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apaixonadas em

Toscana



NEIDE BAPTISTA

apaixonadas em

Toscana

São Paulo 2017


Copyright © 2017 by Editora Baraúna SE Ltda

Capa

Márcio Carmona

Ilustração de capa

A Primavera, Sandro Botticelli, 1482

Diagramação

Editora Baraúna

Revisão

Bruna La Serra

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ ________________________________________________________________ ________________________________________________________________

Impresso no Brasil Printed in Brazil

DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA www.EditoraBarauna.com.br

Rua Sete de Abril, 105 – Cj. 4C, 4º andar CEP 01043-000 – Centro – São Paulo - SP Tel.: 11 3167.4261 www.EditoraBarauna.com.br


Sumário

Prólogo - 7 Primavera de 2009 - 9 Uma por todas e todas por uma - 25 Talento, planejamento e execução - 47 Verão na Itália - 79 Amore mei, reverá amoré - 121 O desfalque - 167 A farsa - 183 San Casciano - 195 Despedida - 205 Bibliografia - 209



Prólogo

Na ocasião em que Ana viajou para a Itália com duas amigas, estava com trinta anos. Talentosa, ansiava por uma carreira internacional no mundo das artes. No entanto, lhe faltava ímpeto para mostrar seu trabalho, ainda que não lhe faltassem convites para expor. Sua pintura ora poética e ora dramática, também invocava as emoções e perturbava a razão. A inspiração para os temas de suas telas advinha da Espanha, terra da sua bisavó. Meiga e muito feminina, Ana era uma tão bela quanto à condessa espanhola Vilches, com quem, aliás, tinha uma grande semelhança. Muito bonita também era a amiga de Ana. Carioca e judia, Leila certamente seria uma top model famosa se fosse alta. Macérrima, rosto angelical que somado às madeixas claras faziam dela uma pintura Sacra. Mas que ninguém se engane com isso, porque, por trás dessa beleza Renascentista havia uma jovem de voz levemente rouca que escondia, além de seus 7


vinte e oito anos, uma astúcia velada. Após viver alguns anos em Nova York, Leila regressou ao Brasil e fez seu doutorado em Economia. Na ocasião em que viajou para a Itália com suas amigas, ela se preparava para lançar seu primeiro livro sobre economia e indústria têxtil, tema da sua tese. Beatriz que planejou a viagem para a Itália, estava com trinta e dois anos de idade. Neta de italianos da Calábria, herdou além de uma personalidade dominadora, uma beleza forte. De rosto quadrado, olhos da cor de mel, lábios carnudos, seios fartos, e quadril largo, ela era como as mulheres da sua família. Paulistana, formada em jornalismo e fotógrafa de moda, trabalhava por conta própria desde que voltou de Milão onde morou e viveu uma tórrida paixão. Muito criativa, desenvolvia projetos para diversas empresas de comunicação, e tinha um blog de moda que fazia o maior sucesso.

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Primavera de 2009

Beatriz conheceu Ana e Leila numa cantina da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Ana fazia doutorado em Artes e conhecia Leila algum tempo. Beatriz era aluna especial no curso de pós-graduação. De uma tarde regada a café, pão de queijo e uma conversa prazerosa nasceu a amizade entre elas. A afinidade era tanta que até mesmo nas horas de trabalho elas costumavam se encontrar. Como foi no domingo de 17 de janeiro de 2010, quando Beatriz convidou suas amigas para assistir ao desfile de um estilista no São Paulo Fashion Week. Antes de o evento começar, Beatriz levou Ana e Leila para fazerem um tour pela Bienal e explicou o conceito do evento. A ideia do Fashion Week era mostrar aos visitantes como o espaço público pode agregar diversos segmentos de maneira que arte, arquitetura, design, tecnologia e moda interajam sem limites. Cabendo ao mundo virtual a função de arrematar tudo isso, transferindo para os blogs, sites e twitters o trabalho de gerar um turbilhão de informações, que a cada 9


