O Livro de Lucca

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O Livro O Livro de Lucca Felipe Braga Netto

ISBN 978-85-8425-997-7

de

Lucca Felipe Braga Netto



Cada um dá o que tem. Este livrinho é o melhor que eu pude fazer. É o Livro de Lucca. Está certo, longos anos se passarão até que Lucca possa ler o que está aqui. Não importa. O tempo adora a linguagem e perdoa quem vive dela. Acho que este livro pode esperar. É um livrinho amigo dos anos que virão. Eu quis dar o mais puro dos presentes, eu fiz o que pude. Escrever é meu melhor modo de agradecer. Cada um dá o que tem. Felipe Peixoto Braga Netto



Sumário

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19

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À sua maneira

Sobre o Tampinha

A arte de agradecer

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25

27

Ser leão faz calor

Olha nossa música aí, gente!

Os poderes mágicos do papai

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31

33

Sobre coisas que gostamos

Foi meu filho que ensinou

O pião sonoro de Lucca

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37

39

Da arte de ouvir conversas alheias

Sobre dentes e outras coisas que doem

Simplifica


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43

45

Coisas ruins e coisas boas

Lucca e Charles: prazer!

O melhor que há

47

49

51

Você desiste fácil das coisas?

Nunca ouviu isso não?

Sobre manchas laranjas e fotografias espaciais

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55

57

O que é bom dura pouco?

O que é relevante para você?

O seu nome

59

61

63

Um novo começo no planeta azul

Felicidade no lugar errado: o pobre dinheiro rico

Você se apoia em que?

65

67

70

A vitória da competência sobre a malandragem

Quantos interesses você tem?

Não renuncie aos sonhos de beleza

72

74

76

Certezas navegam lá fora

Lucca e suas amizades cheias de páginas

Tempestades querendo fazer amizade


78

80

82

O melhor vai começar

Como lembramos das coisas?

Ser não é achar que é

84

86

88

Nós que sabemos nos vestir

De que coisas precisamos?

Nós que não temos medo das palavras

90

92

94

Um brinde à imortalidade

O valor da oração

Um coraçãozinho com os dedos para a leitora

96

98

10 0

Não me aborreçam não!

A bicicleta vermelha

Navegando nas marés alheias

102

104

10 6

O dom de brincar

Nós que comemos brócolis!

O bloco da bolinha preta

108

110

111

Aprendendo a dizer não

A calma das coisas

O primeiro macarrão a gente nunca esquece


113

115

117

Vamos violar as regras que criei?

Fazendo amizades

Um (triste) esporte novo

119

122

1 24

Um pterossauro no banho

Sonhos emagrecem?

Saber olhar

12 8

12 9

13 1

Somos bons em julgar

Você sabe o que sente?

Pai pode ter medo?

133

13 5

13 7

Para Bia que virá

Sobre gostar

O universo se expande: minha paciência...

13 9

141

143

A gente quer mas não cabe

Um livrinho como ato de fé?

Quando fico longe de mim

145

147

149

O ursinho filho da ursa

Alguém está olhando?

Sobre alegrias: grandes e pequenas


151

153

155

Você duvida dos seus sonhos?

O país do Lucca

Anjos da guarda de olhos verdes

157

1 59

161

Transformando tudo na gente

Sobre aquilo que nos mata

Manhãs macias no janeiro mineiro

163

165

167

Sobre nossa banda predileta

Doses infinitas de renúncia

Nossa pequena máquina do tempo

169

1 72

174

Um domingo cheio de conselhos

Isso não pode!

Onde anda sua atenção?

176

178

18 0

Não tenho tempo!

Você não está tentando resolver sozinho?

Ah, não quero falar disso

182

18 4

18 6

O que você está fazendo com o tempo da sua vida?

Coisas que passam

Eu não disse que era fácil, eu disse que era bom


18 8

19 0

192

Nós que comemos tanto!

O poder de transformar o que nos acontece

Como se faz um livro?

194

19 6

198

A linha misteriosa do destino

Tudo dá certo no final

O chefe do bando

200

2 02

2 04

Seria bom, não seria?

