História da psiquiatria : século XIX – parte II : a psiquiatria biológica e o positivismo

Page 1

Nosso relato historiográfico descreve a psiquiatria alemã, com destaque para as figuras de grandes alienistas, assim chamados naquela época e hoje denominados psiquiatras, que se uniam cada vez mais aos neurologistas para fundamentarem descobertas de cunho biológico, as quais se identificavam com a filosofia dominante nessa segunda metade do século XIX: o positivismo naturalista. Nessa maré, surgiu a proposição das teorias da degenerescência com entusiastas alemães, franceses e italianos, que, somadas a um enfoque etiológico de hereditariedade, culminaram na patologização da homossexualidade. Cresceram os estudos avançados da neurofisiologia, e houve a descoberta da paralisia geral progressiva, doença que crescia em um ambiente asilar, no qual cada vez mais outras patologias eram albergadas sem o conhecimento de sua descrição clínica ou mesmo de sua evolução e ainda menos de seu tratamento. Em função do aumento das cidades, o alcoolismo encontrou campo para se desenvolver no ambiente da internação. Os estudos foram incrementados e fundamentados psicopatologicamente, aumentando cada vez mais a dimensão biológica da insanidade. As pesquisas acerca das funções cerebrais também receberam auxílio com o nascimento da psicologia experimental. Concomitantemente, fomentou-se o campo dos debates e dos estudos das perversões sexuais, que causaram muita polêmica ao lado dos horrores asilares, reflexo do autoritarismo e da negligência da sociedade patriarcal da época. O furor localizatório e as estimulações elétricas, embora tenham levado à descoberta de centros cerebrais de extrema importância, acabaram em uma radicalização que resultou no esquecimento da identidade e do afeto humanos. Houve ainda uma retomada da teoria da degeneração. Entretanto, os avanços da neurologia e sua fundamentação foram alcançados pelo alienista francês Charcot, que realizou grandes descobertas neurológicas e atraiu para seu hospital e suas aulas magistrais cientistas do mundo inteiro, iniciando o estudo da natureza da histeria utilizando o método da hipnose.

capa-psiquiatria-parteII.indd 1

Marcos de Jesus Nogueira - Coordenador Psiquiatra clínico, membro titular da Sociedade Brasileira de História da Medicina, autor de vários livros de Psiquiatria com apelo visual de arte gráfica e ênfase pedagógica, mantém nesta obra uma visão cronológica da História da Psiquiatria.

Maurício Eugênio Oliveira Sgobi Psicólogo clínico, especializado em Transtornos de Substância e do Controle dos Impulsos.

26/06/2019 09:10:21



Marcos de Jesus Nogueira Coordenador

Marcos de Jesus Nogueira Maurício Eugênio Oliveira Sgobi Autores

HISTÓRIA DA PSIQUIATRIA

Século XIX - Parte II A Psiquiatria Biológica e o Positivismo

1a. edição

Araraquara 2019

Psiquiatria-ParteII.indb 1

26/06/2019 08:48:25


SUMÁRIO 6 7 9 14 15 21

Cenário da Metade do Século XIX

23 24 29 33 35 39 41 46 50 51 56

Paralisia Geral Progressiva

58 60 68 70 71 73 78 79 88 97 98

Psiquiatria-ParteII.indb 4

Esboço das Descobertas Científicas da Época Jean-Pierre Falret A Virada Alemã Wilhelm Griesinger População Asilar e Fatores de Demanda de Internação Bénédict Augustin Morel Gustav Theodor Fechner Teoria da Degeneração Karl Ludwig Kahlbaum Que Loucura É Essa? Henry Maudsley Cesare Lombroso Theodor H. Meynert Auguste-Henri Forel Horrores Asilares: Por fora “bela viola”, por dentro “pão bolorento” Richard von Krafft-Ebing Wilhelm Maximilian Wundt O Dilema da Homossexualidade: Doença ou Pecado? Paul Emil Flechsig Carl Wernicke Valentin Jacques Joseph Magnan Sergey S. Korsakoff Jean-Martin Charcot Grandes Sanatórios do Período Os Primeiros Hospícios Públicos para Alienados no Brasil Bibliografia

26/06/2019 08:48:27


Outros Alienistas do Período

13 22 22 32 32 40 40 44 45 45 49 52 52 52 53 54 54 55 57 57 67 67 72 72 77 86 86 86 87 87 87 87

Dorothea Lynde Dix Ernest-Charles de Lasègue Paul Briquet Pierre Paul Broca Louis Ferdinand Alfred Maury David Skae Jules Philippe Joseph Falret Théodule-Armand Ribot Ewald Hecker Carl Friedrich Westphal Andrea Verga O Controle Social por Meio do Isolamento Institucional Michel Foucault L.Forbes Winslow Alexander Morison Ebenezer Haskell Elizabeth Packard Rosina Bulwer Lytton George Miller Beard Hermann Ebbinghaus Jules Cotard Benjamin Ball Georges Gilles de la Tourette John Hughlings-Jackson Eduard Hitzig Pliny Earle Santiago Ramón y Cajal Paul Marie Louis Pierre Richer Joseph Jules François Félix Babinski William James Adolf Meyer Arnold Pick LEGENDA DOS QUADROS neurologistas psicólogos psiquiatras

Psiquiatria-ParteII.indb 5

26/06/2019 08:48:27


CENÁRIO DA METADE DO SÉCULO XIX

N

a economia desse período, despontaram o capitalismo, a intensificação da mecanização da produção, a presença social marcante da burguesia e sua ênfase monetária do mercado, com o crescimento significativo das cidades, o aumento da longevidade, a diminuição da mortalidade e o desenvolvimento da segurança coletiva. A consequência foi a melhoria do nível de vida, além de seu estilo. Em contrapartida, começou um acúmulo de riqueza de grandes empresas, associado à exploração de pessoas mais vulneráveis, que foram se tornando massas populares, sujeitas a crises econômicas e comprometimento familiar. No campo da medicina, o status e o respeito do médico cresceram pelos resultados conquistados com a prevenção primária das doenças, por meio de uma série de medidas higiênicas e sanitárias; embora muitos médicos ainda trabalhassem em más condições e com salários baixos, foi ocorrendo um aprimoramento em sua formação acadêmica e profissional, com grande participação deles na aprendizagem de anatomia, fisiologia e clínica, em conjunto com as investigações especializadas, que possibilitaram o aparecimento do médico especialista. A ciência encontrou abrigo no meio universitário e, com a proteção do Estado, passou a contar com maior investimento deste e das grandes empresas nas pesquisas. O pensamento médico nesse período foi revolucionado pelas descobertas na bacteriologia e na anatomopatologia, passando a influenciar, significativamente, a clínica e os conhecimentos na citologia e no aperfeiçoamento das descobertas microscópicas, na anestesia e na assepsia. Despontou, ainda, a radiologia, trazendo novas possibilidades no campo do diagnóstico e da terapêutica. A medicina, em razão do aumento de sua relevância social, abriu caminho para a conversão da higiene pública em disciplina científica, com o objetivo de garantir maior proteção da população urbana e da saúde infantil, aumento de infraestrutura e saneamento e combate ao alcoolismo e às infecções. Nasceu, em 1864, a Cruz Vermelha Internacional como resultado da Convenção de Genebra, que, a partir de então, passou a dar proteção aos participantes de guerras. Com a criação da lei de 1883, apareceram muitas empresas seguradoras, que pretendiam garantir assistência ao trabalhador.

