Responsabilidade do estado por dano tributário

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ISBN 978-85-8425-730-0

andreiascapin@vslaw.com.br

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editora

ANDREIA SCAPIN

ANDREIA SCAPIN

Doutorado em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP, 2017) - Doutorado Sanduíche USP e Università degli Studi di Roma La Sapienza; Especialização em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP, 2011). Mestrado em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP, 2010). Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UFM, 2003). Bacharel em Letras com habilitação em língua e literatura portuguesa e italiana pela Universidade de São Paulo (USP, 2003). Advogada.

RESPONSABILIDADE DO ESTADO

ANDREIA SCAPIN

tema da responsabilidade do Estado por dano tributário desperta interesse não apenas por ter sido pouco explorado pela doutrina e jurisprudência brasileiras num momento em que diversos países já o analisaram em razão da correlação entre a imposição de tributos e os direitos fundamentais, mas por propor um intrigante diálogo entre dois relevantes ramos do Direito que, à primeira vista, parecem opostos, porém, na verdade, estão mais próximos do que se pode imaginar: o Direito Civil e o Direito Tributário. O propósito desta obra é trazer à luz as problemáticas inerentes ao ressarcimento dos danos suportados pelo sujeito passivo da relação tributária (contribuinte ou responsável) como consequência das condutas comissivas ou omissivas praticadas pelo agente público ao exercer a função fiscal, que se refere à prática de atos de fiscalização, constituição, inscrição e cobrança do crédito tributário.

RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR DANO

O esforço despendido para a realização desta obra tem como objetivo contribuir para o desenvolvimento de um estudo científico destinado à construção normativa sobre um tema que, apesar de pouco explorado pelos doutrinadores brasileiros, é de grande relevância, não só sob a ótica do contribuinte (ou responsável), que frequentemente se lamenta dos danos resultantes de cobranças tributárias decorrentes de descuidos e abusos da Administração Tributária e das dificuldades inerentes à interpretação e aplicação da norma em virtude da complexidade da legislação; mas, sob a ótica do Estado, com o escopo de estimular a melhor gestão do equilíbrio entre interesses públicos e particulares nas situações concretamente apresentadas com a aplicação plena dos valores que constituem o alicerce da República Federativa do Brasil.

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Editora D’Plácido Av. Brasil, 1843, Savassi Belo Horizonte – MG Tel.: 31 3261 2801 CEP 30140-007

Copyright © 2017, D’Plácido Editora. Copyright © 2017, Andreia Scapin. Editor Chefe

Plácido Arraes Produtor Editorial

W W W. E D I TO R A D P L A C I D O. C O M . B R

Tales Leon de Marco Capa, projeto gráfico

Bárbara Rodrigues da Silva (Sobre imagem de Callum Wale no Unsplash) Diagramação

Bárbara Rodrigues da Silva

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida, por quaisquer meios, sem a autorização prévia do Grupo D’Plácido.

Catalogação na Publicação (CIP) Ficha catalográfica SCAPIN, Andreia. Responsabilidade do estado por dano tributário - Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2017. Bibliografia. ISBN: 978-85-8425-730-0 1. Direito Tributário 2. Direito Econômico. I. Título. CDU346 CDD341.39

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Dedico este trabalho: À memória das amadas Angiolina, Annunziata e Antonia, pessoas especiais e iluminadas que me ensinaram que o mais importante da vida é o amor e a solidariedade. Lembranças que ficarão registradas em meu coração para sempre.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à Universidade de São Paulo, à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoa de Nível Superior (CAPES) e ao Professor Associado Doutor Paulo Ayres Barreto, por permitirem que esta experiência acadêmica fosse a mais completa possível. Agradeço também à Università degli Studi “La Sapienza” di Roma, ao Professor Ordinário Pietro Boria e à Professora Rossella Miceli, por viabilizar a realização da pesquisa, pelos conselhos e atenção dispensados, pela generosidade e confiança em mim depositada. Registro minha gratição aos professores que contribuíram para a realização deste trabalho: Massimo Basilavecchia, Annalisa Pace, Simona D´Antonio, Diogo Corapi, Roberto Carleo, Claudio Scognamiglio, Paola Rossi, Ferdinando Peddis, Federica Niccolini, Fábia Veçoso, Daniel Peixoto, Fernando Dias Menezes de Almeida, Edmundo Medeiros, James Marins e Roberto Quiroga. Aos excelentes funcionários da biblioteca da Suprema Corte de Cassação italiana e da Câmara dos Deputados em Roma, pelo pronto atendimento e atenção constantes. Aos familiares e amigos que estiveram ao meu lado apoiando esse momento de exclusiva dedicação a este trabalho: Albertina Scapin, Wagner Scapin, Raffaela Lagreca, Domenica Cermignani,Angela Cermignani, Andrea Libetta, Anna Maria Melluso, Marco Chiaraluce, Federica Palumbi, Marco Giovinazzi, Luisa Di Pietro, Ana Luísa Barreiros, Licia Natal, Francesca Zanutto,Alessandra Scapin, Flávio Nascimbem, Magnólia Bezerra, Ligia Calvi, Guilherme Ventura e Isabela Jordy.

