Secreta Vitae 2ª edição
Jota Mello
Secreta Vitae 2ª edição
São Paulo 2018
Copyright © 2017 by Editora Baraúna SE Ltda
Capa
Aline Benitez
Diagramação
Editora Barauna
Revisão
Bianca Brione
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ ________________________________________________________________ M478s Mello, Jota Secreta Vitae: segunda edição / Jota Mello. - São Paulo: Baraúna, 2018. ISBN 978-85-437-0860-7 1. Conto brasileiro. I. Título. ________________________________________________________________
Impresso no Brasil Printed in Brazil
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Dedicatória “Viver é uma ciência, mas envelhecer é uma arte! É nisto que acredito; na arte de saber envelhecer”.
Dedico este livro a turma da Ilha, amigos da juventude, onde quer que estejam. Também aos sonhos que tivemos e nos trouxeram onde estamos. Se por algum motivo nos perdemos pelo caminho é porque deixamos de sonhar. Jota Mello
O Buscador
1 A Lei Chega ao fim mais um dia quente de verão.
O relógio marca dezoito horas e trinta e seis minutos enquanto, dentro de um vagão de metrô completamente lotado, após extenuante dia de trabalho, tendo a fadiga expressa em cada detalhe do corpo, a começar pelo peso das pálpebras que recaem parcialmente sobre os olhos acentuando um semblante apático e decaído, Gabriel, em pé, sustenta o corpo cansado, sem estímulos, seguro à barra de metal fixada ao teto. No subsolo, entre túneis e estações, clarões fortuitos surgem e desaparecem paralelos às modernas janelas panorâmicas. Alçada aos ombros, a mochila jogada sobre as costas arqueadas parece pesar mais do que o corpo jovem pode suportar, embora esteja quase vazia. Em meio ao silêncio dos enfastiados seres urbanos e ao deslizar cadenciado dos vagões sobre os trilhos, os letárgicos olhos castanhos correm a espreitar as faces metropolitanas, sempre na expectativa de que alguém venha a desocupar um dos assentos. Numa dessas ocasiões Gabriel percebe-se observado. Secreta Vitae - 2ª edição
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Não muito distante sentado próximo à porta de saída, um homem negro, de cabelos rastafári, está a fitá-lo com um olhar calmo de navegante. Indulgente, continua sua vigília tendo no pensamento apenas a ideia de descansar o corpo esgotado, pois, bem sabe que nesses momentos, torna-se comum olhar através das pessoas ou coisas, num dado instante de introspecção. Porém, inevitavelmente, tudo muda quando se é observado. Um estado de alerta faz com que, coincidentemente, os olhares se cruzem mesmo quando se tenta evitar, e em certo momento um sorriso gentil acompanhado de olhar sincero, vindo do homem negro, prende a atenção de Gabriel que ao contrário de aversão, o que seria óbvio, desperta um sentimento terno, como se a exótica e carismática figura fosse um velho conhecido. No mesmo instante é anunciada a chegada em mais uma estação, momento em que o trem desacelera parando bem devagar e as portas automáticas se abrem. Com o olhar, Gabriel acompanha o adventício homem que se levanta sustentando a mesma expressão singela na face, e gentilmente aponta com a mão espalmada, o assento que ocupava, num convite enfático para que tome seu lugar. Imóvel, o homem negro fica ali, ao lado do assento, sem demonstrar impaciência, a bloquear o acesso por outras pessoas, até perceber que seu convidado, visivelmente indeciso, se aproxima. Tendo-o já bem perto a realizar seu intento, sem aguardar por agradecimento, segue em direção à saída, de10
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sembarcando segundos antes das portas se fecharem. Do lado de fora, percebendo que Gabriel ainda se encontra em pé a observá-lo, gesticula com a cabeça o encorajando a se sentar. Induzido, ao tomar a iniciativa, Gabriel percebe sobre o banco um maço de papéis supostamente esquecido. Ávido, lança mão sobre ele o elevando à altura da janela, momento em que o trem do metrô se põe em movimento. Um sorriso de contentamento seguido de um arrastado fechar e abrir de olhos parece querer lhe acalmar a angústia ao mesmo tempo em que as mãos negras enrolam, na forma de canudo, outro maço de papéis semelhantes, rapidamente exposto ao lado do rosto afável, como a dizer: tudo bem! Tenho estes aqui comigo. Fato visivelmente compreendido por Gabriel. Silenciosamente, à medida que o trem se afasta da plataforma, a estreita parede de concreto, que chega veloz, põe fim ao magnetismo dos olhares. Sentado com o maço de papéis sobre o colo campeado por um olhar desejoso e dono de uma corrosiva sensação de carregar algo que não lhe pertence, Gabriel, que através da janela observa a frígida paisagem sem face deslizar pelo lado de fora, vê o tempo passar enquanto parece se decidir. Devagar, respira fundo por mais de uma vez e diminuída a tensão, com especial cuidado, desamassa folha por folha sobre a coxa percebendo uma caligrafia exótica e uniforme, escrita em parágrafos espaçados, garantindo Secreta Vitae - 2ª edição