“A medicina científica” (1906), por José Maria Veloso Salgado. Localização: Universidade Nova de Lisboa, Portugal.

História da Psiquiatria - Parte II

Psiquiatria-ParteII.indb 6

6

Cenário da Metade do Século XIX

26/06/2019 08:48:28


FRANÇA

Aperfeiçoamento da fundação da psiquiatria clínica e da patologia mental.

1845

R E R E FALRET I P N A JE PSIQUIATRA 26/04/1794 - MARCILHAC-SUR-CÉLÉ

28/10/1870 - MARCILHAC-SUR-CÉLÉ

LINHA DA VIDA Falret nasceu durante a Revolução Francesa, no auge do “terror” revolucionário. • 1811 - Iniciou seus estudos médicos aos 17 anos em Paris, tendo Pinel e Esquirol como seus professores, inspiradores e colegas de trabalho. • 1819 - Formou-se médico com a tese “Observações e proposições médico-cirúrgicas”. • 1821 - Foi nomeado médico da “seção dos idiotas” e, depois de dois anos, promovido à alienista na Salpêtrière, onde permaneceu por 36 anos com o objetivo de cuidar de adultos insanos. • 1835 - Visitou instituições na Inglaterra, na Escócia e na Irlanda. • 1838 - Fez parte ativa na preparação da Lei de 30 junho, com Esquirol e Ferrus, para restaurar os direitos civis dos doentes mentais e torná-los cidadãos por direito próprio. • 1845 - Visitou o Asilo Illenau, em Achern (Grande Ducado de Baden, Alemanha), cujo plano foi detalhado em seu último livro em 1864, no qual foram publicadas todas as suas memórias, sob o título de “Doenças Mentais e Asilo de pessoas insanas”, que tratava de classificações das doenças mentais e das condições dos asilos. História da Psiquiatria - Parte II

Psiquiatria-ParteII.indb 9

9

Jean-Pierre Falret

26/06/2019 08:48:29


• 1870 - Faleceu em sua casa, em Marcilhac, aos 76 anos, deixando seu segundo filho, Jules, também psiquiatra, para sucedê-lo em seus trabalhos.

CONTRIBUIÇÕES • Grande humanista que dedicou toda a sua vida a defender, incansavelmente, a causa dos doentes mentais, seus direitos, sua dignidade e sua possibilidade de cura. Descreveu a doença mental como “a forma mais desumana de doença, aquilo que desfigura a mente”. • Grande defensor do acompanhamento pós-hospitalar para reintegração social e atuação profissional sustentável. Pioneiro no campo da medicina social, criou estruturas que possibilitaram apoiar as pessoas fora do hospital. Em 1841, com o abade Jean-Joseph Christophe, capelão de Salpêtrière, fundou uma instituição destinada a acompanhar as pessoas que ficavam excluídas de assistência e que haviam passado por tratamentos na Salpêtrière. Essa instituição, mais tarde, tornou-se l’OEUVRE FALRET e está em atividade até os dias atuais. Também demonstrava uma preocupação particular quanto ao futuro de mulheres e crianças mentalmente insanas após a saída do asilo, por causa de sua vulnerabilidade. • Em 10 de março de 1843, criou a “Société Patronage pour les Aliénéss” (n° 35, rue PlumetParis) para os insanos advindos da Salpêtrière e os que estavam em extrema miséria, pois ali havia refúgio, trabalho, cuidado, alívio e apoio na religião. A acolhida foi feita pelas filhas da Caridade, de São Vicente de Paulo. Essa instituição foi se fundindo e expandindo para receber convalescentes da Bicêtre. Em 16 de março de 1849, por despacho nº 15.831, publicado no Bulletin des Lois, parte adicional nº 1.007, e assinado por Luís Napoleão Bonaparte, essa instituição obteve seu reconhecimento de utilidade pública. Em 1854, publicou um ensaio argumentando contra o conceito da teoria da monomania (opondo-se a Esquirol); enfatizou a importância de observações clínicas completas e a perspectiva do paciente no todo, rejeitando a atenção parcial dada aos sintomas isolados. Essa visão alterou a maneira com que os médicos e o público em geral encaravam a loucura. É de grande importância histórica o texto de Falret, pois marcou o início do declínio das monomanias. • Em 1854, identificou os sintomas e o funcionamento dos “transtornos bipolares” para a doença mental. Ele mostrou que a mania e a melancolia, anteriormente consideradas como duas doenças diferentes que ocorrem no mesmo indivíduo, são, de fato, apenas duas fases na evolução cíclica de uma única doença. • Em 1860, fez um discurso na Sociedade Médical-Psichologique, versando sobre a classificação das doenças mentais. Quatro anos mais tarde (1864), publicou esse trabalho em sua obra principal. • Com o neurologista Ernest-Charles Lasègue (1816-1883), identificou um distúrbio psicótico compartilhado, às vezes referido como “Síndrome de Lasègue-Falret” (folie à deux – loucura a dois). A síndrome é caracterizada pela aparência coincidente de sintomas psicóticos em membros da família enquanto vivem juntos, bem como pela retenção dos sintomas quando os indivíduos são separados. Os dois médicos publicaram suas descobertas em um tratado chamado “La folie à deux ou folie communiquée”. • Entre as importantes contribuições de Falret, está a definição precisa do método clínico em psiquiatria, com seus três principais aspectos: o enquadre dialético (o físico, o psíquico e a necessidade de integrá-los), a perspectiva evolutiva (a psicopatologia como produção histórica contínua) e a supremacia do sujeito psíquico (o louco é sujeito de sua loucura). Enfatizou a evolução da doença e seu curso, a fim de descobrir suas várias fases em suas História da Psiquiatria - Parte II

Psiquiatria-ParteII.indb 10

10

Jean-Pierre Falret

26/06/2019 08:48:29


ALEMANHA

Início da escola clássica alemã e da psiquiatria científica moderna.

