos como o Personagem do Ano de 2011 de Nordeste VinteUm o presidente do Comitê Científico da Convenção das Nações Unidas para Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos de Secas, Antônio Rocha M ­ agalhães — cearense de Canindé, que com dignidade e competência leva para o mundo a discussão do semiárido brasileiro. Também não por acaso, escolhemos o mês de dezembro para iniciar a série “Nordeste a caça do desenvolvimento”, um verdadeiro tratado escrito pelo jornalista Luiz Carlos Antero. Este nos presenteia com uma análise profunda sobre um Brasil que cresce na contramão do declínio da economia mundial, mas que precisa rever a posição nordestina, viabilizando recursos mais significativos para essa região. O desenvolvimento do Nordeste também é o mote da entrevista com o presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) Marcio Pochmann. Já “A Privataria Tucana”, livro do jornalista Amaury Ribeiro Jr, mereceu destaque especial na seção “Saberes & Sabores”. Na obra, o jornalista conta em capítulos e através de provas irrefutáveis, como o tucanato privatizou estatais no País. Confira também resumo das matérias publicadas nas diversas seções desta revista este ano. E por falar em retrospectiva, o jornalista e escritor Laurez Cerqueira comparece com artigo sobre o primeiro ano de mandato da presidenta Dilma Rousseff, que, como ele próprio diz, chega ao fim de 2011 “testada e aprovada”. Por fim, nós, da equipe da Editora Assaré e Instituto Nordeste XXI, desejamos a você boas festas e um 2012 cheio de grandes realizações! luciliolessa@nordestevinteum.com.br

Colunas 17. Perfil – Geraldo Amâncio Pereira 18. Caleidoscópio 37. No Alpendre – Juarez Leitão 42. Saberes & Sabores 52. 3º Milênio 59. Sala de Reboco – Arievaldo Viana 66. Ateliê – Sávio Araújo

Mídias sociais www.nordestevinteum.com.br @nordestevinteum Nordeste VinteUm nordestevinteum.wordpress.com

28 Artigo A firmeza de Dilma, por Laurez Cerqueira

54 Poder Local Experiências de

sustentabilidade apresentadas em 2011

Errata: Por equívoco da gráfica, onde na capa da edição anterior consta nº 27 leia-­­­se nº 28

60 Educar 21 Temas que ilustraram nossas páginas nos últimos 11 meses

Parte da equipe da Editora Assaré e Instituto Nordeste XXI


foto: FLAMÍNIO ARARIPE

Personagem do Ano A crença nos grandes homens é natural e a natureza parece existir devido aos grandes homens, escreveu Ralph Waldo Emerson, famoso poeta e filósofo estadunidense, autor de uma série de biografias sobre “Homens Representativos”. O Brasil não existiria sem o concurso de grandes homens e mulheres que dedicaram suas vidas em favor de ideais voltados para a busca da formação e consolidação de uma nação forte e de uma pátria livre. Nesta edição o leitor vai conhecer uma dessas personalidades — Personagem do Ano de Nordeste VinteUm —, cuja vida tem sido dedicada ao estudo e à pesquisa das coisas e do povo do semiárido nordestino, com o objetivo de proporcionar dignidade e cidadania aos milhões de sertanejos das terras do semiárido seco e inclemente. Ele é o economista, professor doutor Antônio Rocha Magalhães, atual presidente do Comitê Científico da Convenção das Nações Unidas para Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos de Secas. Por Barros Alves e FRANCISCO BEZERRA barrosalves@nordestevinteum.com.br

Antônio Rocha Magalhães

Eu sou sobretudo um homem sertanejo, nascido e criado na zona rural do Canindé. Ali vivi por muitos anos e sou uma pessoa muito ligada à terra seca, aos dramas da população e às questões que afetam a população. Para mim a pobreza não é uma estatística, um estudo. É uma coisa muito concreta, que tem nome de pessoas, tem emoção, tem respeito, tem trabalho

Embaixador das terras áridas do Brasil junto à Comunidade Internacional 8

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Magalhães reafirma com ênfase sua condição de homem oriundo das terras abrasadas pelo sol causticante do Ceará: “Eu sou sobretudo um homem sertanejo, nascido e criado na zona rural do Canindé. Ali vivi por muitos anos e sou uma pessoa muito ligada à terra seca, aos dramas da população e às questões que a afetam. Para mim a pobreza não é uma estatística, um estudo. É uma coisa muito concreta, que tem nome de pessoas, tem emoção, tem respeito, tem trabalho”. Esta condição de sertanejo o fez, por outro lado, tornar-­­­se um estudioso ligado à questão da terra, dos recursos naturais, da seca, da paisagem semiárida. Enfim, um homem profundamente ligado às coisas do nosso sertão. Para Rocha Magalhães, o Nordeste representa uma infinidade de marcas, matérias e símbolos. Ao Nordeste ele dedica sua vida, assentada em uma carreira profissional que atravessa as instâncias estadual, nacional e internacional, sempre tratando de temas que têm a ver com a região. Uma carreira coroada de êxito, tanto na área da pesquisa acadêmica quanto na gestão de órgãos públicos. Presentemente, ao assumir a presidência do Comitê CienDa esquerda para a direita, os filhos Eduardo e Marília, a esposa Fátima, o filho Marcos e Rocha Magalhães

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fotos: arquivo PESSOAL

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ascido nos sertões adustos da Região de Canindé, no Ceará, o economista Antônio Rocha Magalhães é uma daquelas personagens cuja vida tem uma marca telúrica impressa em todas as iniciativas e atividades levadas a termo. O próprio define-­­­se como um sertanejo cuja ação pessoal e pública se faz norteada por sentimentos de amor à terra que o viu nascer e crescer, bem como ao povo pobre que lhe dá ânimo e inspiração e para o qual destina o que há de melhor da sua inteligência de pensador e homem público. Quer na condição de luminar da Academia, quer como qualificado agente do serviço público em vários níveis da administração pública, o professor Rocha Magalhães jamais descuida das responsabilidades cívicas e sociais para com uma imensa população de sertanejos que habitam as terras áridas do Nordeste brasileiro.

O Rocha Magalhães na década de 1960

Foto de 1983, Rocha Magalhães entre familiares em Canindé/CE

O Nordeste está no centro de tudo o que eu faço Rocha Magalhães

tífico da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos de Secas, como sempre faz, trabalha com os olhos voltados para a implementação de ações que minorem os problemas do Nordeste, problemas de degradação da terra, de combate à desertificação e, sobretudo, de busca de alternativas de desenvolvimento sustentável para melhorar a vida das pessoas, preservar os nossos recursos naturais e reduzir os riscos de desastres naturais, de mudanças climáticas. Magalhães afirma ­peremptoriamente: “O Nordeste está no centro de tudo o que eu faço”.

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A fuga para o mundo e o estudo como passaporte para o sucesso riginário de uma família pobre, Rocha é um dos 14 filhos de pai pequeno agricultor e mãe dona de casa, semianalfabeta. Nasceu em 1944, em uma época em que normalmente as famílias eram grandes e não havia a preocupação de proporcionar uma educação completa para os filhos. Nem preocupação nem condição econômica. Aprendia-­­­se a ler, escrever e contar. No máximo cursava-­­­se o primário. Magalhães lembra das deficiências educacionais de sua terra e de sua disposição de romper com aquele ambiente estagnado, o que fez ainda muito jovem, Foto da turma do curso de aprendizagem bancária no BNB. 1961 na pré-­­­adolescência: “Lá em Canindé, sequer tinha o curso ginasial naquela época, o equivalente aos quauma profissão. Durante uma sematro últimos anos do atual primeiro na foi todos os dias à Escola Indusgrau. Mas eu sempre quis estudar. trial à procura desse professor, mas Por alguma razão eu me interessaele nunca estava lá. No sétimo dia o va pelas leituras, pelos livros e um porteiro da escola perguntou o que dia, quando tinha 13 anos de idaMagalhães queria com o professor de, resolvi ir para Fortaleza. Como absenteísta. Ele disse que gostaria não tinha permissão do meu irmão de entregar-­­­l he uma correspondênmais velho eu meio que fugi. Subi cia, porque queria estudar ali. O porem uma carroceria de caminhão e teiro, então, deu-­­­lhe a notícia que me mudei para a capital”. iria mudar sua vida sem precisar de Os avós moravam em Fortalecarta de apresentação. Informou-­ za e ele chegou à capital cearense lhe que iria haver um concurso. E o sobraçando uma carta em que uma estimulou a participar da seleção. pessoa de Canindé o apresenta“Eu me inscrevi e passei, estudei va a um irmão que era professor um ano na Escola Industrial e nunda Escola Industrial Fortaleza — ca encontrei este professor”, relata atualmente Instituto Federal de Rocha Magalhães. Educação Tecnológica do Ceará Lembra ele que a Escola Indus(IFCE). Cavalgava o sonho de esRocha Magalhães trial foi a primeira em que estudou tudar naquela escola e conseguir em Fortaleza e dela guarda boas recordações até os dias atuais. Rocha Escola Industrial conta que lá aprendeu várias profisFortaleza, anos 1960 — atualmente sões e se especializou em serralheria. Instituto Federal de “Eu queria ser um mecânico de bom Educação Tecnológica nível. Mas vi um anúncio do Banco do do Ceará (IFCE) Nordeste convocando meninos de 14 anos – era a minha idade – para o curso de Aprendizagem Bancária. Fui lá, me inscrevi, passei, e com isso fiz três anos do curso no BNB”. Foi o começo de sua trajetória como um dos mais importantes pesquisadores do sertão semiárido e do Nordeste brasileiro em todos os tempos.

Lá em Canindé, sequer tinha o curso ginasial naquela época, o equivalente aos quatro últimos anos do atual primeiro grau. Mas eu sempre quis estudar

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BNB, a grande escola e a passagem pelo Ipea

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ara Rocha Magalhães, o Banco do Nordeste foi a grande escola de sua vida, posto que lhe proporcionou excelentes mestres e onde pôde observar grandes exemplos. No Banco, além do trabalho que lhe proporcionava um bom salário, havia um meio instigador para o estudo e para a pesquisa, de modo que, seguindo a vocação que lhe destinou para a busca permanente de conhecimento, ele aprofundou as leituras e, com outros colegas, fundou uma revista literária. Nesse tempo, 1962, por circunstâncias impostas em face de necessidade profissional, foi residir no interior, em Tauá. Se a temporada no interior para muitos significa um atraso de vida, para Rocha Magalhães serviu como profícuo aprendizado das coisas e do povo do sertão dos Inhamuns, uma das regiões mais secas do Estado do Ceará. Após providencial período interiorano, retornou a Fortaleza. Na capital cearense, Rocha Magalhães entendeu ser o momento de cursar uma faculdade. Fez o vestibular para Economia e ingressou no Curso da Universidade Federal do Ceará. Formou-­­­se mas continuou trabalhando no BNB até o ano de 1971, quando surgiu a oportunidade de ir para Brasília. Começou, então, uma rica experiência no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), na área de planejamento de desenvolvimento regional, no qual alargou seus estudos pensando o Brasil como um todo, mas sempre preocupado com a questão do Nordeste. Estimulado por esse trabalho, fez doutorado na USP (Universidade de São Paulo). Em 1983 começou a dimensão internacional do trabalho que Rocha Magalhães até hoje desenvolve em vários foruns do mundo, sempre com o olhar centrado nas demandas do Nordeste brasileiro e, por extensão, das regiões semiáridas do planeta. E como tudo isso começou? Ele recebeu um convite para participar de conferência na cidade de Villach, Áustria. Era uma conferência para debater o efeito do gás carbônico na mudança do clima. Mas o tema não lhe apeteceu porAo lado da irmã Iolanda, na formatura do curso de Ciências Econômicas na UFC

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Premiada carreira internacional A

Inauguração do Edifício Ministro Horácio Lafer, agência do BNB em Fortaleza. 18.03.1970

que, na verdade, ele nunca havia ouvido falar dele. M ­ agalhães relembra sua recusa: “Escrevi para os organizadores do evento dizendo-­­­lhes que lamentava, mas estava declinando do convite porque não entendia do assunto”. Porém, eles responderam observando que precisavam da presença de Rocha Magalhães lá, porque queriam alguém que entendesse de seca em uma região semiárida. Segundo argumentaram, o problema do clima é que pode afetar o padrão de secas etc. Foi, portanto, em 1983 que ele começou a trabalhar com impacto de mudanças climáticas e teve de fazer isso como uma atividade paralela, pois em nenhuma das instituições onde trabalhou (Ipea, Ministério do Planejamento) levava-­­­se muito a sério essa questão. Não tinha espaço dentro desses círculos profissionais para discutir essas questões, embora ele já estivesse convencido de que era um tema muito importante. Em 1987 Magalhães retornou ao Ceará, convidado que foi para exercer o cargo de secretário de Planejamento no primeiro governo Tasso Jereissati. Em território cearense conseguiu novamente, com um trabalho paralelo, mas já com uma posição mais firme, realizar intercâmbios internacionais, pois a seca é uma questão que interessa ao Estado. Com efeito, 1987 foi um ano de seca e ele foi o coordenador de planejamento para solucionar problemas daquela seca. Até um livro foi elaborado sobre o assunto, com abordagens sobre o Nordeste inteiro. A experiência foi levada para vários foros internacionais. No exterior, publicou alguns livros com debates sobre a problemática da seca no Nordeste.

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rrimado nos trabalhos sobre a seca no semiárido nordestino e suas consequências socioeconômicas, Rocha Magalhães ficou mais conhecido no exterior do que no Brasil. E a aceitação de suas pesquisas foi de tal monta que em 1991 recebeu o Mitchell Prize, um prêmio concedido nos Estados Unidos da América a cientistas e pesquisadores, cujos trabalhos publicados são um contributo para o desenvolvimento sustentável. O trabalho específico que fez para o prêmio serviu tanto para realização da primeira ICID (Conferência Internacional Sobre Impactos de Variações Climáticas e Desenvolvimento Sustentável em Regiões Semiáridas), em 1992, como também foi a base para o Projeto Áridas, operacionalizado no Nordeste. Rocha Magalhães recebendo o Mitchell Prize em 1991 nos EUA O Projeto Áridas decorreu da ­Declaração de Fortaleza, documento saído da ICID-­­­92, o qual oportunidade ele comandou uma missão de goverrecomendou que deveríamos buscar o desenvolvinadores do Nordeste ao México, país onde havia mento sustentável nas regiões semiáridas secas. um projeto denominado “Solidariedade”, uma Ou seja, a solução para o problema não está só em importante experiência em gestão descentralizamitigar o impacto das secas, é preciso implemenda de desenvolvimento sustentável de projetos tar um processo de desenvolvimento para melhooriundos das próprias comunidades. rar as condições de vida das populações. DesenEm 1995, o Ministério do Planejamento assuvolver de forma sustentável, preservando o meio miu o Projeto Áridas, que influenciou na definição ambiente e melhorando as condições sociais. de políticas públicas de recursos hídricos do Brasil Dentro dessa visão proativa em favor da solue que foi pensado por Magalhães com o objetição para os problemas das regiões secas, Rocha co de minorar o sofrimento das populações das Magalhães desenvolveu uma metodologia pioregiões secas. Seis Estados brasileiros pelo menos neira para um planejamento de desenvolvimento elaboraram planos de desenvolvimento sustensustentável desse cenário. E isso foi possível com tável com base no Áridas. E o projeto foi levado maior intensidade quando interinamente assumiu para outras regiões do País com as necessárias o Ministério do Planejamento, no governo Itamar adaptações. Em áreas da Amazônia, por exemplo, Franco, cujo titular era o ministro Beni Veras e ele, recebeu a designação de Projeto Úmidas. Magalhães, secretário-­­­geral da Pasta. Naquela

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Experiência no exterior D

epois de todo esse trabalho de imensa importância não apenas para o Brasil, mas para o mundo, Rocha Magalhães foi convidado para ensinar como professor visitante na Universidade do Texas. Assumiu a cadeira como Distinguished Visiting Professor of World Peace (Distinguido Professor Visitante da Paz Mundial), que anteriormente foi ocupada por grandes nomes da pesquisa em Economia, entre os quais o Prêmio Nobel Gunnar Myrdal. O tema do trabalho que escolheu para fazer jus à cadeira versou exatamente sobre aquilo que vinha trabalhando há tempo: a sustentabilidade e a paz mundial. No Texas coordenou uma conferência internacional e escreveu um livro sobre o tema, publicado em inglês – Sustenaible Development and World Peace (Desenvolvimento Sustentável e Paz Mundial). A obra foi publicada pela Editora da Universidade do Texas e ainda hoje continua sem tradução vernácula. Vários livros de Rocha Magalhães, publicados em língua inglesa, não têm tradução disponível em idioma vernáculo, entre os quais destaca-­­se The Road to ­Sustainable Development (O Caminho para o Desenvolvimento Sustentável), publicado pela Escola de Políticas Públicas Lindon Johnson, da Universidade do Texas. Tinha planos de se demorar naquela Universidade, quando foi surpreendido pela direção do Banco Mundial com o convite para assumir a segunda posição daquele estabelecimento internacional de finanças no Brasil. Ficou doze anos no Banco Mundial, entre 1996 e 2008. Foi uma experiência das mais ricas, conforme ele salienta, em que esteve basicamente tratando de questões ligadas ao Nordeste.

Rocha Magalhães e palestrantes da I Conferência sobre Desenvolvimento Sustentável e pela Paz Mundial, em 1996 na Universidade do Texas

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A ICID+18, organizada por Rocha Magalhães em Fortaleza no Ceará em 2010, contou com o secretário executivo da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD), Luc Gnacadja, autoridades e cerca de três mil pessoas oriundas de 80 países.

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e todos os trabalhos que realizou ao longo de sua trajetória, um se sobressai atualmente como de suma importância para o planeta: a ICID. A primeira ICID, realizada em Fortaleza, ocorreu antes da Conferência Internacional sobre Clima, a Rio-­­­92 ou Eco-­­­92, como querem alguns. Sob a influência da primeira ICID é que a Rio-92 recomendou negociações para a criação de uma Convenção de Combate à Desertificação, o que se constituiu o mais importante legado da primeira ICID. Essa Convenção foi firmada em 1994 e hoje conta com 194 países de todo o mundo. Em 2010, graças ao empenho e determinação de Rocha Magalhães, realizou-­­­se no Brasil, no Ceará, a segunda ICID. Ambas as ICIDs contaram com o apoio decisivo do governo do Ceará, que ofereceu as condições básicas para a realização do evento. A ICID 2010 teve a participação de cerca de três mil pessoas oriundas de 80 países, destaca Magalhães. Foi formada uma aliança de instituições nacionais e internacionais, produziu-­­­se a segunda Declaração de Fortaleza, que chama a atenção da comunidade internacional, dos governantes do mundo

ICIDs:

desenvolvimento com sutentabilidade inteiro para as questões específicas das regiões secas. “No Brasil o semiárido do Nordeste é a região mais seca, mais pobre, que concentra os maiores problemas ambientais e ao mesmo tempo é a mais esquecida”, lembra o professor. Rocha Magalhães fala da ICID+18 (2010) com entusiasmo. Ele observa que esta conferência conseguiu remobilizar as pessoas que têm preocupação com as regiões secas no mundo inteiro. Recentemente, sob a coordenação dele foi realizada na Argentina a ICID+19,uma conferência com o olhar voltado para a Rio+20. Magalhães diz que todos devem se preocupar com o futuro do planeta, especialmente com o processo de desertificação de determinadas áre-

Se queremos combater a pobreza no mundo, temos que focar as terras secas em primeiro lugar; se queremos combate a pobreza no Brasil, temos que promover o desenvolvimento sustentável do nosso semiárido Rocha Magalhães www.nordestevinteum.com.br

as. Elas representam 40% das terras do planeta, 30% da população e 60% da pobreza. “Se queremos combater a pobreza no mundo, temos que focar as terras secas em primeiro lugar; se queremos combater a pobreza no Brasil, temos que promover o desenvolvimento sustentável do nosso semiárido”, assegura Magalhães, acrescentando que do ponto de vista social, são as regiões secas as mais vulneráveis nesse processo de mudanças climáticas. Diz ele: “Os impactos dessas mudanças nas regiões secas podem ser tremendos, devastadores. A ICID teve este papel de fazer um chamamento de que é preciso que o mundo acorde para a problemática das regiões secas”. Dezembro/2011

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Perfil

O sentido da vida é a luta em favor dos pobres O menino pobre de Canindé se tornou uma das personalidades mais importantes no contexto internacional dos estudos acadêmicos sobre clima, sustentabilidade e desenvolvimento. Teve inspiração para sua caminhada de sucesso em vários mestres brasileiros e estrangeiros. Mas, como ele próprio afirma, esse compromisso que tem com o Nordeste está no sangue e foi sedimentado desde a infância pela observação do cotidiano de sofrimento do povo. “Quando criança eu olhava a realidade ao meu redor lá no sertão e já achava que era preciso mudar, fazer alguma coisa. Se a vida tiver algum sentido é o de que devemos lutar em favor das populações pobres não apenas do Nordeste do Brasil, mas de todo o mundo”. Certamente por esse empenho e denodo na persistência por uma causa, é que Antônio Rocha Magalhães recebe dos que militam nessa área em que ele pontifica, o título de Embaixador das Terras Secas e Áridas do Brasil junto à Comunidade Internacional.

