História versada de uma breve vida / Lara Couto

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Copyright 2018 © Lara Couto Editor Saulo Ribeiro Produção editorial, projeto gráfico, diagramação e capa Gustavo Binda Ilustrações Lilith Marques Revisão Tiago Zanoli Assistente editorial Gabriel Nascimento Natielly Dias Nobre Comunicação digital Brunella Brunello Dados Internacionais de Catalogação na publicação (CIP)

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Couto, Lara. História versada de uma breve vida / Lara Couto.- Vitória, ES : Cousa, 2018. 92 p.

ISBN: 978-85-9578-061-3

1. Literatura Brasileira 2.Poesia I. Título CDU 821.134.3(81)-1

IMPRESSO NO BRASIL | PRINTED IN BRAZIL |2017| Todos os direitos desta edição reservados à Editora Cousa Editora Cousa | Rua Sete de Setembro, 415 Centro Histórico de Vitória-ES | CEP 29.015-000 www.cousa.com.br | facebook.com/editoracousa Obra aprovada no Edital Secult/Funcultura nº 007/2017: Seleção e incentivo à produção e difusão de obras literárias inéditas de autores residentes no Espírito Santo Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou manuscrita por qualquer forma ou meio eletrônico ou mecânico, inclusive fotocópia, gravação ou sistema de armazenagem e recuperação de informação sem a permissão do editor.




Para Lua, um espĂ­rito de luz que tanto me ensinou sobre amor e as facilidades de amar





PREFÁCIO Menina, você é mais poesia que mulher! Há pessoas que podem ser identificadas pelo humor, pelas características físicas ou habilidades que possuem. Lara é identificável sobretudo pela poeticidade que qualifica seu ser Lara, essa criatura de um metro e cinquenta que se agiganta quando fala, escreve ou expressa a imensidão de sua alma versada. Que sente, analisa e registra o mundo por rimas e jogos de palavras. E nesse infinito particular de Lara cabe uma diversidade de temas, dos mais banais aos mais dramáticos, de devaneios corriqueiros a amores profundos de longa data. Sabe aquela pessoa que sabe poesia de cor, que tem intimidade com poetas, que lembra de poemas com uma facilidade de assombrar e que consegue fazer piada sobre eventos dos mais triviais citando versos? Para quem não a conhece, eis aqui uma oportunidade de estar perto dessa presença inspirada. O caminho desse livro que segue é um pouco como estar no carro com Lara (como estivemos tantas vezes!), como pegar uma carona com ela e atravessar a cidade ao seu lado. A gente compartilha esse trajeto e vê aquilo que nos podia passar batido, tomar outro gosto pelos olhos – versos – dela. As páginas que seguem têm o humor e o riso da sua presença e a densidade e inquietações da sua presença.

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E esse delicioso jogo brincadeira de citar-se, de tecer um poema no outro, uma memória que puxa uma mais antiga, uma lembrança desaguando em outra... Lara brincando consigo mesma como sempre fez com as palavras de seus autores favoritos – que, não por acaso, aparecem no meio de seus versos… Lara e sua memória inacreditável! Lara contadora de ‘causos’, essa também está aqui: rindo de suas próprias histórias, dando-se a oportunidade de olhar com mais maturidade, ou mais carinho, ou mais crítica para suas próprias histórias. Memórias em constante recriação, velhos sonhos, novas nostalgias... Não sei se ela tem consciência do poder ancestral que exerce. Uma coisa é certa.: dá orgulho de ser mulher e conhecer uma mulher como ela. Orgulho de ser humana, em saber que temos a oportunidade de conviver com essa riqueza de humanidade que ela traz em tudo que faz. Porque ela sempre dá o melhor de si. Isso é um fato. Lara, ou melhor, Larinha, já nasceu grande e com ares de respeito ancestral. E nesse baile, onde as palavras tomam aires de existência quase que autônomas de tão humanas, temos a oportunidade de “(des)escrevê-la” a partir das nossas imagens, esses pedaços de universos. Não podia ser diferente. Lara tem anedotas para muitas páginas. Mas sobre o que, o caro leitor está por vivenciar. O que lhe digo é “se achegue”. Receba esse cafuné. E o melhor, passe adiante. Porque coisa boa a gente ecoa. E uma coisa que essa moça sabe fazer