Tente não reclamar

Vamos recomeçar?

206

2 07

209

Coração limpo para a intuição

A dose certa de ousadia

Um livrinho forte para os dias fracos

2 11

2 12

2 14

Felicidade onde?

O primeiro livro de seu pai

Sobre a arte do perdão

2 16

2 18

22 0

Vamos filho?

Coisas importantes acontecendo

A dor participa do alfabeto divino?


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224

226

É normal se sentir assim

Continue caminhando

Que importância isso terá lá na frente?

22 7

22 9

23 1

Convivendo com tentações

A coisa mais pura que há

Fazendo escolhas

233

23 5

23 8

Tchau, cachoeira, obrigado por tudo

Meu coração bate feliz...

Sobre o autor




“Você sabe que quase absolutamente nunca me atrevo a beijar recém-nascido? Não é questão de higiene não, é questão da parte física de Deus que a criancinha traz em si”. Mário de Andrade


Filho, uma das graças do universo é que cada estrela tem um jeito só seu, um modo próprio de brilhar, de dizer as coisas. Somos diferentes e é bom que seja assim. Negar isso é negar o divino que há em nós. Você não precisa ser igual aos outros, você não precisa gostar do que os outros gostam, você não precisa ouvir o que eles ouvem, você não precisa. A gente demora a entender isso, e nessa demora sofremos um pouco. Há uma fase da vida em que costumamos duvidar do nosso valor, e até questionamos as coisas que gostamos. É assim mesmo. O que posso dizer? Só que os melhores passaram por isso. Aqueles que fizeram canções que não esquecemos nunca, aqueles que escreveram livros que lemos e que continuam conosco, aqueles que de uma forma ou de outra mudaram o caminho da humanidade, esses já se sentiram assim, esses já passaram por isso. Respeite quem você é. Há nisso tudo um valor maior do que você imagina. Os melhores valores não se revelam logo – exigem tempo, exigem esforço, exigem talvez até certa dor. Mas em compensação os frutos que dão são eternos. Os melhores frutos amadurecem aos poucos. Glória tardia é glória melhor. Deixe os peixinhos seguirem 17


a maré deles. Nada errado nisso, todos têm seu caminho. Mas sua maré pode ser outra. Talvez você precise remar contra as águas comuns durante um tempo, talvez haja tempestades. Tempestades não são tão ruins quanto parecem. Está certo, enquanto duram são ruins. Mas a comida também precisa do fogo para se tornar saborosa, a pérola não nasce sem a areia que incomoda. Filho, que você saiba conquistar – aos poucos e com dignidade – a liberdade de fazer às coisas à sua maneira. Eu só diria isso para certos alguéns, jamais para todos. Por isso digo para você. Faça às coisas à sua maneira, descubra seu tom no acorde geral. Há beleza nisso. Em reconhecer a singularidade dos nossos passos, em achar bonito nosso lugarzinho no mundo.

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Sobre o Tampinha

Lucca sabe o que quer, Lucca sabe do que gosta. Isso todos nós sabemos (sabemos que ele sabe, é só isso que sabemos; nós, adultos, nem sempre sabemos o que queremos, só achamos que sabemos). Lucca sabe até das coisas que gosta na televisão – ele que ainda não fala. Não que ele veja televisão, não é isso, mas é que Lucca às vezes está perto de alguma televisão ligada e ele não deixa de notar o que lhe desperta atenção. Do jornal – que conta coisas e fala da maldade dos homens – ele gosta do final, com aquelas letrinhas subindo e daquele barulho que acompanha. Das novelas, gosta das canções de abertura. Lucca tem bom gosto. Gosta sobretudo de uma canção bonita que toca na abertura de uma novela antiga: “Mande notícias do mundo de lá, diz que fica. Me dê um abraço, venha me apertar, tô chegando...”. Lucca tem propagandas prediletas. Não gosta de todas, só de algumas. E, como eu disse antes, sabe bem do que gosta. Gosta por exemplo da propaganda do Tampinha. É um garoto baixinho que, ao sair da escola andando para casa, vai encontrando com outros garotos e garotas no caminho, e todos dizem: “E aí, Tampinha?”. O Tampinha não responde. Parece que o Tampinha fica chateado, só 19