segundo conecta as redes sociais com o que acontece no mundo em tempo real1. — O tema desse evento é incrível! — comentou Ana deslumbrada. — Adorei este espaço branco repleto de signos enormes, coloridos, bem distribuídos por todos os lados, me faz sentir dentro de uma nave espacial. Dito isso, Ana se deparou com um robô gigante desfilando pelo evento. — Tira uma foto minha com ele, Beatriz? — pediu Ana. — E você, Leila, o que está achando? — perguntou Beatriz curiosa para saber a opinião da amiga, enquanto fotografa o modelo mais exótico do Fashion Week. — Muito interessante e lúdico. — elogiou Leila animada também com que via, em especial o tal robô. No restaurante do evento, repleto de modelos, celebridades e jornalistas elas almoçaram e depois seguiram para o setor A sala 3 onde aconteceu o desfile marcado para as 18h30. Em outras ocasiões, sempre nos finais de semana, Leila e Beatriz passavam horas no ateliê de Ana em Campinas, vendo-a pintar. O espaço projetado de forma retangular parecia com uma grande caixa branca. Construído dentro de uma chácara o ateliê ficava ao lado da casa onde a artista morava no bairro de Barão Geraldo.

1. O tema Linguagens, homenagem à internet e à conectividade foi a inspiração da 28ª edição da São Paulo Fashion Week que dominou as instalações da Bienal no Parque do Ibirapuera no período de 17 a 22 de janeiro de 2010. 10


Enquanto pintava Ana gostava de ouvir música flamenca. Às vezes também conversava um pouco, dando atenção à sua pequena plateia. Nos breves intervalos, servia um delicioso vinho branco gelado. Leila e Beatriz estavam encantadas com o tema do novo trabalho da artista. As pinceladas, da primeira tela, mostravam um homem jovem dançando flamenco. A camisa branca, suada, colada no peito, os cabelos molhados caíam sobre o rosto escondendo a face, mas não totalmente. Os olhos abaixados, os lábios carnudos e o perfil do nariz revelavam um pouco da misteriosa beleza daquele modelo. As mãos em gestos másculos retratavam movimentos bruscos e precisos. A calça preta e justa denunciava as pernas grossas. Tudo nele era tão vivo que parecia fazê-lo querer sair da tela. — Ele é lindo! — elogiou Leila. — Adorei a luz, a sombra e em especial essas gotas de suor em torno da cabeça dele. — Olhando para essas botas... é até possível ouvir o sapateado dele sobre o tablado de madeira. — comentou Beatriz. — Ah! Eu quero esse homem para mim! Ana riu não percebendo que a reação da amiga seria a mesma que o público teria de seu trabalho. — Quantas telas como essa você pretende fazer? — perguntou Beatriz. — Quando o tema está definido faço uma série de dez quadros. — respondeu Ana. — Qual o tema dessa série? — quis saber Beatriz. — Bulería. Uma das subcategorias do flamenco

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chamadas palos2. — respondeu Ana. — Conte-me mais sobre isso. — pediu Beatriz. Ana disse que a estrutura rítmica da Bulería é uma das mais festivas e também uma das mais rápidas. Virtuosa, a Bulería permite que o artista tenha a oportunidade de expor toda sua habilidade, tanto ao tocar quanto ao bailar. A coreografia sempre repleta de matizes deslumbrantes, de estilos tradicionais e antigos, possibilita a representação uma teatralidade constantemente inovadora. Contudo, a referência para sua pintura não estava somente no flamenco, confessou Ana. Ao mostrar o site de Fabián Perez, um artista plástico argentino, Beatriz e Leila entenderam que a Série Flamenco dele serviu de inspiração. Perez produziu diversas pinturas de belas mulheres em movimento de dança flamenca3. — Impactante a obra dele! — elogiou Leila vendo as imagens. — É verdade. — concordou Beatriz. — Estou seguindo a mesma medida das telas de Perez. — comentou Ana. — Quero ir além dos movimentos das mãos, da expressão facial, do sapateado... A ideia é captar a reação do corpo provocado pelo o som da guitarra ou pela a letra do canto flamenco que fazem os bailarinos personificar a dor, o desejo, o abandono. 2. CÓRDOBA, Pepe. Palos Flamenco. São Paulo: EDICON, 2008. 3. http://fabianperez.com. 12