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SUMÁRIO

PREFÁCIO

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INTRODUÇÃO

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1. RESPONSABILIDADE NA TEORIA GERAL DO DIREITO 29 1.1. Direito como sistema e a estrutura lógica da norma jurídica 29 1.2. Norma jurídica completa: norma primária e secundária

33

1.3. O conceito de sanção e a sua relação com a responsabilidade 37 1.3.1. A sanção e a coatividade do Direito

37

1.3.2. O vocábulo sanção em suas possíveis acepções

38

1.3.3. Sanção, ato ilícito, dever jurídico e responsabilidade

40

1.4. Reponsabilidade civil, penal, administrativa e tributária 2. A POSITIVAÇÃO DA NORMA NEMINEM LAEDERE NO DIREITO BRASILEIRO 2.1. Considerações iniciais

46

49 49

2.2. A origem da norma neminem laedere e sua função normativa 50 2.3. A positivação da norma neminem laedere no Direito italiano 51 2.4. A positivação da norma neminem laedere no Direito brasileiro 63 2.5. A submissão do Estado à norma neminem laedere no Direito 66 brasileiro, inclusive em âmbito tributário

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2.5.1. A Administração Tributária como setor da Administração Pública

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2.5.2. Princípios que regem a atividade da Administração Pública

75

2.5.2.1. Princípio da legalidade

77

2.5.2.1.1. Princípio da legalidade em matéria tributária 79 2.5.2.2. Princípio da impessoalidade (ou finalidade)

81

2.5.2.3. Princípio da eficiência (boa administração)

82

2.5.2.4. Princípio da moralidade

83

2.5.2.4.1. Princípio da boa-fé objetiva

85

2.5.2.5. Princípio da razoabilidade

86

2.5.2.6. Princípio da proporcionalidade

87

3. RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR DANO TRIBUTÁRIO NO DIREITO BRASILEIRO

89

3.1. Percurso evolutivo: da irresponsabilidade à responsabilidade 89 objetiva do Estado 3.1.1. Evolução histórica da responsabilidade do Estado no Brasil

92

3.2. Noções gerais do sistema brasileiro de responsabilidade civil 96 3.2.1. Responsabilidade civil subjetiva e objetiva

97

3.2.1.1. A teoria subjetiva como regra geral do Direito brasileiro

99

3.2.1.1.1. A teoria subjetiva aplicada à omissão da Administração Tributária na anulação do ato em autotutela

102

3.2.1.1.1.1. Autotutela tributária no Direito italiano 112 3.2.1.1.2. Responsabilidade do agente público causador 120 do dano e a ação regressiva do Estado 3.2.1.1.2.1. Crime de Excesso de Exação (art.316, §1º do CP)

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3.2.1.2. A teoria objetiva como regra geral da responsabilidade do Estado

124

3.2.1.2.1. Fundamentos da responsabilidade objetiva do Estado

126

3.2.1.2.2. Regime jurídico da responsabilidade do Estado

130

3.3. Elementos da responsabilidade do Estado por dano tributário 132 3.3.1. Conduta

132

3.3.1.1. Conduta lícita

134

3.3.1.2. Conduta ilícita

139

3.3.1.2.1. Ilegitimidade do ato administrativo tributário 142 3.3.1.2.1.1.Vícios relativos ao sujeito

146

3.3.1.2.1.2.Vícios relativos ao objeto

147

3.3.1.2.1.3.Vícios relativos à forma

151

3.3.1.2.1.4.Vícios relativos ao motivo

152

3.3.1.2.1.5.Vícios relativos à finalidade

152

3.3.1.2.2. Culpa em sentido amplo

153

3.3.1.2.2.1. A relevância da culpa lato sensu na responsabilização do Estado no Direito italiano

154

3.3.2. Dano

161

3.3.2.1. Considerações iniciais

161

3.3.2.2. O dano como elemento determinante da responsabilidade do Estado

163

3.3.2.3. O denominado “dano injusto” no Direito italiano

169

3.3.2.4. Primeira hipótese: conduta lícita com resultado 178 danoso lícito 3.3.2.4.1. Fiscalização Tributária

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3.3.2.4.1.1. A atividade fiscalizatória na Itália

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3.3.2.4.2. Constituição do crédito fiscal e espécies de lançamento

191

3.3.2.4.2.1. Lançamento tributário de ofício, por declaração e por homologação (autolançamento)

194

3.3.2.4.2.2. Auto de infração

201

3.3.2.4.3. Consequências do inadimplemento do contribuinte e a exequibilidade do crédito tributário

202

3.3.2.4.3.1. Ato de inscrição do débito em dívida ativa 202 3.3.2.4.3.2. Certidão negativa de débito fiscal

206

3.3.2.4.3.3. Execução Fiscal

207

3.3.2.5. Segunda hipótese: conduta lícita com resultado 215 danoso ilícito 3.3.2.6. Terceira hipótese: conduta ilícita com resultado 232 danoso ilícito 3.3.2.6.1. Execução fiscal de crédito tributário com 234 exigibilidade suspensa 3.3.2.6.2. Exigência tributária flagrantemente ilegal 240 3.3.2.6.3. Bloqueio de bens e penhora sobre o faturamento da empresa ilícitos