Antônio Rocha Magalhães, durante discurso na ICID 2010, em Fortaleza

Quando criança eu olhava a realidade ao meu redor lá no sertão e já achava que era preciso mudar, fazer alguma coisa. Se a vida tiver algum sentido é o de que devemos lutar em favor das populações pobres não apenas do Nordeste do Brasil, mas de todo o mundo Rocha Magalhães

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Geraldo Amâncio Pereira

Telurismo e crítica social no verso de um poeta do povo

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eraldo Amâncio Pereira é o nome de um dos gênios da raça nordestina. Cantador, violeiro, repentista, improvisador, cordelista, rapsodo do povo. O verso do grande bardo se alteia diante das imensas plateias que o assistem embevecidas, tal o talento e o carisma de quem veio do sertão mais seco e mais sofrido para cantar com inspiração divina as angústias e sonhares da gente sertaneja. O poeta veio ao mundo no dia 29 de abril de 1946, em um lugar denominado Malhada da Areia, situado nos confins áridos do município de Cedro, no Ceará. Lá passou os tempos áureos da infância, adolescência e juventude junto aos pais e aos avós maternos e paternos. Ali não havia escolas. Estudar era coisa de gente rica que mandava os filhos para os centros urbanos desenvolvidos. E o poeta, antes de aprender o ofício de cantar, experimentou o cabo da enxada. Tendo recebido dom de Deus, aprendeu muito bem a lição da roça e da terra crestada pelo sol escaldante que desce o ano todo sobre nossos pagos tropicais. E, sobretudo, introjetou na mente toda uma mundivivência dos sertões castigados pela inclemência das estiagens, hoje explicitada no telurismo do seu verso, a um tempo carregado de lirismo e de crítica social. O poeta, autodidata, depois fez estudos sistematizados e chegou a passar no

exame vestibular para cursar História na Universidade Estadual do Ceará. Desistiu. O espírito irrequieto dele não o deixou engessar-­­­se no leito de Procusto da metodologia que de certa forma disciplina ao extremo e acorrenta as liberdades do pensar. Sobre o ato criativo, Geraldo Amâncio não titubeia: “A minha grande inspiração é o povo. É com ele que me preocupo e é para ele que canto. Os temas universais e eternos estão presentes em minha poesia: o social, a natureza, o amor. O sertão e o meu torrão natal dão substância maior ao meu verso”. Neste mister de criar pérolas da poética popular, o vate cantador observa que cabe ao artista levar ao povo o amor, a arte, a poesia. Por isso entende que a formação educacional e a conscientização cultural voltada para os valores autóctones de um povo, são importantes, imprescindíveis mesmo. O poeta apresenta, semanalmente, na TV Diário, de Fortaleza, o Programa “De Repente Cantoria”. Geraldo Amâncio foi protagonista de grandes embates poéticos em festivais para os quais foi convidado a participar em vários países do mundo, tanto nas Américas (Paraguai, Uruguai, México, Cuba, Estados Unidos) quanto na Europa: Espanha (X Mostra Internacional de Improvisadores de Maiorca); Portugal (ministrou curso sobre poesia popular na Universidade de Coimbra, para alunos de Portugal, Espanha, Irlanda do Norte, Inglaterra e Alemanha). O poeta já se apresentou para reis, rainhas, presidentes da República e altas autoridades da Política, da Religião e das Artes. Entre aqueles que tiveram a honra de ouvi-­­­lo inscreve-­­­se Oscar Niemeyer, poeta do traço arquitetônico, um dos mais respeitados em todo o mundo. Ao cantar para o homem que deu alma à Capital do Brasil, o poeta improvisou: Niemeyer não é Deus, Mas seu trabalho é fecundo, Eu admiro o primeiro, E tenho fé no segundo: Um construtor de Brasília, Outro construtor do mundo.

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Enem 2011

Uma mulher na Presidência Primeira mulher a governar o País, Dilma Rousseff recebeu a faixa do seu maior apoiador, o então presidente Lula, no dia 1º de janeiro de 2011. Estendendo a confiança no seu antecessor, o eleitorado brasileiro deu a vitória a Dilma depois de acirrada disputa contra o tucano José Serra. Em um momento histórico, a nova presidenta recebeu o cargo com vários desafios pela frente, entre eles o de manter a popularidade do governo, além de fazer se impor como autoridade máxima no País e enfrentar as constantes crises que estavam por vir. De lá para cá vem conseguindo bons índices de aceitação, criando um governo com expressão própria e se destacando por decisões enérgicas, como a troca de seis ministros suspeitos de irregularidades. Apesar dos percalços, conseguiu manter a governabilidade.

Em declaração dada em meados de novembro, o ministro Guido Mantega disse que apesar da baixa perspectiva de crescimento mundial em função da crise internacional, o Brasil não terá uma “década perdida”. A confiança com que o País passa pela crise que afeta, sobretudo, os países avançados, impulsiona o governo brasileiro a tomar medidas para o fortalecimento da economia brasileira e para manter uma situação fiscal sólida. Segundo o ministro, “para que o País possa ter êxito nessa ‘empreitada’ é necessário um trabalho incessante do governo, do Congresso, aprovando leis e medidas, e da sociedade” .

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Em 28 de outubro, um mês após ser o primeiro latino-­­­americano a receber título “honoris causa” pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris, o ex-­­­presidente Lula foi diagnosticado com câncer na laringe. Desde que os brasileiros tomaram conhecimento do problema, teve início uma série de manifestações de apoio ao ex-­­­presidente. Ele mesmo fez questão de deixar a população informada, inclusive através de vídeo postado na internet, e agradeceu a todos pelo carinho e preocupação, dizendo estar confiante com o tratamento que começou no dia 31 de outubro, apenas 3 dias depois do laudo final com a confirmação da doença. Recentemente foi confirmada a notícia de que o tumor havia diminuído 75%, descartando a necessidade de cirurgia.

O governo federal anunciou em agosto o plano “Brasil Maior”, que tem como finalidade chegar a compensações efetivas contra a valorização do real frente ao dólar, que altera o cenário competitivo das indústrias brasileiras em relação às do exterior. Entre outras medidas, compreende a devolução de impostos e financiamento a exportadores, desoneração de folha de pagamento para setores intensivos em mão de obra e política tributária especial para montadoras.

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Casamento Homoafetivo 2011 foi um ano marcado por discussões em torno da união homoafetiva. A sociedade civil e autoridades competentes uniram esforços a fim de legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. No dia 25 de outubro, por quatro votos a um, o Supremo Tribunal de Justiça reconheceu a união entre duas gaúchas que já vivem juntas há cinco anos e que, agora, mudaram o estado civil. A decisão abriu espaço para movimentos em todo o País, porém ainda não há uma lei específica que regulamente esse processo.

Novidades no Pré-­­­sal

“Brasil Maior”

Brasil segue crescendo mesmo com a crise

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O País se comove com doença do ex-­­­presidente

Mais uma vez o Exame Nacional do Ensino Médio teve um escândalo como pano de fundo. Desta vez foi constatado vazamento de 14 questões da prova por um colégio cearense. A hipótese que o MPF (Ministério Público Federal) acredita é que funcionários do próprio Inep (Insituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), órgão ligado ao MEC e responsável pela aplicação da prova, teriam colocado no Enem 2011 as questões que estavam nos pré-­­­testes aplicados a esses 639 alunos. A Polícia Federal segue com as investigações e ao contrário do que pensa a procuradoria da República, o MEC informou que não vê nenhuma ação deliberada no sentido de colocar as questões de forma proposital.

Mais 50 anos de Zona Franca de Manaus Em 19 de outubro, o Senado Federal aprovou o substitutivo do senador Vital do Rêgo (PMDB-­­­PB) sobre o projeto de divisão dos royalties do Pré-­­­sal. Além do texto-­­­base apresentado pelo relator, também foram aprovadas duas emendas que suprimiam artigos colocados por ele. O projeto seguiu para a Câmara dos Deputados, onde a expectativa de votação rápida não deverá ser atendida. A Petrobras anunciou em junho a maior descoberta do Pré-­­­sal da bacia de Campos -­RJ. Estudos feitos pela própria estatal e empresas que fazem parte do consórcio revelaram dois níveis de petróleo de boa qualidade no poço exploratório da Gávea. Com profundidade 6.851metros, o poço fica distante 190 quilômetros do litoral do Rio de Janeiro e está sob a responsabilidade de um consórcio que tem participação de 35% da Repsol Sinopec, mais 35% da Statoil e os restantes 30% da Petrobras. O governo brasileiro foi informado da existência da reserva em março desse ano, porém em abril foi descoberto outro nível também com indícios de hidrocarbonetos. www.nordestevinteum.com.br

No mês de março, durante evento em Manaus, a presidenta Dilma Rousseff afirmou prorrogar por mais 50 anos a Zona Franca da cidade. Criada pelo governo federal em 1957, a Zona Franca de Manaus oferece benefícios como a isenção do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e outros incentivos fiscais. O polo abriga cerca de 600 indústrias especialmente concentradas nos setores de televisão, informática e motocicletas. Nos últimos anos, o polo recebeu um novo impulso com os incentivos fiscais para a implantação da tecnologia de TV digital no Brasil.

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Capa

Nordeste na caça ao desenvolvimento O Nordeste passa por um momento de transformações que certamente repercutirá em longo prazo no processo histórico de sua inserção nacional. Mas a questão central que orienta seu futuro requer necessariamente um planejamento estratégico do desenvolvimento — essencial quanto ao grau de articulação na intervenção coordenada do Estado — em uma situação estrutural na qual o Brasil destinou apenas 2,6% do seu Orçamento, em 2011, para investimentos: de um total de quase R$ 2 trilhões, apenas R$ 51 bilhões. No entanto, o País surge diante do mundo como uma nação destacada e entre os quatro países com maiores reservas, atrás apenas da China, do Japão e da Rússia; e pode alimentar a pretensão de mudar-­­­­se para o pleno desenvolvimento, levando junto o Nordeste. Por Luiz Carlos Antero redacao@nordestevinteum.com.br

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este ambiente, o Orçamento Geral da União (OGU) e a mediação do Parlamento enquanto caixa de ressonância dos interesses da sociedade têm sido insuficientes em sua contribuição à perspectiva da concepção do planejamento voltada ao combate às desigualdades regionais. Os investimentos realizados no Nordeste carecem de elementos de articulação voltados para este planejamento de longo curso.

Este planejamento, no período histórico de 1995-­ 2010 e décadas precedentes, sofreu a descontinuidade e instabilidade das flutuações das políticas macroeconômicas, que subordinaram a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) às características do sistema político — de influência decisiva quanto ao grau de articulação entre a origem dos investimentos e sua gestão. A recente contribuição do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) a uma PNDR requer um exame do seu rumo à luz de um novo planejamento — enquanto iniciativa de coordenação governamental. Esta, apresenta seus desafios nas condições da subordinada inserção brasileira na globalização, de crise do modelo neoliberal no mundo e de persistência interna dos postulados fiscais — de forte contingenciamento orçamentário, remuneração do superávit primário e do endividamento ancorado nas elevadas taxas de juros, nessas condições travando os investimentos necessários ao pleno desenvolvimento. De modo exemplar, o Plano Plurianual (PPA), anualmente interage com a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), com a Lei Orçamentária Anual (LOA) e com as flutuações das emendas parlamentares — alheias à noção de planejamento coordenado desde seu perfil pontual e da instável relação entre as duas casas do Congresso Nacional e governo federal. Assim, verifica-­­­­se a fragilidade da articulação entre o planejamento e os investimentos públicos federais no Nordeste a partir do OGU. Entretanto, ante a dimensão dos recursos dispostos ao desenvolvimento, aponta-­­­se a

vulnerabilidade dos fatores de coordenação governamental quanto aos investimentos e, em geral, ao processo de inserção da economia brasileira na opção subordinada à opção neoliberal no período 1990-­­­2002. É assim que, não obstante a retomada — a partir das gestões 2003-­­­2010 — de um novo patamar de investimentos federais e reconhecimento formal da necessidade de uma PNDR, ainda permanece na busca de consistência e legitimidade contemporânea à formulação estratégica e de seus rumos. Assim, verifica-­­­se que, além da debilidade dos investimentos regionais a partir do OGU, no Nordeste não se reafirmou a missão da Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) — na atualidade e sob determinados aspectos delimitada à atuação do Banco do Nordeste (BNB). Este, além do seu volume próprio de investimentos, conta com o Etene (Escritório Técnico de Estudos Econômicos do Nordeste), voltado também para o enfoque estratégico do desenvolvimento regional, ainda que sem a pretensão de substituir a Sudene enquanto órgão de coordenação estratégica do desenvolvimento. Nas atuais circunstâncias, valoriza-­­­se a necessidade de repensar a superação das desigualdades regionais na perspectiva do seu efetivo enfrentamento, no caminho da retomada da coordenação governamental. Pois, mesmo dispondo da vontade política, tal superação encontra sérios entraves à sua realização — em especial nas condições da mencionada subordinação brasileira à globalização financeira mundial.

Não obstante a retomada — a partir das gestões 2003-­­­­2010 — de um novo patamar de investimentos federais, ainda carece de consistência e legitimidade a formulação estratégica do desenvolvimento e de seus rumos 20

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O Planejamento e o

Desenvolvimento Regional

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o “Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste – Desafios e Possibilidades para o Nordeste do Século XXI”, datado de abril de 2006, ressaltava-­­­se, na perspectiva da política nacional de desenvolvimento regional, que a superação das desigualdades regionais passou a ser considerada no atual governo uma questão central no âmbito dos problemas que o Brasil enfrenta. Assim, uma de suas prioridades passou a ser a remontagem da estrutura de Planejamento do Estado e dos instrumentos de intervenção “capazes de dar resposta rápida e eficiente aos desafios que se apresentam para a construção de uma nação solidária e coesa”. O PDNE considerou que, durante muitos anos, a questão das desigualdades regionais ficou ausente da agenda do governo federal, um fato que resultou no aprofundamento do hiato que separa as diferentes regiões brasileiras. E que, mesmo durante o período de existência da Sudene e da Sudam (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia), a ausência de uma estratégia de desenvolvimento regional, de integração nacional e de redução das desigualdades socioeconômicas no território resultou no agravamento deste hiato.

PDNE – Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste –Desafios e Possibilidades para o Nordeste do Século XXI Link para download:

www.mi.gov.br/desenvolvimentoregional/ publicacoes/pdne.asp

Diante disso, afirmou-­­­se a perspectiva de se retomar a estratégia de examinar o território brasileiro em sua totalidade, “observando as dinâmicas recentes e os fatores históricos que levaram à atual configuração, marcada por profundas desigualdades entre as macrorregiões do País”. E considerou que o primeiro

passo neste sentido foi a elaboração, em 2003, da PNDR, que tornou possível: (1) a observação do território brasileiro em seus diferentes aspectos econômicos e sociais; (2) a convicção de que o desafio das desigualdades abrange todas as regiões brasileiras; e (3) a confirmação de que os maiores desafios regionais se localizam no Norte e no Nordeste. As evidências teóricas, técnicas e políticas reunidas aqui, apontam hoje para a valorização e renovação das preocupações enunciadas, debatendo e sugerindo alguns enfoques indispensáveis à inauguração de uma nova e efetiva coordenação estatal, mais que sua retomada com fundamento nas antigas feições. E, em uma escala superior, no exame das condições que envolvem a necessidade do desenvolvimento regional, o reconhecimento de que — antes da consideração do volume e qualidade dos investimentos em si — os principais aspectos contemporâneos ultrapassam as expectativas sobre o mero crescimento econômico. Nesse caso, o desenvolvimento deve ser percebido de modo articulado aos seus objetivos sociais, ou ao nível do combate às assimetrias ou diferenças pela distribuição mais harmônica dos investimentos entre os estados da região.

