Bem juridico e perigo abstrato: um desenho hermeneutico da ofensividade - 2ED

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Doutorando em Direito e Justiça (Direito Penal contemporâneo) na Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG (Conceito CAPES 6). Mestre em Direito (Ciências Penais) pela UFMG, com aperfeiçoamento em dogmática penal alemã (Georg-August Universität Göttingen) e Direito Penal italiano (Università di Roma Tor Vergata) e atualização em Criminologia com ênfase em Direitos Humanos (Universidad para la Cooperacion Internacional/Costa Rica). Especialista em Inteligência de Segurança Pública (Newton Paiva). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF. Tem experiência no magistério das Ciências Penais: foi professor Substituto nas Faculdades de Direito da UFJF e da UFMG; foi professor assistente no Instituto Vianna Jr. e no Centro Universitário do Leste de Minas - UNILESTE; foi professor convidado nos programas de pós-graduação das Faculdades de Direito da UFJF e Milton Campos. Tem experiência na aplicação do Direito Penal: foi Advogado, Delegado de Polícia e Defensor Público e, atualmente, é Promotor de Justiça em Minas Gerais. Membro da Academia Leopoldinense de Letras e Artes - ALLA.

“[...] um dos textos mais lúcidos, corajosos, criativos e, ao mesmo tempo, sérios, sobre os quais tive a possibilidade de pousar os olhos nos últimos anos. [...] propõe o emprego dos complexos mecanismos hermenêuticos da linguagem, em especial, em sua aplicação à dogmática jurídico penal, campo no qual pouquíssimos penalistas se arriscam, já que implica um desapego às fórmulas tradicionais e uma profunda imersão em temática filosófica relativamente recente.”

Paulo César Busato

Professor de Direito Penal da UFPR. Doutor em Direito Penal pela Universidad Pablo de Olavide.

“Neste novo livro, que encerra uma pesquisa de excelência e cujos resultados ora são apresentados, para além de realizar completo estudo sobre as diversas orientações da teoria do delito mais discutidas no Brasil, o autor demonstra a influência da teoria da linguagem nas categorias dogmático-analíticas do crime [...]. Não obstante a profundidade [...], o livro publicado é obra de fácil leitura, caracterizado pela simplicidade de estilo e pela clareza didática como são expostos diversos e árduos temas da teoria do delito.”

Sheila Jorge Selim de Sales

Professora de Direito Penal da UFMG. Doutora e pós-doutora pela Università degli Studi di Roma – La Sapienza.

ISBN: 978-85-8425-230-5

9 788584 252305

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BEM JURÍDICO E PERIGO ABSTRATO: UM DESENHO HERMENÊUTICO DA OFENSIVIDADE Rodrigo Iennaco Rodrigo Iennaco

Rodrigo Iennaco de Moraes

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ste livro é o resultado do diálogo entre estudos da disciplina Hermenêutica Jurídica, ministrada pela Professora Maria Helena Megale, no programa de pós-graduação em Direito da UFMG, e investigações realizadas na Georg-August-Universität Göttingen, na Alemanha. Os temas são desenvolvidos na perspectiva do projeto de pesquisa coletivo Limites ao poder punitivo no Estado Democrático de Direito, sob orientação da Professora Sheila Selim de Sales (UFMG). O autor propõe um “projeto de teoria da ofensividade”, apontando alguns caminhos para o debate sobre o assunto.

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Bem Jurídico e Perigo Abstrato: Um Desenho Hermenêutico da Ofensividade

Rodrigo Iennaco de Moraes 2ª edição – revista e ampliada

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Copyright © 2014, D’ Plácido Editora. Copyright © 2014, Rodrigo Iennaco de Moraes.

Editor Chefe

Plácido Arraes Produtor Editorial

Editora D’Plácido Av. Brasil, 1843 , Savassi Belo Horizonte – MG Tel.: 3261 2801 CEP 30140-007

Tales Leon de Marco Capa

Tales Leon de Marco (Sobre imagem de Sxc.hu) Diagramação

Bárbara Rodrigues da Silva Christiane Morais de Oliveira Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida, por quaisquer meios, sem a autorização prévia da D`Plácido Editora.

