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A apreciação do poema não implica a busca por resoluções individuais, mas a significação dessa busca. Para o leitor, que não participa diretamente do processo de criação, o poema já vem arquitetado. Apesar de aparente gratuidade, o digerir dessas Palavras Amargas é, pelo menos na assimilação de sua essência, um processo igualmente perturbador. A leitura cuidadosa desses poemas é antes um incômodo prazeroso que uma experiência puramente agradável. Mas são exatamente esses matizes de amargo que despertam no leitor as percepções mais intensas.
H U M B E R T O PA R R E I R A S
Maria Inácio Peixoto Quaresma Mestra em Letras (UFJF/MG)
ISBN 9788584250400
ISBN 9788584250400
9 788584 250400
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Para Maria Cecília, Maria Clara, Bárbara também, Maria.
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Significações do amargo Muitas foram as reflexões acerca do fazer poético. No ato da criação, o poeta é impulsionado pela vontade de dar forma aos anseios e aos tormentos interiores, de realizar a difícil tarefa de verbalizar tais inquietudes. E mesmo que esse projeto se concretize, sob o olhar crítico do autor, mesmo que uma ou duas palavras tenham para ele se aproximado da complexidade que são as expressões dos estados de sua alma, ele ainda as empresta a outras vozes, as quais também das mesmas palavras se apropriou. Os mesmos sentimentos são submetidos a avaliações diversas. As mesmas palavras encontrarão em outros poetas uma nova organização, uma nova tentativa. E assim o artista aspira alcançar um entendimento da própria condição humana. E surgem novas nuanças e novos contornos a partir da harmonização entre o antigo e o novo: “Tudo já foi dito / Mas há um modo novo de dizer”. A preocupação com os novos modos de dizer faz com que a poesia transcenda a intencionalidade autoral e alcance, por meio de uma linguagem que fala por si própria, o universal. A significação do poema não é completa quando isolado, mas quando atinge o seu inevitável fim, que é o diálogo entre os homens.
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A apreciação do poema não implica a busca por resoluções individuais, mas a significação dessa busca. Para o leitor, que não participa diretamente do processo de criação, o poema já vem arquitetado. Apesar de aparente gratuidade, o digerir dessas Palavras amargas é, pelo menos na assimilação de sua essência, um processo igualmente perturbador. A leitura cuidadosa desses poemas é antes um incômodo prazeroso que uma experiência puramente agradável. Mas são exatamente esses matizes de amargo que despertam no leitor as percepções mais intensas. Maria Inácio Peixoto Quaresma Mestra em Letras (UFJF/MG)
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A sociedade é o que somos. Não poderia ser diferente, nem mais coerente, nem mais sábia, nem mais inconsciente. Ela não nos pode impor nada. Não consegue viabilizar nem mesmo o que todos querem (e ela acredita poder concretizar). Nem o verdadeiro, nem o falso. Nem o transitório, nem o permanente. É, simplesmente, o que é. Como fazê-la melhor, diferente do que somos?
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A razão do poema Expressar o subjetivo, como se fosse útil, como se fosse prático, como se fosse necessário; É o que busca (e tenta) o poema. Não é o personalíssimo que vale, não é ele o que interessa, não é o que prevalece, não é necessário, Não. O poeta está “preso à vida”, mas é, sempre, e seu trabalho, também, “barro, sem esperança de escultura”. É barro de uma mesma massa. É falso quando se destaca, se evade ou escapa. Tudo já foi dito. Mas há um modo novo de dizer, algo que o sol ainda não tocou [o que não desmente o que disse Coélet: “(...) nada há de novo debaixo do sol!”]. Quem fala(rá) assim?
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“um passarinho volta pra árvore que não mais existe”. Paulo Leminski, Polonaises
Tempo e olhar Tempo aberto, céu escuro, tanto faz. Certo só o passar do tempo e, com ele, a mudança das paisagens. Não há janela fixa. Não há permanente paisagem. Todos os momentos, diferentes ou parecidos, não são únicos, nem um só. Os olhos, também, são vários. Eles dão sentidos ao que se passa e, também, ao que permanece.
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“(...) Dezembro, e não te lembra os que não estão mais para jogar o jogo repetido da esperança?” Carlos Drummond de Andrade, Reunião em dezembro
O que vem Inútil sopesar o que fizemos. Abandonos e buscas, decisões, omissões. Realizações, sonhos... Tudo nada vale. Nada é ou serve para o que vem. Enquanto vamos, encaramos o novo, sem saber quando o velho é novo e o novo, velho.
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“O mar tem fim, o céu talvez o tenha, Mas não a ânsia de Cousa indefinida Que o ser indefinida faz tamanha”. Fernando Pessoa, Cancioneiro
Compreensão O futuro, à frente, conversa, às vezes, com o que passou. O tempo é sempre curto, mas permite, a alguns, poucos, vislumbrar sentido no que aconteceu e acontece. Se assim é, cada um tem sua responsabilidade na preparação dos outros para o que virá. Devemos olhar e, às vezes, externar o visto. Se compreendemos bem, quem sabe, ajudamos. Mas não pode haver palavras soltas, isoladas, individuais. Elas estão presas ao todo.
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“Se procurar bem, você acaba encontrando Não a explicação (duvidosa) da vida, Mas a poesia (inexplicável) da vida”.
e ao comum.
Carlos Drummond de Andrade, Poesia errante, Derrames líricos
Caminhos Não há chance sem experimentar. Não há caminho, como já se mostrou, Sem o primeiro passo. O que será? Aonde ir? Quem pode saber? O que queremos deve, mas nem sempre pode, guiar nossos passos.