243

3.3.2.6.4. Entendimentos consolidados do STF e do STJ (arts.543-B e 543-C do CPC/73) e efeito vinculante da consulta fiscal e das sentenças 251 com trânsito em julgado 3.3.2.6.5. Sanções políticas

256

3.3.2.6.6. Abuso de Direito

259

3.3.2.7. Dano patrimonial

264

3.3.2.7.1. Dano emergente

264

3.3.2.7.2. Lucro cessante

265

3.3.2.8. Dano não patrimonial (dano moral)

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3.3.2.8.1. Dano biológico, estético e moral no Direito italiano e sua aplicação em matéria tributária 269 3.3.3. Nexo de causalidade e nexo de imputação

282

CONCLUSÕES

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BIBLIOGRAFIA

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PREFÁCIO

A responsabilidade do Estado por danos causados aos particulares no exercício das funções de fiscalização e arrecadação de tributos consiste, sem dúvidas, em um tema que merece a atenção da doutrina do Direito Tributário, por, pelo menos, duas sortes de motivos. Em primeiro lugar, da perspectiva da estruturação do Sistema Tributário Brasileiro, os altos níveis de litigiosidade vêm sendo, rotineiramente, apontados como um dos maiores problemas (ou sintomas) da experiência nacional. Com efeito, estima-se que o contencioso tributário brasileiro, no ano de 2014, envolveria cerca de 15% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.1 Haveria, nessa linha, cerca de dezesseis processos tributários por grupo de dez mil habitantes no País, em contraste com um ou dois processos, para o mesmo grupo, em outros países.2 Esse diagnóstico acerca da (perniciosa) litigiosidade em matéria tributária no Brasil vem levando a diversas propostas para a melhoria da qualidade do sistema tributário brasileiro, mediante a redução de complexidades e a criação de mecanismos para a quebra do paradigma punitivo que impera, atualmente, no ordenamento.3 Trata-se de soluções de lege ferenda, ou seja, mediante modificações no direito positivo. A essas propostas, salutares e necessárias, somam-se soluções de lege lata.Trata-se, nesse caso, de interpretar adequadamente o direito positivo vigente, contribuindo-se para melhorar o sistema tributário brasileiro pela correta concretização das normas já em vigor. É nesse último contexto MESSIAS, Lorreine. Contencioso tributário brasileiro é muito superior ao dos EUA. Revista Consultor Jurídico, 21 de novembro de 2013. 2 Ibidem. 3 Nesse sentido, cf. nosso: SANTI, Eurico Marcos Diniz de; COELHO, Isaías; BARRETO, Paulo Ayres. São Paulo na era da modernidade do fisco responsivo. Jota - Noticias Jurídicas, Brasília, 12 de julho de 2017. 1

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que se insere a responsabilidade do Estado por dano tributário, tema deste livro de Andreia Scapin. A responsabilidade do Estado por danos causados a particulares no exercício das funções de fiscalização e arrecadação de tributos exerce papel fundamental para contribuir com a construção de um sistema menos litigioso e mais racional. A irresponsabilidade do Estado por danos ocasionados na fiscalização e na arrecadação de tributos incentiva o exercício irrefletido e inconsequente dessas competências. Em outras palavras, a submissão do Estado e de seus agentes à legalidade e ao Estado de Direito só apresenta integral eficácia com a responsabilização do Estado pelos danos por si causados aos particulares. Nesse contexto, por mais que possa parecer paradoxal, a responsabilidade do Estado por dano tributário pode funcionar como mecanismo de diminuição, e não de aumento, de litígios. Quando há segurança de que o Estado será devidamente responsabilizado pelos danos causados a particulares no exercício de suas pretensões em matéria tributária, diversos litígios são evitados. Assim, a responsabilidade do Estado por dano tributário soma-se a outras medidas que vêm sendo tomadas para a redução de litigiosidade em matéria tributária, como: (i) a dispensa da interposição de recursos em matérias sujeitas a julgamentos de precedentes vinculativos (art. 19 da Lei 10.522/02, com alterações posteriores); (ii) a dispensa da propositura e a suspensão de execuções fiscais em relação a determinados créditos (Portaria PGFN 396/2016); e (iii) a extinção da fixação “equitativa” de honorários sucumbenciais nos casos de condenação da Fazenda Pública, com o advento do Código de Processo Civil de 2015. Em segundo lugar, o tema da responsabilidade do Estado por danos ocasionados no exercício da Administração Tributária também apresenta relevância da perspectiva da concretização da função protetiva dos direitos fundamentais, em matéria tributária. A tributação, como é sabido, limita os direitos de propriedade e de liberdade dos cidadãos, motivo pelo qual o Sistema Constitucional Tributário brasileiro disciplina os seus limites de forma rígida.4 Nesse passo, em face a uma cobrança material ou formalmente inválida, assim declarada após anos de litígios judiciais, com prestação de garantias pelo particular e restrições à sua liberdade, a restauração da esfera de direitos do contribuinte não pode prescindir da reparação pelos danos causados ao seu patrimônio, no exercício da pretensão tributária. Do contrário, admitir-se-á que o particular tenha 4

ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985. p. XIII.

