Lynn e a Irmandade do Esmeralda

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Pedro Ivo Oliveira

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edro Ivo Oliveira

nasceu em Belo Horizonte no ano de 1987, e se graduou em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Desde sempre foi atraído por literatura e por estórias, tendo começado a produzir suas primeiras narrativas já aos oito anos, distribuídas entre os familiares e os colegas de escola.

“Lynn e a Irmandade do Esmeralda” representa a primeira fase da vida do espadachim que nos anos futuros virá a se tornar um herói, à qual se seguirão os livros dois, três e quatro – último da série.

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“Lynn e a Irmandade do Esmeralda” é o primeiro volume da saga do espadachim, que se completa com: - “Lynn e os Anjos Esquecidos” - “Lynn e as Estrelas de Oakhill” - “Lynn e a Profecia”

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ma antiga profecia no túmulo da Bruxa da Meia-Noite afirma que um homem imortal chamado Devon colocará a própria existência do universo em risco, e que somente um indivíduo poderá detê-lo, no futuro: o herói Éfiro. Éfiro está morto. Lynn é um rapaz alegre e despreocupado que vive na pequena vila de Oakhill, na Inglaterra, sem desconfiar que é o único filho do falecido herói – e a última esperança desse mundo. E quando os sete Generais de Devon começam a se aproximar dos míticos Artefatos Elementais, objetos de poder imensurável, o velho mago Morgan sente que o confronto derradeiro com o vilão se aproxima.

Pedro Ivo Oliveira

Admirador do gênero ficção, viu-se logo influenciado por jogos de aventura e fantasia. O texto que ora se dá ao conhecimento público começou a ser escrito há mais tempo, quando o autor contava apenas dezesseis anos.

uando o melhor amigo de Lynn, Cigano, alega ter encontrado um mapa elaborado pelo próprio Barba Dourada, seus companheiros imaginam se tratar apenas de uma desculpa para se aventurarem na ilha onde o lendário capitão pirata supostamente escondeu seu tesouro séculos atrás. O que o grupo de adolescentes não sabe é que o lugar para o qual se dirigem é protegido por um ancestral Deus da Morte e sua misteriosa maldição, e que a sobrevivência de cada um deles dependerá do quão forte forem seus laços de amizade. Enquanto isso o mago Morgan viaja através da Europa em uma tentativa desesperada de colocar em marcha diversos eventos necessários para a improvável salvação da humanidade. Assim tem início a jornada de Lynn, um jovem espadachim que terá de lutar com todas as forças para manter um minúsculo fio de esperança em meio às trevas que se erguem ao seu redor. A história de uma batalha dolorosamente impossível de ser vencida, mas que ainda assim tem de ser travada. Por amizade, por coragem, por amor.

Lynn é a única chance que lhe resta, mas conseguirá o jovem triunfar onde todos os outros falharam? Sem possuir o treinamento ou sequer o talento de seu pai, será possível derrotar um oponente tão superior?

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Copyright © 2014, D’ Plácido Editora Copyright © 2014, Pedro Ivo de Oliveira Editor Chefe

Plácido Arraes Produtor Editorial

Tales Leon de Marco

Editora D’Plácido Av. Brasil, 1843 , Savassi Belo Horizonte - MG Tel.: 3261 2801 CEP 30140-002

Capa

Tales Leon de Marco Diagramação

Bárbara Rodrigues da Silva Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida, por quaisquer meios, sem a autorização prévia da D`Plácido Editora.

Catalogação na Publicação (CIP) Ficha catalográfica Oliveira, Pedro Ivo de. Lynn e a Irmandade do Esmeralda -- Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2014. Bibliografia ISBN: 978-85-67020-72-3 1. Direito 2. Direito Público I. Título II. Recuperação de Crédito III. Direito Público IV. Gustavo A. Paolinelli de Castro. CDU342

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À Cris, pelo incentivo e interesse no momento mais crucial; À Isabela, cujo apoio a torna verdadeira coautora desta obra; À Vanessa, por colorir estas páginas - e minha vida - de amor.

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Foi em uma noite como essa que tudo começou. Era primavera,

e a lua talvez estivesse um pouco mais cheia do que a de hoje. Embora minhas lembranças ainda sejam nítidas, alguns detalhes insistem em traí-las - se raramente as coisas ocorrem de fato como as percebemos, o que dizer de eventos que se transcorreram décadas atrás e só ficaram registrados na memória de um idoso? Desconfio que, ao paladar dos jovens, uma boa história deve ser protagonizada por um herói valente e poderoso, capaz de superar com sua espada brilhante todos os obstáculos que se interpõem em sua jornada. Um vilão cruel e terrivelmente maligno para lhe fazer oposição, e possivelmente uma linda princesa coadjuvando o enredo. Suponho que essa não seja uma boa história, então. Todos estes elementos estão presentes, mas certamente não na forma como você imagina. Porque a verdade, meu querido sobrinho, é que todos nós acreditamos, em maior ou menor grau, que somos a estrela de uma narrativa. Que nossas vidas de alguma forma espelharão os contos que crescemos ouvindo, ainda que dificilmente tenhamos as habilidades sobre-humanas que acompanham os heróis famosos. E com esta história, pretendo lhe mostrar que estamos certos em pensar assim: viver uma vida extraordinária tem muito mais a ver com a intensidade da sua entrega ao amor, aos amigos e às suas paixões do que com seu talento em sobrepujar inimigos com uma espada. Talvez você não queira mais ouvir a história, já que o protagonista – um rapaz de nome Lynn – é um homem como outro qualquer, sujeito às mesmas limitações e imperfeições, sem nenhuma perícia digna de nota. Ainda assim, penso que você pode se inspirar com o heroísmo dele e o modo como obteve suas conquistas. Com um pouco de sorte, enxergará no que contarei coisas ou pensamentos que o ajudarão em seu próprio caminho. Ou simplesmente terá algo para se distrair, nos momentos em que o peso das obrigações cotidianas se tornar demasiadamente opressor. É possível que você conclua que essa é uma história de amor. Há amor nela, como deveria haver em todas, e um tão grande e profundo que afetou nosso mundo de uma maneira irreversível. Mas esta não é uma história sobre o amor. Há sempre interpretações conflitantes para um mesmo tema, de modo que você certamente terá uma opinião divergente da minha. O mais simples seria afirmar que é uma história sobre um garoto, um garoto que se tornaria um herói nos anos futuros. 7

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Mas eu diria, sob este luar do fim da primavera, que esta é uma história sobre um ser humano que optou por lutar quando seria mais fácil desistir, que preferiu amar quando era mais cômodo não fazê-lo. E por tomar estas decisões, tornou-se um herói.

