da
Poesia Perdida H. Modrox
SĂŁo Paulo 2017
Copyright © 2017 by Editora Baraúna SE Ltda
Capa
Felippe Scagion
Diagramação
Editora Baraúna
Revisão
Adriane Gozzo
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ ________________________________________________________________ M698L Modrox, H. O livro negro da poesia perdida / H. Modrox. - 1. ed. - São Paulo : Baraúna, 2017. il. ISBN: 978-85-437-0741-9 1. Poesia brasileira. I. Título. 16-38673 CDD: 869.91 CDU: 821.134.3(81)-1 ________________________________________________________________ 19/12/2016 20/12/2016 Impresso no Brasil Printed in Brazil
DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA www.EditoraBarauna.com.br
Rua Sete de Abril, 105 – Cj. 4C, 4º andar CEP 01043-000 – Centro – São Paulo - SP Tel.: 11 3167.4261 www.EditoraBarauna.com.br
Para ANAIR e ANALICE ROSA In memoriam.
5
Os Poemeus... Da Poetasia A manhã entrava pela janela e me surpreendia dormindo sobre a mesa onde eu escrevia. Eu me tornava um poeta: havia passado a noite com os poemeus da Poetasia... Ao amigo que vinha e falava das coisas que ele fazia, eu mostrava um poema que dava pra um dia, na névoa florida do reino encantado dos poemeus da Poetasia... Mas... ah, eu não sabia 7
onde entrava quando busquei refúgio no tórrido seio da misantropia do mundo seguro dos poemeus da Poetasia... O tempo passou e a vida instintiva clamava energia. Eu tentei fugir e ouvi uma voz, num tom imperial, que assim me dizia: – É tarde demais! Ninguém vai embora depois de entrar no reino escondido dos poemeus da Poetasia!
8
A Carroça de Galactus O tédio nada mais é que um sentimento parado; um sofrimento calado que surge quando o presente, o futuro e o passado se encontram misturados, perdidos dentro da gente. Sensação de saco cheio que nos deixa indiferentes, sentindo o mundo girando e a vida autossuficiente. Não raro, naquelas tardes cheias de tédio e solidão impotente, da janela da cozinha eu fico olhando as filas tortas de casas que se estendem à minha frente – e que me impedem a visão de uma vista mais bonita, muito mais interessante. Vejo o passado e o futuro; mas o presente eu não vejo, pois parece inalcançável, de tanto esperar o quê? E às vezes, quando te olho de fora de mim, eu bem me sinto você... 9
De súbito me bate a sensação de que a minha casa é um veículo, um veículo bem grande, e eu sou o motorista. E posso movê-la por entre as casas que nos olham... ou ignoram; posso movê-la em qualquer direção – esquerda, direita, volver! Nada pode impedir nossa passagem. Posso fazer com que as casas, os muros, as cercas e as árvores abram caminho; posso colocá-las de lado se preciso for, com um bom chega-pra-lá... – para mostrar quem manda ali, quem é o rei do pedaço. Quando me paro à janela, posso dar à minha casa o que ninguém pode dar a outra casa nenhuma: posso fazê-la mover-se sem que despregue uma tábua; posso fazê-la mover-se sem se mover do lugar. VRUMM-VRUUUMMM... Bip-Bip! Fom-Fom! Pô! E todas aquelas casinhas, quase tão ruins quanto a minha que olham querendo briga, com olhar de desafio... Umas bem mal maquiadas, com pinturas vagabundas, e outras com tinta nem... Coisa típica de vila, de prostituta de esquina, de puteiro familiar com Santa Ceia na sala e cenas feias no jantar: a minha casa não gosta de viver nesse lugar. 10
Vou beber alguma coisa. Vou acender um cigarro. Vou-me sentar à janela, vou acionar os motores do meu tank descascado, de assoalho enfrestado e de buracos no teto... VRUM-VRUUM... Bip-Bip! Fom-Fom! Vou limpar essa paisagem. Vou purificar o ar. Estou cheio da lixaria, mexericos, gritaria, das risadas estridentes, das bebedeiras cadentes, da falta de perspectiva, nessas casas dessa gente faço questão de passar e riscar elas do mapa! – Ah, infelizes! E os casarões dos ricos, com suas caras soberbas, de sobrancelhas cerradas, de olhos multifocais, de narizes empinados, de bigodes mexicanos e beiços arreganhados a uma primeira olhada chegam mesmo a assustar... Mas apesar da aparência, das ferragens nas janelas, dos jardins sempre floreados, das garagens ocupadas, portões automatizados e cobertas bifurcadas são tão... tão autoindefesas, tão ácaro-convidativas a uma entrada triunfal... Oh, e não podem andar! Não podem andar! São prisioneiras perpétuas, 11
nunca saem do lugar. – Ei, suas casorras feias! Yeah! Vou beber alguma coisa. Vou acender um cigarro. Vou acionar os motores do meu tanque descascado, de assoalho enfrestado E de buracos no teto. Vou limpar essa paisagem. Vou purificar o ar. Estou cheio da baixaria, da lábia, da hipocrisia, da dor do rastro de sangue que seus ocupantes deixam do sair até o voltar... – Ah, desgraçados! VRUM... VRUM... Bip-Bip! Fom-Fom! – Ei, seus caixões lacrados que não podem ser abertos, senão... Não fiquem no meu caminho, senão serão esmagados! E ah, se quando motorizado eu encontrasse, pirado, uma cidade gigante, amuralhada de prédios, sufoco-monoxicarbonada safenada de indigências cancerosa de imoralidades, eu estaria vingado, e minha casa também. Eu passaria com tudo; iria daqui para lá 12
... airatlov e, e daqui pr’ali andaria, deixando choro, ranger de dentes e escombros por todo lado, certamente. E depois do estrago feito, como o Panzer vingativo de algum anjo rommelento, com meu cabelão ao vento simplesmente eu sumiria com minha casa no ar... VRUUM... Bip-Bip! Fom-Fooom! Às vezes, porém, naquelas tardes cheias de tédio e solidão impotente, ao me sentar à janela e viajar com a minha casa não consigo o mesmo efeito, não importa o quanto eu tente. Não sei bem o que fazer, não sei bem aonde ir, quando vejo as casas todas, a vila, a cidade, o mundo a me seguirem em comboio... Vão marchando, repetindo como meros soldadinhos; vão seguindo, submissos, os desígnios e as manobras da minha louca direção. É que nessas vezes, nessas tardes tão cheias, não sou mais o motorista de porcaria nenhuma; é o mundo que se move e nos arrasta com ele... Se nem a nós dirigimos, quanto mais à nossa casa nessa paisagem mofina; 13
nem aqui, nem nos States, nem na Arábia, nem na Europa, nem no Japão, nem na China. Somos peças descartáveis da engrenagem matante da carroça de Galactus, esse aríete gigante...
14
Olho-D’ÁGua Vertente fria do mato, És um brilhante azulão; Tens olhos tristes de iara, Pousados no céu do chão. Vertente fria do mato (rico trono verde-louro), És tesouro inestimável Que a mãe-d’água faz regato. Vertente fria do mato, Espelho da natureza, Refletes toda a beleza Do tucano, do sabiá; E recebes oferenda De frutos da ibirubá...
15