O problema central dos países subdesenvolvidos é a escolha de uma estratégia de modificações das estruturas, e não a formulação de planos convencionais de desenvolvimento Celso Furtado, intelectual e maior economista brasilleiro

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Os desafios do Estado diante da globalização

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ssim, é fundamental conhecer a inserção histórica e contemporânea da questão regional. Este exame deve contemplar os limites e possibilidades da intervenção estatal em uma economia globalizada sob o padrão neoliberal, e, em particular, os condicionamentos dessa intervenção quando se pensa uma (difícil) configuração espacial mais equilibrada entre as regiões, no âmbito do sistema econômico, político, social e cultural do território nacional. Este quadro submete hoje tais possibilidades da intervenção governamental à ação dos protagonistas da era da globalização e às opções de política macroeconômica legadas por governos passados — no momento em que os capitais financeiros e empresas transnacionais atuaram para impor progressivamente seus objetivos e interesses onde não encontraram resistência pelo mundo nas fronteiras nacionais. No Brasil, no prazo das duas últimas décadas, essencialmente, após outros três decênios (1960 a 1980) nos quais o País experimentou políticas voltadas para o crescimento regional, operou-­­­­se, sobretudo nos anos 1990 a (des) regulação da autonomia do Estado nacional, em um processo de “ajustes” às ações de alcance internacional — em um enquadramento em tempo real quanto às trocas financeiras e em tempo acelerado para as transações de commodities (mercadorias em estado bruto ou produtos primários, básicos, com grande importância comercial) em geral, dos novos agentes e de um novo patamar da acumulação do capital em escala planetária. Gerou-­­­se, naquele período da década de 1990, um regime monetário-financeiro internacional avesso à

Não obstante os horizontes impostos pela globalização neoliberal, o Estado nacional se mantém como uma instância privilegiada para arbitrar conflitos e soluções ainda que nos limites atuais determinados pela vigência do capitalismo www.nordestevinteum.com.br

soberania, desfavorável ao desenvolvimento das nações (e em especial à prosperidade dos países periféricos), resultando no enfraquecimento do poder regulatório do Estado em uma crescente subordinação das suas ações às praticamente inexoráveis determinações da globalização econômica. No entanto, em acordo com uma corrente de estudiosos que compreende o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), admite-­­­se que a capacidade da intervenção estatal mantém sua capacidade de atuação. Neste caso — e não obstante os limites determinados pela globalização neoliberal — o estado-­­­nação se mantém como uma instância privilegiada para arbitrar conflitos e soluções nos marcos atuais do capitalismo, sob estratégias adequadas às características

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da condição histórica de cada País no contexto internacional. Um fato sustenta tal afirmação: no plano mundial, os países asiáticos promoveram, alguns deles desde os anos 1970, o crescimento econômico, enfrentando as conjunturas desfavoráveis do capitalismo e demonstrando que a soberania para a conquista do desenvolvimento pode ser construída em contraponto à onda liberal que neutralizou as iniciativas estatais na esfera econômica das nações. No leste da Ásia, destacando-­­­ se a experiência do maior credor dos Estados Unidos, a República Popular da China, o Estado atuou com protagonismo na formulação de estratégias que reposicionaram a situação continental na divisão internacional de trabalho. Assim, o fatalismo da globalização — do mesmo modo que as teses que apregoam o “fim da história” — não anula as possibilidades da iniciativa estatal, como sustentou o Consenso de Washington, em sua orientação ideológica da ordem global. Na construção desta ordem, os EUA, União Europeia e Japão — em 2011 mergulhados em uma nova e profunda crise — reorganizaram nos anos 1990 o modo operacional do capitalismo no interesse dos seus capitais globalizados, reestruturando seus aparelhos estatais para constituir novas esferas de influência no mundo, utilizando-­­­se dos blocos econômicos ou políticos regionais. A única saída para as economias dependentes ou periféricas, neste

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A histórica inserção das

desigualdades regionais

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Tais relações mostram a desigualdade entre regiões mais desenvolvidas e outras marcadas pelo atraso e, no interior das regiões, a existência de estados mais ou menos atrasados

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enquadramento, consiste assim na ruptura das malhas financeiras e produtivas das economias centrais, no combate às assimetrias e no fomento à capacidade de promover o desenvolvimento instrumentalizando seus próprios mercados. A realização dessas metas tornou­ se uma máxima na formulação de projetos nacionais de desenvolvimento — nos quais a coordenação estatal requer o planejamento estratégico mediante mecanismos da indução ao investimento produtivo para a superação das desigualdades regionais, de acordo com sua inserção no ambiente global. É marcante neste aspecto a presença brasileira e nordestina enquanto economia historicamente primário-­­­exportadora (com operações modernas nas commodities) no cenário mundial, focando-­­­se a arrumação interna da relação entre as regiões e dentro de cada região na reprodução subordinada das relações mantidas com os países hegemônicos no cenário econômico internacional. Tais relações mostram a desigualdade entre regiões mais desenvolvidas e outras marcadas pelo atraso e, no interior das regiões, a existência de estados mais ou menos atrasados, servindo esses indicadores como referência a um planejamento estratégico do desenvolvimento — que, administrando a política e reconhecendo as diferenças, estabeleça vocações e critérios contemplados na medida dos recursos disponíveis para investimentos.

a reflexão de Aristides Monteiro, do Ipea, coordenador do Projeto Brasil em Desenvolvimento, as análises mais completas e fundamentais para o entendimento da formação do mercado nacional e de sua inserção no mundo encontram-­­­se nas obras dos economistas Celso Furtado e Wilson Cano. Além destes, o também economista Leonardo ­Guimarães Neto introduz uma nova investigação do papel da Região Nordeste no conjunto das transformações estruturais da economia brasileira rumo ao seu processo de industrialização. A literatura sobre questão regional e desigualdades regionais no Brasil de um modo geral propõe duas perspectivas para sua evolução, formas e determinantes históricos. A primeira, que abraça os fenômenos espaciais até meados dos anos 1980, representada principalmente pelos trabalhos de Wilson Cano e Guimarães Neto, está intimamente associada à formação do mercado interno e à integração econômica das regiões. E, para o período posterior a meados dos anos 1980, há interpretações que se posicionam pela fragmentação do mercado interno ou pela reconcentração produtiva. Estas, tendem a associar a maior complexidade dos fenômenos mais recentes da questão regional brasileira à maior maturidade produtiva alcançada pela economia nacional. A dinâmica da integração produtiva é articulada aos mo-

Aristides Monteiro

Com suas economias vinculadas ao exterior, frágeis eram as relações econômicas entre as regiões brasileiras vimentos de mudança estrutural pelos quais passou a economia brasileira, conferindo uma trajetória particular de concentração e desconcentração espacial da atividade produtiva. Cano e Guimarães Neto propõem uma classificação do processo de formação dos desequilíbrios regionais com abrangência para três grandes períodos históricos. www.nordestevinteum.com.br

Celso Furtado

Wilson Cano

Leonardo Guimarães Neto Dezembro/2011

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Primeira fase

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esde o início da colonização econômica do território nacional até a década de 1930, a qual se caracteriza pela autonomia relativa dos complexos econômicos regionais — os chamados “arquipélagos regionais” —, a estrutura produtiva voltava-­­­se principalmente para o comércio internacional de bens primários. Com suas economias vinculadas ao exterior, frágeis eram as relações econômicas entre as regiões. Somente com a expansão da economia cafeeira, a partir de 1830, no Vale do Ribeira, as atividades de açúcar e de algodão do Nordeste brasileiro, exemplarmente, teriam parte de sua produção destinada em maior intensidade também ao mercado interno (Rio de Janeiro e São Paulo). Gradualmente, a partir de meados do século XIX, com a acelerada expansão cafeeira e o surto de industrialização que esta economia propiciara no estado de São Paulo, passa-­­­se a verificar evidenciar as desigualdades regionais, pois esta região mais dinâmica demanda crescente diversidade de produtos primários das demais regiões brasileiras como suprimento de sua crescente atividade industrial, determinando, desde então, suas trajetórias de crescimento. Acerca dos estímulos que a expansão cafeeira imprimiu sobre produtos da Região Nordeste, Cano (1998) afirmou que, com a expansão cafeeira do Sul (SP, RJ, MG e ES), o açúcar reencontraria mercados para sua estancada produção, embora a preços deprimidos; o algodão só voltaria a ser produto importante com o advento da indústria têxtil do Sul do País (RJ, principalmente, e

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A Região Sudeste liderava o crescimento econômico com os capitais gerados na economia cafeeira, reinvestidos na implantação da indústria de bens de consumo para atender às necessidades de um mercado interno

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Segunda fase SP), a partir da década de 1880. Exemplarmente, após a revolução industrial no século XVIII, o algodão se tornara a principal fibra têxtil do mundo e maior produto das Américas. No Brasil, o Maranhão se destacou com grande produção, alavancando o cultivo da fibra no Nordeste, porém, com a entrada dos EUA no mercado mundial, a produção brasileira entrou rapidamente em decadência. E somente voltou a crescer com a Guerra da Secessão nos EUA, em 1860, a qual paralisou suas exportações — quando também o Ceará ganhou espaço no mercado mundial. Assim, nesta primeira fase, durante o longo período que segue da ocupação colonial no século XVI até meados do século XIX, a inserção de cada região brasileira nos mercados internacionais determinou o seu perfil econômico. No decorrer do século XIX, a economia cafeeira apresentou uma significativa expansão em face do crescimento da demanda internacional pelo café, e gestou condições bastante favoráveis para a ampliação do mercado interno nos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, enquanto encontravam-­­­se deprimidas as demais regiões do País — carentes de produtos com potencial de demanda crescente no mercado mundial. Desde esta época a Região Sudeste (ou Centro-­­­Sul) liderava o crescimento econômico com os capitais gerados na economia cafeeira, reinvestidos na implantação da indústria de bens de consumo para atender às necessidades de um mercado interno em uma região onde crescia aceleradamente o trabalho assalariado e a urbanização.

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segunda fase, que compreende o período de 1930 ao início dos anos 1960, é a de integração comercial — de formação de um autêntico mercado interno nacional de bens e serviços —, determinada pela economia industrial em ascensão no estado de São Paulo. Um processo de definição da divisão inter-­­­regional do trabalho passou a operar no território nacional, alavancado por uma economia mais dinâmica. Nesta segunda fase das desigualdades, as exportações de commodity para o exterior cediam lugar à atividade industrial voltada para o mercado interno, em uma nova formulação do crescimento regional. A expansão industrial passou a redefinir o papel econômico das demais regiões do País. Seu maior poder competitivo e de escala de capitais operou

no sentido de tornar-­­­se, de um lado, importante mercado para a produção de matérias-­­­primas das demais regiões, as quais se encontravam em dificuldades — principalmente nos Estados do Nordeste — e, de outro lado, em fornecedor de determinados produtos industrializados para as demais regiões. Desde a década de 1930 a meados dos anos 1960 as relações entre as regiões caracterizaram-­­­se por um padrão de articulação comercial e uma dinâmica que decorre portanto do impulso industrial paulista, resultando no ajuste complementar de suas estruturas produtivas. Assim, as regiões menos dinâmicas convertem-­­­se em periferia nacional, reproduzindo as relações desiguais do capitalismo no mundo, entre potências centrais e países periféricos (e dependentes).

A expansão industrial passou a redefinir o papel econômico das demais regiões do País

Terceira fase

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sta fase corresponde ao período de integração produtiva, que se estende do início dos anos 1960 ao final dos anos 1980, quando as regiões intensificam suas relações econômicas no aspecto mercantil, mas também os próprios capitais produtivos se deslocam das regiões mais industrializadas para as demais regiões brasileiras, ocasionando um movimento — sob sua direção — para a integração do mercado nacional. Neste período — não obstante a submissão ao imperialismo, o reducionismo econômico e a política socialmente excludente, fenômenos marcantes na intervenção autoritária vigente no período 1964-­­­1985 — o padrão de coordenação estatal gerou um elevado crescimento econômico nas regiões desenvolvidas que “transbordou” para as periferias nacionais, atribuindo novas

O padrão de coordenação estatal gerou um elevado crescimento econômico nas regiões desenvolvidas que “transbordou” para as periferias nacionais

características às tensões federativas em um país desigual. No momento seguinte, que se estende até o início do atual século, o tratamento da questão regional sofre um grave retrocesso, sobressaindo-­­­se um aspecto menos abordado — mas não menos relevante — da intervenção neoliberal. Esta, ocasionará o aprofundamento das desigualdades regionais e sociais e uma concentração da renda inédita em nossa História, neutralizando as iniciativas de coordenação estatal favoráveis ao desenvolvimento das regiões — e do Nordeste em particular — até hoje não adotadas em sua plenitude. O ambiente criado se sustenta no desmonte do Estado e do patrimônio nacional, com o incremento de um fraudulento processo de privatizações e de internacionalização subordinada da economia brasileira.

Na próxima edição de Nordeste VinteUm, a série Nordeste na caça ao desenvolvimento continua com O padrão liberal na década de 1990. www.nordestevinteum.com.br

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Em Tese

*Laurez Cerqueira

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A firmeza de Dilma redacao@nordestevinteum.com.br

primeiro ano de mandato da presidenta Dilma foi marcado por forte turbulência na economia e na política. A inflação deu sinais de recrudescimento, sete ministros caíram (seis deles acusados, justa ou injustamente, de corrupção), a crise econômica internacional se agravou, e, apesar desse cenário adverso, a presidenta encerra o ano com sua liderança consolidada. Dilma Rousseff trocou o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles pelo técnico Alexandre Tombini, tomou medidas acertadas para conter a alta da inflação, fez o ajuste fiscal com o contingenciamento de R$ 50 bilhões, baixou os juros, manteve os investimentos na produção e na construção da infraestrutura, criou mais empregos, ampliou os recursos e a abrangência da rede social, aumentou o salário mínimo, fomentou o mercado interno de consumo com o estímulo ao crédito e a redução de impostos, liderou a aliança dos partidos que dão sustentação ao governo com nova coordenação política e conseguiu aprovar matérias controvertidas no Congresso Nacional Enfrentou as denúncias de corrupção no governo revelando um estilo muito próprio de lidar com esse constrangimento público, com discrição e muita habilidade política. Os denunciados foram orientados a prestarem os devidos esclarecimentos aos órgãos de fiscalização e controle, de forma republicana, à Câmara dos Deputados, ao Senado Federal, Ministério Público, Tribunal de Contas da União, à Controladoria Geral da União, às comissões de ética e depois afastados.

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Apesar da ferocidade e dos abusos de parte da imprensa, nos momentos mais tensos, Dilma não vacilou e não a atacou. Até um jogo de comparação entre Dilma e Lula tem sido feito na tentativa de criar a impressão de que Dilma é melhor que Lula e que ela é mais próxima do ideário tucano. Essa imagem tecida pela grande imprensa, de forma burlesca, acabou deixando a própria imprensa refém do jogo que ela mesma criou. Isso reforçou mais ainda as qualidades de gestora austera da presidenta, que foi mostrada na campanha eleitoral, rendendo-­­­lhe simpatia na classe média. A firmeza com que enfrentou as turbulências interna e externa passou segurança para a sociedade. Aliás, o Brasil vive o maior período de estabilidade política, institucional e econômica da história contemporânea. A combinação do desenvolvimento sustentável com a redução das desigualdades social e regional e a respeitabilidade que o País conquistou no cenário internacional — antes, não passava de coadjuvante — mostra que estamos no rumo certo. O projeto iniciado no governo Lula, que inverteu a lógica do “Estado mínimo” de governos anteriores e colocou o Estado como indutor e regulador do desenvolvimento sustentável, com foco na construção de uma ampla rede de proteção social e no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), entra em uma nova fase. Apesar da crise internacional, Dilma mantém os investimentos, a política do salário mínimo, que teve aumento real de 55% entre 2003 e 2010, fomenta o mercado interno com o crédito, amplia a rede de proteção social e sinaliza que agora é a vez da economia do conhecimento, ao anunciar um conjunto de medidas para

A firmeza com que enfrentou

as turbulências

interna e externa

passou segurança para a sociedade

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as áreas de educação, ciência e tecnologia e inovação. Afinal, somos um país de recursos naturais abundantes, de base produtiva vigorosa, diversificada, e empresariado empreendedor. O governo vem mobilizando as forças produtivas do país, mantidas dispersas por muitos anos, partindo do princípio de que uma economia forte é feita de indústrias fortes, com acesso ao crédito, a recursos humanos qualificados e à inovação tecnológica, com suporte em uma intensa produção científica. O Plano Brasil Maior, apresentado em agosto, compõe a política industrial articulada à de inovação tecnológica e de comércio exterior. Tem por objetivo elevar o padrão tecnológico de nossa produção industrial a fim de fomentar e diversificar a pauta de exportações para além das nossas commodities agrominerais. O Plano Brasil Maior desonera investimentos e exportações; aperfeiçoa o marco regulatório e aumenta o fomento à inovação; cria incentivos para os pequenos e micronegócios; fortalece a defesa comercial; institui regimes especiais para agregação de valor e de tecnologia nas cadeias produtivas; e regulamenta a lei de compras governamentais, mecanismo há muito tempo usado por países desenvolvidos para impulsionar seus parques produtivos. Para encurtar a distância entre o setor produtivo e as universidades e centros de ciência e tecnologia, o governo está formulando a criação da Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial). Idealizada nos moldes da Embrapa (­Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), criada em 1973 para o desenvolvimento da produção agrícola, hoje reconhecida como um dos maiores patrimônios tecnológicos do País. A Embrapii está sendo estruturada para dar suporte ao grande salto da indústria, assim como aconteceu com o setor agrícola. A Embrapii fecha-

rá contratos de gestão com os institutos de acordo com a carteira de projetos de inovação coletados junto às fábricas. Ao escolher a educação como prioridade do seu governo, Dilma demonstrou que essa política pública é tão importante para o desenvolvimento humano quanto como fator estruturante para o crescimento econômico. A estratégia para o desenvolvimento científico e de inovação tecnológica conta com a ampliação do complexo universitário brasileiro e do número de escolas técnicas em todo o País. Além das 14 universidades federais e de 126 campi universitários, criados pelo presidente Lula, até 2014 serão inauguradas mais quatro novas universidades federais, no Norte e no Nordeste, 47 novos campi e 208 escolas técnicas, em 200 municípios. Até 2014, pelo Programa Ciência sem Fronteiras, serão concedidas 75 mil bolsas pelo governo federal e outras 25 mil pelas empresas para estágios de jovens universitários nas melhores universidades do mundo. Trata-­­­ se do maior programa de capacitação no exterior até hoje realizado. O ensino técnico será estimulado pelo Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), que, com recursos da ordem de R$ 8 bilhões, proporcionará formação profissional de qualidade a 8 milhões de pessoas até 2014. Além do ensino técnico, o Plano Nacional de Educação prevê investimentos de 8% do PIB (Produto Interno Bruto) no sistema nacional da pré-­­­escola à pós-­­­graduação, com prioridade para a qualidade da educação. Quando Lula apresentou Dilma como candidata à sua sucessão, disse que o Brasil se surpreenderia com ela. Dito e feito. Dilma Rousseff chega ao final deste ano testada e aprovada.

Até 2014 serão

inauguradas mais quatro novas

universidades

federais, no Norte e

no Nordeste, 47 novos campi e 208 escolas técnicas, em 200 municípios

(*) Laurez Cerqueira é autor, entre outros trabalhos, de Florestan Fernandes – vida e obra (2004) e O Outro Lado do Real – as marcas de um governo neoliberal no Brasil (2001). www.nordestevinteum.com.br

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Entrevista Marcio Pochmann

“Somos prisioneiros do tipo de elite que temos no Brasil” Entrevista concedida aos jornalistas Francisco Bezerra e Luiz Carlos Antero redacao@nordestevinteum.com.br

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Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) está construindo acervo institucional a partir da II Conferência de Desenvolvimento, realizada entre os dias 23 e 25 do mês passado em Brasília. A instituição avalia que o País, com mais de 73 conferências setoriais nos últimos 10 anos, demonstra a importância desse tipo de evento na construção e avaliação de políticas públicas principalmente do governo federal para reinventar o desenvolvimento no Brasil. O presidente do Ipea, Marcio Pochmann, afirma que a Conferência ajuda a entender que o desenvolvimento não é uma coisa espontânea, pois pressupõe pressão, participação, e uma visão relativamente precisa do que o Brasil pode ser daqui a alguns anos. Em entrevista exclusiva à Nordeste VinteUm, ele faz leitura sobre os cenários nacional e internacional em meio à crise mundial, destaca os desafios do Ipea para o futuro e alfineta a elite brasileira.

