Luiz Antonio Aguiar
1ª edição 2010
Copyright © Luiz Antonio Aguiar Capa e Editoração Eletrônica AlôTodos Comunicação Coordenação Editorial Editora Biruta Revisão Mariana Mininel de Almeida 1ª edição - 2010
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Aguiar, Luiz Antonio A Espada Turca / Luiz Antonio Aguiar. São Paulo : Biruta, 2010. ISBN 978-85-7848-038-7 1. Ficção - Literatura infantojuvenil I. Título.
09-12869
CDD-028.5
Índices para catálogo sistemático: 1. Ficção : Literatura infantojuvenil 028.5 2. Ficção : Literatura juvenil 028.5 Edição em conformidade com o acordo ortográfico da língua portuguesa. Todos os direitos desta edição reservados à Editora Biruta Ltda. Rua Coronel José Euzébio, 95. Casa 100-5. – Higienópolis CEP 01239-030 – São Paulo – SP – Brasil Tel/fax: (011) 3081-5741 (011) 3081-5739 E-mail: biruta@editorabiruta.com.br Site: www.editorabiruta.com.br A reprodução de qualquer parte desta obra é ilegal e configura uma apropriação indevida dos direitos intelectuais e patrimoniais do autor.
Sumário Uma Espada Sai da Rocha 7 Esmirna, Cinco Mil Anos Atrás… 11 Certa Noite em Istambul 15 A Casa Que Envelheceu Depressa Demais 21 “Não Deixem a Garota Entrar Nunca Mais Naquele Lugar!” 25 Um Inimigo Sutil e Invisível 31 O Diário de Viagens de Martiniano 35 A Maldição da Espada Turca 39 A Mesma Caverna... Mas em Outro Lugar 43 Emboscada 47 Tros, O Sanguinário 49 Encontro com Dárdano 51 Arqueologias dos Pesadelos 55 Do Outro Lado do Muro 59 Lembranças Assombradas 61 Tros Exige Obediência 63 De Volta ao Labirinto 69 Empunhando a Espada 73 Uma Batalha Surge do Nada 75 “Cuidado com os Demônios que Não Parecem Demônios!” 83 Despedidas e Aventuras 89
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Uma Espada Sai da Rocha O raio é que toda vez que se lembrava daquela tarde, na caverna do alto da montanha, as imagens se embaçavam, como se fossem um sonho. Tanto que Leonora acabou se convencendo que fora mesmo um sonho. Até porque não poderia ter acontecido. O casarão e toda a propriedade em volta estavam abandonados, agora, havia pelo menos quatro anos. Antigamente, com o avô Martiniano ainda vivo, seus pais a levavam para passarem lá, vez por outra, o final de semana. O terreno em volta era imenso. Havia um bosque cercando a casa, com árvores antigas e altíssimas, e elevações de pedra com reentrâncias, semiencobertas por avencas gigantes, e trilhas pelo meio da vegetação – que na época ultrapassava sua altura –, pequenas clareiras e, no extremo ao fundo, já no sopé da montanha, a queda d’água e o riacho que atravessava a propriedade. Tudo isso no meio da cidade. Na verdade, a cidade é que fora crescendo em torno daquele pedaço de outro mundo. Quando Leonora era criança, mal chegavam, a menina deixava suas coisas num dos muitos quartos e descia. Ficava o dia inteiro vivendo suas aventuras, sozinha e solta. Só entrava quando escutava o sino chamando para o almoço, depois tornava a sair e daí nunca a viam em casa antes do escurecer. Encontrou a Espada Turca numa dessas aventuras.