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o seu patrimônio (constrito para a prestação da garantia, por exemplo) indevidamente restringido pela inválida pretensão tributária, sem qualquer reparação. Em outras palavras, o particular financiaria o exercício indevido da função de tributar. Ausente essa responsabilização, de um lado, o Estado agirá não como um Estado de Direito (submisso à ordem jurídica), mas como o príncipe infalível do início do Estado Moderno, a que alude Andreia Scapin nesta obra. Por outro lado, nessa situação de total irresponsabilidade do Estado pelo dano tributário, o particular se encontra em um verdadeiro estado de sujeição permanente5, constantemente submisso a toda e qualquer pretensão estatal, que poderá ser exercida unicamente às expensas do próprio particular. Nesse contexto, o livro de Andreia Scapin visa, declaradamente, a responder se o direito positivo brasileiro prescreve a responsabilidade do Estado por danos sofridos pelo contribuinte (ou responsável), em função do exercício da função de fiscalizar e arrecadar tributos. Ademais, busca, também, estabelecer os parâmetros e critérios para essa responsabilização. Trata-se de obra muito bem-vinda no cenário da dogmática nacional, em que escassas são as manifestações sobre o tema. Nesse cenário, a Autora recorre à experiência doutrinária e jurisprudencial italiana – país em que realizou intenso esforço de pesquisa - de onde colhe importantes influxos sobre o tema, sempre com redobrada atenção às particularidades do ordenamento jurídico nacional. Primeiramente, são firmadas as premissas teóricas adotadas na obra, com especial relevância para a estrutura da norma sancionatória, conforme estudada pela Teoria Geral do Direito. Ao fazê-lo, a Autora demonstra sua precisão analítica, identificando cada um dos passos que devem ser dados para demonstrar a existência de uma norma jurídica que garante a reparação de danos ocasionados no exercício da função tributária, no ordenamento brasileiro. Em seguida, a obra dedica-se à análise da positivação da norma neminen laedere, no Direito brasileiro. Andreia Scapin faz derivar esse dever de não causar danos e sua aplicabilidade ao Estado, no exercício da função fiscal, a partir de diversas regras constitucionais (especialmente o § 6º do art. 37), entrelaçadas com princípios gerais e específicos da matéria tributária. Andreia Scapin, então, passa à análise específica da responsabilidade do Estado por dano tributário. Após examinar o tratamento da matéria TORRES, Heleno Taveira. Direito Constitucional Tributário e Segurança Jurídica - metódica da segurança jurídica do sistema constitucional tributário. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 503-505.

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pelo direito positivo, a Autora distingue entre a licitude da conduta e a licitude do dano, separando-os na estrutura normativa da responsabilidade, conforme positivada no Brasil. Com base nessa dissecação analítica, Andrea Scapin identifica três situações em que assume relevo a análise da responsabilidade do Estado por dano tributário, quais sejam: (i) conduta lícita com resultado danoso lícito; (ii) conduta lícita com resultado danoso ilícito; e (iii) conduta ilícita com resultado danoso ilícito. Na primeira hipótese, não há falar-se em responsabilidade do Estado, haja vista que a conduta do Estado é lícita e o eventual resultado danoso ao patrimônio do contribuinte não caracteriza lesão a direitos subjetivos ou interesses juridicamente relevantes.Tratar-se-ia, por exemplo, da cobrança de um tributo efetivamente devido, com a utilização dos meios necessários e previstos pelo ordenamento jurídico. No segundo caso, embora a conduta seja prima facie lícita, produz-se um resultado danoso ilícito, pois há violação a direitos subjetivos albergados pelo ordenamento. É o que ocorreria, por exemplo, no caso de danos experenciados em função da cobrança de tributo que ao final do procedimento é declarado indevido. Outro exemplo seria a cobrança de tributo devido, mas com a utilização desmedida de meios gravosos de cobrança. Conforme explica Andreia Scapin, a identificação da possibilidade de responsabilização em face de conduta lícita, porém com resultado danoso ilícito decorreria da presunção de legitimidade dos atos administrativos, combinada com a regra de responsabilidade objetiva, que prescinde de culpa. Nesse ponto, a Autora identifica uma importante diferença com o que ocorre na Itália, onde toda cobrança de tributo indevido consubstancia conduta ilícita. A terceira hipótese se verifica quando tanto a conduta como o resultado danoso afigurar-se-iam ilícitos. É o que aconteceria no caso de cobranças de tributos manifestamente ilegais ou mediante meios manifestamente ilegais. Após o criterioso exame de cada uma dessas hipóteses, Andreia Scapin analisa, de forma detida, os elementos do dano e do nexo de causalidade, também imprescindíveis para a configuração da responsabilidade do Estado por dano tributário. Cabe, por fim, referência à extensa pesquisa realizada pela Autora na Itália, onde permaneceu durante mais de um ano. Sua seriedade é demonstrada, cabalmente, pelo texto produzido e pela extensão da bibliografia e dos julgados pesquisados. 18

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Este trabalho é resultado da tese de doutorado defendida pela Autora na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Durante o processo de orientação da então candidata, tive a oportunidade de testemunhar a dedicação, o zelo e o relevante esforço por ela empreendido para alcançar esse resultado. Nesta obra, associam-se seriedade, talento e uma inegável veia criativa da Autora, dando ensejo a esta relevante contribuição à Ciência do Direito. Estão de parabéns a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e a Editora D’Plácido pela obra que ora tenha a honra de prefaciar. São Paulo, 11 de agosto de 2017. Paulo Ayres Barreto Professor Associado de Direito Tributário, do Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário da USP.

