Compliance e omissão imprópria

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JANAINA CONCEIÇÃO PASCHOAL

ILANA MARTINS LUZ

HELENA REGINA LOBO DA COSTA

ISBN 978-85-8425-815-4

editora

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ILANA MARTINS LUZ

Doutora em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (2017), Mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia (2012);Especialista em Direito Penal Econômico pela Universidade Castilla-La Mancha (2013); Especialista em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) em parceria com o Instituto de Direito Penal Econômico e Europeu (IDPEE) (2010); Graduada em Direito Pela Universidade Federal da Bahia (2009). Professora dos cursos de graduação e pós-graduação em Direito Penal da Universidade Salvador (UNIFACS). Advogada Criminalista.

“Não pretendo furtar ao leitor o prazer de descobrir, por meio da leitura direta do texto de Ilana, os caminhos trilhados ao longo da estrutura acima descrita e suas conclusões, mas posso dizer que se trata de uma obra destinada tanto a quem busca uma perspectiva prática do tema, quanto a quem prefere o exame do compliance com rigor teórico. Unindo os dois aspectos, o trabalho certamente aporta importantes avanços no exame do tema no Brasil.”

COMPLIANCE & OMISSÃO IMPRÓPRIA

“É verdade que ser gestor do setor de compliance de uma empresa não deve ensejar responsabilização automática (ou objetiva). Neste ponto, Ilana e eu concordamos.(...) Com ou sem compliance, o importante é que os sujeitos que atuam na Justiça Criminal, nos mais diversos papeis, estejam atentos para os limites da responsabilidade de cada qual. Por óbvio, a omissão há de ser responsabilizada em situações excepcionais. A regra há de ser punir o mal feito. No entanto, como dito, aquele que elegeu participar omitindo-se deve também ser chamado à responsabilidade, desde que se evidencie que tinha domínio sobre o fato e que escolheu comodamente nada fazer a respeito”

ILANA MARTINS LUZ

CO M P L I ANCE& OMISSÃO

IMPRÓ PRIA

Este trabalho versa sobre o novo modelo de Direito Penal Econômico, focado em uma perspectiva preventiva, voltada à mitigação dos riscos de ocorrência de crimes no exercício da atividade empresarial, em obediência à autorregulação regulada pelo Estado. As previsões legais de autorregulação regulada referidas à organização empresarial receberam o nome de Programas de Compliance. Este novo modelo, embora tenha objetivos marcadamente preventivos, traz repercussões importantes no âmbito repressivo do Direito Penal Econômico. Nesta linha, insere-se o problema aqui proposto, que busca investigar as consequências que o descumprimento das previsões de autorregulação regulada pode gerar para a responsabilidade penal por omissão dos sujeitos da pessoa jurídica com poder de gestão sobre a sociedade.

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Editora D’Plácido Av. Brasil, 1843, Savassi Belo Horizonte – MG Tel.: 31 3261 2801 CEP 30140-007

Copyright © 2018, D'Plácido Editora. Copyright © 2018, Ilana Martins Luz. Editor Chefe

Plácido Arraes Produtor Editorial

W W W. E D I TO R A D P L A C I D O. C O M . B R

Tales Leon de Marco Capa, projeto gráfico

Letícia Robini de Souza

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida, por quaisquer meios, sem a autorização prévia do Grupo D’Plácido.

Diagramação

Christiane Morais de Oliveira

Catalogação na Publicação (CIP) Ficha catalográfica LUZ, Ilana Martins. Compliance e omissão imprópria -- Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2018. Bibliografia. ISBN: 978-85-8425-815-4 1. Direito. 2. Direito Penal. I. Título. II. Autor CDU343 CDD341.5

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NOTA PRÉVIA E AGRADECIMENTOS

O texto que apresento à comunidade acadêmica é fruto da minha tese de Doutorado, defendida no ano de 2017 na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, sob a orientação da dileta Professora Janaína Paschoal, que, para a minha sorte, aceitou e cumpriu, com maestria, a tarefa de me orientar efetivamente e, para deleite dos leitores, honrou-me com o prefácio desta obra. Este trabalho é produto das minhas modestas reflexões sobre os deveres de compliance e a responsabilidade penal por omissão, iniciadas no ano de 2013, quando me aventurei a estudar Direito Penal Econômico fora do Brasil, na Universidad Castilla-La Mancha, em Toledo, Espanha. A versão atual, ora publicada, tem substanciais modificações em relação ao texto original defendido na banca de doutoramento, pois inclui as reflexões realizadas após as considerações dos examinadores, notadamente, com as contribuições memoráveis dos Professores Helena Lobo, que me agraciou com a apresentação deste livro, e Gustavo Badaró, aos quais sou imensamente grata. Imperioso advertir, no entanto, que o texto traz mais dúvidas do que certezas e, seguindo a lógica bem exposta por Karl Popper, representa a primeira oportunidade de diálogo com a comunidade científica sobre esta temática tão nova e, ao mesmo tempo, tão impactante. O percurso percorrido desde a seleção do Doutorado, a frequência às matérias em outro estado, a defesa na banca e posteriores reflexões sobre o trabalho foi longo e, em muitos momentos, difícil, como qualquer projeto desta magnitude. Por força disto, chegado este momento, não posso deixar de agradecer àqueles que permitiram que eu trilhasse este caminho.

