Mestre em direito Processual, Professor de Direito Processual Penal da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e da Faculdade Arnaldo. Advogado Criminalista.
Doutor em Direito Constitucional pela UFMG, professor da UFMG e da graduação e pós-graduação stricto-sensu em Direito Processual da Faculdade Mineira de Direito da PUC-Minas.
ISBN 978-85-8425-044-8
9 788584 250448
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marcelo peixoto melo
Rosemiro Pereira Leal
PRISÃO TEMPORÁRIA
Marcelo Peixoto de Melo
No Estado Democrático de Direito, o dever de cautelaridade quanto à imediata realização de políticas econômicas constitucionalmente determinadas à prevenção da delinqüência e realização de cidadania é do Estado pelas funções administrativa (executiva), legiferativa e jurisdicional, cuja fiscalidade, desde o nível instituinte e constituinte das leis, cabe ao Ministério Público que não é órgão estatal, mas instituição popular consoante se deduz de suas competências constitucionais. O desafio da dissertação foi o desatrelamento conceitual da prisão temporária entendida na década de 30 do século XX no Brasil do que atualmente se concebe sobre igual instituto jurídico-penal no século XXI após a edição da CF/88 que implantou em seu art. 1º um novo paradigma para a atuação normativa do Estado brasileiro (o Estado Democrático, não mais o liberal ou o social de Direito).
PRISÃO
TEMPORÁRIA
MARCELO PEIXOTO DE MELO
O encarceramento do cidadão antes do transito em julgado de sentença penal condenatória é uma das medidas mais graves e excepcionais previstas no ordenamento jurídico brasileiro. Tal afirmação é facilmente constada pelas desgraçadas consequências advindas da prisão de alguém, mesmo que ela dure apenas um único dia. A prisão arremessa o corpo do cidadão em um ambiente desumano, degradante e insalubre. E não é só isto: a mácula moral e o preconceito social não terminam ao final de seu encarceramento, ao contrário, acompanho-o por vários anos, e em alguns casos tornam-se indeléveis. Assim, a presente obra propõe um reforço às garantias individuais do cidadão frente ao jus puniendi estatal. Em verdade o autor tão-somente exige o respeito e cumprimento aos direitos já existentes e assegurados na constituição federal, especialmente ao cidadão ainda não condenado por sentença definitiva, lembrando-nos, assim, que a civilidade de uma sociedade não se mede pela existência de boas leis, mas pela medida de sua observância pelo Estado.
Guilherme Colen Doutor em Direito Penal, Diretor e Professor da Faculdade Mineira de Direito da PUC-Minas.
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Copyright © 2014, D’ Plácido Editora. Copyright © 2014, Marcelo Peixoto de Melo. Editor Chefe
Plácido Arraes Produtor Editorial
Tales Leon de Marco
Editora D’Plácido Av. Brasil, 1843 , Savassi Belo Horizonte - MG Tel.: 3261 2801 CEP 30140-002
Capa
Letícia Robini Diagramação
Bárbara Rodrigues da Silva Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida, por quaisquer meios, sem a autorização prévia da D`Plácido Editora.
Catalogação na Publicação (CIP) Ficha catalográfica Melo, Marcelo Peixoto de Prisão Temporária -- Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2014. Bibliografia ISBN: 978-85-8425-044-8 1. Direito 2. Direito Penal 3. Denúncia I. Título II. Direito CDU347
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“Descobri como é bom chegar quando se tem paciência. E para se chegar, onde quer que seja, aprendi que não é preciso dominar a força, mas a razão. É preciso, antes de mais nada, querer. “ Amyr Klink
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Nayara Belo Peixoto ‘Linda’, Companheira, compreensiva, eterna cúmplice de uma fantástica vida de conquistas a dois.