Catalogação na Publicação (CIP) Ficha catalográfica Iennaco, Rodrigo. Bem Jurídico e Perigo Abstrato: Um Desenho Hermenêutico da Ofensividade -- 2. ed. -- Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2016. Bibliografia ISBN: 978-85-8425-230-5 1. Direito 2. Hermenêutica Jurídica 3. Direito Penal I. Título II. Ofensividade III. Rodrigo Iennaco CDU343+1

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À Dhebora, do meu coração. À Sofia, amor em essência, razão da minha vida.

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Sumário

Prefácio à primeira edição.................................... 11 Apresentação da primeira edição........................... 19 Nota do autor à segunda edição............................ 21 Introdução...................................................................... 23 1. O Método nas Ciências Penais 27 1.1 Referência à realidade e às consequências: limitação jurídica ao poder punitivo como papel da dogmática no direito penal contemporâneo 27 1.2 Da redefinição (redutora) do substrato ético no direito penal 35 2. As Bases Filosóficas da Dogmática Penal 2.1 O positivismo e o sistema explicativo causal 2.2 O causalismo neokantista 2.3 A concepção marxista 2.4 A teoria finalista de base ontofenomenológica 2.5 A guinada funcionalista 2.5.1 o normativismo radical sistêmico 2.5.2 a referência político-criminal

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3. Revisitando a tradicional teoria do crime........... 63 3.1 Fases de valoração do crime.......................................65

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3.2 A ideia da exclusão das fases de valoração do crime: uma etapa discursiva da compreensão do injusto penal?...67 3.3 Atipicidade versus exclusão da tipicidade...................69 3.4 A admissibilidade de causas supralegais de exclusão como decorrência inevitável da compreensão material do injusto: um caminho a ser trilhado.............................72 4. A compreensão da tipicidadade material como principal (e inacabado) referencial hermenêutico do Direito Penal....................................................... 75 4.1 Tipo e tipicidade a partir de Beling............................76 4.2 Tipicidade no neokantismo.......................................76 4.3 Tipicidade no finalismo.............................................77 4.4 Tipicidade no pós-finalismo: perspectivas..................78 4.5 Tipicidade e injusto na contemporaneidade...............82 5. Breve nota sobre a teoria da norma penal........... 87 5.1 As normas penais incriminadoras...............................87 5.2 As normas penais não incriminadoras........................94 5.3 Revisitando as classificações......................................97 5.4. Sobre as normas permissivas...................................100 5.4.1. Das circunstâncias legais de exclusão da tipicidade...................................................................100 5.4.2. O injusto e a reprovação do injusto: perplexidades terminológicas.....................................103 5.5. Ainda sobre a “nossa” classificação..........................105 5.6 Norma penal, interpretação e linguagem.................107 6. Hermenêutica Jurídico-Penal e Concepção Significativa da Ação...........................................121 6.1 Linguagem e categorias dogmático-analíticas do crime.......................................................................121 6.1.1 Noção comunicativa..........................................124 6.1.2 Noção significativa............................................126

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7. Conceito Material de Crime e Hermenêutica dos Direitos Fundamentais ........................................129 7.1 A fluidez conceitual como “problema” intrínseco ao dogma do bem jurídico............................133 7.2 Limites materiais da tipicidade penal na perspectiva da teoria da argumentação jurídica........................................139 8. Perigo abstrato como categoria conceitual em vias de esgotamento...................................................143 9. Ação adequada à produção do perigo, ação ofensiva e desvalor do resultado...........................151 10. Do ecletismo à zetética conciliatória: há espaço para “uma teoria social” do crime?......................165 Conclusão...........................................................169 Referências......................................................... 173

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Prefácio à primeira edição

Em uma noite no começo de 1939, em um clube noturno de Nova York chamado Café Society, Billie Holiday cantou, pela primeira vez, a canção Strange Fruit. Os versos, absolutamente contundentes, eram os seguintes: “Southern trees bear a strange fruit, Blood on the leaves an blood on the root, Black body swinging in the Southern breeze, Strange fruit hanging from de poplar trees. Pastoral scene of the gallant South, The bulging eyes and the twisted mouth, Scent of magnolia sweet and fresh, An the sudden smell of burning flesh! Here is a fruit for the crows to pluck, For the rain to gather, for te wind to suck, For the sun to rot, for the tree to drop, Here is a strange and bitter crop”.1