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na vida, é ecoar beleza em tudo que faz. Acompanhamos cada passo dessa jornada, desde os poeminhas tímidos publicados no blog aos sambinhas festeiros de verão. Aliás, o verão pelo qual ela tanto anseia e que vive nela, brilha nela e irradia, é um calor que abraça! Como nos abraça esse livro, cheio de vida e, por isso mesmo, de questões, incertezas, fragilidades… E com que coragem irreverente elas se apresentam! Lara, que para nós é apenas Larinha, que escrevia em seus caderninhos guardados no fundo da gaveta, agora abre ao mundo seus versos, lança-se autora! Poetizando sua própria vida e vivências, ela compartilha uma leitura de si, uma jornada de autoconhecimento e a coragem de desnudar-se frente ao próprio espelho da consciência. Amores passados, presentes e futuros (desejados), saudades da Bahia, amigos que se foram, amigos que continuam, compulsão alimentar, estados da natureza e da alma, tudo se converte em poesia no olhar dessa jovem que, como ela mesma diz, faz um passeio poético por sua coleção de nostalgias. Tudo isso com uma suavidade que é pura força, potência de existir, re-existir e criar-se poeticamente: pois o exercício de contar-se é também uma invenção desse si, é um aventurar-se naquilo que pode ser, que deseja ser, que brinca de ser. Lara cria

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várias versões de si nesse exercício de relatar-se em poesia: são outras Laras que surgem e brincam de existir nas páginas desse livro. Mesmo a nós, amigas de longa data, essas versões se apresentam de forma surpreendente: nossa Larinha tem um dom mágico de desdobrar-se em palavras! Somos mesmo muito babonas, mas acreditem, não é difícil cair nos seus encantos… Camila Guilera Jane Santa Cruz Lilith Marques Milena Flick (Atrizes que, junto com Lara Couto, compõem a primeira formação do grupo teatral Panacéia Delirante)

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CONSTATAÇÃO Se a gente Tivesse noção Do quanto a vida é urgente, Morria, Talvez De pressa, Talvez De agonia.

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Em 2008 bati o carro Dormi no volante Bati o carro Estava exausta Bati o carro Eram 7h30 da manhã Bati o carro Na minha pressa Bati o carro Na minha angústia Bati o carro Tinha vinte anos Liguei para meu pai como uma criança de vinte anos Ele ficou de resolver tudo Desisti de trabalhar e me tranquei no meu quarto Fechei a cortina com blackout E fiz a noite o dia todo Chorei o dia todo Não pelo carro Pela minha própria fragilidade Ansiedade Exaustão Foi aí que comecei a organizar as minhas poesias Porque numa manhã de 2008 veio um carro branco E não sei quando virá o próximo

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SAMURAI Espada na mão, samurai luta até faltarem as forças. E, quando acaba, Descobre outras Risca o ar com a espada assassina Vilões invisíveis tombam ao chão Até que, exausto, Samurai deixa de briga Volta de cabeça baixa Pedindo colo de senhora Chá de limão e mel Conversa jogada fora. Tira os sapatos Sai da armadura E pergunta o resumo da novela.

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Escrevi sobre o samurai durante o mestrado Foi uma época de intensa produção artística De estudos teóricos Debates intelectuais Reflexões filosóficas E uma intensa necessidade de escape De dormir na cama do meu irmão Assistir a programas ruins Brincar com meu cachorro Emburrecer Eu falava alguma coisa sobre matar alguns neurônios (Até hoje eu falo) Não pergunto da novela Mas leio e assisto a coisas de que me envergonho. Eu sentia alguma culpa por essa necessidade de emburrecer, Mas foi pesquisando que encontrei uma frase de Cazuza que acalmou meu coração: [...] É a futilidade que nos salva nessa vida.

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NEM Chove lá fora Hoje não saio Nem para comprar o pão Nem para pagar a conta Não devolvo o filme Não farei visita Hoje não Hoje nada Chove lá fora Faltou luz na rua de trás Na outra, alagou Uma encosta cedeu Uma criança nasceu... Debaixo de um ponto de ônibus

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Muitos carros quebraram Alguns estão perdidos O seguro não cobre A mulher se banha no jardim Crianças choram no trovão Um marca-passo parou. Um homem compõe uma canção Outro faz poesia Um acabou o livro O outro dormiu Um come pipoca Outro tem pneumonia Agora tudo faz sentido Chove muito lá fora Hoje não saio, Nem de mim...


Eu tive um professor estrangeiro que num dia desses de chuva comentou com a classe: – Eu acho engraçado que aqui, quando chove, as pessoas ficam tristes, não é? Todos riram do comentário. Eu também, mas sem esquecer do poema do Mário Quintana que diz:

Sempre que chove Tudo faz tanto tempo... E qualquer poema que acaso eu escreva Vem sempre datado de 1779! De fato, tudo me parece opaco parado nostálgico num dia de chuva.

