Copyright © Adriano Messias de Oliveira Capa e Projeto Gráfico Rex Design Ilustração Andréa Corbani Coordenação Editorial Editora Biruta 1º edição - 2005 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Messias, Adriano Histórias mal-assombradas do tempo da escravidão / Adriano Messias ; [ilustração Andréa Corbani] . - - São Paulo : Biruta, 2005. - - (Série contos para não dormir ; v. 2) ISBN 85-88159-49-x 1. Contos brasileiros I. Corbani, Andréa. II. Título. III. Série. 05-3635 Índices para catálogo sistemático: 1. Contos: Literatura brasileira
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Todos os direitos desta edição reservados à Editora Biruta Ltda. Rua Coronel José Euzébio, 95 – Travessa Dona Paula, casa 120 Consolação – Cep: 01239-030 São Paulo – SP Brasil Tel (011) 3214-2428 Fax (011) 3258-0778 E-mail biruta@editorabiruta.com.br www.editorabiruta.com.br A reprodução de qualquer parte desta obra é ilegal, e configura uma apropriação indevida dos direitos intelectuais e patrimoniais do autor.
Para minha mãe, Maria Conceição (Dona Lia), pelas canções que ninaram o filho único
sumÆrio
Prólogo 9 Feriado de outubro no sítio que ninguém acha 17 Vó Tutuca 23 Bá Maria, uma amiga de mais de cem anos 33 O canteiro de meu avô 39 O moleque de cera 47 Armações do Quibungo 55 O Caipora quebrou o ferrão 65 O Caipora que encarnou na onça 73 A reza pra buscar escravo fugido 79 O homem que queria ganhar no facão 85 Conhecendo os orixás 91 A velha que não morria 103 De volta à Terra 111
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Prólogo Saiba um pouco sobre mim
Meu nome é André Villas Boas. Moro em Belo Horizonte, cidade grande que você sabe ser a capital de Minas Gerais. Aqui vivo com meus pais, sou filho único e estudo. Gosto de cinema, shopping, colecionar selos, criar página na
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internet, des-montar coisas (confesso que às vezes me esqueço de como montar de novo) e namorar. Ah... mas essa apresentação tá meio chata. Não pense que sou careta. Vamos lá ao que interessa: quero que seja meu parceiro nesse livro e nos outros da série. Aliás, eu pre-ci-so de você, meu leitor amigo, para me acompanhar em algumas aventuras e experiências que são o mínimo... digamos... sobrenaturais! Brrrr... Mas não tenha medo. Aliás, TENHA MEDO! Ao menos um pouco, ou não justificará ser este um livro sobre assombrações. Está confuso? Não se preocupe, eu também costumo ficar assim... Na escola, desde pequeno sempre fui um menino diferente porque queria ser um vampiro. Não apenas para morder o pescoço das meninas ou assustá-las pelos corredores nos dias de tempestade... É que gosto mesmo do personagem vampiresco, com aquela capa preta que ele costuma jogar sobre os ombros, caminhando solenemente em seu enorme castelo. É... Sempre achei vampiro o máximo, porque sou mais da noite do que do dia. Gosto
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mesmo é dos espaços escuros em que nossa imaginação pode voar de um castelo a uma vilazinha. E como um vampiro, não sei ao certo que idade tenho. Dizem que estou “virando homem” (e detesto essa expressão, porque homem já sou desde que nasci; se você for homem, vai entender minha raiva). Bom, deixa pra lá... É coisa de tios. Meus pais dizem que tem hora em que ajo como se tivesse oito anos, outras vezes, que pareço ter uns vinte. Peço que eles decidam e entrem em um acordo, porque isso me funde a cuca um pouco. Como não poderia deixar de ser, gosto de filmes, dos de terror e de outros, desde que tenham uma boa história para contar. Também leio de tudo: livros de aventura, revistas de viagens, blogs, sites. Tento arrumar meu quarto dia sim, dia não, e, sendo adolescente, não me identifico com a palavra “organizado” (também não acho que todo adolescente tenha de ser bagunceiro. A Mariana, por exemplo, minha vizinha de prédio – só a
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conheço por causa de uma luneta, sabe? – deixa o quarto impecável e guarda toda a roupa no armário assim que chega da escola... Ela separa as roupas ver-melhas de um lado, depois as rosinhas, depois as brancas... Uma coisa doida! Aliás, coisa doida é ela, com aqueles olhos azuis). Sou filho único. Ah, já disse isso, desculpa. Tenho muito tempo para ler (e gosto de ler, ninguém me obriga a fazer isso). Não que o fato de ter irmãos justifique alguém não gostar de ler, mas é que tenho “sossego”, se é que me entende... Estudo inglês e francês e, por me interessar muito por aventuras, leio livros de um autor chamado Júlio Verne, conhece? Já pensou em viajar até o centro da Terra? Meus pais não são ricos, mas minha criatividade não me deixa reclamar de nada. Entre a casa e a escola pública, a imaginação do menino-vampiro também voa, castelo-vilarejo, vilarejo-mundo, de onde um dia sairei para escrever livros. Ao menos é o que penso. Mas, para ser es-critor, uma professora
