Por trás do Véu A história da primeira denominação pentecostal brasileira
Marcelo Ferreira
Por trás do Véu A história da primeira denominação pentecostal brasileira
Revista e Ampliada
São Paulo 2009
Copyright © 2009 by Editora Baraúna SE Ltda Projeto Gráfico e Diagramação Aline Benitez
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ ________________________________________________________________
F442p Ferreira, Marcelo Por trás do véu : a história da primeira denominação pentecostal brasileira / Marcelo Ferreira. - São Paulo : Baraúna, 2009. il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-7923-047-9 1. Congregação Cristã no Brasil - História. 2. Pentecostalismo - Brasil - História. 2. Igrejas Pentecostais - Brasil - História. I. Título. 09-3830.
06.08.09
CDD: 270.820981 CDU: 279.125(81) 13.08.09
014349
________________________________________________________________ Printed in Brazil DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA www.EditoraBarauna.com.br Rua João Cachoeira, 632, cj.11 CEP 04535-002 Itaim Bibi São Paulo SP Tel.: 11 3167.4261 www.editorabarauna.com.br
Agradecimentos
Agradeço a Deus, por Jesus Cristo, por sua infinita bondade, misericórdia, longanimidade, luz e direção sobre a minha vida. Se não fosse por isso, jamais teria prosseguido. Este livro é um testemunho do despertar que Sua Palavra operou em mim. Ao Espírito Santo, que moveu irmãos de todas as partes para que pudessem contribuir com informações, fotos e documentos imprescindíveis à pesquisa. À minha querida esposa e a meu filho, pela compreensão diante das muitas horas que tive de dedicar a este trabalho. Ao pastor Rui Rodrigues Martins, ex-cooperador da CCB, por sua grande colaboração. Seu valioso testemunho sobre os primórdios da Congregação Cristã e sua própria experiência naquele ministério foram de grande ajuda. Ao pastor Mauro Pellegrini. Seu apoio e intercâmbio com os colaboradores foram de fundamental importância. Ao amado pastor Anor Afonso Serio, grande defensor da fé cristã, por sua extrema e singular dedicação à ministração das aulas sobre as “Doutrinas Centrais da Bíblia”. Tive o privilégio de participar de suas aulas com os alunos da Academia Bíblica da Igreja Cristã da Trindade.
Ao ministério da Igreja Renovadora Cristã e aos membros da querida família Ferretti. Sua exclusiva contribuição foi ceder-nos documentos históricos valiosos que nos ajudaram a compreender fatos históricos importantíssimos da CCB. Ao pastor André Santos e à sua esposa, irmã Aline Croce, missionários da Assembléia de Deus Ítalo-Brasileira, pelo carinho, pela ajuda e pelo empenho ao me enviarem, da Itália, conteúdos importantíssimos sobre as raízes do pentecostalismo italiano. Ao querido amigo e professor David Corrêa, um dos mestres da Igreja brasileira, e fundador da Academia de Estudos dos Profetas Bíblicos, por sua seriedade e compromisso com o ensino da verdade e com a defesa da inspiração verbal e plenária das Escrituras Sagradas. Ter sido seu aluno foi de fundamental importância em minha vida. Aprendi o que é “adorar o Senhor através das informações das Escrituras Sagradas”. À equipe do programa de rádio “Crescendo na Fé”, pela confiança depositada em minhas participações no período de 06 de novembro de 2006 a 24 de dezembro de 2008. Aos irmãos Marcos de Lima Vitor, Percival Nunes, Jonas Anacleto, Edson de Jesus, Helyel Rodrigues, Evandro Rodrigues e Eduardo Monteiro, e também ao casal Renato e Veridiana, que, em todos os momentos, dispensaram-me apoio, companhia e amizade. Enfim, a todos os amigos, parentes e demais pessoas que, embora não expressamente mencionadas, merecem o meu mais sincero agradecimento e respeito!
Dedicatória
Aos amados irmãos da Congregação Cristã no Brasil, que buscam a fidelidade somente na Palavra de Deus e estão aguardando uma transformação. Às famílias daqueles que já partiram para estar com o Senhor, mas que, em vida, lutaram com amor para que essa transformação se tornasse possível. Aos irmãos de outras denominações evangélicas, que esperam uma reflexão da CCB. A todos os membros do Corpo de Cristo e aos nossos familiares e amigos.
