A VIDA COM MISOFONIA
os impactos e as adversidades decorrentes de um transtorno de intolerância a sons
A VIDA COM MISOFONIA
os impactos e as adversidades decorrentes de um transtorno de intolerância a sons
SĂŁo Paulo 2018
Ricardo Schinaider de Aguiar
Copyright © 2018 by Editora Baraúna SE Ltda
Capa
Editora Baraúna
Diagramação
Editora Barauna
Revisão
Cris Martini Toledo
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica Ilacqua CRB-8/7057
________________________________________________________________ Aguiar, Ricardo Schinaider de A vida com misofonia: os impactos e as adversidades decorrentes de um transtorno de intolerância a sons / Ricardo Schinaider de Aguiar. -– São Paulo : Ed. Baraúna, 2018. 72 p.
ISBN: 978-85-437-0912-3
1. Medicina e saúde. I. Título
18-1375 CDD B869.4 ________________________________________________________________ Índices para catálogo sistemático: 1. Medicina e saúde Impresso no Brasil Printed in Brazil DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA www.EditoraBarauna.com.br Rua Sete de Abril, 105 – Cj. 4C, 4º andar CEP 01043-000 – Centro – São Paulo – SP Tel.: 11 3167.4261 www.EditoraBarauna.com.br
A todos os pacientes de misofonia, especialmente àqueles que compartilharam suas histórias e experiências comigo
À minha namorada Jéssica, por seu apoio incondicional
SUMÁRIO Agradecimentos ........................................................ 9 Introdução ................................................................ 11 Misofonia: um transtorno grave ................................ 15 A ciência em busca de uma explicação ....................... 21 A (recente) história da misofonia .......................... 21 Os primeiros estudos ............................................ 24 Sintomas físicos .................................................... 27 Olhando para o cérebro de misofônicos: entrevista com o neurocientista Dr. Sukhbinder Kumar ........ 30 Resposta de luta ou fuga ....................................... 32 A esperança de um tratamento .............................. 33 Próximos passos .................................................... 35 Relações familiares .................................................... 37 Misofonia na sala de aula .......................................... 45 Descobrindo o termo misofonia: a importância da divulgação ..................................... 51 Misocinesia ........................................................... 53 Relacionamentos ....................................................... 57 Vida profissional ....................................................... 61 Passado, presente e futuro ......................................... 65 Menos ódio, mais compreensão ................................ 71
Agradecimentos Gostaria de agradecer aos administradores do grupo do Facebook Misofonia em Português, Tininha Animus e Pedro Henrique Kaddoum, pelo apoio e pela ajuda no processo de escrita deste livro. Agradeço também a todos os pacientes de misofonia que me incentivaram e que demonstraram interesse em participar deste projeto. Sem seus depoimentos este livro não existiria. Infelizmente não foi possível publicar todas as histórias que ouvi, mas cada colaboração foi inestimável para mim. Além disso ressalto a participação do neurocientista Dr. Sukhbinder Kumar, que cedeu uma entrevista especialmente para este livro. Agradeço, por fim, minha namorada Jéssica e toda nossa família por me apoiarem incondicionalmente.