— Mas isso você já conseguiu. — afirmou Beatriz. — ¡Perfecto! — exclamou Leila. — Vejo que há uma diferença entre a pintura de Ana e de Perez. As espanholas de Perez nos atraem para dentro da tela. Enquanto que o bailarino de Ana parece querer sair. — Ah! Eu tenho que anotar tudo isso. — falou Beatriz. No início da noite, quando a tela de Ana estava pronta, Leila convidou as amigas para jantar em sua casa. O apartamento, localizado no Cambuí na rua Maria Monteiro, era do seu tio que ao viajar para Malta de férias, resolveu ficar sem data para voltar. O imóvel amplo parecia uma biblioteca. As imensas estantes de madeira cheias de livros cobriam as paredes da sala de estar. No centro da sala havia apenas um conjunto de sofá de couro branco sobre um enorme tapete persa azul. — Que lugar diferente! — exclamou Beatriz, ao conhecer o apartamento. — Posso fotografar? — perguntou ela. — Claro, fique à vontade. — respondeu Leila vendo que a amiga já retirava a câmera da bolsa. Atendendo às recomendações do tio, Leila havia fechado a loja de sebo e transferido as estantes e os livros para o apartamento, até que ele voltasse e decidisse o que fazer. — E este violão, é do seu tio também? — perguntou Beatriz fotografando o instrumento. — Sim. — respondeu Leila. — Você toca? — perguntou Beatriz. — Arranho... — respondeu Leila. 13


— Então toque alguma coisa! — ordenou Beatriz pronta para fazer uma sessão de fotos. — O que você quer ouvir? — indagou Leila. Beatriz abaixou a câmera, pensou por alguns instantes, olhou ao redor, como se buscasse a resposta, e ao posicionar a máquina novamente, disse: — O que seu tio gosta de tocar? — Música italiana. — respondeu Leila. — Que tal Fuoco nel fuoco de Eros Ramazzotti!? — exclamou Beatriz. — Você é quem manda. — disse Leila. — O que significa Fuoco nel fuoco? — perguntou Ana. — É Fogo no fogo. — respondeu Beatriz rindo. — Uau! — exclamou Ana. Ao final da música as amigas elogiaram Beatriz dizendo que ela cantava muito bem. — Leila, você arranha bem um violão e canta muito em italiano! — disse Beatriz. — Canta mais uma Beatriz! — pediu Ana. — Que tal agora uma poesia? — perguntou Beatriz. — Uau! — exclamou Ana. — Me acompanha Leila? — Pediu Beatriz. — Claro! — respondeu Leila iniciando um solo suave e lento para que Beatriz declamasse Verónica Franco. E poi ci si aspetta di farmi amare come si credeva che in un solo balzo Improvvisamente mi innamoro di te? Io non mi glorificare o mi esalto; Ma a dire la verità, si desidera volare senza ali e 14


volare alto una volta; Lasciate che il vostro desiderio di abbinare la vostra abilità, perché si può facilmente raggiungere un’altezza altri, con uno sforzo, non possono raggiungere. Ho a lungo per avere una vera ragione per amarti e lascio a voi decidere, quindi non si ha il diritto di lamentarsi. (E então você espera me fazer amarcomo se acreditasse que com um único saltoeu de repente me apaixonaria por você?Não me glorifico nem me exalto;Mas, para dizer a verdade, você quer voarsem asas e subir muito alto de uma só vez;Deixe seu desejo corresponder a sua habilidade,pois você pode facilmente alcançar uma alturaque outros, com esforço, não podem alcançar.Anseio por ter uma verdadeira razão para te amare eu deixo a você decidir,para que você não tenha o direito de reclamar.) — Bravo! — disse Ana com lágrimas nos olhos. — Bravíssimo! — exclamou Leila também emocionada. As perguntas sobre o tio de Leila continuaram. — Qual o nome do seu tio? — perguntou Beatriz. — Ravid. — respondeu Leila. — Vou buscar uma foto dele. — disse ela. Leila foi até ao escritório e voltou com um porta-retrato. — Nossa! Como Ravid é bonito e charmoso. — elogiou Ana. — Quantos anos ele tem? — 60. — disse Leila. — Você se parece com ele. — comentou Beatriz. 15


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