1845

GRIESINGER M L E H L I W PSIQUIATRA E NEUROLOGISTA

29/07/1817 - STUTTGART

26/10/1868 - BERLIM

LINHA DA VIDA Griesinger era filho de Gottfrie Ferdinang Griesinger, administrador (Stiftungsverwalter) da fundação que abrigava o Hospital de Stuttgart, e de Karoline Luise Griesinger. Pertencia a uma classe abastada e, sendo uma criança precoce, tinha ótimo desempenho escolar e familiaridade com a literatura, o que contribuiu para seu ingresso na escola de medicina aos 16 anos, na Universidade de Tübingen. Em um período de punição (Consilium abeundi) de um ano, Griesinger foi à Universidade de Zurique, onde estudou com Johann Lukas Scchonlein (1793-1864), que o impressionou com seus métodos científicos, revolucionando, assim, a medicina alemã. Griesinger foi muito influenciado pelo médico psiquiatra belga Joseph Guislain, que considerava que na base dos processos psicopatológicos estaria uma condição de grande dor psíquica (frenalgia). • 1838 - Graduou-se em medicina em Tübingen (Alemanha), tendo como tema de sua tese “Garrotilho” (sobre a difteria). Em seguida, foi a Paris para expandir seu conhecimento clínico. Teve aula com François Magendie, o fundador da fisiologia experimental e autor do primeiro livro moderno de fisiologia, cuja abordagem de pesquisa o influenciou muito. História da Psiquiatria - Parte II

Psiquiatria-ParteII.indb 15

15

Wilhelm Griesinger

26/06/2019 08:48:31


• 1839 - Como médico praticante, foi a Friedrichshafen, no Lago de Constança, um lago atravessado pelo rio Reno e situado na fronteira da Alemanha com a Áustria e a Suíça. • 1840 - Recebeu a oferta do diretor Albert Zeller para atuar como médico secundário no Hospital do Insano, em Winnenthal (Alemanha), permanecendo por dois anos. Nesse trabalho, Griesinger ganhou muita experiência prática, que se tornou a base de seu trabalho principal publicado em 1845. • 1842 - Instalou-se em Stuttgart, por pouco tempo como médico, e realizou mais viagens de estudo para Paris e Viena. No mesmo ano, iniciou sua participação nos Arquivos de Medicina Fisiológica. • 1843 - Aceitou um cargo de assistente médico na Clínica Médica em Tübingen, ensinando patologia, e história médica, o que o qualificou formalmente para a cátedra de medicina em 1845. • 1847 - Nomeado professor associado. • 1849 - Nomeado professor associado e diretor do Hospital Universitário de Kiel (perto de Hamburgo), onde realizou pesquisas neuroanatômicas no Instituto Patológico. • 1850 - Casou-se com Josephine Von Rom e mudou-se com ela da Alemanha para o Cairo por razões políticas, aceitando uma oferta para ocupar um cargo de médico pessoal do vice-rei egípcio Abbas Pasha. Lá ganhou experiência em relação a doenças tropicais, demonstrando isso em obras escritas posteriormente. Após dois anos, voltaram a Stuttgart. • 1854 - Foi para a Universidade de Tübingen (Alemanha) como professor de medicina clínica, sucedendo seu amigo Carl R. August Wunderlich (1815-1877), descobridor da temperatura normal do corpo humano. Ali incrementou seus esforços por uma psiquiatria universitária na Alemanha. • 1859 - Tornou-se chefe de uma instituição para crianças com deficiência mental na pequena cidade de Mariaberg (Holanda). Mas, logo em seguida, aceitou a vaga de diretor clínico do Hospital de Burghölzli, na Suíça. Após alguns anos, tornou-se professor em Zurique, o que lhe permitiu iniciar, pela primeira vez na Alemanha, o ensino oficial da psiquiatria como uma disciplina separada das demais especialidades. • 1865 - Mudou-se para Berlim, para assumir o cargo de diretor do Hospital da Caridade, exercendo medicina e psiquiatria. Com essas novas funções, ele iniciou o ensino oficial de psiquiatria, na cátedra deixada vaga por Romberg naquele mesmo ano. • 1867 - Fundou o jornal mais importante da nova psiquiatria neurologicamente orientada: “Archiv für Psychiatrie und Nervenkrankheiten na Berliner - Medicinisch Psychological Society” (Sociedade de Psiquiatria e Doenças Nervosas), em Berlim. Essa entidade servia como fórum de debates não apenas para os psiquiatras, mas também para filósofos e afins. • 1868 - Faleceu por causa de uma apendicite perfurada. Sua sepultura está localizada no Cemitério de São Mateus, em Berlim.

CONTRIBUIÇÕES • Foi a figura mais importante da psiquiatria alemã de seu tempo, representando uma psiquiatria extremamente moderna e multidimensional do ponto de vista dos dias atuais. Precursor da psiquiatria clínica atual e fundador da escola alemã de psiquiatria. • Griesinger pensava que o fundamento da psicose era sempre uma condição de natureza melancólica (depressão) ligada à perda, em idade precoce, de um objeto de amor significativo, a qual geraria um núcleo permanente de fragilidade psíquica. Os fatores incidentes e História da Psiquiatria - Parte II

Psiquiatria-ParteII.indb 16

16

Wilhelm Griesinger

26/06/2019 08:48:31


POPULAÇÃO ASILAR E FATORES DE DEMANDA DE INTERNAÇÃO

O

século XIX trouxe uma explosão asilar que acarretou sobrecargas que nem sempre tinham correlação com o cuidado médico-psiquiátrico. Na França, o emergir da Lei de 1834 e o esforço da descentralização estatal levaram o país a ter mais de uma centena de asilos. Na Alemanha, com sua liderança no ramo, a competitividade e a própria qualidade terapêutica proporcionaram a busca de auxílio para tratamento hospitalar. Na Inglaterra, o sucesso do tratamento moral e o investimento voluntário e liberal também permitiram um aumento de leitos aos doentes psiquiátricos. A família, em razão de uma mudança em sua dinâmica, que passou a ter caráter mais intimista, perdeu a capacidade de absorver as agruras no convívio com o doente mental, não permitindo, assim, o comportamento perturbador gerado pela presença do alienado nessa nova configuração emocional. Isso se deu em famílias de maiores posses e, em proporções maiores, em famílias pobres, escassas de recursos para os cuidados de seu doente. Dessa modo, o cuidado com o doente passou a ser uma tarefa do asilo. A maior longevidade trouxe uma onda maior de pacientes com demência, fosse por causa senil, fosse por cronicidade de sua doença, tais como sífilis (doença do século), psicose (esquizofrenia), demência, mania, depressão, epilepsia e Théodore Géricault, loucura circular. “Uma mulher louca e jogadora compulsiva” (1822). Óleo sobre O aumento do consumo de bebidas, por causa da oferta e de tela - Museu do Louvre, Paris. seu baixo custo, rapidamente levou a população a incrementar as taxas de dependência do álcool e suas complicações. Na Inglaterra, somou-se a isso a transferência de pacientes advindos de casas de abrigo e até mesmo de prisões, causada pela disponibilidade de fundos decorrentes da Lei de 1874 para os asilos, como também, em outros países, pela oferta pura e simples, ocasionando um aumento ainda maior da população dos asilos.