Não que seja de todo triste. Alguns dias são de uma melancolia bela, de um guardar-se sem fim. Dia de chuva é dia de dar uma festa do pijama e não convidar ninguém. É dia de armar a rede dentro da sala, fechar as janelas e esquecer de tudo Até do dia, Até da chuva.

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SOL Sol Nessa cidade É Necessidade!

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Depois de uma semana de chuva intensa Observe a cidade Observe as pessoas Sol é uma necessidade afetiva Uma demanda emocional Qualquer dia azul Já é um alívio para a vida Já é um abraço na alma

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SEGUNDA-FEIRA Quem não viu, que pena! Dois arcos-íris no céu: Um cortava o oceano Outro passava por cima Vi da janela do carro Eram oito da matina A semicircunferência colorida Tirando todo o sono da segunda Entretanto, Foi a outra visão, Muito mais cinza Muito mais trânsito Muito mais “vaga para estacionar” Que ofuscava o dia. Justamente o dia de dois arcos-íris no céu Um que morria no mar, Outro que passava por cima, E terminava sabe-se lá onde...

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Um poema solitário Era uma manhã de segunda-feira Estava no carro, indo para um ensaio. Nessa época ainda morava em Salvador Isso foi em 2010 Posso dizer até mesmo qual era o bairro, qual era a rua, dar um ponto de referência de minha localização exata. Eu estava sonolenta, mas olhei para o céu e vi dois arcos-íris Olhei para frente e o trânsito não se comovia As pessoas agitadas As buzinas estressadas Somente eu parecia eufórica Eram dois! Dois! Mas eu era uma só Solitária como nunca dentro de meu carro Eu não tinha smartphone em 2010 Sem poder eternizar numa foto o que via Horas mais tarde registrei em poesia

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ASSIM ASSIM Nem oriental, nem ocidental Assim, assim Meio muro de Berlim

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Esse é um dos poemas que mais recito para mim Volta e meia fico assim assim Meio muro de Berlim 1989 é uma data que chega e vai embora na minha bagunça interior Tem dias que não há nada a fazer A não ser fazer um nada Curtir o estado médio O jeito insosso A vida nem sempre é poesia (Nem quando a gente faz da vida poesias).

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MEMÓRIAS ROUBADAS Ela me chamou no quarto. Mostrou a carta amarela, guardada há mais de vinte anos. Não era de meu pai. – Quase foi... Disse ela. Eu li a carta e nada disse, Era tudo belo, confuso e impulsivo. E do meu silêncio fiz um poema branco: Esses versos de improviso Regados a sono e a vinho Refletem o que senti e sinto Da noite que não vivi Escrevo sem rascunho, (Como a vida) E, se te chamo de querida, Não me veja com cinismo É só uma rima pobre De quem devia dormir E não dorme Ele escreveu uma carta Que trouxe a esse momento Depois do ano dois mil Onde uma jovem suspira Relembra em versos, Digita E assim revive Sofrida A noite a que não assistiu. | 26 |


Esta é uma das minhas histórias favoritas Faz muito, muito tempo Eu era adolescente quando minha mãe me chamou num grito (era assim que ela fazia) Cheguei no quarto e me deparei com uma caixa aberta Minha mãe trazia uma carta na mão e me pediu para ler – Esse homem quase foi seu pai. Era um papel todo quadriculado, creio que era um daqueles papéis para se desenhar tabelas Era uma carta longa e confusa. Datada de 1986. Eu nasci em 88. No final, já não havia mais espaço no papel, e o autor apaixonado escrevia nas bordas: “Se isto é amor, eu não sei. Só sei que são quatro da manhã. Ainda estou acordado e a culpa é sua”. Pensei muitas vezes nessa carta. Na malandragem do rapaz que não diz nem que sim nem que não e, ainda assim, arranca suspiros. Eu também suspirei. Tanto tempo depois, minha mãe ainda deve ter a carta Eu tenho esses versos e as minhas fantasias.

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ESPERANÇA! Quando eu sento no ponto de ônibus E parece que não estou fazendo nada Estou te esperando Quando rolo na cama Deixo o café esfriar A comida esquentar no fogo Quem olha de longe pensa Que não estou fazendo nada Mas estou te esperando Porque a tua espera justifica o sono O café A comida A banalidade cotidiana Ainda que não chegues nunca, Ou chegues torto, A tua espera é toda a esperança Todo o sonho É quando eu sou criança Nada finjo Sou relógio O tempo todo.