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Se é que a encontrou de verdade – era o que agora precisava descobrir. Teria que idade? Nove anos? Mais ou menos. Martiniano ainda estava vivo, e a própria casa era um pequeno museu, com peças que o velho, em suas muitas e misteriosas viagens, havia recolhido pelo mundo. A noite geralmente terminava com a família reunida, no salão, e Martiniano contando histórias de suas viagens maravilhosas. A se acreditar no que o velho narrava, sempre com um sorriso de satisfação lhe iluminando o rosto, ele navegara com autênticos piratas, no Mar Vermelho; desencavara templos na Amazônia, cujos construtores até hoje eram desconhecidos; visitara ilhas com monumentos diabólicos, impregnados de magia, na Oceania; encontrara máscaras de ouro maciço cravejadas de diamantes no sul da África, e mais façanhas sem fim. ─ Vovô já teve na Lua? – lembrava-se Leonora de ter lhe perguntado, certa vez; e da gargalhada que ele deu. A menina entendeu muito bem que não era de deboche, mas de prazer com o brilho nos olhos dela. Voltaram ainda duas ou três vezes à casa, depois que Martiniano morreu. Aí, ela lembrava bem, já tinha doze anos ou pouco mais. E a casa, o terreno, seus segredos, mesmo a lembrança da Espada Turca (e a história dessa sua aventura, não havia contado a ninguém, a não ser ao seu avô) nunca mais a encantaram do mesmo modo. No entanto, já então, havia, pairando na propriedade, algo invisível, cercando tudo. Algo que a desagradava. E assustava. E por isso pedira para que não a levassem mais lá. Os pais a atenderam sem perguntas. Mas, naquela tarde, ainda nos bons tempos, quando
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aconteceu a tal cena, o tal fenômeno que não deveria, ou não poderia ter acontecido, o que Leonora viu foi a espada sair da parede de rocha da caverna. Não que tivesse se aberto um buraco, uma passagem, um cofre secreto – nada disso. Quem dera que fosse, porque aí seria mais compreensível. Simples questão de procurar uma alavanca oculta. Mas, não, apenas a garota, sem saber por que, parou de repente, olhando a rocha. E olhou, olhou, olhou… até que, da pedra, foi expelida a espada, como uma bolha de sabão sai de outra, e ficou flutuando um instante no ar, depois fundiu-se de volta com a parede da caverna. E se esse episódio foi o que causou, ou não, a morte do seu avô, Martiniano, era algo que a garota sempre se perguntou. Mas, teve de guardar essa dúvida, e a sensação de culpa que vinha junto, para si mesma… A quem mais iria poder contar o que viu (embora já não acreditasse, hoje em dia, que pudesse ter visto)? Quem escutaria sua história como a escutara o avô Martiniano?
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Esmirna, Cinco Mil Anos Atrás… Esmirna é uma cidade turca, na costa do Mar Egeu. Hoje, tem mais de dois milhões e meio de habitantes, mas, sua história é muito antiga – Esmirna foi fundada há mais de cinco mil anos. Só para se ver o quanto é antiga, Esmirna já existia, provavelmente, havia mais de mil anos, quando aconteceu – se é que aconteceu – a Guerra de Troia. E há quem diga que foi lá, ou pelo menos nas redondezas, que nasceu Homero, o autor de A Ilíada, o poema que conta a história de Troia, de Helena e daquele monte de deuses se metendo na tal guerra que durou dez anos. A cidade é na região da Anatólia, que entre outras coisas quer dizer A Terra de Ana – de Ana Tanriga, a Grande-Mãe, provavelmente a deusa mais antiga que existiu, cujas sacerdotisas, ancestrais de todas as feiticeiras, eram sepultadas, doze mil anos atrás, com seus instrumentos mágicos, num ritual que exigia sacrifícios – às vezes de animais, às vezes de humanos, geralmente de prisioneiros de guerra. A Grande-Mãe era responsável pela fartura nas colheitas, e também pelo triunfo de seus adoradores diante dos inimigos. Daí, quando o avô de Leonora explicou que a visão que ela teve foi da Espada Turca, precisou explicar que chamar de turca era uma maneira de facilitar as coisas, já que a espada surgira pela primeira vez na região que, hoje, é a Turquia, mas que fora conhecida por muitos nomes, antes, dependendo do povo que a conquistava – e foi uma das
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regiões mais disputadas do mundo antigo. A espada, assim relatou um tanto reticentemente o avô, ele a encontrara em ruínas próximas a Esmirna. Numa cova que talvez fosse um túmulo muito antigo, embora disso não tivesse certeza, nem muito menos soubesse quem seria a personalidade deixada ali para o seu sono eterno. Que ele perturbara. Talvez isso pudesse explicar as visões que Leonora tivera, por meses e meses, depois de encontrar a Espada Turca, e que retornavam vez por outra (cada vez mais raramente, até as últimas semanas, para, a partir daí, se intensificarem como nunca antes), aos seus sonhos. Tudo meio embolado, cenas de guerra, surdos rumores de vozes, proferindo maldições, o piar agourento de aves de rapina, corvos, abutres enormes, o vulto delas, baixando voo, gritos de dor e de fúria. Quando, sentada no colo do avô, ainda engasgando com as palavras e tremendo assustada, ela lhe contara como a espada aparecera como que brotando da parede de pedra, Leonora percebera que, por instantes, o velho ficara um tanto pálido. E arregalara os olhos várias vezes, mesmo sem interrompê-la. Somente no final, num tom de raiva, murmurara: ─ Essa assombração vai me perseguir a vida inteira… E no que disse isso, seus olhos não fitavam a menina, nem coisa alguma próxima. Foi apenas uma ausência, um instante, e logo ele se recompunha e sorria de novo para a neta: ─ Assombração, vovô? Feito um fantasma…? – perguntara Leonora. ─ Não, minha querida, minha neta amada – era assim
