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EUTANÁSIA

Um grupo de jovens de classe média conversava animadamente em um restaurante em Copacabana, no Rio de Janeiro, e entre um drink e outro Maurí‑ cio comentou:

— Vocês assistiram, ontem, à reportagem sobre a garota que está há vários anos num hospital, em coma, e os pais pediram para realizar a eutanásia?

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— Eu assisti e sou terminantemente contra – res pondeu Elaine. – Se Deus nos deu a vida, só Ele pode nos retirar de cena.

Iniciou‑se a discussão calorosa e muitos casos fo ram contados. Em determinado momento, Maurício tomou a palavra e disse:

— Eu sou a favor da eutanásia. Creio que o sofri mento é muito grande, tanto para o doente quanto para os familiares, que se sentem impotentes vendo o seu ente querido definhando num leito de hospital. E digo mais, se algum dia eu me encontrar em dada si tuação, desliguem os aparelhos. Martinha, você é mi‑ nha amiga de infância; caberá a você essa importante tarefa, pois além desse motivo, você tem conhecimen‑ to da área, e não vai ter dificuldade.

— Vamos mudar o rumo dessa conversa – falou a amiga – que já está ficando tenebrosa. Vamos falar de política, futebol, até mesmo das colas na facul‑ dade. Eu não gosto dessa conversa de morte, ainda mais com esse pedido sem propósito do Maurício que vai viver ainda muito tempo; o suficiente para ter osteoporose, artrite e todas as “ites” possíveis e imagináveis.

Todos riram, e realmente, a conversa tomou outro rumo. Despediram‑se, e cada um tomou o caminho de sua residência. No dia seguinte, na faculdade, re ceberam a notícia de que Maurício havia sofrido um acidente, seu carro batera num poste em Niterói, e ele estava em coma na UTI de um hospital. O desespe‑ ro foi inevitável, eles eram verdadeiros amigos. Sem condições de assistir às aulas, todos foram, imediata‑ mente, para o hospital.

Chegando ao hospital, enquanto na sala de espera para a visita, o diálogo sobre o que se passou na vés‑ pera, e o que foi conversado sobre a eutanásia, fluiu imediatamente, e Martinha sentiu um arrepio per correr todo o seu corpo ao lembrar‑se do pedido de Maurício. Naquele dia, não foi permitida a visita por parte dos amigos, tal era a gravidade do caso, sendo o acesso apenas liberado para os pais do jovem que saíram completamente desolados.

Os dias foram passando, e o quadro de Maurício continuava o mesmo, coma profundo, e segundo a avaliação médica o caso era gravíssimo, e as possibili‑ dades de sobrevivência eram mínimas, com possibili dade de evolução para morte cerebral.

Numa manhã de domingo, três meses após o aci‑ dente, Maurício se percebe, e apesar de incomunicá vel, não consegue mover um só músculo, entretanto ouve as pessoas que o circundam. Ele tenta se mover, não consegue, tenta gritar, mas só ele ouve o seu pró‑ prio grito interno.

— E agora, o que fazer? E se pensarem que estou morto, e me enterrarem vivo? Não, não, isso não! Eles vão ver que meu coração está batendo. Com os apare lhos de alta tecnologia eles sabem quando uma pessoa está morta ou viva! Se tranquilize Maurício – pensava buscando acalmar‑se. E a eutanásia? Ai meu Deus, eu‑ tanásia não. De repente lembrou‑se: eu pedi a Marti nha... Ai meu Deus! Calma, calma Maurício, voltava a pensar. No Brasil a eutanásia não é permitida – ufa, respirou aliviado.

Naquela mesma tarde de domingo, Elaine e Marti‑ nha chegam ao quarto da UTI para visitar o amigo. As duas fitaram o querido amigo‑irmão com compaixão e sofrimento.

— Olhe como ele está emagrecido – disse Elaine enxugando as lágrimas – por mais que a equipe que cuida dele seja eficiente, não há corpo que suporte tanto tempo na cama. Ele já está com ferimentos, a enfermeira disse que são úlceras de pressão. Coitado do Maurício.

— Eu vou ficar bom – pensou o paciente, tentando em vão abrir a boca. – Eu sou forte e vou sair dessa, eu tenho fé em Deus! Eu vou sair dessa.

Sem perceber um mínimo gesto do rapaz, Marti‑ nha falou convicta:

— Elaine, eu tomei uma decisão. Se, em uma sema na, o quadro de Maurício não melhorar, eu vou fazer o que ele pediu, vou trazer uma seringa no bolso, com uma substância letal, vou aplicar nele para pôr fim a esse sofrimento, afinal de contas, é o desejo dele.

— Não, não, Martinha – pensou o rapaz desespe‑ rado, tentando gritar. – Não faça isso pelo amor de Deus! Eu estou vivo. Ai meu Deus, me ajude, por fa vor, eu não quero a eutanásia, eu estou vivo.

Os dias se passaram e o jovem Maurício lutava pela vida. Entretanto, apesar de todo esforço mental, não conseguia mover nem um dedo, nem um mús‑ culo, nem mesmo um piscar de olhos. Uma semana depois, as duas amigas retornam ao hospital, e a sós, diante de Maurício, iniciam o diálogo:

— E aí, Martinha, você não acha melhor a gente desistir disso? Afinal de contas é crime.

— Não se preocupe, eu é quem vou fazer, você vai apenas vigiar e me avisar se aparecer alguém – e arre‑ matou – é o pedido do meu amigo e eu não vou deixá‑ ‑lo sofrer desse jeito.

— Não, não, Martinha! Isso vai passar! O sofrimen‑ to vai passar e eu vou ficar bom, eu garanto, por favor, me deixe viver! Lembra o que Elaine falou: só Deus, só Deus pode nos tirar de cena – pensou o rapaz. Entretanto, Martinha estava decidida. Aproximou ‑se de Maurício, beijou‑lhe a testa, conectou a seringa no adaptador do soro, que daria acesso direto à cor‑ rente sanguínea do rapaz, e no momento que iria inje tar a substância letal, ouve a voz rouca e quase sumi da de Elaine:

— Martinha, olhe para o Maurício, ele está cho‑ rando. Minha amiga, ele está voltando para nós, ele vai viver.

Martinha, imediatamente, retira a seringa e com o coração carregado de emoção abraça o amigo, mis turando suas lágrimas às dele. Enquanto isso, Elaine corre para chamar a enfermeira.

Dois meses depois, Maurício estava no apartamen‑ to do hospital, iria ficar paraplégico, porém vivo e lú cido e segundo ele, não iria andar, mas iria voar com a vontade de viver e produzir para a vida. E brincando falou para Martinha:

— Minha querida amiga, da próxima vez que eu te fizer um pedido, só o faça se eu confirmar na hora.

E mais uma vez, todos os amigos estavam reuni dos celebrando a vida.

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