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O homem que

falava esperanto



Daniel Pereira Luz

O homem que

falava esperanto

S達o Paulo 2014


Copyright © 2014 by Editora Baraúna SE Ltda

Capa

Jacilene Moraes

Diagramação Felippe Scagion Revisão

Patrícia de Almeida Murari

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ ________________________________________________________________ ________________________________________________________________

Impresso no Brasil Printed in Brazil DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA www.EditoraBarauna.com.br Rua da Quitanda, 139 – 3º andar CEP 01012-010 – Centro – São Paulo - SP Tel.: 11 3167.4261 www.EditoraBarauna.com.br Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio, sem a expressa autorização da Editora e do autor. Caso deseje utilizar esta obra para outros fins, entre em contato com a Editora.


Copyright: Daniel Peliz

Obras com participação do Autor: 1 – Poetas Brasileiros de Hoje, 1986 — Shogum Arte 2 – Literatura Brasileira, 1986 — Shogum Arte 3 – Escritores Brasileiros, 1986 — Shogum Arte 4 – Nova Poesia Brasileira, 1988 — Shogum Arte 5 – Poetas Brasileiros de Hoje — Shogum Arte 6 – Dicionário Biográfico Hebrasil — 1989 7 – O Conto e o Dono do Conto, 1989 — Editora Codpoe 8 – Dicionário de Poeta Contemporâneos, 1988 e 1990 — Oficina, Letras & Artes 9 – Cadernos de Poesia Oficina, Ns. 7, 8, 9 e 10 — Letras & Artes 10 – Anuário de Escritores, 1996 — Litteris Editora (Medalha de Ouro, seleção de textos) 11 – Anuário de Poesia Brasileira, 1996 — Editora Codpoe

INÉDITOS: UMA FLOR PARA IOLANDA (Romance) A HORA DEPOIS DO AMANHECER (Romance)



Prefácio

A vida imita a Arte... A Arte imita a vida. A criação literária não deixa de ser um extravasamento da personalidade. A descrição de um personagem quase sempre reflete algo que o seu autor gostaria de ser... Neste livro há 3 trabalhos que muito se identificam com a ideia do autor: O MATADOR,a FORMATURA e a OUTRA. Como disse acima, a Arte extravasa a personalidade, levando-o espontaneamente ao imaginário, ao irreal. Quando se cria uma personagem de ficção, sempre se baseia em alguém que se viu, ou conheceu... Pedro Félix, o Baiano, de fato é um tipo que se encaixa nesses termos, mas, é uma mera figura de ficção. No outro trabalho, a FORMATURA, a figura de um médico recém-formado que começa a sentir as dificuldades que um estudante pobre tem para conseguir um diploma de curso superior lhe gerará um complexo difícil de aceitar. Em outro trabalho, aOUTRA, surge uma personagem poética que não mede as consequências para levar 7


adiante o seu intento de conquistar um homem com dotes que ela gostaria de ter... Assim, ela se lança a subterfúgios, sempre se comparando a ele, se pondo em condições de igualdade, conquistando-o sem se importar ao que possa acontecer. No fim, a frase: “Se a vida é feita de aventuras, por que não arriscar?”. O Homem que Falava Esperanto retrata, no primeiro conto, um pouco de minha vivência com esse idioma fraternal, criado por Lázaro Zamenhof, um linguista polonês que muito sonhou em unir a humanidade por meio de um só veículo de comunicação. DANIEL PELIZ


Nota

Estes contos foram escritos em épocas diferentes. O conto “Tempestade” é o primeiro trabalho por mim escrito e representa uma fase distinta vivida, assim como os demais. Cronologicamente eles se situam no tempo como se fossem pedaços existenciais e situações marcadas no papel, ressalvando-se, como é óbvio a criatividade. Daniel Peliz