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INTRODUÇÃO

O tema da responsabilidade do Estado por dano tributário desperta interesse não apenas por ter sido pouco explorado pela doutrina e jurisprudência brasileiras num momento em que diversos países já o analisaram em razão da correlação entre a imposição de tributos e os direitos fundamentais, mas por propor um intrigante diálogo entre dois relevantes ramos do Direito que, à primeira vista, parecem opostos, porém, na verdade, estão mais próximos do que se pode imaginar: o Direito Civil e o Direito Tributário. O propósito desta obra é trazer à luz as problemáticas inerentes ao ressarcimento dos danos suportados pelo sujeito passivo da relação tributária (contribuinte ou responsável) como consequência das condutas comissivas ou omissivas praticadas pelo agente público ao exercer a função fiscal, que se refere à prática de atos de fiscalização, constituição, inscrição e cobrança do crédito tributário. Para maior clareza expositiva, o núcleo da investigação consiste em responder à seguinte pergunta: o Direito brasileiro atualmente vigente permite ao intérprete desse sistema normativo, a partir do entrelaçamento dos enunciados prescritivos gerais e abstratos postos na Constituição Federal de 1988, no Código Tributário Nacional e no Código Civil, imputar ao Estado o dever jurídico de ressarcir os danos sofridos pelo contribuinte (ou responsável) em virtude da relação tributária no exercício da função fiscal? Em caso positivo, em quais situações isso pode acontecer e quais são os critérios que conduzem a essa responsabilidade? A função fiscal é desempenhada por meio da prática de atos administrativos que constituem normas individuais e concretas dirigidas à cobrança de tributos, quais sejam: i) ato de lançamento tributário de ofício e “autolançamento tributário”; ii) ato de lançamento e imposição de multa; iii) ato de inscrição do débito em dívida ativa; e, iv) ato de 21

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ajuizamento da execução fiscal – que correspondem aos principais atos que compõem a conduta causadora do dano tributário, englobando, portanto, a temática deste trabalho. O traço marcante das relações tributárias é a bipolaridade, já que há dois valores em constante tensão: a autoridade do Poder Público e a liberdade individual do contribuinte, pois, de um lado, a imposição de tributos consente a aquisição de recursos financeiros destinados à manutenção do aparelho estatal, ao desenvolvimento de atividades e serviços públicos e, em geral, ao cumprimento dos deveres para os quais o Estado tem sido chamado, propiciando a maior distribuição de riqueza entre os indivíduos; e, de outro, permite que o direito fundamental à propriedade e à liberdade do particular sejam atingidos com a absorção compulsória de parcela do seu patrimônio para o custeio das despesas públicas como uma declinação típica do dever de solidariedade política, econômica e social que compete a cada indivíduo que compõe a comunidade nacional. Logo, a ação estatal toca diretamente os direitos fundamentais, não apenas como consequência da eleição dos fatos que o legislador constituinte apreende nas regra-matrizes de incidência tributária, mas principalmente pela maneira como o Estado exerce a atividade tributante, a qual pode causar danos de extrema gravidade e até irreversíveis ao contribuinte (ou responsável), como: i) a indisponibilidade de recursos financeiros devido aos depósitos destinados a suspender a exigibilidade do crédito tributário, ao bloqueio de bens e à penhora do faturamento da empresa; ii) a inscrição no Cadastro Informativo de créditos não quitados (CADIN) que pode restringir o suprimento de matéria prima por fornecedores, impedindo o cumprimento dos contratos com os clientes, além do acesso ao crédito junto às instituições financeiras, que inviabiliza o negócio; iii) o indeferimento da certidão negativa de débito fiscal (CND) ou da certidão positiva com efeitos negativos (CPD-EN), que obstrui atividades e negócios com o setor público e privado dada a exigência de apresentação, em vários casos, da certificação de regularidade fiscal, obstando a participação em procedimentos licitatórios e em concursos públicos; iv) a limitação da alienação de bens, entre outros. Com efeito, tal estudo pode contribuir para a compreensão jurídica das diversas questões relacionadas ao dever do Estado de recompor o status quo ante do sujeito passivo da relação tributária inclusive na forma de reparação pecuniária com o escopo de restabelecer o equilíbrio rompido pela lesão, pois o prejuízo não reparado gera inquietação social; e, para a expansão dos horizontes da função fiscal em seu aspecto qualitativo, impondo maior cuidado aos agentes públicos na gestão das atividades 22