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Eu pegava uma hora de ônibus Todos os dias Para chegar à faculdade E outra para voltar Eram bons momentos de espera e meditação Sentada, eu pensava no que tinha vivido Em quem estava por vir Toda espera é um ato de fé A gente senta (ou segue) e espera que venha alguém bacana O resto dá para correr atrás De grana Saúde Festa Mas gente é diferente Encontro é sorte (ou azar) O encanto não depende só de esforço... Por isso mesmo É tão bonito

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QUEBRA-CABEÇA São pequenos pactos Acordos de ser e não ser Comer e não comer Ir e não ir Fazer e não fazer Que nos mudam De fora para dentro E mostram A urgência de cuidar Da gente. Depois da quebra de muitos desses pactos A gente Aprende

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Eu tive bulimia. Nos momentos de crise invadia a cozinha tomada de ansiedade E só parava quando nada mais cabia O estômago literalmente doía Mas a culpa doía mais Abria a caixa de remédio, tomava dois laxativos e ia dormir na expectativa do dia seguinte. Fiz isso muitas vezes. Numa época, marquei num calendário de parede a quantidade de crises que tinha por semana. Esse poema foi escrito depois de fazer mais um X na folhinha Quebrava mais um pacto E seguia a tentativa. Anos depois eu publiquei de novo este poema no blog Agora era sobre relacionamentos Recaídas amorosas Recaídas alimentares E eu seguindo Sofrendo e seguindo Seguindo e sorrindo.

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DÉJÀ VU Ver no futuro Um lance passado... No que já foi vivido Um breve ensaio De um plano maior, imaginado Num rascunho deixado num canto qualquer A espera azeda o vinho Tudo contra o contrato O mudo berra, indignado A cega espia o vizinho O sol a pino esfria o prato O polígamo está sozinho Não é um jogo de incoerências É o futuro apanhando pelas costas Sou eu andando de trás para frente... Sem pensar nas (in) consequências

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Recaída Esse foi um dos meus passatempos favoritos numa época da vida (Não que tenha perdido de todo o hábito) Eu lembro para quem escrevi este poema Mas prefiro guardar o mistério Até mesmo porque, se não fosse ele, seria outro (Eu levava esse negócio de recaída muito a sério) Voltando aos versos Eu acordava no dia seguinte com um forte gosto de passado na boca (um pouco de ressaca moral também) Não havia o menor sentido para a noite passada. Só a minha irremediável nostalgia No entanto, eu levantei achando graça da incoerência, Como uma moleca que trapaceia o relógio Pouco levaria daquela experiência para o futuro Hoje, quando leio a poesia, não penso que é sobre Recaída Incoerência É sobre a leveza de ir e vir...

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TÉDIO Este talvez seja meu maior medo O tédio Essa onda negra que atravessa a tarde Distorce o enredo: Tudo levanta, agita, pulsa Traz à tona a lembrança sepultada O rancor superado O remorso esquecido E o desejo (ah, o desejo!) guardado. Nessas tardes de domingo em que nada acontece É que tudo se passa... Tudo me atravessa, tudo me arrasta...

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Era, como já dito, uma tarde de domingo Eu estava em minha casa, em Vitória Isto é, fisicamente Estar, estar mesmo, estava distante Numa Salvador longínqua Numa noite de 2015 Num dia de carnaval de 2014 Minha nostalgia ia e vinha levantando dores e memórias dos que ficaram Dos amores (que os amigos esperam). Senti saudades profundas dele (não revelo o nome por medo de que ele um dia leia) No fundo, sei que ele também tem tardes como essa... O curioso é que até mesmo aí a gente se desencontra Quando ele está mal, eu estou bem Quando eu não estou bem, ele está surfando alegremente no próprio caos

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ESTETOSCÓPIO Sim Não Razão Emoção Vida Morte Azar Sorte Dinheiro Prestação Desejo Paixão Emprego Calção Casa Apartamento Alegria

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Sofrimento Prosa Poesia Noite Dia Verdade Fantasia Palha Alvenaria Previdência ou Folia? Sem nenhuma determinação: Bate Por indecisão: Apanha


Esse poema é lá dos tempos de 2010 (Eu acho) É um poema de amor (Eu acho) Para falar a verdade, é um poema de angústia. Vontade de ver a vida arder, queimar, retorcer que nem celofane perto da brasa. Eu queria ligar Queria ir lá Queria fazer qualquer coisa ousada que me fizesse sentir mais a vida pulsando. Mas o medo da rejeição me freava. Eu tentava pensar na minha vida de recém-formada. Que devia estudar para um concurso. Queria estudar para concurso, fazer mestrado, entrar num curso de psicologia, aprender a surfar, sapateado e circo. Muitos quereres e poucas direções. Eu leio este poema e já não sinto tanto medo de mim. Coração segue batendo E apanhando Mas segue forte (por enquanto)

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LIBRA Pensando em você eu fiz uma canção, Que ora diz sim e ora diz não...

