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DE CONVERSA EM CONVERSA
POR ANTONIO BIVAR
DEUS NO CÉU E PERU NA TERRA
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Com grande riqueza de detalhes, mergulhe com o nosso colunista na cultura do Peru, do pisco ao ceviche, de Lima a Machu Picchu
Fui escolhido para representar a nossa revista em uma viagem jornalística primeira classe para conhecer o Peru. Éramos seis, três rapazes e três moças. Logo no primeiro dia e no começo das funções, Marina constatou que o nosso grupo dava liga. E deu mesmo. E se, depois da viagem, nossa missão era propagar o melhor do Peru, não poderíamos ter tido, logo na chegada, melhor acolhida. Em Lima, um veículo da Peruvian Experience nos conduziu do Aeroporto Internacional Jorge Chávez ao Country Club Lima Hotel. Majestosa construção inglesa de 1927, o hotel é, na capital peruana, o que o Copacabana Palace representa no Rio: o máximo em requinte. Levei um susto quando a mim foi dada a suíte presidencial. Talvez por ser o mais velho da banda, pensei. Alguém do grupo sugeriu que déssemos uma festa, mas lembrei que não tínhamos tempo. Era programação intensa e dormir cedo era preciso, porque já na madrugada deixaríamos Lima para continuar a aventura peruana. De modo que acabados de chegar e as bagagens nas devidas suítes, saímos guiados a uma visita pelo hotel e degustação de pisco. Esse drinque é para o estrangeiro no Peru o que caipirinha é para gringo no Brasil. Almoço no restaurante com o chef e cozinheiros nos dando uma demonstração do prato mais famoso da gastronomia peruana, o ceviche.
LIMA É DE CAIR O QUEIXO
A começar pelo bairro de San Isidro, nosso endereço na cidade. Para se ter uma ideia, San Isidro e seu vizinho, Miraflores, são, em Lima o que os Jardins são pra São Paulo, com pontos a mais para as calçadas e a vantagem de serem bairros planos, ótimos para a prática pedestre. Lindas residências com belos jardins à vista e mais adiante um comércio elegante, moderno, com ar local e grifes internacionais. Mas é preciso ver mais para se ter uma real impressão dessa metrópole de 9 milhões de habitantes. Uma circulada geral, passando pela zona industrial e pelos bairros da baixa classe média chegamos ao centro histórico, onde funcionam palácios do poder governamental, escolas, escritórios e a riqueza arquitetônica de vários períodos. Tudo exu
bera entre paradas para visita a igrejas, museus e perambulada pelo comércio popular e turístico, energizados pela abundância de cores e odores. A impressão geral é de uma capital que prima pela limpeza de suas ruas. É bem verdade que no centro o trânsito congestiona. Mas no todo, para nós brasileiros sequiosos de segurança para badalar à vontade, Lima nos pareceu perfeita. Chama a atenção as bem cuidadas e ajardinadas praças centrais, com seus bancos dignamente assentados. Constatamos o quanto uma boa educação faz a diferença de um povo. A alma de um país tem seu coração na capital. E todos concordamos que Lima é cidade para temporada de no mínimo uma semana. Daí que numa curta visita não se pode deixar de visitar a Igreja de São Francisco de Lima. Tão grandiosa que mais lembra uma basílica. E seus corredores laterais, os meandros, a biblioteca, a catacumba – foi a primeira catacumba que vi. Do grupo, a maioria sentiu uma baixa no astral, “um peso” do que aquela ossada histórica significa, mas eu, por causa da quilometragem existencial, encarei os crânios seculares com uma naturalidade nada estarrecida. E que lindo o claustro, com seu jardim a céu aberto. Nisso a noite já se fazia e fomos ao imperdível Museo Larco, de arte pré-colombiana, que fica aberto até as 20h. Idealizado por Rafael Larco Herrera, o museu deslumbra pela riqueza tanto na cerâmica como nos metais, pedras, joias e tecidos bem tramados do império inca, quando Colombo nem sonhava descobrir a América. E nem Pizarro capturar Atahualpa, o imperador inca. O Peru é um país profundamente místico. As raízes incas e o catolicismo herdado dos conquistadores espanhóis são fortemente inculcados no peruano religioso. E pelo que nos afirmou nossa guia, peruano não é muito de ir à praia do jeito que os brasileiros vão. Em Lima, é mais à noite que a orla é frequentada, e no mais perfeito e seguro espírito cívico. Crianças, jovens, idosos, famílias inteiras fazendo bom uso da promenade. Polos esportivos e de ginástica, tudo iluminado de modo a causar a melhor impressão. Faz tempo que ouço dizer que o Peru vai bem das pernas. O presidente Kuczynski, de centro-direita, dá sequência a bons mandatos. Pelo que se depara estamos em um país ajuizado, bem resolvido e maduro. E como percebeu Luciana, as peruanas típicas mantêm fidelidade às raízes: as tranças, a saia confortavelmente rodada, os tecidos coloridos superpostos. São admiráveis e fazem bela vista.