Sumário
Capítulo 1 - Valdenses: uma herança da Igreja Primitiva. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 A. O anabatismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 B. Os valdenses . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 C. Sua ligação com a Igreja Primitiva. . . . . . . . . . . . . . . . . 21 D. Pedro Valdo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 E. A doutrina dos valdenses. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 Capítulo 2 - Pentecostalismo: sua história em relação à CCB . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 A. Pentecostalismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 B. Entendendo o pentecostalismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 C. Pastor William H. Durham . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 Capítulo 3 - O pentecostalismo italiano e sua expansão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 A. Louis Francescon . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 B. A Assemblea Cristiana de Chicago . . . . . . . . . . . . . . . . 45 C. A vida difícil na América . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 D. O contato com o avivamento pentecostal . . . . . . . . . . . 49 E. O crescimento do pentecostalismo italiano em solo americano. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 F. Primeiros passos (EUA, Itália e América do Sul) e principais acontecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 G. Os precursores do pentecostalismo italiano . . . . . . . . . . 66 H. O pentecostalismo na Itália, hoje . . . . . . . . . . . . . . . . . 88 I. Principais organizações pentecostais presentes na Itália . . . . 89
Capítulo 4 - As origens da Congregação Cristã no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93 A. O avanço missionário de Francescon em território brasileiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93 B. Francescon transmite a mensagem pentecostal em São Paulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97 C. O avanço da Congregação Cristã e os principais fatos ocorridos no Brasil e no mundo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105 D. A Assemblea Cristiana de Chicago, após 1925. . . . . . . 133 E. O ministério do ancião Louis Francescon e o reflexo de sua herança na CCB . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135 F. A presidência do Conselho de Anciães no Brasil . . . . . . 147 G. A Congregação Cristã é uma igreja pentecostal? . . . . . 148 H. A Congregação Cristã e a Assembleia de Deus . . . . . . 152 I. As viagens de Louis Francescon ao Brasil. . . . . . . . . . . . 154 J. A chegada da Assembleia de Deus a São Paulo . . . . . . . 154 K . O cisma de 1928 e as diferenças doutrinárias . . . . . . . 157 L. O modelo da Congregação Cristã no Brasil . . . . . . . . . 158 Capítulo 5 - A origem das orquestras . 159 A. Histórico das orquestras nas Congregações Cristãs . . . 159 B. Hinários utilizados ao longo da história da Congregação Cristã no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162 Capítulo 6 A Organização administrativa da CCB . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167 A. Sua constituição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167 B. A CCB hoje . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 168 C. Relação dos países em que a CCB está presente atualmente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 168 Capítulo 7 - Organização Doutrinária da CCB . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171 A. Doutrinas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171 B. Fontes de autoridade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 172 C. Fontes de constituição, referência, instrução e regulamentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 172 D. Pontos de doutrina e da fé . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173
E. A modificação do primeiro tópico . . . . . . . . . . . . . . . . 176 F. O “quadro revelação” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179 Capítulo 8 - A cultura oral e sua análise mediante a Bíblia . . . . . . . . . . . . . . . . 183 A. A salvação na CCB . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 185 A1. As afirmações da Bíblia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 186 A2. A certeza de salvação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 187 A3. O ensino sobre a salvação na CCB . . . . . . . . . . . . . . 188 B. A CCB como Graça e as igrejas evangélicas como seitas e teorias humanas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 189 B1. O testemunho do proselitismo . . . . . . . . . . . . . . . . . 194 C. O estudo da Bíblia na CCB . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 195 C1. O controle por meio de uma estrutura psicológica fechada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 201 C2. Escola Bíblica Dominical ou Reunião para Jovens e Menores?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207 C3. O ensino distorcido sobre a Lei . . . . . . . . . . . . . . . . . 212 C4. Bons motivos para o cristão estudar a Bíblia . . . . . . . 215 D. O batismo na CCB . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 219 D1. 1º argumento: a expressão “...te batizo” ao invés de “eu te batizo” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 221 D2. 2º argumento: rebatismo “em nome de Jesus Cristo” . . . 222 D3. 3º argumento: regeneração batismal ou batismo salvífico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 233 E. O uso do véu e a questão do cabelo . . . . . . . . . . . . . . . 244 E1. Comentários . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 244 E2. Será que as mulheres da CCB usam o mesmo véu dos tempos de Paulo? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 250 E3. Tipos de véu utilizados pelas mulheres orientais. . . . . 251 F. O ósculo santo na CCB . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 254 G. A saudação “A paz de Deus” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 257 H. O dízimo e a CCB . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 258 I. O ministério pastoral na CCB . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 260 I1. Jesus é o único pastor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 260 I2. Pastor é um título humano que leva à vaidade da carne . . . 263 J. Quanto ao sustento do obreiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 264