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“tudo um belo dia desaparece” Paulo Leminski, Poemas esparsos
Final Como pode ser o futuro solução? O amanhã só trará, novos, problemas. Mantidos, os velhos seguirão crescendo. Não há perspectiva positiva, sendo o homem o que é. O tempo, contudo, pode ser uma solução, por devorar tudo, inclusive o próprio sujeito que busca a solução dos problemas que ele mesmo criou.
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17 ... “o tempo entre o sopro e o apagar da vela” Paulo Leminski, Quarenta clics em Curitiba
Nada... O que falar da vida? Do modo de fazê-la, levá-la, ou conduzi-la? Haveria remédio para isso? Ser casto ou desenfreado, escravo ou livre, rico ou pobre, crente ou não, tanto faz. O final é um só. Nada fica; nada vale; nada muda.
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“(...) só resta ao homem (…) a dificílima dangerosíssima viagem de si a si mesmo: pôr o pé no chão (…) humanizar o homem descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas a perene, insuspeitada alegria de con-viver”. Carlos Drummond de Andrade, O homem; As viagens
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Imperfeição O que faz (ou pode fazer) alguém, Se um só corpo é pouco, insuficiente, para tudo o que se enfrenta? Se uma só vida é curta? É insuficiente... Nenhum homem é preparado, por não ser completo, por não ter o tempo. Nenhuma mulher é muito, suficiente, por não ser repleta ou inconsútil. É escasso, insignificante, aquilo que temos ou possuímos, o que fazemos e realizamos, para fazer frente ao que se nos pede. Talvez amanhã, Talvez longe, Talvez outros, Juntos.
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“Anjos ou Deuses, sempre nós tivemos, A visão perturbada de que acima De nós e compelindo-nos Agem outras presenças. Como acima dos gados que há nos campos O nosso esforço, que eles não compreendem, Os coage e obriga E eles não nos percebem. Nossa vontade e o nosso pensamento São as mãos pelas quais outros nos guiam Para onde eles querem E nós não desejamos". Fernando Pessoa, Ficções do interlúdio, Odes de Ricardo Reis
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Interferência O que temos? O que é meu, e o que é teu? O que é nosso? O que nos pertence, nos cabe ou não, é provisório, pois, como tudo, dura até seu(s) fim(ns). Tudo é provisório. Hoje, mais ainda do que antes. Amanheço um, almoço outro, viro, à tarde, diferente e, à noite, distinto. Durmo, desconexo. Esquecemos de tudo, como se nada pudesse servir de permanente. Nada retorna. Nada é o que foi e o que será. Nada será o que já foi. Nosso mundo não tem mais tempo, nem muito espaço, nem mesmo as vidas, para o que é imperecível. O que não se entende é por que não saímos disso. Por que Deus não intervém...
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“esta vida é uma viagem pena eu estar só de passagem” Paulo Leminski, La vie en close
Passageiros Qual o destino de uma folha carregada pelo vento? O que ela traz do que foi? O que terá do que é? O que conta a nós, que, como ela, somos sempre agora? Passageiros...
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“Achar a porta que esqueceram de fechar. O beco com saída. A porta sem chave. A vida.” Paulo Leminski, Quarenta clics em Curitiba
Outro caminho, outra vida Será possível sair do caminho? Mudar e, depois, ensinar essa saída (se ela existe!) a outro? Ninguém pode se transferir; se insurgir contra o determinado. Quem já tentou? Quem ficou aqui para nos mostrar a possibilidade? Quem conseguiu, depois de tudo, mostrar que outro (caminho ou mundo) está à mão, claro, evidentemente, fácil, para todos os que querem? Apenas um, ninguém mais...
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“Segue o teu destino, Rega as tuas plantas, Ama as tuas rosas. O resto é a sombra De árvores alheias. (...)” Fernando Pessoa, Ficções do interlúdio, Odes de Ricardo Reis
Hotéis Nada mais impessoal do que um quarto de hotel. Qualquer hotel, mesmo um de múltiplos confortos. É preciso não ter outras ligações, outros vínculos, para gostar desses, impessoais. Tédio, impaciência, nada nos ajuda. Como um barco, precisamos de âncoras. O que não existe nesses espaços, mas pode existir nos conhecidos.
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... 26 “Quando, com razão ou sem, Sobre o medo amplo da alma A sombra da morte vem, É que o espírito vê bem, Com clareza mas sem calma, Que sombra é a vida que passa, Que mágoa é a vida que cessa, E ama a vida mais”. Fernando Pessoa, Novas poesias inéditas
Pistas para o poema “Habitar o íngreme edifício”, é como se precisa (o) viver. Se define a vida que se leva, ou se empurra. Além disso, como se preciso, precisa é a complementação: Esse é um “difícil” e, ainda, “inviável ofício”. VIVER. Poucos fazem o impossível; alguns conseguem ser “o que ninguém é”, conciliando a habitação com o pensado; tornando viável o “ofício”. É provisório o resultado porque o destino, o final, o resultado, como se queira, é o mesmo: voltar ao nada!
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A apreciação do poema não implica a busca por resoluções individuais, mas a significação dessa busca. Para o leitor, que não participa diretamente do processo de criação, o poema já vem arquitetado. Apesar de aparente gratuidade, o digerir dessas Palavras Amargas é, pelo menos na assimilação de sua essência, um processo igualmente perturbador. A leitura cuidadosa desses poemas é antes um incômodo prazeroso que uma experiência puramente agradável. Mas são exatamente esses matizes de amargo que despertam no leitor as percepções mais intensas.
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Maria Inácio Peixoto Quaresma Mestra em Letras (UFJF/MG)
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