Gilmar Ferreira Mendes Ministro do Supremo Tribunal Federal
RAFAEL CAMPOS SOARES DA FONSECA
“
Luiz Edson Fachin Ministro do Supremo Tribunal Federal e Professor Titular da Universidade Federal do Paraná.
ISBN 978-85-8425-498-9
editora
Rafael Campos Soares da Fonseca
Mestre em Direito, Estado e Constituição pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Graduado em Direito pela UnB. Professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Participante do Programa de Iniciação Científica UnB/CNPq nas edições de 2012/2013 e 2013/2014. Ex-Membro do Conselho Editorial e atual membro do Conselho Revisor da Revista dos Estudantes de Direito da UnB. Analista Judiciário no Supremo Tribunal Federal, atualmente ocupa o cargo de Assessor de Ministro. Ex-Assessor Parlamentar no Senado Federal.
Também aspiramos no Brasil de hoje ver no destino próximo como termina o enredo aqui tecido por Rafael. O desafio autêntico está bem-posto pelo jovem Mestre. Estou certo de que o que vem, no limiar do futuro, pode ser uma boa resposta para todos que, tal como o autor, se comovem em pensar o presente para transformá-lo em benefício de todos.
O ORÇAMENTO PÚBLICO E SUAS EMERGÊNCIAS PROGRAMADAS
“
A presente obra se revela uma rica fonte de reflexões sobre as principais questões autuais que permeiam o Direito Financeiro brasileiro. Espera-se que, por seu incontestável mérito, este trabalho estimule o aprofundamento dos debates acadêmicos relativos à importância do regime jurídico orçamentário para a realização dos fundamentos democráticos estruturantes da nossa ordem constitucional.”
Rafael Campos Soares da Fonseca
O ORÇAMENTO
PÚBLICO E SUAS EMERGÊNCIAS PROGRAMADAS
Prefácio
Apresentação
Gilmar Ferreira Mendes Luiz Edson Fachin
“Na seara da Constituição Financeira, a constitucionalização faz-se perceber justamente a partir da temática dos custos dos direitos fundamentais, haja vista que o Direito Financeiro atua na qualidade de plataforma de realização de todo projeto constitucional. Nesse contexto, os créditos adicionais são instrumentos adjetivos à orçamentação, de modo a adaptar o planejado à realidade fiscal. Logo, a utilização de créditos alheios aos previstos na Lei Orçamentária Anual deve ser sempre residual. Assim, esta obra se propõe a abordar o seguinte problema: houve uma ofensa sistemática à Constituição Financeira, em decorrência da utilização reiterada de créditos extraordinários no âmbito federal, no período de 2008 a 2015?”
O ORÇAMENTO
PÚBLICO E SUAS EMERGÊNCIAS PROGRAMADAS
Rafael Campos Soares da Fonseca
O ORÇAMENTO
PÚBLICO E SUAS EMERGÊNCIAS PROGRAMADAS
editora
Copyright © 2017, D’ Plácido Editora. Copyright © 2017, Rafael Campos Soares da Fonseca Editor Chefe
editora
Plácido Arraes Produtor Editorial
Tales Leon de Marco Capa
Letícia Robini de Souza Diagramação
Bárbara Rodrigues da Silva Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida, por quaisquer meios, sem a autorização prévia da D’Plácido Editora.
Catalogação na Publicação (CIP) Ficha catalográfica FONSECA, Rafael Campos Soares da O orçamento público e suas emergências programadas -- Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2017. Bibliografia ISBN: 978-85-8425-498-9 1. Direito. 2. Direito Público I. Título. II. Direito CDU341 CDD342
Editora D’Plácido Av. Brasil, 1843 , Savassi Belo Horizonte – MG Tel.: 3261 2801 CEP 30140-007
“A premissa é direta: compreender o Direito não é apenas uma operação mecânica, antes é um diálogo permanente entre seres humanos que não deve cessar jamais. Por isso mesmo, o texto que segue é introdutório. Ele também é um fim. Ou recomeço.” Luiz Edson Fachin “Para nós, a estabilidade institucional no Brasil depende de dois fatores: sua adequação efetiva à realidade nacional e o empenho dos grupos dirigentes em aliarem-se para fortalecer as instituições, e não, como sempre aconteceu, para torná-las inviáveis.” Afonso Arino de Melo Franco
Aos meus amados pais, Reynaldo e Luziana. À Karen, meu amor.