The Royal Albert Asylum, Lancaster – England. “The Illustred Lond News” - 1876

História da Psiquiatria - Parte II

Psiquiatria-ParteII.indb 21

21

População Asilar e Fatores de Demanda de Internação

26/06/2019 08:48:52


ÁUSTRIA

Estudos de causalidade, hereditariedade e degeneração.

1860

U G S U T A I N T C M I D O É REL N É B PSIQUIATRA

22/11/1809 - VIENA

30/03/1873 - SAINT-YON

LINHA DA VIDA Morel era filho de pais franceses, porém nasceu em Viena, no auge da Guerra da Sexta Coalisão contra Napoleão. Nada se sabe sobre sua mãe, e seu pai era um fornecedor do Exército. Ainda pequeno, em 1814, deixaram-no aos cuidados do diretor de uma casa de educação em Luxemburgo, o abade Abbot Dupont, que foi seu cuidador, ao lado de sua serva Marianne. Com a queda do Império, o religioso levou-o a Saint-Dié-Des-Vosges, no nordeste da França. Essas vicissitudes lhe proporcionaram um domínio perfeito da língua alemã. Foi sempre portador de formação política católica radical. • 1831 - Mudou-se para Paris, onde recebeu sua educação e, enquanto estudante, complementava sua renda ensinando aulas de inglês e alemão. Também foi jornalista e, durante quatro anos, foi preceptor de uma família americana e iniciou o curso de medicina. • 1839 - Quando terminou o curso de medicina, convivia com outros colegas, Buchez, Cerise e Claude Bernard, que, como ele, tinham dificuldades financeiras. Bernard o apresentou, em 1841, ao seu patrão, J.P. Falret, que procurava um tradutor para o alemão. História da Psiquiatria - Parte II

Psiquiatria-ParteII.indb 24

24

Bénédict Augustin Morel

26/06/2019 08:48:54


TEORIA DA DEGENERAÇÃO

A

teoria da degeneração foi proposta por BÉNÉDICT AUGUSTIN MOREL. Em seu tratado, em 1857, propôs que a espécie humana, em virtude de uma predisposição, somada aos maus costumes, como vícios e crimes retroalimentados, poderia ir retrocedendo em sua evolução, conforme a visão ultrapassada de Lamarck de herdabilidade (herança dos caracteres adquiridos). Essa teoria teve grande impacto na época pelo seu pessimismo, vindo a influenciar não só o meio médico e a psiquiatria, mas também a arte, a literatura e a política durante décadas, caminhando com certa validade até a alvorada do século XX. Na psiquiatria, que apresentava uma grande crise de afirmação pela ineficácia terapêutica, em razão do grande fluxo asilar e da falta de clareza diagnóstica, essa teoria foi um socorro e também uma demarcação explicativa para as doenças mentais. Ela também validou a função da nova especialidade, a dos psiquiatras, como autoridades responsáveis pelo implemento teórico que veio proporcionar, por meio do raciocínio, o diagnóstico de herança e de lesões. Essa nova aquisição teórica ampliava, em muito, o alvo dos psiquiatras, pois atingia comportamentos cotidianos, dando como patologia mental, por exemplo, sexualidade, estados de humor e uso de álcool. Foi o que Foucault (1999) chamou de “medicina do não patológico”, em que o médico tem um olhar de conceito de doença, mesmo faltando precisão entre o normal e o patológico. Até então, as doenças mentais, grosso modo, apresentavam-se em quatro formas: mania, melancolia, demência e idiotismo. Essa ampliação do saber psiquiátrico passou a se dirigir à população fora do asilo. Nesse discurso, adentraram as hipóteses de constituição e as patologias mentais preexistentes. Os estigmas degenerativos eram muito estudados como sinais desse processo, abarcando também visões explicativas sobre massas populacionais e raças, o que Foucault (1978) denominou “biopolítica” ou “biopoder”, que acabou por multiplicar a intervenção médica no ambiente da sociedade, proporcionando oportunidades de intervenções eugênicas, com suas propostas de esterilização, como medidas preventivas. Foram criadas estratégias de controle de natalidade, e, passou-se a intervir na sexualidade familiar para a prevenção das anormalidades e a purificação da raça e dos instintos.

Defeitos hereditários. Este grupo de imbecis é o produto de casamentos disgênicos. Cada um deles sofre de defeitos físicos e mentais.

História da Psiquiatria - Parte II

Psiquiatria-ParteII.indb 33

33

Teoria da Degeneração

26/06/2019 08:48:58


ITÁLIA

Introdução de métodos para os estudos da criminologia.

1874

O M L BROSO E R A S E C PSIQUIATRA 06/11/1835 - VERONA

19/10/1909 - TURIM

LINHA DA VIDA Proveniente de uma rica família judia, era filho de Aronne Lombroso, um comerciante de Verona, e de Zeffora (ou Zefira) Levi de Chieri. Era descendente de uma linha de rabinos. Com uma tese sobre o cretinismo, recebeu o diploma médico em 1858, aos 23 anos, pela Universidade de Pavia. Em seguida, estudou na Universidade de Pádua, Viena e Paris de 1862 a 1876, voltando em 1877 para Pavia como professor de psiquiatria na universidade local. Depois, seguiu para Universidade de Turim como professor de psiquiatria, medicina forense e higiene em 1896 e antropologia criminal em 1906. Foi também diretor de um asilo mental em Pesaro, na Itália. Seus interesses de estudo conjugaram as áreas de antropologia, psiquiatria e criminologia.

CONTRIBUIÇÕES • Foi um médico italiano, fundador da Escola Italiana de Criminologia Positivista. História da Psiquiatria - Parte II

Psiquiatria-ParteII.indb 46

46

Cesare Lombroso

26/06/2019 08:49:04


• Lombroso rejeitou a escola clássica dominante, que sustentava que o crime era um traço característico da natureza humana. Em vez disso, usando conceitos retirados da fisionomia, da frenologia de Gall, da teoria da degeneração e do darwinismo social, a teoria da criminologia antropológica de Lombroso afirmava enfaticamente que a criminalidade era herdada e que alguém “nascido criminoso” poderia ser identificado por defeitos físicos (congênitos), que confirmavam o criminoso como selvagem ou atávico. Assim, tornou-se famoso por seus estudos e suas teorias no campo da caracterologia (relação entre características físicas e mentais). • Em 1864, publicou “Genius and Madness”. O livro teve várias edições e, a partir da quarta edição, em 1882, foi renomeado “The man of genius”. • Proporcionou um maior desenvolvimento de laboratórios universitários. • Em 1880, com outros companheiros, fundou o jornal “Archivio I Psichiatria, antropologia criminale e scienza penale”, tornando-se o grande interlocutor do movimento positivista. • Sua principal contribuição foi exposta no seu livro “L’uomo delinquente” (1876) (“O Homem Delinquente”, ou “Delinquente Nato”), que teria como origem comportamental o atavismo, ou seja, a reaparição pela herança dos caracteres de um ascendente remoto, que permaneceriam latentes por várias gerações. Tinha uma preocupação legalista com o crime para o desenvolvimento de um estudo científico de criminosos. • Lombroso também colaborou com os estudos sobre a sexologia, sendo considerado um dos primeiros a examinar e a catalogar práticas sexuais. Seu trabalho “Criminal Woman” (1893) (“Mulher Criminosa”) incluiu partes sobre adultério, frigidez, lesbianismo, masturbação e sexo antes do casamento, como também uma discussão sobre as causas e as características da prostituição.

