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Nos intervalos da vida Contos, poemas e assemelhados




AntÔnio Walter de Andrade Nascimento

Nos intervalos da vida Contos, poemas e assemelhados

SĂŁo Paulo 2014


Copyright © 2014 by Editora Baraúna SE Ltda

Capa e Projeto Gráfico Monica Rodriguês

Revisão

Patrícia de Almeida Murari

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ ________________________________________________________________ N193i Nascimento, Antonio Walter A. (Antonio Walter de Andrade), Nos intervalos da vida : contos, poemas e assemelhados / Antônio Walter de Andrade Nascimento. - 1. ed. - São Paulo : Baraúna, 2014. ISBN 978-85-437-0032-8 1. Poesia brasileira. I. Título. 14-09713 CDD: 869.91 CDU: 821.134.3(81)-1 ________________________________________________________________ 17/02/2014 20/02/2014 ________________________________________________________________

Impresso no Brasil Printed in Brazil DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA www.EditoraBarauna.com.br

Rua da Glória, 246 – 3º andar CEP 01510-000 – Liberdade – São Paulo - SP Tel.: 11 3167.4261 www.editorabarauna.com.br


“AWAN-1974”


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Dedicatória

“É curto demais o caminho./ E é bem certo que a estalagem/ é só um ponto na estrada./ Mas que ponto no destino/ é mais bonito que o sítio/ em que se parou para lembrar/ o percurso percorrido/ e pensar o passo a dar?/ É bonita a estalagem/ que assim alonga o caminho.../ o já feito e o por andar.” (Aparecida) Aos que sabem curtir as estalagens, que dão sentido aos caminhos caminhados e a caminhar.

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Apresentação

O fato de colocarmos no papel — transformando em livros e artigos — algumas ideias que gostaríamos de compartilhar ou que nos incomodam e preocupam a ponto de nos levar a expô-las, costuma gerar pelo menos dois efeitos colaterais: um externo — começam a nos considerar um escritor. Independentemente do mérito que tenham nossos escritos; o segundo, interno, é que, de tanto batermos nas mesmas teclas, aquelas que durante anos dominam nossas atenções, somos impulsionados a, vez por outra, buscarmos uma válvula de escape, que pode ser um conto, um poema, uma crônica, uma música ou mesmo uma pintura — sem o risco de, por seu volume, constância ou qualidade, sermos clamados como poetas, contistas, compositores ou pintores. Umas poucas vezes cedi a essas tentações sem qualquer outra pretensão que não a de extravasar e satisfazer um impulso de momento. Este livro representa uma pequena coletânea — uma miscelânea mesmo — de algumas delas. O Autor 9


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Contos

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Solenidade de Formatura

Talvez houvesse lugar no salão para umas quatrocentas pessoas. Mas, seguramente, naquela noite, estariam ali mais de quinhentas. Quem sabe, até mesmo, seiscentas! O fato é que o salão estava literalmente repleto. Pais, irmãos, namorados, mesmo alguns avós. Famílias. Amigos. Calor. No palco, a mesa grande, sobriamente decorada. Oito cadeiras antigas de espaldar alto, forradas de veludo vermelho. Bandeiras ao lado, dando um toque oficial. Ocupando as laterais, um pouco mais ao fundo, quarenta cadeiras comuns. Burburinho na plateia. Risos tensos nos bastidores. Silêncio no palco. Silêncio que se estendeu gradualmente a todo o salão, à medida que as cadeiras eram ocupadas. No centro, naturalmente, o Reitor da Universidade. De um lado, o Diretor da faculdade; do outro, o Secretário e demais autoridades, como manda a tradição. Foi o Diretor quem abriu a sessão, saudando os presentes e passando a palavra ao Reitor, para presidir a solenidade. 13


Após a execução do Hino Nacional, o Secretário procedeu à chamada dos rapazes e moças que se diplomavam. Um a um, surgiram no palco, formalizados por suas becas iguais, expressões indecisas, e ocupavam seus lugares procurando obedecer ao disposto no ensaio prévio. O clímax foi precoce. As palmas mais fortes identificavam os convidados do formando que se apresentava aos cumprimentos do Reitor. Êxtase. E a reunião se arrastou no desfile dos oradores, ouvidos mais com o coração do que com o cérebro. Antes do encerramento, o Reitor voltou o microfone ao Diretor, para algumas palavras. Pausa. Olhou de frente para a plateia, respirou e começou a dizer: “Meus amigos! Vou pedir-lhes um pouco mais de seu tempo. Gostaria de contar-lhes uma história. É a história de um menino que se tornou homem. Não se riam. Bem sei que todos os meninos se tornam homens. Mas, se para alguns o processo é natural e transcorre sem atropelos, numa sequência lógica e automática de eventos, para outros o caminho é difícil, a mudança é ativa e penosa. E uns poucos nunca se sentem completos. São levados a lutar por toda a vida, para atingirem um ideal exigente. Esse menino lutou. Tinha que lutar. Nasceu no sertão mineiro. A seca. O isolamento. O cangaço. O jagunço de tocaia atrás do pé de pau (pelas costas de preferência). Mil novecentos e seis.

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Tempos duros aqueles. Vida dura em terra castigada. Entretanto, começou bem. Moleque alegre e traquinas, solto pelas ruelas da cidade-sertão. O Grupo escolar. Primeiro, segundo, terceiro ano. Aí, a primeira lição: a morte da mãe, a morte do pai. Nove anos. Órfão. Com o casal de irmãos menores foi transferido para a casa de parentes, onde descobriu que o sistema era diferente. Era pobre. O primeiro passo, na lógica de antanho, era trabalhar, incompatível com a escola. A escola da vida para o pobre — pernas fortes, braços rijos, lombo duro para a vara de marmelo. E tome trabalho. Levantar às quatro, pé na estrada (léguas e léguas), carregar pesos, limpar, capinar, foiçar e pé na estrada de volta. Léguas e léguas. E tome vara de marmelo que é pra não esquecer. De quê? Direitos? Só o de estar vivo. Não basta? Não bastou. Sobrou trabalho onde faltou escola. Sobrou castigo onde faltou carinho. Sobrou humilhação. Consideradas as perdas e os danos, juntou os trapos e os irmãos. Fugiu. Dormiu não-sei-onde, comeu não-sei-o-quê, cuidou dos irmãos não-sei-como. O fato é que sobreviveu. Na verdade perdi sua história por aí. Não sei se voltou ou por andou. Sei apenas que continuou lutando. Voltei a retomá-la anos mais tarde.

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