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Nordeste VinteUm Quais os principais objetivos do Ipea para os próximos dois anos no Brasil? Marcio Pochmann Em primeiro lugar: continuar sendo uma instituição de credibilidade, capaz de responder aos desafios que nos faz o Estado brasileiro, seja o poder executivo, legislativo ou o judiciário. Ao mesmo tempo, seguir como uma instituição de assessoria para a própria sociedade civil. Isso requer um aprofundamento na nossa forma de atuar. Estamos com um planejamento estratégico em curso, cujo objetivo é identificar o modo de produção de conhecimento na instituição. Temos uma trajetória em produção de conhecimento setorial. Entendemos que o desafio das instituições que produzem conhecimento, principalmente na área do desenvolvimento, é a produção de conhecimento matricial, articulado, que rompa as caixinhas das especializações. O nosso desafio é preparar a instituição para o século 21, que exige cada vez mais uma visão integral, articulada, que não permaneça prisioneiro da hiper especialização, em que ultimamente as ciências sociais estiveram encapsuladas. NVU Dá para se pensar em um projeto de desenvolvimento para o Brasil sustentado com a assimetria entre as regiões? MP Durante cinco décadas, o Brasil construiu uma ponte que permitiu transitar de uma antiga sociedade agrária e primitiva até os anos 1930, onde as pessoas não viviam mais que 35 anos de idade, para uma sociedade urbana, industrial, cuja expectativa de vida é superior a 70 anos de idade. Mas esse esforço se deu de forma muito concentrada regionalmente, nós não construímos uma sociedade urbana e industrial universal no Brasil. Nós temos, nesse sentido, uma desigualdade regional extrema. E essa perspectiva nos ajuda a ter uma avaliação crítica do que foi o período do desenvolvimentismo brasileiro e entender que é impossível o Brasil chegar a uma condição de desenvolvimento se todos os brasileiros e regiões não esti-

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É impossível imaginar que o Brasil possa estar desenvolvido sem que o Nordeste assim esteja. O País depende do desenvolvimento do Nordeste, do Norte, do Centro Oeste, e assim por diante verem envolvidos nessa perspectiva. É impossível imaginar que o Brasil possa estar desenvolvido sem que o Nordeste assim esteja. O País depende do desenvolvimento do Nordeste, do Norte, do Centro Oeste, e assim por diante. É nessa perspectiva que o desenvolvimento do brasileiro deve ser reinventado: na sua capacidade de se universalizar e comandar não somente para o nosso espaço nacional, mas no continente sul-­­americano, uma proposta avançada de desenvolvimento que diga respeito a uma perspectiva diferente da que hoje nós estamos movidos. www.nordestevinteum.com.br

NVU Qual é a sua visão da atual crise internacional? O Brasil está realmente blindado? Ele pode tirar proveito desse momento? MP Essa é a crise mais grave dos últimos 80 anos. Ela não é uma crise financeira ou econômica tão somente. É uma crise do próprio modo de produção. De maneira geral há um consenso de que o planeta não tem condições de manter esse modo de produção associado basicamente na materialidade degradante. Isso pressupõe a construção de outro modo de produção e de distribuição. O que nós tivemos no século 20 foi praticamente um desenvolvimento associado à produção de bens de consumo durável. Foi viável do ponto de vista ambiental quando talvez 30% do mundo tivessem acesso a isso. Nos dias de hoje, quando estamos tendo uma disputa do ponto de vista de expansão desse modelo de bens de consumo duráveis, sabemos que isso é inadequado ambientalmente, então chama a atenção e a crise vem explicitando isso, vem explicitando problemas de saúde e de segurança alimentar. É uma crise muito ampla, muito profunda. Nesses últimos três anos de manifestação dessa crise, as razões que a levaram até o presente momento não foram enfrentadas. NVU E quanto tempo vai durar essa crise? MP Provavelmente vai durar dez, quinze anos. De certa maneira, quase todos os países estão submetidos à lógica mercantil. A crise atual se difere de crises como a da década de 1870 ou a de 1930, que atingiram o capitalismo. Nós não tínhamos países capitalistas generalizados pelo mundo, só experiências em colônias no século 19, ou a partir do século 20 a experiência de economia centralmente planejada. Hoje temos uma crise que atua em todos os países. Então não consigo imaginar que algum país possa permanecer isolado da crise. O Brasil já está sofrendo os efeitos da crise, que vem fazendo com que tenhamos uma desaceleração da ativi-

dade econômica mais rápida, não planejada, e que exigiu do governo inclusive medidas conjunturais agora de redução da taxa de juros e ampliação do crédito para determinados segmentos, pois corríamos o risco de não sair de uma expansão econômica de 7,5% no ano passado para algo em torno de 4% ou 5%. Com a chegada dessa segunda onda de manifestação da crise internacional, a desaceleração vem sendo mais rápida e nós estamos indo para uma economia que talvez cresça entre 2% e 3%, por isso são necessárias medidas urgentes de aceleração do Brasil. NVU O Brasil está preparado para esse cenário? MP Historicamente o Brasil tem sido competente para aproveitar as crises internacionais com o objetivo de reposicionar-­­se melhor no mundo. Na grande depressão de 1873, por exemplo, o País aproveitou para fazer uma série de reformas, como foram as reformas políticas de 1891; a reforma laboral com o fim do trabalho escravo em 1888; a transição do Império para a República; a construção de uma nova constituição federal em 1891. O Brasil fez mudanças importantes até para reenquadrá-­­ lo na virada para o século 21. Na crise de 1929, o País novamente aproveitou para inaugurar um novo projeto de desenvolvimento urbano industrial sob a liderança do então presidente Getúlio Vargas. Então o Brasil sabe aproveitar as crises. Em 2008, diante da crise, nós também tomamos medidas anticíclicas depois de duas décadas em que não se falava em medidas que implicariam em reforço patrimonial do Estado. Então somos otimistas porque imaginamos que a maioria política que conduz o Brasil tem clareza de que a ressecção não nos é benéfica e, portanto, é uma indicação que o Brasil, com o aprofundamento da crise, tomará medidas que nós talvez nem imaginamos, mas que serão substanciais para reposicioná-­ lo em melhores condições dentro

Do governo Lula para cá, houve um reposicionamento do Brasil, que já se insere com mais protagonismo comparativamente ao passado de um quadro mundial de grandes dificuldades que vivemos hoje. NVU Mas essa inserção brasileira é discutivelmente subordinada. O que é necessário fazer para que o País assuma uma nova forma de inserção no m undo, a exemplo da asiática? MP Estamos na verdade assistindo o deslocamento do centro dinâmico dos EUA (Estados Unidos da América) para Ásia e especialmente para China. Isso não é trivial. Em outros momentos, movimentos parecidos foram acompanhados de tensões de guerras. Não sabemos, inclusive, se esse movimento que estamos assistindo hoje, de fortalecimento da China em parte pela forma como a globalização foi conduzida, favoreceu o deslocamento de unidades produtivas dos Estados Unidos e da Europa para lá em meio a uma preocupação exorbitante dos Estados Unidos com o Oriente Médio. Foram praticamente duas décadas que os Estados Unidos ficaram prisioneiros das questões do Oriente Médio com gastos militares, com conflitos enormes. E já há uma perspectiva dentro do partido democrata de que a forma como os Estados www.nordestevinteum.com.br

Unidos se posicionaram durante essas duas décadas, de se concentrar no Oriente Médio, o desviou da ascensão chinesa. A questão a se fazer no primeiro momento é até que ponto os EUA, a Europa, ou mesmo o Japão, aceitarão facilmente essa perda de importância, a sinalização da decadência dessas nações frente ao fortalecimento da China. Se vão haver tensões e até conflitos militares, vamos ver nos próximos anos, mas isso é um ponto de tensão. NVU Que fenômeno pode ocorrer a partir desta conjuntura? MP Na experiência histórica, países que se colocaram de forma mais clara em assumir hegemonia, não foram aqueles que se perduraram mais tempo como centro de dinamismo no mundo. Vamos lembrar que ao final do século 19, diante do avanço da industrialização da segunda geração nos Estados Unidos, na França, na Alemanha — tínhamos somente a Inglaterra industrializada — a tensão maior para a substituição do Reino Unido era da Alemanha. Os Estados Unidos nem se posicionavam — embora já fossem uma economia muito ­ forte — nessa condição de Dezembro/2011

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assumir o centro do mundo, o que foi feito fundamentalmente com a expectativa da visão nazista. Então os Estados Unidos entram depois, sucedem a Alemanha e se transformam no centro dinâmico. Hoje temos um quadro diferente, evidentemente, a China se posiciona muito melhor, e o Brasil tem seu espaço do ponto de vista regional, no continente sul-­­americano. Infelizmente, temos dificuldades de fazer posicionamentos porque somos uma nação colonizada, em que a perspectiva do Brasil liderar para além do seu espaço nacional sempre foi muito contida. Somos prisioneiros do tipo de elite que temos no Brasil. NVU Qual é a perspectiva de se mudar essa realidade? MP Do governo Lula para cá, houve um reposicionamento do Brasil, que já se insere com mais protagonismo comparativamente ao passado. Esse é um exercício e, à medida que ele vem produzindo efeitos mais grandiosos, certamente podemos ter uma melhor capacidade do País, de fato, se posicionar melhor no mundo de forma autônoma. Mas isso pressupõe ações práticas. Não seremos uma nação autônoma plenamente se não tivermos sistemas de defesa. Somos um território com 15 mil quilômetros de fronteira terrestre e 8.500 quilômetros de fronteira marítima, e se não tivermos sistema de defesa adequado dificilmente teremos uma soberania exercida de forma plena. Se não tivermos um sistema de inovação, produção e difusão de conhecimento e tecnologia também não deveremos ter autonomia. Temos aqui, por exemplo, o caso da Embraer (Empresa Brasileira de Aeronáutica), que é uma empresa de sucesso e a terceira maior empresa de construção de aeronaves do mundo, mas temos dificuldade. Por exemplo: se o Brasil quer vender aviões para a Venezuela, o Irã ou qualquer outro país, tem que antes ter a autorização dos Estados Unidos porque a parte mais sofisticada do avião é comprada deles. A autonomia e so-

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Hoje temos um quadro diferente, evidentemente, a China se posiciona muito melhor, e o Brasil tem seu espaço do ponto de vista regional, no continente sul-americano berania de um país pressupõe um desenvolvimento tecnológico que nós ainda não temos. NVU Nessa política de autonomia, o senhor acredita que a presidenta Dilma Rousseff vai aprofundar o que já foi feito nos dois mandatos do ex-­­presidente Lula? MP Não me parece que haja um rompimento nas decisões tomadas pelo ex-­­presidente Lula. A somatória de ações cada vez mais fortes para o âmbito do Mercosul, por exemplo, permanece. Talvez nosso desafio principal seja reavaliar melhor a posição do Brasil em relação à China. O Brasil mantinha exportações com a China no ano 2000 cujo valor total equivalia a 2% de tudo o que o Brasil www.nordestevinteum.com.br

exportava. Dez anos depois as exportações para a China aumentaram tanto que já representam quase 20% do que nós produzimos. Se projetarmos esse movimento que ocorreu nos últimos dez anos, daqui a mais dez anos, ou seja, 2020, talvez 67% de tudo que produzirmos sairia para China. Isso é razoável? É adequado? É algo a se pensar. O mais crítico é que 82% de tudo o que nós exportamos para a China está associado a produtos chamados commodities, produtos primários, recursos naturais, e isso nos faz portadores de uma relação que tínhamos com a antiga Inglaterra no século 19, quando o Brasil era o grande produtor de café, pimenta do reino, chás, produtos muito primários; e com o recurso das importações ele comprava manufaturas da Inglaterra. Isso foi identificado pela Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) por vários estudos, como tínhamos trocas desfavoráveis que faziam com que o País perdesse suas reservas. Eu acredito que nós não devemos repetir o passado. Se erros devemos cometer, que sejam erros novos e não erros antigos. NVU O que você pensa da relação da China com países como o Brasil nessa perspectiva de expansão? MP Eu entendo como legítimo e pertinente que a China desenvolva sua estratégia. O problema não é a China, o problema é o Brasil. Por que o Brasil não tem um planejamento nesse sentido? Os chineses não nos obrigam a vender para eles somente produtos primários. Eles compram porque é o que nós temos condições de ofertar, mas nós poderíamos ofertar produtos que possivelmente poderiam ser adquiridos pelos chineses. A China não é um problema, o problema é por que nós não estamos à altura dessa nova realidade. Isso exige evidentemente uma visão de médio e longo prazo. A China vem se preparando há muito mais tempo, e nós estamos nos preparando agora. Então não teremos o mesmo êxito que ela poderá ter, mas possivelmente

estaremos mais preparados do que hoje nós estamos. NVU Em comparação ao governo Fernando Henrique Cardoso, o ex-­­presidente Lula expandiu a rede federal. Os Institutos Federais estão com presença em todo o território nacional e o governo Dilma anunciou mais 340 campi. Isso pode ser o diferencial para que o Brasil tenha essa autonomia como produção de inteligência, de ciência e tecnologia? MP Não tenha dúvida de que esse esforço que está sendo feito é absolutamente necessário para preparar um Brasil mais contemporâneo dos desafios que hoje nós temos, mas entendo que são esforços insuficientes. Só temos hoje 14% dos jovens de 18 e 24 anos no ensino superior. Há pouco visitei o Vietnã, um país agrário, um povo heróico, mas que dada a sua situação é um país de enorme grau de subdesenvolvimento. No entanto, eles têm uma visão clara de se transformar em um país industrial, e isso passa pelo amplo fortalecimento da educação. Eles construíram nos últimos anos 400 universidades. Cerca de 32% dos jovens de 18 a 24 anos estão matriculados no ensino superior e o projeto é que esse número aumente para 70%. Nos últimos 10 anos nós dobramos o número de jovens nas universidades e isso foi um esforço significativo, especialmente pelo atraso que o Brasil percorreu até então, mas precisamos de um esforço muito maior. Nós precisamos de mais recursos para educação; precisamos de um pré-­­sal que seu excedente seja comprometido com o tema da educação. Mas a situação é muito diferente de anos atrás. Estamos diante da sociedade na qual o conhecimento é o principal ativo e esse ativo não se gera espontaneamente, ele pressupõe muita disciplina. NVU Dentro dessa perspectiva, como o senhor avalia a situação dos nossos estudantes? MP Os estudantes brasileiros são verdadeiros heróis. De maneira ge-

Os estudantes brasileiros são verdadeiros heróis. De maneira geral, são estudantes que trabalham. São trabalhadores que estudam. É um segmento da sociedade que está submetido a uma jornada somente comparada aos trabalhadores do século 19 ral, são estudantes que trabalham. São trabalhadores que estudam. É um segmento da sociedade que está submetido a uma jornada somente comparada aos trabalhadores do século 19. São pessoas com jornadas de 8 horas diárias de trabalho, mais duas a quatro horas de deslocamento do trabalho para a escola ou universidade, e mais quatro horas de frequência escolar. Esse estudante não tem temwww.nordestevinteum.com.br

po para estudar, para se preparar. Uma pesquisa feita pelas universidades federais demonstrou que os alunos não conseguem ler mais que quatro livros por ano. Isso não é estudo, isso não é educação. Estamos formando uma indústria de certificados. Educação não é fábrica de salsicha. Temos que ter condições adequadas para que ao ter acesso à educação, ao ensino, as pessoas possam sair de forma mais preparada para os desafios que nós temos neste e nos próximos anos. NVU Qual a perspectiva de sobrevida para o capitalismo diante desse prenúncio galopante de crises sequenciais e cada vez mais profundas? MP A pergunta é muito complexa e dá várias alternativas para ser respondida. Na verdade, a crise não é um elemento novo no capitalismo, a crise faz parte da própria dinâmica do capitalismo, e não se encerra com o fim desse sistema. Esse crescimento desorganizado do capitalismo e suas oscilações em função da crise, revelam o que já se sabe do capitalismo desde o século 18. O que tivemos no ­pós-guerra em 1946, 1947 até os anos 1970, foi um capitalismo organizado que resultou das condições da segunda grande guerra mundial.Reformas foram realizadas dentro do capitalismo e isso produziu um ciclo virtuoso de expansão elevado, Dezembro/2011

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com melhor distribuição de renda e redução das desigualdades, mas isso foi um momento especial do capitalismo. A história do capitalismo não é essa. A história dele é de um crescimento muito acirrado acompanhado de crises em maiores ou menores proporções. Não vejo que o capitalismo por si só se inviabilizará. A questão talvez mais instigante é que não se consiga construir uma alternativa para o capitalismo do jeito que ele está aí. NVU E quais seriam as alternativas? MP Há alternativas pensadas no passado, mas elas não são tão contemporâneas de um capitalismo hoje assentado na imaterialidade do trabalho, por exemplo, que abre uma perspectiva do ponto de vista humano, em uma situação em que as pessoas não vão mais viver 40, 50 anos, vão viver 150 anos de idade. Isso é uma outra sociedade, que pressupõe, portanto, a construção de uma alternativa que não está apresentada. E se você não tem alternativa, na verdade você tem mais do mesmo, e mais do mesmo é a continuidade do capitalismo do jeito que está. Entendo que é possível fazer uma diferença. A alternativa do ponto de vista capitalista para os países ricos é a decadência ou declínio, portanto, no antigo centro do capitalismo mundial a tensão se dará muito em termos de qual será a alternativa a essa realidade; então a alternativa do Socialismo estará talvez muito mais presente nos ditos países ricos do que nos não ricos, como é o caso do Brasil, da China, da África etc, que têm espaço enorme para a expansão capitalista. NVU Confirmando Marx (Karl Heinrich Marx, intelectual e revolucionário alemão do século 19), portanto. MP É, mas quando Marx falou, a revolução se dava nos centros mais desenvolvidos, só que eles também estão deixando de ser os centros. Então acho que é um outro contexto. Nós não estamos situados em um contexto de declínio, de

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decadência, como estão os Estados Unidos, a Europa. Nos países do centro hoje há déficit democrático. Estamos assistindo agora lá na Grécia, na Itália, uma definição da política subordinada às decisões do Banco Central, que está definindo quem vai ser o presidente, como vai ser a política, quer dizer, isso é uma desfiguração de um projeto de democracia construído há muitos anos.

Nós não estamos situados em um contexto de declínio, de decadência, como estão os Estados Unidos, a Europa. Nos países do centro hoje há déficit democrático NVU Qual o balanço que o senhor faria do ano de 2011 do ponto de vista do desenvolvimento? MP O ano de 2011 foi o começo das administrações federais e estaduais. Foi um ano importante do ponto de vista da “re-­­acomodacão” da maioria política no Brasil. Uma nova maioria que não aceita voo de galinha. É certo que galinha não voa, mas o Brasil parecia uma galinha nas últimas duas décadas, que tentava voar, que tentava crescer e não conseguia. O ano de 2011 confirmou que a maioria política está comprometida com o crescimento da economia nacional. Mas permanece no seu seio uma grande tensão a respeito de qual será esse voo; se é um voo assentado na produção de bens primários com o Brasil conectado com o que fora no passado — como uma grande fazenda em última análise — ou o www.nordestevinteum.com.br

Brasil do conhecimento associado no valor agregado, das cadeias produtivas e de mais conhecimento. Essas duas situações estão presentes no governo federal. Toda vez que a nossa moeda está valorizada, que a taxa de juros está alta, estamos na verdade fortalecendo o Brasil primário exportador. Mas quando temos políticas como o programa Brasil Maior (lançado em 2011 para aumentar a competitividade da indústria), política industrial, política de ampliação de recursos para educação, número de bolsas, estamos fazendo ações voltadas para a construção de um Brasil com maior valor agregado às coisas produtivas, com maior conhecimento. NVU E quais são as expectativas para 2012? Há perspectiva de crescimento? MP Em 2012 teremos um ano bastante difícil do ponto de vista internacional; de agravamento da crise; de acirramento da competição entre os países. De outro lado, será um teste para a reafirmação do crescimento pelo mercado interno, que será nosso modo de acelerar a economia para que possamos recuperar o nível de atividades que tínhamos, em função da crise internacional e das posições que tomamos no começo do ano internamente. E será também um ano de eleições, de renovação de lideranças nos municípios brasileiros. Então 2012 será um ano de discussão em torno das perspectivas do encaminhamento do desenvolvimento brasileiro. O crescimento de 2012 já está para ser contratado em função das medidas que estamos tomando agora de desaceleração dos juros e reativação do crédito, porque há risco de a gente ter um crescimento relativamente baixo tendo em vista a onda de desaceleração que se iniciou no primeiro semestre de 2011. As decisões tomadas pelo governo federal agora são aquelas com objetivo de acelerar a economia e permitir que tenhamos um 2012 um pouco maior do que foi 2011.

