Uma história e mais outra e mais outra

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Copyright © Jorge Miguel Marinho Capa e Projeto Gráfico Rex Design Ilustração Alexandre Telles Editoração Eletrônica Rex Design Coordenação Editorial Editora Biruta 1a edição - 2006

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Marinho, Jorge Miguel Uma História e mais outra e mais outra... / Jorge Miguel Marinho ; [ilustrador Alexandre Telles] – – São Paulo : Biruta, 2006. ISBN 85-88159-64-3 1. Literatura infanto-juvenil

I. Telles, Alexandre.

06-5915 Índices para catálogo sistemático: 1. Literatura infantil 028.5 2. Literatura infanto-juvenil 028.5

Todos os direitos desta edição reservados à Editora Biruta Ltda. Rua Coronel José Euzébio, 95 Travessa Dona Paula, casa 120 Consolação – Cep: 01239-030 São Paulo – SP Brasil Tel (011) 3214-2428 Fax (011) 3258-0778 E-mail biruta@editorabiruta.com.br www.editorabiruta.com.br A reprodução de qualquer parte desta obra é ilegal, e configura uma apropriação indevida dos direitos intelectuais e patrimoniais do autor.

II. Título.

CDD-028.5


“Para o Luiz Antônio Santos, meu amigo desde criança, lá da rua da Esperança, que vive sempre na minha lembrança.”



A BRUXA DESALMADA E SEU ENORME CORAÇÃO


“Canta uma Aleluia pra mim” –, a bruxa Isaltina pediu pro garoto que passava em frente da casa dela. Como sempre, estava brava, mal-humorada, casmurra. Ele parou sem dizer nada e ela ficou desconfiada, bufando por um canto da boca, muito insegura. Resolveu então varrer um pouco o chão com sua vassoura mágica que era toda pintada de preto. Olhou bem nos olhos do menino só pra fazer tipo e insistiu: “Só uma Aleluia vai, garoto.”




Ele não se moveu e continuou mudo, muito pensativo. Mais brava ainda, mais desconfiada e mais insegura, ela ajeitou seu chapéu pontudo que também era preto, coçou as duas verrugas do nariz que na hora cresceram um pouco, procurou sua coruja de estimação que não tinha nome e vivia escondida. “Que coruja mais amiga da onça que nunca aparece”, a bruxa pensou magoada, mordendo um pouco a língua. Fez mais uma tentativa: “Vai cantar ou não vai, ô garoto? “Eu não sei cantar, dona!”, ele respondeu com uma voz fininha, meio chorando, mas não fugiu dela como todo mundo fugia. “Não sabe?”, ela gritou chutando um balde de tinta preta. “Não”, ele falou mais baixinho ainda, sem nenhuma paúra. O garoto não mostrava o menor medo da bruxa e isto era estranho, muito esquisito mesmo, pelo menos pra ela. Afinal de contas, a bruxa Isaltina era uma bruxa malvada, rancorosa, muito sozinha. Tinha a mania de pedir essa tal de Aleluia pra quem passasse pela rua e todo mundo corria, é claro. E, quanto mais as pessoas fugiam, mais ela fazia malvadeza pra ocupar a solidão do dia: punha sacos e sacos de sal no feijão das cozinheiras, carregava uns sapinhos verdes na bolsa pra atirar em cima dos outros, principalmente em mulheres bem velhinhas, adorava queimar ou manchar os vestidos das noivas, de preferência de preto.


A bruxa Isaltina gostava de tudo preto e isto ela fazia questão de mostrar porque era uma coisa maior do que ela, uma coisa que vinha lá de dentro – o seu estilo. Daí que a casa dela era preta, pretíssima. E o seu vestido de festa era de renda negra como ébano. As louças, o tapete da sala, os móveis eram pretos também. Até as margaridas de plástico que ficavam num vaso de porcelana preta tinham as pétalas pretíssimas, o miolo mais que preto e o talo tão escuro que até escurecia a luz. Até aí tudo bem – ela gostava da cor preta e ia pretejando as paredes, os azulejos, o chão. Acontece que os vizinhos tinham pavor daquela negrura toda e queriam mais era fugir da bruxa Isaltina, ficar longe da sua escuridão. Ela ficava com tanto ódio


disso que até sentia que seu coração aumentava e, se pudesse, pintava ele de preto também. Como não dava, ela enfiava de uma vez três chocolates amargos na boca, montava na vassoura e saía espalhando outras maldades por aí. No dia em que encontrou o garoto, já tinha rasgado l3 livros da Biblioteca Municipal, posto cola no tênis de um atleta e enchido as nuvens de fumaça preta pra chover na festa de aniversário de uma menina que nem quis saber de Aleluia nenhuma. “Não sabe cantar essa música? Como não sabe, garoto? Aleluia a gente já nasce sabendo!”, ela resmungava e varria o chão com violência, mas não muita.


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