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Este poema eu fiz pra Camila Uma libriana maravilhosa que tenho a sorte de chamar de amiga Às vezes eu me deparava com suas hesitações (que sempre me pareceram menores que a minhas) É que Camila é intensa Eu amo isso nela Suas dúvidas também são intensas Eu escrevi esses versos numa adoração da sua graça E das nossas incertezas compartilhadas.

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CENSURA Ai, como me dói a palavra impaciente Batendo na boca querendo sair Calma – diz a mente O lábio resiste (quente) E o verbo fica ali Querendo falar E eu querendo engolir. Desejo de expressão... – Espera a hora – diz a mente. – Espero não – o coração. Mas a garganta toma partido, Vence então a razão: Dito pelo não dito, Espero em silêncio O momento certo, Ou a distração.

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Eu me considero uma pessoa eventualmente impulsiva E quase sempre analítica A análise é o motor da autocensura. É o nosso diretor interno dizendo como gerir o espetáculo O impulso é o caco, o improviso. Uma vez eu voltei de carro com um amigo. Estava repreendendo ele por qualquer coisa que tinha feito: – Mas por que você fez aquilo? Ele me devolveu uma resposta matadora, que carrego comigo desde então: – Não sei, estava improvisando. Eu ensaio muito minha própria vida. Passo diálogos que nunca existirão, fantasio desfechos futuros de minha própria experiência. É exaustivo viver ao mesmo tempo tantas experiências! Às vezes, então, minha própria ansiedade me redime. E na distração do “não” vem o ato: sempre torto, atrapalhado, quase sempre equivocado. Mas autêntico. Depois vem a culpa e, com a culpa, a moderação.

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CUCO O velho relógio cuco está parado há vinte anos. Marca três e meia da tarde de um sábado distante. O domingo nunca chegou. Passarinho do relógio, vinte anos vive preso Num eterno feriado, Não vê a luz do dia Não canta, nem marca hora. Mas desperta uma inveja...

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Escrevi este poema numa ardência de saudades. Era uma dor de amor Eu via o tempo me afastar da experiência amorosa e escrevi estes versos de puro ressentimento. Lembro que era fim de semana. Minto, Era o fim do fim de semana (Talvez fosse segunda) O que recordo era do tempo me empurrando para um recomeço quando não queria recomeçar. Pensei no cuco, Na ideia de um relógio parado E um guardar-se sem fim...

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PALAVRA Tudo foi dito. O que não foi Está omitido (ou seria o-mentindo?) Palavras imaginárias não produzem construções futuras. Habitam a imaginação, a suposição, o se. Não? Palavras caem nos sonhos e molham travesseiros. De quê? Desejo, culpa, medo, dúvida... A palavra dita (ou ouvida) paira sobre o ar. Voa para o oceano (longe, longe) ou vira anel de saturno A palavra não dita bate no céu da boca e desce a amarga garganta. Fluxo e refluxo, Trânsito de pensar. Pensar e dizer Pensar e calar Mal falar Desdizer Repensar Afirmar Arrepender. Palavras impregnam e constroem caminhos internos. Pá-lavra. | 44 |


É, Eu admito Vou e volto nas mesmas dores Eu sei que se fosse impulsiva não carregaria tantas palavras não ditas Mas também não escreveria tantos poemas Nem teria ideias para as minhas canções Eu tenho essa mania de guardar palavras Não por apego Por medo mesmo Eu não falo por medo de ouvir Crio os meus próprios diálogos Todos imaginários Essas batalhas eu sempre ganho (e quando perco, são poucos os danos) Mal de gente medrosa Eu gosto de ser amada E quem ama Teme

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MUDANÇA! Quando eu te conheci, minha alma mudou de casa Não foi morar em teu corpo, não... Teu corpo é pouco Meu corpo é pouco Minha alma foi morar no mundo Mas o mundo abraça o teu corpo Por isso saiu de casa Para trazer teu corpo, meu corpo e o de quem mais viesse Que quando o amor é bom É forte E sobra Transborda Sobre os vizinhos, sobre os pedestres e os guardadores de carro.

