Histórias Mal-Assombradas de um Espírito da Floresta

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Copyright © Adriano Messias de Oliveira Capa e Projeto Gráfico Rex Design Ilustração Andréa Corbani Coordenação Editorial Editora Biruta 1º edição - 2006 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Messias, Adriano Histórias mal-assombradas de um espírito da floresta / Adriano Messias ; [ilustração Andréa Corbani] . - - São Paulo : Biruta, 2006. - - (Série contos para não dormir ; v. 3) ISBN 85-88159-50-3 1. Contos brasileiros I. Corbani, Andréa. II. Título. III. Série. 05-3636 Índices para catálogo sistemático: 1. Contos: Literatura brasileira

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Todos os direitos desta edição reservados à Editora Biruta Ltda. Rua Coronel José Euzébio, 95 – Travessa Dona Paula, casa 120 Consolação – Cep: 01239-030 São Paulo – SP Brasil Tel (011) 3214-2428 Fax (011) 3258-0778 E-mail biruta@editorabiruta.com.br www.editorabiruta.com.br A reprodução de qualquer parte desta obra é ilegal, e configura uma apropriação indevida dos direitos intelectuais e patrimoniais do autor.


Para meu pai, Marcos, tamb茅m dono de hist贸rias que me encantaram


sumÆrio


Prólogo 9 Com vontade de ser índio 17 Tucuxi 23 Tajapanema chorou no terreiro 39 Iara-Ipupiara, as duas faces da mulher sedutora 51 Anhangá, o medo sem rosto! 61 De como o leite e a bravura mataram Boiúna, a Cobra-grande 67 Capelobo: comedor de cérebros 79 Elucubrações (dicionário, ok?) 87 As mil e uma faces dos terrores das florestas 95 Quando gente vira porco e cobra cospe fogo 103 Pela curva escura do rio 117


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Prólogo1 Saiba um pouco sobre mim

Meu nome é André Villas Boas. Moro em Belo Horizonte, cidade grande que você sabe ser a capital de Minas Gerais. Aqui vivo com meus pais, sou filho único e estudo. Gosto de cinema, 1 Dicionário, lembra?


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shopping , colecionar selos, criar página na internet, desmontar coisas (confesso que às vezes me esqueço de como montar de novo) e namorar. Ah... mas essa apresentação tá meio chata. Não pense que sou careta. Vamos lá ao que interessa: quero que seja meu parceiro nesse livro e nos outros da série. Aliás, eu pre-ciso de você, meu leitor amigo, para me acompanhar em algumas aventuras e experiências que são o mínimo... digamos... sobrenaturais! Brrrr... Mas não tenha medo. Aliás, TENHA MEDO! Ao menos um pouco, ou não justificará ser este um livro sobre assombrações. Está confuso? Não se preocupe, eu também costumo ficar assim... Na escola, desde pequeno sempre fui um menino diferente porque queria ser um vampiro. Não apenas para morder o pescoço das meninas ou assustá-las pelos corredores nos dias de tempestade... É que gosto mesmo do personagem vampiresco, com aquela capa preta que ele costuma jogar sobre os ombros, caminhando solenemente em seu enorme castelo. É... Sempre achei vampiro o máximo, porque sou mais da noite do que do dia. Gosto


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mesmo é dos espaços escuros em que nossa imaginação pode voar de um castelo a uma vilazinha. E como um vampiro, não sei ao certo que idade tenho. Dizem que estou “virando homem” (e detesto essa expressão, porque homem já sou desde que nasci; se você for homem, vai entender minha raiva). Bom, deixa pra lá... É coisa de tios. Meus pais dizem que tem hora em que ajo como se tivesse oito anos, outras vezes, que pareço ter uns vinte. Peço que eles decidam e entrem em um acordo, porque isso me funde a cuca um pouco. Como não poderia deixar de ser, gosto de filmes, dos de terror e de outros, desde que tenham uma boa história para contar. Também leio de tudo: livros de aventura, revistas de viagens, blogs, sites . Tento arrumar meu quarto dia sim, dia não, e, sendo adolescente, não me identifico com a palavra “organizado” (também não acho que todo adolescente tenha de ser bagunceiro. Tenho vizinhos estranhos (parecem de outro mundo) – só os conheço por causa de uma luneta, sabe? – que deixam o quarto impecável e guardam todos os seus apetrechos em gavetas numeradas, de tão


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organizados que são... Eles separam tampinhas de garrafa numa gaveta, palitos de picolé em outra e figurinhas de chicletes na terceira. Sou filho único. Ah, já disse isso, desculpa. Tenho muito tempo para ler (e gosto de ler, ninguém me obriga a fazer isso). Não que o fato de ter irmãos justifique alguém não gostar de ler, mas é que tenho “sossego”, se é que me entende... Estudo inglês e francês e, por me interessar muito por aventuras, leio livros de um autor chamado Júlio Verne, conhece? Já pensou em viajar até o centro da Terra? Meus pais não são ricos, mas minha criatividade não me deixa reclamar de nada. Entre a casa e a escola pública, a imaginação do menino-vampiro também voa, castelo-vilarejo, vilarejo-mundo, de onde um dia sairei para escrever livros. Ao menos é o que penso. Mas, para ser escritor, uma professora me disse que a gente tem de ler e ler e ler... e ter talvez um certo ta-lento. Será que eu tenho? Assim como meu avô, acho que as raízes da gente têm de ser preservadas a todo custo, mas não deixo uma boa viagem por nada. Por isso, estou sempre aqui e acolá, mochileiro de