AGRADECIMENTOS
Esta obra tornou-se possível graças a uma somatória de auxílios prestados a mim, além das incontáveis horas e angústias exigidas por um esforço acadêmico dessa natureza. Nesse sentido, dedico estas singelas linhas para prestar minha gratidão pelo privilégio da convivência com as pessoas a seguir nomeadas. Agradeço a Deus pelo dom da vida e por me dar forças para cumprir mais esta etapa de minha missão vocacional. Presto também meus agradecimentos aos meus pais, Reynaldo e Luziana, pelo amor, carinho, conselhos e apoio incondicionais a mim dados ao longo de minha vida. Infelizmente, nunca serei capaz de retribuir ou mensurar os sacrifícios feitos em prol da criação e preservação de nossa família. Sou grato, ainda, a meus irmãos, Leonardo e Gabriel, pela alegria da companhia fraternal. Aproveito para agradecer a todos os membros das Famílias do Vale, Campos, Soares e da Fonseca. Uma vez mais, presto minha gratidão à Professora Claudia Roesler pelos mais de cinco anos de orientação, paciência e confiança, desde as aulas de Introdução ao Direito a esta publicação, perpassando os programas de iniciação científica, grupos de pesquisa, monografia e aulas no mestrado. Ao Professor e Ministro do STF Gilmar Mendes, meu muito obrigado por aceitar orientar-me no mestrado, a despeito de atribulada rotina e agenda de compromissos. Igualmente, por me permitir laborar em seu Gabinete por mais de um ano, tempo no qual pude desfrutar do convívio de grandes profissionais. Aproveito o ensejo para agradecer, especialmente, ao atual Chefe de Gabinete Celso Correia Neto, que muito me auxiliou na escolha do tema, assim como à Assessora Maria Clara, pela amizade constante. 9
Ao Ministro do STF Luiz Edson Fachin, mesmo se quisesse, jamais poderia expressar com exatidão e à altura minha gratidão pela oportunidade de conhecê-lo, integrar sua Asessoria e desfrutar de seus ensinamentos, portanto me limito a afirmá-lo meu norte profissional e pessoal. Nessa oportunidade, agradeço o apoio e a convivência da equipe do Gabinete: Paula Boeng, Paula Cristina, Miguel, Roberto, Christine, Matheus, Susana, Fernanda, Luiz e todos os demais. Aos Juízes Federais Ricardo Rachid e Camila Plentz, meu agradecimento por tudo. Sinto-me obrigado aos Professores Valcir Gassen, Marcelo Neves, Paulo Burnier, Henrique Araújo e Marcus Faro pelas lições no âmbito da pós-graduação. Aproveito para estender a gratidão à Faculdade de Direito da Universidade de Brasília e às pessoas que a tornaram viva durante meu mestrado, dos funcionários aos colegas, especialmente a Saint-Clair Diniz Martins Souto (in memoriam) por compartilhar a alegria do nascimento de Joaquim. Ao Professor e Ministro do STJ Luiz Gurgel de Faria por me aceitar na condição de Assistente de Docência na disciplina de Direito Financeiro, assim como pelo exemplo de dedição profissional na Judicatura e Academia. Ao Procurador-Geral do Ministério Público junto ao TCU Paulo Soares Bugarin pela disponibilidade ao diálogo multidisciplinar e altivez na fiscalização das contas públicas federais. Ao Professor Fernando Facury Scaff meu termo de confissão de dívida pelos enriquecedores diálogos sobre o Direito Financeiro e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, além das precisas indicações bibliográficas. Enfim, agradeço à Karen com todo amor que houver nesta vida, por me aceitar como sou e pelo tempo juntos que lhe furtei para a realização deste estudo.
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Ação Direta de Inconstitucionalidade Ação Declaratória de Constitucionalidade Advocacia-Geral da União ou Advogado-Geral da União Agravo Regimental Análise Empírico-Retórica do Discurso Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental Assembleia Nacional Constituinte Ato das Disposições Constitucionais Transitórias Comissão Mista de Planos, Orçamento Público e Fiscalização Congresso Nacional Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Decreto-Lei Diário de Justiça do Supremo Tribunal Federal Diário de Justiça Eletrônico do Supremo Tribunal Federal Embargos Declaratórios Emenda Constitucional Ethos Fundo de Financiamento ao estudante do Ensino Superior ou Fundo de Financiamento Estudantil Lei de Diretrizes Orçamentárias Lei Orçamentária Anual Lei de Responsabilidade Fiscal Logos Medida Cautelar Medida Provisória
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ADI ADC AGU AgR AERD ADPF ANC ADCT CMO CN CR/88 DL DJ DJe ED EC E FIES LDO LOA LRF L MC MP
Pathos Plano Plurianual Presidência da República ou Presidente da República Procuradoria-Geral da República ou Procurador-Geral da República Produto Interno Bruto Programa Nacional de Acesso ao ensino Técnico e Emprego Proposta de Emenda à Constituição Questão de Ordem Recurso Extraordinário Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal Repercussão Geral Supremo Tribunal Federal Vice-Presidência ou Vice-Presidente