I Uma noite fria e enevoada. Poucas estrelas se mostram na es-

curidão, como se optassem por não tomar parte no que acontece. Um grito abafado corta o céu negro, fazendo um homem envolto num manto escuro acelerar o passo. Seus olhos cinzentos brilham de ansiedade enquanto refletem o pálido luar, e o rosto envelhecido se torce em uma expressão preocupada. A barba alva e espessa se espalha sobre o peito, que por sua vez arfa em protesto ao ritmo imprimido à caminhada. Em suas mãos está um cajado velho e gasto, que mais se assemelha a uma bengala. O contorno de uma pequena cabana se faz visível no horizonte, iluminado pela luz precária de uma lamparina posicionada na janela. Mais um grito, desta vez maior, sai do interior do lugar. O velho força o cajado à frente, para ganhar mais velocidade. “Será tarde demais?” pensa consigo mesmo, sentindo uma gota fria de suor escorrer pela testa. À medida que se aproxima do objetivo, as ansiosas batidas de seu coração deixam transparecer aquilo que seu rosto tenta ocultar: provavelmente é tarde demais. A porta se abre com um rangido, e o homem adentra no recinto. Logo se vê em uma espécie de quarto improvisado, iluminado por um par de lamparinas e algumas velas. Uma belíssima jovem está deitada na única cama do lugar, a respiração ofegante e o rosto molhado transpirando esforço. Está em trabalho de parto, a julgar pela proeminência de sua barriga e pela expressão de dor em sua face. Um homem alto e forte está ao lado da cama, a espada embainhada na cintura a mostrar seu status de guerreiro. O casal está de mãos dadas, e troca olhares de pura aflição, revelando um forte sentimento de paixão pelo outro. 8

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Ambos os semblantes se abrem em alívio quando notam a chegada do velho. – Morgan! Que os Deuses o abençoem! – Cumprimenta o homem, afoito. Seu cabelo, escuro como os olhos, está tão desarrumado que é evidente que seu dono passou as últimas horas correndo de um lado para o outro. – Chegou bem na hora, Lenna está sentindo... – Não há tempo para saudações, Éfiro. – Corta o recém-chegado, cuja voz rouca tem um tom imperioso difícil de ignorar. Ele se aproxima da mulher e a observa atentamente por alguns segundos, oferecendo-lhe em seguida um sorriso gentil enquanto segura suas mãos com firmeza. – Vai dar tudo certo, querida, não se preocupe. Ela sorri de volta, mas o rosto logo se contrai em uma careta. É óbvio que o processo é extremamente doloroso para ela, e o fato de seu sedoso cabelo cor de mel já estar impregnado de suor sinaliza a exaustão física que a acomete. Morgan aponta o cajado para a mulher e fecha os olhos para facilitar a concentração. Em seguida murmura palavras estranhas, um idioma desconhecido pelos outros presentes. Éfiro parece cada vez mais preocupado, e dá voltas apressadas ao redor da cama, por vezes parando para segurar as mãos da amada. E então, vagarosamente, uma luminosidade azul começa a preencher o quarto, vindo da ponta do cajado. Lenta e progressivamente, a luz vai aumentando até que azul seja a única cor do ambiente. A ponta do cajado subitamente emite um clarão intenso, e uma rajada brilhante atinge a mulher. Ela grita, e Éfiro se lança à frente instintivamente para protegê-la. No instante seguinte o raio desaparece, devolvendo as cores originais ao cenário. O velho se mostra exausto, inspirando profundamente enquanto limpa a testa. – O ritual funcionou. – Declara, satisfeito. Momentos depois, o nascimento se completa. O bebê parece saudável, e chora enquanto sua mãe tenta confortá-lo. O pai os abraça, rindo como uma criança. Morgan sorri e desaba sobre uma cadeira, esgotado. – Você sabe o que tem de ser feito, Éfiro. Nosso futuro depende desta criança. – Alerta o mago, franzindo a testa diante da alegria do pai ao tomar o filho nas mãos. O rosto do guerreiro se fecha por um instante. – Eu sei. É só que... Achei que seria mais fácil. – Não se esqueça do nosso acordo. Foi você quem decidiu. 9

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– Não me esqueci. – Há firmeza em sua voz, mas também um palpável arrependimento. O velho se cala. O silêncio é sustentado por todos - com a exceção do bebê, que continua chorando copiosamente. Todos os olhares se voltam pra ele, que surpreendentemente se cala e encara os pais de volta. Lenna chora de emoção, mas Morgan torna a dizer, suspirando: – Éfiro... – Está certo. – Decide o homem, não deixando a fraqueza se instalar em seu peito. – Tem certeza que a profecia foi mesmo transferida? A resposta é uma encarada feroz, como se a pergunta fosse uma ofensa. O guerreiro engole o choro e deixa escapar um soluço. Seu olhar é de tristeza absoluta, apontando aquela como a decisão mais difícil que já tomara em vida. – Deixe-me ao menos batizá-lo! – Suplica Lenna, os olhos marejando. A ausência de reação serve como um consentimento, e a jovem troca um rápido olhar com o marido. – O que você acha, meu amor? Ele sorri e fita o filho, se esforçando para guardar aquela imagem eternamente em seu coração, mesmo sabendo em seu íntimo que isso aconteceria a despeito de qualquer esforço de sua parte. O menino, de modo incrível, parece estar entendendo a gravidade da situação, pois mantém um inusitado semblante de seriedade. – A escolha é sua, querida. – Lynn será o seu nome, filho. – Diz a mulher, cujo sorriso se mistura às lágrimas. Éfiro a abraça e diz que aprova a escolha. – Lynn... – Repete, beijando a testa do filho. – É um nome incomum, sem dúvida. – Proclama Morgan, solene. – Mas algo que aprendi nesta longa vida é a nunca desprezar a intuição de uma mãe. Além disso, este garoto fatalmente não terá uma vida ordinária. Se ele estará à altura ou não dos fardos que seus pequenos ombros carregam só o tempo dirá. Por hora, o que podemos fazer é garantir sua segurança. Sei que isso doerá infinitamente mais em vocês do que em mim, mas... E de repente a porta se abre. Desta vez, no entanto, os rostos dos presentes não demonstram alívio ao verem os visitantes. Na verdade, eles parecem apavorados. 10

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Três indivíduos trajando armaduras inteiramente negras irrompem no aposento, acompanhados por uma sugestão de ameaça simbolizada claramente pelas espadas e escudos que portam. Um deles dá um passo à frente e diz: – Boa noite, senhores. Interrompemos alguma coisa? Um segundo de hesitação, e então: – Vocês são Inquisitores? A pergunta formulada por Éfiro soa estranha até para ele mesmo. De todos os problemas que podiam estragar aquela noite, aquele era o menos provável. Fossem eles agentes de Devon, tudo faria sentido. Ou então se o trio tivesse sido enviado pelo pai de Lenna, Soren, a visita também se encaixaria no cenário. Mas Inquisitores?! O famigerado título pertence a uma temível e misteriosa organização que originalmente servia à Igreja Romana. Com o fim da Inquisição, supostamente não deveriam mais existir, mas não era o que se dizia em muitos lugares da Europa. Assassinos discretos e eficientes, afirmavam os boatos, que na falta de bruxas para caçar teriam se voltado para outros alvos mais lucrativos. Éfiro já ouvira falar deles, mas nunca tivera certeza de sua existência - até o presente momento. – Vossa Majestade, Soren Eriksen, rei da Dinamarca, ficaria eternamente grato se resgatássemos sua preciosa filha. Entregue a princesa, Éfiro, e deixaremos que você parta com o bebê. Proteja-a, e seremos obrigados a matá-lo... – Propõe o porta-voz. Seu rosto está completamente encoberto por um elmo preto, mas o tom de voz calmo emana uma aura de frieza. Éfiro desce a mão até o cabo de sua espada enquanto conjectura alguma hipótese que possa explicar aquela situação. Por que Inquisitores estariam seguindo ordens do monarca dinamarquês, que governa uma região sem conexão alguma com a Igreja Católica? Teriam se tornado simplesmente mercenários, movidos pela expectativa de acumular ouro escandinavo? Ou haveria alguma conexão obscura com o regente dos nórdicos além da mera riqueza? – Só por cima do meu cadáver... – Nem o menor traço de medo aparece nas feições do poderoso guerreiro. Em seu interior fervilha incerteza e receio, mas ele aprendeu a mascarar esses sentimentos ao longo da carreira. Os três homens riem, apesar de Éfiro representar um considerável perigo. 11