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Agradecimentos Ao Professor Doutor Leonardo Marinho Marques, agradeço pelos ensinamentos sempre pautados na paciência, disponibilidade, compreensão e na forma peculiar, vocacionada e simples através da qual transmite os seus valiosos conhecimentos e conduz à reflexão. Ao Professor Doutor Rosemiro Pereira Leal, em nome de quem agradeço e saúdo todos os Professores do Programa de Pós Graduação em Direito da PUC-MG, uma vez que o considero como Professor que representa o saber em seu âmago, além de ensinar com prazer e propriedade a pesquisa acadêmica de qualidade, virtude dos gênios. Ao Professor Guilherme Coelho Colen, admirável como profissional pela inquestionável característica de retidão de caráter e pela forma proba com a qual exerce a docência e pessoa que agradeço também pelos valiosos conselhos e empréstimo de obras. Ao Professor Vinícius Diniz, em nome de quem agradeço todos os Professores da Graduação e aos colegas de Mestrado, o faço por considerá-lo um amigo e um dos maiores talentos da nova geração de alunos do Programa e Professores da PUC-MG, para essa constatação, basta conhecê-lo. Ao Professor Doutor Magno Federici Gomes, em nome de quem agradeço todos os Professores de Direito da Faculdade Arnaldo, primeira casa da docência, instituição
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que sempre me compreendeu, apoiou e incentivou na elaboração da presente obra. Aos meus alunos, razão da docência e fiéis companheiros de profissão. Aos meus Pais, eternos Professores, agradeço por último, mas cuja ordem se torna insignificante diante de terem me ensinado o verdadeiro valor da vida.
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Lista de Abreviaturas ART - Artigo CNJ – Conselho Nacional de Justiça CP – Código Penal CPC – Código de Processo Civil brasileiro CPP – Código de Processo Penal brasileiro CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil DJ – Diário da Justiça HC – Habeas Corpus LSN – Lei de Segurança Nacional MIN - Ministro PLS – Projeto de Lei do Senado RJ – Rio de Janeiro REsp – Recurso Especial Rext – Recurso Extraordinário STF – Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça
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Sumário Prefácio Apresentação Introdução
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1. Democratização constitucional do processo penal 33 1.1. A instituição jurídica constitucional do processo como vínculo da legitimidade da Lei e a atual realidade do processo penal. 39 1.2. A cidadania como fonte legitimadora do devido Processo Constitucional 42 1.3. Do Devido Processo Legal como Proteção aos Direitos Fundamentais 45 1.4. As garantias constitucionais no pleno exercício dos Direitos Fundamentais 52 2. Da primazia do estado de direito democrático como referente jurídico institucional 59 2.1. O Estado de Direito Liberal 60 2.2. O Estado de Direito Social 62
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2.3. Estado de Direito Democrático 65 2.4. Da influência da biopolítica como fator desencadeador do desenvolvimento das políticas públicas de punição no atual Estado de Direito Democrático. 68 3. A prisão temporária sob a ótica da legislação pátria 73 3.1. A prisão temporária como nova espécie do gênero prisão cautelar. 73 3.2. Das hipóteses para decretação da prisão temporária durante a investigação policial 78 3.2.1. Prisão Temporária x Prisão Preventiva: Qual a relação de dependência entre os institutos? A temporária de fato é essencial? 90 3.3. Prazo de duração para a decretação da prisão temporária 94 3.4. Alterações advindas na Prisão temporária a partir da vigência da Lei 12.403-11 100 3.4.1. A “necessidade” como novo requisito para decretação da prisão temporária 101 3.4.2. A adequação como novo requisito para decretação da prisão temporária 104 4. a prisão temporária sem processo: forma velada e clandestina de assegurar a subsistência da prisão por averiguação 107 4.1. Uma Digressão no tempo quanto ao surgimento da Prisão Temporária no Brasil 113
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4.2. A Atual realidade da Prisão temporária no Brasil 118 4.3. Da participação dos afetados na decisão como forma de democratização do processo penal 122 4.4. Prisão temporária mediante contraditório e isonomia: um desafio. 129 4.4.1. O Contraditório atrelado ao princípio da isonomia conglobante. 135 4.5. Das alterações na Prisão Temporária para sua coexistência com a nova realidade do Processo Penal 137 CONCLUSÃO REFERÊNCIAS
