Um jardim para liz 15

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Maurício Cerqueira

São Paulo 2017


Copyright © 2017 by Editora Baraúna SE Ltda

Capa

Felippe Scagion

Diagramação

Editora Baraúna

Revisão

Adriane Gozzo

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ ________________________________________________________________ C394j Cerqueira, Maurício Um jardim para Liz / Maurício Cerqueira. - 1. ed. - São Paulo : Baraúna, 2017. ISBN 978-85-437-0804-1 1. Romance brasileiro. I. Título. 17-43516 CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3 ________________________________________________________________ 20/07/2017 24/07/2017 Impresso no Brasil Printed in Brazil

DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA www.EditoraBarauna.com.br

Rua Sete de Abril, 105 – Cj. 4C, 4º andar CEP 01043-000 – Centro – São Paulo - SP Tel.: 11 3167.4261 www.EditoraBarauna.com.br


Dedicatรณria Para Edel Quinn

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Esclarecimento Embora esta obra seja livremente inspirada em fatos da minha infância, os nomes e alguns dos acontecimentos são absolutamente fictícios, tratando-se de mera coincidência caso ocorra concordância entre aqueles e a realidade. Maurício Cerqueira Lima



SumĂĄrio O enterro do passarinho 11 O sapo de pano no ventilador e um quilo de salame 29 O sopro de Deus 47 A flecha Negra (o ciĂşme) 65 O coĂĄgulo, ou Alfredo desce aos infernos Cachorro louco 97 A alma das flores 109 Um jardim para Liz 127

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O enterro do passarinho – Não acredito que você me bloqueou no Facebook! – disse Magda indignada. – Aquele menino é mais importante pra você do que eu? – Não é nada disso, você está misturando as coisas – tentava explicar Ana Cláudia. – Eu cliquei numa coisa lá, um botão, sem querer. Mas nada que Ana Cláudia dissesse podia remediar aquela atitude terrível. – Não credito nisso, man, não posso nem ver nossas fotos do acampamento. – Quando eu chegar em casa eu resolvo. Não tem nada a ver com o Robinho, ele nem gosta de você! – remediou Ana Cláudia, deixando escapar seu verdadeiro motivo. – Quem lhe disse? Você se lembra do que ele me falou naquele dia? – Não lembro nada. Só sei que o menino é meu amigo e já foi lá em casa, conheceu meu pai e tudo. – E daí que ele conheceu seu pai? Ele me disse que se tivesse que namorar alguém da escola seria eu. – Para, Magda. Ridícula!

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Eram nove e quarenta e sete de uma manhã de terça-feira, na Escola Madre Ksenia Kuchnia, frequentada pelas famílias tradicionais de Salvador. O nome do estabelecimento tinha sido dado em homenagem à freira vinda da Polônia, que fugiu da invasão nazista e dedicou sua vida ao ensino, em finais dos anos trinta do século passado, no Nordeste brasileiro. Inicialmente dedicada às famílias bem situadas da cidade, nos primeiros anos somente eram admitidas pessoas do sexo feminino, mas as dificuldades de manutenção da escola e os novos costumes fizeram com que a direção aceitasse também os meninos. Não fosse assim, seria impossível mantê-la em funcionamento, acrescentando-se a isso um significativo aumento nas mensalidades. Passaram também a ser admitidos alguns alunos bolsistas, da chamada classe média, confirmando o caráter cristão da entidade. Por isso existia uma diversidade de público que se fazia sentir nas diferenças entre o material escolar de cada um, além dos calçados e dos acessórios, que terminavam frustrando o objetivo da farda, ou seja, o de padronizar os indivíduos, travestindo-os de iguais. Intervalo para merenda e amenidades. Centenas de crianças e adolescentes com seus uniformes engomados corriam e gritavam. Os mais adiantados já namoravam e não faltavam os desencontros naturais da vida. Dila e Marta estavam conversando perto da cantina. – Você soube? O passarinho de Camila morreu! – Ai! Morreu de quê? – perguntou Marta, incrédula, franzindo a testa. 12