Conforme ela mesma conta, em sua biografia, “não houve nem mesmo uma tentativa de aplauso quando eu terminei. Então, uma pessoa começou a aplaudir nervosamente e, de repente, todo mundo estava aplaudindo”. A letra foi traduzida, com licença poética por Carlos Rennó, assim: “Árvores do Sul dão uma fruta estranha; folha ou raiz em sangue se banha; corpo negro balançando lento; fruta pendendo de um galho ao vento. Cena pastoril do Sul celebrado; a boca torta e o olho inchado; cheiro e magnólia chega e passa; de repente o odor da carne em brasa. Eis uma fruta pra que o vento sugue; pra que um corvo puxe, pra que a chuva enrugue; pra que o sol resseque, pra que o chão degluta. Eis uma estranha e amarga fruta”.

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A canção, escrita por um obscuro professor judeu de Nova York, chamado Abel Meeropol, sob o pseudônimo Lewis Allan, denunciava de modo absolutamente contundente o ódio racial nos Estados Unidos, e como era urgente que aquele paradigma social de preconceito fosse, definitivamente, superado. A leitura do trabalho que ora apresento remeteu-me minha memória diretamente à história desta canção, porque ele representa, como alguns outros poucos, entre eles, o de Juarez Tavares, os primeiros aplausos a uma mudança de paradigma no cenário jurídico penal, que equivale à mudança de perfil iniciada naquele modesto clube de Nova York que conduziu a que os Estados Unidos da América lograssem ter, hoje, um presidente negro. Considero que a inovação, a criação do equivalente a Strange Fruit no âmbito penal é traduzida pelo trabalho Fundamentos del Sistema penal de Vives Antón. Este brilhante trabalho, que incorpora por primeira vez a dogmática jurídica a uma matriz essencialmente linguística promove uma verdadeira revolução na ciência jurídico-penal como nunca antes vista, criando um viés humanista de aproximação entre teoria e prática e superando os métodos anteriores simplesmente por descer do Olimpo científico, abandonando um isolamento discursivo, em favor da compreensão da praxis social. A iniciativa de Vives gerou, igualmente, no princípio, aplausos tímidos, mas crescentemente entusiasmados, gerando uma multiplicação constante de suas ideias no cenário jurídico penal. É certo que, no Brasil, o apego dos dogmáticos a paradigmas clássicos que, muitas vezes sequer alcançam os rudimentos do funcionalismo, conduz a uma postura inicial refratária ao novo, que, aliás, é bem própria do tradicionalismo do direito. Apesar disso, este livro representa a prova viva do crescimento da Filosofia da Linguagem aplicada ao Direito penal no cenário jurídico brasileiro, mais um aplauso a Strange Fruit, ao qual me somo a cada escrito novo que faço. Por isso, para mim consiste especial alegria o convite para apresentar o texto de Rodrigo Iennaco. Este trabalho representa, sem dúvidas, um dos textos mais lúcidos, corajosos, criativos e ao mesmo tempo, sérios, sobre os quais tive a possibilidade de pousar os olhos nos últimos anos. Rodrigo Iennaco se propõe a uma tarefa hercúlea, qual seja, a de efetuar uma aproximação crítica ao campo dos cri12 MIOLO_BemJuridico_2ed_190115_Christiane.indd 12