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Agradeço, em primeiro lugar, a Deus, por cuidar, no plano intangível, dos meus sonhos e planos. À toda a minha família e, em especial, aos meus pais, Iara e Everaldo, pelo amor sem medidas e por não medirem esforços por mim. À editora D`Plácido, pelo apoio na publicação desta obra. Ao meu sócio, Brenno Cavalcanti, minha gratidão desmedida não só pela amizade que temos, mas, também, pelo reflexo desta no entendimento e suporte pelas minhas frequentes ausências ao longo do doutorado. Aos professores Selma Santana, Fernando Santana, Gamil Föppel e Sebástian Mello, responsáveis pela minha formação e paixão pelo Direito Penal. Aos amigos João Glicério de Oliveira e Joyce Filho, pelo auxílio, moral e material, na tese. À Universidade Salvador, a todos os meus colegas docentes e, em especial, aos meus alunos de ontem e de hoje pela oportunidade de exercer a docência em toda a sua plenitude, envolvendo a sala de aula e os projetos de pesquisa e extensão que tanto contribuem para o desenvolvimento pessoal e profissional. E, por fim, mas jamais menos, ao meu companheiro de vida, Victor Falcão, pelo apoio de todas as horas, decorrente do nosso amor leve e tranquilo. Te amo!

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SUMÁRIO

PREFÁCIO

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APRESENTAÇÃO

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1. INTRODUÇÃO

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2. CRIMINAL COMPLIANCE: A FACE PREVENTIVA DO DIREITO PENAL ECONÔMICO

23

2.1. “Ser” compliance: aproximação ao conceito

23

2.2. Governança corporativa, criminal compliance e direito penal econômico

30

2.2.1. Governança corporativa e compliance

30

2.2.2. A governança corporativa, o compliance e o direito penal econômico

39

2.2.2.1. Do “Velho” ao “novo” Direito Penal Econômico: breves considerações sobre as políticas de heterorregulação e autorregulação na economia e suas respectivas influências no Direito Penal 40 3. CRIMINAL COMPLIANCE NO DIREITO BRASILEIRO

55

3.1. Breves considerações

55

3.2. Compliance e prevenção à lavagem de capitais

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3.2.1. O crime de Lavagem de Capitais: breves notas sobre as 57 tipologias do delito e o bem jurídico resguardado 3.2.2. Marco legal internacional da prevenção à Lavagem de Capitais

66

3.2.3. Marco legal brasileiro

68

3.2.3.1. Considerações dogmáticas sobre o crime de Lavagem de Capitais na lei brasileira 3.3. Prevenção à corrupção

74 87

3.3.1. Breves notas sobre a corrupção

87

3.3.2. A prevenção à corrupção na legislação dos Estados Unidos: Foreign Corrupt Practices Act (FCPA)

94

3.3.3. U.K. Bribery Act

101

3.3.4. O sistema brasileiro anticorrupção

102

3.3.4.1. Comentários críticos sobre a Lei n. 12.846/2013

103

4. REQUISITOS BÁSICOS DE UM PROGRAMA DE COMPLIANCE EFICAZ

115

4.1. Análise do ambiente interno

117

4.2. Mapeamento de riscos

122

4.3. Comprometimento da alta cúpula

127

4.4. Elaboração de documentos escritos

129

4.5. Realização de treinamentos

131

4.6. Nomeação de um responsável pelo compliance

132

4.7. Canais de denúncia internos e externos

134

4.8. Procedimentos sancionatórios

135

4.9. Monitoramento, análise e revisão do programa

136

4.10. A análise da eficácia nos casos concretos

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4.11. A estruturação do programa de compliance específico para a prevenção à lavagem de capitais

143

4.11.1. Mapeamento de riscos

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4.11.2. Elaboração de documentos escritos

148

4.11.2.1. Dever de identificação

149

4.11.2.2. Dever de diligência

150

4.11.2.3. Dever de registro

153

4.11.2.4. Dever de exame

154

4.11.2.5. Dever de comunicação

155

4.11.2.6. Dever de conservação

156

4.11.2.7. Dever de sigilo

156

4.11.2.8. Dever de colaboração

156

4.11.2.9. Dever de recusa

157

4.11.2.10. Dever de abstenção

161

4.11.3. Formação e treinamento de funcionários (dever de formação)

164

4.11.4. Designação de um compliance officer

164

4.11.5. Outros requisitos

164

4.12. A estruturação do programa de compliance anticorrupção

165

4.12.1. Mapeamento de riscos

166

4.12.2. Políticas e procedimentos escritos

169

5. AS REPERCUSSÕES DOS PROGRAMAS DE COMPLIANCE NO DIREITO PENAL REPRESSIVO

173

5.1. Os pressupostos da responsabilidade penal por omissão 180 5.1.1. A polêmica sobre a natureza e o conceito da omissão

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5.1.2. Omissão versus ação: critérios distintivos

192

5.1.3. Espécies de crimes omissivos

200

5.1.4. Breves notas sobre estrutura típica dos crimes omissivos impróprios

202

5.1.4.1. O dever de garante e o seu fundamento

203

5.1.4.2. A capacidade de ação do omitente

219

5.1.4.3. A análise do nexo causal nos crimes omissivos 221 5.1.4.4. O tipo subjetivo

232

5.1.4.5. Responsabilidade por omissão imprópria e crimes executados por outrem 236 6. INOBSERVÂNCIA DOS DEVERES DE COMPLIANCE E A RESPONSABILIDADE PENAL POR OMISSÃO: (IM) 239 POSSIBILIDADES, LIMITES E DESAFIOS 6.1. A importância do compliance na análise dos pressupostos 239 da responsabilidade por omissão 6.2. Existe dever de garante dos sujeitos relacionados aos deveres de compliance na sociedade empresária?

241

6.2.1. Definição e recorte dos sujeitos da sociedade empresária relacionados ao programa de compliance 241 6.2.1.1. Gestores de pessoas jurídicas

243

6.2.1.1.1. Sociedades limitadas

244

6.2.1.1.2. Sociedade anônima

250

6.2.1.2. Responsável pelo Setor de Compliance 6.2.2. Há dever de garante em relação ao crime de Lavagem?

256 257

6.2.2.1. Dever de garante em decorrência da lei

258

6.2.2.2. Dever de garante em decorrência da assunção de responsabilidade

269

6.2.2.3. Dever de garante pela posição de ingerência

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6.2.3. Há dever de garante em relação ao crime de Corrupção?