Tipos de criminosos de Lombroso.

História da Psiquiatria - Parte II

Psiquiatria-ParteII.indb 47

47

Cesare Lombroso

26/06/2019 08:49:04


P

PO LÊM ICA

O CONTROLE SOCIAL POR MEIO DO ISOLAMENTO INSTITUCIONAL O GRANDE CONFINAMENTO FRANÇA

MICHEL FOUCAULT (1926-1984) – Filósofo. O filósofo contemporâneo francês Michel Foucault propôs que as internações, particularmente as impulsionadas no século XIX, eram levadas a cabo por intenções ocultas no discurso científico, em indivíduos que eram incômodos para a sociedade, tais como os loucos, os prisioneiros e os homossexuais. Sendo assim, todo o conhecimento psiquiátrico era produzido pelo método que ele chamou de arqueologia do saber, em que a ciência se tornava verdade absoluta e a loucura seria a desrazão, ou seja, algo a ser separado, controlado pelos asilos e hospícios, e objeto de estudo da ciência. “A constituição da loucura como doença mental, no fim do século XVIII, delineou a constatação de um diálogo rompido entre loucura e não loucura, entre razão e não razão. A linguagem da psiquiatria, que era um monólogo da razão sobre a loucura, só pôde estabelecer-se sobre tal silêncio.”

Obras-chave • “História da Loucura” (1961). • “Doença Mental e Psicologia” (1962). • “O Nascimento da Clínica (1963).

FATOS E FIGURAS CONTROVERSAS INGLATERRA

L.FORBES WINSLOW (1844-1913) – Psiquiatra. Filho de psiquiatra, foi criado em hospícios e em boas escolas. Foi jogador de críquete pelas universidades. Formou-se médico em 1870. Apesar de ter sido nomeado membro de Royal College of Physicians, teve uma carreira controversa pela sua tentativa constante de atribuir a doença mental ao crime e ao alcoolismo nos tribunais. O caso mais escandaloso, e que o deixou desrespeitado pela comunidade médica, foi a elaboração do laudo indicando doença mental e internação da cantora lírica soprano Georgina Weldon, que era casada com um oficial de guarda da realeza, Sir Willian Henry Weldon, o que o levou a um processo judicial prolongado e conturbado. Outras posições controversas de natureza forense foram tomadas por Winslow, por exemplo, seu indulto para quatro assassinos de uma mulher em 1877. Manteve essa atitude polêmica em diversos julgamentos penais e também da justiça civil. Além de usar explicações espíritas na psiquiatria, administrava os asilos de seu pai até que, após uma briga de família, foi demitido em 1874. Passou a exercer funções de detetive e mudou seu sobrenome para Forbes Winslow. Em 1888, por meio de atitudes farsescas, afirmava que conhecia a identidade de Jack, O Estripador. Quando desmentido pela polícia, alegou que o assassino havia deixado Londres por medo de ser pego. Como ganhou mais notoriedade por esses acontecimentos, tornou-se um especialista em defesa de casos envolvendo loucura e acabou sendo convidado para um Congresso Internacional de Medicina Legal em Nova Iorque, em 1895.

Obras-chave • Panfleto “Spiritualistic Madness” (1877), no qual identificou o espiritismo como uma causa de insanidade. Winslow escreveu que a maioria dos crentes no espiritismo era insana e sofria de delírios mentais e que havia milhares internados nos manicômios. • “Manual para os atendentes do insano” (1877).

História da Psiquiatria - Parte II

Psiquiatria-ParteII.indb 52

52

O Controle Social por Meio do Isolamento Institucional

26/06/2019 08:49:08


PO LÊM ICA

ESCÓCIA

ALEXANDER MORISON (1779-1866) – Psiquiatra. Morison nasceu em Edimburgo e lá se formou e fez carreira. Mudou-se, posteriormente, para Londres, onde deu cursos informais e palestras sobre doenças mentais. Enfatizava que sua origem era em virtude de degradação civilizatória com cooperação hereditária. Foi médico do famoso Hospital de Belém em Londres e também foi médico particular do príncipe Leopoldo e da princesa Charlotte. Ele se tornou Sir Alexander Morison, em 1838. Três anos depois, foi eleito membro do Royal College of Physicians. Morreu em 1866. Era um aficionado pelo filósofo e pastor J.C. Lavater (1741-1801), estudioso da fisiognomonia (arte de conhecer as pessoas pelos traços fisionômicos).

Texto sobre sua obra: “A fim de conduzir o tratamento mental com eficácia, um dos objetivos mais importantes é obter informações completas sobre a história pregressa do paciente e, particularmente, sobre a causa mental que está causando, ou pelo menos intimamente, a produção do distúrbio. Tal pode ser uma aplicação excessiva aos negócios ou ao estudo, ansiedades políticas, dificuldades comerciais, dúvidas religiosas, afetos desapontados, remorso de consciência e várias paixões. Possuindo tal conhecimento e familiarizado com a fisionomia da doença mental, somos mais capazes de apreciar os fenômenos de seu delírio, a associação de suas ideias em geral e a tendência daquelas ideias nas quais sua mente habita principalmente, prevendo, assim, e prevenindo a irritação mental, removendo ou diminuindo sensações desagradáveis e a frequência de acessos de fúria ou de desânimo”. Alexander Morison mostrou grande interesse, da mesma forma que Esquirol, em fazer uma galeria de arte apresentando expressões da loucura, com a colaboração de vários artistas talentosos, inclusive com Richard Dadd, que, após seus 20 anos, tinha cortado a cabeça de seu pai e foi internado em Bethlem e depois no recém-inaugurado Hospital Broadmoor para criminosos insanos, e retratou seu médico no seguinte quadro:

Sir Alexander Morrison por Richard Dadd (1817-1886). (1852) - por gentil permissão da Galeria Nacional da Escócia, que comprou o retrato com a ajuda do National Heritage Memorial Fund, em 1984. Fotografado para a Scottish National Portrait Gallery (onde se encontra atualmente), por Antonia Reeve.

Obras-chave • “The Physiognomy of Mental Diseases” (1840). Sobre a fisionomia das doenças mentais. • “Outlines of lectures on the nature, causes and treatment of insanity” (1848). Sir Alexander Morison - Edited by his son T. C. Morison. London: Longman & S. Highley. A respeito da natureza, das causas e do tratamento da insanidade. • Seus outros trabalhos ainda incluem: “Casos de Doença Mental, com Observações Práticas sobre o tratamento médico” (1828).