E POR FALAR EM NATAL... Mais um “causo” de JUAREZ LEITÃO

...N

o século XIII, um menino rico da Itália teve a audácia de ser pobre, o mais pobre dos pobres de Assis. E, em um tempo de igreja arrogante e devassa, tempo de papas armados e frades gordos, Francisco de Assis, foi capaz de ser humilde, caridoso, sóbrio e, naturalmente... magro. E ser um frade magro era uma revolução. No tempo recente, um velhinho de 80 anos, filho de camponeses, que o Colégio dos Cardeais indicou para ocupar por pouco tempo o Trono de Pedro enquanto escolhiam outro, tornou-­­­­se um dos maiores papas da história. João XXIII aproximou-­­­­­se dos judeus e muçulmanos, abraçou os cristãos evangélicos e ortodoxos, dialogou com os dirigentes do mundo promovendo o encontro de rivais socialistas e capitalistas, publicou encíclicas em favor dos pobres e em defesa da paz Nos Anos 1960, quando os Estados Unidos viviam o ápice do segregacionismo e do confronto entre os Panteras Negras e a Ku-­­­­­­­Klux-­­­­­ Klan, um pastor batista defendeu a igualdade racial através da não-­­­­­ violência e fez a mais ampla campanha da América pelos direitos civis. A morte de Martin Luther King pelas balas da intolerância racista, em 1968, não calou sua voz, que continua a clamar pela paz e pela inteligência do amor. Quanto aos radicais racistas, a história os fez engolir a própria bílis que raivosamente destilava. Barack Obama, o negro, é agora o ianque supremo e o mais poderoso senhor do mundo. Por isso, armemos a nossa árvore de Natal, o pinheiro verde da po-

esia, colhido nas razões sublimes da alma humana, na ideologia da ética altaneira, no campo fértil da paixão. Sobre essa árvore colocaremos os pomos vermelhos de nossa amizade, construída na identidade e na lógica do bem. Aqui estarão nossas palavras, louça e liturgia dos desejos, labirintos de dúvidas e anseios, harpas do bem-­­­­­me-­­­­­­­­­quer, cinzas e escombros de audácias, horas molhadas de dor, mãos e vozes encantadas pelos mistérios dos caminhos, as

asas da memória e o choro das guitarras, o sudário do medo e este fogo guloso da paixão que nos alumia e que nos incendeia. Poremos também nessa árvore, a bala que não disparou, a voz que calou o insulto, a granada que não explodiu, o menino nordestino que escapou da inanição, o mapa do rio São Francisco se emendando com o Jaguaribe, uma gaiola aberta de onde os pássaros partiram, uma mão estendida e cheia de sentimento e a garrafa que chegou à praia com o bilhete do náufrago­­­­

profeta dizendo que, apesar de tudo, sobreviveremos como espécie e raça inteligente. Mas, voltemos ao Menino que nasceu na estrebaria de uma aldeia perdida da Judeia, naquela noite fria e desolada de antanho. Adulto, tornou-­­­­se um Rabi que, à frente de pescadores e outros pobres diabos da velha Palestina, disse coisas terríveis para aquele tempo. Falou em igualdade numa época de escravidão e prometeu que os que padeciam fome e sede de justiça haveriam de ser saciados. Por isso foi morto de modo humilhante. Mas o Império que o condenou, foi depois derrubado pelas suas palavras. Seus discípulos, em Roma, falando em paz, conseguiram o apoio do proletariado, a plebe rude cansada de guerra, e o aparelho militar do grande império desabou como um boi ferido de morte. Convertida ao cristianismo, a grande massa humana que era o corpo dos exércitos conquistadores, abaixou as armas e passou a rezar pelos próprios inimigos. E a assim a Grande Roma foi vencida por uma doutrina, a ideologia do amor e da paz. Essas coisas que a história nos conta servem, em ocasiões como esta, para iluminar novamente os nossos sonhos. A paz vencerá a insolência dos poderosos senhores da guerra. E, chama votiva, em cada Natal haverá de bruxulear esperançosamente no peito ardente dos poetas e no coração generoso de todos os homens e mulheres de boa vontade.

(*) JUAREZ LEITÃO é escritor, historiador e membro da Academia Cearense de Letras. www.nordestevinteum.com.br

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Economia

Economia em alta

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e 2011 não vai deixar saudade para os países da zona do euro — cuja situação econômica foi responsável pela derrocada de primeiros-­­­ministros na Irlanda, Portugal, Grécia e Itália — , na casa de dona Dilma Rousseff (PT), a “faxina política” promete um 2012 com menos escândalos de corrupção. E é só neste ponto, a política, que os investidores têm dúvidas sobre o “futuro promissor” do Brasil. Sim. Porque, no campo econômico, o País não tem mais sobressaltos a cada solavanco internacional. No entanto, em ano de eleição para prefeitos e vereadores, tudo pode acontecer.

Enquanto a economia mundial passa por mais um período de instabilidade — e os países tidos como desenvolvidos sentem o baque da crise que assola todos os setores —, no Brasil, com o cenário econômico mais sólido e centros produtivos já abarrotados, o Nordeste se destaca com a chegada de grandes empresas e investimentos maciços em infraestrutura. Esta é a marca positiva do ano que termina. Como os economistas odeiam previsões, tentar saber como será 2012, só com bola de cristal, jogo de búzios ou outra mandinga de adivinhação. Por Samira de Castro redacao@nordestevinteum.com.br

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Os principais indicadores de conjuntura, embora sugiram moderação do ritmo de crescimento da economia brasileira, segundo o Banco Central (BC) registram trajetórias distintas nas regiões geográficas do País. “O desempenho da atividade deverá seguir favorecido pela expansão da demanda interna, sustentada pelo vigor do mercado de trabalho e pela expansão do crédito, ainda que em ritmo moderado”, dizem os homens que comandam a política econômica nacional. Em oposição, acrescentam, “devem ser consideradas nessa perspectiva, influências contracionistas decorrentes da deterioração do cenário internacional e das expectativas de empresários e consumidores, além de retrações nos fluxos de comércio exterior e nos investimentos”. No cenário de céu de brigadeiro, os Estados nordestinos têm sido a menina dos olhos do mercado. Região cujo Produto Interno Bruto (PIB) cresce acima da média do País há alguns anos — embora ainda persista a tal da má distribuição da riqueza —, o Nordeste tem tudo para consolidar investimentos iniciados ainda na era Lula. E segue firme na execução de obras para a Copa das Confederações e a Copa do Mundo Fifa — negócios cujos impactos positivos geram questionamentos, mas acabam fortalecendo a capacitação da mão de obra local, via recursos públicos e privados. Entre as apostas econômicas da Região Nordeste, segundo avaliação da Dasein Executive Search, empresa com 15 anos de mercado mundial, especializada em contratação de executivos de alta gestão, Recife (PE) se destaca na indústria, comércio, turismo e serviços, abriga empresas de grande porte e já é considerado um

dos mais importantes polos de tecnologia da informação do Brasil. Ipojuca, um dos grandes polos industriais do Estado, abriga empreendimentos instalados ao redor do Porto do Suape e, em 2010, chegou a ser a 3° cidade em criação de empregos do País. Já Fortaleza (CE), cresce com base em seu comércio diversificado, com ofertas que vão da produção de calçados, produtos têxteis, alimentos e extração de minerais.

Aumento do comércio varejista e criação de empregos

A pujança nordestina pode ser medida também pelo índice Regional de Atividade Econômica do Banco Central (IBCR-­­­NE), indicador que atingiu alta de 6% nos últimos 12 meses terminados em agosto de 2011, ante igual intervalo do ano anterior. Evolução expressa, entre outros fatores, na dinâmica das vendas do comércio varejista, da criação de empregos formais e dos indicadores industriais. O comércio varejista da região cresceu 9,7% em agosto, em relação a igual período de 2010, ante 10,5% em maio. Registraram-­­­ se aumentos nas vendas em todos os segmentos considerados na pesquisa, destacando-­­­se os relativos a móveis e eletrodomésticos (24,9%), e a livros, jornais, revistas e papelaria (18,7%). Incorporadas as elevações respectivas de 12,1% e 4,7% nas vendas de veículos, motos, partes e peças e de material de construção, o comércio ampliado da região registrou crescimento de 10,1%, no período. A safra de grãos do Nordeste deverá atingir 15,2 mi-

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lhões de toneladas até o fim de 2011, de acordo com o Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA) de setembro do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A estimativa de elevação anual de 29% reflete as projeções de acréscimos respectivos de 60,3%, 33% e 17,5% nas colheitas das três principais lavouras da região – caroço de algodão, milho e soja, que deverão responder, em conjunto, por 84,1% da produção total de cereais, leguminosas e oleaginosas do Nordeste. Em relação às demais lavouras, projetam-­­­se aumentos respectivos de 6,1% e 2,1% para as produções de cana-­­­de-­­­açúcar e de banana. O saldo das operações de crédito superiores a R$5 mil realizadas na região atingiu R$ 205 bilhões em agosto, elevando-­­­se 25,2% em 12 meses. As operações contratadas no segmento de pessoas jurídicas – concentradas nas atividades químicas, geração e transmissão de energia, refino de petróleo e álcool e construção civil – somaram R$114 bilhões, com aumento de 23,1% na base de comparação mencionada. O estoque de crédito contratado no segmento de pessoas físicas, com ênfase nas modalidades crédito pessoal consignado, aquisição de veículos e financiamento imobiliário, atingiu R$ 91 bilhões, aumentando 27,9% em 12 meses. Para os executivos do BC, o ritmo de crescimento da economia nordestina tende a superar o registrado em âmbito nacional. Essa perspectiva é sustentada pelo dinamismo do mercado interno da região que, evidenciando o desempenho do mercado de trabalho e o impacto dos programas de transferência de renda, favorece o consumo de bens de consumo de menor valor agregado, segmento mais relevante da indústria regional. “Adicionalmente, ressaltem-­­­se os efeitos dos investimentos públicos associados a programas dos governos federal e estaduais, bem como dos novos empreendimentos privados”, resumem, em seu Relatório Regional de outubro.

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Região gera empregos e atrai executivos

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nvestimentos que se traduzem em empregos. Esta é a realidade nordestina. De acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), foram gerados 127 mil postos de trabalho na economia nordestina no trimestre encerrado em agosto de 2011, dos quais 34,6 mil na indústria de transformação, 30,9 mil no setor de serviços e 28,1 mil na agropecuária. O Nordeste, que já se destacava no turismo, amplia seu leque de negócios e se adapta à falta de qualificação disponível no mercado. Para desenvolver pessoas com as características essenciais e minimizar os espaços entre a formação e a experiência, as próprias empresas se aperfeiçoaram em formar os profissionais desejados a partir de universidades corporativas, cursos técnicos, programas de trainee (em inglês, “trainee” é o indivíduo em treinamento).

A exigência do mercado obrigou as organizações a serem mais flexíveis em alguns aspectos. O Brasil não pode parar e não vai parar, por isso é muito mais fácil promover a capacitação do que ficar para trás, explica Adriana Prates, presidente da D ­ asein Executive Search. Com mais empregos, em vez de sair da região, os executivos estão voltando. É a chamada repatriação, que atinge várias categorias, inclusive trabalhadoAdriana Prates, presidente da res da base da pirâmide (se é que ainda se Dasein Executive Search pode chamar assim) social. Entre as capitais da região, Recife, Fortaleza e Salvador ficaram em 4º, 6º e 7º lugar entre as nove capitais que pagam os melhores salários para executivos, em pesquisa realizada pela Dasein Executive Search. Em primeiro lugar no ranking ficou a cidade do Rio de Janeiro (R$ 26.500 a R$ 60 mil), seguida de São Paulo (R$ 25.500 a R$ 55 mil) e Belo Horizonte (R$ 25 a R$ 50 mil). Os valores trabalhados no mercado demonstram o momento econômico atual, no qual o Brasil paga os maiores salários para os CEO’s – diretores gerais -­ (U$ 243 mil), seguido por Nova York (U$ 213 mil), Londres (U$ 179 mil) e Hong Kong (U$ 97 mil), conforme recente pesquisa apresentada globalmente pela Dasein.

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Indústria é o setor menos otimista E

mbora otimistas em novembro sobre as expectativas da economia e de suas empresas nos próximos seis meses (com 59,1 pontos), os empresários da indústria estão pessimistas sobre as condições econômicas atuais e a situação presente de seus negócios, com 47,5 pontos. É o que revela o Índice de Confiança do Empresário Industrial (ICEI), divulgado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). O ICEI varia de zero a cem. Valores acima de 50 mostram confiança. O pessimismo da indústria tem razão de ser. Segundo o Boletim Regional do Banco Central, a produção industrial do Nordeste, por exemplo, decresceu 1% no trimestre finalizado em agosto, em relação ao terminado em maio, quando se elevara 3,8%, no mesmo tipo de comparação. A análise em 12 meses revela que a indústria nordestina recuou 3,7% em agosto, em relação a igual intervalo de 2010 (0,4% em maio), registrando-­­­se decréscimos nas indústrias extrativa, 0,3%, e de transformação, 3,9%.

Abaixo da média histórica

O ICEI de novembro, que resulta da ponderação entre as condições atuais da economia e da empresa e as expectativas, atingiu 55,3 pontos, 0,7 ponto percentual acima do índice de outubro. Continua abaixo da média histórica, de 59,4 pontos. Na comparação com novembro de 2010, o indicador está 6,7 pontos menor. Segundo a pesquisa, mesmo com o crescimento do otimismo em novembro comparativamente a outubro, não se pode assegurar que haja reversão da trajetória de queda do indicador, iniciada em 2010. “Não houve sinal de melhora consistente tanto no cenário nacional quanto internacional e a percepção dos empresários sobre as condições atuais da economia e da empresa se mantém pessimista”, avalia Marcelo de Ávila, economista da CNI. Para os três segmentos da indústria analisados – extração, transformação e construção –, houve aumento do otimismo dos empresários em novembro sobre o mês anterior. Dos 26 setores da

indústria de transformação pesquisados, 14 tiveram alta do ICEI no período. Os segmentos que mais se destacaram foram o de máquinas e materiais elétricos, com alta de 7,4 pontos, refino e petróleo, que registrou crescimento de 7 pontos, e equipamentos hospitalares e de precisão, com aumento de 6,2 pontos em relação a outubro. Apesar do pessimismo sobre as condições atuais da economia e da empresa, os 47,5 pontos de novembro nesse indicador representaram melhoria comparativamente a outubro, quando ficara em 46,5 pontos. Já o índice de expectativas em novembro para os próximos seis meses sobre a economia e a empresa teve alta de 0,5 ponto ante outubro, passando de 58,6 pontos no mês passado para 59,1 pontos este mês, sinalizando otimismo dos empresários sobre o futuro. O ICEI de novembro foi calculado com base em entrevistas feitas com 2.276 empresas entre 1º e 18 de novembro. Das empresas participantes, 1.186 são pequenas, 770 médias e 320 de grande porte.

Não houve sinal de melhora consistente (na indústria) tanto no cenário nacional quanto internacional e a percepção dos empresários sobre as condições atuais da economia e da empresa se mantém pessimista Marcelo de Ávila, economista da CNI

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Bahia implanta Sistema estadual de cultura useu M o n a c i Mús ental de ca instrum

e úsi Oferecer m biente repleto de art e m a Art e m d u u m e se do Mu a st qualidade o p ro p projeEsta é a e Musical, sp a e história. M -­­­ o c u entos ernamb m Equipam tórie Sacra de P o ã st e G ria de io His to da Direto ndação do Patrimôn e, que u F a d d n -­­­Fu arp Culturais rnambuco acra daquele e P e d o c ti co e Artís u de Arte S s e izar o Muse po visa dinam presentações de gru a O antigo m o a c n e sema . la FunEstado, d s n fi s o rante o pe artistas du pos foi transformad is B estudo da s o e d o Palácio xposiçã e ra a p o ç . O acervo spa darpe em e e inspiração religiosa o a ou d r construíd arte sacra meçou a se eças cedidas o c e sp a M a de p fixo do ma centen Recife. Hoje u is a m e d partir linda e iocese de O s populapela Arquid de culto como santo iosas. s to relig reúne obje custódias e pinturas leção de os, res, relicári ues do Maspe é a co s e q a ada st Um dos de as eruditas, policrom g nti culo XVI. imagens a tadas do sé a d s, a d ra dou

A Lei Orgânica da Cultura da Bahia foi aprovada, por unanimidade, pela Assembleia Legislativa do Estado. Os principais destaques do texto são a implantação do Sistema Estadual de Cultura (SEC) e a regulamentação do Plano Estadual de Cultura. “Com o plano, teremos a previsão de políticas culturais para os próximos 10 anos”, comemora o Secretário Estadual de Cultura, Albino Rubim. “A aprovação da Lei Orgânica de Cultura da Bahia é um avanço enorme na consolidação dos direitos culturais dos baianos. A remodelação do conselho de cultura e a institucionalização dos territórios de identidade, entre outros, são um exemplo disso”, diz Marcelo Velloso, coordenador-­­­geral de Estratégias e Gestão de Ações da Secretaria de Articulação Institucional (SAI) do MinC. “A Bahia está sendo um modelo para outros estados”.

Palmares cria selo comemorativo No Ano Internacional dos Povos Afrodescendentes, a Fundação Cultural Palmares (FCP) criou um selo para celebrar a data, instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) para difundir o compromisso mundial de lutar contra o racismo e pela inserção de negros e negras em todos os espaços de cidadania. Fruto de criação coletiva, a marca será usada em documentos e peças promocionais da instituição. O selo comemorativo exprime o compartilhamento de objetivos da Palmares e da Organização das Nações Unidas, por meio da fusão de elementos de suas respectivas marcas. Ao abraçar a causa dos povos da Diáspora Africana, a ONU abraça também as instituições que por ela trabalham – o que o componente gráfico da marca criada pela Palmares procurou traduzir, com o entrelaçamento das duas simbologias.

Maceió reinaugura Biblioteca Graciliano Ramos O prefeito Cícero Almeida, de Maceió, capital do Estado de Alagoas,entregou à comunidade as novas instalações da Biblioteca Pública Municipal Graciliano Ramos, com um acervo de 5 mil livros à disposição da população. Na nova estrutura da biblioteca, há salas específicas para leitura, contos infantis, telecentro e espaço exclusivo para os escritores alagoanos lançarem suas obras literárias. Também existe uma sala específica para projeção de filmes brasileiros, que foram doados pela Agência Nacional de Cinema (Ancine). A grande novidade, contudo, fica por conta de uma área lúdica, de pintura de grafite com personalização dos folguedos alagoanos.

Escritores premiados O Prêmio Literário José Lins do Rego, patrocinado pela Fundação Espaço Cultural da Paraíba (Funesc), selecionou oito obras das 177 inscritas para concorrerem a 10 vagas em seis categorias. Cada categoria ofereceu duas vagas para os vencedores, exceto Dramaturgia e Ensaio, que não tiveram vencedores. O concurso marca o resgate das Edições Funesc, interrompidas há 15 anos. Os vencedores, na categoria romance foram “Palavras que devoram lágrimas (ou a felicidade cangaceira)”, de Beto Menezes; e “O Voo da Borboleta Negra”, de Paulo Vieira. Infanto-­­­Juvenil: “O Mundo Alado e o Mundo Florido ou o Mundo Colorido”, de José Camilo Lelis; e “Verdinha, a Pequena Cana-­­­de-­­­Açúcar”, de Jackson Franco. Poesia: “Impróprio para consumo”, de Marinésio Gonçalves; e “Versorragia no Início Era o Verso e do Verso Fez-­­­se Sangue”, de Gustavo Limeira. Conto ou Crônica: “Varadouro, Varadouro”, de Astier Basílio; e “Face Oblíqua”, de Saulo Mendonça. O júri foi composto por profissionais de outros Estados. Heloísa Arco Verde de Morais (PE), Clotilde Tavares (RN), Clemente Rosas Ribeiro (PE), Ivan Cavalcante Proença (RJ) e Willame Jansen (PE). Cada escritor selecionado receberá um prêmio em dinheiro no valor de R$ 2 mil, sem distinção de colocação, mais 100 exemplares de sua obra.

