Poesia na Escola 12 Receitas do Professor Jeosafá - Ensino Médio

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1a edição - 2009


Copyright© Jeosafá Fernandez Gonçalves Projeto Gráfico: Rex Design Revisão: Adriano Andrade Coordenação Editorial: Editora Biruta 1ª edição 2009 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Fernandez Gonçalves, Jeosofá Poesia na escola: doze receitas do professor Jeosofá: ensino médio. — 1a. ed. — São Paulo: Biruta, 2009. Bibliografia Isbn 978-85-7848-033-2 1. Metodologia 2.Português (Ensino médio) I. Título. 09-09367

Cdd - 469.07

Índices para catálogo sistemático: 1. Português: Ensino médio 469.07

Edição em conformidade com o acordo ortográfico da língua portuguesa. Todos os direitos desta edição reservados à Editora Biruta Ltda. Rua Coronel José Euzébio, 95, Vila Casa 100 – 5 Higienópolis CEP: 01239-030 São Paulo SP Brasil Tel.: (011) 3081-5739 Fax: (011) 3081-5741 E-mail: biruta@editorabiruta.com.br www.editorabiruta.com.br A reprodução de qualquer parte desta obra é ilegal e configura uma apropriação indevida dos direitos intelectuais e patrimoniais do autor.


SUMÁRIO A poesia não vai se entregar sem luta: Até a vitória, sempre! 09 1 - Para invadir estantes, a poesia tem antes que conquistar corações 19 2 - Traindo a literatura 27 3 - Poesia não é coisa de macho 35 4 - Do fundo da memória para o coração

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5 - Como a poesia diz, só a poesia diz 51 6 - Espelho, espelho meu, quem me vê em ti... sou eu? 59 7 - Para ver, ouvir e... rir! 69 8 - trabalha, trabalha, trabalha nego 77 9 - pesar as palavras É JULGAR COM SABEDORIA 85 10 - VIAJAR PELAS PALAVRAS É DESCOBRIR MUNDOS NOVOS 95 11 - DE ONDE VEIO ESSE ECO? 103 12 - DUAS FORMAS DE ENCARAR E SENTIR 111 A LUTA CONTINUA! 119 BIBLIOGRAFIA 125



Caro Professor de Língua Portuguesa

Este livro é inteiramente voltado para você, que acredita na importância do cultivo da língua, no poder transformador da literatura e no papel sensibilizador da poesia. Não vivemos tempos fáceis para o ensino desses itens, você há de concordar comigo, e tantas coisas jogam contra que, fôssemos pensar nelas de modo conformista, seríamos tentados a considerar a hipótese de que talvez nada mais houvesse a ser feito. Porém, o conformismo passa longe de nós, e cada obstáculo que se ergue à nossa frente a dificultar nosso caminho acaba se tornando para nós uma provocação que não deixaremos sem resposta. Os tempos são difíceis para o ensino da língua, da literatura em geral e da poesia em particular? Então as dificuldades vão ver com quem estão mexendo. Este volume é mais um capítulo de nossa luta diária pela conquista do idioma e pela transmissão do patrimônio inestimável que em língua portuguesa vem sendo construído ao longo de séculos. Oferece-se como parceiro de sua criatividade na batalha diária de formar leitores inteligentes e conscientes do valor do legado cultural registrado em língua portuguesa. Por opção, aqui se trata exclusivamente da poesia, que, entre os gêneros literários, é o que mais sofre com a aguda crise de leitores – numa metáfora bíblica, os sete anos de vacas magras da poesia são imensamente mais longos do que os dos demais gêneros. Longe de nós oferecer “receita”, no singular, a quem já está voltando com o angu pronto. Mas como o angu de quem trabalha com a língua nunca está definitivamente apurado, ousamos oferecer “receitas”, no plural: modestas doze, que nada mais são que estímu-

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los para você desenvolver ainda mais sua própria cozinha literária. E por que isso? É que, como você, não estamos nada contentes com os cada vez menos numerosos e mais solitários leitores de poesia. E se não organizarmos uma resistência a partir da escola, se não semearmos novos leitores de poesia para os próximos anos, versados em clássicos e em novos autores, a situação se aproximará da indigência – se é que a condição da poesia no Brasil já não é essa. Faço o convite: vamos cozinhar essas dificuldades até que deem um caldo de sustança para nossos estudantes. Não vamos dar canja de galinha a elas, que não se cansam de nos provocar com seus pratos feitos para poluir o paladar. Vamos, isto sim, assumir o gourmet. Que tal iniciarmos por estas doze humildes receitas? Eny Maia A Editora