O Homem Que Falava Esperanto

ômulo Correa fora sempre um pacato funcionário público, pontual e exemplar, até quando certas coisas começaram mudar em sua vida. Inesperado acontecimento veio a lhe roubar parte da tranquilidade, pois perdera, de uma só vez, a mulher e os dois filhos num acidente de carro. Tudo acontecera de forma a deixá-lo moribundo por alguns meses. Morando em um pequeno apartamento de subúrbio do Rio, ele não arquitetava outros planos para o futuro senão viver em paz e criar os filhos. Com esforço — contando ainda com a ajuda da futura esposa compraram e mobiliaram o modesto apartamento, casando-se em seguida em cerimônia festiva na mesma rua e bairro do Méier, onde nascera. Mas tudo isso aconteceu cerca de 8 anos passados. Ele, então com 35 anos, iniciava outra vida ao lado da mulher 11


que escolhera para viver. Mas quando o acidente aconteceu, seus planos começaram a se modificar. O choque o deixou abalado, tendo ele chegado a pensar em suicídio, embriaguez e outras coisas que as pessoas em tal situação recorrem. Aniquilado, Rômulo se desesperou, mas aconselhado por amigos, aos poucos se reabilitou e, agora, às vésperas de completar 1 ano do acontecido ele se via já inclinado a esquecer e tomar outras atitudes na vida. “Afinal estou entrando nos 43 anos” — pensava sozinho em casa, certa tarde após chegar do Clube onde disputara com amigos uma partida de futebol de salão. “Estou no limite da vida que começa aos 40”. Estava lendo um livro a respeito de tal assunto. “A vida começa mesmo aos 40. Preciso recompor minhas energias para o futuro...” Andava, ultimamente, com ideias controversas na cabeça. Em casa mostrava-se inquieto. Por vezes começava revirar as coisas e logo encontrava aquele jornal — o maldito jornal que comprara no dia seguinte do acidente. Não quisera destruí-lo e agora, por acaso, achou-o de novo. Lá estavam as fotos, as letras grandes que diziam: Mulher e duas crianças morrem em acidente de trânsito na avenida Brasil. Voltou-lhe logo o choque, a terrível lembrança daquele domingo! Estava no sofá e procurou se acomodar mais. Ajeitou o jornal e começou a ler uma vez mais o que o jornal estampava. Em partes dizia: ... Volkswagen cinza, em alta velocidade chocou-se violentamente em poste, na altura de Guadalupe, perto de Deodoro. Seus 3 ocupantes, uma mulher e duas crianças morreram no local... Tendo interrompido a leitura, Rômulo dobrou o jornal. Inclinou um pouco a cabeça para o chão e ficou pensando. Por diversas vezes mentalizara aquela terrível cena! 12


Por que acontecera aquilo com ele? Por quê?... Ainda absorto ergueu a cabeça. Os olhos estavam turvos, como se tudo de novo acontecesse ali naquele instante. Procurou viver a realidade. O jornal estava em sua mão, as fotos também, o retrato das crianças, da mulher... Tudo fora noticiado. Ele viveu aqueles momentos, viu enterrar sua mulher e seus filhos... Capítulos de sua vida. Agora estava sem ninguém... Num relance levantou-se, deixou o jornal no sofá e foi para a janela. Seus olhos procuraram a rua. Anoitecia. Namorados e transeuntes passeavam e movimentavam a praça, as calçadas... Estrelas começavam a aparecer. Rômulo olhou distante, além das árvores que circundavam a praça. Um rasgo bonito do céu ele avistou por cima da copa das árvores. Ali, do 3º andar ele contemplou o início da noite, as primeiras estrelas... Luzes se acendiam incitando-o sair. Havia festa e baile nos clubes... E o seu programa da noite? Sua condição de viúvo naquelas circunstâncias era do saber de muitos ali no prédio e às vezes ele se omitia de aparecer em certos lugares. Companheiros do time o inquiriam. — Rômulo, e agora? Que problema... — É a vida. Qualquer um pode sofrer essas coisas... Em seguida às respostas, Rômulo balançava os ombros, evitava que eles persistissem no assunto. Os dias passavam, os meses se sucediam e, a custo ele conseguiu se recompor do susto, dos traumas daqueles dias. Agora, perto de completar 1 ano da tragédia ele sentia a poeira dos fatos se dissipando: Seriamente lutava para introduzir nele um novo homem, ter uma nova vida. Continuava olhando a praça e começou a pensar em sair, o verão se iniciava. Voltou para dentro, trocou de roupas e instantes depois deixava a portaria do prédio. 13