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me disse que a gente tem de ler e ler e ler... e ter talvez um certo talento. Será que eu tenho? Assim como meu avô, acho que as raízes da gente têm de ser preservadas a todo custo, mas não deixo uma boa viagem por nada. Por isso, estou sempre aqui e acolá, mochileiro de carteirinha. Nas férias e feriados costumo ir para Lavras, cidade em que nasci, no Sul do estado de Minas Gerais. Em seus arredores, nas terras de um município chamado Ijaci, de onde provém parte de minha família, meus avós maternos guardam ainda um sítio, meio fazenda, meio recantoperdido-no-mundinho-de-Deus. Lugar encantado, alegre, apesar da neblina forte e da serração que, na época do frio, cobrem as serras e o telhado das casas até quase o meio-dia. Sou urbano e sou rural (com isso não estou me considerando vira-latas e nem boi manso, ok?). Sou mais solitário do que social (desculpe a rima feia). Tenho lá meus amigos como você deve ter os seus, mas sinto uma certa dificuldade em ser compreendido (à medida que
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você for me conhe-cendo, acho que poderemos ser amigos). Pelo fato de gostar muito de ler, crio minha biblioteca parti-cular, no canto escuro do 1 quarto de tranqueiras, no apartamento em que moro, no bairro de Santa Tereza, em Belo Horizonte. Junto dos livros, ficam uns vidros com insetos, cobras e lagartos – mortos, claro. Gosto de biologia. Pois é... Tamos chegando ao fim desse papo e ao início da incrível “viagem número 2”... Se eu não fosse menino-escritor e se não fosse mineiro, o que seria eu, uai? Tem coisa melhor do que a terra da gente? É por isso que muitas vezes eu uso a linguagem própria dos lugares em que moro e visito em meu estado. Ou seja, cada brasileiro fala português, mas à sua maneira. É como se cada um pusesse o tempero de sua região na língua para as palavras saírem mais saborosas... E se você não en-tender alguma coisa, não se acanhe em perguntar.
1 O primeiro livro da série intitula-se Hist rias mal›assombradas em volta do fogªo de elenha trata de conversas durante uma noite inteira entre André e seu avô sobre diversas assombrações.
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Caso goste deste livro e se identifique comigo em alguma coisa, entre em contato. No final da leitura vai saber como.
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Feriado de outubro no sítio que ninguém acha
O sítio de meus avós fica além da cidade de Lavras, a caminho de uma cidadezinha chamada Ijaci, ambas no Sul de Minas. Lavras fica, para quem vem de São Paulo, depois de Carmo da Cachoeira; e antes de Perdões, para quem vem
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de Belo Hori-zonte. Ficou na mesma? Pois é... O Brasil é grande. Saindo da BR 040, a chamada rodovia Fernão Dias, entra-se em um trevo que leva a Lavras após treze quilômetros. Passa-se por dentro da cidade e toma-se uma rodovia de Lavras a Ijaci, de apenas dez quilômetros. Mas não é preciso percorrê-la toda. Quando se está no meio do caminho, entra-se por uma estradinha de terra que ninguém vê - nem o carteiro, podem acreditar -, a qual é chamada Estrada Sitiotopia. Não há placa, nem setas, nem numeração para lugar algum e, se por acaso um andarilho se aventurasse por lá, andaria em círculos até dar nova-mente de caras com a estrada principal, a asfaltada. Estranho, não é mesmo? Mas, o que não é es-quisito por lá? É comum o intruso ser acometido, ao percorrer Sitiotopia (isso caso a encontre), por vertigens no meio do caminho e ter de retornar às pressas. Dizem que aquele que a percorre sem ser convidado, ou quando “não é da família”, enxerga monstrengos na lendária
FERIADO DE OUTUBRO NO S˝TIO QUE NINGU M ACHA
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estradinha. São vistas e ouvidas coisas que nem ouso descrever aqui, para que sua adrenalina não suba de vez e você, para minha decepção, feche o livro de medo. Dessa vez, é feriado de outubro e, pra variar, minha escola me deu toda uma semana de recesso. (Coisa que não entendo bem na educação em nosso país). Meus pais estavam preguiçosos de vir ao sítio, então, vim sozinho, num ônibus confortável e pintado de branco e vinho com nome de flor. Chegando a Lavras, é a velha jardineira (um tipo de ônibus mais antigo) de cor “azul-borboleta-feliz” que tomo para me deixar na bifurcação para o caminho do sítio. O motorista, apelidado de Zeca Corisco, que já me conhece há anos, olha-me todas as vezes meio de lado, desconfiado e matuto, como se eu fosse alguém de outro planeta por descer no meio da estrada, em um lugar distante de tudo. Perguntaram-me outro dia no colégio: “O sítio de seus avós não tem nome?” E eu respondi lá na sala de aula: “Ah... se tem, o sítio nunca me disse.” “Tóin”, deram-me uns socos na cabeça. (Minha turma às vezes reage na zoação...).
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Mas, para você, só para você, amigo, eu vou dizer: chama-se Sítio Veredas. Vereda, para nós, é um tipo de caminho, e é isso o que mais se tem por lá: trilhas abertas por vacas, estradinhas, pequenas grutas, pinguelas sobre riachos e pedras, passagens no alto de serras, riozinhos que somem misterio-samente sob rochas e reaparecem quilômetros depois... Não sei o tamanho do sítio; ele não é pequeno nem grande. Também é cheio de coisas estranhas que acontecem por lá, como já avisei, que você só vai descobrir lendo os livros que contam minhas aventuras e minhas “escutanças” (pois adoro escutar os outros contarem coisas...).