que não. Assim que chega em casa o tampinha abre o computador e começa a fazer um vídeo, todo animado. Começa dizendo: “Fala galera! Aqui quem fala é o Tampinha...”. Aí a gente vê que Tampinha é um apelido que ele gosta, é um apelido carinhoso, bom, querido. Que nem ele nem ninguém acha ruim, todos acham bom. E quem assiste sorri aliviado. Acho que o Lucca também. Sua mãe me disse hoje que você está menor que seus coleguinhas com idade parecida. Eu respondi: “Claro, o pai escolheu uma mãe tampinha para ele”. Ela respondeu que o pai também é um pouco tampinha, mas isso é mentira, isso não encontra base probatória nas fitas métricas existentes no mundo. E também, se formos todos um pouco tampinhas, que mal há nisso? Já viu perfume caríssimo francês sendo vendido em garrafa de dois litros? Eu nunca. Você é o bebê mais lindo dos metros próximos, dos bairros daqui e de lá, acho até que das galáxias da região, incluindo Andrômeda. Isso quem diz não é só sua mãe, somos todos que temos olhos para ver. E além de bonito, você é o Lucca. Deveria bastar dizer isso. Que mais poderíamos querer? Só acenar para Deus dizer oi, obrigado, sabemos do presente que chegou. Sabemos comovidos disso. Olá galera, nós somos os Tampinhas!

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A arte de agradecer

Filho, nós – os infelizmente adultos – somos seres desmemoriados. Um ser desmemoriado é alguém que não se lembra bem das coisas. Ou de certas coisas. Nem falo agora dos velhinhos – e isso está ficando tão comum – que não lembram o que almoçaram (se bem que muitas vezes nem eu lembro), que não se recordam que já contaram aquele caso 49 vezes e querem muito contar mais uma. Não é desse esquecimento que falo, não é nele que penso agora. Falo do esquecimento que frequentemente temos das coisas boas que nos aconteceram. Sabia que somos assim? Em geral somos assim. Conquistamos algo que queríamos tanto e logo já achamos normal ter aquilo. E dirigimos nossa insatisfação para outros lugares. É feio isso, não acha? Já caminhamos tanto, já superamos coisas que pareciam tão difíceis de ser superadas! Então, sim, vamos lutar por outras conquistas, mas sem esquecer de agradecer – todo dia – por aquilo que já chegou. E agradecer não é balbuciar em voz alta, alguns segundos, essa frase. É algo mais sentido que dito, é algo que quando sentimos de verdade até nos comove um pouco. Porque você pode achar normal ser ou ter algo hoje, algo que você já é ou já tem, mas lembre-se que 21


nem sempre foi assim. E se tudo não fosse como é? Ou se você acordasse um dia e perdesse o que tem? E isso de ser grato, se realmente existir como algo puro dentro de você, conduz a um estado de alma que propicia novas conquistas, sabia? Pelo menos eu acho. E dá uma lente certa contra o abismo feio das reclamações. Sim, todos reclamam, sobretudo eu. Mas é um modo não produtivo de estar na vida, é um modo pouco inteligente. Pessoas eficazes observam e, no tempo certo, agem, mudando as circunstâncias em direção àquilo que desejam, ainda que a estrada seja longa. Gosto disso de um passo depois do outro – é bonita a construção imensa que nasceu de pequenos esforços somados. Ah: não é certo esquecer das pessoas que nos ajudaram nos tempos incertos. É bom poder recordar aquilo que sentíamos quando pedíamos tanto – por favor, por favor, por favor – o que temos hoje. Se você pensar bem verá sua vida, até aqui, é feita de muitos milagres realizados. É isso, Lucca. Só queria registrar que nós, os adultos sérios, somos em geral desmemoriados em relação ao bem.

