Copyright © Jorge Miguel Marinho Capa e Projeto Gráfico Rex Design Revisão Jefferson da Silveira Pereira Coordenação Editorial Editora Biruta 1º edição - 2005
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Marinho, Jorge Miguel Lis no Peito: um livro que pede perdão / Jorge Miguel Marinho -- São Paulo : Biruta, 2005. ISBN 85-88159-43-0 1. Romance brasileiro I. Título
05-2976 Índices para catálogo sistemático: 1. Romance: Literatura brasileira
CDD869.93 896.93
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“Eu perguntei para o meu pai desde quando havia Lispector na Ucrânia. Ele disse que há gerações e gerações anteriores. Eu suponho que o nome foi rolando, rolando, rolando..., perdendo algumas sílabas e se transformando nessa coisa que é... parece uma coisa... “LIS NO PEITO” ou, em latim: flor-de-lis. Sou um objeto querido por Deus. E isso me faz nascerem flores no peito. Lírios brancos encostados à nudez do peito. Lírios que eu ofereço ao que está doendo em você. Pois nós somos todos carentes.” Clarice Lispector
Para a minha amiga, a nossa amiga Regina Hubner, simplesmente porque ela existiu e existe, e essa acolhedora e luminosa mem贸ria da R锚 ningu茅m apaga mais de n贸s.
Este livro nada tira de ninguém. 08 Assim: era um dia eu... 18 Você me quer como amigo mesmo assim? 28 Liberdade é pouco, o que desejo ainda não tem nome. 38 E foi então que aconteceu... 45 Tudo estava guardado dentro de mim. 53 Você quer brincar comigo? 65 ... Pelo tempo que eu quisesse... 74 O que vai acontecer agora agora agora? 80 Nasci de graça 91 A pessoa é... 103 Mas foi então que eu vi... e ficou tarde demais. 110 Era uma vez um pássaro..., meu Deus! 120 Eu posso tudo ou o gosto do mal. 130 É preciso ser maior que a culpa... 141 Eu sou uma pergunta. 149 O que eu via era a vida me olhando. 165 Errata ou página solta 173 Se Clarice fosse entre-vista... 182
“
Este
livro nada tira
“
de ninguém.
C.L.
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- - - - - - estou procurando, procurando. Procuro como Clarice procurava quando precisava urgentemente escrever e atirava palavras na vida como quem atira iscas no anzol para agarrar o que ainda não se entende. Isso já deve ter acontecido com você e acontece agora co-migo porque não sei como começar essa história. A gente vai rabiscando a página, jogando nomes ao acaso, iscando e ciscando a vida para pegar o que está dentro das palavras: as emoções. Às vezes, ou quase sempre, é um tormento fazer as palavras combinarem com as idéias, os pensamentos, as emoções que se chocam dentro de nós como blocos de gelo navegando em água turva, farpas imantadas e
boiando tontas em mar estranho. Tudo é da mesma matéria, mas a palavra briga com a vida, você sabe. Estou vivendo agora esse drama que é não saber como começar essa história que pode resultar numa alegria boa. Por que não? É que prometi escrever a história de Marco César, o meu amigo, e posso salvar ou condenar esse rapaz. Ele é meu amigo, é isso, a coisa se torna muito mais séria. Cometeu um crime, me pediu para escrever esse livro achando que as palavras podem salvá-lo ou con-dená-lo com o próprio perdão. Marco César sabe que um perdão pode condenar muito mais uma pessoa porque não se varre a culpa com um castigo, e o crime fica solto e pesado como dor sem ressalva, delito da nossa própria conta, pena e até mesmo danação voluntária. Mas quero o perdão para ele, Marco César também. Se você me perguntar se ele é culpado ou inocente, não sei responder ainda – só sei que esse livro se tornou uma missão. A vontade de salvar um amigo não se explica, é compromisso sem razão. Mas não quero piedade, nem eu nem ele – a piedade nos faz mal a nós dois e pode ser um crime pior. Só peço que você leia essa história com uma atenção meio distraída, sem armas, num gesto de entrega antes de julgar, qualquer coisa como pisar um território pela
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primeira vez e ir descobrindo a textura da terra com a planta dos pés. Marco César tem 17 anos ou mais, é difícil precisar: ele é tão jovem no corpo e quase velho nos acidentes do coração. Com aquela porção de maldade que todos nós temos quando o amor é ferido, chegou a magoar vivos e mortos, foi isso que ele fez. Porém é meu amigo e peço para ele um perdão. Se ele merece ser perdoado também não posso afirmar, vou saber aos poucos numa inves-tigação árdua e provavelmente muito penosa. Posso achar, de repente, que o tamanho do crime dele faz desse meu amigo um criminoso sem 14
trégua e, mesmo sem argumento, estarei clamando pelo seu perdão. O que conta é que ele se arrependeu, me confessou tudo e me implorou para escrever a sua história num ato de desnudamento e extrema coragem. Não se pode negar ou esquecer isso. Nem eu nem você. Ele quer pôr tudo em pratos limpos, quer que todo mundo aqui conheça a sua vida por dentro, leia a história e julgue se ele é inocente ou não. Marco César chegou a dizer que espera ser perdoado, e esse perdão pode acontecer como uma “aleluia”. Foi isso mesmo, uma “aleluia” ele disse e eu entendi por quê. Quem sabe, no final, você cante essa “aleluia”, a
“aleluia” que Clarice Lispector esperava que alguém cantasse para ela depois de ler uma história sua e dar a mão a ela como se esse gesto fosse tudo o que se espera da alegria, uma “aleluia” que varresse as próprias palavras do livro e deixasse a vida muito limpa, uma “aleluia” que no fundo dissesse: “eu entendo, isso que você escreveu sou eu e por isso eu te perdôo tanto”. Veio daí a idéia do livro e eu aceitei. Quanto à Clarice Lispector, que é uma escritora que vai estar presente em cada pranto desse livro, eu espero que você goste dela como se gosta de uma descoberta boa ou de uma alegria que, de tão alegre, é motivo para se chorar. Ela foi uma das vítimas do crime do meu amigo – e exatamente por ela ser uma dona de casa que escrevia histórias e me lembra sempre uma mulher que se descobre na cozinha, uma mulher que se revela areando panelas como quem lima uma rocha com algodão, exatamente por isso minha missão deve ser penosa. Sim, acredite em mim, vou sofrer cada pa-lavra porque tentar defender esse meu amigo já contém em si uma pena capital. Paciência, paciência da minha parte e da sua. Vou deixar que as palavras simplesmente venham, que elas aconteçam por sua própria vontade. Foi assim que comecei a escrever essas linhas e é assim que pretendo
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