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mes de perigo abstrato, atacando o problema a partir de sua hermenêutica. Ao fazê-lo, ainda, propõe o emprego dos complexos mecanismos hermenêuticos da linguagem, em especial, em sua aplicação à dogmática jurídico penal, campo no qual pouquíssimos penalistas se arriscam, já que implica um desapego às fórmulas tradicionais e uma profunda imersão em temática filosófica relativamente recente. E assim começa a viagem crítica proposta pelo autor. Ele arranca pela escolha de um interlocutor específico, Juarez Tavares, a quem recorre seguidamente para desenhar, desde logo, os fundamentos epistemológicos sobre os quais se debruçará em seguida. Reconhece, de entrada, os postulados de Wittgenstein, no sentido de aproximação entre a linguagem científica e a linguagem natural para fins de interpretação. Este suporte, por óbvio, remete à correção dos equívocos hermenêuticos justamente através do emprego prático e cotidiano da linguagem, afinal, os sentidos são tantos quantos seus usos. Nesse sentido, o autor opta por uma determinação do material axiológico-jurídico sobre o qual se debruçará a partir da chamada determinação indireta, que implica, a partir dos postulados assumidos, a revisão dos métodos tradicionais de interpretação. A razão para tal superação é a óbvia inconsistência, bem demonstrada no texto, das bases epistêmicas das teorias do delito até o funcionalismo, as quais, corretamente, o texto insinua esgotadas. Com efeito, a capacidade de rendimento crítico para a dogmática jurídico penal só enxerga horizonte por meio do aperfeiçoamento da investigação da linguagem, uma vez que, nela se substitui o paradigma explicativo pelo paradigma compreensivo. A compreensão, neste contexto, se dá pela interação entre sujeito e objeto, ou seja, pela interdeterminação entre ambos no processo de construção do sentido. A interpretação, portanto, deixa de ser um processo de descoberta de um sentido pré-estabelecido e reducionista e, igualmente, não cai no relativismo absoluto de permitir um sentido individual vinculado somente à hermenêutica do sujeito, para produzir o resultado a partir de um processo que se desenvolve da coordenação de sentido entre norma e fato. Outra vez no caminho correto, ao ingressar nas teorias da argumentação, como fórmulas necessárias ao processo de inter13 MIOLO_BemJuridico_2ed_190115_Christiane.indd 13

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pretação, o texto opta pelas fórmulas de Habermas e Günther, ao reconhecer que “as decisões corretas não são universais, mas decisões que são tomadas em face de circunstâncias de cada caso concreto”, já que, sabidamente, a correção da decisão depende de critérios procedimentais que logrem superar a tradicional separação entre o subjetivo e o objetivo, através da linguagem que, no caso penal, é realizada pelo próprio processo. Firmadas as premissas epistemológicas do texto, o autor trata, com precisão, de delimitar o problema dos crimes de perigo abstrato, com suporte em ampla e moderna bibliografia, especialmente italiana e alemã. Este problema, como é sabido, se insere no campo do princípio de ofensividade e, como tal, convoca para a discussão a questão dos limites de intervenção penal. Neste particular, o autor busca afirmar um perfil libertário do Direito penal, tendo como ponto de referência a Constituição. Mas não em sentido positivista, meramente do texto constitucional, e sim como “abrigo dos princípios fundamentais de caráter penal, direitos de liberdade, inviolabilidades e propulsões ou programas relacionados aos objetivos da república, à luz de valores sociais”. Desta forma, convocam-se para o debate a dimensão política e as formas de manifestação do poder institucional, partindo da perspectiva dos direitos humanos. O desafio passa a ser conjugar, a efeito da hermenêutica do delitos de perigo, a perspectiva humanística revelada por nossa base de recorte de intervenção (a Constituição) e as premissas teóricas decorrentes do giro linguístico e sua influência nas ciências sociais. Neste ponto, o texto assume – com apoio na lição de Luis Greco – que é preciso abandonar a pretensão de resolução do problema dos crimes de perigo abstrato a partir de critérios específicos e universais de legitimidade. O autor propõe que devem ser desenvolvidos “critérios hermenêuticos principiológicos, que consagrem a ofensividade como fundamento reitor do Direito Penal, conferindo, em termos argumentativos, conteúdos axiológicos mais densos ao espaço valorativo que permeia as concepções de bem jurídico e perigo”. Ou seja, reconhece um papel – necessário, mas não suficiente – para a teoria do bem jurídico na tarefa de suporte da teoria da ofensividade como princípio limitativo da intervenção penal, como 14 MIOLO_BemJuridico_2ed_190115_Christiane.indd 14

