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Dragutã

Transformação



J a í z a

S â m m a r a

Dragutã

Transformação

São Paulo 2013


Copyright © 2013 by Editora Baraúna SE Ltda Capa Adriana Brazil Projeto Gráfico Aline Benitez Diagramação Monica Rodrigues Revisão Daniel Vinícius

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ ________________________________________________________________

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Sâmmara, Jaíza Dragutã: transformação / Jaíza Sâmmara. - São Paulo: Baraúna, 2013. ISBN 978-85-7923-680-8 1. Romance brasileiro. I. Título. 13-1332.

CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3

04.03.13 05.03.13

043161

________________________________________________________________ Impresso no Brasil Printed in Brazil DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA www.EditoraBarauna.com.br

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Agradecimentos Em primeiro lugar a Deus, pois sem a criatividade que me foi dada por Ele, eu jamais teria como desenvolver a minha ideia. Aos meus pais, por sempre me incentivarem a ler, e por me ajudarem a concretizar esta ideia. Jamais imaginei que vocês acreditassem “nesta minha ideia”. Obrigada por absolutamente tudo! A todos os meus amigos que, quando souberam do livro, ficaram instigados a lê-lo! Também às minhas bandas de músicas favoritas, que com suas letras e melodias, deram-me inspiração para compôr a minha obra. Certamente, sem música, o meu trabalho jamais poderia ter sido sequer iniciado; A Alexandru, onde quer que ele esteja...



“Uma longa viagem começa com um passo”. (provérbio chinês)



Prólogo Quando eu era criança, ficava observando os anciãos e imaginava como seria quando eu atingisse a senilidade. Não conseguia me enxergar com todas aquelas rugas que demonstravam o quanto aquelas pessoas já teriam vivido. Assustava-me com o fato de que minha pele alva envelheceria, que o meu corpo deslumbrante envergaria e que meus lindos cabelos tão negros se tornariam brancos. Algo que também me chamava à atenção era que eu estava aqui neste mundo, vivendo, respirando, mas que há menos de um século eu não estaria mais aqui. E, com o passar do tempo, ninguém sequer lembrar-se-ia da minha existência. No entanto, em virtude da ganância e do meu egocentrismo, acabei conhecendo Alexandru... tão belo e sedutor, porém um alguém muito além de tudo que se pode conceituar como maldade e, por uma grande ironia do destino, acabei tornando-me imortal e, assim, meu rosto não se tornou enrugado, meu corpo não se tornou envergado e muito menos meus cabelos negros se tornaram brancos. Contudo, a imortalidade não é uma dádiva, mas sim uma maldição. É maldita justamente pelo fato de que não posso evoluir. Não pude sequer viver todos os sonhos que eu tivera um dia e todos aqueles humanos com os quais convivi se foram, e eu, como sempre, estou aqui parada, inerte, apenas vivendo... A imortalidade é uma maldição que, a meu ver, não deve ser transmitida a ninguém. É um enorme castigo que me foi imposto por levar, digamos, uma vida de egoísmos e, também, Dragutã  9


devo confessar, de maldades. Mas por piores que fossem os meus defeitos, eu não merecia ter sido punida com tanta austeridade, assim como nenhuma pessoa merece. É estranho observar que, à medida que o tempo passa, as pessoas envelhecem e morrem, mas eu continuo aqui. Em tanto tempo de vida, conheci tantas pessoas, mas a maioria delas se foi há séculos. Conheci inúmeros lugares e pude notar a sua evolução ao longo dos tempos. No entanto, eu continuo a mesma de sempre, pois não envelheço, nada em mim se altera. A única coisa boa que posso dizer de ser imortal foi à possibilidade de conhecer pessoas e lugares que anteriormente, jamais imaginaria conhecer. E além disso, viver vários séculos faz com que você tenha a chance de tentar corrigir os erros e, quem sabe, se tornar um alguém como menos defeitos. Não posso dizer que não fui feliz durante todo esse tempo. Pelo contrário! Vivi inúmeros momentos maravilhosos, fiz amizades verdadeiras, algo que não tive durante a minha vida humana. Porém, não sei se sou um monstro ou uma vítima. Matei e ainda mato em nome da minha sede. Assim como qualquer outro ser vivo, necessito me alimentar. É uma questão de sobrevivência, já que não consigo ingerir qualquer outro alimento que não seja sangue humano. Já se passaram mais de quatrocentos e cinquenta anos do meu nascimento. Até hoje penso ainda por que tudo aquilo aconteceu justamente comigo. Eu era apenas uma menina normal, uma adolescente começando a viver, cheia de fantasias com o primeiro beijo, o primeiro amor, mas me retiraram este direito e, assim, fui condenada à morte eterna. Sem alma, sem calor, sem amor. Um ser errante que, muitas vezes, atua pelo instinto. Esta sou eu: Stoyna Dragutặ Zamfir, nascida no ano de 1540, porém morta abruptamente aos 15 anos de idade. Posso ter mais de quatro séculos, porém continuo a mesma menina dócil de sempre...