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Prefácio Honrou-me bastante ter o professor Marcelo Peixoto de Melo escolhido o meu nome, entre tantos e brilhantes professores da PUC/Minas, para prefaciar a publicação de sua dissertação de mestrado em Direito Processual, considerando a sua aprovação com nota máxima cum laude por banca de grande destaque acadêmico, formada de doutores com expressivas contribuições científicas à área jurídica de nosso país. O tema que desenvolveu é deveras instigante nos dias que correm, ainda mais no Brasil após a edição da Constituição de 1988 que inaugurou um novo quadro de reflexões para os brasileiros embora ainda pouco conjecturado em suas vertentes mais relevantes que cuidam dos direitos à vida humana, liberdade e igualdade, em direitos fundamentais de dignidade para todos indistintamente. O que mais se lastima na atualidade é ver o abismo que se abre entre a fala administrativa da gestão pública e da produção das leis e o discurso constitucional brasileiro escrito em momento de grande significação política para o Brasil. A constituição infelizmente ainda significa um mero relatório do que pretendia o povo brasileiro após o encerramento da ditadura militar no país. O seu efeito vinculante em todos os segmentos públicos e privados não tem encontrado a eficácia exigida em sua densa normatividade. A fiscalidade processual da atuação do direito nas fontes de sua implementação (lei do planejamento e lei 17 MIOLO_Prisao Temporaria_131014_barbara.indd 17
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do plano) não vem sendo contemplada, desde outubro de 1988, pelo Ministério Público em razão do ensino jurídico precário nas áreas que mais imediatamente interessam ao povo brasileiro (processual, orçamentário e econômico), o que resulta em omissões fiscalizatórias por deficiência científica dos órgãos incumbidos de tais funções. Avulta-se, em conseqüência, a atuação de uma administração monarcal para o país por políticas salvíficas (políticas públicas) com aumento dos contigenciamentos repressivos e punitivos (polícia-justiça) que, por sua vez, tornam mais vandálica a carga tributária do país, porque os problemas sociais não são cortados pela raíz, fazendo-se apenas a poda ornamental de seus duros troncos e espinhosos galhos com a multiplicação irrefreável da delinqüência que se ergue das ruas aos mais recônditos nichos da estatalidade. Pode parecer que tudo que é dito acima é retórico e nada tem a ver com o tema de dissertação do professor Marcelo Peixoto de Melo, mas, se ele me deferiu a oportunidade de prefaciar o seu substancioso trabalho, já que sei da repercussão que terá no meio acadêmico, não poderia deixar de levantar outros temas para o debate acadêmico que estão associados aos pontos cruciais de sua brilhante dissertação. Vê-se, de início, que o núcleo temático de sua laboriosa preocupação científica abre-se em dois vértices: a prisão temporária e o novo regime jurídico que deve assumir a partir da Constituição de 1988. Ao colocar a impostergável implementação de direitos fundamentais de vida, liberdade e dignidade, indissoluvelmente agregados aos também fundantes direitos ao contraditório, ampla defesa e isonomia (na perspectiva da teoria neoinstitucionalista do processo - marco teórico de sua dissertação), a prisão temporária ganha novos rumos hermenêuticos que lhe retiram o caráter meramente punitivo, suplicando obediência a pressupostos jurídico-constitucionais para sua decretação. 18 MIOLO_Prisao Temporaria_131014_barbara.indd 18
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No Estado Democrático de Direito, o dever de cautelaridade quanto à imediata realização de políticas econômicas constitucionalmente determinadas à prevenção da delinqüência e realização de cidadania é do Estado pelas funções administrativa (executiva), legiferativa e jurisdicional, cuja fiscalidade, desde o nível instituinte e constituinte das leis, cabe ao Ministério Público que não é órgão estatal, mas instituição popular consoante se deduz de suas competências constitucionais. O desafio da dissertação foi o desatrelamento conceitual da prisão temporária entendida na década de 30 do século XX no Brasil do que atualmente se concebe sobre igual instituto jurídico-penal no século XXI após a edição da CF/88 que implantou em seu art. 1º um novo paradigma para a atuação normativa do Estado brasileiro (o Estado Democrático, não mais o liberal ou o social de Direito). Ocupa-se a dissertação, em suas primeiras linhas, da democratização constitucional do processo penal e da primazia do Estado de Direito Democrático como referente jurídico institucional. Depreende-se que o prof. Marcelo Peixoto de Melo elege, em seu trabalho de pesquisa, o paradigma de Estado Democrático que se distingue por se definir como instituição jurídica articulada à sua fonte instituidora denominada devido processo que, a seu turno, cria e legitima as demais instituições jurídicas que compõem, por co-institucionalização, a CONSTITUIÇÃO. Esta que, longe de significar um livro (um conjunto gráfico-cartular ou gráfico-eletrônico), é um discurso jurídico-sistêmico de significados normativos das condutas devidas, permitidas ou vedadas, para toda a comunidade jurídica (povo) também processualmente co-institucional. Nas democracias não paideicas, o que gera e atua o sistema constitucional é o devido processo como instituição linguístico-jurídica, cuja lógica (paradigma) não é a da 19 MIOLO_Prisao Temporaria_131014_barbara.indd 19