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Este ano novo, compatriota, é teu. Nasceu mais de ti do que do tempo, escolhe o melhor de ti e o entrega ao combate. Este ano que caiu como morto em seu túmulo não pode repousar com amor e com medo. Pablo Neruda

Vamos iniciar nossa jornada pelas terras arrasadas da poesia com uma pergunta: por que ela, ao menos no Brasil, ocupa espaços cada vez mais reduzidos nas estantes das livrarias? Essa pergunta simples e direta só pode ter uma resposta igualmente simples e direta: porque a poesia tem cada vez menos leitores, obviamente. A pergunta é descabida? Não. A resposta é descabelada? Igualmente não. A pergunta parte de uma constatação tão óbvia que a mais ligeira passada de olhos pelas estantes de qualquer livraria do Brasil basta para confirmar. Quer ver? Então vamos lá: direto à livraria do seu bairro. Bem, é quase certo que seu bairro não tem uma única livraria sequer. Então, está bem, então direto ao centro comercial mais próximo. Porém é quase certo que uma livraria, livraria mesmo, não exista. Talvez uma papelaria que venda livros, eventualmente uma banca de jornal... Então vamos fazer o seguinte: direto ao shopping center mais próximo, ainda que ele fique longe do bairro e mesmo fora do município, ou direto a uma rodoviária ou aeroporto... Satisfeita a curiosidade? Se não é fácil encontrar sequer uma livraria, que dizer então da situação da poesia, cuja situação, exposta pela pergunta logo acima, é tão desalentadora quanto verdadeira? Por que tão pouca gente se interessa por ela? A coitada está num miserê tal que, se morresse, seu enterro seria exatamente igual ao daqueles pobres andarilhos que tombam exangues pelas ruas das grandes cidades ou pelas beiradas das rodovias deste país imenso: uma viatura, sem maiores alardes, para não chamar a atenção dos transeuntes, apanharia o corpo serenado e mal coberto pelos andrajos úmidos da noite, e o levaria para o “lugar nenhum”. Ninguém

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para olhar a cena. Ninguém para ficar com os olhos úmidos e um ponto de exclamação, ou de interrogação, espetado no alto da cabeça, a observar o carro sumir na distância, com sua carga frágil, na poeira ou no mormaço deformante do asfalto. Exagero? Quantos livros de poemas você tem em sua biblioteca? Aliás, você tem uma biblioteca em sua casa? Ao menos umas poucas estantes de livros? Sejam quais forem as respostas a essas inquietantes perguntas, a pertinência delas é já um problemão não acha? E essa pertinência se deve a outra constatação óbvia: as pessoas, no Brasil, cultivam exiguamente o hábito da leitura, do que decorre o pouco interesse em ajeitar os livros no espaço muitas vezes apertado da residência. Daí, esses incômodos objetos acabam sendo deslocados de um canto a outro até encontrarem uma caixa de papelão perfeita, no interior da qual serão depositados e esquecidos até criarem bolor e não prestarem para mais nada. Então é melhor deixar as coisas do jeito que estão, senão podem piorar, não é mesmo? Não, não é. Assim como as histórias não morrem nos livros que mofaram por descuido, as pessoas podem ser mobilizadas para que atribuam valor ao que muitas vezes, por falta de alerta, de insistência ou de jeito, ficou latente, mas não extinto: o prazer de ler. Então vamos recapitular: livros de poesia faltam nas livrarias porque faltam leitores para elas. Esses leitores são os mesmos que reservam pouco espaço em suas casas, e em suas vidas, para a leitura. Nesse caso, a carência de leitores de poesia só pode ser entendida como uma, no âmbito de um conjunto de carências ainda mais amplas. Porém, o assunto aqui não é o das carências mais amplas. O assunto aqui é o da carência talvez mais aguda da literatura. Há a penúria do teatro... Mas a penúria do teatro não é nada perto da penúria da poesia. Não é preciso nem estabelecer concorrência entre os dois para saber quem é mais pobre, mais sem posses, mais jogado à beira do caminho. Então, não vamos perder tempo com comparações equívocas entre irmãos deserdados, um a dormir sob pontes e outro a dormir sob marquises de prédios arruinados. O conto e a crônica, quem não sabe que as editoras publicam muitíssimo mais do que a poesia? O romance então... esse é barão, perto dos outros, muito embora seja assassinado todos os dias nas escolas do país por “leituras” obrigatórias que, a pretexto de educar por meio de provas atávicas e de trabalhos desprovidos de bom sen-


