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Pressão, não sente a dita-cuja

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MOTOR

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PETER RODENBECK

Pelas mãos deste norte-americano naturalizado brasileiro gigantes como McDonald’s, Outback e Starbucks chegaram por aqui. Cercar-se de empresas líderes sempre foi seu mantra, e hoje ele dá plantão no novo Hospital do Câncer do Rio de Janeiro, acompanha os negócios da holding Bloomin’ Brands e quando dá se encontra com o amigo Jorge Paulo Lemann, contemporâneo em Harvard e colega nos tempos da corretora Garantia

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por paulo vieira fotos andré giorgi

De risada fácil e cordialidade extrema, o administrador Peter Rodenbeck é candidato natural a “amigo gringo” de qualquer pessoa com quem inicie a mais trivial conversação. O sotaque ianque preservado, mesmo depois de 50 anos de Rio de Janeiro, evoca o norte-americano da caricatura, aquele que, chapéu de caubói à cabeça, chega ao Brasil e, mesmerizado pela paisagem tropical e pelas mesuras intermináveis dos nativos, vai ficando, ficando, ficando...

Mas a história de Rodenbeck no Brasil passa longe do samba, da caipirinha, do [Oswaldo] Sargentelli, da finada boate Help e de qualquer outro estereótipo análogo, pois já desejava o Brasil nos tempos de Harvard, onde se formou em história latino-americana em 1961. Ao longo da graduação, dividiu o alojamento com um colega português e se encantou pela nossa língua. Aqui foi trocando de empregos numa escala ascendente, que o levou a ser companheiro de Jorge Paulo Lemann na corretora de valores Garantia e, em 1979, licenciado do McDonald’s para implantar, junto com Gregory Ryan, a famosa rede de fast-food no Brasil. Dezesseis anos depois, ao vender sua parte na joint venture para a matriz, ele poderia, aos 55 anos de idade, pegar o boné e sair pelo mundo a velejar, como chegou a acalentar. Só que não: seguiu na lida e, mais tarde, encontrou tempo e disposição para trazer ao Brasil as marcas Outback e Starbucks.

Se o sucesso de alguém pudesse ser medido por suas parcerias, Rodenbeck, portanto, seria a epítome da boa ventura. Low-profile, com poucas entradas no “Google” mesmo depois dessas cinco décadas de atuação, o administrador seguiu uma conduta padrão no seu relacionamento com as marcas. Depois de trazê-las para o país, encontrar os franqueados ideais e implantar um bom número de unidades pelo Brasil, passava nos cobres sua parte nas joint ventures, vendendo-as para as matrizes. O que acumulou financeiramente com isso certamente permitiria viver uma aposentadoria jubilosa, mas hoje, aos 77 anos, continua dando expediente, como se trabalhar fosse um hobby – ou uma “doença”, ele não sabe direito. “Quando chegava a tarde de domingo, eu já ficava ansioso. Queria que logo viesse a segunda”, disse a PODER.

ILUSTRAÇÃO ISTOCKPHOTO.COM

Naturalizado brasileiro num tempo em que era precisa renunciar à cidadania nativa para sê-lo, Rodenbeck segue a viver no Rio, onde é presidente-executivo (não remunerado) do novo Hospital do Câncer, projeto capitaneado pelo médico Marcos Moraes, homem que dedicou boa parte da vida ao Instituto Nacional de Câncer (Inca). O hospital, que fica no Méier, na zona norte carioca, tem no conselho figurões como Armínio Fraga e Joaquim Falcão e é dedicado exclusivamente ao tratamento da doença. Ainda está na primeira dentição: só no ano que vem irá implantar os serviços de radioterapia e de quimioterapia.

A São Paulo, Rodenbeck vem de quando em quando para resolver assuntos na Bloomin’ Brands, a companhia norte-americana que controla 1.400 restaurantes em 20 países pelo mundo das marcas Outback, Bonefish

e Carrabba’s (no Brasil, Abbraccio), além da steak house Fleming’s. Foi nessa casa, até aqui a única do Brasil, inaugurada este ano nos Jardins, na capital paulista, que se deu este almoço de PODER. Em vez da carne vermelha de resistência do Fleming’s, Rodenbeck preferiu salmão guarnecido por espinafre e batatas, além de um vinho branco cuja uva foi escolhida pelo voluntarioso garçom Henrique.