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ciência dogmática do direito que confere ao juiz (em instância monocrática ou colegiada), como guardião exclusivo dos sentidos do sistema jurídico, em seus personalíssimos juízos de conveniência, equidade, proporcionalidade, adequabilidade e outros de senso comum tópico-retórico, com escopos metajurídicos, a definição última do sentido normativo, desvelando uma suposta vontade concreta da lei ou traduzindo por atributos transcendentais de clarividência, o que a lei quer dizer. O paradigma jurídico que vincula a argumentação (fala escriturada) de toda a comunidade jurídica (e o juiz está nela incluído) é o devido processo nos níveis instituinte, constituinte e constituído do sistema jurídico, porque é o devido processo a fonte lógico-jurídica criadora e operacionalizadora dos procedimentos como estrutura técnica de atos jurídicos seqüenciais de movimentação de toda a jurisdicionalidade sistêmica que inaugura uma concepção de democracia não isegórica, não praticada no espaço nu da Ágora utópica dos gregos! O que caracteriza a lógica paradigmática do devido processo é a sua qualidade autocrítica que retira o intérprete de sua posição despótica (interpretação pela auctoritas) e, em seu lugar, coloca o interpretante (códigos linguísticos estabilizadores de direitos no plano instituinte-constituinte da lei). Assim, o direito não é criado e manejado, a exemplo dos paradigmas lógico-dogmáticos que marcam os Estados liberais e sociais, por consciências prodigiosas e míticas, mas por enunciados (proposições principiológicas) que, embora teorizados pelos homens, não se dogmatizam (tiranizam o sentido normativo) em sua formação e atuação. Com efeito, o Estado processualmente criado e atuado, como bem acentua a dissertação em seus capítulos iniciais, não tem origem na jurisprudência dos interesses do agente supostamente capaz e de livre vontade (o legislador), sequer 20 MIOLO_Prisao Temporaria_131014_barbara.indd 20
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na jurisprudência dos conceitos de uma razão natural, predestinada, mítica e talentosa, dos decisores, porque o comando do sentido do sistema jurídico é desde sempre posto pela prévia escolha de uma teoria processual que se expressará em paradigma argumentativo (pretensão e fundamentação) denominado democrático que qualifica as instituições compositivas da co-institucionalidade (constitucionalidade) dentro da qual é o Estado Democrático o seu instrumento executivo. Colhe-se da dissertação; ao longo do seu percurso, porque adota o marco teórico reflexivo da teoria neoinstitucionalista do processo, o esforço de desdogmatização de um direito tradicionalmente recebido da repressividade histórica (do Estado liberal e social de direito). É no capítulo específico em que o professor Marcelo Peixoto de Melo discorre sobre a prisão temporária que o seu enfoque teórico vai fazer a diferença no trato acadêmico desse relevante tema para a atualidade da penalística. Invés de o instituto penal da prisão temporária ser admitido como instrumento repressivo utilizado de modo interdital à liberdade do já prejulgado delinqüente (transgressor da lei), indaga-se se a lei foi antes cogitada e cumprida pela autoridade coatora para reduzir, evitar ou erradicar a delinquência. É exatamente esse eixo que o sistema jurídico de Estado Democrático vai suscitar para substituir por novo regime jurídico a voracidade sancionária dos paradigmas liberal e social de direito das legislação autocráticas (isto é, aplicadas pela autoridade que tem, em suas funções de mando irretorquível, o alibi de suas próprias omissões e obscuridades jurídico-científicas). O que a dissertação põe em singular relevo, se equacionado pela teoria neoinstitucionalista do processo, é que, ao contrário do ensino de Alexy, não é pelo exame prima facie de princípios como normas (mandados) de otimização 21 MIOLO_Prisao Temporaria_131014_barbara.indd 21