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Para a estante O TUCANATO NA PRIVADA Depois de 12 anos de investigações, o jornalista Amaury Ribeiro Jr, premiado repórter que já trabalhou para grandes jornais da Imprensa brasileira, publica os resultados de suas pesquisas e cria um clima de indignação entre a tucanada e de euforia no mundo antiprivatista, posto que o tema da explosiva obra explora os escaninhos do poder ao tempo dos governos liderados pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, que investiu no processo de privatização de grandes empresas nacionais, cujo exemplo mais significativo e lamentável é a mineradora Vale do Rio do Doce. “A Privataria Tucana” constitui o mais completo repositório de denúncias de fraudes e corrupção que teriam ocorrido durante o processo que culminou com inúmeras privatizações de empresas estatais brasileiras sob os governos do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira). José Serra, duas vezes ministro, ex-­­­senador e ex-­­­governador de São Paulo, duas vezes candidato a presidente da República, portanto um tucano de alta plumagem é a personagem central do livro de Amaury Ribeiro Jr. Com a publicação de suas investigações, o autor vinga-­­­se da acusação de ter sido contratado para produzir um dossiê anti-­­­ Serra nas eleições presidenciais de 2010. Na verdade, ele detinha informações privilegiadas porque estava elaborando livro sobre as privatizações do governo FHC. Foi indiciado pela Polícia Federal acusado de quebra de sigilo fiscal de políticos do PSDB. Amaury Ribeiro Jr. assegura que as denúncias contidas no livro foram feitas com base em informações e documentos oficiais obtidos legalmente, inclusive o relatório da CPI do Banestado que terminou sem definições precisas em razão de acordo entre tucanos e petistas no Congresso Nacional. Nas investigações, o jornalista desvenda os labirintos da tucanagem próxima a Serra e as traquinagens de figuras preeminentes do governo FHC. Entre as irregularidades que compõem a trama da obra que mais parece uma ficção protagonizada por gangsters, estão a prática de desvio de verbas públicas para o exterior, fraudes em licitações, lavagem de dinheiro sujo e recebimento de propina. Familiares de José Serra estariam diretamente

envolvidos nas falcatruas e seriam os principais beneficiários do esquema. O ex-­­­governador estaria também envolvido em um episódio de espionagem interna no próprio PSDB no período que antecede a escolha do candidato para disputar a Presidência da República, cujo alvo era Aécio Neves, atual senador e ex-­­­governador de Minas Gerais, adversário interno nas hostes do tucanato. Como um thriller policial, pelo livro de Amaury Ribeiro Jr. desfilam não apenas empresários e políticos dos altos escalões da República, mas delegados de polícia, arapongas que desempenham o trabalho sujo da propinaria e da espionagem. E no elenco de nomes que protagonizam a história que pode ser identificada em vários artigos do Código Penal, surgem além de José Serra, os nomes do empresário Carlos Jereissati, irmão do ex-­­­senador tucano Tasso Jereissati; Verônica Serra, filha de José Serra; Verônica Dantas, mulher do banqueiro Daniel Dantas; Gregório Preciado, casado com uma prima de Serra; Marcelo Itagiba, chefe da arapongagem tucana; Antônio Palloci, ex-­­­ministro dos governos de Lula e de Dilma Roussef; Rui Falcão, atual presidente do PT (Partido dos Trabalhadores). Trata-­­­se, portanto, de um imbróglio criminoso que o jornalista apresenta ao leitor de forma clara e sem rodeios, dando nome aos bois, como se diz no jargão popular. A polêmica obra veio à lume com o selo da Geração Editorial e já virou um best seller. Segundo o editor, Luiz Fernando Emediato, o livro, cuja tiragem da primeira edição foi de 30 mil e 500 exemplares, esgotou em menos de 24 horas. O deputado federal Protógenes Queiroz (PCdoB-­­­SP) formulou um requerimento de investigação das denúncias apresentadas pelo livro, e espera contar com a adesão de outros parlamentares para que seja instaurada uma “CPI da Privataria” no Congresso.

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Título: A Privataria Tucana Autor: Amaury Ribeiro Jr. Editora: Geração Editorial Edição: 1 Ano: 2011 Idioma: Português Especificações: Brochura | 344 páginas

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Guerra no Sertão

A arte da guerra na formação do povo brasileiro

Da Bahia ao Maranhão, ao longo da história-­­­pátria, o Nordeste foi palco de sangrentas revoltas e insurreições políticas em que o dado causal fundou-­­­se sempre na defesa da liberdade. A Revista Nordeste VinteUm vem publicando uma série de matérias denominada “Guerra no Sertão”. Nesta edição, empreendemos uma retrospectiva dos textos sobre as guerras deflagradas nos Estados nordestinos em vários momentos de nossa formação como povo e nação.

com que todos louvassem a vida do soldado, que era seguida e imitada com atenção”. Certamente, tendo em vista toda a história da guerra como grandeza para a formação das riquezas humanas ao longo do tempo é que o general alemão Carl Phillip Gottlieb von Clausewitz também intentou escrever um tratado sobre a guerra que ficou inacabado e somente foi publicado em 1832, depois de sua morte que ocorreu em 1830. Clausewitz, que participou

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escreveu uma “Arte da Guerra”, na qual chama a atenção para a importância da guerra na preservação de valores materiais e imateriais. Sem o apoio militar, essas coisas não subsistiriam. Diz Maquiavel: “Se considerássemos a Antiguidade, não encontraríamos coisas mais bem relacionadas, de acordo e adequadas uma a outra. Portanto, todas as artes praticadas na sociedade em

A guerra como instrumento de conquista tem sido um dado constante na trajetória da humanidade, desde os primórdios de sua existência. www.nordestevinteum.com.br

função do bem de todos, todas as instituições nela estabelecidas mediante o respeito às leis e o temor de Deus seriam vãs se não se preparasse também a sua defesa, a qual, se eficaz, permite que sejam mantidas mesmo quando forem estruturadas com imperfeição. Sem o apoio militar, contudo, as boas instituições não podem sobreviver em boa ordem, como o interior de um soberbo palácio que, embora adornado com ouro e pedras preciosas, não tivesse cobertura para protegê-­­­lo da chuva”. Maquiavel vai além na observação da necessidade da guerra para sedimentar valores que estão acima de bens materiais: “Na verdade, em quem encontrará, a pátria, fé mais firme do que naquele que prometeu morrer a seu favor? Quem pode ter maior amor à paz do que o soldado que a guerra irá ameaçar? Quem pode temer mais a Deus do aquele que tem mais necessidade de sua ajuda, já que está sujeito todo dia a perigos infinitos? Considerada como um bem pelos legisladores dos Estados e pelos que se destinavam aos exercícios militares, essa necessidade fazia

uma nação organizada, pegaram em armas com o objetivo de delimitar seus direitos e conquistar aqueles porventura usurpados ou em vias de sê-­­­lo. O Brasil foi à guerra sempre que se viu ludibriado. E no contexto da história das nossas guerras, sempre regionalmente localizadas, o Nordeste tem peso preponderante na contribuição para a formação do que hoje é esta imensa nação brasileira. Nesta edição rememoramos algumas delas:

Os brasileiros, quando ainda nem éramos uma nação organizada, pegamos em armas com o objetivo de delimitar direitos e conquistar aqueles porventura usurpados ou em vias de sê-­­­lo.

Por Barros Alves barrosalves@nordestevinteum.com.br

guerra como instrumento de conquista tem sido um dado constante na trajetória da humanidade, desde os primórdios de sua existência. A política apoderou-­­­se dessa enérgica arma de convencimento e fez dela sua aliada tanto quanto a paz. Assim é que, em um discurso paradoxal, o axioma latino ensina que o Estado deve preparar-­­­se para a guerra se almeja ter a paz. Antes da formação do poderoso Império Romano, o general chinês Sun Tzu escreveu no famosíssimo livro intitulado “A Arte da Guerra”, que ela “é de vital importância para o Estado; é o domínio da vida ou da morte, o caminho para a sobrevivência ou a perda do Império: é preciso manejá-­­­la bem. Não refletir seriamente sobre tudo o que lhe concerne é dar prova de uma culpável indiferença no que diz respeito à conservação ou à perda do que nos é mais querido; e isso não deve ocorrer entre nós”. Igual sentimento foi expresso por Nicolau Maquiavel, autor do clássico “O Príncipe”, obra prima da Ciência Política moderna. O sábio diplomata florentino também

das Guerras Napoleônicas, entendia a guerra como uma necessidade política. Da alta Política. A formação do povo brasileiro não prescindiu da guerra. Apesar de sermos considerados um povo pacífico – e, na verdade, o somos – houve momentos em que o ideal de liberdade e justiça falou mais alto do que circunstâncias políticas que impediam o exercício pleno dessa liberdade. Então, em nome da alta política, os brasileiros, quando ainda nem éramos

Revolta dos Alfaiates

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Revolta dos Alfaiates, também chamada Revolução Baiana ou Conspiração dos Búzios, constitui um singular movimento rebelde da história pátria. Embora haja alguma semelhança com os demais levantes ocorridos no Brasil colônia, cuja importância não deve ser olvidada naquele contexto histórico, a Revolta dos Alfaiates foi um movimento de caráter eminentemente popular e de feição mais política do que militar, sem que se olvidasse de todo o aspecto violento da tomada do poder. Daí talvez, alguns estudiosos entenderem ser essa rebelião, mais relevante do que a Inconfidência Mineira, que sagrou Tiradentes como o mártir da liberdade do povo brasileiro. De fato, a conjuração sobre a qual discorremos foi a primeira revolução de caráter social do Brasil. Que como todas as demais naufragou diante da reação oficial. www.nordestevinteum.com.br

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1817 – O sonho republicano

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enhuma região do Brasil, em tempos coloniais, no Império ou sob a República, foi palco de tantas rebeliões quanto o Nordeste brasileiro. Desde o limiar da colonização, quando Arcoverde, o grande chefe tabajara, insurgiu-­­­se contra Duarte Coelho Pereira, que intentou usurpar terras de sua aldeia, até os movimentos dos trabalhadores contra o arbítrio instalado no País pelo Movimento Militar de 1964, os nordestinos inscrevem seus nomes na história-­­­pátria com ousadia e destemor; às vezes com o

próprio sangue. Assim foi com os republicanos libertários de 1817 e 1824, assim foi também com o místico Antônio Conselheiro e seguidores que não engoliram a república militarista nascida de golpe de Estado contra o governo constitucional. O emblemático movimento rebelde de 1817, prenunciador da Revolução do Equador ocorrida sete anos depois, deve ocupar lugar de honra na História do Brasil, tanto pela intensidade do evento conspiratório em terras pernambucanas quanto pela feição de luta

pela liberdade e consecução de sagrados direitos de cidadania, já naquela época gravados nos corações de um povo cheio de esperança e idealismo, além de movido por inquebrantável espírito patriótico

Um governo independente no Maranhão

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orre o ano de 1684. No Brasil Colônia, a exploração das riquezas naturais do País nascente constitui a normalidade nos relacionamentos entre os representantes da Corte portuguesa e as comunidades que se vão instalando no imenso território. São Luís, principal

aglomerado urbano da Capitania do Grande Maranhão, era uma pequena urbe em que assomava pobreza por todos os recantos. Os pobres viviam miseravelmente e os ricos estavam em processo de depauperamento. Ninguém aturava mais o governo colonial que dispunha dos bens

e das vidas das pessoas. Para os senhores, tudo; para os colonos, quase nada. Para os desobedientes, masmorras e desterros. Nesse ambiente de insatisfação, surgiu um movimento libertador liderado por um fazendeiro português chamado Manuel Beckman, o Bequimão.

A Conjuração de Nosso Pai

O Porto do Recife, no século XVII, foco da revolta de “Nosso Pai”.

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Estado de Pernambuco tem outro topônimo que lhe foi posto como apelido elogioso em razão das lutas heróicas de seu povo, que têm permeado toda a trajetória da gente deste pedaço do Nordeste brasileiro. Leão do Norte, cujo potencial de insurreições é tal que nenhum outro Estado brasileiro com ele rivaliza. A maioria dos movimentos libertários surgidos no Nordeste, desde os primórdios da Colônia até

a contemporaneidade, teve sua gênese em Pernambuco. Dentre eles, vale salientar a Conjuração de Nosso Pai, motim que surgiu nas cidades de Olinda e Recife, contra a Coroa portuguesa ali representada pelo governador Mendonça Furtado. O movimento foi deflagrado quando uma esquadra francesa fundeou no Porto de Recife e, por determinação da Corte portuguesa, foi tratada com respeito e benevolência, o que não agradou aos olindenses, em especial, bem como a grande parte da população da região. Os revoltosos

trataram de divulgar a informação de que Mendonça Furtado estaria mancomunado com os estrangeiros, os quais, por sua vez, estariam preparando ataque à província, e seu consequente saque. A Conjuração do Nosso Pai foi um movimento de insatisfação que não teve maiores repercussões e, inclusive, os historiadores referem-­­­se à essa rebelião en passant (em francês: de passagem). Mas essa conjuração inscreve-­­­ se nos anais da nossa história como um dos primeiros movimentos locais no qual assomou o sentimento de brasilidade.

A maioria dos movimentos libertários surgidos no Nordeste, desde os primórdios da Colônia até a contemporaneidade, teve sua gênese em Pernambuco.

A Conspiração dos Suassunas

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Movimento revoltoso irrompido em Olinda, na província de Pernambuco, a denominada Conspiração dos Suassunas, constitui­-­­­s e, segundo os parâmetros históricos, não uma revolta, mas uma breve conjuração protagonizada por alguns homens de boa formação moral e intelectual que detinham indiscutível liderança intelectual e econômica junto à população local. Em Olinda identificou­-­­­s e a gênese do foco rebelde que emergiu no limiar do século XIX. Este episódio, pouco conhecido da nossa historiografia, tem, no entanto, grande significação para a

Casa de Detenção em Recife onde estiveram presos os acusados de participar da conspiração

história-­­­p átria, como mais uma iniciativa em favor da liberdade do nosso povo. O olvido histórico da Conspiração dos Suassu-

nas se deve também ao fato de que a devassa correu em sigilo à época, devido à elevada posição social dos implicados.

Em Olinda identificou­-­­­s e a gênese do foco rebelde que emergiu no limiar do século XIX. Este episódio, pouco conhecido da nossa historiografia, tem, no entanto, grande significação para a história pátria, como mais uma iniciativa em favor da liberdade do nosso povo. www.nordestevinteum.com.br

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Confederação dos Cariris

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ituado em meio às intempéries do semiárido nordestino, o Cariri cearense, com seu clima temperado, águas cristalinas e terras verdes e férteis, era, para os índios que habitavam a região, um “território sagrado”, antes mesmo que os primeiros colonizadores chegassem para usurpá‑lo. Foi lá, assim como em outras regiões do semiárido brasileiro, que a Nação Cariri (kariri ou quiriri) realizou de 1683 e 1713 a Confederação dos Cariris, ou Guerra dos Bárbaros, movimento de resistência desses indígenas à dominação portuguesa. O movimento de resistência

contra os desmandos praticados pelo dominador português, protagonizado por várias tribos indígenas brasileiras pertencentes à Nação Cariri, desmente o entendimento popular de que os silvícolas são tendentes à ociosidade e à acomodação. Os cariris – grupos étnicos que usavam o mesmo código linguístico e tinham o costume de cultivar a agricultura, a pesca e, quando necessário, guerreavam para defender seu território –, negavam, pela valentia e coragem, a etimologia do próprio nome, que quer dizer tristonho, calado, silencioso. Ao contrário, eram ousados e aguerridos na ação belicosa.

Palmares: para preservar a conquista da liberdade

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urante a escravidão no País, era para o Quilombo de Palmares que acorriam não apenas negros fugidos das senzalas, mas índios, mestiços e brancos. Qualquer um que, por algum motivo, temesse a lei da Corte, podia buscar abrigo no Reino de Ganga Zumba, que lá encontraria guarida. Assim, Palmares resistiu durante 50 anos às investidas dos fazendeiros que gastaram rios de dinheiro sem sucesso. Isto porque em Palmares, apesar de ser um reino governado por pessoas incultas, havia disciplina, leis, ordem, fortificações e exército. Da crise surgiu Zumbi: guerreiro, diplomata e estadista. Coube

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ao paulista Domingos Jorge Velho, um bandeirante mercenário com larga experiência nas guerras do sertão, a missão de dar cabo da nação de Zumbi. Era 1685 quando ele – considerado um homem rude e violento, que falava mal o português e se comunicava sempre em tupi-­­­guarani –, a mando do governador de Pernambuco, João da Cunha Souto Maior, organizou uma tropa de sete mil homens e atacou o Reino de Palmares, que já contava com 30 mil habitantes e uma pujante economia para a época, deflagrando uma luta longa e cruel que durou cerca de três anos. Traído por um

dos seus, Zumbi foi derrotado e Palmares destruído. Conta a história que o jovem gigante Zumbi, mesmo cercado pelas tropas de Jorge Velho, reuniu seus generais leais e atirou‑se temerariamente ao combate. De armas na mão, avançou contra o inimigo como um tigre enfurescido. Jamais o prenderiam. Zumbi abriu caminho entre um sem‑número de atacantes e conseguiu subir a um rochedo. Lá de cima, ensanguentado pelos ferimentos que recebera na trajetória da luta, atirou‑se ao abismo. Zumbi morreu, mas ficou plantada a semente imorredoura da liberdade.

Conta a história que o jovem gigante Zumbi, mesmo cercado pelas tropas de Jorge Velho, reuniu seus generais leais e atirou‑se temerariamente ao combate.

“Lisos” e “Cabeludos” disputam o poder nas Alagoas

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Revolta dos Lisos contra os Cabeludos foi deflagrada na Província de Alagoas, em 1844. Os liberais, denominados então de cabeludos, estavam em alta nas Alagoas, em meados dos anos 40 do século XIX. O jovem político liberal João Lins V ­ ieira Cansanção de Sinimbu dava as ordens e as cartas. Seu poder no Império era imenso, tendo sido governador, em épocas distintas, dos Estados de Alagoas, Sergipe, Bahia e Rio Grande do Sul, além de primeiro-­­­ministro do 27º Gabinete

Parlamentar do Império do Brasil. Era implacável no exercício do mando. Quando Bernardo de Souza Franco – Visconde de Souza Franco – foi nomeado governador da Província de Alagoas, os conservadores estrilaram e partiram para a defesa dos seus interesses, uma vez que Bernardo era correligionário e amigo de Sinimbu. Alegaram parcialidade do Governo Provincial na condução da política, em benefício dos liberais. Os conservadores, apelidados de lisos, sob a liderança do advoga-

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do José Tavares Bastos, não vendo atendidos seus apelos, foram às armas. Denunciando a intenção do novo presidente da província em instituir uma oligarquia liberal em terras alagoanas, os conservadores optaram pela reação armada e, em razão disso, Maceió foi invadida duas vezes, obrigando Souza Franco a refugiar-­­­se em um navio estrangeiro ancorado no porto. Mas, apesar do intenso tiroteio promovido pelos homens que defendiam o partido de Tavares Bastos, os lisos acabaram sendo derrotados. O fracasso dessa investida foi compensado pouco depois, quando tropas imperiais chegaram à cidade e colocaram um ponto final na divergência.