Introdução O ano é 2004. Tenho 14 anos de idade, curso a 8ª série na escola e tenho uma vida relativamente normal, com uma exceção. Após um dia como qualquer outro estou no meu quarto distraído por diferentes jogos no computador. Perco a noção da hora e quando olho para o relógio vejo que já passam das oito da noite. O inevitável chamado não tarda a acontecer. “A janta tá pronta, vem comer”, ouço minha mãe. Meu coração acelera de imediato. Caminho lentamente até a mesa de jantar, onde a comida está posta e meus pais iniciam a refeição. Minha atenção é fixada em cada pequeno movimento de suas bocas. Elas abrem e fecham, abrem e fecham, abrem e fecham. A cada mordida, a cada mastigação, a cada vez que seus lábios se desencostam e se reencontram, produzem o som mais repulsivo que já ouvi. Ele entra pelos meus ouvidos, é processado pelo meu cérebro e gera uma reação aversiva incontrolável. O coração dispara. Os poucos segundos que transcorreram desde que sentei à mesa já parecem horas. Não aguento mais. Preciso fugir. Agora. “Vou comer no meu quarto hoje”, eu falo e saio correndo
com o prato na mão. Entro no quarto e fecho a porta. Silêncio. O coração aos poucos volta ao normal enquanto eu respiro aliviado. Acredito que a maior parte dos leitores deste livro entenderá a situação descrita no parágrafo acima. Muitos provavelmente tenham, até mesmo, vivenciado algo similar. Para vocês minha esperança é de que aprendam mais sobre o pouco conhecido e divulgado transtorno com o qual sofrem e, principalmente, que encontrem nesse livro uma mensagem de apoio: vocês não estão sozinhos. Para quem nunca passou por uma circunstância parecida, tentarei explicar da melhor forma possível os efeitos devastadores de um transtorno que converte simples sons em horríveis sensações e faz com que situações cotidianas se transformem em cenários de intenso sofrimento: a misofonia. O termo consiste na junção de duas palavras de origem grega: miso, ódio, e phon, som. Entretanto, para mim ao menos, ódio não é a palavra mais adequada para descrever a doença. Diferentes pessoas são afetadas de diferentes maneiras, em intensidades particulares e por gatilhos específicos – como mastigação e barulhos produzidos pelo nariz. Enquanto alguns sentem ódio, outros sentem ansiedade ou nojo e, ao mesmo tempo, nossos corações aceleram e temos vontade de sair do lugar em que estamos o mais rápido possível. A sensação é completamente distinta daquela causada por sons considerados desagradáveis pela maior parte da população, como o barulho de um garfo metálico raspando em um prato de vidro. A misofonia difere de outros transtornos de in12
Ricardo Schinaider Aguiar
tolerância a sons, como a hiperacusia, pois características físicas como volume e frequência não são responsáveis por desencadear a reação aversiva. A misofonia é a intolerância a sons específicos, independentemente do quão baixos, altos, agudos ou graves eles são. Ouvi-los apenas uma vez pode ser suficiente para desencadear uma reação desproporcional e muito mais intensa do que a de uma pessoa que se incomoda com o mesmo barulho, mas que não tem misofonia. Explicar exatamente o que sentimos ao ouvir um gatilho é tarefa impossível; espero apenas mostrar um pouco melhor o mundo do misofônico para quem não sofre com esse transtorno e expor como ele interfere diretamente em diversos aspectos de nossas vidas. Para isso contarei ao longo deste livro não apenas as minhas experiências, mas também histórias de dez pacientes de misofonia que tive o enorme prazer de conhecer. Minha esperança é ajudar a divulgar essa doença, mostrando a todos o quão real ela é tanto do ponto de vista subjetivo dos pacientes como do ponto de vista objetivo da ciência. Com sorte quem sofre com misofonia se sentirá menos louco, mais aceito, e ouvirá menos que aquilo que sente é apenas uma frescura ou um exagero.
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Misofonia: um transtorno grave Um transtorno de intolerância a sons, como a misofonia, pode parecer a princípio uma condição não muito grave. A doença não coloca a vida em risco como o câncer, a AIDS ou a pneumonia. Ela não danifica o coração, os pulmões ou outros órgãos vitais. Pode-se dizer que a saúde física de seus pacientes, até onde sabemos, não é diretamente prejudicada. A misofonia, entretanto, pode ser fatal. Não devido a vírus, bactérias ou qualquer outro agente infeccioso, não devido a inflamações ou reações imunológicas; mas devido à saúde mental, à depressão e ao suicídio. Como, então, determinados sons levam uma pessoa a querer tirar a própria vida? Em primeiro lugar, embora cada gatilho tenha suas particularidades e cause diferentes complicações, eles geralmente afetam nossos relacionamentos familiares, sociais e profissionais. Sons de mastigação, por exemplo, impedem refeições em família, jantares com amigos e muitas outras ocasiões. Se reunir com pessoas próximas para comer ou beber é uma forma universal de socialização e comemoração: quando somos informados de uma boa novidade é normal convidarmos