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fórmula de delimitação das zonas de legitimidade da responsabilidade por resultados de perigo. Finalmente, a conexão entre o problema dos delitos de perigo e a estrutura hermenêutica proposta é encontrada pelo autor em uma espécie de desenvolvimento linguístico do conceito social de ação, reconhecendo-a como conceito pré-típico de cunho exegético que se apoia na hermenêutica da linguagem, na busca de superação de dificuldades epistemológicas e operativas derivadas de concepções normativas. Neste ponto, o autor vai muito além do que costuma explorar o cenário dogmático brasileiro, ao reconhecer a insuficiência do paradigma funcionalista para o avanço na solução do problema, situando tal insuficiência exatamente no abandono da teoria da ação como centro de discussão, e a adoção, em substituição a ela, da perspectiva da imputação. É justamente o ponto de partida exclusivamente axiológico do sistema funcionalista – seja ele de matriz sistêmica ou teleológica – que impede qualquer recorte maior da questão do resultado de perigo, já que o desvalor da ação possui um peso extremamente reduzido na composição do ilícito. Ao contrário, a recuperação da hermenêutica da ação a partir da linguagem oferece uma nova perspectiva de recorte do âmbito do injusto. Assim, o autor reconstrói a teoria social da ação visando suprir com o paradigma linguístico as lacunas epistemológicas inerentes ao modelo, cuja base é claramente axiológica. O autor aponta, ainda, com humildade científica, que o desafio a que se lança não é novo, tendo sido já um caminho antes trilhado pela doutrina portuguesa, em especial por Augusto Silva Dias. Seguindo estes passos, reconhece a necessidade de aprofundamento dos estudos linguísticos e sua repercussão no campo do injusto penal, reconhecendo, ao mesmo tempo, que o injusto é produto do sujeito situado em seu contexto histórico-social, que inclui as intercorrências do poder político-ideológico dominante. Daí que o avanço possa ser oferecido pela concepção significativa de ação, pois esta tem seu foco justamente nas interpretações que são dadas ao comportamento humano de acordo com normatização social. Portanto, o sentido da ação não deriva da intencionalidade subjetiva, mas das normas sociais segundo as quais ela pode ser reconhecida. 15 MIOLO_BemJuridico_2ed_190115_Christiane.indd 15

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Daí que, a contenção garantista que se possa construir, a partir do princípio da ofensividade, visando conter o sistema punitivo à sua visão de ultima ratio, se relaciona com as técnicas de tipificação, ou seja, com o reconhecimento do tipo a partir de um paradigma linguístico. Portanto, ainda que não haja um conceito preciso de bem jurídico, e que o seu desenvolvimento teórico possa não ser hoje suficiente para delimitar sozinho o âmbito de ofensividade que justifica a intervenção penal, é certo que seu valor não pode ser desprezado para a estruturação de um modelo crítico. Como fecho para sua interessante proposição, Rodrigo Iennaco entende que, se não é possível oferecer um critério geral e preciso de delimitação dos crimes de perigo abstrato, é perfeitamente factível apresentar uma pauta de recortes hermenêuticos que corresponda a uma delimitação garantista da matéria. Para este logro, o autor propõe que o bem jurídico serve de primeiro recorte, através do questionamento de sua função no panorama dos valores constitucionais, exigindo que se reconheça, na incriminação, a presença de um valor de importância fundamental, que seja relevante para os indivíduos ou para a coletividade e, ao mesmo tempo, uma expressão de realidade fática, ainda que não necessariamente empírica. A partir disso, e reconhecida a complexidade das demandas contemporâneas pela intervenção penal, reputa necessário atentar-se à fragmentariedade, selecionando, para a legitimação da intervenção, apenas à proibição daquelas condutas ex ante perigosas. A identificação destas, porém, somente pode se dar pela análise do comportamento humano de acordo com o seu significado situacional, que só é possível com o recurso ao paradigma linguístico. A adoção da filosofia da linguagem para o enfrentamento do tema, proposta por Rodrigo Iennaco, certamente enfrentará, como enfrentou Billie Holiday ao cantar Strange Fruit em público, muita resistência. Na época de seu lançamento, as gravadoras se recusavam a produzir um disco contendo a canção e, em alguns lugares, o simples ato de cantá-la produzia que clientes irados a atacassem até mesmo fisicamente. Ela chegou a ser convocada por investigadores federais anticomunistas. Isto é próprio da resistência ao novo, da oposição à quebra de paradigmas. 16 MIOLO_BemJuridico_2ed_190115_Christiane.indd 16