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do sentido pela auctoritas que se ganha adequabilidade logico-jurídica para aplicação do direito, mas, prima facie, há de se ater à vinculação do decisor ao paradigma construtivo do sistema jurídico posto pelo devido processo que enseja o ganho de democraticidade na perspectiva de que o Estado é tido como instrumento jurídico-institucional a serviço dos direitos fundacionais (fundamentais) como interpretantes lógico-referenciais de todo o discurso da co-institucionalidade. Abre-se, assim, a seguinte hipótese para a hermenêutica processual democrática: quem primeiro se encontra em situação infracional é o punido ou o punidor? É tal indignação que arrasta o tema da prisão temporária (ou de todos os tipos de modalidades penais) para o patamar fulcral de autoaplicação dos direitos fundamentais de vida-contraditório, ampla defesa-liberdade, isonomia-dignidade, para todos os implicados (destinatários) do sistema jurídico igualmente responsáveis pela sua incolumidade normativa (igualdade de todos perante a lei). A advertência da fecunda dissertação é pertinente: “A violência da imposição do cárcere cautelar ao cidadão necessita obedecer a procedimentos seguros, harmônicos e condizentes com as garantias de liberdade do indivíduo e com os direitos fundamentais inerentes ao Estado Democrático de Direito” (sic). De conseguinte, o professor Marcelo Peixoto de Melo alia-se ao ponto de vista de que há “uma relação direta de dependência da Prisão Temporária e a Preventiva”, sendo a temporária uma “subespécie da Prisão Preventiva”, não uma espécie do “gênero Prisão Provisória”, uma vez que tal enquadre abriria oportunidade de alargar o campo de incidência dos direitos fundamentais do processo na processualidade cautelar, maxime o que se refere à Prisão Temporária cujo cabimento jamais poderia afrontar a “garantia constitucional de presunção de inocência ou estado 22 MIOLO_Prisao Temporaria_131014_barbara.indd 22
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de inocência” (sic). Daí, a ênfase que o professor Marcelo Peixoto de Melo empresta a essa particularidade: “Por tal razão, a decretação de prisão temporária no curso do inquérito policial não dispensa a efetiva participação das partes. Sem participação das partes na construção das decisões jurídicas, entre as quais a que decreta a prisão temporária, não se pode falar em democracia” (sic). O debate das “prisões cautelares” está intimamente ligado ao problema crônico da sumarização cognitiva do Inquérito Policial que não vem sendo instaurado e conduzido com observância do devido processo legal conforme determina a CF/88. É estranho que a autoridade policial se arrosta, talvez pelo estímulo da judicialidade autocrática, a violar ostensivamente os direitos fundamentais do devido processo no âmbito do inquérito policial que não mais pode ser inquisitório (supressor da ordinariedade) ou nefastamente acusatório (com negação de defesa prévia como resistência vestibular à pretensão interditiva de liberdade - violação da garantia fundamental da presunção legal de inocência). É delituosa a conduta da autoridade policial, porque ilícita, optar pela jurisdição sem processo, ao promover a atuação do juiz, mediante alegações especiosas, para obter ordens de prisão ou apreensão de bens sem base nos elementos de convicção (persuasão racional) do inquérito instaurado, louvando-se apenas em investigações unilaterais, clandestinas e sigilosas, realizadas pela atividade policial, olvidando o paradigma de Estado em que o Brasil está inserido após a CF/88. As conclusões finais da dissertação, que agora é dada ao público como obra jurídica de irrecusável consistência teórico-crítico-científica, reservam ao leitor um painel de reflexões que mostram a complexidade dos aspectos nela tematizados que não podem ser mais enfrentados com a singeleza de um autoritarismo egresso de paradigmas 23 MIOLO_Prisao Temporaria_131014_barbara.indd 23
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lógico-jurídicos já fracassados (embora repetidos) no curso da história sangrenta dos povos. O professor Marcelo Peixoto de Melo encerra a sua laureada dissertação sobre o tema da prisão temporária, reafirmando a imprescindível revisitação desse instituto jurídico-penal para demarcá-lo pelo paradigma de legitimidade processual que define a co-institucionalidade compreensiva de Estado Democrático na pós-modernidade esperada. É uma obra que recomendo pela excelência de seus conteúdos. Belo Horizonte, setembro de 2014 Rosemiro Pereira Leal Doutor em Direito Constitucional pela UFMG, professor da UFMG e da graduação e pós-graduação stricto-sensu em Direito Processual da Faculdade Mineira de Direito da PUC-Minas. Presidente-Fundador da Associação dos Advogados de Minas Gerais e do Instituto Popperiano de Estudos Jurídicos (INPEJ).