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Capítulo I Vida Na época em que nasci, a Romênia ainda não era um Estado unificado. Apenas existiam algumas províncias que se uniam diante das ameaças externas. Essa unificação só veio a ocorrer efetivamente no ano de 1600, quando o ban Mihai Viteazul fez a união das províncias da Transilvânia, Valáquia e Moldávia. Porém, tal unificação não durou muito tempo, pois um ano após a sua efetivação, Mihai foi morto por um dos soldados austríacos que lutavam para estabelecer a sua soberania na região. A unificação real da Romênia como país somente aconteceu no século XIX, depois de muitos acordos e negociações. Nasci na província da Valáquia, situada ao norte do rio Danúbio e ao sul dos Cárpatos. É uma região cercada de montanhas e cortada por alguns rios, com lindos bosques, em que as estações do ano estão totalmente bem definidas, pois basta olharmos para as copas das árvores para descobrirmos a mudança da estação. Meu pai, Hans Zamfir, era um alto funcionário do governo valaquiano. Ele era alto e magro, com um cabelo ralo e olhos bem verdes. Minha mãe chegava até a afirmar que meu pai governava mais do que o ban, pois todas as decisões que este tomava, passavam obrigatoriamente pela opinião do meu pai. Meu pai era uma boa pessoa, apesar de muito ambicioso. Veio

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de uma família humilde, e, assim, lutou a vida inteira para dar à sua família aquilo que nunca teve quando era jovem. Fora servir ao exército valaquiano quando tinha 16 anos de idade, e com 30 já era general. Todos confiavam em suas estratégias tanto na política interna, como na externa. Não tínhamos muito contato porque ele vivia literalmente para o trabalho e na maioria das vezes em que ele chegava em casa, eu já estava recolhida. Ele afirmava que em primeiro lugar viria o poder, em segundo o Estado, e em terceiro lugar, a família. De alguma forma, seus pensamentos influenciaram a nós todos, pois ainda hoje trago comigo que o poder não é o essencial, mas é muito importante. Já minha mãe, Kathrin, era uma criatura soberba e tinha muito orgulho do marido que havia desposado. Ela tinha estatura mediana, era loura, e olhos cor de mel. Ela veio de uma família bastante nobre e rica da Moldávia. Seu casamento com o meu pai somente fora realizado pelo fato de que ele tornou-se general e o consultor principal do ban da Valáquia. Certamente, se ele fosse somente um reles soldado, jamais ela teria se casado com ele. Minha mãe se preocupava com tantas coisas fúteis, que não sobrava mais tempo para pensar em nada. Tudo que se referisse à moda, supérfluos e outras coisas insignificantes eram de sua alçada. Ela manifestava a sua opinião até mesmo nos trajes dos empregados de nossa residência. Quando eu e meu irmão éramos recém-nascidos, nossa mãe sequer nos amamentou para que não ficasse flácida e feia. Seu maior desejo era que eu fosse igualzinha a ela, cheia de frescuras e cuidados com a aparência. Bom, eu acho que ela conseguiu, pois por muito tempo de minha existência eu somente via o exterior das pessoas, pouco me importando com o que elas pensavam e sentiam. E assim cresci com todos os cuidados de uma dama, cheia de vontades e mimos, pois tinha tudo ou até mais que uma princesa verdadeira.

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Eu era a filha mais velha do casal Zamfir. Meu irmão se chamava Andrei. Ele era muito alto e forte. Assim como eu, tinha os olhos de nosso pai. Andrei era somente um ano mais novo que eu. Desde sempre meu pai incutiu em Andrei o gosto pelas estratégias de guerra e poder. Acredito que se existem almas gêmeas, Andrei seria a cara-metade do meu pai. Andavam sempre juntos e pouco tempo sobrava para que meu irmão prestasse atenção na sua vida. Ele amava tanto o nosso pai, que somente fazia tudo que este mandasse. Já eu, Stoyna Drặgutặ, era uma pessoa extremamente alienada para a vida. Só para constar, o significado de Stoyna é imperatriz num dialeto muito antigo da Moldávia e Drặgutặ significa garota dócil. Eu parecia mesmo uma imperatriz, mas quanto à docilidade, dependeria da pessoa com a qual eu lidava e do momento! Eu imaginava que minha existência não passava de um conto de fadas, em que um dia um lindo príncipe em seu cavalo branco me levaria para seu reino e, aí sim, eu seria uma rainha, com todas as regalias e poder. Meu pai não gostou muito da ideia de eu ter nascido, pois o primeiro rebento deveria ser homem. Creio que ele somente mudou a sua atitude de negligência comigo quando minha mãe deu à luz ao meu irmão. Porém, na minha concepção, eu só precisava do meu pai porque ele me dava o que até então era mais importante para mim: roupas, jóias, sapatos caros. Tudo que uma dama da alta sociedade valaquiana precisava. Desde o tempo em que eu era ainda uma criança, recordo que eu não era uma pessoa muito boa. Não tinha paciência com os criados e sempre os humilhava. Quando eu tinha cinco anos de idade, minha mãe contratou uma professora para que me ensinasse a ler e a escrever, mas acho que fui um pouco intolerante com a pobre senhora, pois sabendo que ela era alérgica à flores, coloquei um pequeno bouquet no quarto da-