so, só não causam mais danos ao prazer de ler porque simplesmente o extinguem no nascedouro – o coração do estudante. Mas uma coisa tem de se admitir: não há uma única pessoa no país que não fique com pena da situação da coitada poesia. A situação da poesia é mesmo de comover um coração de pedra, de congelar o sangue nas veias, de arrasar nervos de aço e outras metáforas e hipérboles descabeladas mais. E se Júlio Verne achou ter feito uma alegoria definitiva da situação da poesia, em seu Paris no Século XX, ao enviar seu personagem-poeta ao final do romance a um passeio desolador no cemitério, é porque sequer imaginou os efeitos que poderia ter extraído do romance caso situasse suas lúgubres previsões no Brasil de inícios do século XXI. Com o que disse até aqui com a necessária dose de exagero de linguagem, espero ter convencido essa decisiva pessoa chamada “você” da necessidade de irmos todos para o front em defesa das barricadas da poesia. Então, como bárbaros, como um exército de brancaleones, vamos tomar de assalto as estantes de livrarias e bibliotecas, empurrando para fora de nossas fronteiras os livros de outros gêneros. Não se pode ter piedade neste momento Livros de auto-ajuda, vocês têm suas razões ou desrazões de ser, mas, com o perdão do mau jeito, cheguem para lá; livros de culinária, vocês são deliciosos, mas as hordas da poesia vão invadir estas prateleiras: se mandem para o andar debaixo ou de cima; obras de economia-política, de física nuclear, de vida e obra de grandes artistas do cinema, vocês são totalmente demais, porém: batam em retirada, que os volumes de Manuel Bandeira, Carlos Drummond, Cecília Meireles, Florbela Espanca, Haroldo de Campos, Leminski e novos poetas, entre outros, enlouqueceram e, como vikings, partem em desabalada correria para retomar o espaço perdido. Como já disseram outros, noutros termos, a propósito de outras causas consideradas justas, queimando atrás de si as pontes de retirada, lancemos nosso grito de guerra: Avante, companheiros: Hasta la victoria siempre! Porém, com uma advertência: este nosso volume de receitas não aceita produtos de segunda, por isso, os livros e os sites que convidamos você a visitar em busca dos textos destacados em cada receita devem ser de primeira. Quanto aos livros, não vale publicação ruim, que desrespeita o autor e o leitor, seja na qualidade gráfica desleixada, seja na veiculação de conteúdos duvidosos. Compare edições e opte sempre pela mais atual, melhor conservada e cujos autores e editores sejam respeitados em

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seus respectivos meios. Com relação à pesquisa na internet, ferramenta essencial nos dias de hoje, vale o alerta de que a Web está poluída por sites para lá de duvidosos. Certifique-se de que o endereço acessado é autorizado a veicular a publicação, se as informações nele constantes são confiáveis e se ele não comete irregularidades ou ilegalidades contra as leis de Direitos Autorais, oferecendo downloads que podem lhe trazer dores de cabeça futuras. É como diz o sábio ditado árabe: “Creia em Alá, mas amarre seu camelo”.

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1. Para invadir estantes, nquistar coraçþes a poesia tem antes que co


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Um pouco de exagero não faz mal a ninguém, não é mesmo? Está certo que logo aí atrás forçamos um pouco as tintas da linguagem para sensibilizá-lo da importância de ativar a poesia em nossas vidas. Mas não se engane, não, pois mesmo descontando as figuras de linguagem soturnas ou triunfalistas, a situação da poesia no Brasil dos dias de hoje periclita. E como tirá-la dessa situação periclitante? É preciso começar de algum ponto no espaço, em algum momento propício, com um claro objetivo e com um propósito justo definido, caso contrário nossa estratégia de defesa das fronteiras da poesia e de avanço sobre as prateleiras não sairá do papel. Então vamos lá, definir o que não pode esperar: • Um ponto no espaço: A escola. • Um momento propício: Já. • Um objetivo claro: Atingir o coração do estudante. • Um propósito justo definido: Converter esse estudante em leitor de poesia. Mas falta uma coisa nessa estratégia: como? E aí é que são elas, costumamos dizer quando nos deparamos com certas dificuldades... Naturalmente, não há “uma” receita, o que é um tanto desorientador. Porém, há “muitas” receitas, o que é ótimo. É lógico, há receitas e “receitas”. E há também quem deteste receitas. Porém, não gostar de receitas resvala para o preconceito, uma vez que elas são indispensáveis roteiros tanto para excelentes guloseimas quanto para pratos de sustança, que se não saem bem feitos, por vezes, pode ser por culpa das letras impressas, mas pode ser também por culpa das mãos que combinam os ingredientes,