SUTRA

Há certamente algum ensinamento a ser tirado de um sujeito que consegue se cercar de empresas de tanta potência como ele se cercou. Mas como num sutra, suas respostas são bem mais prosaicas do que se poderia imaginar. “Minha estratégia sempre foi trabalhar com empresas líderes, que vão investir com o licenciado, que serão generosas no treinamento das equipes, que vão se interessar pela relação com os fornecedores, que vão pressioná-los”, diz. No caso do McDonald’s teve também a sorte de contar com uma conjuntura favorável, como se dizia dos anos Lula. “Havia no McDonald’s naquele tempo o compromisso emocional de um presidente que queria ocupar o mundo, realizar uma expansão universal”, disse.

Em seus dias de namoro com o McDonald’s, Rodenbeck teve o colega do Garantia Lemann como par. Era uma instituição financeira que os americanos queriam inicialmente como sócia no Brasil, e houve reuniões em Chicago a que os dois compareceram juntos. Ambos foram indicados por um amigo comum, executivo da empresa de locação de aparelhos de TV Colortel. “Ele me apresentou um americano que fez a ponte com o pessoal do McDonald’s. Depois de uns dois anos de conversa, acabei conseguindo fechar o negócio. Pesou uma experiência ruim que eles tiveram em sociedade com um banco em outra parte do mundo.”

Rodenbeck viveu no Brasil um número pornográfico de crises econômicas e, assim, não se assusta com nosso atual momento. “Já vi os americanos nos salvarem duas vezes com aportes financeiros, especialmente nos anos 1980.” Não só ele não se assusta: os grandes investidores estrangeiros, na sua opinião, também não. “O Brasil tem escala. Qualquer empresa de porte entende que, para se expandir pelo mundo, precisa desenvolver uma estratégia aqui.” De qualquer forma, vê com preocupação o déficit fiscal brasileiro, que, como se sabe, teve sua previsão dilatada em R$ 20 bilhões, em 2017, e outros R$ 30 bi, em 2018 (embora a meta para o ano que vem não tenha sido apreciada pela Câmara). “Tem de focar na dívida pública, esse é o grande termômetro da saúde do país, quando a gente lê o Armínio [Fraga], vê a seriedade da coisa”, disse, fazendo referência a uma entrevista que o economista e ex-presidente do Banco Central nos anos FHC concedeu ao jornal Folha de S.Paulo e que havia sido publicada no dia do nosso almoço. Fraga disse que, mesmo num cenário em que a reforma previdenciária fosse aprovada, a dívida iria “estar na lua”, alcançando 95% do PIB brasileiro.

Os americanos podem não se assustar com a nossa instabilidade econômica, mas muitos, na opinião de Rodenbeck, ficaram petrifica

SANGUE NOS OLHOS

“Contratos são como corações: são feitos para ser quebrados”; “Negócio é guerra”; “Se eu vejo um concorrente se afogando, vou lá e enfio uma mangueira na garganta dele.” As frases são de Ray Kroc, o homem que fez do McDonald’s uma marca conhecida nos Estados Unidos e depois no mundo. Se as frases não são mesmo de Kroc, elas são bem “trovatas” na boca de Michael Keaton, o ator que o encarna na cinebiografia Fome de Poder (2016). Responsável pela expansão da rede, Kroc travou uma disputa particular com os fundadores, os irmãos Maurice e Dick McDonald, que criaram o conceito da linha de montagem da marca, queriam ter controle estrito do que era servido pelos franqueados e com isso viviam a atrasar as decisões que Kroc tinha pressa em tomar.

A história não foi pesada para os irmãos, que venderam a marca por mais de US$ 2,7 milhões (valores de 1961) para Kroc, mas tiveram dissabores: após o acordo, um McDonald’s materializou-se bem defronte da lanchonete original dos irmãos, na Califórnia. Tiveram de fechá-la sem poder doá-la para os funcionários que ali trabalharam ainda na década de 1940 – um desejo do duo. Também resignaram-se com a usurpação do título de fundadores da marca, que Kroc passou a usar. The Founder (O Fundador) é, aliás, a tradução estrita do nome original do filme. Pior, jamais viram honrado um acerto verbal com Kroc que previa participação perpétua nos lucros.