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Apresentação O encarceramento do cidadão antes do transito em julgado de sentença penal condenatória é uma das medidas mais graves e excepcionais previstas no ordenamento jurídico brasileiro.Tal afirmação é facilmente constada pelas desgraçadas consequências advindas da prisão de alguém, mesmo que ela dure apenas um único dia. A prisão arremessa o corpo do cidadão em um ambiente desumano, degradante e insalubre. E não é só isto: a mácula moral e o preconceito social não terminam ao final de seu encarceramento, ao contrário, acompanho-o por vários anos, e em alguns casos tornam-se indeléveis. Até aqui nada de novo, apenas mais um discurso liberal e inconsequente de “alguém” invariavelmente ligado aos direitos humanos. Discurso de “alguém” que tem dó de bandido, mas que não atende o recorrente desafio da população que não mais suporta a banalização da violência e os altos índices de criminalidade: “Por que você não leva o coitado do bandido pra sua casa”. Ademais, quer saber de uma coisa: “bandido bom é bandido morto”. Certamente que as simbólicas e extremadas propostas acima sugeridas não se apresentam viáveis ou sequer dignas de respeito. A obra do professor Marcelo Peixoto, muito embora vincule a adoção da extremada prisão temporária a observância das garantias individuais previstas na CF, não 25 MIOLO_Prisao Temporaria_131014_barbara.indd 25
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propõem decisões desconectadas com a realidade ou liberalidades irresponsáveis. Ao contrário, a perceptibilidade e lucidez do autor é fruto de seu duplo viés acadêmico e advocatício, os quais se apoiam numa base formação moral e retidão ética. Ao eleger-me para apresenta-lo, o amigo Marcelo Peixoto involuntariamente, invocou meu testemunho sobre sua brilhante carreira de advogado criminalista que, como todos que escolhem o lado da defesa, enfrentam, juntamente com os acusados, as dificuldades e amarguras do processo penal e suas consequências. Lembro, aqui, das incontáveis situações em que o autor advogado amparou, defendeu, socorreu, protegeu, alentou e libertou cidadãos encarcerados em razão do decreto da prisão temporária, sempre se valendo das poucas armas legais que o advogado possui frente ao poder estatal. Aprendi com o autor que o Estado exerce poder e o advogado preserva direitos. Assim, a presente obra propõe um reforço às garantias individuais do cidadão frente ao jus puniendi estatal. Em verdade o autor tão-somente exige o respeito e cumprimento aos direitos já existentes e assegurados na constituição federal, especialmente ao cidadão ainda não condenado por sentença definitiva, lembrando-nos, assim, que a civilidade de uma sociedade não se mede pela existência de boas leis, mas pela medida de sua observância pelo Estado. O instituto da prisão temporária não é condenado pelo autor, embora denuncie duramente seus excessos que os tornam numa verdadeira violência institucionalizada, os quais são indevidamente justificados pela necessidade do combate a violência. Nesta linha de constatação, o célere autor Cesare Beccaria denunciou em seu tratado Dos delitos e das Penas, escrito em 1764, os excessos do sistema penal da 26 MIOLO_Prisao Temporaria_131014_barbara.indd 26
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época, dentre eles a adoção da tortura para descobrir se o réu cometeu outros delitos além daqueles de que é acusado. De acordo com célere humanista, isso equivaleria ao seguinte raciocínio: “Tu és culpado de um delito; é pois possível que o sejas de outros cem; esta dúvida me oprime e quero certificar-me com meu próprio critério de verdade; as leis tormentam-te porque és culpado, porque podes ser culpado, porque quero que tu sejas culpado.”1 Assim, em consequência dos argumentos insistentemente lançados contra a adoção da tortura como forma lícita de obtenção de prova, os países civilizados extirparam-na de seus ordenamentos jurídicos. Agora, em pleno século XXI, o professor Marcelo Peixoto, convida-nos a refletir sobre a adequação da lei de prisão temporária num País que optou em denominar sua Constituição Federal de Cidadã. Setembro de 2014. Guilherme Colen Doutor em Direito Penal, Diretor e Professor da Faculdade Mineira de Direito da PUC-Minas.