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fiscais como um estímulo a mais para que seu exercício se dê de forma correta e em conformidade com as normas constitucionais. Propõe-se uma investigação científica de caráter analítico à luz da Teoria Geral do Direito e do Direito nos setores Constitucional,Administrativo,Tributário e Civil, com base na supremacia da Constituição e dos valores nela albergados, elegendo como objeto de estudo os enunciados prescritivos gerais e abstratos, individuais e concretos, pertencentes ao sistema jurídico brasileiro. Notadamente, far-se-á uso do método comparatístico de forma complementar ao método dedutivo e indutivo, pois se mostra particularmente útil e interessante para a pesquisa dada a quase total ausência de monografias específicas sobre o tema que está em fase inicial de sistematização no Brasil. Na Itália, cujo sistema jurídico foi considerado paradigma deste estudo, há uma solução específica em âmbito jurisprudencial consolidada há pouco mais de 15 anos.Trata-se do acórdão n.722 proferido pela Corte de Cassação italiana em 15 de outubro de 1999, por meio do qual foi declarada a submissão do Estado à norma neminem laedere (não causar dano a outrem) inclusive em relação ao exercício das atividades fiscais, reconhecendo-se seu dever de indenizar os danos causados pelos agentes públicos vinculados ao Fisco quando violados os direitos subjetivos do contribuinte (ou responsável). Esse acórdão será utilizado como base para a construção normativa doméstica a respeito do tema, ou seja, para investigar se o Direito brasileiro também impõe ao Estado o dever de indenizar os danos causados por seus agentes em decorrência do exercício da função fiscal, já que sua fundamentação se mostra compatível com o modelo jurídico brasileiro, principalmente com os princípios e valores albergados na Constituição Federal de 1988, isto é, com os fundamentos do art.1º, os objetivos do art.3º, os direitos e garantias fundamentais do art.5º, a disciplina do modus operandi da Administração Pública e do exercício do poder de tributar, bem como com seu Preâmbulo. No Brasil, a partir de 1822, ano da proclamação da independência de Portugal, até hoje, verifica-se a circulação de modelos jurídicos estrangeiros influenciando a formação jurídica brasileira. A própria história do Brasil justifica a tendência dos juristas brasileiros à comparação, os quais, desde o início, foram atraídos pela cultura europeia, principalmente em decorrência do fato da primeira experiência jurídica brasileira ter sido baseada no modelo português. Nessa época, os juristas brasileiros foram solitários comparatistas dada a ausência de literatura jurídica nacional. Sublinhe-se que o legislador brasileiro sempre demonstrou a capacidade de adequar as fontes estrangeiras à própria realidade. 23

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Foi no ensino universitário que a comparação ganhou ainda maior destaque em virtude não apenas da visita, mas sobretudo da permanência de notáveis juristas estrangeiros no Brasil, tornando-se um método de estudo muito utilizado em solo pátrio até hoje. A afinidade do Direito brasileiro com o Direito italiano é resultado da sólida base romanística comum e da profunda difusão do modelo científico italiano na América Latina, mormente no Brasil, devido aos problemas que surgiram a partir das duas guerras mundiais, ensejando a emigração de italianos por todo continente americano, inclusive de juristas que passaram a ensinar Direito em Universidades brasileiras. Especificamente no que tange ao Direito Tributário, foi o jurista Tullio Ascarelli o primeiro a propiciar tratamento científico às questões fiscais brasileiras, as quais, até então, eram estudadas apenas por advogados na solução imediata dos casos. Embora não fosse rigorosamente um tributarista, ao chegar no Brasil na década de 40, passou a tratar da matéria por razões profissionais e tornou-se professor da Faculdade de Direito da USP. Foram seus alunos: Ruy Barbosa Nogueira, primeiro professor de Direito Tributário da Universidade de São Paulo (USP) e fundador do Instituto Brasileiro de Direito Tributário, e Rubens Gomes de Sousa, professor de Legislação Tributária da Faculdade de Contabilidade e de Economia da USP e idealizador do Código Tributário Nacional na década de 1950. Nota-se a influência italiana em tal diploma normativo pela aplicação dos conceitos elaborados por Ezio Vanoni, que pertencia à famosa Escola de Pavia, sobre os deveres do contribuinte em relação ao Fisco e o papel do Estado na cobrança de tributos. A aproximação entre o Direito italiano e o brasileiro em âmbito tributário é considerada por alguns autores até mesmo anterior à permanência de Ascarelli no Brasil, pois Veiga Filho já havia demonstrado familiaridade com a doutrina financeira italiana em sua obra “Manual de Ciências das Finanças” cuja primeira edição foi publicada em 1898, principalmente de Luigi Cossa (Primi elementi di scienza delle finanze), Ricca Salerno (Scienza delle Finanze), Federico Flora (Manuale di Scienza delle Finanze) e Francesco Nitti (Scienze delle Finanze). Ademais, Ruy Barbosa tratou do Imposto sobre a Renda com base na obra L´imposta sul reddito de Ricca Salerno em 1891. A partir de 1960, intensificaram-se ainda mais os contatos com o Direito italiano, principalmente com as obras dos tributaristas Achille Donato Giannini e Antonio Berlini, que influenciaram Geraldo Ataliba a elaborar a classificação dos tributos em vinculados e não-vinculados a uma atuação estatal. As teorias defendidas por tais juristas também 24