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carteirinha. Nas férias e feriados costumo ir para Lavras, cidade em que nasci, no Sul do estado de Minas Gerais. Em seus arredores, nas terras de um município chamado Ijaci, de onde provém parte de minha família, meus avós maternos guardam ainda um sítio, meio fazenda, meio recantoperdido-no-mundinho-de-Deus. Lugar encantado, alegre, apesar da neblina forte e da serração que, na época do frio, cobrem as serras e o telhado das casas até quase o meio-dia. Sou urbano e sou rural (com isso não estou me considerando vira-latas e nem boi manso, ok?). Sou mais solitário do que social (desculpe a rima feia). Tenho lá meus amigos como você deve ter os seus, mas sinto uma certa dificuldade em ser compreendido (à medida que você for me conhecendo, acho que poderemos ser amigos). Pelo fato de gostar muito de ler, crio minha biblioteca particular, no canto escuro do quarto de tranqueiras, no apartamento em que moro, no bairro de Santa 2 O primeiro livro da série intitula-se Histórias mal-assombradas em volta do fogão de lenha e o segundo é Histórias mal-assombradas do tempo da escravidão.


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Tereza, em Belo Horizonte. Junto dos livros, ficam uns vidros com insetos, cobras e lagartos – mortos, claro. Gosto de biologia. Pois é... Tamos chegando ao fim desse papo e ao início da incrível “viagem número 3”2 ... Se eu não fosse menino-escritor e se não fosse mineiro, o que seria eu, uai? Tem coisa melhor do que a terra da gente? É por isso que muitas vezes eu uso a linguagem própria dos lugares em que moro e visito em meu estado. Ou seja, cada brasileiro fala português, mas à sua maneira. É como se cada um pusesse o tempero de sua região na língua para as palavras saírem mais saborosas... E se você não entender alguma coisa, não se acanhe em perguntar. Caso goste deste livro e se identifique comigo em alguma coisa, entre em contato. No final da leitura vai saber como. Até lá...



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Com vontade de ser índio

Tínhamos estudado no semestre que se acabou os diversos povos indígenas que povoavam as terras brasileiras na chegada de Cabral e de sua cambada. Falo assim porque fico muito nervoso quando me recordo que os índios, os verdadeiros


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donos da terra, acabaram enxotados de suas casas e milhares deles foram mortos. Muitas tribos foram extintas por causa da matança, das doenças que o homem europeu levou, e por aí vai... Os índios eram cinco milhões na época de Cabral... e hoje... a gente conta nos dedos. É curioso saber que não é só na Amazônia que tem índio, como a maioria de nós pensa. Meu professor de história mostrou um mapa com as raças indígenas em cada estado brasileiro. Por exemplo, no meu, Minas Gerais, existem os Maxacali, os Krenak, os Pataxó, os Xakriabá e mais cinco etnias (procure em um dicionário o que significa essa palavra...). Em São Paulo... veja só... no centro da capitalzona existe uma tribo Guarani. Ninguém acredita, não é mesmo? No resto daquele estado tem Pankararu, Terena e outros. No estado do Rio de Janeiro, tem Guarani. Na Bahia, tem Botocudo e outras etnias. E existem tribos indígenas que são muito “famosas” porque a gente ouve falar mais delas na TV. É o caso dos Bororo, dos Juruna e dos Karajá, que são do Mato Grosso. No estado do Amazonas, índio é o que não falta: tem os Juriti, os Mawé, os Parintintin, os Tukano, os


COM VONTADE DE SER ˝NDIO

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Yanomami, etc e tal. No vizinho Pará, a gente encontra os Arara, os Kayapó, os Munduruku, os Timbira e outros. Em Belo Horizonte, onde moro, para homenagear as etnias indígenas, existem várias ruas no centro da cidade com nomes como Tamoios, Tupinambás, Guaranis, Carijós... De repente na sua cidade também há ruas, avenidas ou praças com nomes indígenas e você nem sabe... Ah, sim. Você deve ter estranhado o jeito de escrever o nome daquelas etnias todas. É assim mesmo. Dizem que é a tal da “convenção lingüís-tica”. Coisa de estudiosos. E tem de colocar letra maiúscula no início de tudo, e se fala o nome no singular. Durante as aulas de história, eu me lembrava daquele índio que conheci quando retornava do sítio de meus avós após o feriado de outubro. Conto agora os minutos no relógio para ir para a rodoviária de Belo Horizonte. Minha mochila está pronta. Em meu quarto, no apartamento do bairro de Santa Tereza, termino de colocar os últimos apetrechos, alguns remédios para rinite, repelente de insetos – mês


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de verão dá muito borrachudo no Sítio Veredas –, biscoitos e aqueles presentinhos que meus pais preparam sempre para vovó e Bá Maria. Eu vou sozinho. Meu pai e minha mãe chegarão mais tarde, perto do Natal. Com isso, ganho mais tempo explorando o sítio e anotando as his-tórias que certamente aquele índio vai me contar. Sabe, depois de tudo o que estudei, tenho vontade de ser índio. Deve ser bom fugir dessas complicações da vida na cidade grande, esquecer que existe microondas e trocar o videogame, os shoppings , as lan›houses , a internet (ao menos por um tempo) por uma caminhada pela mata.



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