P PPA PR PGR PIB Pronatec PEC QO RE RISTF RG STF VP
SUMÁRIO
PREFÁCIO
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APRESENTAÇÃO
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INTRODUÇÃO
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1. O ORÇAMENTO PÚBLICO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988
33
1.1. A Dimensão Financeira do Estado Constitucional 1.1.1. Estado Fiscal e República 1.1.2 Federalismo Fiscal 1.1.3 Soberania Fiscal 1.1.4 Constituição Financeira 1.2. Democracia Deliberativa e sua Dimensão Financeira 1.3. A Dimensão Constitucional do Orçamento Público 1.3.1. A lei do orçamento público 1.3.2 O orçamento público na Constituição da República de 1988
2. A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E A JUSTICIABILIDADE EM ABSTRATO DAS DECISÕES ORÇAMENTÁRIAS 2.1. Análise Comparativa sobre a Legitimidade Democrática da Jurisdição Constitucional: entre a teoria da argumentação standard e a retórica moderna
34 35 40 42 45 51 53 55 62
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2.1.1. A tópica de Theodor Viehweg e as teorias da argumentação jurídica 2.1.2. Teoria da argumentação jurídica standard 2.1.3. A Construção Retórica do Direito 2.1.4 Democracia e corte constitucional 2.1.5 A possibilidade e a conveniência da jurisdição constitucional na democracia 2.2. Estratégias Metodológicas de Análise de Discursos do STF a partir da Teoria da Argumentação Jurídica Padrão e da Retórica Moderna 2.3. A Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.048 2.3.1. A narrativa jurisprudencial acerca do controle objetivo de normas orçamentárias 2.3.2. Uma visão do julgamento da ADI-MC 4.048 2.4. Coesão, coerência e consequências da ADI-MC 4.048 2.5. Análise Empírico-Retórica da ADI-MC 4.048 2.6. A Justiciabilidade em Abstrato da Abertura de Créditos Extraordinários
3. O ORÇAMENTO PÚBLICO E A ABERTURA DE CRÉDITOS EXTRAORDINÁRIOS POR MEDIDA PROVISÓRIA 3.1. A Separação dos Poderes e a Emergência Constitucional 3.1.1. O Poder Executivo e a abertura de créditos extraordinários 3.1.2. O Poder Legislativo e a abertura de créditos extraordinários 3.1.3 O Poder Judiciário e a abertura de créditos extraordinários 3.2. Créditos Extraordinários, Hiperpresidencialismo e Democracia Delegativa
CONCLUSÃO
86 92 95 97 100
101 111 112 124 129 139 146
153 154 159 173 179 188
197
REFERÊNCIAS
205
ANEXO A – EMENTA, ACÓRDÃO E EXTRATO DE ATA DA ADI-MC 4.048
225
ANEXO B – VISÃO GLOBAL DA ADI-MC 4.048 E INCIDÊNCIA DE INDICADORES RETÓRICOS
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ANEXO C – LISTA DE MEDIDAS PROVISÓRIAS PARA ABERTURA DE CRÉDITOS EXTRAORDINÁRIOS (2008-2015)
230
ANEXO D – AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE AJUIZADAS EM FACE DE MEDIDA PROVISÓRIA QUE VEICULE ABERTURA DE CRÉDITO EXTRAORDINÁRIO
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PREFÁCIO
A construção do Estado Democrático anunciado pela Constituição Federal de 1988 passa por custos e estratégias que vão além da mera declaração lírico-poética de direitos. Não há Estado Social sem que haja também Estado fiscal, são como duas faces da mesma moeda. Existe sempre uma decisão financeira detrás de cada atuação estatal que demande recursos, esta é, por sua vez, precedida de uma atividade de arrecadação, que torna a decisão de gastar possível. Por esse motivo, a gestão das finanças públicas perpassa invariavelmente pela valorização de um saber ético republicano: “forçam a levar em conta, de modo público, os sacrifícios que nós, como comunidade, decidimos fazer, a explicar do que pretendemos abrir mão em favor de objetivos mais importantes”1. Orientam escolhas, portanto. No contexto do Estado Fiscal brasileiro, a força normativa do princípio da separação dos poderes impõe ao Legislativo e ao Judiciário o desafio de controlar os atos de gestão de recursos públicos, sem furtar ao Poder Executivo o exercício das previsões constitucionais de acomodação do orçamento público às contingências da realidade posta. Esse controle, para além de assegurar a sustentabilidade financeira do Estado, visa à preservação da essência democrática do planejamento de despesas e receitas. Embora nos últimos anos a doutrina administrativista e constitucional tenha conferido enfoque cada vez maior ao controle externo da atividade financeira realizada pelo Poder Legislativo com o Gustavo Amaral, Direito, escassez & escolha: critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas, 2. ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 42.