276

6.2.3.1. Dever de garante em decorrência da lei

277

6.2.3.2. Dever de garante em decorrência da assunção de responsabilidade

278

6.2.3.3. Dever de garante pela posição de ingerência

279

6.3. A omissão dos sujeitos relacionados aos deveres de compliance: necessidade de delimitação do comportamento 279 ativo e omissivo 6.4. A relação da estruturação adequada dos programas de compliance com os requisitos dos crimes omissivos

282

7. CONCLUSÃO

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REFERÊNCIAS

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PREFÁCIO

Ilana foi minha orientanda em sede de doutoramento e, até hoje, não sei bem por qual razão me escolheu como sua orientadora. Lembro-me de ela ter mencionado um livro sobre Direito Penal e Mulher, que ajudei a organizar e também de ter dito que o tema que pretendia desenvolver guardava relação com a omissão imprópria, que estudei em tese de Livre Docência, denominada Ingerência Indevida. O processo seletivo na USP funciona de um jeito interessante, primeiro, o candidato escolhe o orientador; depois, o orientador, avaliando todos aqueles candidatos que o indicaram, escolhe o candidato. Desse modo, Ilana me escolheu e eu escolhi Ilana! À época, eu não sabia se daria certo. Ela não havia sido minha aluna, eu não tinha nenhuma referência. Alguns fatores pesaram favoravelmente, ela fez um bom mestrado, fala bem, é mulher e é do Nordeste. Recebemos muitos candidatos do Sul e do Sudeste, do Nordeste, nem tantos. Entendo que a Faculdade de Direito da USP deve ser um centro de discussão com impacto no Brasil. Muitas mulheres finalizam o mestrado, mas poucas decidem seguir com o doutoramento. Entendo ser importante incentivar mais mulheres a ingressar e subir aos maiores postos da carreira acadêmica. Quando aprova um candidato, o orientador sempre corre riscos. O risco de o sujeito não aguentar as picuinhas universitárias; de não gostar de estudar; de ter muita dificuldade para escrever e mesmo o risco de as duas partes não conseguirem dialogar. Por muitas razões, Ilana foi um acerto. Na linha do Quem Ama Educa, de Içami Tiba, eu não costumo ficar amiga dos meus orientandos, mesmo quando eles são mais velhos 13

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(não é o caso); faço questão de manter uma relação de aluno (a)/ professora a fim de resguardar a firmeza na orientação. Nem sempre Ilana e eu concordamos. Em vários momentos, questionei suas convicções até o limite. Ela ouvia, argumentava, às vezes, atropelava minha fala. Ao final, sempre vinha um “Beijo Pró”! Quando escrevi Ingerência Indevida, chamando atenção para o alargamento da responsabilização penal, por meio da punição do não fazer, considerei que minha tese era bastante garantista. Ninguém falava no tema, à época. Com Ingerência Indevida, procurei destacar o perigo de transferir a responsabilidade de quem faz o mal para quem, por incompetência ou desídia, deixa de evitar o mal. Para tanto, procurei delinear uma série de critérios para que a responsabilidade por omissão se justificasse. Lembro-me da indignação que me causou a responsabilização penal de um gerente de banco, pela lavagem de dinheiro perpetrada por outrem, utilizando a agência bancária por ele administrada. O gerente não fora punido por ter participado da lavagem ou lucrado com ela, mas apenas por não ter evitado. Muito embora tenha sustentado a redução das possibilidades de punição da omissão ao mínimo do mínimo, reconheci (já na tese), que a omissão pode ser deliberadamente eleita como meio de possibilitar a concretização de um crime. Nesse sentido, admiti e admito, que, em situações limite, a não observância das regras de compliance podem sim gerar responsabilidade penal. O trabalho de Ilana se revela ainda mais minimalista que o meu. Isso porque, diferentemente dessa responsabilidade penal reduzida ao mínimo necessário, Ilana praticamente não vislumbra espaço para o Direito Penal no âmbito do compliance. Durante a orientação, foram muitos os nossos diálogos; lembro-me de ter indagado qual seria a potencial responsabilidade penal, por exemplo, do advogado chefe do Departamento Jurídico de uma empresa e do Diretor do setor de compliance. Ilana fez cara de espanto diante da pergunta que, à luz de sua tese, não se justificava. Ao lado da maior parte dos estudiosos do tema no Brasil, a autora da obra que o leitor encontrará aborda o compliance precipuamente como meio de prevenção à prática de delitos, sem claras consequências penais explícitas. Desse modo, o “ser compliance” seria uma forma de evitar a prática de crimes no âmbito e por meio da empresa e, haja vista a legisla14