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– Seus feitos correm toda a Europa, herói. Mas nós estamos em maior número, e, além disso, você está sem armadura. – Vocês não são os primeiros a tentar me matar. E não serão os últimos, podem apostar! – Brada o marido de Lenna, esbanjando confiança. Ele não seria derrotado ali, não quando a vida de sua família dependia de sua vitória. O líder dos Inquisitores detém sua risada por um instante. – Sabemos de sua força. Certamente teríamos grandes problemas caso nossas lâminas se cruzassem. Contudo, nosso alvo é outro... E então os invasores apanham adagas ardilosamente escondidas atrás do escudo e as atiram na direção da princesa. Éfiro se interpõe no caminho, sendo atingido no lugar da esposa. Uma quantidade alarmante de sangue escorre pelas feridas, que enegrecem rapidamente. – Veneno? – Indaga o desafortunado guerreiro, sentindo o corpo fraquejar. Sua mente, porém, continua ativa, e conclui que ou os malditos tinham plena convicção de que ele se sacrificaria pela amada, ou então não se importavam com a perda da teórica recompensa que receberiam de Soren pelo resgate da princesa - pois Lenna inevitavelmente faleceria com aqueles ataques. A segunda opção soa mais razoável. Morgan observa a tudo impotente, ainda fraco e exausto demais para intervir. Os agressores desembainham suas armas, ação respondida de imediato por Éfiro, que saca sua lendária espada. A lâmina prateada reluz à luz da lamparina, instilando uma dose de dúvida na mente dos intrusos. Aquela arma é conhecida e temida por todos, e o homem que a empunha detém a fama de ser um combatente ímpar. Uma batalha feroz explode no quarto, e Lynn volta a chorar com o ruído metálico das armas de chocando. Morgan se arrasta até a princesa e grita, desesperado: – Dê-me o garoto! Ainda tenho forças para fugir com um último feitiço! Ela hesita. A fuga de Morgan implica na provável morte do homem que ela mais ama. Envenenado, semiaposentado, sem armadura e escudo, seu marido dificilmente vencerá um trio de Inquisitores. O mago tenta convencê-la, encarando os olhos verdes de sua interlocutora: – Se o garoto cair, o mundo inteiro perecerá! Lembre-se da promessa que fizeram! O lugar dele não é com vocês, é arriscado demais! 12

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Um grito de dor por parte de Éfiro, que permanece lutando apesar de exibir ferimentos profundos. Um dos inimigos está no chão, talvez morto, enquanto outro parece bem machucado. A mulher toma sua decisão e entrega o filho aos cuidados do velho. Não por preocupação com o destino dos homens, e muito menos por um pretenso senso de dever para com a promessa que fizera – e sim por amor àquele minúsculo ser vivo em seus braços. Dando um beijo de despedida em Lynn, Lenna se levanta e ataca um dos oponentes com um empurrão, jogando-se sobre ele no momento em que seu amado seria mortalmente atingido. Morgan aproveita a distração para conjurar seu feitiço derradeiro, e então desaparece em meio a uma névoa mágica, levando consigo o bebê. Lynn estava salvo.

II Dezesseis anos depois...

– Está pronto, Lynn? – Sempre, fessora. Ele se levanta. Tem dezesseis anos agora, o que é fácil perceber após eu ter dito “dezesseis anos depois”, não é mesmo, sobrinho? É um rapaz comum, devo dizer. Não pode ser caracterizado como feio e tampouco como belo, possuindo altura e peso medianos. Cabelos e olhos marrons, no tom mais padrão possível. Talvez alguém mais generoso diga que ele é um pouco forte. Fora isso, nenhum traço marcante. O que é espantoso, visto que essa é uma história fantasiosa, e ele a protagoniza. Estamos na Europa, mais precisamente na Inglaterra, e mais precisamente ainda no litoral sul daquele reino. O aluno apanha um pergaminho e se dirige ao centro da sala. O aposento está preenchido com dez pequenas mesas, cada uma destas acompanhada de uma cadeira. Na superfície de cada mesa há pergaminhos e penas embebidas em tinta, e na superfície de cada cadeira está um estudante. Todas as atenções se voltam para ele. 13

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– Sobre o que é a sua pesquisa? – Pergunta a mulher que o garoto acabou de chamar de “fessora”. Trata-se de uma moça alta, com os cabelos claros presos em um coque. Seu rosto certamente seria mais suave se não fosse pelo olhar sério, que reluta em abandoná-la mesmo nos momentos mais tranquilos. – Oakhill, essa linda vila em que vivemos. Exceto pelo nome e pelo sistema educacional decadente, um lugar muito agradável. – Corte a ironia e comece, Lynn. Ele dá uma rápida risada e se concentra no pergaminho, lendo-o em voz alta. – Oakhill foi criada oficialmente há oitenta anos, pelo Conde Morphy. A vila se localiza no glorioso e próspero reino da Inglaterra. No nosso idioma, a palavra “Oakhill” significa “Morro do Carvalho” - o que por um lado faz sentido, levando-se em conta a existência do gigantesco carvalho que abrigamos na Praça das Flores, mas por outro causa perplexidade, já que não há morros aqui. Suponho que antigamente o relevo da nossa hoje plana Oakhill fosse mais elevado, e tenha se alterado por conta dos frequentes terremotos que nos assolavam na época. – Brilhante conclusão... – Comenta a professora, sorrindo sarcasticamente. Risadas na sala. – Corte a ironia, fessora... Mais risadas. – Continuando: Oakhill se destaca entre os pequenos vilarejos da Europa pelo fato de ninguém nunca ter ouvido falar de sua existência, por todas as casas seguirem uma arquitetura rigorosamente idêntica, e por sediar a casa de um incrível rapaz de dezesseis anos chamado Lynn que mudará a história do nosso mundo. – A única coisa que você vai mudar é a sua avaliação, caso continue com essas gracinhas... – Adverte a professora. Obviamente, a atenção que a sala despende à apresentação do colega se dá muito mais em função das zombarias de seu autor do que pelo conteúdo da pesquisa em si. – Formalmente integrante de nosso território (apesar de ser muito maior do que a própria vila), a Praça das Flores, localizada ao norte, na verdade não é bem uma praça e sim uma grande floresta, que foi preservada desde a criação da comunidade. Ela tem esse nome justamente porque diversos tipos de flores exóticas nascem ali, 14

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e também porque foi naquele local que o florzinha do Cigano aportou pela primeira vez na vila. – Vá se ferrar, Lynn! – Grita o tal Cigano, do fundo da sala. Este personagem se distingue dos demais por ser o único de origem francesa. Tem olhos expressivos e uma íris anormalmente verde e grande, emoldurados por um rosto atraente e cabelos negros. Cabe aqui uma explicação a você, sobrinho: Cigano e Lynn são melhores amigos. O primeiro é extremamente rebelde e vive se metendo em confusões, que sempre tragam junto o nosso protagonista, tanto pela amizade entre eles quanto pelo fato de que o segundo compartilha do mesmo espírito aventureiro. – Além da Praça das Flores, outros aspectos da nossa humilde vila merecem atenção, a começar pelo carvalho que a nomeou: é um exemplar deveras extraordinário. Além do tamanho titânico, estima-se que ele seja velhíssimo, com idade aproximada de seiscentos anos. Quase tão velho quanto a fessora! – Muito engraçado, Lynn! – Vocifera a mulher, que não pode ser chamada de “velha” por ninguém que preze o bom senso. – Sem falar na lenda sinistra que ronda a região: dizem que todas as noites os espíritos dos mortos se erguem de seus túmulos e se reúnem nos galhos do Grande Carvalho para admirar as estrelas... – Todos sabem que isso não é uma lenda! – Interrompe Rose, uma garota ruiva ligeiramente acima do peso que é constantemente lembrada dessa condição. Apesar do exagero nas provocações, a moça está realmente fora de forma, como atestam suas volumosas bochechas sardentas. Para piorar, faz questão de se embelezar através de penteados ousados, e quase sempre os resultados obtidos vão na direção contrária. É odiada de forma unânime pela ala masculina da sala, e retribui com um sentimento equivalente. – Todos que se aproximaram daquela árvore durante a noite afirmaram ter ouvido a Música dos Mortos! – Isso não passa de uma crendice, Rose... – Afirma a tutora, balançando a cabeça em descrença. Ninguém discute aquela declaração, principalmente por ser notória a firme recusa coletiva dos habitantes da vila em visitar o lugar no período noturno. Verdadeira ou não, o fato é que a lenda está bem incrustada na cultura local. – Se eu puder continuar... – Reclama Lynn, rindo e piscando um olho para a professora, que enrubesce e pigarreia antes de dizer, embaraçada: 15