ILUSTRAÇÃO ISTOCKPHOTO.COM

“O Brasil tem escala. Qualquer empresa de porte entende que, para se expandir pelo mundo, precisa desenvolver uma estratégia aqui”

dos com o ataque do grupo brasileiro de Jorge Paulo Lemann sobre tradicionalíssimas marcas do país. Budweiser, Burger King, o catchup Heinz, todas foram sendo encaçapadas como num lance de sinuca em que ao adversário cabe apenas olhar e esperar a próxima partida. “Acho que muita gente ficou revoltada nos Estados Unidos com a filosofia de corte de custos do grupo de Lemann. Deve ter sido assim especialmente na Budweiser, que tinha muita gordura.” Uma medida sempre executada pelo pessoal de Lemann no momento das aquisições é elogiada por Rodenbeck. “Só de juntar todo mundo numa mesa, de fazer cair as divisórias, a gente já consegue identificar quem vai contribuir com o novo controlador.”

BRASIL X EUA

Um pensamento atribuído a Tom Jobim diz que “morar no Brasil é uma m* mas é bom”. Nos Estados Unidos seria exatamente o contrário, e Rodenbeck também não vê motivo para deixar seu país de adoção mesmo atingido por violentas perdas pessoais. Sua ex-esposa Maria Luisa, que era de fato a executiva à frente da Starbucks, morreu num acidente de trânsito na avenida Niemeyer, no Rio, em 2007. O táxi em que estava chocou-se com um ônibus e depois disso, segundo Rodenbeck, toda a sinalização daquela via litorânea entre Leblon e São Conrado foi melhorada. Este ano também foi aziago. Em janeiro morreu o ex-presidente da Outback no Brasil Salim Maroun, que começou no McDonald’s.“Ele tinha quatro unidades e era com certeza meu melhor franqueado.” Seu filho Jean Paul Maroun é associado de Rodenbeck e também de Mauro Guardabassi (da família das carnes Bassi) nas operações da Fleming’s do Brasil. Por fim, em agosto morreu o colega Gregory Ryan, aquele a quem também coube deslanchar a operação do McDonald’s no país – nos estados em que Ryan atuava, como São Paulo, Rodenbeck não estava, e vice-versa. Com tudo isso, o máximo de afastamento do Brasil que o amigo gringo se permite é passar férias de tempos em tempos na belíssima cidade do Porto, em Portugal, onde comprou um apartamento. No ano que vem ele pretende usá-lo como base para uma jornada até Santiago de Compostela – a pé, como pede o decoro. Junto com alguns amigos, deve usar a rota que liga o norte de Portugal à cidade galega onde estão os míticos despojos de São Tiago. Se sair do Porto terá de vencer 220 quilômetros.

Rodenbeck adora o mar, e foi a afinidade eletiva que jogou os dados na escolha do Rio

“Só de juntar todo mundo, de fazer cair as divisórias, a gente já identifica quem vai contribuir com o novo controlador”

e possivelmente do Porto. Mas a velha ideia de velejar, aquela que parecia tão palpável aos 55 anos e que foi abortada para que ele acompanhasse a ex-mulher Maria Luisa em seu MBA em Boston – foi lá, depois de dez anos de conversas, que surgiu o contrato com o Starbucks – continua como aquele sonho distante que a gente prefere deixar sempre no campo do irrealizável. O que não o impede de idolatrar Amyr Klink, o maior velejador brasileiro, de quem leu e adorou Não Há Tempo a Perder, livro de memórias lançado em 2016.

É curioso: o tão peremptório título do livro do marinheiro não parece “ornar” em nada com o timing de Rodenbeck, que não indica ter a menor pressa – nem arrependimentos. De alguma forma, como na música eternizada por um ex- -conterrâneo famoso, o amigo brasileiro gringo fez do jeito dele.

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