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Filho, hoje é seu aniversário de 1 ano, veja que bonito. Comemoraremos amanhã, faremos uma festinha de arromba lá embaixo, soube que você vai de leão. Faremos uma festinha tão boa que nenhum convidado vai querer acabar de sair. Agora chove em Belo Horizonte, as árvores estão brilhantes e felizes, até um início de frio quis dizer estou aqui mas ficou na intenção. Aposto que você gosta de ser leão, mas não gosta de calor, e acho que ser leão faz calor, vamos ver. Seu pai é leão há algumas décadas e também não gosta de calor. Dizem, aliás, que você parece comigo, preciso registrar que afirmam isso quase todos os dias, pessoas altas e baixas, magras e gordas, pobres e ricas. O que posso fazer, não quero contar vantagem nem nada, mas a voz do povo é a voz de Deus, sabe como é. Falando no calor ainda. Todos os dias sua mãe diz: mas o Lucca é igualzinho ao pai nisso ou naquilo. No cabelo arrepiado, no “ser do contra”, no gostar de livros, e em outras coisas que não lembro agora. Mas o que achei muito igual foi você gostar de dormir só com o ar condicionado ligado no modo polo norte – que nem seu pai. Não só isso: com cobertor. Eu durmo assim todos os dias, e mesmo sua mãe e Marinez que não gostam de 23


frio tiveram que aceitar sua clara vontade desde pequeno. Acho engraçado quando vejo você no seu quartinho de coberta azul, aquela cheia de estrelas, um frio danado em volta, eu só sorrio entendendo suas preferências. É isso, filho. Já escrevi para você hoje – algo até mais bonito do que isso, eu acho. Não gosto de discursos pomposos, prefiro falar de coisas pequenas que vão na cabeça e no coração da gente. E nós, leões mineiros, andamos muito ocupados para perder tempo com palavras vãs. Lucca prefere o essencial das coisas e eu vou atrás – leão velho também aprende.

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Filho, acabo de chegar do aeroporto de Confins – fui levar você, sua mãe e a Marinez. Você fez um aninho semana passada, você passou quase dois meses aqui em Belo Horizonte. Sim, terei saudade mas não estou triste, estou é feliz por saber de você em nossas vidas – de um modo sábio e doce. Às vezes dá uma tristezinha rápida que passa logo, como agora – voltando sozinho dirigindo o carro – quando olho pelo retrovisor e de lá sempre vejo você na sua cadeirinha, por aquele outro espelho que reflete bem você acordado ou dormindo (hoje você preferiu dormir na viagem entre a Rua Pernambuco e Confins, no que fez muito bem, saímos tão cedo). Na volta vejo a cadeirinha vazia o que me dá um momentâneo aperto no coração, mas passa. Você não vai acreditar, filho. Sabe a primeira canção que tocou no rádio logo que peguei a estrada de volta? A primeira? Dia clarear, a nossa música, a canção que você mais gosta – juro que tocou pra me fazer companhia. E neste 8 de janeiro o dia realmente clareou, o céu se fez límpido, o verde de Minas diz que houve chuva por perto. Volto sozinho e o rádio – sintonizado, sempre, na Brasileiríssima, 100,9 – acha que preciso de canções que 25


façam sentido e que combinem com a paisagem, com a de dentro e com a de fora. Então volto com Djavan, Luiz Melodia, Renato Teixeira, me diga se não foi bom? Se você estivesse comigo você gostaria também. Aliás, você adora andar de carro – observa, muito atento, o movimento das árvores passando, alguns anjos da guarda voando apressados para proteger alguém, a beleza das moças que nem sabem como são bonitas (as que sabem são menos bonitas), a vida sendo vivida nas coisas pequenas e grandes de todo dia. Viver é bonito, filho. Mesmo com as dores que temperam de outros sabores o caminho, viver é bonito. E o melhor mesmo é ter amores na bagagem, qualquer viagem que faço sozinho é menos sozinha agora. Compreendo a vida olhando para trás, mas me mantenho com os olhos à frente. É isso.

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O Livro O Livro de Lucca Felipe Braga Netto

ISBN 978-85-8425-997-7

de

Lucca Felipe Braga Netto


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