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ção mais moderna, também um modo de obter alívio em punições aplicáveis no bojo do chamado Direito Administrativo Sancionador. Escrevo, nesta oportunidade, o que disse à autora, durante a orientação e também ao presidir a banca pela qual fora merecidamente aprovada. Atualmente, o compliance foi transformado em produto. Muitos são os profissionais que se especializaram na oferta desse produto. O problema é que os fatos que vêm sendo descortinados mostram que as empresas detentoras dos melhores setores de compliance são também as possuidoras dos maiores setores de propina. Não raras vezes, esses dois departamentos estão localizados lado a lado. Também já não é desconhecido o fato de multinacionais trabalharem por meio de empresas brasileiras, não porque não tenham condições de atuar diretamente; mas por não pretenderem enfrentar o chamado “custo Brasil”, que nada mais é que a corrupção sistêmica e institucionalizada. Essas empresas costumam estabelecer regras de compliance ainda mais rígidas do que a própria legislação, apenas para o fim de se eximirem, quando algum delito for constatado. É verdade que ser gestor do setor de compliance de uma empresa não deve ensejar responsabilização automática (ou objetiva). Neste ponto, Ilana e eu concordamos. Porém, deve-se tomar cuidado para que a presença de um compliance estruturado não enseje meio de garantir a impunidade. Por outro lado, penso ser importante alertar os profissionais responsáveis por referido setor acerca dos riscos reais que correm ao assumir tamanha responsabilidade, apenas formalmente. Com ou sem compliance, o importante é que os sujeitos que atuam na Justiça Criminal, nos mais diversos papeis, estejam atentos para os limites da responsabilidade de cada qual. Por óbvio, a omissão há de ser responsabilizada em situações excepcionais. A regra há de ser punir o mal feito. No entanto, como dito, aquele que elegeu participar omitindo-se deve também ser chamado à responsabilidade, desde que se evidencie que tinha domínio sobre o fato e que escolheu comodamente nada fazer a respeito. Haja vista o grau a que, infelizmente, chegou a criminalidade no Brasil, o desafio do penalista é não permitir que esses novos instrumentos sirvam às perseguições e, a um só tempo, não trabalhar para que sirvam à impunidade. Empresas que conseguem existir e operar licitamente contribuem para que o país funcione. 15

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Quando os pequenos e médios empresários perceberem que são eles que bancam e sustentam este país pararão de integrar e aceitar conluios com agentes corruptos, nos vários Poderes. Convergindo, ou divergindo, a autora e eu queremos a mesma coisa: um país em que os vários agentes do mercado possam competir de forma justa, com regras claras, observadas por todos, sem favorecimentos. É quase um sonho, mas toda revolução começa assim. Boa leitura! São Paulo, 20 de setembro de 2017 Janaina Conceição Paschoal Advogada e Professora Livre Docente de Direito Penal na USP

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APRESENTAÇÃO

Um dos temas que maior espaço ganhou no universo de preocupação dos penalistas, nos últimos anos, é o compliance. E o interessante é que esse assunto adentrou o direito penal brasileiro não tanto pela via da teoria, mas, muito mais, em virtude de uma necessidade prática que, em razão das grandes investigações sobre corrupção ocorridas no período, tornou-se premente. Diante deste quadro, passaram os estudiosos a buscar compreender o fenômeno, analisá-lo e examinar suas possibilidades de aplicação no âmbito da moldura jurídica brasileira. E, em tal contexto, o trabalho de Ilana Martins Luz merece destaque. Produto de sua tese de doutoramento, defendida na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, o texto de Ilana consegue aliar à robustez teórica um olhar prático que permeia toda a sua linha de pensamento. Assim, longe de discutir apenas conceitos e institutos, o livro volta-se a solucionar diversas questões concretas de forma muito consistente e coerente, graças exatamente à sua base teórica. Neste sentido, o trabalho inicia-se com uma introdução ao tema e à estrutura do trabalho, seguida de capítulo no qual busca delimitar o que é compliance, inserindo-o no âmbito das discussões sobre governança corporativa e na grande seara do denominado direito penal econômico. A seguir, o livro dedica-se a examinar os marcos legais brasileiros, com destaque para a Lei de Lavagem de Capitais. Ilana passa, então, a abordar importantes aspectos das duas principais legislações estrangeiras sobre esta matéria: o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) estadunidense e o U.K. Bribery Act, do Reino Unido. Tais diplomas apresentam relevantes aspectos de aplicação extraterritorial, podendo, portanto, ser aplicados a empresas e pessoas físicas brasileiras, desde que suas condutas guardem alguma relação com 17

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as citadas jurisdições. Contudo, mais relevante do que a possibilidade de tal aplicação é o fato de que tais legislações têm influenciado o direito brasileiro (assim como muitos outros) de forma marcante. A principal concretização, em termos legislativos, de tal influência em nosso direito consiste na Lei n. 12.846/2013, que também é examinada pelo trabalho de forma minuciosa. Na sequência, o quarto capítulo, dedicado aos requisitos básicos de um programa de compliance eficaz, consiste em verdadeiro manual sobre quais são os passos para o desenvolvimento de um programa de compliance adequado e efetivo à atividade de cada empresa, com detalhamento de aspectos referentes à prevenção específica da lavagem de dinheiro e da corrupção. A partir daí, o livro adentra mais diretamente às matérias jurídico-penais: no capítulo 5 são abordadas as repercussões dos programas de compliance no direito penal e, por sua vez, a inobservância do compliance é objeto do capítulo seguinte, que se volta ao exame da responsabilidade penal por omissão. O exame de uma bibliografia extensa e de qualidade permitiu à Ilana alcançar grande profundidade no exame dos temas. Importante acrescentar que a forma de escrever da autora, com linguagem clara - sem emprego de hermetismos que tantas vezes tornam os textos jurídicos enfadonhos e difíceis de compreender - torna o exame do tema extremamente agradável. Não pretendo furtar ao leitor o prazer de descobrir, por meio da leitura direta do texto de Ilana, os caminhos trilhados ao longo da estrutura acima descrita e suas conclusões, mas posso dizer que se trata de uma obra destinada tanto a quem busca uma perspectiva prática do tema, quanto a quem prefere o exame do compliance com rigor teórico. Unindo os dois aspectos, o trabalho certamente aporta importantes avanços no exame do tema no Brasil. Helena Regina Lobo da Costa