História da Psiquiatria - Parte II

Psiquiatria-ParteII.indb 53

53

O Controle Social por Meio do Isolamento Institucional

26/06/2019 08:49:09


HORRORES ASILARES: Por fora “bela viola”, por dentro “pão bolorento”

N

ESTIGMAS E SOFRIMENTOS EM UMA AMOSTRA ASILAR INGLESA

o século XIX, ocorreu uma explosão asilar pelo fato de que, com o recurso da internação, haveria melhores condições para tratar e estudar melhor o alienado. No Reino Unido, não se seguiu outra regra, conforme mostra Kathryn Burtinshaw e John Burt em seu livro “Lunáticos, Imbecis e Idiotas”, lançado em 2017. Os termos do título da obra eram utilizados para diagnosticar boa parte dos enfermos. Além do mais, o livro é um excelente documentário fotográfico. Os tratamentos oferecidos eram toscos, de caráter terapêutico insatisfatório, quando não cruéis. Apesar de os asilos serem imponentes em sua arquitetura externa, por dentro se mostravam como verdadeiras masmorras, levando ao isolamento humano de forma precária, mesmo regulamentados dentro dos princípios reformistas. Esse caldo de cultura possibilitou um grande incremento ao desenvolvimento da corrente da hereditariedade e da degeneração. Como já foi mencionado, antes os pacientes ficavam sob os cuidados das famílias, mas nem de maneira digna. Quase sempre viviam com restrições e isolados. Os que não tinham família ficavam pelas ruas como indigentes, implorando por abrigo e comida. Porém, alguns eram enviados para os asilos. No entanto, as condições asilares eram inapropriadas e, por vezes, hediondas, com o uso de algemas, cintas e outros métodos restritivos. Os asilos privados só tinham o interesse nos honorários que as famílias pagavam. Todos esses detalhes são mostrados no livro. A partir de 1846, a Comissão de Loucura na Inglaterra e no País de Gales passou a manter registros de internações em seus asilos públicos e privados.

História da Psiquiatria - Parte II

Psiquiatria-ParteII.indb 56

56

Horrores Asilares

26/06/2019 08:49:12


1875

ESTADOS UNIDOS

GEORGE MILLER BEARD (1839-1883) – Neurologista e psiquiatra. Em 1868, Beard assumiu funções oficiais na Universidade de Nova Iorque. Já em 1874, fundou os Arquivos de Eletroterapia e de Neurologia. Foi também um dos criadores da Associação para a Proteção dos Doentes Mentais, Prevenção da Loucura, bem como da Sociedade Neurológica Americana. Beard foi o criador do termo “neurastenia”, proposto em sua obra “Neurasthenia as a Cause of Inebriety” (1879) para designar um estado de fadiga física e psicológica permanente, acompanhado de distúrbios funcionais diversos e variáveis. Nessa mesma obra, Beard procurou compreender as razões da extensão do alcoolismo no século XIX, observando, nesse fenômeno, a maneira pela qual o usuário-doente lutava contra o desequilíbrio energético neurastênico. George Beard acreditava que essa neurose, essencialmente americana e masculina, era resultante, ao mesmo tempo, do clima dos Estados Unidos – unindo uma atmosfera seca e carregada de eletricidade a grandes variações de temperatura – e do ritmo de vida agitada, ao qual estava sujeito o homem naquele momento histórico.

1878

ALEMANHA

HERMANN EBBINGHAUS (1850-1909) – Psicólogo. Era filho de mercadores luteranos e estudou na Universidade de Bonn. Ebbinghaus, em 1885, publicou a sua importante e inovadora obra “Über das Gedächtinis” (mais tarde traduzida como “Em Memória”), na qual apresentou estudos sobre a memória, criando a curva de aprendizagem, um gráfico que mostrava o limite para retenção de conteúdo. Estabeleceu laboratórios de psicologia em Berlim e em Breslau. Cofundador da Zeitschrift fur Psychology und Physiologie der Sinnersorgane, em 1890 (Jornal de Psicologia e Fisiologia dos Órgãos dos Sentidos). Ebbinghaus, o primeiro a desenvolver testes de inteligência para crianças em 1897, foi aluno de Wilhelm Wundt e influenciou outros cientistas, como Ivan Pavlov e Edward Thorndike, no que se refere ao condicionamento clássico e ao condicionamento operante.

História da Psiquiatria - Parte II

Psiquiatria-ParteII.indb 57

57

Outros Alienistas do Período

26/06/2019 08:49:13


ALEMANHA

W

Consolidação da psicologia experimental e científica.

1879

M I I X LIAN WU A M M L E N DT ILH MÉDICO, FISIOLOGISTA, PSICÓLOGO E FILÓSOFO

16/08/1832 - NECKARAU

31/08/1920 - LEIPZIG

LINHA DA VIDA Wilhelm M. Wundt era proveniente de uma família protestante. Filho de Maximilian Wundt (pastor luterano ) e de Marie Frederike Arnolde, passou uma infância solitária, tendo, por muitos anos, como única companheira uma criança retardada. • 1856 - Recebeu seu doutorado em Heidelberg com o trabalho “Estudos do comportamento dos nervos inflamados e degeneração dos órgãos” e, em seguida, completou uma temporada de pesquisas de seis meses com Johannes Mueller e Emil Du Bois-Reymond, em Berlim. • 1858-1863 - Trabalhou como assistente do físico e fisiologista Hermann von Helmholtz. • 1864 - Foi nomeado professor de antropologia e psicologia médica na Faculdade de Medicina da Universidade de Heidelberg. • 1866-1868 - Deputado da cidade de Heidelberg na segunda câmara do parlamento de Baden. • 1874 - Nomeado professor titular de filosofia indutiva na Universidade de Zurique. • 1875 - Professor titular de filosofia na Universidade de Leipzig, permanecendo até o ano de sua aposentadoria (1917). História da Psiquiatria - Parte II

Psiquiatria-ParteII.indb 60

60

Wilhelm Maximilian Wundt

26/06/2019 08:49:14


FRANÇA

Avanços da neurologia e sua fundamentação.