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Foi assim, Eu estava voltando do trabalho Indo para casa Estacionei o carro Encontrei seu Paulo Um guardador de carros da minha rua Seu Paulo olhou pra mim e perguntou se eu estava bem – Olha, Seu Paulo, eu estou muito cansada. Mas se o senhor quiser saber mesmo... ESTOU TÃO FELIZ!!! Sorri e tive vontade de abraçar Seu Paulo. Estava apaixonada e com vontade de contagiar o mundo Ele sorriu contaminado Não resistiu Fui para casa e escrevi posteriormente este poema Não resisti Escrevi para registrar a euforia de existir Para além do corpo E da individualidade

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NÃO SE DETENHA Vou abrir um vinho Pra que você venha!

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Versinhos malandros para dias solitรกrios Sem mais.

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AMOR BURGUÊS Pensar em você o dia inteiro Fazer de ti Meu esporte Meu salário Meu emprego Como assim já tenho feito, Só me restaria agora Conseguir algum dinheiro.

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Ah, se pudéssemos ganhar Só para sentir Quantas pessoas interessantes haveriam? Quantas canções? Quantas histórias de amor? Ah, se pelo menos Sentir Não fosse tão assustador...

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DOIS EM UM Estive pensando em nós dois E que dois é sempre um (Não importa quantos “uns”) Um mais um é sempre mais Muito mais que Dois Por isso não importa Se somos três, quatro ou multidão Não, Não contemos os outros Eles não fazem ideia Que nos perdemos em pares E nos achamos ao final Não importa o quão perto Nunca seremos dois (inatingível) Seremos “um”, Duas, três, quantas vezes for preciso Tu Eu Dois a sós Dois é sempre um Escrevi este poema num momento de solidão Solidão lúcida Sem grandes dramatizações

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Pensei que o amor é coletivo Mas o amar é sempre solitário É uma experiência de se doar ao mundo Pensei nos relacionamentos líquidos Em um em especial Nós Indo e vindo numa dança despojada Sem corpo colado Com alguns coadjuvantes Todos sem importância Não digo que não importavam para mim ou para ele Só não afetavam a dança Mas tinha um detalhe que atrapalhava a harmonia Nenhum de nós dois Sabia dançar

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CONSIGO, CONTIGO, COMIGO Tudo isso porque guardo a esperança Que ainda toparei contigo Treparei contigo Pararei contigo Contudo, Com tanto contato Contrato Relato arquivado Retrato falado Contigo e Comigo, Retardo o convívio Até Topar Trepar Parar Contigo Consigo?

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Eu tenho uma confissão cachorra a fazer Não sei para quem fiz este poema Minto Pela data eu até sei Mas é que o poema vestiu melhor numa outra pessoa Que chegou depois Serviu também numa outra Que chegou mais tarde. Quando eu leio este poema, penso mesmo nele. Para quem não fiz os versos. Escrevi numa profecia do que ainda iria chegar... Volta e meia quando o encontro Lembro este poema Quando meu coração acelera Quando rio sozinha Quando recaio num beijo, pergunto. Pergunta cínica para uma relação cachorra: – Consigo?

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O FIM: Mesmo apรณs o pรณs, Algo fica In...

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Sem mais Só quem é fraco a recaídas Dado a nostalgias Sabe do que estou falando.

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DIETA Coração doce Atrai as moscas Quem quer ficar com o pedaço Que só quero dar a você?

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Eventualmente eu fico presa a algumas histórias Isso não acontece sempre Mas é bem mais do que eu gostaria E no entra e sai das relações corriqueiras Eu penso nele (ou neles, mas é mais ele) Parece que todos os pedaços doces do meu coração são e sempre serão para ele... Eu tento ofertar para outras pessoas... é até bacana no começo... Depois o banquete perde a graça (Por que ele não perde a graça?) Essa é a pergunta de um milhão de dólares E um cheesecake de chocolate

Obs: Trinta minutos depois e este texto já não faz o menor sentido

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FRAQUEZA Porque não é só isso Nem tudo isso Não é tanto Nem é nada Para muito, falta tanto. Para aquilo, falta quase. Para mais, falta coragem. Para o fim, falta o impulso.