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BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Martins Fortes. P. 75.
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Introdução Apresento a todos do meio acadêmico e jurídico a obra que expressa a dissertação de mestrado: A Prisão Temporária em face do Estado de Direito Democrático, resultante de pesquisa desenvolvida no Programa de Pós-Graduação, Strito Sensu, em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. A obra está atrelada na análise da Prisão Temporária a partir da democratização do Processo Penal e da sua relevância no atual Estado de Direito Democrático. Possui como marco teórico a teoria neo-institucionalista, uma vez que os estudos se iniciaram tendo como referencial o fato de que o processo deve possuir sua autonomia jurídica e o texto constitucional ser elevado á categoria de instituição inviolável. O livro está desenvolvido através de quatro capítulos assim divididos: No capítulo inicial, aborda-se a necessidade de interpretação do Processo Penal atual a partir dos princípios e garantias da Constituição, bem como através de sua democratização compatibilizar o desejo da proteção coletiva com o respeito às liberdades individuais. Uma vez assegurado pela Constituição brasileira que todo o poder emana do povo, inconcebível um espaço do soberano através do qual não se oportuniza aos destinatários os fundamentos de suas decisões e se veda a fiscalidade popular. A primazia do respeito aos 29 MIOLO_Prisao Temporaria_131014_barbara.indd 29
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direitos fundamentais do cidadão consolida a base estrutural do Estado de Direito Democrático. Com o advento da Constituição de 1988, tornou-se vedado olvidar da supremacia da normatização constitucional em relação às leis ordinárias. No âmbito processual penal, isso significa que o Estado de Direito Democrático não pode se aparelhar contra a violência e a crescente criminalidade com instrumentos que ignoram garantias constitucionais e direitos fundamentais dos cidadãos, sob pena de produzir efeito contrário ao pretendido, ocasionando insegurança social pela arbitrariedade e violência da lei, em autêntica invocação da máxima de que os fins justificam os meios. Há uma exigência do texto constitucional no sentido de se submeter à jurisdição – ainda que focada no combate à criminalidade crescente – ao respeito e à manutenção dos direitos fundamentais com seu caráter normativo e vinculante das garantias constitucionais. O capítulo seguinte trata da primazia do Estado de Direito Democrático como referente Jurídico Institucional partindo-se do entendimento por parte dos cidadãos de que o direito visa observâncias das normas de convivência. A violência da imposição do cárcere cautelar ao cidadão necessita obedecer a procedimentos seguros, harmônicos e condizentes com as garantias de liberdade do indivíduo e com os direitos fundamentais. Analisa-se através da evolução das formas de Estado Liberal e Social que a expressão ‘Democrático’ deve ser interpretada como uma característica do direito que rege o Estado, caracterizando o que denominamos Estado de Direito Democrático. Nesse contexto, a democracia passar a ser uma fonte de legitimação do poder cuja origem está nucleada no povo. Em um ambiente em que se torna imprescindível preservar a população, surge a biopolítica como forma de assegurar as riquezas do Estado que busca intervir no dia a dias dos cidadãos em prol de assegurar e proteger a circulação de bens. Partindo desse 30 MIOLO_Prisao Temporaria_131014_barbara.indd 30
