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OPINIÃO

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ALEGRIA DE NÃO TER QUE SER

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POR CLAUDIO THEBAS

Eu já tenho que ser muita coisa. Já tenho que ser competente, produtivo, responsável. Tenho que ser bom pai, bom filho, bom marido, bom cidadão. Por favor, não me digam que além de tudo eu tenho que ser feliz. Não coloquem a minha sagrada felicidade no baú da obrigação. Uma coisa não combina com a outra. Trabalho no fortalecimento de grupos faz muitos anos e volta e meia me perguntam: “O que podemos fazer para que o nosso dia a dia seja mais descontraído?”. A resposta é sempre a mesma: o ambiente só será descontraído se ninguém tiver a obrigação de estar descontraído. Poucas coisas são mais tensas do que ter que estar alegre, feliz e animado. Para mim, estar sempre com um sorriso congelado no rosto é sinal de autenticidade de menos ou botox de mais. A verdadeira descontração só rola em ambientes em que nos sentimos seguros e acolhidos para podermos simplesmente estar, seja qual for o sentimento que vem depois do verbo. Felicidade, medo, raiva, saudade e ela, o patinho feio, a tristeza – sentir-se triste não é defeito de fabricação. A alegria só será plenamente vivida se nos acolhermos por inteiro. Sem ter que ser nada. Sempre que associamos nossa felicidade ao verbo “ter” armamos uma arapuca para nós.

Felicidade não está em possuir, mas sobretudo na habilidade de desapegar. As coisas são efêmeras. Amores para toda vida teimam em ser passageiros e toda viagem tem uma hora que termina. Por medo do que vem depois, acabamos não vivendo plenamente o agora. Mas a felicidade não está na viagem. A felicidade está em viver a viagem. Olhe a sua volta. Quantos objetos te deixaram muito feliz na hora que você ganhou ou comprou, mas, passado um tempo, estão aí, esquecidos. Mas, se você conseguir por um instante se desvencilhar do tumulto dos seus pensamentos e afazeres e se conectar por um breve momento com a história desses objetos, seu coração vai se encher de boas memórias. Aqui já podemos pensar na diferença entre alegria e felicidade. Alegria é um estímulo, felicidade um estado. A alegria pode brotar no estímulo de ganhar ou comprar um objeto. Já a felicidade reside na história que ele contém. E isso depende de como vivemos a história e de como nos relacionamos com a lembrança dela.

Olhando para essa definição de alegria e felicidade, me arrisco a dizer que tenho uma boa e uma má notícia para te dar. A má: você não pode deixar ninguém alegre ou feliz. A boa: você não pode deixar ninguém triste ou infeliz. O que fazemos é oferecer estímulos. E sobre eles somos responsáveis. Mas o que fazem com esses estímulos é responsabilidade de cada um. A consciência disso retira um peso enorme sobre nossos ombros.

Estamos no meio de uma pandemia que transformou nossas vidas. Em quase um ano já podemos olhar para as experiências vividas e colher o que aprendemos sobre o desafio de encontrar frestas de alegria no meio dos estímulos do caos. Reuni algumas pistas: viva e acolha sinceramente o que você sente; partilhe o que sente com pessoas que acolham e legitimem seus sentimentos; brinque, invente situações que tragam a ludicidade. Brincar, sobretudo em tempos sombrios, é ter a ousadia de viver pequenas histórias de subversiva felicidade. E essas histórias, bom... essas histórias ninguém jamais vai tirar de você. n

Claudio Thebas é escritor, educador e fundamentalmente palhaço. É fundador do laboratório de Escuta e Convivência e da Inputz, empresa especializada no desenvolvimento da escuta, do diálogo e da implantação de cultura colaborativa.

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