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Este texto sempre me assombra nos fins de relacionamento O procedimento se repete: Primeiro vem o entendimento Depois o desejo de fim Desejo encubado Que nem prematuro Perdendo e ganhando peso E eu esperando. Às vezes a vida decide Às vezes eu tenho que ir (odeio quando isso acontece) Então espero o impulso É horrível admitir isso, Mas sou daquelas que implodem o prédio, mas não fazem as malas.

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PONTO O grande amor não tem fim Fica em você Ou em mim

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Normalmente, em mim. Mas quem sabe mesmo Da dor Que carrega O outro?

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POEMA DE DOMINGO: Fica, então, o desejo Desejo de começar de novo. Ainda que o fim seja o mesmo. O mesmo porre, A mesma festa, A mesma fila, O mesmo ócio. Domingo é sempre um mau negócio. Domingo é o fim do que foi bom. Por mais que venha algo melhor, Parece injusto. E a segunda-feira sempre vem pra meter um susto.

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Fazendo aqui este passeio poético Vou me convencendo que coleciono nostalgias Este texto, por exemplo Traz a nostalgia do ontem Não só do ontem, obviamente Mas o ontem é o gatilho O sábado, e suas promessas Suas aventuras. Mas a quem queremos enganar? Não é sobre ser ou não domingo É sobre “estar” domingo E temer a semana que se anuncia.

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AQUILO QUE FICOU GUARDADO E aquele “eu te amo” que ficou guardado Eu devia ter dado Não por esperar outro resultado Mas pra não ficar ocultado Engasgado Enrustido Aquele “eu te amo” que ficou calado Se fosse hoje, eu teria dito...

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Ai, Quantos poemas guardados Escritos Não dados Na sua coleção de “nãos” Pense agora Reveja O preço da moderação

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VOCÊ Você é meio assim, tanta coisa... Meio amante Meio amigo Meio peguete Meio relacionamento sério (mas não muito) Meio sexo casual (mas nem tanto) Meio estepe, lanchinho, quebra galho Ioiô, reme-reme, vai e volta Você é o meio do caminho É um meio, pra mim Mas aí te pergunto: – Para qual fim?

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Minha terapeuta se referia a algumas pessoas na minha vida como: Espaços de trabalho Por mais difícil que fosse a relação, elas me permitiam trabalhar algo em mim Pensando então em algumas pessoas, poderia empregar alguns nomes sugestivos: Espaço de negar o desejo Espaço de manter uma distância forçada Espaço de aprender a me afastar Espaço de recair...

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CIÚMES Uma estrofe se apaga Quando faço a sentinela Os beijos que te dei em versos São os beijos que dás a ela A mesma lua que agora Invade a minha janela É a lua que admiras Quando está pensando nela À noite, te invado o sonho Pura, linda, tal donzela Não o encontro. Ai de mim! Deve estar no sonho dela.

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Finalmente um poema leve Este aqui é um dos mais antigos do livro E um dos poucos que não escrevi diretamente sobre mim Gostei da ideia de uma mocinha Ardendo de paixão Fervendo de ciúmes Vértice solitário de um triângulo amoroso que não existe A ideia de adentrar no sonho de outra pessoa Invadir seus espaços mais profundos E encontrar a casa vazia Ele está no sonho dela Não consigo pensar num desencontro maior Desabitar de si para estar com o outro Não é nada saudável Mas é bem poético

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CULINÁRIA Para não comer cru: Espera Para não passar do ponto: Atenção Para não perder o sabor: Tempero Para não estragar tudo: Medida Para não desandar: Movimento Para fazer crescer: Descanso Calor Fermento Para aprender tudo isso: Paciência

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Escrevi este poema depois de uma conversa com Thiago Thiago ama com uma coragem de Vinicius de Moraes Thiago ficou noivo com 19 anos Já vi Thiago se apaixonar em uma noite Tão lindo, o meu branquinho Honestamente, não lembro os detalhes da conversa Sei que esse poema é para ele Que sabe muito de amor E nada de culinária (nem de espera ou paciência)

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DECLARAÇÃO DE AMOR DE UM FARMACÊUTICO À SUA NAMORADA Na sua presença, menina Esse homem comprimido Se transforma em aspirina.