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uma leitura clara, ficando obvio que quem escreveu queria fazer-se entendido. Então, concentrado e cheio de interesse, lê: Matéria e espaço são definições efêmeras estabelecidas por conceitos criados a partir de um ponto de vista próprio a cada universo. Sendo as leis da matéria particulares a cada dimensão, e as do espaço indefiníveis sob qualquer ótica, seja para fora ou dentro de si, se diz que tudo é concebido a partir do universo que se habita, onde cada classe vive uma realidade a parte, sendo a percepção o único caminho para todas as respostas. O momento, que abrange as situações ideais necessárias para a percepção de tudo o que nos envolve na natureza em que existimos, pauta-se pela harmonia com o meio, estando diretamente ligado ao desenvolvimento dos nossos sentidos e aos estímulos sofridos. Juntos, sentidos e estímulos permitem compreender o significado real e profundo da existência e das verdades que buscamos. Porém não é o bastante desejar; Tudo depende da sintonia com o meio com o qual coexistimos e do nosso desenvolvimento como parte do todo...
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Independente de vontades, indiferente a forças, o que buscamos só será alcançado quando estivermos preparados para tal, pois, só enxergamos e entendemos o que estamos prontos para enxergar e entender. Para tanto, resilientes e pacientes devemos ser, pois o tempo é o senhor da razão. E nele, o momento será o momento quando for o momento; nada foge a este princípio. “O tempo”... Única e verdadeira lei, mesmo que surreal, a interligar todos os universos!
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2 O Despertar Gabriel, homem quase feito, peso e estatura mediana, pele clara, cabelos castanhos, lisos e compridos, boca pequena, maxilar largo, queixo afunilado e olhar abstrato; visivelmente indisposto e de forma pouco proeminente entra em seu pequeno apartamento. O bater da porta faz com que se cerre a tranca automática da fechadura, num barulho quase imperceptível, enquanto a mão, a tatear a parede, procura pelo interruptor de luz. Sem refletir, joga a mochila sobre uma pequena mesa recostada na parede, juntamente com as folhas manuscritas, passando direto para o banheiro, onde a pouca circulação do ar faz com que o ambiente cheire a mofo. Num gesto incontido abre a pequena janela de ventilação permitindo que o local seja arejado, e debruçando sobre a pia, gira a torneira num solavanco, deixando a água jorrar abundante, ao ponto de lhe molhar a roupa na altura da cintura, enquanto as mãos, em forma de concha, mergulham sob o jato d’água retornando cheias ao rosto transpirado para em seguida repousarem sobre a borda da pia sustentando o corpo que se projeta à frente. Com água a escorrer pelos braços, e um olhar tenso 14
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projetado para dentro do espelho, o rapaz permite que sua mente se ocupe por perguntas sem respostas: Quem seria aquele homem negro de cabelos rastafári? Com que propósito deixaria aquele manuscrito? Qual o significado de tudo? Aos poucos, lembranças do passado brotam em seus pensamentos acirrando a crise existencial a muito deflagrada, e na tentativa de fugir do estado de introspecção molha novamente o rosto, de forma vigorosa, fecha a torneira, puxa a toalha dependurada no toalheiro, enxuga-se e sai do banheiro em direção ao quarto deixando-se cair de costas sobre a cama. Entorpecido pelo cansaço, entrelaça os dedos das mãos sob a cabeça, pouco acima da nuca, mantendo o olhar fixo ao teto, permitindo que ideias voltem a borbulhar em sua mente perturbada, onde passado e presente se misturam desordenadamente conduzidos por vozes e imagens que surgem sem controle, vindas do inconsciente. Na tentativa de fugir da realidade lembra-se de seu computador deixando-se conduzir por um impulso latente. Abandonando o convidativo conforto, levanta-se bruscamente, puxa uma cadeira esquecida num canto e senta-se frente à máquina seguindo todo um ritual enquanto observa o iluminar do monitor a sua frente. Ensimesmado, raciocina sobre o que poderia buscar dentro do mundo virtual que pudesse lhe ocupar a mente neste momento dúbio. Após alguns segundos de indecisão percebe que, se anseia por algo diferente, terá que começar sua busca de forma Secreta Vitae - 2ª edição
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