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conceito analisa-se a influência da Biopolítica na Lei que instituiu a Prisão Temporária. No quarto capítulo, parte-se do estudo da prisão temporária sob a ótica da legislação brasileira. Oportunidade em que abordamos a Temporária como nova espécie do gênero cautelar, esmiúça-se as hipóteses para a sua decretação durante a investigação policial, seja através da exposição do ponto de vista de diversos autores consagrados no meio jurídico, ou, por meio da contextualização da visão desse pesquisador. Questiona-se a necessidade de coexistência da Prisão Temporária com a Prisão Preventiva. Analisa-se também, a temporária quanto ao seu prazo e as alterações advindas com a Lei 12.403-11 e sua previsão no Projeto do Senado no que está sendo denominado como novo Código de Processo Penal. Por fim, no capítulo final, parte-se da prisão temporária sem processo como forma velada e clandestina de assegurar a subsistência da prisão por averiguação. Para isso dividimos o estudo em cinco títulos secundários: O primeiro centrase na digressão do tempo quanto ao surgimento da Prisão Temporária no Brasil. Para isso, parte-se da década de 30 do século XX até os dias atuais. O segundo aborda a realidade da Temporária no Brasil do século XXI onde se faz imprescindível combater a individualidade do julgador ao decidir e os critérios por ele utilizados como fundamento de sua decisão. O terceiro traz à tona a importância da participação dos afetados na decisão como forma de democratização do processo penal. O quarto invoca o desafio para se implementar no Procedimento da Temporária o contraditório. Entretanto, visando aprofundar nessa questão esse tópico é subdividido na necessidade de se atrelar o contraditório a isonomia conglobante. Por fim, o quinto e último ponto do capítulo final aborda o que definimos como sendo as alterações na prisão temporária para sua coexistência com a nova realidade do Processo Penal. 31 MIOLO_Prisao Temporaria_131014_barbara.indd 31
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Mestre em direito Processual, Professor de Direito Processual Penal da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e da Faculdade Arnaldo. Advogado Criminalista.
Doutor em Direito Constitucional pela UFMG, professor da UFMG e da graduação e pós-graduação stricto-sensu em Direito Processual da Faculdade Mineira de Direito da PUC-Minas.
ISBN 978-85-8425-044-8
9 788584 250448
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marcelo peixoto melo
Rosemiro Pereira Leal
PRISÃO TEMPORÁRIA
Marcelo Peixoto de Melo
No Estado Democrático de Direito, o dever de cautelaridade quanto à imediata realização de políticas econômicas constitucionalmente determinadas à prevenção da delinqüência e realização de cidadania é do Estado pelas funções administrativa (executiva), legiferativa e jurisdicional, cuja fiscalidade, desde o nível instituinte e constituinte das leis, cabe ao Ministério Público que não é órgão estatal, mas instituição popular consoante se deduz de suas competências constitucionais. O desafio da dissertação foi o desatrelamento conceitual da prisão temporária entendida na década de 30 do século XX no Brasil do que atualmente se concebe sobre igual instituto jurídico-penal no século XXI após a edição da CF/88 que implantou em seu art. 1º um novo paradigma para a atuação normativa do Estado brasileiro (o Estado Democrático, não mais o liberal ou o social de Direito).
PRISÃO
TEMPORÁRIA
MARCELO PEIXOTO DE MELO
O encarceramento do cidadão antes do transito em julgado de sentença penal condenatória é uma das medidas mais graves e excepcionais previstas no ordenamento jurídico brasileiro. Tal afirmação é facilmente constada pelas desgraçadas consequências advindas da prisão de alguém, mesmo que ela dure apenas um único dia. A prisão arremessa o corpo do cidadão em um ambiente desumano, degradante e insalubre. E não é só isto: a mácula moral e o preconceito social não terminam ao final de seu encarceramento, ao contrário, acompanho-o por vários anos, e em alguns casos tornam-se indeléveis. Assim, a presente obra propõe um reforço às garantias individuais do cidadão frente ao jus puniendi estatal. Em verdade o autor tão-somente exige o respeito e cumprimento aos direitos já existentes e assegurados na constituição federal, especialmente ao cidadão ainda não condenado por sentença definitiva, lembrando-nos, assim, que a civilidade de uma sociedade não se mede pela existência de boas leis, mas pela medida de sua observância pelo Estado.
Guilherme Colen Doutor em Direito Penal, Diretor e Professor da Faculdade Mineira de Direito da PUC-Minas.
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