1887

N I T CHARCOT R A M N A E J PSIQUIATRA E NEUROLOGISTA

29/11/1825 - PARIS

16/08/1893 - MONTSAUCHE-LES-SETTONS

LINHA DA VIDA Nascido em uma família de artesãos pobres, seu pai decidiu que, dos quatro filhos, aquele que apresentasse o melhor desempenho na escola receberia uma educação superior, uma disputa que Jean-Martin venceu, recebendo, assim, a oportunidade de ingressar na faculdade medicina em 1843, exclusivamente para estudantes homens. Em 1847, iniciou sua residência no serviço de Dr. Lugol no Hospital Saint-Louis, em um rodízio de outros hospitais importantes em Paris, inclusive a Salpêtrière, onde foi estagiário. Elaborou uma tese sobre a diferenciação da gota da artrite reumatoide crônica que o levou ao cargo de “Chef de Clinique”. Charcot trabalhou em um período em que a área da neurologia não era ainda reconhecida como especialidade. Foi um dos maiores clínicos e professores de medicina da França, assim como Guillaume Duchenne, o fundador da neurologia moderna, chamado por Charcot de grande “mestre”. Charcot pensava na arte como uma ferramenta crucial do método clínico-anatômico. Ele usou fotos e desenhos, muitos dos quais eram feitos por ele ou seus alunos em suas aulas e conferências. Fora do domínio da neurologia, ele também fazia desenhos como hobby. Como História da Psiquiatria - Parte II

Psiquiatria-ParteII.indb 79

79

Jean-Martin Charcot

26/06/2019 08:49:21


BIBLIOGRAFIA Livros

Lasègue, E. C. (1964). On hysterical anorexia. In M. R. Kaufman & M. Heiman (Eds.), Evolution of psychosomatic concepts: anorexia nervosa: a paradigma (Trans. Archives Générales de Médecine, pp. 141-155). New York: International Universities Press, Inc.

Alexander, F. G. (1968). História da psiquiatria. Rio de Janeiro: Ibrasa. Berrios, G. E., & Porter, R. (2012a). Uma história da psiquiatria clínica: a origem e a história dos transtornos psiquiátricos. Transtornos neuropsiquiátricos (L. A. Ávila, Trad., Vol. 1). São Paulo: Escuta.

Liberman, J. A. (2016). História de la psiquiatría (S. D. Rey, Trad.). Espanha: Ediciones B. E-book.

Berrios, G. E., & Porter, R. (2012b). Uma história da psiquiatria clínica: a origem e a história dos transtornos psiquiátricos. As psicoses funcionais (L. A. Ávila, Trad., Vol. 2). São Paulo: Escuta.

Lorch, M. P., & Greenblatt, S. H. (2015). Cantando por crianças sem palavras (afásicas): observações médicas vitorianas. Progresso na Pesquisa do Cérebro, 216, 53-72.

Berrios, G. E., & Porter, R. (2012c). Uma história da psiquiatria clínica: a origem e a história dos transtornos psiquiátricos. As neuroses e os transtornos de personalidade (L. A. Ávila, Trad., Vol. 3). São Paulo: Escuta.

Magnan, V. (1998). Le Délire Chronique à Évolution Systématiqu (Série Trouvailles et Retrouvailles dirigée par Jacques Chazaud. Collection Psychanalyse et Civilisations). Paris: L’Harmattan. Mello, J., Fo. (1992). Psicossomática hoje. Porto Alegre: Artmed.

Boring, E. G. (1979). História de la psicologia experimental (R. Ardilla, Trad.). México: Trillas. Original publicado em 1950.

Ovsyannikov, S. A., & Ovsyannikov, A. S. (2007). Sergey S. Korsakov and the Beginning of Russian Psychiatry. Journal of the History of the Neurosciences, 16(1-2), 58-64.

Caponi, S. (2012). Loucos e degenerados: uma genealogia da psiquiatria ampliada (210 p.). Rio de Janeiro: Editora Fiocruz.

Pacheco, M. V. P. C. (2003). Esquirol e o surgimento da psiquiatria contemporânea. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 6(2), 152-157.

Facchinetti, C. (2007). Tratado médico filosófico sobre a alienação mental ou a mania. Phillipe Pinel (J. A. Galli, Trad., 272 p.). Porto Alegre: Ed. da UFGRS.

Palomba, G. A. (2003). Tratado de psiquiatria forense civil e penal (pp.16). São Paulo: Atheneu.

Foucault, M. (1979). Soberania e disciplina. In M. Foucault. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal.

Pereira, M. E. C. (2004). Pinel - A mania, o tratamento moral e os inícios da psiquiatria contemporânea. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 3, 113-116.

Hochmann, J. (2004). Histoire de la Psychiatrie (Collection Que sais-je?, 10. ed). Paris: Presses Universitaires de France. E-book.

Pessotti, I. (1994). A forma e as épocas (208 p.). Rio de Janeiro: Editora 34.

Johnson, J. K., & Graziano, A. B. (2015). Alguns casos iniciais de afasia e a capacidade de cantar. Progresso na Pesquisa do Cérebro, 216, 73-89.

Pessotti, I. (1996). O século dos manicômios (304 p.). Rio de Janeiro: Editora 34.

Journal of the History of the Neurosciences (2006). 16, 1-15,

Pessotti, I. (1999). Os nomes da loucura (264 p.). Rio de Janeiro: Editora 34.

Keyser, A. (1994). Reader in the history of Aphasia: from Franz Gall to Norman Geschwind (pp. 408). Amsterdã: John Benjamins Publishing.

Quétel, C. (2012a). Histoire de la folie - de l’Antiquité à nos jours (Trad. Gabinete Editorial Texto e Grafia, Vol. 1, 272 p.). Paris: Editions Tallandier.

Krantz, J. H. (In press). Fechner’s colors and Benham’s Top. In R. Luo (Ed.), Encyclopedia of color science and technology. New York: Springer.

Quétel, C. (2012b). Histoire de la folie - de l’Antiquité à nos jours (Trad. Gabinete Editorial Texto e Grafia, Vol. 2, 296 p.). Paris: Editions Tallandier.

História da Psiquiatria - Parte II

Psiquiatria-ParteII.indb 98

98

Bibliografia

26/06/2019 08:49:30


Rincon, H. P. (2012). El teatro de las histéricas: de cómo Charcot descubrió, entre otras cosas, que también había histéricos (129 p.). México: Fondo de Cultura Economica.

Archive.org. (2019). Traité des dégénérescences physiques, intellectuelles et morales de l’espèce humaine et des causes qui. Imagem. Recuperado em 1 de fevereiro de 2019, de https://archive.org/stream/ traitdesdg1857more#page/n35/mode/2up

Shorter, E. (1998). A history of psychiatry: from the era of the asylum to the age of Prozac (2. ed.). Hoboken: Wiley.

Art & Popular Culture. (2017). Pitié-Salpêtrière Hospital. Imagem. Recuperado em 22 de outubro de 2018, de http://www.artandpopularculture.com/ Piti%C3%A9-Salp%C3%AAtri%C3%A8re_Hospital

Stone, M. H. (1999). A cura da mente: a história da psiquiatria da antiguidade até o presente (M. C. Monteiro, Trad.). Porto Alegre: Artmed.