1
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auxílio dos Tribunais de Contas, pouca atenção tem sido conferida à fiscalização judicial da função legislativa atribuída ao Presidente da República para abertura de créditos extraordinários por meio de Medida Provisória, estabelecida no art. 167, § 3º, da Constituição Federal de 1988. Conquanto tal previsão constitucional vise dar suporte financeiro à adoção de medidas urgentes para a superação de hipóteses estritas de crise derivadas de acontecimentos como ou semelhantes à guerra, à comoção interna ou à calamidade público, impressiona a quantidade elevada de Medidas Provisórias editadas nos últimos anos para a abertura de créditos extraordinários. Somente no período de 2008 a 2015, foram editadas 51 (cinquenta e uma) MPs, que perfizeram a abertura de mais de 270 bilhões. A presente obra contribui enormemente para a superação da lacuna doutrinária em tema tão relevante para o Direito Financeiro Constitucional. Seu autor, o jovem e já tão brilhante jurista Rafael Campos Soares da Fonseca, afigura-se como um notável exemplo de dedicação acadêmica e de empenho profissional cujo crescimento tive a oportunidade de acompanhar. Integrante da carreira de Analista Judiciário do Supremo Tribunal Federal, Rafael Fonseca compôs minha equipe de assessoria tendo colaborado no enfrentamento de diversas questões afetas ao Direito Financeiro que desafiaram a jurisprudência da Corte Constitucional nos últimos anos. O texto ora apresentado corresponde, com adaptações, à dissertação que conferiu ao autor o título de Mestre em Direito, Estado e Constituição pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB). Atuei como orientador do trabalho, o qual foi aprovado com vigorosos elogios por Banca Examinadora composta pela ilustre Professora Doutora Claudia Rosane Roesler, pelo digno Professor Doutor e Ministro do Superior Tribunal de Justiça Luiz Alberto Gurgel de Faria e pelo ilustre Professor Doutor Celso Correia Neto. Imbuído de um rigor científico e metodológico digno de destaque, a presente obra desvenda, no seu primeiro capítulo, o perfil normativo do orçamento público na Constituição Federal de 1988, destacando especialmente como princípios estruturantes do Estado Democrático de Direito dialogam com os aspectos financeiros da atuação pública. Reconhecendo a imanente tensão entre Democracia e Constitucionalismo, na segunda parte, examina-se o grau de coe18
rência argumentativa da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal relacionada à censura, em sede de controle abstrato de constitucionalidade, de normas orçamentárias. Nesse ponto, são esmiuçadas, a partir da chamada Análise Empírico-Retórica do Discurso (AERD), as razões de decidir assentadas no Acórdão da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.048, precedente em que se assentou a possibilidade de se submeter à fiscalização abstrata de constitucionalidade Medidas Provisórias de abertura de crédito extraordinário. Por fim, na terceira parte da obra, faz-se uma avaliação empírica de todas as Medidas Provisórias promulgadas com essa finalidade pelo Poder Executivo Federal nos anos de 2008 a 2015, demonstrando-se que a utilização incauta desses atos normativos traduziu-se em verdadeira ofensa sistêmica à dimensão financeira da Constituição Federal de 1988. Em todas essas dimensões, a presente obra se revela uma rica fonte de reflexões sobre as principais questões autuais que permeiam o Direito Financeiro brasileiro. Espera-se que, por seu incontestável mérito, este trabalho estimule o aprofundamento dos debates acadêmicos relativos à importância do regime jurídico orçamentário para a realização dos fundamentos democráticos estruturantes da nossa ordem constitucional. Boa leitura.
Gilmar Ferreira Mendes Ministro do Supremo Tribunal Federal
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APRESENTAÇÃO
UM MONÓLOGO DE TRÊS: O ORÇAMENTO PÚBLICO EM QUESTÃO NO TRIPÉ DOS PODERES A crítica consistente que emerge do texto de Rafael Campos Soares da Fonseca traz implícita uma summa divisio atribuída2 a Churchill:“a diferença entre um estadista e um demagogo é que este decide pensando nas próximas eleições, enquanto aquele decide pensando nas próximas gerações”. No trabalho do autor que aqui apresentamos há um pensamento estruturado para fazer diferença às gerações do porvir, atento ao presente e arguto quanto à experiência pretérita que examina no Estado brasileiro. Ambientado pela pesquisa acadêmica e nutrido pelo conhecimento empírico dos pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, o atilado labor que vem a lume também se anima em aportar no cenário dos debates apreciação apropriada sobre o exercício dos poderes, que oscilam entre a hipertrofia e a afonia. A propósito, nascido pela criação de Fernando Pessoa, o Livro do desassossego contém3 oração lapidar de Bernardo Soares: “Toda boa conversa deve ser um monólogo de dois”. Ali se alça o sentido verdadeiro do diálogo que não convive com superlativações nem com afasia. Com ouvidos de ouvir o entendimento dos seres falantes se transforma e reluz ao dizer mais sobre quem dialoga do que sobre o que versa. CYRINEU, Rodrigo Terra. Da dupla inconstitucionalidade advinda com a Lei 13.165/2015. In: TAVARES, André Ramos; et alii. O direito eleitoral e o novo Código de Processo Civil. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 480. 3 CAVALCANTI FILHO, José Paulo. Fernando Pessoa: o livro das citações. Rio de Janeiro: Record, 2013, p. 53. 2