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– Desculpe-me. Prossiga... – Bem, Oakhill é localizada à beira de uma praia. O nome desta, “Praia Sangrenta”, é quase um insulto à nossa inteligência, visto que é um lugar extremamente sem graça e tedioso. Não há monstros, nem tubarões, tampouco correnteza, só peixes inofensivos e pacíficos. Até as ondas ficam desanimadas com esse cenário monótono e atingem uma altura máxima de impressionantes trinta centímetros. – Você preferiria uma praia perigosa, Lynn? – Estranha Vera, uma das três estudantes do gênero feminino que frequentam as aulas do local. É uma menina bastante magra e de aspecto frágil, e se há beleza ali sua dona faz questão de esconder, pois se veste da maneira mais neutra e discreta possível, além de não despender nenhuma atenção ao seu anelado cabelo cor de palha e a outros fatores que comumente preocupam as damas mais vaidosas. Ela é muito pobre, e só estuda naquela escola devido à boa vontade dos docentes, já que não possui recursos suficientes para pagar pelos ensinamentos. Além do coração essencialmente bondoso, tem uma sensibilidade bastante apurada, porém raramente demonstrada por conta da timidez. – Claro, seria muito mais emocionante! Enfim, este nome enganador foi dado ao lugar devido a uma guerra terrível que aconteceu na área há mais ou menos um século, entre sereias e krakens. – Sabia que você daria um jeito de incluir uma guerra na sua pesquisa, Lynn... – Comenta a disciplinadora, sorrindo. Conhecia muito bem o apreço de seu aluno por lutas. – Interesse puramente acadêmico, fessora. Veja bem, os constantes terremotos dessa região por vezes criavam fendas muito profundas no solo oceânico, perfeitas para abrigar os colossais krakens. Isso acontecia com mais frequência perto da Ilha do Tesouro, que consequentemente concentrava o maior número dessas terríveis criaturas. Já as sereias encontraram um reduto perfeito nos inúmeros rochedos que permeiam a Ilha da Morte, e tomaram para si o local. A disputa se iniciou pela simples proximidade entre criaturas tão malignas e perigosas, e só foi encerrada quando os Deuses interviram e exterminaram todos os seres que viviam por aqui. Para reparar os danos na região, Eles abençoaram nossa praia. – E no que consiste essa bênção, exatamente? – Questiona novamente Vera. A garota defende os Deuses com fervor, e esse assunto a interessa muito mais do que os violentos e sanguinários monstros que despertam paixão nos meninos. 16

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– Nenhuma criatura vagamente ameaçadora e nenhuma correnteza podem adentrar em nosso mar. Além disso, as águas foram eternamente abarrotadas de peixes, além de se mostrarem perfeitamente límpidas e se beneficiarem de um clima que é imutavelmente bom. É também mais frequente em nosso mar do que em qualquer outro a ocorrência do fenômeno mágico chamado “Esfera do Náufrago”. – Esfera do Náufrago? O que é isso? – Quer saber Cigano, os olhos verdes brilhando de curiosidade. O rapaz nutre uma admiração por temas marítimos que beira a obsessão, o que é de certa forma justificado, uma vez que é no porto que o rapaz adquire seu ganha-pão, realizando pequenos serviços nas docas e nos navios que eventualmente passam por lá. Lynn sorri, antevendo a nota alta que receberá ao demonstrar tanto conhecimento. – Nosso mar é muito profundo, tanto que abrigou krakens no passado. Cortesia dos frequentes terremotos que, graças aos Deuses, encerraram sua participação na nossa história há vários anos. Como aqueles seres estão atualmente vedados por decreto divino, o local tornou-se um habitat perfeito para outras criaturas igualmente gigantescas - mas incomparavelmente menos perigosas: as Baleias Caçadoras. Elas se alimentam dos pequenos peixes que abundam nossas águas, e para tal soltam bolhas enormes de oxigênio do próprio pulmão, lá do fundo do mar, para aprisioná-los! As bolhas são revestidas por um invólucro de óleo, que gruda nas escamas das vítimas e as sugam para o interior, onde o oxigênio acaba por afogá-las. Os vikings perceberam que é possível enfiar uma espécie de tubo feito com escamas de peixe nestas bolhas e respirar o oxigênio delas, ou seja, é como respirar embaixo d’água! – Alguém sabe quanto tempo duram estas bolhas? – Pergunta a professora, já mirando instintivamente um de seus pupilos. Este, um rapaz franzino e pálido, usa no rosto um esdrúxulo objeto criado por ele mesmo: lentes transparentes circulares sobre os olhos, presas a uma delicada armação metálica, sobre a qual uma franja castanha cai sem parar. O porte totalmente desajeitado é acentuado pelo ar sério que ele mantém. Sua mão se ergue no ar mal após a pergunta ser completada. – Professora Anna, eu sei a resposta! – Pode dizer, Joseph... – O nome dele é Copérnico, fessora, e o apelido é “Joe”. Joseph é inaceitável. – Corrige Cigano, dando um tapinha nas costas do colega – 17

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que se curva com o impacto, demonstrando toda sua ausência de vigor. O apelido viera pela adoração que o rapaz dirige a um desconhecido cientista polaco chamado Copérnico, obviamente não compartilhada pelos colegas. – Duram por volta de três horas, findas as quais o óleo que as reveste endurece, tornando-as mais densas que a água. Em razão disso elas afundam, poupando o trabalho das Baleias Caçadoras de ir até a superfície coletá-las. Geralmente os cetáceos liberam de quinze a vinte bolhas, que por se dispersarem durante a ascensão até a superfície acabam permitindo que um mergulhador cubra em média uma área de um quilômetro quadrado respirando unicamente o ar contido no interior delas. – Explica o cultíssimo estudante, convicto. – Correto! Muito bem, meus parabéns, Joe! – Responde o resto da sala, em coro, adivinhando a previsível resposta da professora. Ela nem se dá o trabalho de ratificar, indicando que aquele é um padrão que se repete frequentemente nas aulas. Lynn retoma a exibição de sua pesquisa, após a solicitação de Anna. – Já que eu mencionei as ilhas, vamos falar sobre elas. Comecemos pela Ilha da Morte, que recebeu essa sinistra alcunha devido às sereias que atraíam marujos incautos com seu canto para depois se alimentar deles. É um lugar abandonado e solitário, evitado pelos marujos. Temos também a Ilha do Tesouro, um local grande, selvagem e desabitado que foi muito explorado no passado devido a uma história interessante que merece ser contada: o famoso pirata Barba Dourada teria enterrado toda sua fortuna em suas areias, antes de desaparecer para sempre. Contudo, as buscas feitas no passado asseguram que não existe esse tesouro. E há ainda uma terceira ilha, conhecida pelo sugestivo nome de Ilha Bela. Dispensa explicações: é praticamente um santuário, com paisagens paradisíacas e vegetação exuberante. – Estou quase apta a financiar uma excursão para lá, garotos, para que vejam toda a beleza do lugar! – Anuncia alegremente a professora, os olhos brilhando de excitação. Murmúrios de descrença percorrem a sala. Eles nunca fazem a tal excursão, que já está planejada há tempos e nunca sai do “quase”. O motivo alegado para o eterno insucesso é sempre financeiro, e o fato da referida poupança de Anna permanecer insuficiente ano após ano enseja intermináveis discussões entre os colegas. – E não param por aí nossas atrações! – Grita Lynn, arrancando gargalhadas dos presentes ao imitar com perfeição o velho marceneiro 18