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INTRODUÇÃO

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Este trabalho versa sobre o novo modelo de Direito Penal Econômico, focado em uma perspectiva preventiva, voltada à mitigação dos riscos de ocorrência de crimes no exercício da atividade empresarial. Este novo modelo de Direito Penal Econômico é caracterizado pela autorregulação regulada da economia pelo Estado, por meio da qual, a partir de previsões legais, fomenta ou impõe aos particulares um determinado modelo de organização, fiscalização e regulamentação dentro da pessoa jurídica capaz de prevenir crimes e, assim, diminuir os riscos relacionados à atividade econômica empresarial. Estas previsões legais de autorregulação regulada referidas à organização empresarial receberam o nome de Deveres de Compliance. A autorregulação regulada na atividade econômica, embora não seja novidade nos estudos de gestão de pessoas jurídicas e, até mesmo, em outros ramos do ordenamento, passou a se desenvolver em relação às questões de Direito Penal Econômico em tempos mais recentes. É de se destacar que as implicações da autorregulação regulada em matéria de infrações econômicas deram-se, com mais vigor, a partir da promulgação de importantes dispositivos Legais nos Estados Unidos, a exemplo do Foreign Corrupt Practices Act, Lei Sarbanes-Oxley e Lei Dodd-Frank. No Brasil, observa-se que a positivação da autorregulação regulada ganhou notoriedade após a reforma da Lei de Lavagem de Capitais em 2012, bem como com a promulgação da Lei da Empresa Limpa, que pune pessoas jurídicas em casos de corrupção e outros atos lesivos à administração pública. Por força disto, tais diplomas legais foram escolhidos para a análise neste trabalho. O novo modelo de Direito Penal Econômico, ora descrito, nasce com objetivos marcadamente preventivos, com o fim de oferecer res19

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postas às crises econômicas que não foram satisfatoriamente resolvidas com a versão tradicional repressiva. Nada obstante, é possível observar que, muito embora este novo modelo tenha finalidade, aprioristicamente, preventiva, as previsões estatais relativas aos programas de compliance e à autorregulação regulada trouxeram discussões dogmáticas em matéria de Direito Penal Repressivo. Na revisão bibliográfica de obras que cuidam desta temática, expostas ao longo desta tese, foi possível verificar análises jurídicas relacionadas a dois grupos de problemas: a responsabilidade penal da pessoa jurídica e a responsabilidade penal de pessoas físicas relacionadas à sociedade empresária. Para os limites desta tese, o recorte temático escolhido foi a responsabilidade penal por omissão das pessoas físicas relacionada aos programas de compliance. O problema aqui proposto, portanto, refere-se às consequências que o descumprimento das previsões de autorregulação regulada e da implementação adequada de programas de compliance pode gerar para a responsabilidade penal por omissão dos sujeitos da pessoa jurídica com poder de gestão sobre a sociedade ou sobre o programa de compliance. Foge ao limite temático deste trabalho a análise da responsabilidade penal da pessoa jurídica. A escolha deste recorte temático para a realização de tese de doutoramento em Direito Penal na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo surgiu durante o curso de pós-graduação em Direito Penal Econômico, na Universidad Castilla-La Mancha na cidade de Toledo, Espanha, em janeiro de 2013. Nesta oportunidade, em uma das aulas, ministrada pelo Professor Eduardo Demétrio Crespo, foi aventada a hipótese de responsabilização criminal dos gestores de entes coletivos pela simples inobservância das regras relacionadas à estruturação adequada do programa de compliance. Após a finalização do curso, já com as pesquisas iniciadas em relação a este problema de estudo, foi possível observar, no Brasil, julgados importantes nos quais se utilizou, como justificativa para subsidiar a condenação de réus, a inobservância das regras de compliance, a exemplo do que ocorrera na Ação Penal 470 (famoso caso Mensalão) e no caso da Lavagem de Capitais de recursos criminosos obtidos com o assalto ao Banco Central ocorrido na cidade de Fortaleza, Ceará. Tais foram as razões para o surgimento e desenvolvimento da curiosidade acadêmica que redundou na presente escolha, com o objetivo geral de investigar se o descumprimento das regras de autorregulação regulada e da implementação adequada de um programa de compliance enseja a responsabilidade penal a título de omissão. 20

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O objetivo geral exposto acima somente pôde ser alcançado após o desenvolvimento de alguns objetivos específicos, pressupostos para a resolução do problema posto. São objetivos específicos a análise sobre o conceito, surgimento e evolução da autorregulação regulada e dos programas de compliance, o estudo do modelo preventivo no ordenamento jurídico pátrio e o estabelecimento das premissas sobre a omissão e os elementos da estrutura típica. Somente após fincadas estas premissas, será possível investigar se a inobservância das regras, por si só, enseja responsabilidade penal por omissão. No que tange à metodologia de trabalho, o estudo assumirá contornos mistos, podendo ser caracterizada, em parte, como um trabalho de compilação e, em outra parte, como trabalho de investigação. Primeiramente, o trabalho será de compilação porque será a reunião e análise crítica de posicionamentos científicos anteriormente expostos sobre o Direito Penal Econômico, sistema preventivo de compliance, efeitos econômicos das condutas de Lavagem e de Corrupção e responsabilidade penal por omissão. Neste campo, o trabalho não objetiva ser original, mas, somente, compilar os posicionamentos da doutrina pátria e estrangeira. Essa compilação prévia se mostra essencial, ainda que em um trabalho original como uma tese de doutorado, para assentar as bases e premissas para a hipótese original que será construída na segunda parte. Em um segundo momento, após o estudo de compilação, será realizado um trabalho de investigação, com vistas a traçar a viabilidade e os limites que devem ser impostos em matéria de responsabilização penal por omissão nas hipóteses de inobservância ou descumprimento das previsões de autorregulação regulada e dos programas de compliance. A contribuição original à ciência jurídica brasileira pode ser vista a partir da abordagem realizada, que visa a individualizar, de forma inédita, a responsabilidade penal a título de omissão imprópria, conjugando-se os elementos da estruturação adequada do programa de compliance com os requisitos do tipo omissivo impróprio. Ainda no que concerne à metodologia do trabalho, é de se pontuar que, quanto ao procedimento técnico utilizado, adotar-se-á a pesquisa bibliográfica – com a revisão de livros e publicações periódicas científicas relacionadas aos objetivos gerais e específicos propostos – bem como a pesquisa do tipo documental, com o levantamento de Leis, Projetos de Leis, Regulamentações internacionais e Códigos de Conduta de Sociedades empresárias. 21