Vestido esportivamente começou a caminhar pela calçada. A noite de verão o impelia a andar, procurar algo novo, ir para Novo México, sentar nas areias da praia... De mãos nos bolsos ele caminhava sem rumo. De repente parou. Estava numa esquina e resolveu dobrar a rua. Entrou logo num centro espírita que ficava perto da esquina que dobrara. Se sentou junto a outras pessoas que ali já se achavam. O ambiente estava animado e em uma cantina na entrada se vendiam doces e bebidas aos frequentadores. A solidão dos últimos meses o levara a procurar lugares assim, que antes não lhe chamavam a atenção. O centro ficava a poucos minutos de onde morava e já por outras vezes se vira inclinado a entrar nele. Aos sábados os atabaques batiam, a noite era festiva; cânticos se faziam ouvir à distância. Curiosos ali se ajuntavam. Misturando-se com eles Rômulo se divertia, a ver, também, os médiuns que dançavam e rodopiavam no enorme salão decorado com bandeirinhas e papéis recortados. As mulheres requebravam as cadeiras com colares brilhantes e imagens de santos. Rômulo era um pouco devoto de Santa Bárbara, mas nunca praticara Espiritismo. Já ouvira falar de sincretismos religiosos e cultos Afro-Brasileiros. Iansã, Ogum, eram nomes de santos venerados na Umbanda. Rômulo nunca se ligara pra valer a religião alguma. Considerava-se mais um agnóstico, crendo em Deus à sua maneira. Mas quando moço fora muitas vezes à igreja católica ... e também a igrejas protestantes. Em sua família o problema de religião sempre foi diversificado. Seu pai pertencera, certa época, à Maçonaria e sua mãe, antes católica, abraçara, mais tarde, o protestantismo. Mas ele, no fundo era mesmo um agnóstico moderno com um pouco de sangue de índio nas 14


veias, conforme boato corrido na família. Não se atava a fanatismos nem preconceitos. Seu casamento tivera a bênção de um padre, mas também poderia ser diferente. Bastaria uma cerimônia no civil e tudo estaria consumado. Sendo o 5º filho do casal Altino Corrêa e Diamantina Labor Corrêa, suas raízes estavam no Norte Fluminense. Naquele sábado, às 8 em ponto os atabaques entraram a bater. Os primeiros cânticos foram ouvidos e logo depois o domínio foi geral. A música rompia o recinto e se perdia para fora, para a noite... Tudo virou festa, cores e sons. A Umbanda festejava, os santos baixavam, os médiuns trabalhavam... Colares luziam no salão festivo. Era mais uma noite dos Orixás, dos santos, dos heróis, das almas... A Umbanda estava em festa! Noite de magia para Zambi e Zumbi dos Palmares!... Foi por volta da madrugada, naquela noite, que Rômulo Corrêa conseguiu chegar em casa. Deitou-se o mais rápido e tentou conciliar o sono. Mas sonhos esquisitos o fizeram reviver tudo como sucedera às últimas horas antes de sua mulher sair de casa, no carro que a conduzira para a casa da mãe, em Campo Grande, no dia do acidente fatal. Pela manhã bem cedo tudo já estava pronto. As crianças dormiam e foram acordadas. — Olha o passeio, vamos visitar a vó... — ele disse. O dia amanhecera quente e claro, o que resultou no temporal de verão à tarde naquele domingo, como sempre acontece no Rio. — Um beijão no pai para despedida — Rômulo falou, curvando-se e abraçando as crianças já prontas para entrar no carro. — Não façam bagunça na casa da vó!

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