J1. De onde surgiu a cultura da CCB de não assalariar seus ministros? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 266 K. Oração só de joelhos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 267 L. A pregação e as revelações além da Bíblia Sagrada . . . . 268 M. O sono da alma após a morte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 272 N. O pecado contra o Espírito Santo . . . . . . . . . . . . . . . . 273 N1. Pecar para morte é se opor, ou deixar a CCB?. . . . . . 274 N2. A blasfêmia contra o Espírito Santo, o pecado imperdoável. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 276 O. A bebida alcoólica na CCB . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 280 P. Rejeição à pregação em lugares públicos . . . . . . . . . . . . 285 Capítulo 9 - Características da CCB . . . 287 A. Particularidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 287 B. Vocabulário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 289 Capítulo 10 - A visão de um ancião sobre a Congregação Cristã no Brasil . . . . . . 293 Capítulo 11 - O êxodo e as dissidências da CCB. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 309 Capítulo 12 - Os testemunhos de dois pioneiros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 315 A. Irmão Aldo Ferretti, um fiel pioneiro . . . . . . . . . . . . . 316 B. Irmão Rui Rodrigues Martins, um batalhador pela fé que uma vez foi dada aos santos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 321 Capítulo 13 - Despertando para a realidade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 325 Capítulo 14 - Considerações . . . . . . . . 343 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS . . . . 351
Ao leitor
Até hoje, muito se escreveu a respeito de uma das maiores “denominações evangélicas” do Brasil. E isso por conta de sua marcante presença no cenário evangélico. Estamos falando da Congregação Cristã no Brasil – a CCB. Um dos problemas mais complicados que alguém pode encontrar quando se empenha em pesquisar a historicidade de um povo, de um segmento religioso ou de uma organização denominacional, é, sem sombra de dúvidas, a falta de informações, ou seja, de dados remanescentes de fácil acesso. Quando isso acontece, é porque não houve interesse, por parte da instituição pesquisada, em preservar, em conservar, a sua memória. A CCB, em toda a sua existência, pouco relatou, de forma documental, a si própria como denominação, e muito menos registrou a história dos principais personagens envolvidos em sua fundação e expansão, tanto dentro quanto fora do Brasil. E agiu dessa forma por compreender que, se escrevesse muito, detalhando o trabalho desses personagens, poderia incorrer numa espécie de idolatria a tais pessoas e, dessa forma, ofuscar a obra do Espírito Santo.
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Ademais, podemos perceber que, ao omitir certos fatos, a CCB teria a facilidade de não ter de esclarecer algumas dúvidas perenes aos seus membros que, por esse motivo, desconhecem quase totalmente a verdadeira história de sua denominação. Aliados à crença de que todas as decisões do ministério dizem respeito à “vontade de Deus”, quase todos os membros aceitaram suas vagas explicações, sem questioná-las. Afinal, segundo acreditam, são os “únicos representantes de Deus na terra”; por isso, submeteram-se, sem restrição alguma, à ditadura dos “ungidos de Deus”, como eles gostam de se referir um ao outro. Foi justamente isso que causou um grande abismo entre os primórdios da CCB, suas transformações e sua situação atual. Lamentavelmente, pouco se escreveu sobre a primeira denominação evangélica pentecostal que chegou ao Brasil. Mas, impulsionado por Deus e pelo desejo empreendedor e pesquisador, e também pela necessidade gritante de uma resposta sobre o que é a CCB, conseguimos ferramentas e acessórios importantes que nos ajudaram não apenas a transpor esse abismo, mas também a descer até o fundo dele. E, graças a Deus, essas preciosas informações irão nos fazer compreender melhor as práticas da CCB. E não só isso; iremos ainda, por meio dessas informações, compreender as consideráveis transformações pelas quais a CCB passou ao longo de toda a sua existência. Foram anos de muito trabalho e pesquisa, realizados com esmero e dedicação. Mas, agora, podemos retratar a intimidade - ainda não abordada - da CCB.
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Anteriormente, muitos pesquisadores, estudiosos e escritores acirraram seus comentários; em sua maioria, nas diferenças doutrinárias e de usos e costumes da denominação. Infelizmente, contudo, deixaram de abordar, com mais informações, a transformação e os principais fatos ocorridos ao longo de sua trajetória. Com isso, permaneceram lacunas difíceis de serem interpretadas, tanto em relação à história da CCB como à grande contribuição de seus primitivos membros. Em verdade, a CCB, como “igreja”, colaborou sim; e, de certa forma, ainda colabora com a pregação das boasnovas do Evangelho. Em suas casas de oração, milhares de pessoas receberam, e ainda recebem, a pregação da Palavra de Deus, que transmite vida. Assim, são libertas da escravidão do mundo, por meio de nosso Senhor Jesus Cristo. Mas, lamentavelmente, a falta de estudo da Palavra de Deus levou seu ministério a exercer características radicais e exclusivistas ao longo do tempo. E, por esse motivo, estabeleceu-se uma cultura oral que é a base do atual “sistema” (se é que podemos chamar assim) da CCB. Sistema esse que, quando analisado mais a fundo, contradiz a história inicial dessa denominação e choca seus membros recém-chegados e até mesmo os mais antigos. Apesar de tudo isso, devemos lembrar que o povo da CCB é dedicado e fervoroso, mas o que depõe contra é o fato de não ser convencional quanto à fé cristã. Age dessa maneira por conta da cultura oral (diferente dos demais evangélicos), perpetuada pelos princípios absorvidos, inocente e sutilmente, ao longo do tempo. E esses fiéis fizeram isso sem questionar, levados, principalmen-
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