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O primeiro capítulo é reservado ao tratamento da faceta preventiva do Direito Penal Econômico, consubstanciada na previsão dos deveres de compliance. Neste capítulo, apresentar-se-á, em primeiro lugar, o conceito de compliance, para, em seguida, cuidar do desenvolvimento deste enquanto um dos pilares da Boa Governança das organizações. Após fincadas estas premissas, tratar-se-á das interfaces entre o compliance e a Boa Governança das organizações com o Direito Penal Econômico, no sentido de demonstrar como e porque este incorporou a autorregulação regulada e os deveres de compliance como um novo mecanismo, de viés preventivo. Este capítulo inicial tem a função primordial de introduzir conceitos úteis e situar o leitor na temática do novo Direito Penal Econômico, que se desenvolveu com o objetivo de conferir uma esperança à atuação penal na regulação da economia, com o fim de prevenir crises econômicas que não foram afastadas ou minoradas com a formulação tradicional deste subrramo. No segundo capítulo, tratar-se-á das previsões de compliance e da autorregulação regulada no Ordenamento Jurídico Brasileiro, recortando-se a análise à Lei de Lavagem de Capitais e à Lei anticorrupção, por serem os diplomas mais relevantes em território pátrio sobre a questão, que ensejam as maiores discussões em matéria de responsabilidade penal omissiva. Para que seja possível tratar dos deveres de compliance positivados no território pátrio, é essencial a apresentação das Legislações Antilavagem de Capitais e Anticorrupção, bem como de uma análise dogmática das referidas figuras criminosas. No terceiro capítulo, serão estabelecidas as premissas para a adequada implementação de um programa de compliance com base em requisitos extraídos de regulamentações nacionais e internacionais. Neste mesmo capítulo, haverá o estudo dos requisitos específicos para os programas de compliance anticorrupção e antilavagem de capitais. No quarto capítulo, tratar-se-á dos pressupostos que devem ser observados para a responsabilidade penal a título de omissão, com a realização da revisão bibliográfica sobre a natureza e o conceito de omissão, bem como dos requisitos dogmáticos para a verificação da tipicidade nos crimes omissivos. Por fim, no quinto e último capítulo, após fincados todos os pressupostos necessários, discorrer-se-á sobre o problema posto, no sentido de investigar se a inobservância dos deveres de compliance conduz, ou não, à responsabilização penal a título de omissão em relação aos sujeitos responsáveis pela sociedade empresária ou pelo Programa de Compliance. 22

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CRIMINAL COMPLIANCE:

A FACE PREVENTIVA DO DIREITO PENAL ECONÔMICO

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Este trabalho tem o objetivo de tratar sobre a existência, ou não, de responsabilidade penal por omissão em casos de inobservância de deveres de autorregulação regulada para a implementação de um adequado Programa de Compliance no âmbito da sociedade empresária. Para o desenvolvimento desta temática, faz-se necessário, em princípio, discorrer sobre os programas de compliance e a autorregulação regulada, bem como sobre as interfaces deste com a reformulação do Direito Penal Econômico.

2.1. “SER” COMPLIANCE: APROXIMAÇÃO AO CONCEITO A palavra compliance tem ganho notoriedade entre os juristas no Brasil e nos países em geral, sendo objeto de muitos estudos dogmáticos e criminológicos, alguns deles citados ao longo desta tese. Numa primeira apreciação, é importante perquirir o seu significado, para que, em seguida, sejam feitas as considerações devidas. Neste sentido, compliance é uma palavra da língua inglesa, advinda do verbo to comply que significa cumprir, estar de acordo, em conformidade com algo1. Como um conceito relacional, compliance representa o cumprimento de regras, que podem ser jurídicas, morais ou técnicas em sentido amplo2.Trazida para o ambiente jurídico, especialmente o Direito Penal Econômico, a palavra expressa a conformidade com o Tradução livre da autora. ROTSCH, Thomas. Sobre las preguntas científicas y prácticas del criminal compliance. Derecho penal contemporáneo: revista internacional, Bogotá, n. 50, p. 79-108, jan./mar. 2015, p. 81.

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Ordenamento Jurídico, o cumprimento das normas a que a sociedade empresária, seus diretores e funcionários estão sujeitos. A aproximação ao conceito em estudo deixa claro que, quando se trata de compliance, não é possível limitar o fenômeno ao Direito Penal, mas ao cumprimento de regras em sentido amplo, que podem ser morais, técnicas ou jurídicas, e, dentre estas jurídicas, podem ser de cunho criminal. É de se asseverar, inclusive, que, nos outros ramos do ordenamento, a discussão sobre compliance não é nova3. O Direito Penal ocupou-se desta questão de forma tardia, porém as implicações são tão profundas e pertinentes que o tema tem recebido considerável atenção, como já se afirmou. E, tendo em vista o impacto que o tema possui na Teoria do Delito, optar-se-á por referi-lo, nesta tese, apenas em relação ao aspecto criminal, ou seja, concernente ao cumprimento de regras jurídicas de natureza criminal, embora seja possível ter em mente que compliance refere-se ao Ordenamento, e que não há como cumprir as normas penais sem a obediência às demais normas constantes no Direito. Assim, preliminarmente, criminal compliance relaciona-se ao cumprimento das normas jurídico-penais no seio da sociedade empresária, referindo-se à evitação de crimes relacionados com determinada atividade empresarial. Este significado básico, no entanto, não resume o fenômeno que ora se estuda. De fato, se compliance significasse, somente, o cumprimento das normas, não haveria qualquer novidade que justificasse o frisson em relação ao tema, uma vez que, no Estado de Direto, pessoas físicas e jurídicas sempre estiveram obrigadas ao cumprimento das normas jurídicas. Neste sentido, é importante assinalar que, quando se refere ao criminal compliance, a carga de significado que se extrai não se resume ao mero e simples cumprimento das normas que conglobam o Ordenamento Jurídico e sim na autorregulação da sociedade empresária com repercussões no Direito Penal Repressivo, ou seja, na criação de um mecanismo estruturado e ordenado na e pela sociedade empresária para propiciar que esta, seus funcionários e diretores cumpram adequadamente o que determinam as leis, minorando os riscos criminais e as responsabilidades referentes ao exercício daquela atividade. O tema possui de novo, portanto, não o cumprimento puro e simples das normas, mas os mecanismos internos que serão aplicados com o objetivo de organizar a atividade ROTSCH, 2015, p. 80.