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Bégun, que não se cansa de anunciar seus produtos com essa frase. A qualidade da imitação é reforçada pelo contato frequente que o rapaz mantém com o mercador - um contato bastante interesseiro, motivado exclusivamente pela existência da filha deste, uma linda jovem chamada Brigitte (por quem nosso futuro herói nutre uma infrutífera e platônica paixão). – Temos ainda o cemitério, que é praticamente impossível de ser invadido depois que o sol se põe. Eu mesmo já tentei várias vezes, mas aquele coveiro esquisito sempre me impede, berrando: “Não se deve perturbar os mortos, garoto!”. E o pior é que ele diz isso de um modo tão macabro que acabo acreditando! – O “coveiro esquisito” tem um nome: Morrison! E ele tem razão! Visitas aos que descansam devem ser feitas sob a proteção do sol. – Diz Vera, séria. – Claro, claro... Bom, é isso. Fim. Um agradecimento especial ao meu cachorro, Ralph, por estar presente nos momentos mais difíceis. A sala explode em palmas, deixando a professora particularmente contente. – Meus parabéns, Lynn! Viu só? Sua pesquisa foi maravilhosa! Sempre digo que você tem um grande potencial, só precisa deixar de lado essa indisciplina e se dedicar mais! – É o que farei a partir de hoje, fessora... O rapaz caminha de volta para o fundo do aposento, deixando duas moedas cair nas mãos do colega Joe (ou melhor, Copérnico) no meio do caminho. “Valeu, ficou porreta!” sussurra em agradecimento, antes de se sentar. Anna chama o próximo aluno para apresentar o resultado de sua pesquisa, e é obrigada a repetir a convocação, pois seu destinatário se encontra adormecido. Cigano dá um chute no colega por baixo da mesa, forçando-o a acordar. O rapaz, um grandalhão loiro notavelmente musculoso e largo, se põe de pé tão abruptamente que deixa o pergaminho cair. – Touro! Você prestou atenção nas coisas que o Lynn falou? – Irrita-se a professora, notando o aspecto sonolento do estudante. Por mais inacreditável que pareça, “Touro” é de fato o nome do jovem. Seu pai, um viking norueguês especialmente violento e bárbaro, originalmente impusera uma denominação diferente, que veio a ser rejeitada efusivamente pelo garoto a partir do momento em que seu ascendente abandonou a família. Partira de Cigano a idéia para o novo nome, Touro, uma singela homenagem ao físico avantajado do colega 19

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e ao seu cérebro inversamente proporcional. Atento à primeira razão e ignorante à segunda, o maciço rapaz logo adotou a sugestão e passou a usá-la com orgulho. – Eu não escutei tudo, professora. Trabalhei o dia inteiro ontem e tirei a noite para fazer a pesquisa, então não consegui dormir muito bem... – Justifica-se, os olhos azuis claros como o céu do meio-dia ainda com dificuldades em ficar abertos. – Você deixou a pesquisa para o último dia?! Uma feroz e longa reprimenda se inicia naquele instante, e Cigano aproveita para puxar papo com Lynn: – E aí, você vai ou não? – Já disse que não, cara. O que a Brigitte ia querer com um cara como eu? O francês balança a cabeça, decepcionado. – Não estou falando da nossa adorável e inatingível Brigitte, apesar da sua insistência em torná-la tema de quase todas as nossas conversas nos últimos dois meses. – Ah, é sobre a ilha... – Claro que é sobre a ilha! – Certo... Você vai? – Vou, lógico. E a sua mamãezinha, deixou você ir? – Provoca o amigo. É sabido por todos que o francês não tem pais. Simplesmente aparecera na Praça das Flores um dia, vindo sabe-se lá de onde. O fato de detestar a França e especialmente os franceses (mesmo sendo um) foi a principal razão pela qual não foi imediatamente expulso da vila. Por mais receosos que fossem os ingleses em relação aos antigos rivais da Guerra dos Cem Anos, não havia razões para não receber aquele garoto extraordinariamente esperto e corajoso que dizia se chamar Cigano. Ainda que com reservas, o melhor amigo de Lynn foi aceito em Oakhill - e posteriormente na escola, ao demonstrar uma afiada habilidade de raciocínio (somente depois de alguns meses tornou-se claro que a sua incorrigível má conduta exercia péssima influência sobre os colegas. Mas ainda assim Anna não o expulsou, por saber das dificuldades do garoto, que vive como um vagabundo pela vila, perambulando por todos os lugares e dormindo na rua ou em qualquer espelunca que encontre). – Não perguntei ainda, estou esperando o momento certo. Mas vou dar um jeito de convencê-la. Quem mais vai? – O Touro disse que ia, e o Copérnico está enrolando. Gibbs deve topar, com certeza. 20

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– Falando no bastardo, por que ele não tem vindo às aulas? Já faz uma semana que não o vejo! O francês dá de ombros e responde: – O nanico deve estar arrecadando fundos... Apesar de grosseiro, o adjetivo é incontestavelmente adequado. Gibbs possui uma estatura quase comicamente baixa - pouco mais de um metro e meio, de acordo com a última medição. Felizmente, o que a vida lhe privou em altura concedeu em agilidade, facilitando bastante a “profissão” que ele escolheu: ladrão. Mas melhor seria se eu dissesse que esta profissão o escolheu: Ruth, sua mãe, possui uma delicada doença que exige uma quantidade absurda de medicamentos. Como o filho é tudo o que restou à pobre senhora, ele tem que se virar para produzir sozinho alguns daqueles remédios e acumular dinheiro para comprar os que estão acima de sua capacidade. Para isso e por isso, tornara-se um gatuno - e dos bons: apesar dos dezesseis anos, já é bem mais eficiente que muitos contraventores mais experientes. – Nós cinco, então? É o bastante. Ilha do Tesouro, aí vamos nós! – Brada nosso futuro herói, confiante. – O QUÊ??? – A voz melosa e irritante de Rose se faz ouvida. A garota estava bisbilhotando a conversa, os olhos arregalados de excitação. – Vocês vão à ILHA DO TESOURO?? – Silêncio aí atrás! O colega de vocês vai começar a apresentação, e quero que todos prestem atenção! – Bronqueia Anna, que já encerrou seu discurso punitivo para Touro. – Claro que não, Rose! – Murmura Lynn, respeitando o primeiro comando da professora e desconsiderando sumariamente o segundo. – De onde você tirou isso? O que faríamos naquele lugar? – Ele disse “trilha do besouro”, sua tonta. Se a senhorita lavasse menos essa tragédia que você chama de cabelo e mais as orelhas, talvez discernisse melhor as palavras... – Completa Cigano, propositalmente agressivo para tentar desviar o foco. – Trilha do Besouro?! – É isso mesmo. O Touro tem um de estimação, e... – O cinismo é tão inerente à natureza do francês que se torna difícil perceber quando ele está mentindo e quando está só pilheriando. – Não sou imbecil, Cigano! Vou contar tudo para sua mãe, Lynn! É uma atitude muito irresponsável, essa de vocês! Nosso herói a encara com raiva. – E por que você faria isso? Só pra me prejudicar? 21