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batizado e educado pelos jesuítas na capitania de Pernambuco. O movimento logo se alastrou por várias regiões, ­estendendo-­­­­se pelo interior do Maranhão, do Piauí e alcançando o Ceará. O conflito resultou na morte de muitos portugueses, sendo que os

Guerra dos Mascates

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rivalidade surgida por fatores econômicos entre pernambucanos e portugueses habitantes das cidades de Recife e Olinda foi o móvel de uma das mais complexas revoltas ocorridas no tempo colonial. Cerca de meio século depois da Batalha dos Guararapes – na primeira metade do século XVII e que culminou com a expulsão dos holandeses de Pernambuco – pouco a pouco foi crescendo um sentimento antagônico entre a aristocracia brasileira dos senhores de engenho, que em geral residiam em Olinda, e os negociantes portugueses moradores de Recife, estes apelidados por aqueles, com desprezo, de mascates. Entre as origens desse sentimento estava a ruína que a guerra levara a Olinda, então capital de

Pernambuco, mutilando‑a e deixando‑a sob estragos dos quais não havia ainda se recuperado cinquenta anos depois. Enquanto isso, Recife conseguira se soerguer e gozava de grande prosperidade. A Guerra dos Mascates constituiu um episódio doloroso do povo pernambucano, porque tinha características de uma guerra civil, considerada a única espécie de guerra verdadeiramente deplorável por Dostoiévski (Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski, escritor russo, em “Diário de um escritor”), pois “decompõe o Estado, dura muito tempo e embrutece o povo por muitos séculos”. Talvez cansados dessa guerra é que os pernambucanos passaram mais de cem anos sem pegar em armas novamente.

O movimento logo se alastrou por várias regiões, estendendo-­­­se pelo interior do Maranhão, do Piauí e alcançando o Ceará.

O Bairro do Pelourinho, totalmente destruído na guerra dos Mascates

A bravura do índio Mandu Ladino

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Revolta de Mandu Ladino, no Piauí, foi um conflito que opôs os indígenas do interior da então capitania aos colonizadores portugueses, tendo se estendido de 1712 a 1719. O líder da revolta foi o índio arani Mandu Ladino, nome que lhe colocaram os brancos. E ele não escondia o ódio que lhe brotava do peito contra aqueles que haviam, de alguma maneira, contribuído para exterminar sua família e seu povo. Mandu trabalhou muito tempo

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como escravo-­­­vaqueiro. A morte de um dos seus, de forma bárbara, cruel e desumana, deixou-­­­o plenamente revoltado. Inconformado diante de tamanha estupidez, Mandu Ladino articulou a punição dos culpados, reunindo alguns índios e atacando a guarnição militar portuguesa, exterminando todos os que ali estavam em um desatinado ato de vingança, consolidando sua liderança entre os índios e tribos da região. Em razão do que ocorreu em termos de agressões e injustiças www.nordestevinteum.com.br

para com o morador local e legítimo proprietário das terras, o elemento índio, surgiu o movimento de reação que culminou com o assassinato do fazendeiro Antônio da Cunha Souto, pelos indígenas, revoltados com a maneira cruel e desumana como tratava os seus trabalhadores, especialmente os escravos. A partir desse momento, o episódio se transformou em uma rebelião contra os fazendeiros, sob a liderança de Mandu Ladino, o arani do ramo étnico dos Cariris,

prejuízos econômicos causados pela revolta foram inúmeros, a contar pelas muitas fazendas arrasadas nessas regiões. A revolta alastrou-­­­se pela região ganhando o apoio de indígenas e trabalhadores. Ficou conhecida com o nome do seu líder.

Guaxenduba e a derrota do Senhor de La Ravardière

local chamava-­­­se Guaxenduba, no Maranhão, e na manhã do dia 19 de novembro de 1614, seria cenário de uma das mais importantes batalhas da história do Brasil. A costa maranhense estava então sob o domínio dos franceses, que intentaram estabelecer um protetorado da França no Brasil. Inicialmente buscaram estabelecer uma “França Antártica”, no Rio de Janeiro (1555-­­­ 1567) e, depois, no Maranhão, onde chegaram em 1612, sob o comando do tenente-­­­ general do Rei de França, Daniel de La Touche, Senhor de La Ravardiére, para implantar a “França Equinocial”. Na Batalha de Guaxenduba, La Touche foi batido pelo mameluco Jerônimo de Albuquerque, que comandava forças bem inferiores às francesas. Para muitos, a vitória em Guaxenduba constitui um milagre, ainda hoje lembrado pelos maranhenses Registros da época levam a crer que o fim da “França Equinocial” nos pagos maranhenses não se deu apenas em razão da fragorosa derrota que La Touche sofreu em Guaxenduba diante de “uma pobre expedição fruto de contradições, em-

baraços e misérias de todo o gênero” – a qual saindo de Pernambuco sob o comando de Jerônimo de Albuquerque, tinha já as forças minoradas em razão de moléstias e insubordinações – senão pela covardia de muitos que desertaram ante a possibilidade da derrota iminente. No entanto, essas forças alquebradas derrotaram o poderoso exército do chefe francês. Daí www.nordestevinteum.com.br

advém a crença de que a vitória de portugueses e brasileiros resultou de um milagre patrocinado pela Virgem Maria. Segundo a lenda, a Mãe do Senhor foi ter à linha de batalha dos patrícios e transformou areia em pólvora, ensejando a que 170 portugueses e 80 nativos se sobrepujassem na luta contra 300 franceses e 2000 índios tupinambás. Dezembro/2011

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milênio 3º Apple planeja novo campus em formato de “disco voador”

Biografia de Steve Jobs é o livro mais vendido pela Amazon em 2011

Curiosidades Inseto ciborgue

“Steve Jobs”, a biografia do cofundador da Apple que morreu em 5 de outubro, se tornou o livro mais vendido do ano na Amazon.com, segundo informações divulgadas pela empresa. A biografia autorizada de Steve Jobs foi escrita por Walter Isaacson e lançada no dia 24 de outubro em todo o mundo, incluindo o Brasil. O livro, batizado apenas de “Steve Jobs”, é baseado em mais de 40 entrevistas, feitas ao longo de dois anos, com o cofundador da Apple que morreu no início de outubro. Também foram entrevistados amigos, colegas e concorrentes do executivo considerado o “pai” do iPhone, do iPod e do iPad. Isaacson é diretor-­­­geral do Instituto Aspen, foi presidente da CNN e editor da revista “Time”. Ele escreveu “Einstein: Sua vida, seu universo” e “Benjamin Franklin: An american life”. http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2011/12/biografia-­­­de-­­­steve-­­­jobs-­­­e-­­­o-­­­ livro-­­­mais-­­­vendido-­­­pela-­­­amazon-­­­em-­­­2011.html

Empresa desenvolve bateria alimentada por Bluetooth que dura dez anos Nos Estados Unidos, cientistas estão criando insetos ciborgues para serem usados em situações potencialmente perigosas a humanos.

A cidade de Cupertino, na Califórnia, publicou em seu site os planos da Apple para a construção de seu novo campus em forma de “disco voador” no local. A empresa submeteu ao conselho da cidade uma série de plantas da obra, incluindo algumas projeções de como o campus deve ser. As plantas incluem setores como áreas para restaurante e um centro de fitness. Steve Jobs anunciou a construção do novo campus quando ainda estava no comando da Apple – ele morreu no dia 5 de outubro. Jobs foi pessoalmente ao conselho da cidade de Cupertino para responder perguntas sobre a obra e revelou que comprou o terreno da Hewlett-­­­Packard.

O professor Khalil Najafi e seu aluno Erkan Aktakka, da Universidade de Michigan, planejam usar os insetos para monitorar, por exemplo, uma área de vazamento químico, de radiação ou um incêndio.

http://olhardigital.uol.com.br/produtos/

digital_news/noticias/empresa-­­­desenvolve-­­­bateria-­­ ­alimentada-­­­por-­­­blutetooth-­­­que-­­­dura-­­­dez-­­­anos

http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2011/12/imagens-­­­ mostram-­­­campus-­­­em-­­­formato-­­­de-­­­disco-­­­voador-­­­da-­­­apple.html

Intel ajudará pequenas empresas na produção de ultrabooks

Tecnologia ciborgue

Mais do que humano Cientistas anunciaram recentemente o sucesso de um teste feito com lentes de contato que podem projetar imagens nos olhos das pessoas. A ideia ainda está em fase inicial de desenvolvimento, porém no futuro você poderá ver seus e-­­­mails e mensagens através de seu globo ocular, como se fosse em um videogame. Os próprios jogos eletrônicos vão entrar em um estágio avançado de imersão na jogabilidade. Os cientistas da Universidade de Washington, em Seattle, dizem que as lentes são seguras e podem ser usadas tranquilamente, porém ainda existem alguns obstáculos no caminho da tecnologia, como, por exemplo, descobrir um jeito eficiente de fornecer energia para o aparelho. Apesar disso, graças ao trabalho deles, uma visão próxima do que vemos no filme “Exterminador do Futuro” está próxima da realidade.

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A Broadcom, empresa voltada para a fabricação de produtos wireless e serviços banda larga, está desenvolvendo uma bateria com 10 anos de vida útil para teclados, mouses e outros aparelhos interativos. O recurso será baseado em um dispositivo de interface humana (HID, na sigla em inglês) e um chip contendo o software que vai fornecer as melhorias, todas compatíveis com o Bluetooth. De acordo com o site Wired, o chip vai possuir uma tecnologia chamada BCM20730, que usará diferentes maneiras para aumentar o poder das baterias e reduzir o consumo de energia. Além disso, as ferramentas vão eliminar o procedimento de instalação de vários aparelhos e substituí-­­­los por simples conexões USB, ligando-­­­os automaticamente. A grande diferença é que o chip vai permitir a compatibilidade do sistema com periféricos mais antigos do Bluetooth e funcionará através de duas pilhas AA, que terão uma durabilidade de pelo menos dez anos cada.

Muitos outros tipos de tecnologia ciborgue estão em desenvolvimento. Elas serão capazes de melhorar nossos corpos e possibilitar novos jeitos de interagir com o mundo, além de ainda dar esperança de melhorar drasticamente a vida de pessoas portadoras de deficiência física. http://tecnologia.br.msn.com/fotos/tecnologia-­­­ciborgue

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Com o objetivo de impulsionar a entrada dos ultrabooks no mercado, a Intel lançará um projeto para ajudar pequenas empresas a desenvolver seus próprios modelos. A fabricante de processadores fará acordos que envolvem grandes fabricantes de peças, como Foxconn e Pegatron, e os pequenos empreendedores. A empresa se reunirá com os parceiros em Taiwan para que eles façam acordos com pequenos fabricantes, permitindo a produção dos ultrabooks. Na lista de potenciais fabricantes estão empresas como Epson, Onkyo, Viewsonic, Mustek, Motion Computing, WiPro e Positivo. O foco nas pequenas empresas acontece porque marcas maiores e mais consolidadas no mercado como HP, Dell, Acer, Asus e Toshiba já produzem seus próprios ultrabooks, inclusive com o novo processador Ivy Bridge. Segundo o CNet, não é a primeira vez que a Intel tenta impulsionar o mercado dos ultrabooks. A empresa já havia criado um fundo de US$300 milhões (cerca de R$536 mi) para o desenvolvimento e aprimoramento de vida útil de baterias, além da criação de designs mais bonitos e leves. http://olhardigital.uol.com.br/produtos/mobilidade/noticias/intel-­­­ajudara-­­­pequenas-­­­empresas-­­­na-­­­producao-­­­de-­­­ultrabooks www.nordestevinteum.com.br

cyber space Escândalo:

Nokia, Apple e o misterioso aplicativo que sabe tudo sobre você Parece que os dias do domínio total da SkyNet estão mais próximos do que imaginávamos. O aplicativo embutido nos celulares que é capaz de verificar tudo o que você faz, mesmo quando está offline.

O espião da Nokia

Agora, começam a surgir mais indícios de seu uso em outras plataformas além do Android. Primeiramente, Trevor Eckhart, responsável pela descoberta do Carrier IQ, comentou que os aparelhos da Nokia também estavam utilizando o aplicativo em seus celulares. Entretanto, a companhia foi direto ao ponto e respondeu às alegações afirmando que o “Carrier IQ não acompanha nenhum dos produtos da Nokia”, declarando que as afirmações feitas anteriormente eram imprecisas.

Nem a Apple escapa

Outra companhia que também foi investigada por hackers em busca do Carrier IQ é a Apple. O hacker Chpwn, já conhecido no ramo, comentou que havia encontrado indícios do aplicativo no iOS 3.1.3 e também no iOS 5. Entretanto, após investigações mais aprofundadas, Chpwn relatou que o software pode estar ativo apenas quando o iPhone está no modo Diagnóstico, que é desativado por padrão. Além disso, Chpwn também comentou que os registros feitos pelo Carrier IQ nas plataformas iOS são limitados à apenas ligações e geolocalização — ou seja, nada de coleta de dados referentes a navegação na web, SMS e outros. http://www.tecmundo.com.br/ataque-­­­hacker/16071-­­­ escandalo-­­­nokia-­­­apple-­­­e-­­­o-­­­misterioso-­­­aplicativo-­­­que-­­­ sabe-­­­tudo-­­­sobre-­­­voce.htm

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Poder Local & Cidadania

Fortalecendo a cidadania

“Não se pode ensinar nada a um homem; só é possível ajudá-­­­lo a encontrar a coisa dentro de si”, dizia o cientista italiano Galileu Galilei, no século XVIII. A Nordeste VinteUm mostrou nas páginas de Poder Local & Cidadania vários exemplos de pessoas que encontraram dentro de si o potencial para mudar a sociedade a sua volta. Neste mês, recapitulamos 11 exemplos de projetos sustentáveis e filantrópicos mostrados em detalhes ao longo de 2011.

J

á na primeira matéria de 2011, “Vidas articuladas”, a Nordeste VinteUm trouxe uma experiência importante para a convivência no semiárido brasileiro. Trata-­­­se da organização não governamental Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), que vem beneficiando milhares de cidadãos por meio do programa de cisternas. Cerca de 2 milhões de pessoas tiveram acesso a água com ajuda da ONG através do Programa 1 milhão de Cisternas (P1MC), que desde 2003 promove a descentralização das estruturas de abastecimento de água. A ASA já movimentou, até hoje, cerca de R$700 milhões em âmbito nacional, sendo revertido em benefícios. Em fevereiro, a reportagem “No passo da Edisca” informou aos leitores sobre a organização não governamental Edisca (Escola de Dança e Integração Social para Criança e Adolescente), em Fortaleza-­­­Ceará. Fundada pela bailarina Dora Andrade em 1991, a Edisca, por meio da dança, realiza há duas décadas uma transformação na realidade de crianças

Projeto Edisca, de Fortaleza -­CE

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Por André Teixeira redacao@nordestevinteum.com.br

Beneficiários da ASA, ao lado cisterna do projeto P1MC

e adolescentes de bairros pobres de Fortaleza, fazendo-­­­os descobrir a arte e o próprio potencial. A entidade atingiu a marca de 1.668 alunos atendidos com cursos artísticos e pedagógicos, ao mesmo tempo em que se firmou como uma escola de balé reconhecida no País e no exterior, tendo realizado espetáculos em outros países como Itália, França, Alemanha, Áustria e Estados Unidos. www.nordestevinteum.com.br

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No mês de março, a Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong) foi destaque em nossas páginas. Segundo a entidade, o conceito de ONG está associado à promoção de objetos comuns de forma não lucrativa por parte de homens e mulheres. No País, as ONGs surgiram sob o ruído das manifestações populares, por volta das décadas de 1970 e 1980, que tinham na promoção da cidadania, defesa de direitos e luta pela democracia política e social seus principais alicerces. Criada em 1991 por um conjunto de ONGs, a Abong se define como uma associação de ONGs e não das ONGs, pois não objetiva ser uma representação universal, e sim uma organização que expressa a iniciativa de um grupo identificado com essa proposta. Em abril, mês em que comemoramos a Páscoa, o leitor pôde conhecer um pouco mais sobre a Paixão de Cristo de Nova Jerusalém, realizada há 44 anos durante a Semana Santa no município do Brejo da Madre de Deus, em Pernambuco, um dos maiores espetáculos teatrais ao ar livre do mundo. De acordo com estimativa da entidade organizadora, são gerados com a Paixão de Cristo cerca de 1.000 empregos diretos e 7.000 indiretos. O projeto Golfinho Rotador, em Fernando de Noronha – PE, foi nosso tema de maio. O êxito da iniciativa perpassa pela preservação dos golfinhos rotadores, espécie até então ameaçada de extinção, e desenvolve educação ambiental, capacitação dos habitantes e geração de emprego e renda para a comunidade do arquipélago de Noronha. Coordenado pelo Centro de Ma-

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Projeto Fecundação, no Piauí

Paixão de Cristo de Nova Jerusalém

Em abril, mês em que comemoramos a Páscoa, o leitor pôde a conhecer um pouco mais sobre a Paixão de Cristo de Nova Jerusalém, realizada há 44 anos durante a Semana Santa no município do Brejo da Madre de Deus míferos Aquáticos (CMA), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), e patrocinado pela Petrobras, o Projeto Golfinho Rotador existe há pouco mais de duas décadas e surgiu pela alta frequência da espécie no local, a falta de conhecimento sobre esses animais e a preocupação com o crescimento desordenado do turismo náutico em Fernando de Noronha. Em junho, relatamos a força de vontade dos trabalhadores da Usina Catende, que após dificuldades financeiras, muitas delas resultantes de má gestão, passou a ser administrada por seus funcionários. Ela é o primeiro caso brasileiro no qual uma

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Usina Catende, em Pernambuco

usina teve sua falência decretada pela Justiça a partir do pedido dos próprios trabalhadores e, por conseguinte, como o maior projeto de autogestão e economia solidária do País. Tudo começou quando o operário Francisco Eduardo Sousa, cinco de seus familiares e outros 2.300 funcionários não aceitaram a demissão em massa da indústria a qual serviam. No ano da falência, ele e os demais trabalhadores conseguiram na Justiça o direito de reconstruir a usina, com as próprias mãos, tirando dinheiro do bolso e formando o Projeto Catende Harmonia. O resultado é que eles tiveram a remuneração recompensada e

mantêm até hoje a Usina Catende em operação. O empreendimento emprega quatro mil trabalhadores e tem produção anual de quase um milhão de sacos de açúcar cristal (dado de 2009). Julho foi a vez de mostrarmos como os piauienses convivem com o semiárido. Com a ajuda do Projeto Fecundação eles desenvolvem ações articuladas para a melhoria de vidas das famílias do município de Coronel José Dias. O programa social visa levar mais qualidade de vida às populações do semiárido ao mesmo tempo em que se tenta preservar o bioma Caatinga. A história já vem sendo contada há oito anos e atende a mais de duas mil famílias. João Evangelista, coordenador do projeto, explica que a iniciativa se baseia em quatro eixos principais, pilares que norteiam todo o trabalho de educação contextualizada para a convivência com o semiárido. São eles: gestão, formação, produção agropecuá-

ria apropriada e recursos hídricos. No mês de agosto, os leitores de Nordeste VinteUm puderam saber mais sobre o projeto Música Cidadã, que permitiu a crianças da comunidade do Coque, bairro de menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Recife-­­­ PE, transformarem a certeza de um futuro sem oportunidades no sonho de uma vida digna para si e suas famílias. A Orquestra Criança Cidadã vem melhorando a vida de 130 crianças e adolescentes, aplaudidas por plateias em favelas e até palácios presidenciais, tendo completado cinco anos em 25 de julho de 2011, ocasião em que contou com a presença do ex-­­­presidente Lula, com quem as crianças dizem compartilhar uma origem de pobreza. Setembro mostrou o trabalho da Bodega de Produtos Sustentáveis do Bioma Caatinga, uma Rede de Organizações Ecoprodutivas vinculada a ONG Agendha (Assessoria e Gestão em Estudos da Natureza, Desenvolvimento e Agroecologia) que consiste em prestar assessoria técnica para viabilizar as associações e dar subsídios para que elas consigam vender sua produção, divulgando os produtos e articulando espaços em feiras de exposição de todo o Brasil.