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empresarial e os presentantes da sociedade empresária, evitando ou minorando a prática de crimes. Segundo Ivó Coca, a palavra compliance representa “um conjunto de medidas tendente a garantir que todos e cada um dos membros de uma empresa, desde o presidente do conselho de administração até o ultimo empregado, cumpram com os mandatos e as proibições jurídico-penais”4. Ulrich Sieber assevera que os programas de compliance são medidas de cunho preventivo estabelecidas pela direção empresarial, que orientam condutas pautadas em valores éticos, com o fito de impedir a criminalidade empresarial5. Jesús-María Silva Sánchez complementa, assinalando que, nos programas de compliance, observa-se a vigilância empresarial em relação aos ilícitos, por meio da adoção de mecanismos de autorregulação que tratam de “neutralizar fatores culturais ou dinâmicas de grupo favorecedoras de ilícitos” e de “incentivar culturas de grupo de fidelidade ao direito”6, implantados por decisão das pessoas físicas que administram e controlam a sociedade empresária. No Brasil, Bruno Maeda assinala que se entende por programas de compliance os “esforços adotados pela iniciativa privada para garantir o cumprimento de exigências legais e regulamentares relacionadas às suas atividades e observar princípios de ética e integridade corporativa”7. COCA VILA, Ivó. ¿Programas de cumplimiento como forma de autorregulación regulada? In: SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María (Ed.). Criminalidad de empresa y compliance: prevención y reacciones corporativas. Barcelona: Atelier, 2013, p. 55. No original: “por compliance hay quese entender aquel conjunto de medidas tendiente a garantizar que todos y cada uno de los membros deuna empresa, desde el consejo de administración hasta el ultimo empleado, cumplan com los mandatos y las prohibiciones jurídico-penales, y a que, em caso de infracción, sea posible su descumprimento y adequada sanción.” 5 SIEBER, Ulrich. Programas de compliance en el derecho penal de la empresa: uma nueva concepción para controlar la criminalidad económica. In: ARROYO ZAPATERO, Luis; NIETO MARTÍN, Adán (Coord.). El derecho penal económico en la era compliance.Valencia: Tirant lo Blanch, 2013a, p. 64. 6 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. Deberes de vigilancia y compliance empresarial. In: KUHLEN, Lothar; MONTIEL, Juan Pablo; ORTIZ DE URBINA GIMENO, Íñigo (Ed.). Compliance y teoría del derecho penal. Madrid, Barcelona, Buenos Aires, São Paulo: Marcial Pons, 2013a, p. 100. 7 MAEDA, Bruno Carneiro. Programas de compliance e anticorrupção: importância e elementos essenciais. In: DEBBIO, Alessandra Del; MAEDA, Bruno 4

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A palavra compliance, portanto, no sentido que se quer aqui estudar, refere-se à correta organização empresarial para evitar ou minorar os riscos a que a atividade está sujeita, por meio de um conjunto de procedimentos e medidas dirigido a criar a cultura interna de cumprimento das normas jurídicas de natureza penal. Resta evidente, portanto, que ao se tratar de compliance, o objetivo primordial é de cunho preventivo e não repressivo, embora a não prevenção possa ensejar discussões em matéria de repressão e responsabilização, nos termos que se discorrerá no momento oportuno. O cumprimento do ordenamento jurídico, com a criação de mecanismos empresariais internos estruturados para evitar o cometimento de crimes, embora confira mais densidade significativa à palavra em estudo, permanece representando uma obviedade, pois todas as pessoas jurídicas que atuam no mercado enquanto sujeitos de direito e de obrigações deveriam ser autorreguladas de forma tal. Nada obstante, nem sempre o cumprimento de normas jurídicas foi uma preocupação na cultura empresarial tradicional, pois estar em conformidade, muitas vezes, pode entrar em rota de colisão com outros objetivos de mercado, a exemplo maximização do lucro, da eficiência e da busca de controle e hegemonia no mercado8. De certa maneira, Edwin Sutherland já se referia a esta desconformidade nos primórdios9 da discussão sobre a criminalidade empresarial, ao tratar da teoria da associação diferencial. Sutherland se Carneiro; AYRES, Carlos Henrique da Silva (Coord.). Temas de anticorrupção e compliance. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013, p. 167. 8 Cf. BACIGALUPO, Enrique. Compliance y derecho penal. Pamplona: Aranzadi, 2011, p. 33-34: “[...] tiene uns especial relevância el valor del cumplimiento del derecho, que, obviamente, puede estar em colisión, por ejemplo, com el fin ultimo de uma sociedade anónima de generar valor para los acionistas o com las finalidades que de ella se derivan: la eficie ca, la competitividade, la exigência de controles, la racionalidade de la producción, etcétera. [...] La cuestión puede adquirir características especiales cuando la tension se plantea entre los objetivos especificamente económicos y el cumprimento del derecho. Por ejemplo: el máximo rendimento al menor costo puede estar em contradicción com el cumplimiento de la legislación para la protección de médio ambiente o la lobre competência.” 9 Muito embora Sutherland não tenha sido o primeiro a analisar a criminalidade empresarial, por ele referida de criminalidade de colarinho branco, suas contribuições foram marcantes neste setor, sendo frequentemente citadas neste aspecto. Neste sentido, cf. COSTA, Helena Regina Lobo da. Direito penal econômico e direito administrativo sancionador: ne bis in idem como medida de política sancionadora