MACHU PICCHU E A DIMENSÃO DO SAGRADO
Para muitos, ir ao Peru e não subir ao santuário sagrado de Machu Picchu é mais do que ir a Roma e não ver o papa. E aqui faço minhas as palavras de Bruno Dieguez, que é professor na PUC carioca e que, nesta viagem, como representante da Xmart Viagens em aliança com o Sumaq Machu Picchu Hotel, foi o condutor do nosso grupo. Bruno foi quem melhor elucidou o sentido da nossa press trip: “Não sabemos de nada, e isso é ótimo. Correr o risco de surpresa é tão válido quanto dar o braço a torcer. Confesso: Machu Picchu nunca fez parte de meus planos de viagem. Me parecia balela o papo da energia incrível que rola lá. Mas vocês venceram, pessoas de bem. É preciso conhecer este lugar!”.
Em Machu Picchu Pueblo nos hospedou o melhor e mais sofisticado hotel do lugar, o cinco-estrelas Sumaq. Conforto e tratamento exemplares. O melhor restaurante da cidade. A maioria dos hóspedes são americanos ricos e bem educados. Tivemos como experiência cultural, numa das salas do hotel, a representação de um casamento inca, após o que fomos levados a conhecer o hotel antes da aula de gastronomia peruana. Em seguida o jantar, com menu-degustação. Sem palavras, de tão bom. Bem colocados, graças aos variados preparos de pisco sour, foi pena não dar pra esticar pelo pueblo, porque na manhã seguinte o programa era a escalada ao Santuário Sagrado.
É aconselhável ir bem de manhã, de preferência ao nascer do sol. Do hotel até o pórtico do santuário são 25 minutos de ônibus montanha acima. Por ser domingo era maior o número de turistas e devotos. Nosso grupo, graças aos cuidados do hotel, teve dois guias, Roberto, arqueólogo, e Daniel, xamã. Do pórtico começa a subida a pé. Uns 400 m de percalços íngremes em escadaria tosca de pedras por vezes pontiagudas. Os jovens tiraram de letra, mas eu me senti tipo Cristo no calvário, socorrido pelo braço ora do arqueólogo ora do xamã, ambos gentis e destros no socorro. O espírito religioso, uma retomada de fé ia possuindo nossos corações. Pura emoção e lágrimas rolando quando o xamã mostrou que chegáramos à pedra sagrada dedicada à Pachamama, a Mãe Terra protetora. O xamã celebrou nossa vitoriosa chegada ao lugar com uma cerimônia xamânica de limpeza espiritual. Duas folhas de coca para cada um, que as tocamos com os lábios e, como agradecimento e pedidos, as enfiamos entre os vão da pedra transcendental.
A cidadela de Machu Picchu é a mais perfeita concepção arquitetônica do planeta Terra a 2.400 m de altitude. Data de cerca de 500 anos. É um grande mistério. Uma enorme re
velação. Uma maravilha feita por mentes e mãos humanas? Shirley MacLaine esteve lá em cima e teve revelações extraterrestres que deram origem a um livro. Mas o nosso dia também estava lindo e pude observar os obstinados e fervorosos que chegavam ao topo de Machu Picchu. Idosas americanas pra mais de 80, felizes de terem atingido a meta, com auxílio de bengalas próprias. Uma jovem mãe inca, ela e o marido subiram com os gêmeos de 8 meses no colo, como pagamento de promessa. Vi também um par de rapazes triplamente obesos, felizes por terem alcançado aquela altura sem a obrigação de perder peso. E até alguns deficientes não fizeram por menos e chegaram lá em cima. É quando querer é poder. E se a descida era tão dificultosa quanto a subida, tive a santa companhia do gentil xamã enquanto lépido e fagueiro o grupo ia à frente. Com o xamã foi tipo conversa de Richard Gere com Dalai Lama. Contei minha vida, Daniel contou a dele: é casado e pai de três, um filho e duas filhas, a caçula de apenas quatro dias, Dayamanty, nome de uma princesa (ele escreveu num papel). E o grupo chegou ao hotel, feliz mas dolorido. Muitos se queixaram de dor nos pés, eu de dor nos joelhos – subira praticamente de joelhos até o santuário. Fomos atendidos no spa por eficientes moças massagistas que botaram os músculos – e no meu caso os ossos – no lugar. À noite, no hotel, tivemos mais duas cerimônias xamânicas com Daniel. Uma antes e outra, particular, pra quem quisesse, depois do jantar à la carte. E Angie Clavijo, da família do hotel e que, com entusiasmo e amizade nos acompanhou em quase toda a aventura peruana com direito a mais algumas horas nos quase 4 mil metros de altitude de Cusco, até o bota-fora no aeroporto em Lima em nossa volta pra casa, exaustos mas felizes no conforto da classe executiva da Avianca, no jantar de despedida no hotel lá em Machu Picchu, Angie nos contou que Paolla Oliveira (e parte da equipe da Globo) em 2015, nas gravações da abertura da novela Amor à Vida, se hospedou no Sumaq, e que Paolla, tanto pela fé quanto para incorporar seu personagem na trama, fez questão de subir à pé toda escalada até o Santuário Sagrado de Machu Picchu.
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* O jornalista viajou a convite de Xmart
ANTONIO BIVAR, escritor e dramaturgo, acredita que devagar e sempre, nesse passo, vai até honolulu