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que ele a chamava, com frequência, e quando pronunciava essas palavras, os olhos dele ficavam úmidos. E também os dela… – Fantasma, não… Mas, se for, é um fantasma meu, não seu. ─ Então… por que apareceu para mim? Martiniano a olhou preocupado. A seguir, propôs: ─ Vamos voltar lá amanhã. Nós dois juntos? Vai ser uma maravilhosa aventura. Foi a vez de Leonora arregalar os olhos. As aventuras que os dois viviam juntos eram sem dúvida as melhores. Na manhã seguinte, desceram pelos fundos do casarão, depois do desjejum, e caminharam até o sopé da montanha. Martiniano levava um bastão na mão direita. Leonora estranhou – o velho nunca necessitara se apoiar em nada, para andar. E, de fato, o bastão, de madeira maciça, escura e pesada, ia sendo agitado no ar. Martiniano o apontava, para árvores, pássaros e flores que viam, sobre os quais falava à neta – ele adorava orquídeas, e um de seus prazeres era ter tantas e tantas, de tantas espécies diferentes, em sua propriedade, brotando, selvagemente, onde bem entendessem. Ao chegarem à montanha, pegaram a trilha que subia por entre arbustos e árvores, e lá no alto – já fora dos limites da propriedade – pararam para descansar num pequeno platô. ─ Então, é por aqui que você andava xeretando, hem? Sua mãe deu a você licença para vir tão longe, sozinha, Leonora? – perguntou marotamente o velho. E a menina, no mesmo jeito maroto, olhou para ele meio que de lado, sem responder. – Hum! – fez Martiniano. – Pode ser perigoso… ─ A caverna está logo ali na frente… – disse ela.
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O velho então se levantou e retomaram a caminhada. Logo chegavam à entrada da caverna, uma fenda suficientemente grande para a menina passar, mas que obrigava o velho Martiniano a se espremer de lado. Entraram. Martiniano havia trazido uma lanterna potente, e acendeu-a, vasculhando os cantos, desviando os olhos um instante da neta para se certificar de que não havia escorpiões, cobras, ou outros rastejantes à espreita. E foi quando se virou de novo que deu com a menina com o olhar fixado num paredão de pedra mais escura. Foi mirar aquele paredão e Martiniano sentiu um calafrio. Ergueu o bastão e, quando as suas mãos se fecharam em torno dele, preparando-se para o caso de precisar usá-lo, Leonora compreendeu que não se tratava de apoio para caminhar, mas de uma arma. Ficaram calados e imóveis por um instante. De repente, a menina começou a soluçar, e abraçou o avô dizendo: ─ Eu juro que é verdade, vovô. A espada saiu dali. Eu juro, eu não menti para você. Martiniano a abraçou mais forte e murmurou: ─ Eu sei. E carregou-a para fora. Leonora estava tremendo de novo, como se o medo da visão a tivesse tomado outra vez, e passou aquela noite e todo o final de semana com muita febre, dizendo coisas que pareciam a todos sem sentido. Ou a quase todos, porque Martiniano ficou ao lado dela o tempo todo, murmurando de instante em instante: ─ Eu sei… Eu sei…
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Certa Noite em Istambul Depois desse final de semana, Leonora lembrava-se de ter passado alguns meses sem ir à casa do avô. Quando lhe telefonava, reclamando, e dizendo que estava com saudades, Martiniano lhe respondia que o casarão entrara em reformas. Acabava ele vindo almoçar com a neta e os pais – era a mãe de Leonora, Elvira, a filha de Martiniano. Quando finalmente Leonora voltou a casa, o avô, logo que teve oportunidade, a levou para um canto e, os dois sozinhos, a fez prometer que não subiria de novo até a tal caverna. ─ Nunca mais? – insistiu a menina. ─ Pelo menos não até eu lhe contar a história… da Espada Turca. Essa coisa que você viu, é assim que se chama… Promete? ─ E quando você vai me contar essa história? – indagou a menina interessada. ─ Hoje à noite. À luz do candelabro. Na biblioteca. Leonora sentiu um arrepio de excitação. Não iria parar de pensar nisso o dia todo, mal podendo esperar. Aquelas noites na biblioteca eram tão encantadas quanto às aventuras pelo terreno em volta do casarão. E de certo modo, mais especiais ainda, porque só aconteciam muito de vez em quando. Bem tarde, já de madrugada, o avô ia ao quarto onde ela dormia e a despertava. Daí, desciam os dois, fazendo o mínimo de barulho possível. Já haveria então na biblio-