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Essa ideia aporta à mente na radiografia de práticas que arrostam a harmonia e a independência dos poderes à luz do problema do orçamento. Assim o faz Rafael Campos Soares da Fonseca, autor desta luminosa obra, ao expor, criticar e propor saídas na tríade Orçamento público, Medidas provisórias4 e Créditos extraordinários. Fruto de dissertação de Mestrado defendida e aprovada perante a Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, ao reprochar a naturalização do paradigma da emergência, cumpre com sobras e à grande os pressupostos de um texto compromissório fincado na solidez acadêmica da metodologia e na ancoragem pragmática dos dias presentes. Chama para si o desafio que elege tempo (período entre 2008-2015) e espacialidade, nesta o orçamento público. Volve, por conseguinte, seu acutíssimo olhar sobre federalismo fiscal e compromissos intergeracionais, levando ao centro do palco de suas reflexões a sustentabilidade financeira. Questiona e expõe dados, fatos e conceitos que repousam sobre o Poder Executivo federal e o sistema presidencialista brasileiro, mirado sob a perspectiva da eficiência e da justiça, bem como do planejamento fiscal. Discorre de modo minudente sobre a jurisprudência, nomeadamente do Supremo Tribunal Federal. Sem travas, como é próprio de quem nasce para a vida plena, arremata indicando afronta à sistemática constitucional pela utilização reiterada de créditos extraordinários via medida provisória, v.g. auxílio-moradia. Os leitores, estudantes e estudiosos, tem em mãos uma obra que se traduz, sem favor algum, numa contribuição genuína ao debate sobre o perfil normativo do orçamento público como parâmetro de correção material da conduta estatal no ciclo orçamentário. Mais ainda, nela está inserido um corpo discursivo escorreito que reclama, com razão, da ausência de diálogos institucionais guiados pelos deveres e limites constitucionais. Aponta, por isso, criticamente a assimetria entre gastos e recursos públicos. Ao fazê-lo, toma para si o imenso esforço de utilizar a metodologia tridimensional estruturante, à luz da qual procede ao exame da superação focalizadas tanto na solução populista quanto na solução autoritária. 4
Trilha a senda do pensamento conhecido, na matéria, do Professor Ivens Gandra da Silva Martins, exposto por Hamilton Dias de Souza: “(...) a prática que se tem verificado bem demonstra o abuso na utilização de medidas provisórias”. In: MARTINS, Ivens Gandra da (org.). Comentários ao Código Tributário Nacional, volume 1. 7ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 49.
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A dissertação de Mestrado de Rafael Campos Soares da Fonseca nasce um clássico, na forma e no conteúdo, máxime pela nevrálgica apreciação da judicialização da política. O autor se põe ao debate da jurisdição constitucional coerente com as exigências democráticas, e de maneira intimorata leva a efeito análise empírico-retórica dos discursos argumentativos no processo decisional da jurisdição constitucional. Exprobra o monólogo institucional vertido no criticável decretismo governamental, assentando a exposição em dois grandes capítulos introdutórios: orçamento público na Constituição e controle de constitucionalidade das normas orçamentárias, mais de uma centena de páginas relevantes; não passam incólumes a jurisdição constitucional sediada no STF nem a atuação (ou a falta respectiva) abrigada no legislativo. Isso feito adentra ao núcleo da meditação a fim de sopesar a presença de abuso institucional e a deficiência do prestar contas5. O que vem a lume é a prova de que, em tal seara, seria possível repetir o que, ainda que em outro contexto, escreveu Miguel Torga: o transitório se sobrepõe ao duradouro. O grande autor português, na imagem que fez do Senhor, um dos textos inseridos na obra Novos contos da montanha, se referia à contingência terrena do nascimento humano, feito do filho o parto pelas “mãos poderosas, humanas, que acabam de o roubar à escuridão do nada” 6. Entre o sagrado e o herético emergem os limites e as possibilidades da omnipotência que compele à insurdescência e não ao entendimento. A partir das constatações, análises e críticas expostas, o autor brinda-nos com conclusões relevantes para dar sentido e alcance ao projeto constitucional brasileiro de 1988 e sua efetividade. O autor soube colher o que se pode ouvir da realidade circundante, o que o autoriza, de modo consistente, a repensar papéis e funções do Executivo, do Legislador e do próprio Judiciário. Abre, pois, portas para um dialogar que reside no respeito à Constituição, à força normativa orçamentária e às regras que concedem previsibilidade ao planejamento fiscal. O texto que ora delineamos Por isso mesmo a imbricação entre accountability e democracia efetiva (como se colhe em MENDES, Gilmar Ferreira. Arts. 48 a 59. In: MARTINS, Ivens G. da Silva; NASCIMENTO, Carlos Valder (Orgs.). Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 398). 6 TORGA, Miguel. Novos contos da montanha. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996, p. 244. 5
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mora no presente, nada obstante discorre sobre pretérito recente para conviver com possibilidades reais de um porvir que sobrepuje a hipertrofia contemporânea dos poderes pelo equilíbrio que traz temperança e diálogo. É um belo principiar de jornada, com bússola que anima os pés dos caminhantes desejosos de cumprir sua missão e ir até o fim. Narra Alberto Manguel, em seu livro7 As aventuras do Menino Jesus, que “durante um exame oral de grego na Universidade de Oxford, o professor pediu a Oscar Wilde que traduzisse o capítulo do Evangelho de Marcos que trata da traição de Jesus.Wilde traduziu uns poucos versículos com fluência e precisão. O professor disse que já era suficiente. Wilde continuou traduzindo. De novo, o professor disse que ele podia parar. ‘Por favor, responde Wilde, deixe-me prosseguir, quero saber como termina’”. Também aspiramos no Brasil de hoje ver no destino próximo como termina o enredo aqui tecido por Rafael. O desafio autêntico está bem-posto pelo jovem Mestre. Estou certo de que o que vem, no limiar do futuro, pode ser uma boa resposta para todos que, tal como o autor, se comovem em pensar o presente para transformá-lo em benefício de todos.