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foram observadas nas obras de outros autores brasileiros, a exemplo da “Teoria Geral do Direito Tributário” de Alfredo Augusto Becker, publicada em 1965. Além disso, Ataliba manteve uma estreita relação acadêmica com Gian Antonio Micheli, que foi o professor da primeira Cátedra de Direito Tributário na Itália instituída em 1963 na Faculdade de Direito da Universidade de Roma La Sapienza, a qual proclamou a autonomia do Direito Tributário como disciplina jurídica e como ramo do Direito no referido país. Micheli veio algumas vezes ao Brasil e recebeu juristas brasileiros na Itália. Igualmente relevante foi a passagem de Victor Uckmar pelo Brasil, atraído pelas obras de Aliomar Baleeiro e Geraldo Ataliba por indicação de Tullio Ascarelli. Permaneceu seis meses para desenvolver uma pesquisa sobre o constitucionalismo brasileiro e participou da construção da doutrina tributária brasileira, sendo um de seus grandes colaboradores. Não poderia ficar de fora, a unificação do Direito Civil e Comercial pelo Código Civil de 2002 bem como a construção da disciplina de empresa, em linha com a orientação italiana. No cenário proposto por tal Código, verifica-se a influência italiana em vários aspectos, ainda que, em alguns casos, apenas em parte, fundindo-se com as regras da tradição jurídica brasileira. Em relação ao Direito Civil, deve-se registrar a permanência de Miguel Reale, que inspirou o Código Civil de 2002, na Itália, como aluno de Giorgio Del Vecchio, na década de 1940. Especificamente no que tange à responsabilidade civil, a afinidade entre os dois sistemas jurídicos é igualmente visível, visto que, com o Código Civil de 2002, efetuou-se uma releitura do conceito tradicional desse instituto jurídico a partir de uma visão solidarísta e humanista que remete à noção de dano injusto defendida pelo legislador italiano no Código Civil de 1942. Em tal caso, a chave comparativa consiste na centralidade conferida ao dano na disciplina da responsabilidade civil que corresponde à tendência moderna de deslocar o foco do ato ilícito para o resultado danoso como consequência das profundas transformações sociais e jurídicas que ampliaram largamente as situações de dano. Dito de outro modo, ambos os países colocaram em seus ordenamentos jurídicos a ênfase sobre o dano, concebendo a norma neminem laedere como um dever geral de não causar dano a outrem sem que exista uma causa de justificação idônea. Além do exposto, houve correspondência nos seguintes pontos: i) relevância que o papel da jurisprudência tem assumido nos dois países nos últimos tempos, embora sejam sistemas jurídicos alicerçados na tradição 25

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romano germânica, cuja referência são leis escritas e elaboradas com base na experiência e na história da sociedade em certo período; ii) ordens jurídicas que funcionam a partir de conceitos jurídicos previamente estabelecidos, os quais se adequam à situação apresentada, ou seja, não um direito que se forma empiricamente por meio do caso concreto; iii) sistemas jurídicos com ampla tutela aos direitos fundamentais e à proteção da situação jurídica subjetiva de cada membro da sociedade, inclusive em face do Estado; iv) existência de princípios constitucionais e infraconstitucionais equivalentes entre si que regulam o modus operandi da Administração Tributária na relação estabelecida com o contribuinte (ou responsável) e limitam o poder de tributar; v) procedimento administrativo constitutivo do crédito tributário de natureza vinculada passível de anulação por intermédio da autotutela pela Administração Pública ou pelo Poder Judiciário; vi) exigibilidade do crédito tributário pela execução forçada de bens; vii) foco da responsabilidade do Estado no dano, deslocando-se a atenção da ação causadora do dano para o resultado danoso, fazendo emergir a valoração do dano antijurídico (injusto ou ilícito). Logo, a escolha do sistema jurídico italiano como paradigma para a construção normativa doméstica da responsabilidade do Estado por dano tributário resultou dum cenário extremamente favorável e profícuo para a aplicação do método comparatístico. De grande utilidade se apresenta o método dedutivo, devido à experimentação da responsabilidade do Estado como um instituto jurídico já assentado no Direito brasileiro em face dos fenômenos jurídicos relacionados à função fiscal, como também o método indutivo, pela relevância da análise de casos concretos para formular critérios que permitam sua aplicação no que se refere ao dano tributário. Para o melhor desenvolvimento do tema, dividiu-se o trabalho em três capítulos. No Capítulo 1, busca-se descrever o sistema de referência adotado a partir da análise do conceito de: Direito, norma jurídica, sanção, ilícito e responsabilidade. Analisa-se a estrutura lógica da norma jurídica e da norma jurídica completa, que se revela indispensável para aferir a presença da norma neminem laedere no ordenamento jurídico brasileiro e para distinguir o dano passível de ressarcimento daquele que não o é. No Capítulo 2, com base nos estudos inicialmente efetuados e na interpretação dos enunciados prescritivos presentes na Constituição Federal de 1988 e no Código Civil, investiga-se se a norma neminem laedere está positivada no Direito brasileiro. Subsequentemente, passa-se a perquirir se a norma neminem laedere é aplicável em âmbito tributário especificamente no que tange ao exer26