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– Não! Porque muitas pessoas já morreram naquele lugar, é muito perigoso! – Faz décadas que ninguém se machuca lá, Rose. Atualmente é um ponto seguro e tranquilo. – Ninguém se machuca só porque ninguém vai lá! – Os últimos que foram saíram ilesos! – Sim, porque eram exploradores, treinados e preparados para fazer isso. Não é o caso de vocês... – Que tal você cuidar somente da sua vida, intrometida? – Agride Cigano. – Ninguém mandou você me chamar de gorducha todos os dias! – Estoura a garota, corando a face de ira. É risível sua rivalidade com o francês, que pega no seu pé sempre que pode. – Espere! Nisso sou obrigado a defender meu amigo... – Interpõe Lynn, a voz séria, em tom conciliador. – Ele jamais ofendeu sua forma rechonchuda. Apenas forneceu uma sincera descrição objetiva. – IMBECIL!!! Agora é que eu vou contar mesmo! Anna encara os alunos com fúria, forçando-os a manter uma silenciosa trégua temporária enquanto Touro fala sobre a enfadonha agropecuária de Oakhill. – Não faça isso, Rose. – O apaziguador conselho é dado por Vera, que resolve se introduzir na discussão através de um sussurro. – Por que não? – Porque eles não te ofendem de verdade, só fazem isso para caçoar... – Não importa! Eu os odeio! – Emburrada. É impressionante como um pequeno atrito desemboca rapidamente em um tenso conflito quando se trata de uma relação já desgastada, não é verdade, sobrinho? – Rapazes, façamos um acordo... – É o timbre de Helen que se eleva, a última aluna da sala. Última no sentido de quantidade, jamais no de qualidade. A prima de Rose é uma rapariga bonita, com um rosto fino que combina com o rabo-de-cavalo sempre usado para prender o cabelo escuro. É dotada de um senso de justiça implacável, e exibe uma determinação e firmeza difíceis de serem igualadas. Eleita por unanimidade a líder da sala, ela fixa os olhos azuis-escuros em Cigano enquanto esclarece: – Vera não contará isso a ninguém. Eu também não o farei, mas não posso afirmar o mesmo em relação a Rose. Minha sugestão é que vocês ofereçam algo em troca a ela. 22

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Um protesto se ensaia, mas é rapidamente interrompido pela carismática colega. – Vocês não estão em condições de negociar, sabem tão bem quanto eu que os pais de Lynn jamais permitirão uma incursão à Ilha do Tesouro. – Eu sei que a nossa sala é pequena, apenas cinco rapazes e três garotas, mas como diabos vocês ficaram sabendo disso? – Pergunta o protagonista, já desconfiado de traição por parte de um dos colegas. Provavelmente Touro, que é obtuso o bastante para ser enganado pelas colegas. – Ora essa, nunca ouviu falar em instinto feminino? Somos mais perceptivas que os homens... – Alega Helen, fazendo um ar de mistério. Uma acalorada discussão acerca desse último comentário se inicia, mas desta vez é Rose quem a encerra: – Seja como for, eu juro guardar segredo sobre esse plano idiota de vocês. Mas, em compensação, quero companhia para me levar ao Grande Carvalho nesta noite. Silêncio de espanto. – Dizem que a Música dos Mortos é linda! Sempre quis ouvi-la, mas nunca tive coragem de ir lá sozinha! – Explica a moça, em tom defensivo. Todos os olhos continuam arregalados e fixos nela por alguns segundos. – Que loucura é essa, Rose?! Se seu desejo realmente é esse, vá com sua prima! – Protesta Lynn, revoltado. É o que faltava, acompanhar a menina mais chata da vila até o Grande Carvalho, durante a noite ainda por cima! O programa em si já seria dos piores possíveis, e a desagradável companhia torná-lo-ia um verdadeiro pesadelo. – Eu até iria, mas não acredito nessa lenda... – Escusa-se Helen. – Não acredita? É impressão minha ou isso soa como outra maneira de dizer que você está apavorada? – Cigano diz isso com cautela, provocando sem ser muito grosseiro. É um mestre da manipulação, e varia sua estratégia de acordo com o alvo. – Lógico que não. Medo de uma simples história? – A moça raramente perde a calma. – Se é mesmo só uma história por que não realizar esse favor para sua querida prima? – Porque provavelmente nós duas ficaremos perdidas em um lugar tão escuro e selvagem. Não conhecemos bem as trilhas da Praça... – Coerente e inflexível. 23

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O francês gargalha. – Ou seja, você tem medo do escuro! Ou seria dos perigosos passarinhos de lá? Dos mortíferos esquilos, talvez? – Fique quieto, não é nada disso! Existe um lago no interior da Praça das Flores, e eu não sei nadar! No escuro, pode muito bem acontecer de eu não enxergá-lo e cair dentro dele! – Neste caso a Rose irá socorrê-la com o maior prazer. Baleias adoram entrar na água, e se for necessário ela solta uma bolha gigante de oxigênio pra você respirar... – Como assim você não sabe nadar? Não sei se você percebeu, mas nós moramos em uma vila portuária! – Questiona Lynn, mudando de assunto e impedindo que a outra colega se insurja contra o impropério a ela dirigido. – Simplesmente não sei, está bem? – A testa franzida trai o controle que ela parece ter da situação. – Já tentei uma vez, e deu terrivelmente errado. Mas isso não interessa! Não posso ir sozinha com minha prima, basicamente porque sabemos que o Grande Carvalho fica no meio da floresta, e dificilmente o encontraríamos numa área tão extensa simplesmente andando a esmo. – Quer que eu desenhe um mapa pra vocês? – A solicitude de Cigano é claramente irônica, mas resulta em um sorriso malicioso no belo rosto de Helen. – Mais do que isso: quero que você vá conosco! Gabar-se de ser o maior conhecedor da Praça das Flores e de suas trilhas é fácil, quero ver colocar isso à prova! As atenções se prendem ao francês, que hesita. Ele não consegue enxergar nenhuma plausibilidade naquela baboseira de espíritos, mas o fato é que uma incursão ao Grande Carvalho requereria o emprego de bastante tempo e esforço, especialmente na escuridão. – Você está recusando um desafio, Cigano? Quando é a sua vez o peso fica maior, não é? – Agora a líder da turma retruca na mesma moeda. – Está bem! Aceito a proposta! – Concorda o rapaz, contrafeito. E repentinamente sua face se ilumina sob a luz de uma nova idéia. – Mas condiciono minha presença à de Lynn! Afinal, o povo desta vila pode concluir coisas absurdas se me virem passando a noite só com vocês... Se ao menos fossem moças bonitas, eu poderia honrar minha reputação, mas não é o caso. 24

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Cigano é também conhecido pelo sucesso que faz entre as damas mais jovens da vila. Está sempre acompanhado de alguma linda donzela, que é constantemente sucedida por outra igualmente atraente. Nosso protagonista não tem outra opção que não aceitar. Ficaria muito feio para sua imagem evitar uma provação a qual até mesmo suas colegas se submeteriam. – Então está combinado? Pode ser dez minutos depois que a Taberna D’Javali fechar, para que ninguém nos veja? – Pergunta Helen, ignorando a provocação e indagando com os olhos se aquele era um bom horário para Rose. Esta concorda, com um risinho maldoso. – Combinado! – Respondem os colegas, em uníssono. – SILÊNCIO!! Eu sabia, tinha que ser o Lynn e o Cigano! Vocês dois nunca vão aprender? Deram sorte que já está na hora da aula acabar, senão eu daria uma punição!

