A verdadeira historia de jesus 15

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São Paulo 2016


Copyright © 2016 by Editora Baraúna SE Ltda

Capa

Felippe Scagion

Diagramação

Editora Baraúna

Revisão

Patrícia Amurari

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ ________________________________________________________________ M698v Modrox, H. A verdadeira história de Jésus e seus pupiloucos / H. Modrox. - 1. ed. São Paulo : Baraúna, 2016. ISBN 978-85-437-0708-2 1. Ficção brasileira. 2. Poesia brasileira. I. Título. 16-37428

CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3

________________________________________________________________ 28/10/2016 03/11/2016 Impresso no Brasil Printed in Brazil

DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA www.EditoraBarauna.com.br

Rua da Quitanda, 139 – 3º andar CEP 01012-010 – Centro – São Paulo - SP Tel.: 11 3167.4261 www.EditoraBarauna.com.br


GRATIA PLENA Era madrugada quando Maria Salet finalmente conseguiu dormir. Aquela noite as criaturas do sonho haviam surrado seu corpo com chicotadas de calor e desejos loucos, deixando-a ensopada de suor. - PSSSSSIU! Maria, amor vincit omnia, fide! Maria Salet teve um sobressalto e sentou-se na cama, meio atordoada, procurando quem lhe falara com aquela voz tão... solene. Ao virar-se para a cabeceira da cama, a surpresa: ali, em pé, bem à sua frente estava... um anjo - um anjão, aliás, de uns dois metros de altura. Seu cabelo era ruivo, ruivo e ondulado; e tinha barba e bigode ruivos também. E vestia um manto branco, de uma alvura impecável. As asas do anjo eram do mesmo tamanho do corpo. E abriam e fechavam, de acordo com a respiração da criatura (parecia uma borboleta pousada em uma flor). Nesse abre-fecha de asas, dava para perceber que, nas bordas, as pontas das penas eram bem mais escuras em relação àquelas próximas ao corpo. Uma coisa que chamou a atenção de Maria Salet, sobremaneira, foi perceber que, quando as asas abriam, na parte carnosa 5


e pelada, apareciam veias, muitas veias – um emaranhado delas –, compridas e de um tom azulado vivo. Maria Salet deve ter achado aquilo meio... repugnante, pois entortou o canto da boca, de forma esquisita. E todo o ambiente foi tomado por uma maravilhosa melodia, e um coro que parecia vir diretamente do céu. “Ave Maria Gratia plena Maria Gratia plena Maria Gratia plena Ave, ave dominus Dominus tecum Benedicta tu in mulieribus Et benedictus fructus ventris Ventris tui, Jesus” Com a mão em concha sobre o ouvido esquerdo, o anjão permaneceu em silêncio como se escutasse vozes; e assim ficou, cabeça baixa, por longos minutos. Depois, soltando uma espécie de pigarro gutural, falou assim: Exultai e regozijai! Em nome do Deus Altíssimo tu darás à luz um filho, e pôr-lhe-ás o nome de Jésus Zauir Microposopoulus... ahn, deixe-me lembrar... ah, Lafaietes. Tu criá-lo-ás como filho; e tê-lo-ás como Pai! Ao seu tempo Ele ajuntará os rebanhos da Terra. E Ele há de ser e ensiná-los a serem melhores que os anjos. Dito isso, a anjão se perfilou, bateu calcanhares, botou uma mão na cintura, outra nas cadeiras, deu um remelexo no corpo, sacudiu a poeira e... PUF! – sumiu, deixando no ar um cheiro bom de cachorro novo. 6


“Assim a minha vida foi mudando também, Meu bem ficou tão linda esperando neném, E todo mundo cantava, E todo mundo cantava.” “Maria, Maria É um dom, uma certa magia, Uma força que nos alerta; Uma mulher que merece viver e amar Como outra qualquer do planeta.” Nasceu o menino, fofinho e risonho; com olhos azuis, não! Saiu desconfiado, com orelha seca, com bocão de choro, com cara de joelho e um beeelo cordão! “Ó coisinha, tão bonitinha do pai. Ó coisinha, tão bonitinha do pai.” É claro que Maria Salet desobedeceria a ordem daquele anjão. Justo ela, a mãe amorosa que planejava ser, jamais iria cometer uma barbaridade daquelas na certidão da criança. Resolveu eliminar o “Aim Microsopus”; e colocou só “Jésus Lafaietes”, pois lhe parecia mais sonoro e bem mais forte. E assim ficou: Jésus Lafaietes. Maria Salet passou a chamar o menino Jésus, carinhosamente, de “Lete”; e o chamava alto, quando este sumia: – Leeeteeeeeee!!! Era à noite, porém, que Josef Rasputin, carpinteiro a mancheia, vivia seu martírio. As dúvidas martelavam na sua cabeça e o faziam levantar-se de madrugada, andar pela casa... sentar-se apoiado nas costas de 7


sua cadeira, olhar para Maria Salet dormindo, coรงar o queixo, alisar a testa... e escrever, sim, o que lhe afligia.