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cício da função fiscal, ou seja, se o Estado se submete ao dever jurídico de “não causar dano a outrem”, por ela prescrito, e às respectivas consequências no caso de sua violação ao realizar a fiscalização, a constituição, a inscrição e a cobrança do débito tributário. Parte-se da análise da positivação da norma neminem laedere no ordenamento jurídico italiano e da interpretação dada pela Corte de Cassação às normas jurídicas italianas no histórico acórdão n.500, de 22 de julho de 1999, cujo entendimento foi posteriormente aplicado especificamente em âmbito tributário pelo acórdão n.722, de 15 de outubro de 1999, aferindo a possibilidade de construir a norma jurídica com raciocínio semelhante no Brasil sem desconsiderar as particularidades inerentes à tradição jurídica brasileira. No Capítulo 3, introduz-se o tema específico da responsabilidade do Estado por dano tributário no Direito brasileiro e os critérios para a sua aplicação. Preliminarmente, será efetuada uma breve incursão no estudo da responsabilidade civil, pois a responsabilidade do Estado se insere no domínio da responsabilidade extracontratual aquiliana, sendo, portanto, uma de suas espécies. A finalidade é compreender o delineamento constitucional e infraconstitucional dispensado pelo legislador brasileiro à matéria para distinguir as situações em que se aplica a teoria subjetiva, cujo foco recai sobre a valoração da conduta ilícita, requerendo a prova da culpa (lato sensu) do agente causador do dano, daquelas em que a regra é a teoria objetiva, cujo cerne é o ressarcimento do prejuízo sofrido pelo lesado, abstraindo-se a valoração da conduta e a prova da culpa. Será analisada a estrutura da responsabilidade civil, ou seja, seus pressupostos clássicos: conduta, dano e nexo de causalidade, aplicados ao exercício da função fiscal pelos agentes da Administração Tributária com base inclusive no estudo de casos já julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e por Tribunais Regionais brasileiros. Conclui-se o trabalho com as considerações finais respondendo à questão inicial: o Direito brasileiro permite ao intérprete desse sistema normativo por meio da interpretação de suas normas jurídicas imputar a responsabilidade ao Estado por dano tributário no Brasil? O esforço despendido para a realização desta obra tem como objetivo contribuir para o desenvolvimento de um estudo científico destinado à construção normativa sobre um tema que, apesar de pouco explorado pelos doutrinadores brasileiros, é de grande relevância, não só sob a ótica do contribuinte (ou responsável), que frequentemente se lamenta dos danos resultantes de cobranças tributárias decorrentes de 27

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ISBN 978-85-8425-730-0

andreiascapin@vslaw.com.br

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editora

ANDREIA SCAPIN

ANDREIA SCAPIN

Doutorado em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP, 2017) - Doutorado Sanduíche USP e Università degli Studi di Roma La Sapienza; Especialização em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP, 2011). Mestrado em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP, 2010). Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UFM, 2003). Bacharel em Letras com habilitação em língua e literatura portuguesa e italiana pela Universidade de São Paulo (USP, 2003). Advogada.

RESPONSABILIDADE DO ESTADO

ANDREIA SCAPIN

tema da responsabilidade do Estado por dano tributário desperta interesse não apenas por ter sido pouco explorado pela doutrina e jurisprudência brasileiras num momento em que diversos países já o analisaram em razão da correlação entre a imposição de tributos e os direitos fundamentais, mas por propor um intrigante diálogo entre dois relevantes ramos do Direito que, à primeira vista, parecem opostos, porém, na verdade, estão mais próximos do que se pode imaginar: o Direito Civil e o Direito Tributário. O propósito desta obra é trazer à luz as problemáticas inerentes ao ressarcimento dos danos suportados pelo sujeito passivo da relação tributária (contribuinte ou responsável) como consequência das condutas comissivas ou omissivas praticadas pelo agente público ao exercer a função fiscal, que se refere à prática de atos de fiscalização, constituição, inscrição e cobrança do crédito tributário.

RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR DANO

O esforço despendido para a realização desta obra tem como objetivo contribuir para o desenvolvimento de um estudo científico destinado à construção normativa sobre um tema que, apesar de pouco explorado pelos doutrinadores brasileiros, é de grande relevância, não só sob a ótica do contribuinte (ou responsável), que frequentemente se lamenta dos danos resultantes de cobranças tributárias decorrentes de descuidos e abusos da Administração Tributária e das dificuldades inerentes à interpretação e aplicação da norma em virtude da complexidade da legislação; mas, sob a ótica do Estado, com o escopo de estimular a melhor gestão do equilíbrio entre interesses públicos e particulares nas situações concretamente apresentadas com a aplicação plena dos valores que constituem o alicerce da República Federativa do Brasil.

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