Luiz Edson Fachin Ministro do Supremo Tribunal Federal e Professor Titular da Universidade Federal do Paraná.
MANGUEL, Alberto. As aventuras do Menino Jesus. Tradução Luis Reyes Gil. São Paulo: Planeta do Brasil, 2011, p. 17.
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INTRODUÇÃO
No uso da atribuição que lhe conferem os artigos 62 e 167, §3º, da Constituição da República de 1988,8 a Presidente da República Dilma Vana Rousseff editou a Medida Provisória 711, de 18 de janeiro de 2016, com a finalidade de abrir crédito extraordinário no valor de R$ 419.460.681,00 (quatrocentos e dezenove milhões, quatrocentos e sessenta mil, seiscentos e oitenta e um reais), em favor de diversos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, da Defensoria Pública da União e do Ministério Público da União.9 Tratou-se de rubricas no orçamento fiscal da União para o exercício financeiro de 2016 com vistas precipuamente ao pagamento de ajuda de custo para moradia e auxílio-moradia a agentes públicos integrantes das precitadas entidades. A despeito de a própria temática do pagamento de verbas indenizatórias para fins de custeio de moradia a servidores públicos sujeitos ao regime de subsídios ser controversa e indeterminada na seara jurídico-política, a julgar pelas múltiplas manifestações, contra ou favor, nos mais diversos meios midiáticos, doutrinários e jurisprudenciais, chama atenção o instrumento orçamentário utilizado “Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional”; e “Art. 167. São vedados: [...]§ 3º A abertura de crédito extraordinário somente será admitida para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública, observado o disposto no art. 62”. 9 BRASIL. Presidência da República. Medida Provisória 711, de 18 de janeiro de 2016. Abre crédito extraordinário, em favor de diversos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, da Defensoria Pública da União e do Ministério Público da União, no valor de R$ 419.460.681,00, para os fins que especifica. Diário Oficial da União, Brasília, Seção 1, Publ. em 19.01.2016, p. 1. 8
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para satisfazer a referida necessidade pública, porquanto a CR/88 é expressa ao limitar as hipóteses de abertura de crédito extraordinário por MP às despesas públicas de índole imprevisível e urgente. Ocorre que a imprevisibilidade dessa despesa corrente é pouco sustentável a partir da conjuntura social e política do país, na medida em que a própria LDO de 2016,10 tal como aprovada pelo CN e sancionada pela PR há menos de um mês da edição da MP 711/2016, no bojo de seu §9º do art. 17,11 dispõe e restringe os casos nos quais o auxílio-moradia a agentes públicos é devido. Em suma, torna-se forte a hipótese de que o Poder Executivo incorreu em acachapante inconstitucionalidade ao editar a MP supracitada. Igualmente, o Supremo Tribunal Federal reputou inconstitucionais duas MPs por ofensa aos artigos 62 e 167, §3º, da CR/88, nas medidas cautelares em ADI 4.04812 e 4.049,13 de relatoria dos Ministros Gilmar Mendes e Ayres Britto, respectivamente, em jul BRASIL. Presidência da República. Lei 13.242, de 30 de dezembro de 2015. Dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e execução da lei orçamentária de 2016 e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, Seção 1, edição extra, Publ. em 31.12.2015, p. 3. 11 “§ 9º Até que lei específica disponha sobre valores e critérios de concessão, o pagamento de ajuda de custo para moradia ou auxílio moradia, a qualquer agente público, servidor ou membro dos Poderes, do Ministério Público da União e da Defensoria Pública da União fica condicionado ao atendimento cumulativo das seguintes condições, além de outras estabelecidas em lei: I - não exista imóvel funcional disponível para uso pelo agente público; II - o cônjuge ou companheiro, ou qualquer outra pessoa que resida com o agente público, não ocupe imóvel funcional nem receba ajuda de custo para moradia ou auxílio moradia; III - o agente público ou seu cônjuge ou companheiro não seja ou tenha sido proprietário, promitente comprador, cessionário ou promitente cessionário de imóvel no Município aonde for exercer o cargo, incluída a hipótese de lote edificado sem averbação de construção, nos doze meses que antecederem a sua mudança de lotação; IV - o agente público deve encontrar-se no exercício de suas atribuições em localidade diversa de sua lotação original;V - a indenização destinar-se-á exclusivamente ao ressarcimento de despesas comprovadamente realizadas com aluguel de moradia ou com meio de hospedagem administrado por empresa hoteleira; e VI - natureza temporária, caracterizada pelo exercício de mandato ou pelo desempenho de ação específica.” 12 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.048, Plenário, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 14.05.2008, Publ. Dje 157, em 22.08.2008, p. 55-192. 13 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.049, Plenário, Rel. Min. Ayres Britto, j. 05.11.2008, Publ. Dje 84, em 08.05.2009, p. 187-259. 10