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opunha às premissas criminológicas dos positivistas, que associavam o crime aos fatores patológicos, sociais ou pessoais10. Segundo autor, essas teorias não deviam prosperar porque não ajustam solidamente a informação sobre a conduta delitiva e, em segundo lugar, porque os casos em que se baseiam essas teorias são apenas uma parcela da criminalidade, mas não a totalidade de comportamentos desviantes. Nessa esteira, afirma o autor que a pobreza e as patologias não podem explicar muitos dos delitos relacionados com as condutas delitivas, como a alta incidência dos crimes em homens e não em mulheres11, por exemplo. A criminalidade, dentre esta, a empresarial, poderia ser explicada, segundo Edwin Sutherland, à luz da teoria da associação diferencial. Segundo ele, o crime dos poderosos era entendido como comportamento padrão no meio social em que era realizado e, por conta disso, apresentava-se aos agentes de forma menos reprovável do que furtos, roubos e delitos associados à criminalidade tradicional de massas. Esses comportamentos, tidos por normais, eram assimilados pelos agentes sociais das classes abastadas, sendo frequentemente reiterados por representarem a “forma socialmente admitida de se fazer negócios”12. O comportamento criminoso, portanto, seria um comportamento aprendido no meio em que se vive. Além disso, afirma Sutherland que as pessoas da classe socioeconômica alta são mais poderosas política e financeiramente e escapam de condenações de forma muito mais fácil do que aquelas que não têm esse poder13. Assim, as pessoas ricas podem recorrer a advogados hábeis e fugir dessas estatísticas e não ser vistos como criminosos. A teoria de Edwin Sutherland deve ser vista com ressalvas, pois nem todo sujeito que gere uma pessoa jurídica voltada para a atividade empresarial é, necessariamente, criminoso, e nem todos que veem determinadas condutas sendo executadas de forma ilegal e, por vezes, criminosas têm o desejo de copiá-las. Não existe determinismo estrito neste campo. No entanto, as afirmações de Sutherland servem para integrada. 2013.Tese (Livre-docência) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013b, p. 33. 10 SUTHERLAND, Edwin. El delicto de cuello blanco.Traducción del ingles de Rosa del Olmo. Madri: La Piqueta, 1999, p. 61. 11 Ibid., p. 63. 12 COSTA, 2013b, p. 35. 13 SUTHERLAND, 1999, p. 97.

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JANAINA CONCEIÇÃO PASCHOAL

ILANA MARTINS LUZ

HELENA REGINA LOBO DA COSTA

ISBN 978-85-8425-815-4

editora

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ILANA MARTINS LUZ

Doutora em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (2017), Mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia (2012);Especialista em Direito Penal Econômico pela Universidade Castilla-La Mancha (2013); Especialista em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) em parceria com o Instituto de Direito Penal Econômico e Europeu (IDPEE) (2010); Graduada em Direito Pela Universidade Federal da Bahia (2009). Professora dos cursos de graduação e pós-graduação em Direito Penal da Universidade Salvador (UNIFACS). Advogada Criminalista.

“Não pretendo furtar ao leitor o prazer de descobrir, por meio da leitura direta do texto de Ilana, os caminhos trilhados ao longo da estrutura acima descrita e suas conclusões, mas posso dizer que se trata de uma obra destinada tanto a quem busca uma perspectiva prática do tema, quanto a quem prefere o exame do compliance com rigor teórico. Unindo os dois aspectos, o trabalho certamente aporta importantes avanços no exame do tema no Brasil.”

COMPLIANCE & OMISSÃO IMPRÓPRIA

“É verdade que ser gestor do setor de compliance de uma empresa não deve ensejar responsabilização automática (ou objetiva). Neste ponto, Ilana e eu concordamos.(...) Com ou sem compliance, o importante é que os sujeitos que atuam na Justiça Criminal, nos mais diversos papeis, estejam atentos para os limites da responsabilidade de cada qual. Por óbvio, a omissão há de ser responsabilizada em situações excepcionais. A regra há de ser punir o mal feito. No entanto, como dito, aquele que elegeu participar omitindo-se deve também ser chamado à responsabilidade, desde que se evidencie que tinha domínio sobre o fato e que escolheu comodamente nada fazer a respeito”

ILANA MARTINS LUZ

CO M P L I ANCE& OMISSÃO

IMPRÓ PRIA

Este trabalho versa sobre o novo modelo de Direito Penal Econômico, focado em uma perspectiva preventiva, voltada à mitigação dos riscos de ocorrência de crimes no exercício da atividade empresarial, em obediência à autorregulação regulada pelo Estado. As previsões legais de autorregulação regulada referidas à organização empresarial receberam o nome de Programas de Compliance. Este novo modelo, embora tenha objetivos marcadamente preventivos, traz repercussões importantes no âmbito repressivo do Direito Penal Econômico. Nesta linha, insere-se o problema aqui proposto, que busca investigar as consequências que o descumprimento das previsões de autorregulação regulada pode gerar para a responsabilidade penal por omissão dos sujeitos da pessoa jurídica com poder de gestão sobre a sociedade.

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