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Um poema farmacêutico Pílula efervescente Para acalmar os corações

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NOTA SOBRE O ADEUS O contrário de perto é longe. Sempre. Triste quando o contrário de perto é nunca... Sempre longe Sempre

Para Sofia, que nunca ouviu o meu adeus

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Sofia foi minha colega de faculdade. Sofia foi Não é mais Partiu Virou estrela Às vezes sonho com ela Sonhei que ia para a Alemanha e a encontrava no aeroporto: – Sofia, você não tinha morrido? – Não, foi tudo um grande mal-entendido, deixa eu lhe explicar... Às vezes é como se ela estivesse na Alemanha (Mas, quando a gente morre, não vai para a Alemanha.) Sofia foi para a fronteira do mistério Desde então virou homenagem Poesia e saudade

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SAUDOSISMO – Tu ainda pensa em mim? – Penso não, Lembro sim.

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Ao longo da vida Mas principalmente neste ano Eu conheci pessoas que, diferentemente de mim, Não pensam tanto Não lembram tanto Não carregam tantas memórias de um lado a outro Como eu Isso me irrita um pouco Me inveja também Meus processos são muito mais lentos Bem mais árduos Talvez sejam mais belos Mas não posso afirmar Este poema diferencia o pensar e o lembrar Lembrar, porque lembrar é importante Só que é um lembrar sem saudades Um lembrar sereno, Com sorriso de canto Não é imaginar futuros, Mas repassar o que foi bom Guardar a fotografia E sair para ver o pôr do sol.

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CABOU O VERÃO? Cabou o verão... Que mentira! Cabou não! O verão vive comigo, No abraço amigo, No arrepio do umbigo Na percussão do coração Quem me olhar verá... E, se amar, verão!

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Já tenho alguns anos de Vitória Mas o verão em mim é verão de Salvador: É o barulho da Dinha Os sons da praia do Buracão As terças na Casa da mãe. A gente espera o verão Como criança que espera o natal. Nem parece que faz sol o ano inteiro! Acontece que o verão é um estado. É o entusiasmo de ser verão (Graças a Deus!) Por dentro e por fora, E a cidade celebra. Depois acaba, Mas a fogueira não apaga. Sempre fica uma reminiscência de verão. Por isso falamos alto, Usamos palavreado inapropriado: Para abrir espaço para a loucura, Que outro verão está por chegar

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PERGUNTEI PARA VITÓRIA: Nesta cidade Com que idade Termina a idade... Da ansiedade?

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Complicado sustentar o deslocamento Eis que, volta e meia, Fraqueja o pensamento Volta e meia Não sempre Bate uma saudade de mim na Bahia Entenda, Não é uma saudade da Bahia É da pessoa que sou quando estou na Bahia Dessa versão que guardo na mala 330 dias por ano Só de pensar vem a ansiedade Complicado sustentar o deslocamento Eis que, volta e meia, Fraqueja o pensamento...

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APRENDIZADOS: Acontece que o padre Por fazer ou de escutar Se tornou especialista No assunto de pecar...

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Estes versos são uma pequena molecagem Um devaneio intelectual Sobre o que a gente aprende Não por viver Mas por acompanhar Eu, por exemplo, Me considero uma grande conselheira Da vida dos outros Especialista, até, Da vida dos outros Não, caros leitores, Não culpem o padre Somos todos como ele Especialista de assuntos que não nos interessam e não nos servem Nossa experiência só serve para a gente.

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DRAMĂ TICA Ai de mim, Tanto drama interior E ninguĂŠm para aplaudir

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Poema para colocar na lápide Me vejo nestas linhas Desde pequenininha Eu chorava, sofria Falava com Deus: – Por que você fez isso comigo? Cenas a que ninguém assistia

É meio triste ser intensa...

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LITERAL E assim acaba o livro... Notas do editor Comentários de orelha não adiantam: Fim da estrada. Voltar ao começo não resolve O final é imutável A conclusão é que pode ser outra (ou não). Mas pode valer a pena retomar a história: Começar do início Da página 34 Reler apenas aquele trecho Esquecer o capítulo 12. E, por fim, devolvê-lo à estante, Antes de uma próxima leitura Ou leitora.

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Eu sou minha principal leitora Todo este livro é um rastro Do duro exercício de ler-me Ler os meus processos cíclicos Minhas crises de compulsão Minhas ansiedades Meus amores errados Minhas feridas incuráveis Comentar minhas poesias Parece explicar piada Mas é cutucar a ferida Acho que minha poesia é sobre isso Cutucar feridas Eu sempre achei cicatriz um negócio bonito...

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História versada de uma breve vida, Lara Couto Nas águas de Lia, Andréia Delmaschio Temporária, Aline Prúcoli Um território inominado, Fernanda Nali

Este livro foi composto em julho de 2018, na tipografia Directa Serif, de Ricardo Esteves, corpo 10/15, sobre papel polén 90g/m2.


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