III O intervalo temporal entre o anúncio do encerramento da aula e

a precipitação dos alunos para fora da sala foi algo notadamente curto, incentivado em grande parte pela chegada do fim de semana. Na visão dos estudantes, dois dias seguidos sem escola é uma bênção quase tão significativa quanto a lançada pelos Deuses no mar de Oakhill após o fim da guerra entre sereias e krakens. À porta da escola, Lynn e Cigano discutem sobre o acordo acertado com as colegas. – Foi uma idéia estúpida, isso sim. – É a opinião do francês. – Eu não tinha nada que ir, a gorda não vai dedar nada para os meus pais... – Qual é, parceiro? Um encontro com espíritos e você quer me deixar na mão? – Que espíritos, Lynn? Acredita mesmo nisso? Pense bem: se você fosse um fantasma, e por alguma razão quisesse ver as estrelas, pra quê sair do cemitério? Lá é silencioso, vazio, e não tem muitos obstáculos pra bloquear a visão! Seria muito... A conversa é interrompida pela voz austera de Copérnico, que provavelmente correu para alcançá-los, a julgar pela gota de suor que 25

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escorre por sua testa. Aquela proeza atlética só pode significar que ele tem algum assunto sério a tratar. – Vocês não estão falando sério quando dizem que vão para a Ilha do Tesouro, certo? Seriam muito idiotas se estivessem! – Ele parece genuinamente preocupado. A dupla troca um olhar divertido antes de responder. – É pra valer, Copérnico. E você vai com a gente! – Avisa o francês, rindo. – Perderam o juízo?! Não há nada naquele lugar! Só mato, areia e animais! – E um tesouro, Joe. – Acrescenta Lynn, a voz forçadamente séria. O colega balança a cabeça negativamente. – Insanidade! Não existe esse tesouro, todos sabem disso! – Isso não é verdade, Copérnico. O que todos sabem é que esse tesouro nunca foi encontrado. – Retruca Cigano, frisando bem a última parte. – O que não é de espantar, uma vez que... – Comenta Lynn, segurando um grande sorriso de triunfo. Ele deixa a frase em aberto, para atiçar o colega. – Se vocês sabem de algo que desconheço, digam logo! – Joe começa a ficar ansioso com o mistério feito pelos companheiros. – O que temos a dizer, Copérnico, é que ninguém nunca encontrou nada por não saber onde procurar! – Afirma o protagonista, sorridente. – Porque nenhum deles nunca teve um mapa! – Completa o francês. Eles não tinham ensaiado nada, mas são tão amigos que se entendem perfeitamente. – E vocês estão insinuando que conseguiram um? – A descrença é evidente na pergunta de Joe. – Exatamente! E até vou deixar você dar uma olhada nele, se... Lynn guarda o riso ante o teatrinho que o amigo representa. – Se o quê? – E agora a excitação de Copérnico é perceptível. Ainda que todas as evidências apontem no sentido de que o mapa não é verdadeiro, a possibilidade de analisar uma falsificação e revelar suas falhas é algo muito interessante, na visão do excêntrico rapaz. A mudança no comportamento é sinal de que a isca tinha sido mordida. – Pare agora, Cigano! Você tinha prometido que não mostraria o mapa pra ninguém! – Objeta o cúmplice, convincentemente fingindo que está irritado. Nesse momento o inteligente colega já se mostra completamente fascinado pelo mapa, conquanto tente disfarçar esse interesse. 26

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– Você tem razão, parceiro. Promessa é promessa... – Mas...! – E com esta súplica cai por terra o disfarce de impassividade de Copérnico. – Desculpe, mas este segredo é só nosso... – Avisa Lynn, pesaroso. – Não seja absurdo! Este mapa, se é que existe, é falso! Nosso herói troca um olhar grave com Cigano e simula indecisão. – Olha, Joe, não sei não... – E há certo embaraço na frase, como se o filho de Éfiro não soubesse se deveria expressar o que tinha em mente ou não. – Não sabe o quê?! – A irritação cresce exponencialmente. – Todos nós reconhecemos a sua inteligência, Copérnico. Inventar um aparelho que melhora sua visão com base em estudos sobre lentes feitos por Arquimedes não é para qualquer um, mas... – E o discurso do francês convenientemente se detém. – MAS O QUÊ?!? – Saber se um mapa é falso ou não... Isso deve ser muito difícil. Só especialistas se arriscam, e ainda assim muitos erram. Sem querer menosprezar seu intelecto, mas nesse caso acho que somente alguém com treinamento específico poderia atestar a veracidade do mapa. – Finaliza o melhor amigo do protagonista, usando um tom calmo, baixo, para tentar alterar o colega sem causar uma briga de verdade. – É verdade, Copérnico. Os Deuses sabem que você é um cara muito capaz, mas falsificação é um assunto totalmente fora de sua área. Talvez Gibbs possa nos ajudar... – Conjectura Lynn, com um ar pensativo. – MAS É CLARO QUE EU SEI ANALISAR UMA FALSIFICAÇÃO! A dupla coça o queixo, ainda insegura. Não está ainda plenamente convencida, e Joe tenta se acalmar para obter seu intuito. Respira fundo, fecha os olhos, e no momento em que os reabre já começa a respirar com mais tranquilidade. – Vocês estão de brincadeira, não é? Analisar um mapa é uma tarefa quase banal pra mim. Posso fazer de olhos fechados! – Cara, não é bem assim. Há toda uma técnica envolvida, e... – DÊEM-ME O MAPA!!! – Berra, desesperado. – Mas eu fiz uma promessa para o Lynn, tente entender... E então os dois amigos se afastam instintivamente, certos de que o companheiro explodirá em fúria. Mas ao invés disso, Joseph respira fundo mais uma vez e tenta se controlar, a veia saltando no pescoço. Após um longo suspiro, ele solta: 27

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– Pelo amor dos Deuses, permitam que eu dê ao menos uma olhada nesse maldito mapa! Cigano chama Lynn para um canto, para debaterem em privacidade. Afastados, começam a cochichar entre si enquanto lançam olhares avaliadores para o colega - este está atônito, ansioso pela aprovação da dupla. – Tudo bem, a gente te mostra o mapa, Joe, mas você vai ter que fazer algo para a gente. – O ultimato é dado pelo francês, que agora sorri. – Comprometer-se a ir conosco à ilha. – Eu devia imaginar! Cretinos! Não vou cair nesse truque infantil! Não irei à ilha e nem permitirei que o façam! Copérnico se afasta exaltado, resmungando consigo mesmo. Está visivelmente furioso por ter perdido tanto tempo em uma discussão inútil. – Que pena, Lynn! – Grita Cigano. – Talvez ele soubesse o que significa essa palavra esquisita no verso do mapa: “SAPRAQURI”! Joe estaca. É digna de pena a sua tentativa de autocontrole diante do estado de euforia que tenta se instalar em seu corpo. A emoção se pronuncia claramente em seus gestos, as mãos tremendo e as pernas visivelmente moles. E então ele se vira teatralmente, com uma expressão de derrota no rosto. – SAPRA significa “Barba”, e QURI, “Ouro”, em um idioma chamado quíchua. Certamente vocês não conhecem a linguagem, mas são familiarizados com o nome do famoso pirata... Uma profusão de gritos e abraços de alegria se inicia, e Copérnico é obrigado a gritar para atrair a atenção dos excitados companheiros. – Escutem! Emprestem-me o mapa. Prometo que vou analisá-lo com cuidado. Se for verdadeiro, irei com vocês à ilha. Cigano retira das vestes o objeto e o entrega ao amigo, satisfeito. – Cuide bem dele, parceiro. Nossa fortuna está aí... O estudante preferido de Anna se afasta, levando consigo o precioso pergaminho. Poucos metros à frente e já está entretido na análise do material, mas então se vira para os colegas e indaga: – Onde vocês conseguiram isso? Lynn encara o francês, igualmente curioso. No íntimo, acredita que o amigo forjou o mapa, somente para terem alguma razão para partir em uma aventura - mas isso não explica a sua confiança de que Copérnico não detectará a fraude. Seria o mapa verdadeiro? Cigano sorri misteriosamente e diz: – Estava em um baú, que um velho esqueceu na taberna. 28

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Copérnico se afasta com um olhar meio desconfiado, e nosso herói aguarda ele virar a esquina para perguntar aquilo que não faz sentido em sua suposição: – Como diabos você sabia que SAPRAQURI é “Barba Dourada”, Cigano? A gente nunca aprendeu este tal de quíchua! – Eu não sabia, parceiro... Disse aquilo porque é verdade! A palavra realmente está escrita no verso do mapa. Lynn o encara com severidade, o coração batendo forte. – Então dessa vez é pra valer? Um sorriso enigmático é a única resposta que obtém.