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Mas tudo isso é positivo, pois somente o confronto para com a inovação pode provar, definitivamente, a falência do modelo superado. Resta parabenizar o autor por sua produção, e o leitor por sua escolha, com o desejo de que seja este um propagador do aplauso que ora dedico a este livro. Curitiba, abril de 2014. Paulo César Busato Professor Adjunto de Direito Penal da Universidade Federal do Paraná. Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí. Doutor em Problemas Atuais do Direito Penal pela Universidad Pablo de Olavide.

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Doutorando em Direito e Justiça (Direito Penal contemporâneo) na Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG (Conceito CAPES 6). Mestre em Direito (Ciências Penais) pela UFMG, com aperfeiçoamento em dogmática penal alemã (Georg-August Universität Göttingen) e Direito Penal italiano (Università di Roma Tor Vergata) e atualização em Criminologia com ênfase em Direitos Humanos (Universidad para la Cooperacion Internacional/Costa Rica). Especialista em Inteligência de Segurança Pública (Newton Paiva). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF. Tem experiência no magistério das Ciências Penais: foi professor Substituto nas Faculdades de Direito da UFJF e da UFMG; foi professor assistente no Instituto Vianna Jr. e no Centro Universitário do Leste de Minas - UNILESTE; foi professor convidado nos programas de pós-graduação das Faculdades de Direito da UFJF e Milton Campos. Tem experiência na aplicação do Direito Penal: foi Advogado, Delegado de Polícia e Defensor Público e, atualmente, é Promotor de Justiça em Minas Gerais. Membro da Academia Leopoldinense de Letras e Artes - ALLA.

“[...] um dos textos mais lúcidos, corajosos, criativos e, ao mesmo tempo, sérios, sobre os quais tive a possibilidade de pousar os olhos nos últimos anos. [...] propõe o emprego dos complexos mecanismos hermenêuticos da linguagem, em especial, em sua aplicação à dogmática jurídico penal, campo no qual pouquíssimos penalistas se arriscam, já que implica um desapego às fórmulas tradicionais e uma profunda imersão em temática filosófica relativamente recente.”

Paulo César Busato

Professor de Direito Penal da UFPR. Doutor em Direito Penal pela Universidad Pablo de Olavide.

“Neste novo livro, que encerra uma pesquisa de excelência e cujos resultados ora são apresentados, para além de realizar completo estudo sobre as diversas orientações da teoria do delito mais discutidas no Brasil, o autor demonstra a influência da teoria da linguagem nas categorias dogmático-analíticas do crime [...]. Não obstante a profundidade [...], o livro publicado é obra de fácil leitura, caracterizado pela simplicidade de estilo e pela clareza didática como são expostos diversos e árduos temas da teoria do delito.”

Sheila Jorge Selim de Sales

Professora de Direito Penal da UFMG. Doutora e pós-doutora pela Università degli Studi di Roma – La Sapienza.

ISBN: 978-85-8425-230-5

9 788584 252305

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BEM JURÍDICO E PERIGO ABSTRATO: UM DESENHO HERMENÊUTICO DA OFENSIVIDADE Rodrigo Iennaco Rodrigo Iennaco

Rodrigo Iennaco de Moraes

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ste livro é o resultado do diálogo entre estudos da disciplina Hermenêutica Jurídica, ministrada pela Professora Maria Helena Megale, no programa de pós-graduação em Direito da UFMG, e investigações realizadas na Georg-August-Universität Göttingen, na Alemanha. Os temas são desenvolvidos na perspectiva do projeto de pesquisa coletivo Limites ao poder punitivo no Estado Democrático de Direito, sob orientação da Professora Sheila Selim de Sales (UFMG). O autor propõe um “projeto de teoria da ofensividade”, apontando alguns caminhos para o debate sobre o assunto.

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