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já que estes são sempre selecionados e combinados por aquelas e, por isso, não podem ser acusados de nada, nunca. Sucede que este volume de estratégia para avanço da poesia, embora deseje, por exemplo, avançar na estante sobre o espaço reservado aos livros de culinária, não dispensa receitas, que se funcionam para as artes do gourmet, hão de funcionar também para as artes poéticas. E para que este volume não seja acusado de ficar no plano das metáforas e das boas intenções, vamos à primeira receita.

Receita no. 1: Como tirar o amor da prisão das letras do dicionário

INGREDIENTES:

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1. Papel para carta (pode ser retirado do caderno). 2. Caneta. 3. Dicionários diversos. 4. Um aparelho de reprodução de som (DVD Player, MP3, MP4, computador etc. que melhor atenda às necessidades). 5. A canção “O amor”, tradução/adaptação de Caetano Veloso para um poema de Vladimir Maiakóvski. 6. Uma turma de Escola entre 11 e 120 anos de idade.

COMO FAZER: 1. Discutir rapidamente com os estudantes a situação maluca de um determinado verbete “Amor” que, a partir da página de um dicionário folheado, grita para uma pessoa (o consulente): “Ressuscita-me!”. Por que razão o verbete resolveu gritar? Há quanto tempo ele se encontra preso na página? 2. Realizar consultas coletivas em diversos dicionários para comparar as definições do verbete “Amor”. 3. Após discussão e consultas, os alunos escrevem cartas curtas ou bilhetes em que seus pensamentos e sentimentos sobre o tema sejam expressos, textos cujos destinatários serão sorteados no âmbito da própria turma. 4.Realiza-se audição da canção “O amor”, de Caetano Veloso (trad./adapt. de poema de Maiakóvski). 5. Os estudantes leem publicamente as cartas recebidas e estabelecem relações com o texto da canção ouvida. Por que o poeta teria escrito um texto como esse? Há alguma ironia nessa personificação do amor? Há alguma relação entre o conteúdo do poema e a vida do


poeta russo? Essas e outras perguntas podem estimular a imaginação e os sentimentos.

SUGESTÃO: Cada estudante responde o bilhete ao respectivo remetente com o uso de expressões poéticas que fujam ao lugar-comum, de preferência extraídas de sua própria linguagem e de sua vivência de jovem. Algumas perguntas podem estimular a produção das respostas: O amor é sempre alegria ou tem seus momentos de rotina, cansaço e dor? Por outro lado, é aceitável um relacionamento amoroso que viva de humilhações, violência e opressão de um sobre o outro? Onde entra a violência doméstica no amor? Quando a acaba a poesia do amor e começa a prosa vazia? Por quanto tempo o amor suporta a “conversa fiada”? E como fica o ciúme doentio? E como ficam as despesas da casa? E como ficam os filhos? O amor é uma canoa que se espatifa contra a miséria cotidiana – parafraseando-se o poeta russo em questão?

DICA: Tanto a poesia quanto a vida de Vladimir Maiakovski são fascinantes e ao mesmo tempo dramáticas. Posicionado no centro da Revolução Russa, o poeta participou ativamente da luta contra o czarismo. Seus poemas revolucionários impressos em cartazes eram estampados nos muros de Moscou, incitando a população a combater o regime autoritário. Em clubes operários e em salões lotados de estudantes, o poeta falava seus versos com sua voz de trovão e sua expressividade impressionante. Porém... Na vida dos poetas há sempre muitos “poréns”. O “poeta da Revolução Russa” não suportou as contrariedades de seus dois amores fatais: a Revolução tomou para ele um rumo burocrático altamente frustrante e a sua definitiva paixão, a bela Lília Brik, jamais se tornaria sua exclusiva companheira. Por quê? Não conto, você vai ter que pesquisar essa... Em Português há um ótimo volume chamado Poemas, cuja tradução é de Boris Schnaiderman, Augusto e Haroldo de Campos, no qual há um sucinto, mas esclarecedor estudo, inclusive com ilustrações e fotos de época em preto e branco. Confira esse livro, mas também a Internet, que está repleta de sites e blogs sobre o assunto..

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