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gamentos sucessivos no ano forense de 2008. Na visão majoritária dos integrantes da Corte, a abertura de crédito extraordinário para pagamento de despesas de custeio não se caracteriza pela imprevisibilidade e urgência. Em 30 de abril de 2016, o Ministro Gilmar Mendes, em decisão monocrática, ad referendum do Tribunal Pleno, conforme o art. 21,V, do RISTF, deferiu parcialmente medida cautelar na ADI 5.513 – ajuizada pela agremiação política Solidariedade –, para fins de suspender a vigência da MP 722, de 28 de abril de 2016,14 na parte em que abre crédito extraordinário em favor da Presidência da República, sob as rubricas “Comunicação Institucional” (R$ 85.000.000,00) e “Publicidade de Utilidade Pública” (R$ 15.000.000,00).15 Cotejadas essas notícias, para além do lapso temporal de oito anos, sugere-se haver, no mínimo, uma divergência entre os Poderes acerca da interpretação constitucional a ser dada aos dispositivos precitados. Ao fim e ao cabo, pode-se haurir dessa problemática um quadro de reiterada violação à ordem constitucional, uma vez constatada a institucionalização de uma prática inconstitucional em campo orçamentário. Nesse plano, esta obra se propõe a abordar o seguinte problema: houve uma ofensa sistemática à Constituição Financeira, em decorrência da utilização reiterada de créditos extraordinários no âmbito federal, no período de 2008 a 2015? A partir de um levantamento prévio das MPs do período selecionado e da literatura jurídica referente à doutrina,16 lança-se uma hipótese afirmativa, segundo a qual o manejo do orçamento público opera em uma espécie de emergência programada, tendo em vista a BRASIL. Presidência da República. Medida Provisória 722, de 28 de abril de 2016. Abre crédito extraordinário, em favor da Presidência da República e do Ministério do Esporte, no valor de R$ 180.000.000,00, para os fins que especifica. Diário Oficial da União, Brasília, Seção 1, edição extra, Publ. em 28.04.2016, p. 1. 15 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.513, decisão monocrática, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 30.04.2016, Publ. Dje 89, em 04.05.2016, p. 1. 16 Cf. PASSEROTTI, Denis Camargo. O uso das medidas provisórias para instituição de créditos adicionais extraordinários e o orçamento público. Revista Fórum de Direito Financeiro e Econômico, Belo Horizonte, ano 3, n. 5, mar./ago. de 2014, p. 17-132; BARRETTO, Érica de Santana Silva. Os créditos adicionais e sua excessiva utilização pelo poder executivo federal. Revista Fórum de Direito Financeiro e Econômico, Belo Horizonte, ano 4, n. 6, set./fev. 2015, p. 79-92. 14
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periodicidade e o volume de créditos extraordinários abertos pela via das medidas provisórias com relação ao planejamento orçamentário globalmente considerado. Do mesmo modo, elegem-se os seguintes problemas secundários, para os quais também se apresentam hipóteses afirmativas a serem verificadas: (i) Há um perfil normativo referente ao orçamento público, à luz da Constituição Financeira, passível de utilização como parâmetro de correção material da conduta estatal no ciclo orçamentário, notadamente na instrumentalização das medidas provisórias que abrem créditos extraordinários? (ii) A construção jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal acerca do controle abstrato de constitucionalidade de normas orçamentárias na atual ordem constitucional se mostrou coerente e adequada em nível argumentativo? Justifica-se a escolha e a relevância deste objeto de estudo, ao fundamento de potencial tensão no constitucionalismo financeiro, aferido o abuso do expediente dos créditos extraordinários no manejo do orçamento público. Sendo assim, o fenômeno financeiro descrito tem repercussões jurídicas, políticas e econômicas em nível constitucional e democrático, pois se colocam em questão as condições de possibilidade de planejamento, transparência, controle e responsabilização da atividade financeira do Estado brasileiro. Ademais, a conflituosa interação entre os Poderes da União acerca da interpretação da CR/88 imputa densidade jurídico-política ao problema posto, porquanto o estado da arte dos freios e contrapesos institucionais em matéria orçamentária apresenta efetivo impacto na dinâmica de fruição de direitos fundamentais, haja vista a politização das competências e decisões sobre a alocação de recursos públicos. Nesse sentido, reputa-se imperativo um olhar cuidadoso por parte de uma dogmática jurídica comprometida com a concretização de direitos fundamentais em relação ao financiamento das despesas públicas. Por um lado, busca-se evidenciar e combater uma assimetria constitucional entre gastos e recursos públicos com significativos reflexos na agenda do país.17 Noutra banda, incorpora-se como premissa um Trata-se de premissa teórica inspirada no pensamento de Horacio Guillermo Corti articulado no contexto argentino, mas plenamente aplicável à realidade