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quela durante o seu momento de descanso. Por pouco ela não morreu sufocada! Eu somente queria que a professora ficasse alguns dias sem me tomar a lição, já que eu não sentia a mínima vontade de aprender a ler e a escrever. Porém, o efeito foi devastador, pois a professora além de não querer mais se aproximar de mim, só não contou tudo ao meu pai porque minha mãe interveio e pagou-lhe uma grande quantia. Se a minha brincadeira chegasse aos ouvidos de meu pai, ele me castigaria até a morte, pois se o ban soubesse que a filha do seu principal conselheiro tentou matar a professora, isso teria uma péssima repercussão para o meu pai, e isso poderia acabar com a boa reputação que ele gozava diante de toda a sociedade valaquiana. Pelo fato de eu ser a menina mais bonita da província, achava que tudo se resumia na beleza, e desta forma, também humilhava todos aqueles que supostamente eram menos bonitos que eu. Todas as amigas que eu tinha somente se aproximavam de mim por causa do poder que meu pai exercia no governo e também pelo poder de persuasão que a minha beleza representava. Mas na realidade, eu estava sempre sozinha. Em toda a minha existência como humana, nunca dei importância a nada que não fosse futilidade. Pouco me importava se alguém estava passando fome, se alguém precisava da minha ajuda ou do meu consolo. Não tinha paciência para lidar com problemas que não se referissem à minha pessoa. E que problemas eu poderia ter se todos os criados resolviam tudo para mim? Eu sequer lavava os meus lindos cabelos com minhas próprias mãos, pois tinha criadas que faziam isso muito bem. Talvez a minha grande preocupação fosse pensar em que roupa iria usar quando acordasse, pois a filha de Hans Zamfir, mesmo em época tão antiga, já era referência de moda na Valáquia! Se por um lado Andrei era a alma gêmea de nosso pai, por outro, eu era bem parecida com nossa mãe, mas hoje acre-

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dito que eu ainda conseguia ser muito pior que ela. Pelo menos a minha mãe era engraçada, e conseguia fazer todos rirem com suas loucuras, enquanto que eu era verdadeiramente má e egoísta. O mundo me pertencia e todos faziam parte daquele mundo que era a minha propriedade. Nossa casa era um verdadeiro castelo, nem me lembro mais quantos cômodos existiam nela. Mas era imensa. Meu quarto talvez fosse melhor que o da rainha da província. Tinha um lugar específico para a centena de vestidos que eu possuía e outro somente para colocar todas os meus pares de sapatos. Eu tinha bonecas trazidas de várias partes do mundo. Achava engraçada uma bonequinha de porcelana trazida da China. Se fosse uma pessoa, seria tão frágil, que até me deixava nervosa! Eu odiava pessoas frágeis. O salão principal da minha casa era cheio de adornos e enfeites que minha mãe encomendou do Oriente. A prataria utilizada nos jantares vieram da Inglaterra. A porcelana era toda chinesa, assim como os tecidos de seda utilizados em nossos vestidos. Minha mãe era muito cuidadosa quando se tratava de nossas roupas, de forma que jamais saíamos de nossos aposentos sem estarmos com belos trajes. Creio que tenhamos gastado somas incalculáveis com roupas e sapatos. Os jardins da nossa casa eram perfeitos. Havia uma grande variedade de flores trazidas de várias partes do mundo. Eu adorava as rosas e margaridas. Elas eram magníficas, assim como eu pensava que era. À medida que o tempo passava, cada vez eu ficava mais arrogante e prepotente. Fui uma linda criança, mas quando cheguei à adolescência, não me sentia simplesmente linda, eu me sentia magnânima, perfeita, uma verdadeira deusa. Eu tinha longos cabelos negros e uma pele alva. Meus olhos pareciam duas esmeraldas imensamente brilhantes. Sem

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