IV O sol de meio-dia brilha intensamente no céu. Lynn caminha

pelas ruas de Oakhill rumo à sua casa, olhando as poucas nuvens daquele início de tarde. Naquele instante elas se aglomeram curiosamente na forma de um pássaro. A fome urge em seu estômago, incentivando-o a apressar o passo para chegar logo em casa e almoçar. De tão absorto que está em sua contemplação faminta, o garoto nem percebe que alguém o chama repetidamente, ao longe. É necessário um verdadeiro escarcéu para que o futuro herói volte sua atenção à voz. Esta se revela como sendo a de sua mãe. A mulher vem em sua direção de um modo apressado, saindo da feira com várias sacolas - todas elas cheias de comida, para a satisfação do protagonista. Aqui é importante que você perceba, sobrinho, que esta pessoa que Lynn reconhece como sua mãe não é a princesa Lenna. Ao se aproximar, a senhora nota o óbvio interesse do filho pela comida e faz uma cara zangada, escondendo o conteúdo das sacolas. – Não é pra você comer agora, Lynn! Temos visita hoje! – Visita? Quem? – A surpresa do garoto é desinteressada, pois sua atenção está voltada para o alimento que em breve será servido em sua casa. – Morgan. Ele disse que almoçaria conosco hoje... Ela não se surpreende nem um pouco com a cara de desânimo do rapaz. 29

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– Ah não, mãe! O ancião caquético? Essa não! – Não fale assim dele, filho! Um homem tão importante! De qualquer forma, preciso de um favor... – Não adianta, não vou segurar o Ralph quando o Morgan chegar. Se dermos sorte, e convenientemente esquecermos-nos de alimentá-lo hoje, pode ser que meu garoto arranque uma perna do coroa... – Deixe de ser abobado! Preciso que você compre um quilo de peixe para o jantar. Eu mesma faria isso, mas já estou atrasada para preparar o almoço. E não se esqueça de alimentar bem o Ralph! Como ela foi bem enfática em jogar três moedas em suas mãos, Lynn acha melhor nem discutir. Ameaçando não comparecer ao almoço “por causa do velho intragável”, ele dá as costas à mãe. Seu primeiro impulso é comprar guloseimas com o dinheiro. O reino onde Oakhill se localiza, Inglaterra, é famoso por produzir um doce de frutas delicioso, fato que Lynn bem aproveita (“Mãe, você não está entendendo! Não quero seu dinheiro só para satisfazer minha gula, é uma questão de valorizar o produto nacional!”). Tais quitutes recebem o nome genérico de Swandy, embora possam ser totalmente diferentes uma das outras, a depender de quais frutas são utilizadas em sua fabricação. Num ato de extrema bravura, o garoto resiste à tentação inicial e se dirige a uma das várias barracas de peixe que se estendem pela feira. E já está com a boca aberta para fazer o pedido quando seus olhos enquadram algo errado na cena. Um pequeno vulto com um cabelo castanho escuro se desloca velozmente por baixo do balcão. “Gibbs”, o protagonista imagina, suposição imediatamente confirmada ao vislumbrar os distintos olhos pretos cor de jabuticaba do amigo. O baixinho vê o colega e coloca um dedo na boca, invocando o sinal universal de silêncio. Lynn nota o olhar confuso do vendedor, que o encara perplexo pelo silêncio do cliente após ter aberto a boca e nada dizer. – U-u-um q-qui-quilo de p-peixe. – Pede o rapaz, torcendo para que uma suposta gagueira seja o bastante para convencer o pescador. Felizmente não era um morador da vila, caso contrário o embuste não duraria nem um segundo. – Qual? – P-po-pode s-ser aque-aque-aquele. – Aquele qual, garoto?! A demora se presta a auxiliar o amigo em suas atividades escusas. – O d-da di-direi... 30

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Pedro Ivo Oliveira

Q P

edro Ivo Oliveira

nasceu em Belo Horizonte no ano de 1987, e se graduou em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Desde sempre foi atraído por literatura e por estórias, tendo começado a produzir suas primeiras narrativas já aos oito anos, distribuídas entre os familiares e os colegas de escola.

“Lynn e a Irmandade do Esmeralda” representa a primeira fase da vida do espadachim que nos anos futuros virá a se tornar um herói, à qual se seguirão os livros dois, três e quatro – último da série.

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“Lynn e a Irmandade do Esmeralda” é o primeiro volume da saga do espadachim, que se completa com: - “Lynn e os Anjos Esquecidos” - “Lynn e as Estrelas de Oakhill” - “Lynn e a Profecia”

U

ma antiga profecia no túmulo da Bruxa da Meia-Noite afirma que um homem imortal chamado Devon colocará a própria existência do universo em risco, e que somente um indivíduo poderá detê-lo, no futuro: o herói Éfiro. Éfiro está morto. Lynn é um rapaz alegre e despreocupado que vive na pequena vila de Oakhill, na Inglaterra, sem desconfiar que é o único filho do falecido herói – e a última esperança desse mundo. E quando os sete Generais de Devon começam a se aproximar dos míticos Artefatos Elementais, objetos de poder imensurável, o velho mago Morgan sente que o confronto derradeiro com o vilão se aproxima.

Pedro Ivo Oliveira

Admirador do gênero ficção, viu-se logo influenciado por jogos de aventura e fantasia. O texto que ora se dá ao conhecimento público começou a ser escrito há mais tempo, quando o autor contava apenas dezesseis anos.

uando o melhor amigo de Lynn, Cigano, alega ter encontrado um mapa elaborado pelo próprio Barba Dourada, seus companheiros imaginam se tratar apenas de uma desculpa para se aventurarem na ilha onde o lendário capitão pirata supostamente escondeu seu tesouro séculos atrás. O que o grupo de adolescentes não sabe é que o lugar para o qual se dirigem é protegido por um ancestral Deus da Morte e sua misteriosa maldição, e que a sobrevivência de cada um deles dependerá do quão forte forem seus laços de amizade. Enquanto isso o mago Morgan viaja através da Europa em uma tentativa desesperada de colocar em marcha diversos eventos necessários para a improvável salvação da humanidade. Assim tem início a jornada de Lynn, um jovem espadachim que terá de lutar com todas as forças para manter um minúsculo fio de esperança em meio às trevas que se erguem ao seu redor. A história de uma batalha dolorosamente impossível de ser vencida, mas que ainda assim tem de ser travada. Por amizade, por coragem, por amor.

Lynn é a única chance que lhe resta, mas conseguirá o jovem triunfar onde todos os outros falharam? Sem possuir o treinamento ou sequer o talento de seu pai, será possível derrotar um oponente tão superior?

08/04/2014 17:17:25


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