Setembro mostrou o trabalho da Bodega de Produtos Sustentáveis do Bioma Caatinga, uma Rede de Organizações Ecoprodutivas vinculada a ONG Agendha (Assessoria e Gestão em Estudos da Natureza, Desenvolvimento e Agroecologia)

Orquestra Criança Cidadã

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“A conquista da Terra e do Mar” é o título da matéria de outubro, que mostra a atuação do Instituto Terramar, no Ceará, há 18 anos lutando pela posse de terras e pela valorização da imagem do pescador. O grupo estimula a valorização da pesca e a preservação das zonas pesqueiras por meio do incentivo à pesca sustentável e ao turismo comunitário. Sem fins lucrativos, o instituto tem como principal papel promover, organizar, e incentivar o desenvolvimento integrado junto às populações costeiras cearenses no intuito de combater a degradação ambiental – ocasionada principalmente pela pesca predatória de camarão – e fortificar o turismo comunitário, a cultura da pesca e enaltecer a figura do pescador. O direito à água em regiões semiáridas, oportunizado pelo Centro de Assessoria e Apoio aos Trabalhadores e Instituições não Governamentais Alternativas (Caatinga), foi tema da

ONG Caatinga

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Sala de Reboco

Instituto Terramar

Por Arievaldo Viana, da Academia Brasileira de Literatura de Cordel redacao@nordestevinteum.com.br

COMEÇAM AS COMEMORAÇÕES DO CENTENÁRIO No dia 13 de dezembro deste ano começaram oficialmente em todo o País, especialmente no Nordeste, as comemorações alusivas ao centenário de Luiz Gonzaga do Nascimento, o Rei do Baião, a voz mais expressiva da música nordestina e uma das principais matrizes criativas da MPB.

TREZE DE DEZEMBRO, A CANÇÃO Em 5 de fevereiro 1953 no auge de sua parceria com Zedantas, Luiz Gonzaga volta a gravar uma música instrumental, coisa que vinha abandonando aos poucos desde que começara a fazer sucesso como cantor. No lado “A” do bolachão de cera estava o sucesso “Xote das meninas” e no lado “B” a bela composição instrumental. Trata-­­­se do chorinho “Treze de dezembro”, referência explícita à data de seu nascimento, gravação de insuperável beleza, lançada em maio do mesmo ano (80-­­­1108-­­­B, matriz BE3VB-­­­0008). A composição nascera em dezembro de 1952, quando Gonzaga completara 40 anos. Segundo alguns admiradores de Zedantas, a música foi feita somente por ele como um presente de aniversário para Gonzaga, que encarregou-­­­se de dar uma roupagem com sua sanfona magistral. Nesta gravação mestre “Lua” prova de maneira incontestável ser um grande instrumentista. A esse respeito, é interessante reproduzir um comentário do escritor Abílio Neto, publicado em nosso blog www.acordacordel.blogspot.com:

Poder Local de novembro. O Caatinga vem garantindo o acesso à água a milhares de pessoas no semiárido pernambucano. A ONG foi desenvolvida por um grupo de agrônomos que realiza um trabalho filantrópico para o campo. Ela completou 25 anos em 2011 e atua diretamente em 10 cidades do sertão do Araripe, em Pernambuco, divisa com a Região do Cariri, Sul do Ceará; e também na cidade de Parnamirim, no Sertão Central pernambucano. A ONG ajuda famílias a desenvolverem estocagem de água e de alimentos para garantir segurança hídrica e alimentar por até oito meses de estiagem, acumulando recursos no período chuvoso, mesmo em ano de baixa incidência pluvial. Os membros da entidade se articulam com projetos políticos para levar à população de sertão do Araripe projetos governamentais que garantem a construção de cisternas e poços, por exemplo. Os produtores rurais têm também a oportunidade de comercializar produtos artesanais, por meio do Projeto Juventude, Arte & Cultura II, criado pelo Caatinga para inserir jovens no comércio formal, gerando renda para jovens do sertão. www.nordestevinteum.com.br

“Prezado Arievaldo, eu não sei quais foram as suas fontes, mas reina uma grande injustiça no Brasil em relação a essas parcerias de Luiz Gonzaga com Zé Dantas. Eu até conheço algumas músicas que Luiz Gonzaga só fez a ‘sanfonização’ como ele dizia. Mas este não é o caso do choro Treze de Dezembro. Nas minhas pesquisas nunca encontrei um choro composto por Zé Dantas, ao contrário de Luiz Gonzaga, que de 1941 a 1945 compôs vários. Um choro como este, de três partes, com essas harmonias, foge ao perfil musical de Zé Dantas. Suas melodias eram mais simples. Assim sendo, eu sou de opinião que em função daquele acordo de parceria informal que havia entre eles, a música saiu em nome dos dois, porém fora produzida por Luiz Gonzaga somente. Nem mesmo aquela barbaridade que escreveram no encarte de um dos CDs da Revivendo sobre a origem desse choro me convence. Certa vez Dominguinhos disse que este choro trazia toda a essência de Gonzaga para compor esse tipo de música.”

Na ilustração de Jô Oliveira, o menino Gonzaga aparece tocando um fole “pé-­­­de-­­­bode”

LETRA DE GIL, GRAVAÇÃO DE ELBA RAMALHO Muito tempo depois, em uma singela homenagem ao mestre, o compositor baiano Gilberto Gil resolveu colocar uma letra na canção que acabou sendo gravada por Elba Ramalho em um de seus melhores discos, o CD “Leão do Norte”, de 1996.

TREZE DE DEZEMBRO

Melodia de Luiz Gonzaga e Zedantas Letra de Gilberto Gil Gravação de Elba Ramalho no CD Leão do Norte Bem que esta noite eu vi gente chegando Eu vi sapo saltitando E ao longe ouvi o ronco alegre do trovão Alguma coisa forte pra valer Estava para acontecer na região Quando o galo cantou Que o dia raiou eu imaginei

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É que hoje é treze de dezembro e a treze de dezembro Nasceu nosso rei O nosso rei do baião A maior voz do sertão Filho do sonho de Dom Sebastião Como fruto do matrimônio Do cometa Januário Com a estrela Santana Ao nascer da era do Aquário No cenário rico das terras de Exu O mensageiro nu dos orixás É desse treze de dezembro Que eu me lembrarei e sei que não me esquecerei jamais. Dezembro/2011

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Educar 21 Avanços e dificuldades da

Educação em 2011 Neste ano, a Revista Nordeste VinteUm, através da seção Educar 21, tentou levar aos seus leitores os principais assuntos que permearam a educação no Brasil, principalmente no Nordeste, buscando informar como a Região vem tratando desse tema, os avanços, as dificuldades e as adaptações às novidades que vêm surgindo no campo da educação. Nesta última edição do ano, a revista traz um resumo dos assuntos abordados, que vão desde a evolução dos Institutos Federais no Nordeste ao andamento do Plano Nacional de Educação (PNE) que valerá até 2020.

Por George Veras redacao@nordestevinteum.com.br

N

o primeiro mês do ano, a Revista tratou de levar ao conhecimento dos leitores uma nova realidade que surgiu em benefício de milhões de jovens e adultos da classe trabalhadora: o fortalecimento dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. No Nordeste, são 11 unidades que, por sua vez, totalizam 119 campi espalhados pelos Estados da região e que disponibilizam à comunidade capacitação técnica em

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áreas específicas. Os Institutos Federais de Educação disponibilizam capacitação técnica em áreas específicas de acordo com o mercado de trabalho, observando o potencial de cada região. A matéria mostrou que por se tratar de instituições estatais, os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia não se limitam a ministrar capacitação para o trabalho, também valorizam o ensino médio integrado, priorizando a formação do www.nordestevinteum.com.br

cidadão antes da capacitação para o trabalho. No Nordeste, a primeira fase da expansão objetivou a implantação de 19 escolas, o que gerou a criação de 22,8 mil novas vagas. Já na segunda etapa da expansão, foram implantadas 51 novas escolas, com investimento aproximado de R$ 255 milhões. Antes da política de expansão, a Região Nordeste contava com apenas 49 Escolas Federais de Educação Profissional. Como hoje há 119, o incremento ultrapassa a mar-

Além dos programas de capacitação, a União criou o Prêmio Professores do Brasil, que tem o intuito de reconhecer o mérito de professores das redes públicas de ensino, pela contribuição dada à melhoria da qualidade da educação básica

ca de 140%, se comparado ao número de escolas existentes em 2005. Em fevereiro, a Educar 21 falou sobre capacitação dos professores. A Nordeste VinteUm pesquisou como o governo federal contribui para as escolas municipais em terras nordestinas, principalmente no que pese a questão financeira e a formação dos nossos profissionais da educação. Nós descobrimos que houve uma mudança na visão da formação de professores, antes entendida como eventos pontuais no início do ano letivo. Mostramos ainda que o Ministério da Educação (MEC) disponibiliza vários programas voltados para a capacitação dos professores. O Pró-­­­Letramento – Mobilização pela Qualidade da Educação – é um deles. Ele prima pela formação continuada de professores das séries iniciais do ensino fundamental. O objetivo do governo federal é a melhoria da qualidade de aprendizagem da leitura, escrita e matemática. O programa é realizado pelo MEC, em parceria com universidades que integram

a Rede Nacional de Formação Continuada e com adesão dos Estados e municípios. Além dos programas de capacitação, a União criou o Prêmio Professores do Brasil, que tem o intuito de reconhecer o mérito de professores das redes públicas de ensino, pela contribuição dada à melhoria da qualidade da educação básica, por meio de experiências pedagógicas bem-­­­ sucedidas, criativas e inovadoras. No mês seguinte foi a vez de falar da educação pela música, um recurso que vem sendo utilizado não apenas nas escolas particulares do Brasil, mas também na rede pública de ensino. E, no Nordeste, não poderia ser diferente. A partir da lei no 11.769, o MEC recomendou que, além das noções básicas de música, dos cantos cívicos nacionais e dos sons de instrumentos de orquestra, os alunos aprendam cantos, ritmos, danças e sons de instrumentos regionais e folclóricos para, assim, conhecerem a diversidade cultural do Brasil. A Revista Nordeste VinteUm tomou como exemplo dois Estados que já trabalham com a música no currículo escolar: Sergipe e Ceará. No Ceará, por exemplo, mostramos que, conforme a Secretaria da Educação do Estado (Seduc), todas as escolas da rede estadual já abordam a música no seu currículo, mas não exclusivamente ela. Desse modo, os 333.363 estudantes da rede estadual de ensino têm acesso à música. Já em Sergipe de 2007 a 2009, a Secretaria da Educação desenvolveu um projeto em que os alunos da rede pública tinham acesso aos ensaios da orquestra sinfônica.

333

mil alunos da rede estadual de ensino do Ceará têm acesso à música

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Homenagem ao educador

Paulo Freire

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m abril, dedicamos a Educar 21 ao Centro de Referência Paulo Freire, em São Paulo. Isso porque se Paulo Freire (educador e filósofo) estivesse vivo completaria 90 anos. Fizemos questão de mostrar um pouco da trajetória desse nordestino que serviu de exemplo não somente para o Brasil, mas para o mundo, pois Paulo Freire se tornou um dos maiores educadores de todos os tempos. Atualmente, muitas instituições se dedicam a dar continuidade ao seu legado; entre elas, o Instituto Paulo Freire (IPF) e o Centro de Referência Paulo Freire (CRPF), sob responsabilidade do Instituto. A Nordeste VinteUm informou que o principal objetivo do Centro de Referência Paulo Freire é divulgar a obra e o legado do educador, mas não se resume somente a isso. O Centro também quer ser reconhecido como um

espaço aberto, físico e virtual, para quem se interessa pelas ideias de Paulo Freire, se concretizando assim como local de encontro, compartilhamento e produção de saberes, reflexões, estudos e pesquisas. Já em maio foi a vez de falar de um assunto que, de repente, começou a ser discutido nas mídias, nas redes sociais e nas rodas de conversas: o bullying — forma de violência, praticada geralmente entre crianças e adolescentes, com intenção de magoar ou ferir. De acordo com a mestre em Psicologia Cognitiva, professora de psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e atual coordenadora do Núcleo Cearense de Estudos e Pesquisas sobre a Criança (Nucepec), Andréa Cordeiro, o bullying se refere a toda forma de violência entre crianças, seja verbal ou física, geralmente ocasionada pela dificuldade de convívio com a diferença. Em junho, resolvemos abordar um tema bastante atual, a educação ambiental. Cada vez mais há uma preocupação crescente com o meio ambiente, e a educação, claro, não podia ficar de fora dessa

Paulo Freire se tornou um dos maiores educadores de todos os tempos. Atualmente, muitas instituições se dedicam a dar continuidade ao seu legado, entre elas o Instituto Paulo Freire. 62

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discussão. Na matéria intitulada “Educação ambiental pela cidadania”, a Nordeste VinteUm investigou como o Nordeste vem aplicando essa modalidade em seus Estados. Descobrimos a Escola de Ensino Médio e Fundamental Raul Tavares II, localizada no Bairro Jabuti, em Fortaleza, que desenvolveu o Projeto Tudo se Transforma. A iniciativa foi divulgada na imprensa local. O projeto pretende, por meio da educação ambiental, melhorar a qualidade de vida não apenas na escola, mas também nos lares e em toda a comunidade. Para que isso aconteça, professores estão utilizando múltiplas ações de conscientização e mobilização, dentro e fora das salas de aula. Diariamente, todos os envolvidos são orientados a fazer o uso dos “três ‘R’”: redução, reutilização e reciclagem do lixo. Assim como o Ceará, outros Estados do Nordeste vêm discutindo o tema. Cada um aborda a educação ambiental de sua maneira. No Maranhão, segundo a Secretaria de Educação do Estado, há um projeto em defesa do meio ambiente que é desenvolvido há mais de 15 anos nas escolas.

O Projeto Tudo se Transforma pretende, por meio da educação ambiental, melhorar a qualidade de vida não apenas na escola, mas também nos lares e em toda a comunidade.

No mês seguinte, falamos sobre os avanços e desafios da educação inclusiva, aquela que garante o cumprimento de uma norma preconizada na Constituição Federal de 1988: todos têm direito à educação. No País, o marco nessa área foi a implantação, em 2003, do Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade, do governo federal. A partir da educação inclusiva, estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades – os superdotados – estão tendo acesso às escolas. A Nordeste VinteUm informou que a Constituição Brasileira de 1988 traz a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola (art. 206) e a garantia do atendimento educacional especializado (art.208, III), mas foi a partir do Programa Educação Inclusiva do governo federal (2003) que houve um avanço na área. De acordo com o MEC, o Programa abrange todo o território nacional. No Nordeste, são 47 ­municípios-­­­polo (multiplicadores) e 1.794 municípios de abrangência. www.nordestevinteum.com.br

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Tecnologia na sala de aula

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m agosto, mergulhamos no mundo da tecnologia e o que ela vem proporcionando ao campo da educação. Pesquisamos como as novas tecnologias vêm sendo utilizadas nas escolas do Nordeste. Pesquisa realizada pela Fundação Carlos Chagas na Escola Municipal Deusdedit Craveiro de Melo, em José de Freitas, interior do Piauí, apontou que a diferença de aprendizagem foi notável a partir do uso de computadores, internet, lousas digitais ou softwares educativos. A matéria apontou ainda que o MEC vem investindo nas novas tecnologias, em três frentes: distribuição de equipamentos, produção de conteúdos e formação de professores para a utilização das tecnologias.

De 2000 a 2008, a educação a distância no Brasil deu um salto de 1.682 para 760.599 alunos, segundo dados da Secretaria de Educação a Distância (Seed), do Ministério da Educação (MEC), extinta no primeiro semestre deste ano. Era a Seed o órgão que cuidava da coordenação e inspeção da EaD no Brasil. 64

Dezembro/2011

Setembro foi o mês dedicado a tratar da educação a distância no Brasil. A Nordeste VinteUm informou que as primeiras ações de ensino a distância surgiram, no Brasil, em 1939, com a criação das instituições de ensino por correspondência no País. Na década de 1970, emissoras de rádio e televisão passaram a oferecer seus cursos — o pioneiro foi o Projeto Minerva, elaborado pelo governo federal para auxiliar na educação de adultos. A terceira geração do EaD (Ensino a Distância) teve início com a Internet e com o surgimento dos ambientes interativos, como chats, ­f óruns e e-­­­m ails. Dados do Anuário Brasileiro Estatístico de Educação Aberta e a Distância apontam que um em cada 73 brasileiros estuda pelo EaD, em diversos níveis de graduação, o que demonstra o quanto, ao

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longo dos anos, este modelo tornou‑se presente no nosso País. De 2000 a 2008, a educação a distância no Brasil deu um salto de 1.682 para 760.599 alunos, segundo dados da Secretaria de Educação a Distância (Seed), do MEC, extinta no primeiro semestre deste ano. Era a Seed o órgão que cuidava da coordenação e inspeção da EaD no Brasil. Em outubro contamos a história da manicure Maria Noemia Pereira, 58 anos, que está se esforçando para aprender a ler e a escrever. A matéria mostra como está a Educação Popular de Jovens e Adultos no Nordeste e no Brasil. O último Censo divulgado em 2010 revelou que 13,9 milhões de jovens, adultos e idosos no País não sabem ler nem escrever e que ainda 9,6% da população do Brasil, a partir de 15 anos, são analfabetos. O governo federal possui o Programa Brasil Alfabetizado, voltado à alfabetização de jovens, adultos e idosos e à formação de alfabetizadores. O MEC assegura que desde 2003 o Programa Brasil Alfabetizado atendeu, aproximadamente, 12 milhões de “alfabetizandos”, contribuindo para a erradicação/ minimização do analfabetismo no Brasil. No mês de novembro, a Educar 21 tratou de informar como está a discussão do novo Plano Nacional de Educação (PNE) que valerá para os próximos 10 anos. Até 2020 o governo federal pretende melhorar a qualidade da educação e valorizar o magistério, garantindo que

crianças, jovens e adultos possam conquistar, através da educação, seu espaço no País. As expectativas são positivas para o novo plano que nasce. Professores, parlamentares e especialistas em educação apostam que o PNE 2011-­­­ 2020 vai obter êxito. Entre as metas do Plano está: atingir médias mais altas no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb); garantir média 6,0 para os anos iniciais do Ensino Fundamental, média 5,5 para os anos finais do Ensino Fundamental e média 5,2 para o Ensino Médio; a valorização do magistério público da Educação Básica e asseverar, no prazo de dois anos, a existência de planos de carreira para os profissionais do magistério em todos os sistemas de ensino.

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O MEC assegura que desde 2003 o Programa Brasil Alfabetizado atendeu, aproximadamente, 12 milhões de “alfabetizandos”, contribuindo para a erradicação/minimização do analfabetismo no Brasil Dezembro/2011

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