Art UK. (2018a). John Hughlings Jackson (1835-1911). Imagem. Recuperado em 9 de outubro de 2018, de https://artuk.org/discover/artworks/john-hughlingsjackson-18351911-192342#atryonline.org/doi/ full/10.1176/ajp.156.7.989 Art UK. (2018b). Sir Alexander Morison. Philip Westcott (1815-1878). Royal College of Physicians of Edinburgh. Imagem. Recuperado em 3 de novembro de 2018, de https://artuk.org/discover/artworks/sir-alexandermorison-186056

Links de Internet 1ZOOM.Me. (2018). Suíça Bandeira Cruz. Imagem. Recuperado em 28 de setembro de 2018, de http:// www.1zoom.me/pt/wallpaper/329319/z566.7/

Barfoot, M. D. (2009). Skae: Resident Asylum Physician; Scientific General Practitioner of Insanity. Journal Medical History, 53(4), 469-488. Recuperado em 9 de setembro de 2018, de https://www.ncbi.nlm.nih. gov/pmc/articles/PMC2766139/

ABC RN. (2013). Henry Maudsley. Imagem. Recuperado em 11 de setembro de 2018, de http://www.abc.net. au/radionational/programs/lifematters/henrymaudsley/4526562 AbeBooks.fr. (2018). Traité des maladies mentales. Imagem. Recuperado em 18 de julho de 2018, de https://www.abebooks.fr/edition-originale/ Trait%C3%A9-maladies-mentales-MORELB%C3%A9n%C3%A9dict-Auguste/21689750645/bd

Barnes, M., Saunders, M., Walls, T. J., Saunders, I., & Kirk, C. A. (1986). The syndrome of Karl Ludwig Kahlbaum. Journal of Neurology, Neurosurgery, and Psychiatry, 49, 991-996. Recuperado em 6 de setembro de 2018, de https://jnnp.bmj.com/content/ jnnp/49/9/991.full.pdf

Alchetron. (2018). Eduard Hitzig. Recuperado em 14 de outubro de 2018, de https://alchetron.com/ Eduard-Hitzig

Bell, C. (1802). Charles Bell (1774-1842). The Anatomy of the Brain, Explained in a Series of Engravings. University of Virginia. Recuperado em 20 de janeiro de 2010, de http://exhibits.hsl.virginia.edu/treasures/ charles-bell-1774-1842/

Alonso, S. L., & Fuks, M. P. (2004). A histeria através dos tempos: o século XIX. In Alonso, S. L., & Fuks, M. P. Histeria: clínica psicanalítica (Coleção Clínica Psicanalítica, pp. 30, ). São Paulo: Casa do Psicólogo. Google Books. Recuperado em 17 de julho de 2018, de https://books.google. com.br/books?id=Yq3qWPlPoAwC&pg=PA30&lp g=PA30&dq=Paul+Briquet&source=bl&ots=Qp TqU1qe7X&sig=QR2uab25_sL_mOaYDYEqotgIgL M&hl=ptBR&sa=X&ved=0ahUKEwjJl_y4sabcAhXCo FMKHZvgAsw4ChDoAQgwMAI#v=onepage&q&f=false

Berrios, G. E. (2012). Epilepsia e insanidade no início do século XIX – história conceitual. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 15(4), 908-922. Recuperado em 19 de julho de 2018, de http://www.redalyc.org/pdf/2330/233025245011.pdf Bezerra, E. (2017). Lombroso e a teoria do Criminoso Nato. Incrível História. Imagem. Recuperado em 26 de setembro de 2018, de https://incrivelhistoria.com.br/ lombroso-criminoso-nato/ Biu Santé. (2018a). Banque d’images et de portraits: nombre de réponses : 2. Imagem. Recuperado em 3 de novembro de 2018, de http://www.biusante.parisdescartes.fr/histoire/ images/?mod=s&refbiogr=14593

Archiv. Universitat Sarchiv Leipzig. (2018). Paul Flechsig, bedeutendender Leipziger Gelehrter, Mediziner, Psychiater und Hirnforscher. Recuperado em 4 de outubro de 2018, de https://www.archiv. uni-leipzig.de/blog/am-29-juni-1847-wurde-derpsychiater-paul-flechsig-geboren/

Biu Santé. (2018b). Banque d’images et de portraits: Aide à la recherche, Réutilisations, Citation et signalement des images. Imagem. Recuperado em 16 de outubro de 2018, de http://www.biusante.paris descartes.fr/histoire/images/index.php?gabarit= iframe&do=informationsiconographiques&refphot= anmpx39x0110b

Archive.org. (1868). The Trial of Ebenezer Haskell, in Lunacy, and his acquittal before Judge Brewster. Imagem. Recuperado em 3 de novembro de 2018, de https://archive.org/details/39002011212173.med.yale. edu

História da Psiquiatria - Parte II

Psiquiatria-ParteII.indb 99

99

Bibliografia

26/06/2019 08:49:30


Nosso relato historiográfico descreve a psiquiatria alemã, com destaque para as figuras de grandes alienistas, assim chamados naquela época e hoje denominados psiquiatras, que se uniam cada vez mais aos neurologistas para fundamentarem descobertas de cunho biológico, as quais se identificavam com a filosofia dominante nessa segunda metade do século XIX: o positivismo naturalista. Nessa maré, surgiu a proposição das teorias da degenerescência com entusiastas alemães, franceses e italianos, que, somadas a um enfoque etiológico de hereditariedade, culminaram na patologização da homossexualidade. Cresceram os estudos avançados da neurofisiologia, e houve a descoberta da paralisia geral progressiva, doença que crescia em um ambiente asilar, no qual cada vez mais outras patologias eram albergadas sem o conhecimento de sua descrição clínica ou mesmo de sua evolução e ainda menos de seu tratamento. Em função do aumento das cidades, o alcoolismo encontrou campo para se desenvolver no ambiente da internação. Os estudos foram incrementados e fundamentados psicopatologicamente, aumentando cada vez mais a dimensão biológica da insanidade. As pesquisas acerca das funções cerebrais também receberam auxílio com o nascimento da psicologia experimental. Concomitantemente, fomentou-se o campo dos debates e dos estudos das perversões sexuais, que causaram muita polêmica ao lado dos horrores asilares, reflexo do autoritarismo e da negligência da sociedade patriarcal da época. O furor localizatório e as estimulações elétricas, embora tenham levado à descoberta de centros cerebrais de extrema importância, acabaram em uma radicalização que resultou no esquecimento da identidade e do afeto humanos. Houve ainda uma retomada da teoria da degeneração. Entretanto, os avanços da neurologia e sua fundamentação foram alcançados pelo alienista francês Charcot, que realizou grandes descobertas neurológicas e atraiu para seu hospital e suas aulas magistrais cientistas do mundo inteiro, iniciando o estudo da natureza da histeria utilizando o método da hipnose.

capa-psiquiatria-parteII.indd 1

Marcos de Jesus Nogueira - Coordenador Psiquiatra clínico, membro titular da Sociedade Brasileira de História da Medicina, autor de vários livros de Psiquiatria com apelo visual de arte gráfica e ênfase pedagógica, mantém nesta obra uma visão cronológica da História da Psiquiatria.

Maurício Eugênio Oliveira Sgobi Psicólogo clínico, especializado em Transtornos de Substância e do Controle dos Impulsos.

26/06/2019 09:10:21


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.