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O MARTELO DE THOR Toda noite, no catre onde repouso e às vezes resfolego ao tentar refocilar-me, na junção sul da parede ouço um martelo de obra. Não ouço vozes, nem gritos e nem vejo coisaradas, mas escuto – oh, diabos! – incessantes marteladas. Talvez dentro da parede, entre o tijolo e o nada, tenha outra realidade, onde talvez eu não viva uma vida derrotada; e onde operários mudos construam de madrugada uma mansão no post mortem, que já me foi destinada.

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SAGRADA FAMÍLIA, A DISTORÇÃO

“Mulher nova, bonita e carinhosa faz o homem gemer sem sentir dor”... “Eu bebo em sua boca o gosto de tudo, Eu mato em seu corpo a sede que eu tenho”... “Todo o amor que eu esperava da vida Com você eu conheci”... “O meu amor tem um jeito manso que é só seu, Que me deixa maluca quando me roça a nuca E quase me machuca com a barba mal feita; E de pousar as coxas sobre as minhas coxas quando se deita”... “Você perdeu com o tempo Aquela maneira de me enganar Trocou o velho carinho por coisas Que eu não consigo cantar”... “Eu te darei o céu, meu bem E o meu amor também”... 10


Não precisa entender, Deixa a gente acontecer; Eu quero me entregar pra você”... “Como uma deusa Você me mantém E as coisas que você me diz Me levam além”... “Não tenha medo desse amor bonito Nosso amanhã... ah! meu beijo anjo não tem nada de pecado, só tem gosto de maçã”... “Eu não vou mais resistir Só quero estar ao seu lado, De que adianta eu viver assim Sem ter você perto de mim”... “Vem me fazer feliz porque eu te amo Você deságua em mim e eu, oceano”... “Que coisa feia Mary anjo fez, Pecou sozinha sem me avisar”... “E me arrastei e te arranhei E me agarrei ao teu cabelo No teu peito, teu pijama, Nos teus pés ao pé da cama”...

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“Casas mal vividas, camas repartidas faz se revelar”... “Ó meu amado, por que brigamos Não posso mais viver assim sempre chorando”... “Minha estranha loucura É correr pros teus braços quando acaba uma briga”... “Não posso mais alimentar a esse amor tão louco, Que sufoco!”... “Peço perdão mais uma vez Se compliquei sua vida”... “Vá pro inferno com seu amor; Só eu ame - e- iii, você não me amou”... “Te foste como as cores de uma velha aquarela”... “Meu primeiro amor Tão cedo acabou só a dor deixou Nesse peito meu”... “Perdi você, Não tente entender Ainda te amo”...

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“Não consigo fechar os meus olhos sem ver A imagem de um rosto sorrindo Que um dia foi real e só meu”... “As lembranças me chegam sempre em noites tão vazias E mexem tanto com minha cabeça, Que quando sono vem o dia já nasceu”... “E hoje meu corpo te reclama; Eu fumo meu tempo em nossa cama”... “Tá tudo cinza sem você, tá tão vazio E a noite fica sem por quê”... “Vou dormir sentindo o que a solidão pode fazer”... “Que é que eu faço amanhã quando eu me levantar E não ter mais seu corpo pra me aconchegar”... “Luz da minha vida, mulher adorada, dona dos meus beijos, Volte aos meus braços suplico chorando em nome do amor”... “De manhã sinto saudade desse amor Loucura em minha vida Quero ter você de novo e ser feliiiz”...

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“Me esqueci de tentar te esquecer Resolvi te querer por querer”... “Nunca mais quero ver você me olhar Sem me entender em mim”... “Braços que se abraçam, bocas que murmuram Palavras de amor enquanto se procuram”... “Estrelas mudam de lugar Chegam mais perto só pra ver”... “E é tão grande a o amor que a gente faz Que até os absurdos são reais”... “Eu querooo me enrolar nos seus cabelos, Abraçar teu corpo inteiro, Morrer de amor, de amor me perder”... “Porque contigo aprendi que a vida é melhor Ao teu lado eu encontro ternura e amor E é por essa e por muitas razões que eu tanto te quero”...

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O BODOQUE PARTIDO Toda invenção que fica concentra em si o extrato de instinto e filosofia. O bodoque fê-lo, de fato. E não há lapso mais chato para um caçador de respeito que não examinar o bodoque antes de entrar no mato. Pois se o come-come come e o bodoque arrebenta bem no calor da caçada, é de chorar a paulada da forquilhada no peito!... Eu fui o vice-rei do bodoque do meu tempo. Matei mais de mil passarinhos – mil, mil, mil –, de todos os tipos e cores. Nem um nome conhecido – e até outros não sabidos –, do pardal ao bicatim (até passarinho extinto que estava desinformado), 15


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