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descuido teórico sistêmico em âmbito latino-americano, consistente em priorizar reformas constitucionais que tragam em seu bojo a positivação de direitos sociais, econômicos e culturais, os quais dependem, por sua vez, de volumosos recursos públicos para a respectiva concretização na realidade social, em detrimento de modificações estruturais na organização política do Estado (“Sala de Máquinas da Constituição”).18 Por conseguinte, este estudo propõe repensar os modos em que se desenvolve a Constituição Financeira, sobretudo na dinâmica de freios e contrapesos institucionais no âmbito do ciclo orçamentário. Importa, ainda, tecer comentário a respeito do recorte metodológico a que se propõe esta pesquisa. A propósito, atribui-se ao Direito Financeiro certa autonomia e especialidade.A especialização desse ramo jurídico ocorre por se ocupar da atividade financeira do Estado. Por outro lado, a autonomia, como efeito da especialização, deve ser entendida com algum grau de relatividade, porque quer dizer apenas construção, estudo e explicação dogmática de um setor do ordenamento jurídico.19 Para além do objeto de estudo, qual seja, conjunto de dados primários e secundários, normativos e empíricos, acerca dos créditos extraordinários, o período temporal compreendido de 2008 a 2015 baseia-se na vigência de dois Planos Plurianuais e no fato de os julgamentos das ADIs 4.048 e 4.049 terem se dado no ano-base inicial, o que permite explicitar o grau de observância às razões de decidir expendidas pelo STF. Ainda na seara metodológica, adota-se uma concepção epistemológica da dogmática jurídica que se adjetiva como “inclusiva”, pois pressupõe “uma multiplicidade de perspectivas de estudo do direito, quando da elaboração de respostas aos problemas colocados, às quais se possa associar o atributo da cientificidade, compatível com o caráter prático desses problemas e, por via de consequência, também da ciência que deles se ocupe”.20 brasileira, dada a similitude da formação histórico-política das finanças públicas de ambos os países em contexto latino-americano: CORTI, Horacio Guillermo. Derecho financiero. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1997, p. 76-83. 18 GARGARELLA, Roberto. La sala de máquinas de la constitución: dos siglos de constitucionalismo en América Latina (1810-2010). Buenos Aires: Katz, 2014, p. 7. 19 LAPATZA, José Juan Ferreiro. Curso de derecho financiero español: instituciones. 25. ed. Madri-ES: Marcial Pons, 2006, p. 32-35. 20 GUERRA FILHO,Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Celso Bastos Editor/Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 2001, p. 32-33.
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Gilmar Ferreira Mendes Ministro do Supremo Tribunal Federal
RAFAEL CAMPOS SOARES DA FONSECA
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Luiz Edson Fachin Ministro do Supremo Tribunal Federal e Professor Titular da Universidade Federal do Paraná.
ISBN 978-85-8425-498-9
editora
Rafael Campos Soares da Fonseca
Mestre em Direito, Estado e Constituição pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Graduado em Direito pela UnB. Professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Participante do Programa de Iniciação Científica UnB/CNPq nas edições de 2012/2013 e 2013/2014. Ex-Membro do Conselho Editorial e atual membro do Conselho Revisor da Revista dos Estudantes de Direito da UnB. Analista Judiciário no Supremo Tribunal Federal, atualmente ocupa o cargo de Assessor de Ministro. Ex-Assessor Parlamentar no Senado Federal.
Também aspiramos no Brasil de hoje ver no destino próximo como termina o enredo aqui tecido por Rafael. O desafio autêntico está bem-posto pelo jovem Mestre. Estou certo de que o que vem, no limiar do futuro, pode ser uma boa resposta para todos que, tal como o autor, se comovem em pensar o presente para transformá-lo em benefício de todos.
O ORÇAMENTO PÚBLICO E SUAS EMERGÊNCIAS PROGRAMADAS
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A presente obra se revela uma rica fonte de reflexões sobre as principais questões autuais que permeiam o Direito Financeiro brasileiro. Espera-se que, por seu incontestável mérito, este trabalho estimule o aprofundamento dos debates acadêmicos relativos à importância do regime jurídico orçamentário para a realização dos fundamentos democráticos estruturantes da nossa ordem constitucional.”
Rafael Campos Soares da Fonseca
O ORÇAMENTO
PÚBLICO E SUAS EMERGÊNCIAS PROGRAMADAS
Prefácio
Apresentação
Gilmar Ferreira Mendes Luiz Edson Fachin
“Na seara da Constituição Financeira, a constitucionalização faz-se perceber justamente a partir da temática dos custos dos direitos fundamentais, haja vista que o Direito Financeiro atua na qualidade de plataforma de realização de todo projeto constitucional. Nesse contexto, os créditos adicionais são instrumentos adjetivos à orçamentação, de modo a adaptar o planejado à realidade fiscal. Logo, a utilização de créditos alheios aos previstos na Lei Orçamentária Anual deve ser sempre residual. Assim, esta obra se propõe a abordar o seguinte problema: houve uma ofensa sistemática à Constituição Financeira, em decorrência da utilização reiterada de créditos extraordinários no âmbito federal, no período de 2008 a 2015?”