– Sei lá, de que é que passarinho morre? Câncer? – Ele fumava? Sem acreditar na pergunta, Dila olhou a amiga em silêncio por um instante. – Cara, eu não sei se te respondo ou se vou embora. – E quando é o enterro? – insistiu Marta. – Pô, não sei. Será que ela vai enterrar o passarinho? – Tem que enterrar, né? – Vamos dar essa ideia a ela. Há poucos metros dali estava a inconsolável dona do passarinho, cercada por amigos. Marta foi logo perguntando em voz alta, sem respeitar o recolhimento da menina. – Quando vai enterrar o passarinho? Camila franziu a testa e olhou para ela sem entender. Dila tentou consertar o disparate da amiga. – Sim, Camila, você não pensou em dar um enterro digno ao seu bichinho? Passarinho também é gente. – Êêiiita – gritou Marquinhos. – Se passarinho é gente, tem que vir na escola, responder à chamada e fazer prova de português de Don Roberto. Todos riram. Camila perguntou, franzindo a testa mais ainda. – Enterrar o passarinho? Eu moro em apartamento, vou enterrar o passarinho onde? Marta deu um passo à frente com a solução. – Num vaso de planta, assim aduba a terra e ajuda a natureza. Camila olhou para o vazio, começou a chorar dizendo entre os dentes. 13


– Meu bichinho vai adubar a terra. – Sim, mas tem que ter refrigerante, pãozinho e brigadeiro pro velório, né? – arrematou Marta. Houve um silêncio que Paulinho, o menor de todos, interrompeu inocente. – Vocês vão enterrar o passarinho ou comemorar o aniversário dele? Liz, a mais madura do grupo, vinha chegando, já sabendo do que se tratava, e disse: – É preciso organizar esse negócio, senão vai azedar. Tem que ter lista de convidados, horário de chegada e de saída. Os pais têm que se comprometer a pegar todos na hora combinada. – Não dá pra ser tão organizado, o enterro tem que ser hoje e rápido, senão o bicho vai começar a feder – interrompeu Paulinho. – Além do mais, nunca ouvi dizer que se faz convite pra enterro, como se fosse aniversário. – Sim, a gente organiza agora mesmo, cada um leva uma coisa. Eu posso levar os quibes, Marta leva os brigadeiros, os meninos os refrigerantes – disse Dila. – Lá em casa tem uns pãezinhos e eu posso pedir pra mãe fazer uns cachorros-quentes – acrescentou Camila. – Então estamos arranjados! – arrematou Pedro. – Não, não, não, sem lista de convidados eu não vou. Depois vira uma bagunça, entra gente de Mussurunga1… – arrematou Liz, abrindo os braços. 1 14

Bairro de Salvador.


– Faça sua lista man, quem se importa? – Dila encerrou a discussão. Magda e Ana Cláudia foram chegando perto do grupo e procuraram saber o que estava acontecendo. Sheila e Jonas, que só andavam juntos, também se aproximaram e foram convidados para acompanhar o enterro do passarinho. Tudo combinado para as quatro horas da tarde, para que desse tempo de todo mundo ir em casa, almoçar e cuidar das tarefas. – Não podem acontecer atrasos, vejam bem! – finalizou Liz. – Coloque Alejandro na lista, porque ele é gato – disse Ana Cláudia. – Não, porque ele fede – respondeu Liz. – Como assim, Liz? Quem disse que o menino fede? – perguntou Magda. – Você já cheirou o menino por acaso? – perguntou Ana Cláudia. – Não, mas ele mora na Ribeira2, lá não tem água, então ele não toma banho, portanto ele fede. – Você é podre, Liz – sentenciou Magda. Um breve silêncio foi feito pelo grupo por causa do preconceito de Liz. – Diga não, porque não – falou Marquinhos. – Como assim: não, por que não? – perguntou Dila. – É a teoria da supremacia. Meu pai me diz: não, porque não, ou não, porque eu não quero. É simples: ele tem a força, portanto é a teoria da supremacia. 2 Idem. 15


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